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ANDRÉA MARIA DUARTE VARGAS

MEMORIAL ACADÊMICO:
a trajetória de uma professora universitária

Belo Horizonte
Universidade Federal de Minas Gerais
2019
ANDRÉA MARIA DUARTE VARGAS

MEMORIAL ACADÊMICO:
a trajetória de uma professora universitária

Memorial apresentado à Faculdade de


Odontologia da Universidade Federal de Minas
Gerais, como parte dos requisitos para promoção
à classe de Professor Titular do Departamento de
Odontologia Social e Preventiva.

Belo Horizonte
Universidade Federal de Minas Gerais
2019
Dedico esse Memorial:

Ao Augusto,
meu marido, companheiro dedicado;

Aos meus filhos Izabela, Marina e Guilherme;


essenciais na minha vida;

Aos meus netos Bárbara, Laura e Arthur,


impossível amor maior
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos colegas do Departamento de Odontologia Social e Preventiva pela


grande parceria. Apesar das adversidades, persistimos. Tenho orgulho de ter sido uma
partícipe na construção desse Departamento;

Aos alunos de graduação e pós-graduação que muito me ensinaram, pois como bem
dizia Paulo Freire: “não há docência sem discência, pois, quem ensina aprende ao
ensinar e quem aprende ensina ao aprender”;

Aos demais docentes da Faculdade de Odontologia que participaram de alguma forma


da minha trajetória acadêmica;

À minha irmã Adriana Maria Cancela Duarte por compartilhar do meu processo de
construção desse Memorial, com uma leitura cuidadosa do texto.
Ninguém caminha sem aprender a caminhar,
sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e
retocando o sonho pelo qual se ps a caminhar.

Paulo Freire
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 6

2 O PRINCÍPIO ................................................................................................................ 8

2.1. Graduação em odontologia .................................................................................. 10

3 INÍCIO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL E FORMAÇÃO COMPLEMENTAR .......... 12

3.1. O Curso de especialização em Saúde Pública ................................................... 14

3.2. O curso de Mestrado em Periodontia .................................................................. 16

3.3. Curso de doutorado em Epidemiologia............................................................... 17

4 A CARREIRA DOCENTE ........................................................................................... 19

4.1. Período 1983-89 ..................................................................................................... 20

4.2. Período 1990-99 ..................................................................................................... 24

4.3. Período 2000-18 ..................................................................................................... 29

5 AS ATIVIDADES DE PESQUISA:EMPENHO NA CONSTRUÇÃO DO NOVO ......... 39

6 A PRODUÇÃO CIENTÍFICA ....................................................................................... 47

6.1 Outras produções relevantes:............................................................................... 48

7 A EXTENSÃO ............................................................................................................. 53

8 A ADMINISTRAÇÃO .................................................................................................. 59

8.1. O Comitê de Ética em Pesquisa ........................................................................... 60

8.2. Comissão para implantação do Programa de Telessaúde da UFMG................ 60

8.3. Comissão para acompanhamento dos estudantes indígenas na Faculdade de


Odontologia .................................................................................................................. 61

8.4. Vice-Diretoria da Faculdade de Odontologia da UFMG ..................................... 62

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 68

Referências ................................................................................................................... 72
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1 INTRODUÇÃO
7

A oportunidade de apresentar minha trajetória acadêmica em um Memorial


permitiu-me uma reflexão sobre todas as atividades realizadas nas áreas que atuei na
Universidade, bem como sobre os produtos resultantes delas.

Redigido em plena maturidade, este Memorial busca identificar e refletir sobre


uma etapa da minha vida, o percurso profissional. Para tanto, assinalo, no transcurso
da escrita, as situações que penso como mais significativas e relevantes. É importante
lembrar que as experiências vividas foram analisadas tendo em vista o meu momento
presente, a partir da minha compreensão de vida atual, ou, como bem disse Magda
Soares, em seu Memorial (2001):

Procuro-me no passado e outrem me vejo, não encontro a que fui,


encontro alguém que a que foi vai reconstruindo com a marca do
presente. Na lembrança, o passado se torna presente e se transfigura,
contaminado pelo aqui e agora.

Procurei descrever como se deu minha escolha do curso de Odontologia, a


graduação propriamente dita, minha inserção na carreira docente como professora
auxiliar na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais
(FOUFMG), minhas pós-graduações lato sensu e stricto sensu, minhas atividades de
Ensino, Pesquisa, Extensão e Administração.

Escolhi escrever o Memorial obedecendo à ordem cronológica da minha vida e


da minha carreira docente por considerar que esse processo facilitaria a compreensão,
minha própria e do leitor, dos fatos. Em seguida, destaco as atividades mais
importantes na Pesquisa, na Produção Científica, na Extensão e na Administração. E,
ao final, teço minhas Considerações Finais, costurando as experiências vividas às
lembranças da carreira acadêmica.
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2 O PRINCÍPIO
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Sou a mais velha de cinco filhas. Meu pai, Paulo, e minha mãe, Conceição,
casaram-se em Ubá, MG, mas eu nasci foi na capital Belo Horizonte, onde moravam
meus avós por parte de pai. Logo após o meu nascimento, viemos para a capital
porque meu pai fora vítima de uma doença grave, tuberculose, e o tratamento à época
incluía cirurgia e isolamento em casa de saúde, o que nos obrigou a morar com meus
avós durante quase um ano.

Minha mãe, professora primária, tinha um colégio em Ubá, o Externato Santa


Terezinha, mas com a nossa mudança foi obrigada a vender a escola que gozava de
excelente conceito na cidade. Minha mãe era conhecida como uma professora muito
competente e rígida, bons adjetivos para os padrões da época. Os pais cujos filhos
eram rebeldes confiavam sua educação a ela, que nunca os decepcionou. Acredito que
minha vocação para a docência tenha vindo dela.

Em Belo Horizonte, ela não criou outro colégio, mas um Curso de Admissão,
necessário para os alunos que terminavam o quarto ano do Ensino Primário e queriam
ingressar nos ótimos colégios públicos existentes à época, disputando uma vaga para o
Curso Ginasial. Mais uma vez foi muito bem-sucedida.

Comecei minha vida escolar no Colégio Imaculada Conceição, onde fiz o Curso
Primário, escola religiosa tradicional de Belo Horizonte. Minha mãe havia estudado no
Colégio Sacré-Coeur de Marie, em Ubá, e queria que minha educação seguisse na
mesma linha. No momento da matrícula, a Madre Prefeita perguntou à minha mãe se
eu já sabia ler porque naquela escola as crianças aprendiam aos 6 anos, na pré-escola.
Minha mãe respondeu que sim. Eu havia cursado uma escola infantil antes, mas ela
precisou me alfabetizar em 20 dias. Lembro que tinha aulas de manhã e à tarde com
minha mãe e que consegui aprender a ler a tempo, embora com bastante dificuldade.

Com a chegada de mais quatro filhas, o orçamento ficou bastante apertado. Meu
pai era fiscal do IAPC (depois INSS), tinha um salário modesto e, mesmo com a ajuda
da minha mãe como professora, não era fácil pagar escola privada para todas as filhas.
10

Como àquela época ela já conhecia bem o ensino das escolas públicas em Belo
Horizonte, o qual considerava muito bom, me preparou para a seleção e fui aprovada
no Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG), onde permaneci até o final do Curso
Normal.

Ao longo da história, o IEMG se consolidou como a principal escola de formação


de professores do estado, com discurso e práticas pedagógicas inovadoras. Meus
tempos de IEMG me trazem boas recordações: tive excelentes professores, era um
curso muito denso, estudava muito. Hoje percebo como foi importante essa instituição
na minha vida, com uma formação laica e humanista, preocupação em cultivar os
princípios éticos, o compromisso social, o exercício do espírito criativo e crítico. Sem
dúvida, foi nesses tempos de escolaridade, aliado à formação familiar, que se deu a
formação de meu caráter, o meu modo de ser pessoal e profissional.

Permaneci no IEMG para o Curso Normal, após o ginasial, porque achava


importante ter alguma possibilidade de trabalhar assim que finalizasse o curso e
também porque ser professora me encantava. Com o tempo, percebi que era
necessário continuar estudando, entrar em uma universidade e decidi, então, fazer um
curso pré-vestibular junto com o terceiro ano do Curso Normal, prestando o vestibular
para Odontologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) logo em seguida,
no início do ano de 1973. Fui aprovada.

A escolha pelo curso de Odontologia veio ao acaso, sem muita convicção.


Gostava de Ciências Biológicas, tinha admiração por um vizinho, o dentista Dr. Edgard
Carvalho Silva, e pela minha própria dentista, Dra. Corina Godinho, e ser médica me
amedrontava um pouco. Ainda pesou o fato de, futuramente, poder ser um profissional
liberal cursando Odontologia.

2.1. Graduação em odontologia

O período da faculdade foi sem dúvida um dos momentos mais ricos da minha
vida. Foi uma fase de descobertas, de certa liberdade vivida intensamente. Entrei em
1973, com apenas 18 anos, no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), que ainda
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ocupava os dois primeiros andares da Faculdade de Medicina da UFMG. Era um


espaço muito feio e velho, com certo odor de formol, mas a alegria de já estar na
faculdade, com novos amigos, colegas de todos os cursos da área da saúde (as turmas
eram por ordem alfabética), superava os muitos obstáculos além destes. Iniciando o
Curso Básico, estudava o dia todo, o horário era integral e, à noite, ainda participava de
um grupo de estudos com mais três colegas, uma aluna do curso de Odontologia, outra
da Enfermagem e mais uma da Veterinária. Ainda somos muito amigas.

Havia um grande distanciamento entre as disciplinas do Curso Básico e as


profissionalizantes, mas mesmo assim achava fascinante. A maioria dos professores
era muito tradicional na forma de ensinar. Mas lembro-me de que na Bioquímica,
conteúdo muito difícil, os professores trabalhavam com um método pedagógico
diferenciado: havia Grupos de Discussão (GD) e Objetivos Específicos Mínimos, que os
alunos precisavam alcançar, facilitando a compreensão e o estudo da disciplina. A
Anatomia Humana Básica também tinha uma metodologia que envolvia apresentação
de videoaulas, realizadas pelo professor Jota D’Angelo, sempre muito interessantes.

Finalizado o Curso Básico, fui finalmente para a Faculdade de Odontologia, na


Cidade Jardim, que funcionava em prédio antigo, tombado pelo patrimônio histórico.
Nesse momento, a ansiedade aumentou muito porque não tinha certeza quanto à
minha opção pelo curso. Na verdade, somente quando comecei o atendimento clínico a
pacientes, já no 5º período, é que tive certeza de que estava no caminho certo.

Naquela época, a Faculdade era muito pequena, não tinha pós-graduação,


pouquíssimos eram os projetos de extensão e o mais comum era os alunos
permanecerem como monitores voluntários em disciplinas já cursadas, quando havia o
desejo de aprender mais. Assim, fui voluntária na disciplina de Dentística II, coordenada
pelo professor Marcos Lanza. Mas gostava mesmo era de Patologia: além do conteúdo
me encantar, os professores Ênio Figueiredo, José Moreira, Carlos Roberto Martins e
Juarez Correa da Silveira eram excelentes e, principalmente, amavam o que faziam.
Outro professor que me ensinou muito, sobretudo como estudar, foi Gilberto Rocha
Melo, da área de Endodontia. Ele nos motivava a buscar conhecimento novo em artigos
científicos e não apenas em livros-texto como era o mais comum à época.
12

3 INÍCIO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL E FORMAÇÃO


COMPLEMENTAR
13

Formei-me em julho de 1977. Montei um consultório odontológico com ajuda dos


meus pais e fui trabalhar também no Ambulatório do Sindicato dos Securitários de
Minas Gerais. O início é sempre muito difícil e desafiador. Como era clínica geral, fazia
praticamente tudo que os pacientes precisavam, tanto no consultório como no
Sindicato. Isso foi muito bom porque me deu uma experiência clínica fundamental para
a carreira.

Em 1979, iniciei na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), dentro da


Secretaria Municipal de Saúde (SMS), como cirurgiã-dentista da Escola Municipal
Sebastiana Novaes, localizada no Bairro Tupi. Esse novo trabalho trouxe um lado da
profissão que eu não conhecia: o serviço público. Fui apresentada ao Sistema
Incremental e às formas de prevenção existentes à época. Fazia uma odontologia
curativa (somente nos dentes permanentes de crianças de 7 a 12 anos) e palestras nas
salas de aula sobre saúde bucal que, de alguma forma, lembravam um pouco a
profissão de professor.

Com o tempo fui percebendo o pouco impacto do meu trabalho na saúde bucal
das crianças. No início de cada ano, atendia primeiramente as crianças de 7 anos que
tinham acabado de ingressar na escola e, depois, as demais, por faixa etária. No ano
seguinte, quando chamava aquelas que haviam sido atendidas no ano anterior, a
maioria estava novamente com cárie dentária e com a higiene bucal muito deficiente,
ou seja, a educação em saúde que eu realizava não tinha resultado na prática.
Comecei a questionar com a coordenação de saúde bucal sobre o não tratamento dos
dentes decíduos e, depois de algum tempo, foi permitida a restauração da face distal
dos segundos molares decíduos, acreditando que esse procedimento impediria a cárie
na face mesial do primeiro molar permanente. O conhecimento de Cariologia naquela
época era muito pequeno; a fluoretação da água de abastecimento público de Belo
Horizonte já havia iniciado, ainda que de forma gradual; os dentifrícios ainda não eram
fluoretados; o CPOD (índice de experiência de cárie dentária) das crianças, portanto,
era muito elevado.
14

Em 1981, com todas essas questões me inquietando, tive conhecimento, pela


coordenadora de saúde bucal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, do
Curso de Especialização em Saúde Pública no Departamento de Odontologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Fiz uma seleção e fui
aprovada para participar deste curso que, certamente, mudou minha carreira
profissional e foi um divisor de águas na minha vida.

3.1. O Curso de especialização em Saúde Pública

Esse curso lato sensu era modular, coordenado pelo Professor Eugênio Vilaça
Mendes, e as disciplinas eram completamente diferentes de tudo que havia estudado
até então: Teoria do Conhecimento, Economia, Sociologia, Políticas de Saúde no
Brasil, Odontologia Preventiva, Epidemiologia, Estágio de Campo, Políticas
Odontológicas no Brasil, Administração de Serviços Odontológicos, Estudo de
Problemas Brasileiros, Sistemas Comparados de Saúde Bucal. Fui aluna dos
professores Jorge Cordón (Universidade de Brasília, UnB), Maria da Conceição Brant
(PUC-MG), Helena Heloísa Paixão e Badeia Marcos (UFMG), além do próprio Eugênio
Vilaça. Professores que ajudaram a descobrir minha vocação para a saúde pública e,
principalmente, a compreender o mundo de um modo diferente, bem mais realista.

