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Volume I (1886 – 1899)

Extratos dos documentos dirigidos a Fliess (1950[1892-1899])


Carta 64 de 31 de maio de 1897

Rascunho N página 304

Impulsos

“Os impulsos hostis contra os pais (desejo que eles morram) também são um elemento
integrante das neuroses. Vêm à luz, conscientemente, como ideias obsessivas. Na paranóia, o
que há de pior nos delírios de perseguição ( desconfiança patológica dos governantes e
monarcas ) corresponde a esses impulsos”

“Parece que esse desejo de morte, no filho, está voltado contra o pai e, na filha, contra
a mãe².”

Nota 2: “Talvez essa seja a primeiríssima indicação do complexo de Édipo, que emergiu por
completo na carta 71, uns cinco meses depois”.

Carta 69 página 309 de 21 de setembro de 1897

Abandono da teoria de sedução.

“Confiar-le-ei de imediato o grande segredo que lentamente comecei a compreender


nos últimos meses. Não acredito mais em minha neurótica [teoria das neuroses]”

Freud dará vários motivos para isso, sendo o principal deles pg. 310:

“...a descoberta comprovada de que, no inconsciente, não há indicações da realidade,


de modo que não se consegue distinguir entre a verdade e a ficção... (Assim permanecia
aberta a possibilidade de que a fantasia sexual tivesse invariavelmente os pais como tema.)”

Carta 71 página 316 de 15 de outubro de 1897

“Verifiquei também no meu caso, a paixão pela mãe e ciúme do pai, e agora
considero isso como um evento universal do início da infância, mesmo que não tão precoce
como nas crianças que se tornaram histéricas. (Algo parecido com o que acontece com o
romance da filiação na paranoia – heróis fundadores de religiões). Sendo assim, podemos
entender a força avassaladora de Oedipus Rex, apesar de todas as objeções levantadas pela
razão contra a sua pressuposição do destino; e podemos entender por que “os dramas do
destino” posteriores estavam fadados a fracassar lamentavelmente. Nossos sentimentos
opõem-se a qualquer compulsão arbitrária e individual [do destino], tal como é pressuposto
em Die Ahnfrau [de Grillparzer] etc. Mas a lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa
reconhece porque sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa da plateia foi, um
dia, em germe ou na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada qual recua,
horrorizada, diante da realização de sonho aqui transposta para a realidade, com toda carga
que separa seu estado infantil do seu estado atual.”

Nota 1: “Esta é a primeira apresentação explícita do complexo de Édipo...”

Volume IV 1900, A interpretação dos Sonhos parte I


V O Material e as Fontes dos Sonhos
Sonhos Típicos

Sonhos Sobre a Morte de Pessoas Queridas pagina 282-283

“Mas, se os desejos de morte de uma criança contra seus irmãos e irmãs são
explicados pelo egoísmo infantil que as faz considerá-los seus rivais, como iremos explicar
seus desejos de morte contra seus pais, que a cercam de amor e suprem suas necessidades, e
cuja preservação esse mesmo egoísmo deveria levá-la a desejar?

Uma solução para essa dificuldade é fornecida pela observação de que os sonhos
com a morte dos pais se aplicam com frequência predominante ao genitor do mesmo sexo
do sonhador, isto é, que os homens sonham predominantemente com a morte do pai, e as
mulheres com a morte da mãe. Não posso afirmar que isso ocorra universalmente, mas a
predominância no sentido que indiquei é tão evidente que precisa ser explicada por um fator
de importância geral1. Dito sem rodeios, é como se uma preferência sexual se fizesse sentir
numa tenra idade: como se os meninos olhassem o pai e as meninas a mãe como seus rivais
de amor, rivais cuja eliminação não poderia deixar de trazer-lhes vantagens.”

