Você está na página 1de 13

Endurecimento por precipitação - Ex. Ligas de Alumínio.

Departamento de Engenharia Mecânica


Prof. Dr. Amilton Sinatora

O endurecimento por precipitação é um dos mecanismos de endurecimento dos metais


como o encruamento e a transformação martensítica, por exemplo. O objetivo deste
capítulo é estudar este fenômeno e, ao mesmo tempo exemplifica-lo mediante o estudo de
algumas das ligas de alumínio, cuja aplicação decorre de exibirem este fenômeno. Ligas
de cobre e os próprios aços também apresentam esta forma de endurecimento.

Motivação
As ligas de alumínio, devido a sua baixa densidade são escolha obvia para aplicações
estruturais e/ou para aplicações automotivas. Embora pareçam ser a escolha óbvia, como
mostra a figura 1 ao se considerar a relação tensão limite de resistência dividida pela
densidade a vantagem das ligas de alumínio pode não ser tão evidente.

Figura 1 Mapa tensão de escoamento x densidade.

Por exemplo, considerando um ferro fundido cinzento que tem tensão de escoamento de
200MPa e densidade 8 e comparar este material com o alumínio puro que tem 70MPa de
tensão de escoamento e densidade 3, pode-se verificar que o ferro fundido poderia ser
mais adequado para materiais aeronáuticos, por exemplo. Este não é obviamente o caso

1
como se vê na figura 2 que mostra os tipos de liga de alumínio empregadas na fabricação
de aviões.

Figura 2. Alguns materiais metálicos, em especial, ligas de alumínio empregadas em


aviões. (Arlindo Silva, Instituto Superior Técnico)

Como fazer para melhorar para melhorar esta relação entre σy/ρ ? Existem, para as ligas
de alumínio, dois caminhos, o encruamento (e recristalização) e o endurecimento por
precipitação.

Ligas de Alumínio Principais Tipos e Nomenclatura


As ligas de alumínio são comumente divididas em ligas fundidas (cast alloys) e ligas
cujas propriedades são atingidas mediante operações de conformação plástica
envolvendo ou não tratamentos térmicos. Elas são designadas como ligas trabalhadas
(wrought alloys). O esquema abaixo racionaliza e exemplifica algumas das famílias de
liga.

2
LIGAS DE ALUMÍNIO

Ligas fundidas Ligas trabalhadas

Endurecíveis Não Endurecíveis Não


P/precipitação Endurecíveis P/precipitação Endurecíveis
P/ precipitação P/ precipitação

Al-Cu - 2XX.X Al-Mg -


Al-Cu - 2XXX Al-Mg - 5XXX Al-Cu-Ni- 2XX.X 5XX.X
Al-Cu-Ni- 2XXX
Al-Mn - 3XXX Al-Mg-Si - Al-Mn -
Al-Mg-Si - 6XXX
Al-Si - 4XXX 6XX.X 3XX.X
Al-Zn-Cu -
Al-Zn-Cu -
7XXX
7XX.X
Al-Si - 4XX.X
Al-Li - 8XX.X

Nas ligas de alumínio pode-se observar que os diagramas de fase são, em semelhantes,
como se vê na figura 3, muitos deles com reações eutéticas.

3
Figura 3. Exemplos de diagramas binários de ligas de alumínio.

Os teores dos elementos de liga principais raramente ultrapassa 15%.

Encruamento
O encruamento consiste na elevação da tensão necessária para prosseguir a deformação
plástica. Durante a deformação ocorre aumento do número de discordâncias através da
ativação de fontes com conseqüente aumento do numero de discordâncias no metal. O
aumento da tensão para o avanço da deformação se deve a interação das discordâncias
com outras discordâncias que se movimentam em outros sistemas de escorregamento,
interação com discordâncias floresta e interação das discordâncias com as novas
discordâncias geometricamente necessárias geradas na interface ou próximo a interface
entre precipitados incoerentes e a matriz. Deve-se também a multiplicação de
discordâncias. Nas ligas de alumínio o aumento de propriedades mecânicas mediante
deformação designa-se pela letra H (strain hardned). A tabela 1 mostra a composição e a
aplicação de algumas ligas de alumínio trabalhadas e a tabela 2 explica o significado da
nomenclatura

4
Tabela 1 Composição e aplicações de ligas trabalhadas de alumínio. (De Garmo 8th Ed.
174 - 181).

Liga
Cu Si Mn Mg Outros Su Sy A(%) HB
1100- O 0,12 99Al 90 34 35 23 estampagem
1100H14 110 97 9 32 estampagem
1100H18 165 145 5 44 Placas tubos,
alimentação

3003 - O 0,12 1,2 110 41 30 28 Semelhante 1100


3003-H14 152 145 8 49
3003-H18 200 186 4 55 Utensílios
domésticos !!!!