O curso ocorreu no momento em que se discutia em inúmeros países o relatório


da Conferência Internacional de Saúde de Alma-Ata, que propunha a reorientação dos
serviços públicos de saúde com base no princípio da integralidade e com três níveis
complementares de atenção, sendo a Atenção Primária o eixo estruturante do Sistema
de Saúde. Era também o momento em que, no Brasil, ocorria a VII Conferência
Nacional de Saúde (VII CNS), cujo tema principal foi a implantação de uma rede básica
de saúde em nível nacional com a proposta de implantação de um projeto, denominado
“Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-Saúde)”, que propunha a
união do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) com o Ministério da
Saúde (MS) para a universalização dos cuidados primários de saúde. No campo da
saúde bucal, estava em curso a discussão e implantação, em diversos países da
América Latina, inclusive no Brasil, da proposta de Odontologia Simplificada.
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Além de experimentar novos modelos de ensino, que me propiciaram um grande


conhecimento, durante o curso convivi com pessoas que tiveram grande importância na
minha vida pessoal e profissional, como as futuras colegas e parceiras na Faculdade de
Odontologia, professoras Efigênia Ferreira e Ferreira e Elza Araújo Conceição, também
alunas na ocasião. Como trabalho final, nós três, mais o colega Murilo Froes,
estudamos a fluoretação das águas de Belo Horizonte, realizando coleta de dados em
escolas e verificando se o CPOD havia mudado após seis anos de Flúor nas águas de
abastecimento. A verdade era que a Copasa, Companhia de Saneamento de Minas
Gerais, havia iniciado bastante devagar a fluoretação e não atingira mais que 20% da
população da cidade à época. Dessa maneira, principalmente a população que mais
precisava desse processo continuava sem tal benefício. Esse estudo foi apresentado
em um Seminário de Fluoretação que a própria Companhia organizou e os resultados
causaram muita discussão. Após nossa avaliação, a Copasa acelerou o processo de
fluoretação na cidade. Foi meu primeiro trabalho de pesquisa e essa experiência foi
muito gratificante, o que me motivou a investir na área de pesquisa e,
consequentemente, na docência.

O contato com a Odontologia Simplificada, proposta que visava ao aumento do


acesso da população aos serviços de saúde bucal, com modelos de atendimento
diferenciados, incluindo o técnico em saúde bucal (THD), despertou em mim a vontade
de ser um multiplicador do processo, fazendo-me acreditar que seria uma boa
alternativa para o atendimento odontológico escolar. Nesse momento,
coincidentemente, o secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte, Dr. Hilton Brant,
criou um grupo para realizar um projeto-piloto em escolas municipais levando em conta
os novos princípios da Odontologia Simplificada. Fui convidada pelo coordenador,
professor Júlio Noronha, para fazer parte da equipe. O ano era 1981. O consultório
odontológico de uma escola no Bairro Tirol foi totalmente remodelado, em formato de
roseta, e uma THD foi contratada e treinada, uma auxiliar de consultório dentário (ACS)
que já havia no quadro da SMS também fazia parte da equipe. A ideia era que o
cirurgião-dentista trabalhasse em equipe, realizando o diagnóstico, o plano de
tratamento e a aplicação da anestesia no paciente, fazendo o preparo cavitário, e que a
THD inserisse o material restaurador e fizesse a escultura. Esse modelo, muito
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controverso à época, fez, no mínimo, a produção aumentar muito. No entanto, com o


tempo, mais uma vez o processo acabou privilegiando a odontologia curativa,
desconsiderando a preventiva que, por princípio, deveria ser inserida paralelamente. De
qualquer modo, alguma mudança foi realizada: finalmente os dentes decíduos também
passaram a ser tratados.

No ano seguinte, 1982, o Departamento de Odontologia Social e Preventiva


(OSP) da Faculdade de Odontologia da UFMG abriu um concurso para uma vaga de
professor auxiliar. Estimulada pela minha colega e amiga, professora Elza Maria Araújo
Conceição, fiz o concurso e fui aprovada, classificada em segundo lugar. Em 1983, o
Departamento conquistou mais uma vaga e, então, fui chamada para ocupá-la.
Ingressei na carreira docente e deixei meu trabalho como cirurgiã-dentista da PBH, pois
meu regime de trabalho era de 40 horas semanais com dedicação exclusiva (DE).

Foi providencial ter iniciado a carreira docente no Ensino Superior em 1983, pois
havia me casado em 1981 e minha primeira filha nascido em 1982, o que propiciou um
tempo fundamental para minha primeira experiência com a maternidade.

3.2. O curso de Mestrado em Periodontia

Em 1989, iniciei minha qualificação no Mestrado em Periodontia, orientada pelo


professor Badéia Marcos, contando também com valiosa colaboração da professora
Helena Paixão. A decisão por essa área veio após uma discussão no Departamento de
Odontologia Social e Preventiva, onde eu trabalhava nessa época, sobre a necessidade
de seus professores buscarem áreas clínicas para qualificação, uma vez que estavam
todos trabalhando na Clínica de Atenção Primária da Barragem Santa Lúcia.

O curso de Mestrado em Periodontia tinha conteúdo prático, que incluía


atendimento aos pacientes, muito importante para mim, então uma novata nessa área.
Como trabalho final, estudei o ensino de Periodontia na Faculdade, com uma proposta
de avaliação bastante singular: com base em uma premissa central sobre o perfil
desejado do ensino odontológico e da prática profissional, foram adotadas questões
norteadoras, que orientaram o trabalho, e aplicados indicadores para cada questão,
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visando à identificação dos processos, da metodologia e dos recursos existentes. O


curso e o ensino de Periodontia na Faculdade foram, em seguida, classificados de
acordo com os parâmetros conceituais da educação odontológica na América Latina.
Constatou-se, ao final, que o ensino de Periodontia apresentava uma tendência
principal voltada para a Escola Tradicional e uma segunda tendência para a Escola
Transicional.

Esse trabalho de dissertação foi desafiador por várias razões. Era o meu primeiro
trabalho de pesquisa de peso e as muitas dificuldades na sua realização, me fizeram
estudar muito sobre ensino na área de Saúde, de Odontologia e as novas propostas
que estavam sendo discutidas no Ministério da Educação e da Saúde.

3.3. Curso de doutorado em Epidemiologia

Iniciei meu doutoramento em 1999, concluindo-o em 2002. Foi um período de


muito aprendizado e crescimento acadêmico porque escolhi uma área difícil,
Epidemiologia, na Escola de Veterinária da UFMG. A opção por esse curso veio da
necessidade de melhorar a minha produção científica e conhecer melhor sobre as
metodologias de trabalho científico possíveis na área de saúde coletiva. Tinha muito
pouco conhecimento e precisei me dedicar bastante. Isso só foi possível graças ao
Departamento de Odontologia Social e Preventiva, que me proporcionou um encargo
didático menor, e à compreensão da minha família, uma vez que meus três filhos já
estavam crescidos, na adolescência, e foram capazes de entender a importância da
minha ausência naquele momento para a minha carreira acadêmica.

Minha tese, intitulada Políticas públicas e qualidade de vida: um estudo


epidemiológico sobre a perda dentária, teve como objetivo estudar os problemas
causados pela perda dentária e a falta de acesso à prótese na vida diária da população
adulta, usuária dos serviços municipais de saúde de Belo Horizonte. Fui orientada pelas
professoras Helena Heloísa Paixão e Celina Módena (Escola de Veterinária) e utilizei a
metodologia qualitativa, por meio de entrevistas com usuários do serviço de saúde
bucal público. O trabalho foi desafiador porque eu não tinha experiência com esse tipo
de estudo e, mais uma vez, a professora Helena teve um papel fundamental. Em 2005,
18

publicamos um artigo na Revista Ciência & Saúde Coletiva, o qual já teve até o
momento 113 citações, segundo o Google Scholar (GS). Esse estudo, sobre o qual
falarei mais adiante, foi considerado muito importante para a compreensão dos
problemas vividos pelos adultos brasileiros submetidos à exodontia dentária como
último recurso quando sofriam dores de dente, uma vez que não tinham acesso ao
tratamento endodôntico. Como consequência, o edentulismo causava outra
necessidade, a prótese dentária, que também não era ofertada pela rede pública. Hoje,
mesmo com a Política Nacional de Saúde Bucal prevendo a oferta de prótese, ainda
permanece na maior parte dos municípios do país a mesma condição de difícil acesso.
Poucas prefeituras conseguiram implantar os Laboratórios Regionais de Prótese,
criados pelo Brasil Sorridente em 2004, ou estabelecer convênios para realizá-las.
Talvez por essa razão nosso estudo ainda seja bastante atual e muito consultado.

Ao concluir este capítulo, percebo que minha formação em pós-graduação foi


importantíssima para o meu desempenho na carreira acadêmica. Fui muito feliz na
escolha dos cursos, que me propiciaram conhecimento consolidado para conseguir
acompanhar a evolução da ciência, da saúde pública e da pesquisa na área da saúde
pública.
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4 A CARREIRA DOCENTE
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4.1. Período 1983-89

A receptividade no OSP foi muito importante para minha adaptação na nova


função. Meus colegas – professoras Marisa Drumond, Maria Cristina Ribeiro Viana,
Helena Heloísa Paixão, Elza Maria Araújo Conceição, professores Renato Quintino dos
Santos, Marcos Azeredo Furquim Werneck, Benedito Marques Campos e João
Mascarenhas - professor da Psicologia que ministrava uma disciplina na Faculdade –
foram pessoas essenciais na minha vida acadêmica que se iniciava.

Logo que entrei, o Departamento me encarregou das disciplinas de Odontologia


Preventiva, 4º período de graduação, e Administração de Clínicas, 7º período, que se
desenvolvia na Clínica Odontológica da Barragem Santa Lúcia. A disciplina de
Odontologia Preventiva tinha seu conteúdo ministrado em aulas teóricas e um conteúdo
prático se desenvolvia em escolas primárias da rede pública. Os alunos realizavam
ações de educação em saúde para toda a escola, com escovação supervisionada e
bochechos com flúor. As ações de educação eram ainda muito centradas em palestras
e cartazes, uma vez que ainda era incipiente nosso conhecimento sobre mudança de
comportamentos em saúde. As reflexões só viriam mais tarde na minha carreira.

Já a disciplina desenvolvida na Clínica da Barragem Santa Lúcia era bem


diferente. Ela havia sido criada antes da minha entrada na Faculdade, numa tentativa
dos professores do Departamento de superar a crítica hegemônica entre alunos e
demais professores, na época, de que os conteúdos e os docentes do OSP eram muito
teóricos, distantes da prática da Odontologia, e as disciplinas, pouco atrativas. Os
professores tiveram, então, a ideia de implementar um modelo de atendimento
comunitário, em que fosse possível discutir a prática clínica dos alunos à luz dos
conteúdos sociais. Essa prática permitiria uma aproximação da realidade e o
desenvolvimento do espírito crítico dos alunos, além da consciência social.

Tal proposta foi possível de ser implementada quando o Departamento


apresentou um projeto de apoio à inovação do ensino odontológico em edital da
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Capes/Abeno/Kellogg, em 1980, e foi contemplado. A viabilização desse projeto se deu


de forma compartilhada nas decisões e responsabilidades, desde o seu início, com a
Associação de Moradores da Barragem Santa Lúcia, onde ficava a Clínica, a
Associação Municipal de Ação Social (AMAS), o Programa de Desenvolvimento de
Comunidades (PRODECOM), a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e a
Secretaria do Estado de Saúde de Minas Gerais (SANTOS, 1985).

A construção da Clínica se deu com a participação da comunidade em um antigo


posto policial, na rua principal da localidade, em regime de mutirão. Esse processo foi
importante porque os moradores estabeleceram um forte laço com a Clínica, criando
um sentimento de pertencimento. Viabilizar a Clínica foi um trabalho muito difícil e os
problemas foram sendo enfrentados e superados. Criou-se um curso de formação de
auxiliar de consultório dentário, sendo as alunas moradoras locais. Após o curso, três
alunas foram contratadas. Uma delas fez, em seguida, um curso de técnico de
manutenção de equipamentos odontológicos, pois os equipamentos adquiridos eram
simplificados e, com o tempo, passaram a apresentar muitos defeitos.

Os alunos que atendiam na Clínica eram do 7º período da Faculdade de


Odontologia da UFMG, mas os alunos do 5º período trabalhavam como auxiliares,
viabilizando o trabalho em equipe. Para a organização do trabalho clínico foram criados
protocolos, instrumentos de registro de atividades, agendamentos para retornos e
acompanhamentos, o que fez essa Clínica se diferenciar muito das demais clínicas da
Faculdade. Os alunos eram estimulados a elaborarem um planejamento integral do
tratamento dos pacientes e refletir sobre as inúmeras necessidades que eles
apresentavam além das de saúde bucal.

Várias pesquisas foram realizadas com os moradores durante o momento da


construção da Clínica, o que possibilitou o entendimento da rotina deles, suas
necessidades de saúde e dificuldades de acesso aos serviços. Essas questões eram
discutidas com os alunos, que deveriam observá-las quando da realização do
planejamento do tratamento.

A minha inserção na Clínica foi de extrema importância para uma professora que
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iniciava suas atividades. Sem dúvida, foi um dos aprendizados mais importantes em
minha formação como docente e como cidadã. Vislumbrar um caminho possível para a
implantação de atividades e ações mais adequadas e justas para a crueza daquela
realidade tornava aquela experiência densa, complexa, porém muito prazerosa e
motivadora. A convivência naquela comunidade me fez crescer como educadora e
socialmente, uma vez que situações muito diversas da minha rotina me faziam refletir o
tempo todo sobre os verdadeiros valores da vida e o significado de ser docente naquele
contexto.

O projeto da Clínica da Barragem Santa Lúcia, contudo, nunca foi uma


unanimidade na Faculdade, havia um receio permanente quanto à segurança dos
alunos em uma região de maior vulnerabilidade e outras resistências quanto às
propostas pedagógicas. Por outro lado, em relação à infraestrutura, ao espaço físico, ao
trabalho em equipe e à ergonomia, ele influenciou na reforma da clínica de
Odontopediatria, na própria Faculdade, e de uma clínica extramuros, no Hospital da
Baleia, que foram remodeladas em formato de roseta, ou seja, com equipamentos
montados em forma circular. Esse projeto influenciou também a elaboração do Plano
Quadrienal de Desenvolvimento da Faculdade de Odontologia da UFMG, no qual houve
uma proposta de uma nova organização curricular com base na Atenção Primária e que
culminou com a reorientação do currículo nos anos seguintes. Pode-se afirmar ainda
que exerceu influência no desenho arquitetônico das clínicas da nova Faculdade no
campus Pampulha.

Para o Departamento, a Clínica da Barragem Santa Lúcia representou uma


grande mudança no cenário da Faculdade e da própria UFMG, superando o descrédito
pela ausência de experiência clínica dos professores já em atividade e promovendo
uma significativa expansão do seu quadro docente, visto que em menos de quatro anos
conseguiu a contratação de mais seis professores. Eu fui a segunda dessa lista,
seguida pelas professoras Efigênia Ferreira e Ferreira e Mara Vasconcelos, e pelos
professores João Henrique do Amaral e Marcelo Faria.