Página 287

“Em minha experiência, que já é extensa, o papel principal na vida mental de todas as
crianças que depois se tornam psiconeuróticas é desempenhado por seus pais. Apaixonar-se
por um dos pais e odiar o outro figuram entre os componentes essenciais do acervo de
impulsos psíquicos que se formam nessa época e que é tão importante na determinação dos
sintomas da neurose posterior. Não é minha crença, todavia, que os psiconeuróticos difiram
acentuadamente, nesses aspectos, dos outros seres humanos que permanecem normais –
isto é, que eles sejam capazes de criar algo absolutamente novo e peculiar a eles próprios. É
muito mais provável – e isto é confirmado por observações ocasionais de crianças normais
- , que eles se diferenciem apenas por exibirem, numa escala ampliada, sentimentos de amor
e ódio pelos pais, os quais ocorrem de maneira a menos óbvia e intensa nas mentes da
maioria das crianças.

Essa descoberta é confirmada por uma lenda da Antiguidade clássica que chegou ate
nós: uma lenda cujo poder profundo e universal de comover só pode ser compreendido se a
hipótese que propus com respeito à psicologia infantil tiver validade igualmente universal. O
que tenho em mente é a lenda do Rei Édipo e a tragédia de Sófocles que traz o seu nome”.

A PALAVRA COMPLEXO NÃO APARECE

FREUD NÃO AFIRMA O ÉDIPO CATEGORICAMENTE

Volume VII 1901-1905 – Um caso de histeria, três ensaios sobre


a sexualidade e outros trabalhos.
Fragmentos da Análise de um Caso de Histeria (1905[1901])

Fragmento da análise de um caso de histeria (1905/1901)

1. Caso Dora. Publicado em outubro de 1905.


2. A maior parte escrita em 1901.
3. Sobre uma jovem de 18 anos.
4. O tratamento durou do início de outubro a 31 de dezembro de 1900.
5. Nessa época, Freud escrevia “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”.
6. Deveria se chamar “Sonhos e Histeria”.
7. Explicações do caso se agrupam em torno de 2 sonhos.
8. É uma continuação de “A interpretação dos sonhos”.
9. O caso aborda o conflito entre a atração pelos homens e pelas mulheres.
10. Freud tentará provar que os sintomas histéricos são a expressão de desejos
recalcados.
11. O caso foi interrompido pela paciente, abruptamente, após 3 meses de
tratamento.
12. Este caso é o primeiro descrito com a técnica da associação livre.

