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PROPOSTA DE UM MODELO METODOLÓGICO PARA

O ENSINO DA PESQUISA EM COMUNICAÇÃO

Maria Immacolata Vassallo de Lopes

O conteúdo do texto deriva prioritariamente de nossa prática


com o ensino de metodologia da pesquisa na Comunicação em cursos
de pós-graduação e de graduação. Desenvolvemos, ao longo dessa práti-
ca, um modelo metodológico para a pesquisa empírica de Comunicação
para servir de referência para a prática da pesquisa de Comunicação.
O modelo metodológico articula o campo da pesquisa em níveis e fa-
ses metodológicas, que se interpenetram dialeticamente, do que resulta
uma concepção, simultaneamente, topológica e cronológica de pesqui-
sa. A visão é a de um modelo metodológico que opera em rede. O eixo
paradigmático ou vertical é constituído por quatro níveis ou instâncias:
1) epistemológica, 2) teórica, 3) metódica e 4) técnica. O eixo sintag-
mático ou horizontal é organizado em 4 fases: 1) definição do objeto, 2)
observação, 3) descrição e 4) interpretação. Cada fase é atravessada por
cada um dos níveis e cada nível opera em função de cada uma das fases.
Finalizamos o texto advogando sobre as possibilidades da pesquisa de
intervenção no ensino de metodologia em Comunicação.

Palavras-chave: comunicação; modelo metodológico; ensino; prática


da pesquisa; pesquisa de intervenção.

***

O PROCESSO DE PRODUÇÃO DA PESQUISA DE COMUNICAÇÃO


Falar de metodologia implica sempre um falar pedagógico, pois
parte-se, de todo modo, de uma determinada concepção de pesquisa,
ou mais propriamente, de uma determinada teoria da pesquisa que
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é concretizada na prática da pesquisa. O efeito desse falar remete in-


variavelmente a um “como fazer pesquisa”. Queremos, então, sublinhar
que as presentes ponderações derivam de nossa prática com o ensino de
metodologia da pesquisa na Comunicação em cursos de pós-graduação
e de graduação, com a avaliação institucional de projetos de pesquisa,
seja em bancas de mestrado e doutorado ou junto a agências de fomen-
to, além, é claro, de nossas próprias experiências de investigação, indivi-
duais e coletivas. Isso nos tem dado, no mínimo, a possibilidade de fun-
dar uma concepção de pesquisa na crítica à sua prática, principalmente
a realizada no Brasil.
Desenvolvemos, ao longo dessa prática, um modelo metodológi-
co para a pesquisa empírica de Comunicação (Lopes, 2014) que será
usado como referência para as observações que se seguem sobre a práti-
ca da pesquisa de Comunicação.
Portanto, assumimos que a pedagogia da pesquisa, ou melhor, o
ensino de metodologia funda-se sempre sobre uma teoria da pesquisa
que é uma concepção da estrutura e do processo de construção do co-
nhecimento. Essa simples proposição encobre uma grande complexida-
de, pois percorre desde questões de epistemologia da comunicação até a
elaboração de questionário, por exemplo, sobre o consumo de televisão,
passando pela articulação entre as teorias da comunicação que servem
de quadro teórico de referência num projeto de investigação. Trata-se
então de uma visão não reducionista de pesquisa (aquela que a reduz a
um receituário ou catálogo de normas de “como fazer”), porém rigorosa
no sentido do domínio de saberes metodológicos e ao mesmo tempo
aberta à sensibilidade do pesquisador, à consciência de sua prática inte-
lectual, à responsabilidade social de sua atividade.
São dois os princípios básicos que regem esse modelo: 1) a refle-
xão metodológica não se faz de modo abstrato porque o saber de uma dis-
ciplina não é destacável de sua implementação na investigação. Portanto,
o método não é suscetível de ser estudado separadamente das investiga-
ções em que é empregado; 2) a reflexão metodológica não só é importante
como necessária para criar uma atitude consciente e crítica por parte do
investigador quanto às operações que realiza ao longo da investigação.
Deste modo, torna-se possível internalizar um sistema de hábitos in-
telectuais (Bourdieu, 1999), que é o objetivo essencial da Metodologia.

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O recurso aos ensinamentos da linguística nos permite abordar a


ciência como linguagem e, como tal, constituída por dois mecanismos
básicos, de seleção e de combinação de signos, aquele operando no eixo
vertical, paradigmático, ou da língua, e este no eixo horizontal, sintag-
mático ou da fala. As decisões e opções na ciência, que são do eixo do
paradigma, são feitas dentro do conjunto de teorias, métodos e técnicas
que constituem o reservatório disponível de uma ciência num dado
momento de seu desenvolvimento, num determinado ambiente social.
Essas opções são atualizadas através de uma cadeia de movimentos de
combinação, que são do eixo do sintagma e que resultam na prática da
pesquisa. Assim, o campo da pesquisa é, ao mesmo tempo, estrutura en-
quanto se organiza como discurso científico e é processo enquanto se
realiza como prática científica. É o que se visualiza no Gráfico 1.