É importante lembrar ainda que essa Clínica suscitou nos professores do OSP a
necessidade da qualificação docente, principalmente na área clínica. Nesse sentido, o
23

OSP realizou um Plano de Capacitação Docente, determinando a ordem e o tempo


para cada um dos professores fazer o mestrado. Assim, as professoras Cristina Viana e
Marisa Drumond cursaram o mestrado nas áreas de Odontopediatria e Endodontia,
respectivamente; eu e a professora Elza Araújo, na área de Periodontia, tendo eu
iniciado em 1989, como já relatei no capítulo anterior. Em seguida, a professora
Efigênia Ferreira e Ferreira fez o mestrado na área de Clínica Integrada.

Em 1999, dezoito anos após a sua inauguração, com mudança substancial


naquela comunidade em relação à violência, uma aluna foi atingida por uma bala
perdida quando saía da Clínica, o que acarretou uma pressão por parte dos corpos
docente e discente da Faculdade pelo seu fechamento, tornando insustentável sua
continuidade.

Um fato extremamente relevante e inesquecível, ocorrido ainda no final de 1983,


logo após minha entrada no Departamento, foi a visita ilustre do professor Paulo Freire,
trazido pelo colega Renato Quintino dos Santos, pró-reitor de Extensão da UFMG à
época. Esse encontro contribuiu muito para o fortalecimento do trabalho que nós
professores fazíamos na Barragem Santa Lúcia. Houve um momento de discussão
sobre a nossa prática, sobre educação popular, processos de educação para a
formação na área da saúde, ética e violência. Foi um encontro curto que não só nos
encantou pela palavra, pelo conhecimento e pela experiência do educador
pernambucano, mas principalmente nos instigou a continuar lutando pelo que
acreditávamos no ensino e na prática na área da saúde.

Ainda nesse período (1984-1987), fui convidada pelo professor Marcos Werneck
para ser subchefe do OSP junto com ele. Não tinha experiência suficiente para esse
cargo, mas fui incentivada pelos demais professores a aceitá-lo. Foi muito importante
começar ainda cedo a experiência na administração acadêmica e ir compreendendo
devagar o funcionamento da universidade. Comecei a frequentar eventualmente as
reuniões de Congregação e a me interessar pelas questões que permeavam todas as
áreas na Faculdade. Ao término desse mandato, me candidatei e fui eleita
representante (1989-1991) dos professores auxiliares na Congregação, com o intuito de
continuar participando das decisões maiores da Faculdade.
24

4.2. Período 1990-99

Em 1990, o professor Badéia Marcos apresentou à diretoria da Faculdade uma


proposta de avaliação do curso de Odontologia por meio de uma análise prospectiva,
que utilizava os critérios da Resolução do Conselho Federal de Educação, as propostas
de integração ensino-serviço e as novas diretrizes do SUS como parâmetros, projeto
criado pelo Ministério da Saúde (MARCOS, 1989). Após a aprovação, foi formado um
grupo com representação de docentes de todos os departamentos, alunos da
graduação e pós-graduação (mestrado) e funcionários. Nesse momento, eu estava
cursando o Mestrado em Periodontia e fui indicada como representante dos alunos,
uma vez que já estava estudando o tema como trabalho final. A avaliação apontou
também os problemas encontrados no currículo da graduação e na sua prática,
semelhantes aos que eu tinha encontrado em meu estudo. A partir daí, o Colegiado de
Curso de Graduação passou a discutir um novo modelo curricular, que também foi
exaustivamente avaliado pelos departamentos, cujo novo currículo foi aprovado e
passou a ser implantado em 1992.

O projeto pedagógico do novo currículo pressupunha, também, o Convênio com


o Sistema Único de Saúde (SUS) na Atenção Primária e em algumas especialidades
como endodontia e periodontia. Todos os pacientes das disciplinas de Clínica Integrada
de Atenção Primária passaram, então, a ser encaminhados pela Secretaria Municipal
de Saúde de Belo Horizonte.

Com o novo currículo, novas disciplinas foram criadas, o que foi outro grande
desafio para o OSP. A principal proposta de mudança se concentrou num eixo de
complexidade crescente que criava, do 4º ao 8º período, as Clínicas Integradas de
Atenção Primária I, II, III e V (intramuros) e a IV (extramuros, na Barragem Santa Lúcia).
No 8º período criou-se também o Estágio Supervisionado em Odontologia, com prática
em Unidades Básicas de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte,
trabalho clínico compartilhado com as equipes de saúde bucal. Todas essas disciplinas
tinham caráter interdepartamental com professores do quadro já existente na FOUFMG.
25

A proposta nova fazia uma hierarquização das disciplinas tal como no modelo proposto
pelo SUS – Atenção Primária, Secundária e Terciária. Nesse sentido, um dos
elementos estruturais importantes foi a articulação do ensino de graduação com um
sistema de atenção à saúde organizado por níveis de referência, ou seja, clínicas que
acolhem o paciente e orientam o cuidado à saúde de acordo com suas necessidades,
sendo eliminada a triagem do paciente segundo as necessidades das disciplinas, como
acontecia no currículo anterior. O aluno tem, então, condição de considerar o paciente
na sua totalidade e, assim, compreender melhor os determinantes sociais da saúde. A
abordagem passa a ser desde o diagnóstico e tratamento até a manutenção preventiva.

Nesse novo currículo, o Departamento passou a coordenar duas disciplinas


clínicas: Clínica Integrada de Atenção Primária I (CIAP I), uma clínica intramuros com
atendimento de adolescentes; e CIAP IV, na Clínica da Barragem Santa Lúcia. Com
essa nova proposta fui indicada pelo OSP para encarar o desafio de criar, organizar,
implantar e coordenar a CIAP I, além de participar da criação da CIAP V, algum tempo
depois.

A implantação da Clínica Integrada de Atenção Primária, em 1992, originou-se a


partir da evolução do significado da integração de áreas do conhecimento, visando ao
aprimoramento técnico-científico e humanista do aluno. A ideia era que a CIAP
possibilitasse a formação de um futuro profissional com visão integral das necessidades
e expectativas do paciente.

Implantar a CIAP I foi muito difícil. Para cumprir a carga horária teórica e prática
foi necessário que a Congregação da Faculdade estabelecesse um mínimo de 15 horas
de aula frente aluno para todos os professores com regime de 40 horas. Outra decisão
foi que todos os docentes de todos os departamentos, para completarem as 15 horas,
seriam incluídos nas CIAP, pois se tratava de novas disciplinas e não seria possível,
naquele momento, abrir vagas para novos professores.

Isso solucionou em parte o problema, mas terminou por criar novos. Vários
professores do Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológica (CPC)
foram lotados nas CIAP, onde seriam executados procedimentos diversos, como
26

restaurações plásticas diretas, que os docentes não se sentiam preparados para


ensinar. Foi necessária, então, a discussão de protocolos e viabilização de cursos de
reciclagem. Com o passar dos anos, a equipe foi ficando mais coesa, professores
novos foram contratados e os que continuavam desconfortáveis deixaram a disciplina.

Além dessa questão dos docentes nas aulas práticas, os alunos da CIAP I se
encontravam no 4º período, portanto, não haviam tido nenhuma experiência clínica,
somente conteúdos de restaurações plásticas realizados em manequim. Isso acarretou
um conteúdo teórico denso (90 horas) impossível de ser totalmente contemplado antes
de o aluno ir para as aulas práticas. Logo, a primeira providência foi estabelecer que o
público-alvo dessa Clínica seria o adolescente, que, pelo menos teoricamente, tinha
necessidades menos acumuladas e menos complexas do que um adulto.

Nesse sentido, definimos que os alunos precisariam ser estimulados a estudar


antes das aulas e, para tal, instituímos duas medidas: a primeira consistia no
planejamento integral do paciente após a compreensão do processo saúde-doença, isto
é, após responder à questão “por que o adolescente se encontrava com a saúde bucal
comprometida?”; a segunda consistia em o aluno fazer o plano de aula, incluindo tudo
que realizaria na aula, com busca bibliográfica sugerida pela disciplina, em um caderno
só para essa atividade (Caderninho de CIAP I). O professor, no início da aula prática,
fazia uma leitura do plano de aula de um dos alunos, discutindo todos os passos com
ele e com a turma: procedimento, instrumental necessário, material restaurador, técnica
de preparo cavitário, técnica de isolamento absoluto, resultados esperados, entre
outros. Isso demonstrou ao longo do tempo ser pedagogicamente muito importante e
exitoso. Os alunos passaram a ser ativos na busca de conhecimento e conseguiam
realizar o trabalho proposto pela disciplina.

O processo de ensino dessa disciplina incluía também o trabalho em equipe, o


aluno era auxiliado por um colega e uma funcionária distribuía o material. Não tínhamos
as clínicas em formato de rosetas ainda, o que tornava o processo de trabalho nesse
momento incompleto. Outra questão complicada era organizar as aulas teóricas com
professores de todos os departamentos, visto que tinham outras disciplinas com aulas
teóricas nos mesmos horários. Como alguns docentes não estavam disponíveis, às
27

vezes era impossível ter um cronograma coerente, com conteúdos sequenciais. Essa
etapa era sempre muito estressante e demandava muita calma e paciência para ser
resolvida.

Outra iniciativa importante da CIAP I foi propiciar aos alunos visitas às Unidades
Básicas de Saúde que encaminhavam os pacientes adolescentes para tratamento na
Faculdade, dentro do convênio com o SUS-BH. Essa visita tinha como objetivo fazer os
alunos compreender o contexto de vida dos seus pacientes, para melhor entender o
processo saúde-doença, e assim estabelecer um planejamento coerente para cada um
deles.

A CIAP IV, clínica extramuros, continuou com o trabalho que já realizava, porém,
a disciplina de CIAP V precisou ser criada e implantada. Auxiliei a professora Maria
Elisa de Souza e Silva (Departamento de Odontologia Restauradora, ODR) nessa
empreitada. Nessa disciplina, os alunos prestavam atendimento clínico a pacientes
adultos com maiores necessidades e faziam a “manutenção preventiva” de todos os
pacientes da Atenção Primária da Faculdade.

Eu e as professoras Maria Elisa, Maria Antonieta Moraes, Efigênia Ferreira e


Ferreira, Lúcia Azevedo dos Santos e Laura Helena Martins havíamos sido indicadas,
nessa ocasião, pela diretoria da Faculdade, para discutir a “manutenção preventiva” dos
pacientes. Na CIAP IV, na Barragem Santa Lúcia, havia algum tempo que essa
atividade ocorria por meio de um Projeto de Extensão coordenado por mim e tal
experiência foi importante na sua implantação em toda a Faculdade. Pensamos, a
princípio, que os alunos da CIAP V poderiam realizar essa atividade. A tarefa exigia que
todos os alunos atendessem a dois pacientes: um sequencial e outro que havia
recebido alta na Atenção Primária nas disciplinas CIAP I, II, III e V (intramuros). Com o
passar do tempo, essa atividade de manutenção preventiva cresceu muito e precisou
ser realizada por todas as disciplinas.

O grande ganho para o currículo da Faculdade foi sem dúvida a presença de


professores de todos os departamentos nas CIAP. Havia reunião conjunta durante o
semestre de todas as disciplinas de CIAP, em que se discutia os problemas comuns em
28

busca de um caminho semelhante para todas. Nesse sentido, foram criados diversos
protocolos: diagnóstico e decisão de tratamento da cárie dentária, diagnóstico e
tratamento da doença periodontal na Atenção Primária, planejamento do tratamento
dos pacientes, entre muitos outros. Foi um momento muito rico de integração dos
diversos conteúdos e dos professores. Acredito ter sido a fase de mais integração dos
departamentos que já vivemos na Faculdade.

No currículo novo, uma nova disciplina também foi criada: Metodologia do


Trabalho Científico, para o 4º período. A coordenação era revezada pelos
departamentos de Odontopediatria e Ortodontia e Odontologia Social e Preventiva. Os
professores responsáveis eram, além de mim, Isabela Almeida Pordeus, Helena
Heloísa Paixão, Efigênia Ferreira e Ferreira. A inclusão desse conteúdo no curso de
Odontologia foi muito importante no sentido de que os alunos, desde o início do curso,
tinham contato com os métodos de pesquisa e precisavam fazer um estudo ao final com
coleta de dados. Os trabalhos eram apresentados em forma de pôster científico e os
melhores recebiam uma menção honrosa. Essa disciplina incentivou diversos alunos a
procurar pela Iniciação Científica, tornando-a mais frequente na Faculdade com bolsas
disponíveis do CNPq e da Fapemig (PIBIC e PROBIC), além do Programa de
Aprimoramento Discente da Pró-Reitoria de Graduação (PAD). Foi assim que dei início
a uma das atividades que ainda tenho muito orgulho e prazer de realizar: a orientação
de alunos de Iniciação Científica. Prática que iniciei em 1993 e, até hoje, já orientei 19
alunos bolsistas dos diversos programas.

Por iniciativa de duas professoras dessa disciplina, Isabela Pordeus e Helena


Paixão, após terem sido contempladas em um edital da Pró-Reitoria de Graduação para
o Programa de Bolsas de Aprimoramento Discente (PAD), foi criado um grupo de
estudos que se reunia quinzenalmente. Nesses encontros, além de seminários, os
alunos apresentavam seus projetos e o andamento deles. O grupo foi muito importante
para os alunos bolsistas, que podiam desenvolver ainda mais suas potencialidades de
pesquisadores, seu senso crítico, além de aprofundar conhecimentos por meio da
interlocução. Alguns deles continuaram seus estudos em cursos stricto sensu, mestrado
e doutorado, e hoje são docentes em diversas faculdades, inclusive na própria
29

FOUFMG. Podemos citar, por exemplo, professor Ênio Vilaça (UFMG), professor Mauro
Henrique Abreu (UFMG), professor Luís Cota (UFMG), professora Tarcília Aparecida da
Silva (UFMG) e professora Santuza Mendonça (Centro Universitário Newton Paiva). Os
alunos eram estimulados também a publicarem artigos de seus trabalhos, o que de fato
ocorreu em muitos casos. Posso citar, por exemplo, o meu bolsista PIBIC Gustavo
Assis de Paula, que publicou o artigo intitulado “Avaliação de metodologia de higiene
bucal”. Outra aluna, Ana Carmelina Freitas Goulart, bolsista PAD, ganhou o Prêmio
Kolynos, concurso que premiava o melhor trabalho de Iniciação Científica do ano na
Faculdade com um consultório odontológico, com o trabalho intitulado “Percepção dos
deficientes visuais sobre saúde Bucal”. Mariana Ruas, monitora de graduação orientada
por mim, também recebeu esse prêmio. Alguns alunos monitores de disciplinas também
foram convidados a participar desse grupo e muitos desenvolveram excelentes
trabalhos.

Não posso deixar de realçar aqui o muito que aprendi com as professoras
Helena Paixão e Isabela Pordeus a partir da formação desse grupo de pesquisa. Foi ele
que me estimulou a fazer o doutorado na área de Epidemiologia na Escola de
Veterinária da UFMG, conforme mencionei no capítulo anterior sobre minha formação
acadêmica.