I - Quadro Clínico

13. O sonho é um caminho para chegar ao material recalcado. O Sonho é um dos


desvios por onde se pode fugir ao recalcamento.
14. O presente caso tenta mostrar de que forma a interpretação dos sonhos se insere
no trabalho da análise.
15. Moça de 18 anos, seus pais e um irmão mais velho. Pai perto dos 50 anos,
industrial rico. Dora era muito apegada a ele. Apego que aumentava em virtude
das muitas doenças do pai, desde que ela contava 6 anos.
16. Nessa época, o pai ficou tuberculoso e mudaram-se para B.
17. Pai sofrera de sífilis antes do casamento.
18. Quando Dora tinha 10 anos, o pai descolou a retina. Dois anos depois, teve crise
confusional. Foi consultar-se em Viena com Freud. Este acertou o diagnóstico e
tratou-o. Quatro anos depois, apresentou a Freud sua filha, que estava
inequivocadamente neurótica.
19. A mãe de Dora era inculta e fútil. Ocupava-se de limpar a casa. As relações
entre mãe e filha eram inamistosas. A filha menosprezava a mãe.
20. Já aos 8 anos, Dora apresentava sintomas neuróticos (dispnéia = falta de ar).
21. Aos 12 anos, desenvolveu tosse nervosa. Seu sintoma principal, quando
procurou Freud, era perda completa da voz.
22. Um dia, os pais de Dora se alarmaram com uma carta em que se despedia deles
por não suportar mais a vida. Após esse episódio, ela teve seu primeiro ataque de
perda de consciência.
23. Ficou decidido que ela se trataria com Freud.
24. Dora procurou Freud movida pela autoridade do pai.
25. Os sintomas de Dora eram: dispnéia, tosse nervosa, afonia, enxaquecas,
depressão, insociabilidade, tédio.
26. O pai de Dora contou a Freud que a família tinha feito uma amizade íntima em B
com um casal que ali morava: os K. A sra. K cuidara dele durante sua
enfermidade. O Sr. K (homem muito bonito) sempre fora muito amável com sua
filha Dora, levando-a para passear e dando-lhe presentes. Dora tratava os dois
filhinhos dos K com uma atenção quase maternal.
27. Dora conta à mãe que o Sr. K tinha-lhe feito uma proposta amorosa durante uma
caminhada pelo lago. Sr. K negou e lançou suspeitas sobre a confiabilidade da
moça, dizendo que ela teria imaginado esta situação.
28. O pai disse a Freud que não tinha dúvida que este incidente era responsável pela
doença de Dora. Contou ainda que Dora insistia para que rompesse relações com
os K, em particular com a Sra. K. Disse que não podia fazer isso pois achava que
a história de Dora era uma fantasia e por ter muita amizade com a Sra. K.
Garantiu a Freud que não eram amantes (mas de fato eram).
29. Dora comunicou a Freud uma experiência anterior à cena do lago com o Sr. K,
ainda mais forte para operar como trauma sexual. Certo dia, quando Dora
contava 14 anos, o Sr. K colou nela e beijou-a. Era o tipo de situação que
despertaria excitação sexual, mas Dora sentiu repulsa e saiu correndo. Dora
nunca havia contado isso a ninguém.
30. A cena deixou uma conseqüência sob a forma de alucinação sensorial. Ela
continuava sentindo na parte superior do corpo a pressão daquele abraço.
31. “Creio que, durante o abraço apaixonado, ela sentiu não só o beijo em seus
lábios, mas também do membro ereto contra seu ventre.” – Esta percepção foi
recalcada e substituída pela pressão no tórax.
32. Dora desenvolveu também horror aos homens em estado de excitação sexual.
33. Dora afirmava ter rompido com o Sr. K.
34. Não conseguia perdoar o pai por continuar a manter relações com o Sr. K e,
principalmente, com a Sra. K. Ela não tinha duvida de que o pai tinha um
relacionamento amoroso com a Sra. K.
35. O relacionamento da família com os K se tornou íntimo quando a Sra. K ocupou