GRÁFICO 1 - CAMPO DE PESQUISA

Desta maneira, nossa concepção metodológica ressalta que a


pesquisa não é redutível a uma seqüência de operações, de procedi-
mentos necessários e imutáveis, de normas rigidamente codificadas,
que converte a metodologia numa tecnologia, num receituário de
“como fazer” pesquisa, com base numa visão “burocrática” de proje-
to, o qual, fixado no início da pesquisa, é convertido numa verdadeira

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camisa-de-força que transforma o processo de pesquisa num ritual de


operações rotinizadas.
Ressaltamos que um ponto central dessa concepção de pesquisa
é a noção de modelo que ela acarreta. Seu postulado é a autonomia
relativa da metodologia, isto é, um domínio específico de saber e de
fazer e o decorrente trabalho metodológico reflexivo e criativo.
Mas, por que construir um modelo metodológico para a pesquisa
de Comunicação? Como lembra Granger (1960), a tarefa da ciência é a
construção de modelos que tentam explicar a experiência, mesmo que
essa construção seja sempre aproximativa, uma vez que o trabalho cien-
tífico assenta sobre uma tensão, sempre presente, entre o pensamento
formal e a experiência humana que pretende conceituar. Talvez seja na
presença mesma dessa tensão entre o discurso científico e o real que se
assenta o ideal de conhecimento da ciência.
O modelo metodológico que apresentamos articula o campo da
pesquisa em níveis e fases metodológicas, que se interpenetram diale-
ticamente, do que resulta uma concepção simultaneamente topológica
e cronológica de pesquisa. A visão é a de um modelo metodológico que
opera em rede. O eixo paradigmático ou vertical é constituído por qua-
tro níveis ou instâncias: 1) epistemológica, 2) teórica, 3) metódica e 4)
técnica. O eixo sintagmático ou horizontal é organizado em 4 fases: 1)
definição do objeto, 2) observação, 3) descrição e 4) interpretação. Cada
fase é atravessada por cada um dos níveis e cada nível opera em função
de cada uma das fases. Além disso, os níveis mantêm relações entre si e
as fases também se remetem mutuamente, em movimentos verticais, de
subida e descida (indução/dedução, graus de abstração/concreção) e de
movimentos horizontais, de vai-e-vem, de progressão e de volta (cons-
truir o objeto, observá-lo, analisá-lo, retomando-o de diferentes manei-
ras). É o que se representa no Gráfico 2.

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GRÁFICO 2 - MODELO METODOLÓGICO DE PESQUISA

Esse modelo metodológico pretende ser crítico e operacional ao


mesmo tempo. Ele é construído conscientemente com fins de descrição,
explicação e de aplicação concreta.
A pedra de toque desse modelo é que a prática da pesquisa é
feita de opções e decisões que implicam a responsabilidade intrans-
ferível do autor pela montagem de uma estratégia metodológica de sua
pesquisa, o que implica que as opções sejam tomadas com consciência
e explicitadas enquanto tal: uma opção específica para uma particular
pesquisa em ato.
Construir metodologicamente uma pesquisa é operar, praticar
os seus níveis e as suas fases. Portanto, no modelo, cada nível e cada
fase se realiza através de operações metodológicas. É o que apresenta
nos Gráficos 3 e 4.

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GRÁFICO 3 - COMPONENTES PARADIGMÁTICOS DO MODELO METODOLÓGICO

GRÁFICO 4 - COMPONENTES SINTAGMÁTICOS DO MODELO METODOLÓGICO

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Não é o caso de aqui fazer uma exposição do modelo metodoló-


gico, já feita em outros lugares (Lopes, 2004; 2014). Basta dizer que nele
concebemos a pesquisa como uma estrutura e um processo articulados
em um conjunto de movimentos indutivos e dedutivos do pensamento,
em movimentos de abstração e concreção, movimentos de interação en-
tre níveis e fases. O resultado final desse modelo, em sua representação
gráfica e conceitual é o de um modelo de rede, cujos nós são os pontos
de conexão, de junção e cada espaço delimitado remete a operações me-
todológicas específicas do encontro um nível com uma fase e ao mesmo
tempo logicamente complementares e dependentes. Quer-se com isso
representar o modelo como operacional (que implica em operações me-
todológicas concretas), dinâmico (como resultado dos movimentos do
pensar), aberto (à criação, à inventividade, à experiência) e rigoroso (em
suas exigências epistemológicas, teóricas, metodológicas e técnicas).