E posso afirmar, com toda certeza, que minha vida acadêmica mudou
completamente após o doutoramento, pois passei a me envolver como docente na pós-
graduação stricto sensu da Faculdade, primeiramente no mestrado e depois no
doutorado, na área de Saúde Coletiva.

4.3. Período 2000-18

O ano de 2001 foi um marcador para a Faculdade de Odontologia da UFMG,


pois mudamos para o campus Pampulha, prédio novo, moderno e amplo. Havia um
sentimento de orgulho e de novas perspectivas e possibilidades para todos, alunos e
professores. Foi uma grande festa de inauguração, proporcional aos inúmeros anos que
ficamos aguardando a conclusão das obras, quase 10 anos. De fato, a partir daí a
Faculdade deu um grande salto, com crescimento em todas as áreas de estudo,
30

aumentando os cursos de extensão, atualização, aperfeiçoamento, bem como os de


especialização, com vários programas e projetos de extensão. Finalmente havia espaço
para tudo e para todos. A pós-graduação stricto sensu também cresceu muito a partir
dessa década com a criação do curso de doutorado.

Em 2002, a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais organizou um curso


de Especialização em Saúde da Família – Veredas de Minas, para profissionais
médicos, enfermeiros e dentistas que tinham sido inseridos na Estratégia Saúde da
Família em 2001. A UFMG foi escolhida para o desenvolvimento do curso, ficando a
Escola de Enfermagem responsável pela sua administração. Os professores do OSP
participaram do curso nos conteúdos para dentistas e orientaram esses profissionais na
monografia final obrigatória. Minha participação se deu nos módulos de Processo
Saúde-Doença e Promoção de Saúde e também na orientação de alunos. Devo
destacar que minha experiência, até então, havia sido apenas com alunos de
graduação e aperfeiçoamento (Curso de Aperfeiçoamento em Promoção de Saúde
Bucal para Adolescentes) e foi bastante importante começar o trabalho em cursos de
especialização, especialmente neste que tinha profissionais de todo o estado.
Compartilhar os problemas e ajudar a encontrar as melhores soluções foi muito
gratificante e enriquecedor.

Ao voltar do meu doutorado em 2002, encontrei uma pós-graduação já em pleno


crescimento na Faculdade. O curso de mestrado já estava bem estabelecido e o de
doutorado sendo construído. Isso proporcionou de imediato minha atuação na pós-
graduação, já em 2003, ministrando disciplinas obrigatórias e optativas. As disciplinas
obrigatórias do Mestrado em Saúde Coletiva que ministrava eram Estudos Avançados
em Saúde Coletiva I e III; a primeira com conteúdos conceituais da área e a outra, com
conteúdos de Epidemiologia. Desta última ainda participo como docente, além de
coordená-la. As disciplinas optativas que ministrei foram: Métodos de Investigação em
Saúde Coletiva e Ciências Sociais Articuladas (nesta, ainda sou professora). Nosso
programa acadêmico tem disciplinas comuns às diversas áreas, o que torna possível
uma certa integração entre alunos e docentes.

O curso de Doutorado em Odontologia da Faculdade foi aprovado logo em


31

seguida e, desde seu início, participo das disciplinas obrigatórias Pesquisa em Saúde
Coletiva I e II. A primeira, que também coordeno, apresenta conteúdo sobre
metodologia qualitativa e a segunda, sobre estudos epidemiológicos. Em ambas as
disciplinas, conto com a parceria da professora Efigênia Ferreira e Ferreira.

Outra atividade muito importante foi começar a orientar e coorientar alunos,


primeiro de mestrado e, depois, de doutorado, na área de Saúde Coletiva, assim como
prestar coorientação na área de Periodontia. Até os dias de hoje, já orientei 12 alunos
de mestrado acadêmico e coorientei outros cinco; quanto aos doutorandos, orientei oito
e coorientei outros nove. Nossa pós-graduação cresceu muito e, em 2017, obtivemos a
nota 7 da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Cabe aqui reconhecer os esforços de todos os docentes do Programa, principalmente
da professora Isabela Almeida Pordeus, atual coordenadora do Colegiado de Pós-
Graduação.

A nossa área de Saúde Coletiva na pós-graduação foi coordenada pelo


professor Marcos Werneck e pela professora. Helena Paixão no seu início, seguida pela
professora Efigênia Ferreira e Ferreira. Estive também nessa coordenação entre 2013-
2015.

Em 2003, a professora Efigênia me convidou para coordenar com ela o Curso


de Especialização em Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia da UFMG. Após a
experiência com o Programa Veredas de Minas, sentíamos que já podíamos oferecer
um curso do OSP. Foi uma grande iniciativa para o Departamento, que obteve
expertise em cursos lato sensu e também oportunidade para que todos os professores
participassem, uma vez que na pós-graduação stricto sensu nem todos estavam aptos
devido à produção necessária para o credenciamento. Ministrei as disciplinas de Prática
Odontológica I e II, com atendimento clínico na Atenção Básica. Os trabalhos finais
eram realizados em duplas de alunos. Como esse curso era pago, os recursos obtidos
eram destinados às despesas do Departamento e custeou também várias
apresentações de trabalhos de professores em congressos importantes.

Em 2005, fui novamente eleita subchefe do Departamento de Odontologia Social


32

e Preventiva pela segunda vez, sendo a chefe, nessa ocasião, a professora Elza Maria
Araújo Conceição. Permaneci um mandato, até 2007. Professora Elza sempre foi
proativa na solução de problemas e conseguiu implementar no OSP um ambiente
acolhedor e organizado. Foi muito bom participar dessa gestão, que me preparou para
o desafio que viria logo em seguida na minha vida acadêmica: assumir a vice-diretoria
da Faculdade.

Em 2007, o professor Evandro Neves Abdo me convidou a compor uma chapa


para disputar a diretoria da Faculdade. Depois de muito pensar, pesar minha pouca
experiência em cargos administrativos (somente subchefia do OSP), o desafio de
aprender e a possibilidade de fazer uma gestão participativa, em que o OSP pudesse
participar mais ativamente, me fizeram aceitar o convite. Fomos eleitos em outubro para
o mandato de 2008 a 2011. O professor Evandro Abdo tinha um grande conhecimento
da Universidade, fora chefe do Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia
Odontológica por diversas vezes, o que me deu bastante segurança em assumir mais
esse desafio. E que desafio!!! Essa grande e difícil experiência será apresentada no
Capítulo 8 (A administração) deste Memorial.

Meu mandato na diretoria terminou em 2011. Antes disso, o professor Evandro


Abdo convidou-me para continuar em mais uma gestão, porém, eu tinha me
empenhado bastante, havia trabalhado muito, encontrava-me desgastada, cansada e
precisava retomar minha produção acadêmica na pós-graduação. Assim, não aceitei
desta segunda vez.

Ainda em 2011, o OSP ofereceu um curso de especialização em Saúde Coletiva


para os cirurgiões-dentistas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, a pedido da
própria Coordenação de Saúde Bucal da Secretaria Municipal de Saúde. O curso foi
totalmente discutido com o serviço, visando qualificar os profissionais para melhorar o
trabalho da saúde bucal. Fui professora e orientadora desse curso. Havia muito tempo
que alguns profissionais estavam formados e sem frequentar cursos de educação
continuada, o que tornou muito difícil e desafiador o trabalho dos professores e também
para eles, alunos, no sentido de alcançar os objetivos do curso e realizar o Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC).
33

Em 2012, o novo currículo da Faculdade foi aprovado definitivamente por todas


as instâncias necessárias e começou a ser implantado. Após a mudança para o
campus Pampulha, o currículo precisou ser reformulado e carecia de uma nova
proposta, principalmente depois que as novas diretrizes para os cursos da área da
saúde foram divulgadas pelo Ministério da Educação (2002). As discussões se iniciaram
logo que nos instalamos, dirigidas pelo Colegiado de Graduação, coordenado pelo
professor João Henrique Lara do Amaral (OSP), juntamente com uma comissão criada
pela Congregação. Como o caminho escolhido pelo Colegiado, por meio do consenso,
foi bastante longo, a Congregação achou necessário dar um prazo para a conclusão do
currículo após muitos anos de discussão. O novo currículo apresentou avanços
importantes, tais como: articulação entre os conteúdos da área básica do curso (ICB) e
os da área profissional; atividade clínica bem no início da formação; ampliação do
tempo dos estágios nos serviços de saúde; elaboração do Trabalho de Conclusão de
Curso; e gestão do currículo em módulos que agregam disciplinas afins.

De volta aos afazeres normais de um professor após o mandato na diretoria,


continuei nas disciplinas que já ministrava na graduação e na pós-graduação (não havia
interrompido na diretoria) e pude dedicar mais tempo às minhas orientações e
produções acadêmicas. Com a implantação do novo currículo de graduação, a
princípio, passei a trabalhar com seis disciplinas novas: Introdução à Bioestatística e
Epidemiologia; Integralidade do Cuidado; Ações Coletivas III; e Trabalho de Conclusão
I, II e III.

A primeira, Introdução à Bioestatística e Epidemiologia, dada no segundo


período do curso, tem conteúdos teóricos aplicados aos serviços de saúde. Os alunos
têm aulas teóricas e visitam as Unidades Básicas de Saúde de Belo Horizonte, onde
buscam os dados epidemiológicos e entendem a importância deles para o
planejamento das ações de saúde. Essa forma de trabalhar os conteúdos, deixando
mais claro para os alunos a utilidade e importância deles, favorece a compreensão e a
aprendizagem. Participei dessa disciplina durante dois anos, mas precisei me afastar
em decorrência de muitas atividades didáticas no Departamento e na pós-graduação.

A disciplina Integralidade do Cuidado é do 5º período, seu conteúdo trata do


34

conceito de integralidade e seus atributos. Inclui, também, questões éticas, profissionais


e direitos do consumidor. A metodologia é ativa, fazendo os alunos refletirem sobre a
sua prática de maneira lúdica. Para todas as aulas, os alunos leem texto sobre o tema
e, após discussão e reflexão, são motivados a realizar uma dramatização de um
exemplo prático do conteúdo abordado, dar uma notícia em jornal falado sobre um caso
ou fazer uma poesia ou música. Ao final, é realizado um júri simulado sobre um caso
apresentado pelos docentes e a turma é divida em três grupos: defesa, acusação e júri.
Essa metodologia visa deixar o conteúdo mais fácil de ser compreendido e apreendido,
tornando-o mais motivador para os alunos. Os resultados são muito bons, com
excelentes avaliações dos próprios estudantes. A prova final, ainda aplicada da forma
tradicional, tem apontado para um bom aprendizado dos alunos.

A disciplina de Ações Coletivas III, que também coordeno, tem como conteúdo a
promoção de saúde em idosos institucionalizados. Sua parte teórica é realizada pela
Plataforma Moodle, que apresenta textos para leitura, estudos dirigidos, fóruns de
discussão, local para postagens de políticas e programas para a terceira idade. A parte
prática é realizada em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), entidades
filantrópicas que mantêm convênio com a Prefeitura de Belo Horizonte. Os alunos têm
um primeiro momento de reconhecimento do campo de trabalho e diagnóstico, realizam
um planejamento das atividades, discutem com a coordenação da ILPI sobre a
proposta e, por fim, realizam pelo menos três atividades coletivas com os idosos. Tais
atividades não necessariamente são em relação à saúde bucal, embora esta também
possa ser abordada. Essa disciplina é do 10º período do curso e, em minha opinião,
mal situada, pois alunos estão quase se formando e, portanto, mais preocupados com
questões relacionadas à formatura, disciplina de Internato Rural e Emergência, clínicas.
No entanto, como se trata de um público que eles ainda não tiveram contato durante o
curso, ao final, todos têm uma ótima avaliação da disciplina, com relatos muito
interessantes das atividades em um seminário final.

As disciplinas de Trabalho de Conclusão I, II e III têm como objetivo dar subsídio


aos alunos para a elaboração do TCC final. A TCC I, no 2º período, oferece o conteúdo
de metodologia de pesquisa necessário para que o aluno possa compreender todo o
35

processo. É uma disciplina teórica em que os alunos do Doutorado em Saúde Coletiva


e Odontopediatria fazem seu Estágio Docente. Essa integração tem sido bastante
interessante porque os doutorandos têm o papel de criar novas metodologias para
ministrar esses conteúdos. São realizados vários exercícios em sala de aula com o
objetivo de treinar com os alunos as normas de ABNT, citações, referências etc.
Permaneci na equipe dessa disciplina até 2016.

A disciplina de TCC II, 6º período, funciona quase que totalmente a distância, via
plataforma Moodle. O objetivo é que o aluno construa o projeto de pesquisa do seu
TCC. A supervisão do orientador é importante, fundamental, mas quem acompanha
todo o processo são os professores tutores. A disciplina conta com pelo menos dois
momentos presenciais e, ao final, os alunos precisam apresentar seus projetos para
uma banca de professores. Fiquei nessa disciplina também até 2016.

A disciplina de TCC III é dada no último período e é nesse momento que os


alunos apresentam seus trabalhos finais para uma banca. O papel do professor da
disciplina é de organizar os momentos das defesas. Nessa disciplina estão os
professores que fazem parte da Comissão de TCC da Faculdade de Odontologia. O
objetivo dessa Comissão foi organizar as disciplinas de TCC, definir as normas a ser
adotadas, dar solução para problemas eventuais. Fiquei nessa comissão e nessa
disciplina até julho de 2017.

Em 2013, o OSP conseguiu aprovar um curso novo na Capes: Mestrado


Profissional em Saúde Pública, que iniciou em 2014. A construção do projeto desse
novo curso foi realizada por todos os professores do OSP, coordenados pelas
professoras Mara Vasconcelos e Simone Dutra Lucas (chefe e subchefe do OSP,
respectivamente). Como o OSP já tinha experiência com especialização, mestrado e
doutorado acadêmicos, percebeu-se que os profissionais do serviço, naquele momento,
precisavam de um mestrado na modalidade profissional, uma vez que suas
necessidades eram distintas daqueles que entravam para o curso acadêmico,
geralmente com objetivo da docência e pesquisa.

A implementação do mestrado profissional foi desafiadora para o OSP, para a


36

primeira coordenação (professoras Mara e Simone) e também para os demais


professores e professoras que estavam participando como docentes permanentes de
um curso stricto sensu pela primeira vez. Em um primeiro momento, professores de
outras unidades – Farmácia, Enfermagem e Veterinária – foram incluídos no corpo
docente do programa. Mas, com o tempo, eles acharam difícil continuar, tendo em vista
as muitas atividades dos programas dos quais participavam em suas próprias unidades.
Uma questão importante é que o curso é modular, com momento presencial apenas em
uma semana por mês, o que facilita a presença dos profissionais do serviço. Outro
componente importante para esse tipo de curso é que, além da dissertação ter que
versar sobre um problema local detectado pelo profissional, ele também deve
apresentar um produto técnico ao final, baseado na sua dissertação.