a posição de enfermeira do pai de Dora.
36. O pai visitava todos os dias a Sra. K em determinados horários. Nos passeios, o
pai e a Sra. K sempre arrumavam um jeito de ficarem juntos. Era certo que a
Sra. K aceitava dinheiro do pai de Dora, e esse lhe dava grandes presentes.
37. Quando Dora ficava mais brava com o pai, impunha-se a ela a concepção de ter
sido entregue ao Sr. K como prêmio pela tolerância dele para com as relações
entre a sua mulher e o pai de Dora.
38. Mas as censuras de Dora a seu pai eram revestidas de auto-censuras de conteúdo
idêntico. Tinha razão em achar que seu pai não queria esclarecer o
comportamento do Sr. K em relação a ela para não ser molestado em seu próprio
relacionamento com a Sra. K. Mas Dora fizera precisamente a mesma coisa.
Tornara-se cúmplice desse relacionamento e repudiara todos os sinais que
pudessem mostrar sua verdadeira natureza. Só da aventura do lago em diante é
que teve uma visão clara do assunto e começou a cobrar o pai. Durante todos os
anos anteriores ela fizera o possível para favorecer as relações do pai com a Sra.
K. Por exemplo, nunca ia vê-la quando suspeitava que seu pai estivesse lá. Outro
ex.: Dora foi avisada por sua governanta sobre o romance, mas ignorou.
39. Dora notou, contudo, que a governanta estava apaixonada por seu pai. Quando
ele estava em casa, ela agia de maneira totalmente diferente.
40. Dora se zangava pelo fato de que a governanta não tinha afeição por ela, ou
quando tinha, era para agradar ao pai.
41. O que a governanta era para Dora, esta fora para os filhos do Sr. K. Ocupar-se
das crianças era, para Dora, um disfarce destinado a ocultar que, em todos
aqueles anos, ela estivera apaixonada pelo Sr. K.
42. Dora admitiu a Freud que poderia ter estado enamorada do Sr. K em B, mas que,
desde a cena do lago isto havia acabado.
43. Tinha outra censura de Dora em relação ao pai que também tinha a ver consigo
mesma. Era de que as doenças do pai seriam criadas como pretexto e exploradas
em proveito próprio. E Dora fazia algo semelhante.
44. Dora tivera um grande número de acessos de tosse acompanhados de perda da
voz. Esses ataques correspondiam com as ausências do Sr. K. Ela ficava enferma
quando ele estava ausente e sadia quando ele voltava.
45. Um dos motivos da doença de Dora era o de sensibilizar o pai a afastá-lo da Sra.
K. Nenhum dos atos do pai a irritava tanto quanto em tomar a cena do lago
como fantasia.
46. Na época do tratamento as atenções de Dora estavam voltadas para o ódio ao seu
pai e a seu relacionamento com a Sra. K.
47. Como as acusações contra o pai se repetiam com cansativa monotonia e, ao
mesmo tempo, sua tosse continuava, Freud achou que esse sintoma poderia ter
algum significado relacionado com o pai.
48. Um dia Dora disse a Freud que a Sra. K só amava seu pai porque ele era um
homem de posses. A maneira de dizer esta frase dava a entender um sentido
oculto que era o seguinte: seu pai era um homem sem recursos. Freud
interpretou isso num sentido sexual, ou seja, que seu pai era impotente. Dora
confirmou essa interpretação com base em um conhecimento consciente. Freud
apontou a ela a contradição entre o fato de ela insistir nas relações do pai com a
Sra. K e o fato de saber que seu pai era incapaz de tirar proveito deste
relacionamento. Sua resposta mostrou que ela não precisava reconhecer a
contradição. Ela sabia muito bem, disse, que há mais de uma maneira de se obter
satisfação sexual.
49. Freud disse a ela que ela devia estar pensando precisamente nas partes do corpo
que nela se achavam em estado de irritação, a garganta e a cavidade bucal.