5052-O 2,5 0,25 193 90 25 45 Maiores


propriedades das
trabalhadas
5052- H32 228 193 12 60 Altos limites de
fadiga

2024 - O 4,4 0,6 186 76 20 42


2024 - T4 441 290 19 120 Construção de
aviões

7075 - O 1,6 0,2 2,5 0,3Cr 228 103 17 60 A mais resistente


5,6Zn
7075 - T6 524 462 11 150 Menos dutil que
20204

5
Tabela 2 Tratamentos termo mecânicos das ligas de alumínio. (Metals Handbook v. 3
p.24--27)
Designação Significado
O Recozimento pleno
H Aplica-se a produtos que foram endurecidos pro
encruamento, com ou sem tratamento térmico posterior.
H1 Produtos apenas deformados
H18 O numeral 8 indica a "tempera" na qual a tensão de ruptura
corresponde aquela atingida com 75% de redução a frio
H10 Idem seguido de recozimento completo.
H14 Tensão de ruptura aproximadamente no meio, entre "0" e
8.
H12 Tensão de ruptura aproximadamente no meio, entre "0" e
4.
H3 Encruada e estabilizada mediante tratamento térmico

W Apenas solubilizada

T4 Solubilizada e envelhecida naturalmente


T6 Solubilizada e envelhecida artificialmente

Solução sólida.

Os átomos de soluto substitucionais distorcem o reticulado e introduzem campos de


tensões elásticas (de tração ou compressão) no reticulado cristalino por ocuparem
volumes diferentes daqueles ocupados pelos átomos de ferro. Estes campos interagem
com os campos de tensões elásticas das discordâncias e dificultam sua movimentação,
promovem endurecimento por solução sólida. Na tabela 1 o efeito endurecedor por
solução sólida do manganês é claramente perceptível ao se comparar as propriedades das
ligas com manganês com os alumínios comercialmente puros.

Refino de grão

Existe uma relação entre o limite de escoamento, o alongamento e o tamanho de grão de


materiais policristalinos. Esta relação empírica desenvolvida por Hall e posteriormente
explorada por Petch é conhecida por relação de Hall-Petch:

σ = σo + k d-1/2

onde σ é a tensão de escoamento, σo é a tensão k uma constante de proporcionalidade


e d o diâmetro médio do grão. De fato a relaçãop de Hall-Petch expressa a dependência
do limite de escoamento com o livre caminho médio das discordâncias. Os contornos de
grão constituem barreiras à movimentação de discordâncias. No início da deformação
plástica do material fontes de discordâncias junto aos contornos de grão ou inclusões
emitem discordâncias que se acumulam ao encontrar os contornos. Se o material
apresenta grãos grandes as discordâncias podem se movimentar maiores distâncias sem

6
que um grande número delas se acumule e exerça uma tensão reversa (back-stress) sobre
as fontes, aumentando desta forma a tensão de escoamento. O raciocínio acima descrito
bem como a relação de Hall-Petch são válidos também para outras estruturas bi-fásicas
entre elas a perlita dos aços e as ligas de alumínio com Segunda fase.

Ligas de Al e seus Tratamentos térmicos

As ligas de alumínio podem ser tratadas termicamente para serem homogeneizadas da


mesma forma que as ligas Cu-Ni anteriormente estudadas. Devido a muitas das ligas de
aluminio apresentarem campo de uma fase seguido de intensa queda de solubilidade
como mostrado na figura 3 elas podem ser solubilizadas no campo de uma fase e esta
estrutura retida à temperatura ambiente por meio de resfriamento rápido, designado por
tempera (W na tabela 2).

Algumas das ligas de alumínio, além do campo de uma fase e da queda de solubilidade
formam segundas fases que apresentam relações especiais de reticulado com a matriz,
permitindo forte endurecimento, conhecido como endurecimento por precipitação a
figura 4 mostra o cilclo de tratamento térmico enauquanto que a figura 5 mostra a
variação de propriedades ao longo do envelhecimento, correspondente.

São necessários para que o envelhecimento ocorra.


A) Um campo de solução sólida
B) Queda de solubilidade no sólido com queda de temperatura
B) Formação de solução supersaturada
C) Formação de precipitados coerentes e semicoerentes além do precipitado estável, no
campo de duas fases.

Figura 4. Ciclo de tratamento térmico de solubilização e envelhecimento.