Após dois anos, quando da alternância da coordenação do curso, Mara


Vasconcelos e Simone Lucas não quiseram continuar assumindo essa função. Os
professores consideraram, então, que a melhor alternativa seria eu assumir a
coordenação, juntamente com a professora Lívia Guimarães Zina, que já dava suporte
à professora Mara durante o processo de coleta de dados para a Plataforma Sucupira
da Capes. A minha escolha certamente estava ligada à minha experiência anterior com
pós-graduação lato sensu e stricto sensu.

Assumi, portanto, em 2016, a Coordenação do Mestrado Profissional em Saúde


Pública. A consolidação do curso era necessária e vários aspectos precisavam ser
pensados, como, por exemplo, parcerias municipais e estaduais; divulgação do curso
entre os profissionais do serviço público; aumentar e melhorar a qualificação das
publicações das dissertações; implementar a integração com a graduação, com a
educação básica e outros programas; incentivar o uso de novas tecnologias
pedagógicas pelos professores; acompanhar os egressos; possibilitar a mobilidade de
professor e alunos; e buscar apoio financeiro para o curso.

Um dos principais problemas era que a maioria do corpo docente não tinha tido
experiência anterior com a pós-graduação stricto sensu, sobretudo em relação às suas
normas e exigências, como a necessidade de publicação em periódicos indexados.
Nesse sentido, fizemos a proposta de designar comissões para a solução de alguns
37

desses problemas. Assim, cada dois ou três professores ficaram responsáveis por um
dos itens.

Ainda em 2016, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação disponibilizou um recurso de


R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para os cursos de mestrado profissional. Esse valor foi
muito importante porque pudemos convidar diversos professores para consultoria e
cursos para os alunos, entre eles os professores Samuel Moysés (PUC-PR) e Paulo
Góes (UFPE).

Em 2017, a professora Lívia Zina foi convidada pela coordenação da área de


Odontologia da Capes para compor a Comissão de Avaliação dos Cursos Profissionais
de Odontologia. Essa indicação foi muito importante para o nosso curso, pois, além de
dar visibilidade, a professora conseguiu entender melhor como esses cursos são
avaliados, o que nos ajudou muito na condução. Nessa oportunidade, conseguimos
manter a mesma nota 4 do início do curso. O desafio agora é alcançar a nota 5 na
próxima avaliação em 2020.

Na avaliação realizada em 2017, obtivemos o conceito Muito Bom na maioria dos


itens avaliados, apenas no item produção discente recebemos o conceito Bom. Mas já
vínhamos trabalhando com professores e alunos nesse sentido e acreditamos que já
mudamos um pouco esse cenário.

Em 2018, fomos novamente eleitas para uma nova gestão na coordenação, o


que nos deixou felizes porque isso indicava que o nosso trabalho estava satisfazendo a
maioria dos professores. Ficou claro também nos dois primeiros anos que a busca por
recursos é muito importante e, com essa preocupação, fizemos contato com a Pró-
Reitoria de Pós-Graduação da UFMG já no início da nova gestão. Como nossos
parceiros são os municípios e estados, não temos tido sucesso quando a questão é o
financiamento do curso, porque é de conhecimento público a falta de recursos
financeiros dos mesmos. Foi com entusiasmo que recebemos a Chamada 01/2018 da
Pró-Reitoria de Pós-Graduação para Apoio aos Mestrados Profissionais, por meio de
recursos para trazer professores visitantes para o programa. Os professores sugeriram
seis nomes e conseguimos trazer dois deles ainda nesse ano: professora Cláudia
38

Flemming Colussi (UFSC) e professor Antônio Carlos Pereira (FOP-UNICAMP). A


contribuição de ambos foi bastante valiosa, professora Cláudia com experiência na área
de avaliação da Atenção Primária e o professor Pereira discutindo sobre o custo-
benefício de programas, procedimentos e evidência científica, uma linha de pesquisa
importante do curso: Políticas Públicas, Gestão e Avaliação de Serviços de Saúde.

Com a recente mudança na coordenação da área de Odontologia da Capes,


parece que a avaliação quadrienal para os cursos profissionais vai mudar, com
destaque para a qualidade da produção técnica. Como coordenadoras, estamos
atentas a isso já pensando em estratégias para melhorar os produtos técnicos do curso.

Em julho de 2018 fui convidada para fazer parte da Comissão da Área de


Odontologia para Avaliação dos Novos Cursos (APCN) submetidos à Capes. O contato
com professores de programas de pós-graduação de diversas universidades brasileiras
foi uma experiência muito importante. Quero ressaltar que da área profissional eu fui a
única professora convidada. Percebi que existem muitas dúvidas sobre as diferenças
entre o mestrado acadêmico e o profissional, e nas novas propostas isso ficava
evidente. A minha contribuição nessa comissão, penso, foi muito boa porque pude
levantar questões importantes na definição sobre o que esperar de um curso
profissional.

Concluindo este capítulo sobre a docência, analisando meu papel de professora,


sempre procurei colocar em prática aquilo que acredito ser fundamental para um
professor: conhecer bem o conteúdo que ministra; ser capaz de selecionar e preparar
os conteúdos que julga ser mais pertinentes aos objetivos das disciplinas; ser
entusiasmado com o que ensina e saber transmitir este entusiasmo; e, acima de tudo,
despertar a curiosidade e motivação para que o aluno adquira autonomia e
responsabilidade pela sua aprendizagem. Recebe-se uma educação, mas a mais
importante é aquela que o indivíduo se concede. Sempre tive grande prazer em dar
aula e creio que obtive êxito nessa empreitada, sobretudo quando consegui transformar
entusiasmos em realizações, permeados pelo diálogo e por interações respeitosas.
39

5 AS ATIVIDADES DE PESQUISA:EMPENHO NA CONSTRUÇÃO DO


NOVO
40

Minhas atividades como pesquisadora sempre estiveram ligadas a duas


principais linhas de pesquisa: a primeira “Epidemiologia das Doenças Bucais” cujos
projetos de pesquisa estão ligados principalmente aos temas Qualidade de Vida e
Saúde, Promoção da Saúde, Capital Social e Saúde, e a segunda “Políticas Públicas,
Planejamento, Gestão e Avaliação em Saúde”.

A primeira linha tem a ver com a área do meu doutorado, Epidemiologia, e inclui
o estudo sobre as doenças bucais e distribuição nas populações e seus determinantes
sociais. Meu estudo de doutorado, Políticas Públicas e qualidade de vida: um estudo
epidemiológico sobre a perda dentária, utilizou-se de metodologia qualitativa sobre a
percepção da perda dentária, tema muito relevante que possibilitou uma publicação na
Revista Ciência & Saúde Coletiva que, como já destaquei, teve 113 citações desde
2005, segundo o Google Scholar (GS).

Este estudo foi realizado numa época não muito distante, em que o serviço
público oferecido para a saúde bucal nos municípios se restringia à Atenção Primária,
para a faixa etária até 14 anos e gestantes. Os demais, quando tinham necessidades
que incluíam tratamento endodôntico ou periodontal, precisavam procurar o serviço
privado, não acessível para a grande maioria. Isso acarretava quase sempre a
exodontia de elementos que poderiam ser conservados, causando um edentulismo
precoce. Como ainda não havia o programa Brasil Sorridente (2004), que trouxe a
possibilidade da oferta à prótese nos serviços, os pacientes precisavam procurar
também pelo serviço privado para a reabilitação. Muitos permaneciam desdentados e,
consequentemente, com problemas na convivência social, na busca de trabalho e
também funcionais (mastigação).

Ainda nessa linha de pesquisa, destaco minha pesquisa sobre fluorose


endêmica, realizado no norte de Minas Gerais, em parceria com as professoras Leila
Menegasse e Lúcia Fantinel da Geociências da UFMG. Esse projeto foi financiado pela
Fapemig e tinha como objetivo o estudo da causalidade e das consequências da
fluorose endêmica na região. Também estiveram envolvidas as alunas Sandra Lúcia
Gonçalves, mestranda que eu orientava e cujo estudo era sobre a Representação da
41

fluorose dentária elaborada por mães e jovens acometidos, e Thalita Tyrsa de Almeida
Santa Rosa, doutoranda que coorientei na pesquisa Tratamento restaurador estético e
qualidade de vida de pacientes com fluorose grave na Região Norte de Minas Gerais:
um estudo longitudinal. O projeto foi muito importante porque levantou que em 22
cidades do norte de Minas Gerais, onde há seca constante, muitas cisternas foram
abertas, inclusive pelo poder público, e a água não foi examinada para o teor de flúor.
Isso resultou em fluorose endêmica grave na região, com deformidades dentárias
extensas. Não houve, também, tentativa de restauração dos elementos dentais pelo
serviço público, causando graves problemas para aquela população. O grupo da
Geologia iniciava o trabalho colhendo material das águas profundas, enquanto o da
Odontologia examinava as crianças dessas áreas. Ao final, uma proposta de
restauração de dentes anteriores foi realizada e a avaliação mostrou que o êxito foi
total. Esse trabalho está sendo monitorado até os dias de hoje.

“Região Metropolitana de Belo Horizonte: Aspectos Objetivos e Subjetivos de


Saúde Bucal do Adulto” foi outro projeto importante que tinha como objetivo o estudo
epidemiológico de saúde bucal dos adultos da região metropolitana de Belo Horizonte e
recebeu recursos da Fapemig. Envolveu vários professores do OSP e alunos de pós-
graduação, tendo eu orientado duas alunas de doutorado (Aline Mendes Silva, Fatores
determinantes da dor de dente e o impacto na vida diária de indivíduos residentes em
Betim-MG 2012; Maria de Lourdes Carvalho Bonfim – Doença periodontal em adultos
da região metropolitana de Belo Horizonte [zona urbana]: aspectos objetivos e
subjetivos) e uma aluna de mestrado (Loliza Chalub Figueiredo Houri – Desempenho
do índice Periodontal Comunitário na determinação da condição periodontal: enfoque
no exame parcial). A saúde bucal do adulto brasileiro, segundo o SB 2003, era muito
preocupante, com CPOD maior que 20, sendo o componente P (dentes perdidos) o
responsável pelo maior percentual do índice. Belo Horizonte fizera parte do
levantamento nacional, mas sua região metropolitana, composta de 33 municípios, não
participou. Como esses municípios não ofereciam ainda serviços de saúde bucal para
os adultos, a não ser a exodontia, a hipótese era de que a situação de saúde bucal
deveria ser muito pior, o que foi confirmado. Os registros de dor de dente no ano da
coleta de dados foram muito maiores que os observados no levantamento brasileiro,
42

assim como os problemas periodontais.

O projeto de pesquisa “Promoção da Saúde Contextualizada em Comunidades


Escolares e seu Entorno” também merece destaque pelas parcerias que realizou.
Tratou-se de cooperação internacional com o Mercosul, visando o crescimento na área
de pesquisa e produção de conhecimento tanto no Brasil como na Argentina (Córdoba)
e no Chile (Concepción). Como o grupo da Faculdade de Odontologia de Córdoba já
realizava trabalhos na área de Promoção de Saúde, o intercâmbio foi extremamente
rico, tratando temas como alimentação com uma metodologia já consolidada na
detecção de alimentação indevida na merenda escolar, avaliando o lixo após o horário
de recreio. A convivência com as pesquisadoras Marcella Bela, Elena Hillas, Suzana
Cornejo foi bastante enriquecedora para o nosso grupo, ao trazerem experiências em
diversas novas possibilidades de análise de dados em metodologias qualitativas, além
de muitas reflexões sobre a promoção de saúde.

Já o estudo “Qualidade de Vida em Crianças de 7 a 10 Anos” tinha como objetivo


entender o que escolares brasileiros dessa faixa etária consideravam ser boa qualidade
de vida. Até então, vários instrumentos de avaliação de qualidade de vida em crianças
já haviam sido criados, mas em todos foram os pais e os professores que ajudaram
construir ou responder ao questionário. Como método diferente, nosso estudo foi
realizado em uma escola pública de Contagem e as crianças foram convidadas a fazer
desenhos sobre “um bairro feliz” e, em seguida, criar narrativas sobre os desenhos.
Essas narrativas foram analisadas e os resultados apontaram para uma percepção
diferente, com dimensões que os instrumentos internacionais construídos anteriormente
para medir qualidade de vida em crianças ainda não haviam contemplado, como
valores morais e violência. Uma aluna de mestrado, Elaine Ferreira Campos, esteve
envolvida nesse projeto.

Outro projeto que considero muito relevante dentro dessa primeira linha de
pesquisa é o “Violência e saúde no idoso”, em parceria com o grupo de pesquisa
Violência e Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG, tendo um aluno de doutorado
meu envolvido, Paulo Henrique Maia. O objetivo desse estudo transversal realizado na
cidade de Betim foi analisar a situação de violência do idoso e relacioná-lo com saúde e
43

seus determinantes sociais. O estudo demonstrou que os idosos eram vítimas de


violência principalmente dentro do próprio local onde viviam e, geralmente, de seus
parentes próximos e, sobretudo, por causa do “seu dinheiro”.

Dentro da segunda linha de pesquisa – Políticas Públicas, Planejamento, Gestão


e Avaliação em Saúde –, devo realçar o estudo “Uma Nova Clínica de Atenção Básica”,
em parceria com a Coordenação de Saúde Bucal da Secretaria Municipal de Saúde de
Belo Horizonte. Realizou-se uma avaliação da nova proposta de atendimento clínico
que a coordenação estava propondo naquele momento, avaliando a qualidade e a
agilidade na prática clínica, como, por exemplo, o custo/benefício do uso do ionômero
de vidro para restaurações definitivas. A Coordenação concordou que alguns dentistas
da rede fossem treinados e qualificados para fazer este trabalho, inserindo-os nessa
pesquisa. O trabalho foi importante na consolidação de parceria com a prefeitura, o que
possibilitou, em seguida, a proposição do curso de Especialização em Saúde Coletiva
para todos os profissionais da rede.

Outros estudos de avaliação merecem ser comentados, entre os quais, “Impacto


da Prótese Dentária Removível na Qualidade de Vida de Usuários do SUS em Belo
Horizonte, MG” e “Percepção de Cirurgiões-Dentistas sobre a Prótese Parcial
Removível Acrílica da PBH”. O primeiro foi realizado por um aluno de mestrado
acadêmico que era profissional da rede, Marco Túlio Souza, e avaliou as próteses totais
ofertadas pela PBH na Atenção Primária, tanto pela visão dos usuários quanto pela
qualidade delas. O resultado mostrou grande satisfação dos usuários da prótese e
qualidade considerada, em média, regular pelos indicadores utilizados. Já o segundo foi
realizado por uma aluna do mestrado profissional também da rede da PBH, Rita de
Cássia Silva, e verificou se os profissionais da rede estavam fazendo as próteses
acrílicas (consideradas provisórias), quanto tempo elas costumavam permanecer na
boca dos usuários, qual a técnica utilizada, se os profissionais se consideravam aptos
para confeccioná-las e o que pensavam sobre essa prótese. Foi um trabalho relevante
também por detectar que a prótese acrílica acabava por ser definitiva, uma vez que a
mudança para a cromo-cobalto demorava muito e muitas vezes nem acontecia.