50. Com sua tosse espasmódica ela representava uma cena de satisfação sexual entre
as duas pessoas cuja ligação amorosa a ocupava tão incessantemente. Muito
pouco tempo depois de ela aceitar em silêncio essa explicação, a tosse
desapareceu.
51. Todos os psiconeuróticos são pessoas de inclinações perversas fortemente
acentuadas, mas recalcadas e tornadas inconscientes no curso de seu
desenvolvimento. As psiconeuroses são o negativo da perversão.
52. Dora queixava-se em não conseguir pensar em outra coisa a não ser seu pai e a
Sra. K. Ela dizia: “Não posso perdoá-lo”.
53. Freud diz que essa seqüência hipertensa de pensamentos deve seu reforço ao
inconsciente. Muitas vezes um pensamento consciente com hiperintensidade
esconde sua contrapartida recalcada no inconsciente (formação reativa).
54. O comportamento de Dora ia além da esfera de interesse de uma filha - ela se
sentia e agia mais como uma esposa ciumenta (a situação edípica?). É evidente
que ela se colocava no lugar da mãe. E se adivinhamos com acerto a fantasia de
situação sexual subjacente à sua tosse, nessa fantasia ela deveria estar se
colocando no lugar da Sra. K. Ou seja, identificava-se com ambas as mulheres.
A conclusão é obvia: Dora estava apaixonada por seu pai.
55. É provável que se encontre na maioria dos seres humanos um traço nítido dessa
inclinação precoce da filha pelo pai e do filho pela mãe, e deve se presumir que
ela seja mais intensa nas crianças destinadas às neuroses. A lenda de Édipo deve
ser considerada como a elaboração poética do que há de típico nessas relações.
56. Quando esses impulsos são muito intensos na infância, perduram pela puberdade
e podem gerar uma neurose.
57. Em muitas de suas doenças, o pai de Dora permitia que apenas ela lhe prestasse
os serviços necessários ao tratamento. Com o aparecimento da Sra. K não foi a
mãe, e sim ela, que perdeu uma posição.
58. O que estava sendo suprimido naquele momento era o seu amor pelo Sr. K. Ela
ainda estava apaixonada por ele, mas desde a cena do lago, por motivos
desconhecidos, seu amor tropeçara numa resistência, e ela retomou e reforçou
como defesa sua velha afeição pelo pai. Assim, ela não tinha que notar nada em
sua consciência sobre seu amor pelo Sr. K. (Uma frustração externa – amorosa
externa – faz a libido regredir aos objetos incestuosos. O ego repudia este
desejo gerando um conflito inconsciente e a subseqüente neurose.)
59. O elemento que apontarei agora só serve para confundir a beleza e a poesia do
conflito que supusemos em Dora. Por trás dos pensamentos de Dora sobre seu
pai e a Sra. K ocultava-se um ciúme cujo objeto era a Sra. K, ou seja, uma
inclinação para o mesmo sexo.
60. A análise de Dora terminou antes que se pudesse lançar luz sobre essas
circunstâncias.
61. Antes do acontecimento do lago, a Sra. K e Dora tinha vivido anos na mais
estreita intimidade. Dora costumava dividir o quarto com a Sra. K e eram
confidentes.
62. Quando Dora falava da Sra. K costumava elogiar seu corpo num tom mais
apropriado a um amante do que a uma rival.
63. Quando o Sr. K se defendeu sobre a cena do lago, afirmou ao pai de Dora que
ela lia livros inadequados para sua idade, dando a entender que era ela quem
tinha uma inclinação a temas proibidos. Neste momento, Dora percebeu que a
Sra. K a havia traído, pois só ela sabia dessas leituras. Sentiu novamente o que
havia sentido em relação à governanta, ou seja, que a Sra. K só gostava dela pelo
seu pai.
64. Então, os pensamentos atuais de Dora e seus sintomas ocultavam não apenas seu
amor pelo Sr. K mas também pela Sra. K. Ela também invejava o pai por ter o
amor da Sra. K.