SOBRE AS POSSIBILIDADES DA PESQUISA DE INTERVENÇÃO


NO ENSINO DE METODOLOGIA EM COMUNICAÇÃO
Cabem aqui algumas reflexões sobre o uso do modelo metodo-
lógico nos projetos de pesquisa dos alunos, estimulando a repensá-lo e
aperfeiçoá-lo diante dos problemas de comunicação neles envolvidos.
Em primeiro lugar, o uso do modelo permite extrapolar a sua validade
e ampliar a sua abrangência para além dos projetos de caráter acadêmico.
Os procedimentos da pesquisa empírica são de caráter científico, mas apli-
cados a objetos eminentemente práticos, como usos, produção, práticas co-
municacionais, o que permite contribuir para o estado de conhecimento do
objeto ao mesmo tempo que dá ênfase à sua transformação.
Em decorrência, uma determinada concepção de ação emerge e
acompanha todo o processo de aplicação do modelo. Em outros termos,
ao longo da execução das pesquisas vão se gestando novas e variadas
formas de articular a pesquisa com a ação. Sem entrarmos aqui na com-
plexidade das diversas metodologias denominadas pesquisa participan-
te (Brandão, 1985), pesquisa-ação (Thiollent, 1985, 1997), o conceito de
pesquisa de intervenção que estamos introduzindo a elas se aproxima
porque presta-se ao encontro da perspectiva da pesquisa crítica com a
ação de caráter racional e estratégico (objetivo de eficácia e de êxito da
intervenção no problema de pesquisa). A explicação, alcançada através

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da análise interpretativa dos dados, articula-se com a aplicação dos re-


sultados alcançados. Passamos então a reter as seguintes conexões en-
tre pesquisa e intervenção:

• enquanto pesquisa sobre os sujeitos sociais - suas ações,


transações, interações - seu objetivo é a explicação;

• enquanto pesquisa para dotar de uma prática reflexiva as


práticas espontâneas - seu objetivo é a aplicação.

O fato de a pesquisa ser aplicada, o caráter construtivista e criati-


vo da metodologia necessariamente deve ser pensado como um vai-vem
entre teoria e prática e não como aplicação de mão única. Implica em
participação e envolvimento no objeto de estudo, isto é, na efetividade
ou reciprocidade do relacionamento entre o pesquisador e os sujeitos
sociais e na clareza do posicionamento implicado. É resultado, pois, da
dialética entre participação e distanciamento.
Queremos, por fim, enfatizar o desafio estimulante que a pesquisa
de intervenção tem trazido ao modelo metodológico por levar a refletir
e a incorporar a questão da função social da ciência e da formação do
pesquisador junto aos problemas comunicacionais investigados.

OBSERVAÇÕES FINAIS
Para finalizar, reunimos esquematicamente os principais pontos
do modelo metodológico proposto:

• A pesquisa como campo relativamente autônomo e estrutu-


rado em níveis e fases metodológicas.

• O caráter aberto da metodologia, praticada através de uma


série de decisões e opções tomadas ao longo da pesquisa.

• A concepção não-tecnicista e não-dogmática da metodologia


como trabalho que proíbe a comodidade de uma aplicação
automática de procedimentos aprovados e exige que toda
operação dentro da pesquisa deve questionar a si mesma.

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• O objetivo de servir como instrumento de criação e desen-


volvimento de disposições intelectuais no pesquisador.

• A ênfase na responsabilidade do pesquisador equaciona-


da em termos da legitimidade intelectual e a relevância
sócio-profissional do trabalho de pesquisa.

• A pesquisa de intervenção como elemento estratégico do pro-


cesso de formação em pesquisa dos alunos Comunicação.

REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Repensando a Pesquisa Participante.
São Paulo: Brasiliense, 1985.
BOURDIEU, Pierre et al. Ofício de Sociólogo. Petrópolis: Vozes, 1999.
GRANGER, Gilles-Gaston. Pensée Formelle et Science de l’Homme.
Paris: Aubier, 1960.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em Comunicação.
Formulação de um modelo metodológico. 11. ed. São Paulo: Loyola,
2014.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa de Comunicação: ques-
tões epistemológicas, teóricas e metodológicas. Intercom. Revista
Brasileira de Ciências da Comunicação. São Paulo, v. XXVII, n. 1, jan./
jun. 2004.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Sobre o estatuto disciplinar
do campo da Comunicação. In: LOPES, Maria Immacolata V. (Org.).
Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo:
Cortez, 1985.
THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação nas organizações. São Paulo:
Atlas, 1997.

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