Ainda dentro dessa linha de pesquisa, o estudo “Absenteísmo à Consulta


44

Odontológica de Crianças de 5 Anos: o caso de Belo Horizonte” buscou entender por


que as crianças agendadas pelo Programa Saúde na Escola para o tratamento não
compareciam às consultas. O problema visualizado mostrou que, embora os indivíduos
dessa faixa etária tivessem grande necessidade de tratamento, fato que ficou claro no
último levantamento de saúde bucal, os pais, ainda assim, não se preocupavam com
isso. Contando com o envolvimento de uma aluna de mestrado acadêmico, Taiomara
Mania, o resultado apontou para ruídos entre pais, escola e UBS, além de problemas
com agendamentos longínquos que, no geral, caíam em esquecimento.

A necessidade de melhorar a busca ativa para pacientes com alterações de


mucosa que poderiam levar à neoplasia bucal, outra questão levantada por uma aluna
de mestrado profissional, Jussara Guimarães, resultou no estudo “Diagnóstico Precoce
de Neoplasias Bucais: Capacitação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para
Identificação das Alterações da Mucosa Bucal”. Dez ACS de uma cidade do interior de
Minas Gerais foram qualificados e treinados para reconhecer anormalidades da mucosa
bucal para depois, com o uso de um instrumento construído para auxiliá-los, realizar os
exames. Trata-se um estudo piloto que mostrou que esses profissionais são sim
capazes de ajudar nesta tarefa difícil e tal estratégia pode e deve ser explorada.

Quero chamar a atenção também para os estudos que tenho realizado com
idosos, especialmente aqueles que se encontram em Instituições de Longa
Permanência para Idosos (ILPI). Temos avaliado de diversas maneiras as próprias ILPI,
assim como a saúde bucal dos idosos. Um aluno de mestrado profissional, Bruno Luís
Carvalho, avaliou as próteses desses idosos e a sua higiene, em sua pesquisa ‘A
prótese dentária em idosos em instituições de longa permanência’. Os resultados
mostraram que as próteses, em geral, são muito antigas, com diversos problemas de
adaptação, e a higiene é mal realizada, causando problemas na mucosa oral. Esse
mesmo aluno está agora cursando doutorado e irá aplicar uma matriz de avaliação de
qualidade das ILPI, construída por outra aluna do mestrado profissional, Aletea Ferreira
Prado de Figueiredo, que cooriento juntamente com a professora Raquel Conceição
Ferreira, em todas as ILPI de Belo Horizonte. Estes estudos com idosos receberam
recursos da Fapemig, advindos do Edital Universal em 2017, no qual fui contemplada.
45

Mirna Guimarães, outra aluna de doutorado, também está utilizando dados


nacionais públicos (secundários) para estudar ILPI de todo o Brasil. A ideia é fazer um
modelo de avaliação com os dados do CENSO SUAS (Sistema Único da Assistência
Social, Ministério de Desenvolvimento Social) para que não fiquem perdidos e possam
ser utilizados para avaliação por municípios, estados e pelas próprias ILPI. No mesmo
sentido, a aluna de mestrado profissional Luíza Karla Neves está desenvolvendo um
modelo de avaliação com os dados do e-SUS sobre saúde bucal dos idosos em
Carmópolis, MG.

Não posso deixar de citar ainda o estudo de Alex Herval, meu aluno de
doutorado, que está realizando uma intervenção com gestantes primíparas de
Uberlândia, MG, onde as atividades de educação são realizadas por pares, com outras
mães ou avós da comunidade, treinadas e qualificadas por ele. A hipótese é que o
aconselhamento sobre atitudes com o bebê vindo de pessoas mais próximas seja mais
eficiente do que a realizada pelos profissionais da UBS. Para avaliar, ele está usando
um questionário de letramento em saúde antes e após a intervenção.

Por ter iniciado na pesquisa com um trabalho com metodologia qualitativa,


preciso lembrar que, juntamente com a professora Efigênia Ferreira e Ferreira, tenho
me esforçado no sentido de aprender e aprofundar cada vez mais nessa metodologia,
tão importante na nossa área. Nesse sentido, criamos um grupo de estudos em
metodologia qualitativa, com alunos e professores interessados, que se reúne
quinzenalmente.

Quero acrescentar que tenho ainda diversas parceiras importantes em outros


estudos e publicações (sobre as quais discorrei mais no capítulo seguinte). Destaco a
professora Efigênia Ferreira e Ferreira, a mais antiga delas, colega desde o primeiro
curso de pós-graduação que realizamos na PUC-MG e grande incentivadora da
pesquisa no OSP, juntamente com as professoras Helena Paixão e Cristina Viana. E
também a professora Raquel Conceição Ferreira, cuja admissão trouxe um grande
impulso na nossa área de Saúde Coletiva na pós-graduação, e a professora Viviane
Elisângela Gomes, com sua busca por conhecimentos que possam melhorar nossas
iniciativas de educação em saúde. Com certeza sem a ajuda delas não teria
46

conseguido fazer tudo isso e tenho grande apreço e reconhecimento por todas.

Nos últimos anos, o OSP conseguiu ampliar seu corpo docente, recebendo
vagas de expansão do quadro, tendo em vista as atividades e a produção de seus
professores. Percebe-se que está havendo uma consolidação da pesquisa no
Departamento e que o mestrado profissional foi a grande mola propulsora, apontando o
acerto do OSP na sua criação.
47

6 A PRODUÇÃO CIENTÍFICA
48

Ao longo da minha carreira até o momento, são 89 artigos publicados. No início,


muitos realizados com alunos de Iniciação Científica, que somam 19 até aqui, o que
demonstra meu interesse pela pesquisa desde bem cedo na minha prática docente,
mesmo antes de fazer parte da pós-graduação ou de ter concluído meu doutorado.
Depois que passei a atuar na pós-graduação stricto sensu, o volume de publicação
aumentou muito, sendo a maioria das produções resultante das minhas orientações
nesses programas.

É necessário trazer uma questão importante sobre a publicação na área de


Saúde Coletiva. Durante muito tempo, os periódicos específicos desse campo não eram
bem classificados na área da Odontologia. Esse fato prejudicou muito as nossas
publicações por várias questões, mas a mais importante, sem dúvida, foi a necessidade
que tínhamos de abordar temas nos nossos cursos que fossem problemas encontrados
nos serviços locais de saúde pública e que não tinham, portanto, muita receptividade
nas revistas internacionais e mesmo em algumas nacionais. Como ainda acreditamos
que devemos tratar dos problemas mais próximos dos nossos alunos, foi preciso que
encontrássemos estratégias que permitissem pensar essas questões de forma mais
abrangente, nacionalmente falando, ou, quando fosse o caso, até internacionalmente.
Essa reviravolta proporcionou uma melhora na qualidade da nossa produção na área
de Saúde Coletiva como um todo.

A seguir, destaco algumas das produções que considero mais importantes,


publicadas em revistas Qualis B1 ou superior, ou que tiveram muitas citações em outros
artigos. O artigo que tem mais citações (113, GS), como já mencionei, foi produto do
meu doutorado. Intitulado Perda dentária e seu significado na qualidade de vida de
adultos usuários de serviço público de saúde bucal do Centro de Saúde Boa Vista, em
Belo Horizonte, foi elaborado em parceria com minha orientadora, professora Helena
Heloísa Paixão, e publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, em 2005.

6.1 Outras produções relevantes:

- Prospective study of complier individuals under periodontal maintenance


49

therapy: analysis of clinical periodontal parameters, risk predictors and the


progression of periodontitis, resultado de uma coorientação de doutorado, junto
com o professor Fernando Costa de Oliveira, da também professora Telma
Lorentz, publicado na revista Journal of Clinical Periodontology, em 2009, já
citado 66 vezes (GS);

- Social Capital and self-rated health among adolescents in Brazil: an exploratory


study, publicado em 2010, com 38 citações (GS), produto de uma coorientação,
junto com a professora Efigênia Ferreira e Ferreira, da aluna Carolina Borges,
que fez seu doutorado sanduíche com o professor Kawachi, da Harvard
University;

- Implications of edentulism on quality of life among elderly, publicado na


International Journal of Environmental Research and Public Health, resultado de
uma colaboração na orientação de doutorado da aluna Suely Maria Rodrigues,
orientanda do professor Allyson Nogueira Moreira, em 2012. Este estudo já
obteve 60 citações (GS);

- Toothaches in daily lives of Brazilian Adults, publicado na International Journal


of Environmental Research and Public Health, em 2012, fruto do doutorado da
minha aluna Aline Mendes Silva, 9 citações (GS). Estudo realizado dentro do
projeto de pesquisa Região metropolitana de Belo Horizonte: aspectos objetivos
e subjetivos;

- Social determinants of health and periodontal disease in Brazilian adults: a


cross sectional study, publicado na BMC Oral Health, em 2013, resultado do
estudo de minha aluna de doutorado Maria de Lourdes Carvalho Bonfim, com 29
citações (GS). Também fruto do projeto de pesquisa Região metropolitana de
Belo Horizonte: aspectos objetivos e subjetivos;

- Association between social determinants of health and functional dentition in 35-


year-old Brazilian adults: a population based analytical study, publicado na
revista Community Dentistry and Oral Epidemiology, em 2014, produto da
50

orientação da aluna de doutorado Loliza Figueiredo Chalub, com 18 citações


(GS);

- Validity and reproducibility of the revised oral assessment guide applied by


community health workers, fruto do trabalho de Marco Túlio de Freitas Ribeiro,
aluno que coorientei no doutorado, junto com a professora Efigênia Ferreira e
Ferreira, publicado na Revista Gerodontology, 2014, com 20 citações (GS);

- Ageing, Gender and Quality of life (AGEQOL) study: factors associated with
good quality of life in older Brazilian community-dwelling adults, publicado em
2014 na revista Quality of Life Outcomes, trata-se de um estudo realizado pela
aluna Ana Cristina Viana Campos, a qual coorientei, junto com a professora
Efigênia Ferreira e Ferreira, e que realizou doutorado sanduíche no Chile com a
professora Celina Albala. Este artigo já foi citado 45 vezes (GS);

- Functional Dentition in Brazilian adults: an investigation of social determinants of


health (SDH) using a multilevel approach, publicado na revista Plos One, em
2016, também oriundo do doutorado da minha aluna Loliza Chalub Houri, já
citado 12 vezes (GS), realizado com a coorientação da professora Raquel
Ferreira;

- Use of public oral health services by the adult population: a multilevel analysis,
artigo produzido no doutorado da minha orientanda Rafaela Silveira Pinho,
publicado na revista Plos One, 2016, com 7 citações (GS);

- Elementary and lower secondary school students’ perceptions of the Health at


School Program: a case study in Belo Horizonte, publicado na revista Ciência &
Saúde Coletiva, em 2018, produto da coorientação da aluna de doutorado
Fernanda Piana Santos Oliveira, que fez seu sanduíche em Lisboa, com a
professora Zulmira Hartz. Este estudo é muito relevante por consolidar essa
parceria com Portugal, além de o tema ser um feedback necessário para a
política do Programa Saúde Escolar no Brasil.

Além dos artigos, alguns manuais e capítulos também fazem parte da minha produção,
51

sendo os mais relevantes:

- O caminho da Integralidade: reflexões de professores da Faculdade de


Odontologia da UFMG, publicado em 2005, demanda da Associação Brasileira
de Odontologia, trabalho conjunto com alguns professores do OSP;

- Travessia a caminho da integralidade: uma experiência do curso de odontologia


da UFMG, capítulo do livro Ensino-trabalho-cidadania: novas marcas ao ensinar
integralidade no SUS, publicado em 2006, após um estudo realizado pelo
Ministério da Saúde/UERJ/CEPESC-ABRASCO sobre a integralidade no ensino
de escolas da área de saúde;

- Fluorose dentária e anomalias de flúor na água subterrânea no município de


São Francisco, Minas Gerais, capítulo do livro Geologia médica no Brasil,
resultante do trabalho realizado com a GEOCIÊNCIAS, publicado em 2006.

A produção técnica é também muito importante, uma vez que sou coordenadora e
professora do Mestrado Profissional em Saúde Pública. Posso destacar as seguintes
publicações nessa área:

- O papel da THD no tratamento e controle das doenças periodontais, que faz


parte do Guia Currilcular, Modulo III, do Curso de Especialização Saúde da
Família, EaD, realizado pelo NESCOM, da Faculdade de Medicina da UFMG.
Publicado em 2005, trata-se de material didático fundamental para este para tipo
de curso;

- Envelhecimento e Saúde Bucal, capítulo do Guia Curricular Módulo III, do


Curso de Especialização Saúde da Família, EaD, realizado pelo NESCOM, da
Faculdade de Medicina da UFMG. Escrito junto com a professora Mara
Vasconcelos e o aluno de doutorado Marco Túlio Freitas Ribeiro, publicado em
2006;

- Promoção em saúde nas escolas: diálogos da saúde com a educação, trabalho


realizado com outros professores do OSP que estavam no Programa Promoção
52

de Saúde, projeto Escolas Saudáveis, após discussão com professoras da


educação básica das escolas municipais e Secretaria Municipal de Saúde. Este
manual tem como objetivo facilitar o trabalho dos professores trazendo temas
considerados fundamentais para serem abordados com os alunos na promoção
de saúde;

- Protocolo de Confecção de Prótese Parcial Removível Acrílica (PRA) para PBH,


realizado em parceria com a aluna de mestrado profissional Rita de Cássia Silva
para utilização dos profissionais da rede da Secretaria Municipal de Saúde de
Belo Horizonte. Este trabalho foi feito por demanda da própria PBH e demonstra
a importância dessa parceria para o curso de mestrado profissional;

- Atividades e vivências do projeto de extensão Escolas Saudáveis, 2016-2017,


e-book publicado em 2018, com a participação de todos os professores ligados
ao projeto, destacando todas as atividades realizadas durante os dois anos. Esta
produção é importante na medida em que pode auxiliar outros profissionais que
trabalham em escolas.
53

7 A EXTENSÃO
54

Entendo a Extensão Universitária como uma ação da universidade junto à


comunidade que possibilita o compartilhamento com o público externo do conhecimento
adquirido por meio do ensino e da pesquisa desenvolvidos na instituição. É a
articulação do conhecimento científico advindo do ensino e da pesquisa com as
necessidades da comunidade onde a universidade se insere, interagindo e
transformando a realidade social.

A Extensão Universitária é, portanto, uma das funções sociais da universidade,


que tem por objetivo promover o desenvolvimento social, fomentar projetos e
programas de extensão que levem em conta os saberes e fazeres populares e garantir
valores democráticos de igualdade de direitos, respeito à pessoa e sustentabilidade
ambiental e social.

A Extensão pode e deve também propiciar novos conhecimentos por meio de


pesquisas dentro dos projetos que desenvolve. Estes, por sua vez, são produtos que
precisam ser compartilhados por meio da literatura científica.