7
Figura 5 Curva de variação do limite de escoamento com o tempo de envelhecimento.

Estes pontos estão ilustrados na figura 6

8
Figura 6. Relação entre estruturas das fases e o tratamento de envelhecimento.

Precipitação coerente e semi-coerente.


Quando uma matriz supersaturada é envelhecida em uma temperatura em que possa
ocorrer difusão os átomos de soluto em excesso precipitam formando inicialmente
aglomerados de átomos coerentes com o reticulado da matriz. Como o parâmetro de

9
reticulado é diferente do da matriz são induzidos campos de tensões elásticas em torno
destes aglomerados. De fato a seqüência de precipitação pode ser complexa como
veremos mais adiante ao discutirmos processos de precipitação coerente durante revenido
de aços ferramenta. Os campos de tensão elástica interagem com os campos de tensão das
discordâncias dificultando sua movimentação. Isto promove aumento sensível do limite
de escoamento. Entretanto, ao aumentarmos a tensão para prosseguir a deformação
plástica, pode ocorrer que a tensão concentrada na frente do empilhamento de
discordâncias seja maior que a tensão de cisalhamento do precipitado ou aglomerado
coerente. O precipitado pode ser cisalhado, iniciando o processo de deformação plástica
do material. Como as primeiras discordâncias cisalharam o precipitado a passagem das
outras fica facilitada. desta forma, as ligas contendo precipitados coerentes apresentam
elevado limite de escoamento e baixa taxa de encruamento.

A figura 8 mostra precipitados em liga 7150.

Figura 8. Precipitado em liga 7150 e esquemas mostrando a interação de discordâncias


com os precipitados coerente e incoerente.

Dispersão de precipitados incoerentes


Quando uma matriz contem uma distribuição de precipitados incoerentes de módulo de
elasticidade diferente do da matriz a deformação plástica do conjunto tende a resultar em
descolamento da interface precipitado/matriz. Se a matriz for suficientemente plástica e a
tensão aplicada for superior ao limite de escoamento localizado, fontes de discordâncias
atuando junto à interface matriz/precipitado geram discordâncias denominadas
geometricamente necessárias e que acomodam as diferentes deformações sofridas pela
matriz e o precipitado. Ocorre que este novo arranjo de discordâncias atua como floresta

10
em relação a outras discordâncias que vêm de encontro a estes precipitados. A formação
de anéis de discordâncias em torno de precipitados esféricos é ilustrada na figura. A
interação entre as discordâncias móveis e a floresta causa um forte encruamento. Desta
forma, as ligas contendo dispersão de precipitados incoerentes apresenta baixo limite de
escoamento e alto encruamento como as ligas "O" na tabela 2. A formação de
precipitados incoerentes é característica de ligas super envelhecidas, ou seja ligas cujo
tempo de tratamento passou do ponto de máxima tensão de escoamento na curva de
envelhecimento. A figura 9 mostra estes precipitados.

Figura 9. Precipitados incoerentes e ciclo de superenvelhecimento.

Em decorrência a tensão de escoamento atinge um máximo e cai com o avançar do


tratamento de envelhecimento como na figura 10.

11
Figura 10 Curvas típicas de envelhecimento em função da temperatura para ligas Al-Cu
O tratamento de envelhecimento pode causar outras transformações de fase. Em ligas Al-
Si fundidas, por exemplo, o envelhecimento de ligas previamente modificadas provoca
esferoidização do silício eutético. Em outras palavras, a modificação provoca a alteração
da morfologia de "plaquetas" para bastonetes e o envelhecimento causa a esferoidização
destes bastonetes como se vê na figura 11.

Figura 11. Microscopia óptica e eletrônica de varredura de liga A356 fundida e envelhecida. (Ricardo
Fuoco - Laboratório de Fundição IPT)

Em decorrência da precipitação e simultânea esferoidização do silício as propriedades de


resistência sofrem elevação simultânea ao alongamento, como se vê na tabela 3, efeito
que é obtido apenas mediante redução de tamanho de grão, mas que neste caso é obtido
pela contraposição de dois efeitos opostos das duas diferentes reações.

12
Tabela 3. Propriedades da liga A356 em função do toto de envelhecimento.(Ricardo
Fuoco)
Propriedade A 356 A 356 T6
Su (MPa) 200 290
Sy (MPa) 90 200
Alongamento 14 16

Bibliografia
Curso de pós graduação em fundição - Fundição de ligas Al-Si. Eng. Dr. Ricardo Fuco.
IPT, DIMET, 2002.
De Garmo, E. P et all, Material and Process in Manufacturing, 8th E. 1997, 174-182
Metals Handbook vols 3 e 15.

13

Você também pode gostar