O OSP sempre teve uma vocação para a Extensão em razão dos seus
conteúdos, e isso é notório, uma vez que tivemos dois professores pró-reitores da
UFMG: professor Renato Quintino e professora Efigênia Ferreira e Ferreira. Ao entrar
para a universidade, já percebia essa tendência do Departamento, embora, naquela
época, o CENEX (Centro de Extensão) da Faculdade ainda fosse muito incipiente,
responsável quase somente por cursos de atualização. Mais tarde, o CENEX assumiu o
protagonismo das ações, cresceu muito e, não à toa, hoje é modelo na UFMG.

O primeiro projeto de extensão que participei foi o de “Manutenção Preventiva na


Clínica da Barragem Santa Lúcia”, sobre o qual nos referimos no Capítulo 4 sobre
docência. O projeto tinha como objetivo fazer a manutenção preventiva periódica dos
pacientes que recebiam alta no tratamento odontológico realizado na Clínica. Eram
avaliadas as restaurações e a higiene bucal do paciente. Caso houvesse novas
pequenas necessidades, o próprio projeto buscava uma solução; do contrário, indicava-
se retorno para atendimento na Clínica. O objetivo era prevenir novas lesões e evitar
55

que os problemas se acumulassem novamente. O projeto propiciou o estudo do risco


potencial para o desenvolvimento de doenças bucais e os pacientes eram classificados
segundo esse risco (alto, médio e baixo), com critérios criados com base na literatura. O
período de retorno era de acordo com essa classificação. Com base na experiência
desse projeto, mais tarde, a manutenção preventiva foi ampliada para toda a Faculdade
quando da mudança curricular em 1992, sendo realizada a princípio na disciplina de
graduação CIAP V e, depois, em todas as disciplinas de CIAP.

A grande demanda por atendimento odontológico de adolescentes na disciplina


de CIAP I, criada no novo currículo de 1992, e a dificuldade que muitos deles tinham
em comparecer durante a semana no horário do atendimento para tratamento, em
função de trabalho ou estudo, fizeram com que a professora Efigênia e eu criássemos o
Projeto Promoção de Saúde Bucal para Adolescentes, em 1996, com atendimento aos
sábados pela manhã. Os alunos de graduação eram voluntários e atendiam, a princípio,
por demanda livre. O pedido da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para
atendimento dos adolescentes estagiários que lá trabalhavam veio solidificar esse
projeto. Com esse grupo foi realizado, além do atendimento clínico, um trabalho de
educação em saúde bastante interessante, no horário de almoço deles, durante a
semana, em que participavam aqueles que desejavam. Os temas eram abordados
conforme a demanda dos próprios adolescentes e variavam desde sexualidade até
saúde bucal. Os próprios alunos do projeto participavam dessas atividades e se
preparavam para todos os temas.

A partir desse projeto, foi criado também um curso de Aperfeiçoamento em


Promoção de Saúde Bucal para Adolescentes, destinado a profissionais que queriam
atender esse grupo etário que demandava abordagens diferenciadas para que o
atendimento fosse efetivo. Os profissionais também atendiam no horário do projeto,
havendo uma integração interessante entre o grupo da graduação e o dos profissionais.

Mais tarde houve um contato do Sistema Prisional de Minas Gerais com a


coordenação do projeto para que fossem atendidos também os adolescentes em
conflito com a lei. Experiência difícil e que trouxe para o projeto uma realidade bem
diferente para professores e alunos. Era impensável a razão da prisão daqueles jovens
56

que pareciam acuados, tímidos, e, no entanto, muitos já haviam cometido inclusive


homicídio. A maneira como vinham para o atendimento, algemados, horrorizava os
alunos e isso foi muito discutido com os agentes responsáveis, que não achavam
prudente retirar as algemas durante o tratamento. Ao final foi possível um acordo: os
agentes permaneciam em pé, em frente ao equipamento, o tempo todo. Essa
abordagem terminou por fazer com que a realidade dos adolescentes de baixa renda,
que viviam em comunidades, pudesse ser compreendida pelos alunos, os quais
puderam também refletir e entender melhor o grupo que atendiam. Esse projeto de
extensão, “Promoção de Saúde Bucal para Adolescentes”, continua acontecendo nos
dias de hoje, coordenado agora pela professora Andréa Palmier, atendendo
principalmente os adolescentes da Cruz Vermelha que trabalham na UFMG.

Em 2003, foi criado o projeto de extensão “Odontogeriatria no Hospital Paulo de


Tarso”, unidade da Fundação São Vicente de Paula, coordenado pelo professor Allyson
Nogueira e por mim. Esse projeto visava ao atendimento odontológico dos idosos
internados no hospital que apresentavam diversos comprometimentos sistêmicos.
Realizava-se também atendimento no leito para aqueles que não conseguiam andar ou
ser levados ao consultório. Além disso, eram realizados procedimentos de promoção
com os idosos – controle de placa – e com os cuidadores – incluir higiene bucal e das
próteses na rotina diária. Os alunos de graduação eram bolsistas e motivados a criar
maneiras de melhorar o atendimento e as atividades de promoção. Esse projeto foi
importante para mim porque ele foi criado após uma aluna de doutorado, Suely Maria
Rodrigues, a qual coorientei junto com o professor Allyson, ter estudado os idosos de
Governador Valadares e o abandono dessa população chamou nossa atenção,
principalmente no que dizia respeito à saúde bucal. Foi a partir dessas experiências que
me interessei pelos estudos que realizo até hoje sobre idosos, principalmente idosos
institucionalizados.

Outro projeto importante é o “Projeto Escolas Saudáveis”, que inclui a promoção


de saúde em escolas municipais da Regional Pampulha, região de abrangência da
Faculdade. Esse projeto foi incluído em um grande programa de Promoção de Saúde
da Faculdade de Odontologia, junto com outros projetos com o mesmo objetivo. Ele se
57

consolidou a partir de um estudo sobre os fundamentos da estratégia “Escolas


Promotoras de Saúde”. Esse projeto é exemplo do que falamos sobre mudança na
compreensão da extensão universitária, caminhando do “assistencialismo” para uma
proposta transformacional, e baseia-se, atualmente, nos princípios e estratégias das
Escolas Promotoras de Saúde (EPS), um movimento apoiado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). O programa escolar tem como alvo a saúde e a qualidade de
vida das comunidades atendidas por essas escolas, a formação de alunos de
graduação e pós-graduação e a produção de conhecimento. Suas ações foram
aprimoradas para incorporar novas abordagens, alinhadas às políticas públicas
atualmente em vigor. Alguns projetos de pesquisa foram e continuam sendo
desenvolvidos nesse programa com o objetivo de avaliar o impacto das intervenções na
comunidade escolar. Em 2010, fomos contemplados pelo PROEXT (R$ 50.000,00),
possibilitando a ampliação do projeto para mais escolas e a efetivação da nossa
parceria com a Gerência da Secretaria Municipal de Educação da Regional Pampulha.
O “Escolas Saudáveis” faz parte do grande Programa Promoção de Saúde da
Faculdade de Odontologia e tem recebido pelo menos duas bolsas anuais da UFMG,
contando ainda com inúmeros alunos voluntários (em média, 20 alunos) de diversos
períodos.

Em 2011, o Programa Escala Docente da UFMG possibilitou um intercâmbio das


nossas ações do “Projeto Escolas Saudáveis” com os colegas da Faculdade de
Odontologia da Universidad Nacional de Córdoba (Argentina). A partir dessa parceria,
neste mesmo ano, iniciamos um projeto de pesquisa multicêntrico intitulado “Promoção
da Saúde Contextualizada em Comunidades Escolares e seu Entorno: a Autonomia
para a Saúde”, que recebeu apoio financeiro da Capes. O objetivo principal era realizar
o diagnóstico das comunidades em que atuamos para, posteriormente, conseguirmos
propor intervenções mais consistentes adaptadas a cada realidade.

Em 2012, desenvolvemos e publicamos o primeiro livro de uma série, intitulado


Promoção da saúde na escola: diálogos da saúde com a educação, junto com os
parceiros da educação e dirigido aos professores da rede. O lançamento oficial foi em
2013, em um evento na FOUFMG que contou com a participação da equipe do projeto
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multicêntrico e os profissionais da rede municipal de educação e saúde. Iniciamos


parcerias com dois novos projetos vinculados ao programa – “Viva Sorriso: Promoção
de Saúde Bucal” e “Alimentação Saudável” – baseadas principalmente na troca de
experiências e ações conjuntas entre os estudantes nas escolas. Essas parcerias têm
qualificado as ações do projeto e contribuído para a mobilização de grupos nas
comunidades. O caráter multidisciplinar que o projeto vem ganhando tem aberto novas
possibilidades para os alunos de graduação e representa uma possibilidade de prática
que contribui de forma decisiva para sua formação. Essa experiência modificou
inclusive o curso de graduação de Odontologia, pois na última reforma curricular foram
criadas disciplinas nos moldes do projeto. No ano de 2018 fomos contatados pelo
professor Wagner Marcenes, do King’s College, London University, propondo parceria
nesse projeto com um novo modelo desenvolvido por ele que tem como objetivo
principal o empoderamento dos alunos. Tudo leva a crer que teremos grandes
novidades em 2019.
59

8 A ADMINISTRAÇÃO
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Logo que iniciei como docente na Faculdade, assumi cargos na área de


administração, como a subchefia, ainda em 1984, do Departamento, sendo o chefe o
professor Marcos Werneck. Em seguida, em 1989, fui representante dos professores
auxiliares na Congregação da Faculdade e a partir daí sempre estive em alguma área
considerada de administração. Participei de diversas comissões ao longo destes 35
anos de trabalho e discorro agora sobre aquelas que considero mais importantes e
impactantes na minha carreira e para a Faculdade.

8.1. O Comitê de Ética em Pesquisa

Em 2004, fui convidada para integrar o Comitê de Ética em Pesquisa com


Humanos da UFMG (COEP), que já havia sido criado bem anteriormente, em 1996,
atendendo à resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Essa participação foi
intensa e, do meu ponto de vista, uma experiência sem igual na universidade. O Comitê
era composto por professores de quase todas as áreas do conhecimento, o que tornava
as discussões sempre ricas e muito reflexivas. Aprendi muito avaliando pesquisas de
diversas áreas que trabalhavam com seres humanos. Convivi com professores
importantes da UFMG nessa área de Bioética, como o professor Dirceu Greco e as
professoras Maria Helena de Lima e Maria Tereza Amaral, todos ex-presidentes do
Comitê. A convivência com a área de humanidades e a necessidade de estudar para
avaliar os projetos foram cruciais no meu crescimento pessoal e como professora.
Consegui, também, ser mais uma professora com esse conhecimento específico de
Ética em Pesquisa dentro da Faculdade de Odontologia, até então de domínio das
professoras Elza Conceição e Efigênia Ferreira e Ferreira, que me antecederam no
Comitê. Assim, pude ajudar diversos pesquisadores da Faculdade com dificuldades em
relação às normas estabelecidas.

8.2. Comissão para implantação do Programa de Telessaúde da UFMG

A minha participação na Comissão para Implantação do Programa de


Telessaúde da UFMG, nomeada pelo reitor da universidade para implantar o
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Telessaúde em todas as unidades da área da saúde, como já ocorria na Faculdade de


Medicina e no Hospital das Clínicas (HC), foi muito importante para a Faculdade. O
projeto já acontecia por meio de conferências a distância para os profissionais médicos
do interior de Minas Gerais, sendo criados vários vídeos sobre diversos temas na área
da Medicina. No HC, o trabalho era diferente, realizado por meio de consultorias em
que os profissionais do interior demandavam e enviavam suas dúvidas a respeito de um
diagnóstico e um grupo de professores respondia. Conseguimos implantar o projeto na
Faculdade de Odontologia e quem passou a coordená-lo foi a professora Simone Dutra
Lucas, por meio de projeto de extensão que incluiu consultorias para os municípios do
interior do estado, confecção de vídeos na área de saúde bucal, que podem ser
acessados por todos, e videoconferências realizadas semanalmente para os
profissionais da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Esse trabalho, criado pelo
Ministério da Saúde, foi muito importante para o desenvolvimento do SUS no interior do
estado de Minas Gerais.

8.3. Comissão para acompanhamento dos estudantes indígenas na


Faculdade de Odontologia

A Comissão para Acompanhamento dos Estudantes Indígenas na Faculdade de


Odontologia, nomeada pela diretoria da Faculdade, me propiciou uma convivência
ímpar com um grupo com o qual ainda não tinha tido oportunidade de trocar
experiências. As dificuldades desses alunos são imensas, têm muitos problemas de
adaptação na universidade, de moradia (no início, a bolsa que recebiam era de valor
muito pequeno e somente melhorou nos últimos anos) e para acompanhar as
disciplinas do curso. O programa do Ministério da Educação pressupõe que, após o
término da graduação, os estudantes voltem para suas comunidades. Esse projeto tem
sido exitoso apesar das dificuldades apontadas, permitindo também que os demais
estudantes e professores compreendam os problemas da realidade dos indígenas
brasileiros bem de perto, contribuindo para melhorar a qualidade de vida das
comunidades indígenas.
62

8.4. Vice-Diretoria da Faculdade de Odontologia da UFMG

Concorri ao cargo de vice-diretora em uma chapa com o professor Evandro Abdo


e fomos eleitos em 2008. Assim que assumimos a diretoria, decidimos dividir os
enormes encargos da gestão. Fiquei responsável pelas clínicas odontológicas, pelo
Centro de Atendimento, Seleção e Encaminhamento do Usuário (CASEU) e pela
Central de Esterilização de Material (CME). Como fazia parte do grupo de professores
do OSP que participava das disciplinas de clínica, já tinha experiência nesse setor.

Logo ao assumir a diretoria, verifiquei que muitas mudanças e modernização dos


processos de trabalho eram necessárias. Nesse momento, coincidentemente, o Projeto
Institucional da Faculdade de Odontologia, Projeto de Biossegurança proposto pelo
diretor anterior, Ricardo Santiago Gomez, já estava completando cinco anos e
precisava ser refeito. Assim, tivemos oportunidade de elaborar um novo projeto,
privilegiando as clínicas da graduação e o CASEU. A construção desse projeto foi muito
difícil para mim, pois ainda tinha pouco conhecimento da administração pública e das
etapas que deveriam ser cumpridas. Hoje percebo que ele foi apenas o primeiro de
muitos projetos que depois vieram e que me fizeram aprender muito sobre gestão
pública, bem como desenvolver um senso crítico sobre administração na universidade
pública. Confesso que muitas vezes fiquei bastante desestimulada, por exemplo,
quando, para resolver determinadas situações ou entender melhor alguma questão
administrativa, era preciso insistir muito e às vezes recorrer a pessoas que já conhecia
na da reitoria para conseguir um caminho mais curto. Nada era fácil!

Com a aprovação do projeto e o auxílio da professora Denise Vieira Travassos,


coordenadora do CASEU, conseguimos planejar ações escalonadas para melhoria
física do espaço e do atendimento aos usuários, alunos e professores. Nesse sentido,
ampliamos a área física do CASEU, compramos arquivos modernos, os dados
passaram a ser digitalizados, fizemos um programa para que os alunos pudessem na
própria clínica anotar os procedimentos realizados on-line.

Isso tudo foi possível por meio de um projeto submetido ao Pró-Saúde, programa
do Ministério da Saúde, no qual a Faculdade foi contemplada e recebeu financiamento
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para ações internas, de apoio à graduação, e externas, de qualificação dos cenários de


prática nos serviços de saúde. Com esses recursos pudemos comprar computadores
para as clínicas (dois para cada uma das seis clínicas), além de novos equipamentos
para o melhor atendimento dos alunos.

Um grande problema que encontramos era o pouco faturamento da Faculdade


no Convênio com o SUS-BH e seu repasse tendo que ser feito através do Hospital das
Clinicas da UFMG. Isso transformava o recebimento sobre os serviços prestados num
enorme e difícil processo. Todo mês era preciso reclamar, pedir, conferir os valores,
resumindo, uma grande confusão, com repercussão na situação financeira da
Faculdade. Percebendo isso, procuramos a Coordenação de Saúde Bucal da
Secretaria Municipal de Saúde, da Prefeitura de Belo Horizonte, na pessoa do Dr.
Carlos Tenório, e passamos a discutir um novo Convênio, desta vez diretamente com a
Faculdade de Odontologia. Foi uma longa negociação e para tal foi criada uma
comissão que incluía professores de todos os departamentos. No início havia uma
desconfiança enorme entre os dois lados porque o serviço questionava muito a maneira
como trabalhávamos na Faculdade. Foi difícil explicar os aspectos pedagógicos do
curso e também para os professores foi difícil entender as necessidades do serviço.
Após um ano, conseguimos assinar o convênio e incluímos muitos procedimentos
odontológicos além daqueles da Atenção Básica, inclusive a prótese total, forte
reivindicação da Coordenação de Saúde Bucal. O acordo previa finalmente que a
Faculdade recebesse os valores diretamente da prefeitura.

Durante esse processo verificamos, também, que os alunos não anotavam todos
os procedimentos que realizavam nas clínicas e foi aí que sentimos a necessidade de
informatizar o CASEU. Ganhamos os computadores (Pró-Saúde) e encomendamos o
programa necessário. Além disso, conversamos com todos os alunos, turma por turma,
explicando a necessidade de cooperação deles. Ao final de seis meses, já tínhamos um
resultado bem melhor. Ainda assim, percebia-se que havia pouco envolvimento de
alguns professores, principalmente das clínicas especializadas, que se preocupavam
muito com que o aluno fizesse o procedimento correto, mas não com o preenchimento
completo das fichas clínicas e com a anotação dos procedimentos realizados.
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Assim, outra providência necessária e importante foi a discussão do prontuário


eletrônico da Faculdade, que resolveria melhor ainda essa questão. A professora
Denise Travassos começou a trabalhar nesse sentido, mas infelizmente não
conseguimos implantar ainda o prontuário na nossa gestão. Para resolver um pouco o
acúmulo de papel, fichas clínicas e outros documentos, fizemos um contrato com uma
empresa que assumiu a guarda do arquivo. Essa iniciativa aliviou muito o arquivo morto
da Faculdade.

Como mencionei no capítulo 4, sobre minha vida como docente, o currículo da


Faculdade, após a mudança para o campus Pampulha, teve de ser reformulado e
precisava de uma nova proposta. A maior parte da construção desse novo currículo se
deu durante a nossa gestão na diretoria da Faculdade. Gestão que, no meu modo de
ver, com dificuldades, mas também perspicácia e bom senso, conseguiu conduzir bem
todo o percurso. Na construção de um projeto pedagógico existe sempre um embate na
busca por poder e conciliar todo esse processo não é tarefa simples. Ademais, buscar o
consenso sempre é complicado, uma vez que muitos professores apelam para
prestígios pessoais, tempo de docência e razões ideológicas quando o objetivo é
privilegiar e aumentar a carga horária das suas disciplinas, conteúdos.

Mediar conflitos tendo como meta principal melhorar a Faculdade tanto em


estrutura física como pedagógica, sempre foi minha maneira de agir e foi assim que
consegui bons resultados na diretoria. Na minha sala desaguavam todos os problemas
relacionados ao funcionamento das clínicas, CASEU e Central de Esterilização da
Faculdade, e não eram poucos! A sala estava sempre ocupada em reuniões com
professores, alunos, funcionários e, inclusive, pacientes. A impressão que eu tinha era
de estar sempre “apagando fogo”. Tentando melhorar e trabalhar de forma mais
planejada, resolvemos enfrentar o maior dos problemas: a questão dos funcionários
técnico-administrativos da Faculdade que, nessa ocasião, eram em número menor do
que precisávamos, principalmente na área de clínica. Foi necessário pensar estratégias
que mantivessem todos os serviços essenciais, de maneira a diminuir os problemas que
chegavam diretamente na diretoria.

O projeto institucional que conseguimos implementar veio ajudar nessa direção,


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pois, por meio da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), conseguimos


contratar diversos trabalhadores para funções importantes na Faculdade, bem como
bolsas para outros que já estavam em serviço e passaram a realizar outras atividades
além das previstas no seu contrato de trabalho. Assim, foi possível melhorar os serviços
mais urgentes, como implementar um plano de coleta de resíduos eficiente, incluindo o
controle de resíduos químicos, que eram descartados nos encanamentos de esgoto da
Faculdade (feito em parceria com a Companhia de Saneamento de MG – Copasa);
promover o funcionamento do auditório, inaugurado na nossa gestão; criar o Banco de
Dentes; além de muitos outros.

Foi preocupação nossa também agilizar o processo de definição de um espaço


restrito para os funcionários realizarem suas refeições e descansarem. Era uma
reivindicação antiga que conseguimos viabilizar. Esse espaço era também utilizado
para outros eventos da Faculdade, principalmente da pós-graduação, e com a
inauguração do auditório, o hall de entrada pôde ser disponibilizado para outras
atividades, facilitando o processo.

Com apoio do professor Marcelo Faria, que na ocasião ocupava um cargo na


Comissão de Acessibilidade da UFMG, conseguimos dois elevadores para a Faculdade.
Havia os locais destinados a eles, desde quando o prédio fora construído, mas estavam
ocupados com elevadores de carga. Foi preciso fazer obras para adaptação dos novos
elevadores e, assim, resolveu-se o problema de acessibilidade para deficientes e
idosos ao Piso 2.

Outra experiência importante foi o Conselho Universitário. Como vice-diretora,


eventualmente era necessário comparecer às reuniões do Conselho. Eu sabia da sua
composição, das suas funções, porém, nunca tinha estado em reuniões com tantos
representantes da UFMG. Já de início percebi como funcionava na prática: alunos e
funcionários quase sempre se uniam quando tinham interesse comum em algum ponto
da pauta. Os professores, que eram a maioria, tinham dois lados: os mais progressistas
e os conservadores. Com o tempo, verifiquei que na verdade o que acontecia naquele
Conselho era um retrato do que acontece na nossa sociedade, com todas as classes
representadas. Se por um lado era importante, por outro, tinha seus inconvenientes.
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Com mais de 50 membros, todos podiam manifestar sobre todos os assuntos colocados
em pauta. Isso tornava as reuniões muito difíceis porque muitas vezes as pessoas
pediam a palavra apenas para repetir o que outras já tinham falado. Assim, as reuniões
se estendiam por até cinco horas, às vezes mais. Mesmo havendo tempo para a
manifestação de todos, muitos não obedeciam às regras, principalmente os
professores, que, de modo geral, gostam muito de falar. Portanto, a pauta quase
sempre não se cumpria e muita coisa que precisava ser resolvida rapidamente ficava
para o próximo encontro. O sentimento de tempo perdido era enorme. A falta de
objetividade dos professores me incomodou o tempo todo. Mas, não posso negar, vivi
alguns momentos muito importantes para a UFMG nesse Conselho, por exemplo,
quando se decidiu adotar cotas para o ingresso de alunos que se declarassem negros
quando do exame de vestibular. Nilma Lino Gomes, professora da FaE, fez uma
exposição belíssima e contundente sobre a questão dos pobres brasileiros e mostrou
que, entre estes, os negros são os que têm uma situação pior. Foi uma discussão
intensa e emocionante que me fez compreender melhor a importância do Conselho
Universitário.

Logo depois de adotar cotas para negros que estudaram em escolas públicas, a
UFMG começou a discutir a entrada especial de estudantes indígenas a pedido do
Ministério da Educação. As lideranças indígenas solicitavam vagas para os cursos nas
áreas da Saúde, Educação e Direito. As unidades deveriam apreciar o projeto e definir
nas Congregações se aceitariam os alunos. Para a reunião da Congregação,
convidamos a professora responsável pelo projeto para expor a questão e, em seguida,
abrimos a discussão. Foi preciso defender a proposta de forma vigorosa, o que não nos
furtamos de fazer, e, somente depois de muito argumentar, conseguimos mudar o rumo
da discussão para uma postura mais favorável dos professores, que, a meu ver, tinham
uma visão muito estreita dessa iniciativa. Estavam preocupados com o nível dos alunos,
se conseguiriam acompanhar o curso, eram contrários à entrada com critérios especiais
sem o vestibular tradicional e outras questões que eu já considerava menos
importantes. Ao final, conseguimos aprovar a entrada de dois indígenas por semestre, o
que ocorre ainda nos dias de hoje, alguns inclusive já se graduaram. A experiência tem
sido interessante para a Faculdade, que tomou conhecimento desse universo
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anteriormente ignorado, mas difícil para os indígenas que moram longe de suas
famílias, têm dificuldade de adaptação na cidade grande, precisam estudar muito para
conseguir acompanhar as disciplinas e muitas vezes as repetem várias vezes. A
convivência com os colegas também é difícil, algumas vezes são excluídos. Nesse
sentido, a nossa diretoria criou a Comissão de Acompanhamento dos Estudantes
Indígenas (já relatada) para buscar amenizar as questões que se apresentavam, que
incluíam ainda problemas com matrícula, compra de instrumental odontológico, aulas
de reforço, entre muitas outras.

Por tudo, embora incrivelmente difícil e estressante, considero que esse tempo
na diretoria só me fez crescer como profissional, professora e pessoalmente. Meu
conhecimento da universidade ampliou muito. Passei a conhecer melhor os caminhos
da gestão pública, como as diversas unidades acadêmicas solucionavam seus
problemas, muitas vezes comuns. Passei a valorizar, enfim, a importância de participar
dos cargos administrativos, contribuindo para as questões coletivas.
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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Creio que este Memorial destaca o compromisso com a educação nos meus
longos 35 anos de magistério. No decorrer da minha carreira profissional pude exercer
praticamente todas as atividades que se esperam de um professor de nível superior,
quais sejam docência, pesquisa e extensão, além de contribuir com a gestão
universitária.

Na finalização deste relato, considero ainda como minhas principais


contribuições:

♦ A formação de quase 5.000 alunos de graduação e pós-graduação;

♦ A formação de mestres e doutores para o Ensino Superior;

♦ A qualificação de profissionais do serviço público, professores da


educação básica, alunos e professores de outras instituições, por meio de
cursos, palestras, reuniões de trabalho e produções conjuntas;

♦ A contribuição na consolidação das linhas de pesquisa da área de Saúde


Coletiva;

♦ O desenvolvimento de pesquisas relevantes para o aprimoramento


científico com temáticas ainda pouco exploradas nos estudos brasileiros,
que propiciaram avançar no conhecimento científico da área de Saúde
Coletiva;

♦ A melhoria na gestão da Faculdade de Odontologia da Universidade


Federal de Minas Gerais.

Essas contribuições se pautaram no respeito, no exercício da autonomia, da


cooperação e da compreensão das divergências, na liderança, na busca do consenso,
no exercício da tolerância e compromisso social, comportamentos que dão sentido ao
trabalho de uma professora universitária.

Devo considerar a importância e a felicidade de pertencer ao OSP, onde as


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relações foram sempre pautadas pelo respeito, pela cooperação e pela amizade,
malgrado as diferenças.

A elaboração deste Memorial me deu oportunidade de voltar a olhar para trás no


tempo e perceber claramente quantas pessoas foram importantes nessa minha
caminhada. Agradeço imensamente aos alunos, professores, técnico-administrativos,
pacientes, profissionais e à minha família, todos que me ajudaram nessa trajetória.

Quanto às minhas projeções futuras, pretendo continuar desenvolvendo


pesquisas, orientando meus alunos de pós-graduação e lecionando na graduação, que
é onde meu trabalho mais me desafia nesse momento. Os tempos são outros, os
alunos são outros e o ensinar precisa também ser outro.

Com meus novos colegas de Departamento, principalmente com as professoras


Viviane Gomes e Raquel Ferreira, tenho aprendido diferentes maneiras de trabalhar
com os alunos, por meio de novas tecnologias ativas de aprendizagem, mas sempre
exigindo deles o desenvolvimento de um produto final, importante para aprofundar e
refletir o conhecimento. Ademais, essa convivência com novos docentes tem sido muito
importante e motivadora, uma vez que suas visões de mundo são bastante diferentes,
com outras vivências, que me ajudam a entender melhor este novo mundo que está se
desenhando, complexo, difícil e por vezes com muitas encruzilhadas. Do mesmo modo,
penso que contribuo com longa minha experiência como docente, acolhendo-os sempre
que necessário.

Para Salvatore D’Onofrio, em seu Metodologia do trabalho intelectual, o


Memorial é definido como “um currículo comentado, a história de uma vida refletida, a
autoanálise dos fatos memoráveis, visando especialmente pôr em luz a evolução na
área de conhecimento escolhida” (1999, p. 74). Em tal definição, o autor segue
enfatizando ser imprescindível que as atividades exercidas na trajetória acadêmico-
profissional do docente estejam inseridas no projeto global de sua produção e de
acordo com as necessidades da instituição. Assim, para ele, a capacidade de se trazer
à tona fatos memoráveis e, por sua vez, significativos, evidencia a essência reflexiva do
Memorial ao buscar responder: “Como dar sentido à vida?”
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Isto posto, creio que alcancei o objetivo do Memorial Acadêmico e percebo que
também dei maior sentido à minha carreira acadêmica. Sinto-me gratificada e feliz ao
encerrar esse processo, pois, após “revivenciar” minha trajetória, tenho certeza de que
pude contribuir muito para a sociedade com o meu trabalho na Faculdade de
Odontologia.
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REFERÊNCIAS
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BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CONSELHO NACIONAL de


EDUCAÇÃO/CONSELHO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR. Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia (Resolução), 2002.

D’ONOFRIO, Salvatore. Metodologia do trabalho intelectual. São Paulo: Atlas, 1999.

MARCOS, Badeia. Relatório da análise prospectiva do ensino de graduação da


Faculdade de Odontologia da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 1989.

SANTOS, Renato Quintino et al. Projeto Clínica Odontológica Extramuros – 1981-1985.


Belo Horizonte: UFMG, 1985.

SOARES, Magda. Metamemória-memórias: travessia de uma educadora. São Paulo:


Cortez, 2001.

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