II – O primeiro sonho
65. Dora relata que teve um sonho que já lhe ocorrera repetidas vezes exatamente da
mesma forma.
66. O sonho: “Uma casa estava em chamas. Papai estava ao lado da minha cama e
me acordou. Vesti-me rapidamente. Mamãe ainda queria salvar sua caixa de
jóias, mas papai disse: ‘Não quero que eu e meus dois filhos nos queimemos por
causa de sua caixa de jóias`. Descemos as escadas às pressas e logo que me vi do
lado de fora, acordei.”
67. Dora se recordava de ter tido o sonho três noites sucessivas em L (lago da cena
com o Sr. K) e agora voltara a tê-lo em Viena.
68. Ass – nos últimos dias papai brigou com mamãe porque ela tranca a sala de
jantar à noite. Papai não quer que meu irmão não fique trancado, pois pode
acontecer alguma coisa durante a noite, como por ex. um incêndio.
69. Freud ressalta as seguintes palavras: pode acontecer alguma coisa durante a
noite que torne necessário sair.
70. Dora descobre um vínculo entre o sonho recente e o original. Na ocasião
original, o pai manifestou angústia diante da possibilidade de um incêndio (a
casa no lago era de madeira).
71. Dora lembra que teve o sonho depois da cena do bosque. Freud conclui que o
sonho é uma reação àquela experiência. O sonho foi o efeito imediato de sua
experiência com K.
72. Ass – Dora lembra que dormia na cama no meio da tarde e quando acordou viu o
Sr. K parado à sua frente, tal como seu pai no sonho.
73. Pede à Sra. K uma chave do quarto para se proteger.
74. Tema de trancar a porta nos dois sonhos.
75. Sonho = vestia-me rapidamente. Ass = Dora temia que fosse surpreendida
fazendo a toalete e por isso sempre se vestia rapidamente. Contudo, diz que o Sr.
K não voltou a lhe importunar.
76. Ass = mamãe gosta de jóias e ganhou várias do papai. Eu também gostava muito
de jóias. Uma vez papai deu uma jóia que mamãe não gostou, ela ficou furiosa
com o dinheiro gasto e disse para dar para outra pessoa.
77. Freud acha que ela gostaria de ter recebido as jóias. O Sr. K havia dado uma
caixinha de jóias para Dora.
78. Caixas de jóias = genitais femininos.
79. Freud arrisca um sentido para o sonho: Sr. K me persegue, minha caixa de jóias
está em perigo, a culpa é do papai.
80. Seu pai deve ser substituído pelo Sr. K tal como aconteceu na situação dele estar
em frente a cama. A mãe de Dora entra no sonho sendo substituída pela Sra. K,
que estava presente na ocasião da cena do lago. O Sr. K deu a Dora uma caixa
de jóias. O sonho indica que Dora quer dar ao Sr. K o que a mulher dele lhe
recusa.
81. O sonho demonstra que Dora está evocando seu antigo amor pelo seu pai para se
proteger do seu amor pelo Sr. K. Isso comprova que Dora não apenas temeu o
Sr. K, mas temeu também ceder à tentação. Demonstra também a intensidade de
seu amor pelo Sr. K.
82. O fogo, no sonho, tem uma conotação sexual. Sua mãe queria salvar a caixa de
jóias para que ela não fosse queimada.
83. No dia seguinte, Dora disse que esquecera de contar que todas as vezes, depois
de acordar, sentia cheiro de fumaça. Freud disse: “a fumaça combinava com o
fogo, mas indicava, alem disso, que o sonho tinha uma relação especial comigo,
pois eu costumava usar a expressão ‘onde há fumaça, há fogo’”. Dora resistiu à
interpretação dizendo que seu pai e o Sr. K eram fumantes como Freud. Freud
conclui que o cheiro de fumaça significava a ânsia de um beijo, que trocado com
um fumante, cheiraria a fumo. Não se pode esquecer que Dora já havia trocado
um beijo com o Sr. K.
84. Considerando os indícios de uma transferência pra mim, posto que também sou
fumante, cheguei à conclusão de que um dia Dora teria desejado ser beijada por
mim. Esse teria sido o pretexto que a levou a repetir o sonho e a formar a
intenção de interromper o tratamento.
85. Dora culpava seu pai por ter adoecido, principalmente por saber que uma filha
de um luético (sifilítico) seria predisposta à neurose. Mas essa acusação escondia
uma auto-acusação, de que Dora se masturbara na infância.
86. Dora sofria de enurese na infância também, além de dispnéia. Freud acredita que
ela havia escutado seu pai e sua mãe durante o coito. Isso seria responsável pela
dispnéia e pelas palpitações da histeria, assim como a asma nervosa. Tudo isto
colaborou para um desenvolvimento sexual conturbado.
87. O fato de ter escutado a cena sexual dos pais somado à sua masturbação infantil
teria aumentado seu desejo pelo pai e seria a causação infantil de sua neurose
futura.
88. Dora tinha, além disso, uma fixação na zona oral. Dora era uma intensa
chupadora de dedos. Essa fixação levou à imitação do pai enfermo pela asma e
pelo catarro. Esse mesmo grupo de sintomas representou as relações dela com o
Sr. K, seu pesar pela ausência dele (tosse nervosa e afonia). Depois teve talvez
sua última significação ao representar a relação sexual do pai com a Sra. K.
89. O propósito consciente do sonho era o seguinte: preciso afastar-me desta casa
onde minha virgindade corre perigo. Partirei com papai e amanhã, ao fazer
minha toalete, tomarei precauções para não ser surpreendida.
90. Por trás desses pensamentos pode-se discernir uma cadeia mais obscura de
pensamentos, que corresponde ao reprimido. Esta segunda cadeia de
pensamentos culminava na tentação de entregar-se ao Sr. K. Mas tais elementos
não bastam para a formação de um sonho. O sonho não é um propósito que se
representa como executado, mas um desejo que se representa como realizado, e
precisamente um desejo da vida infantil.
91. No sonho, Dora fugia com o pai. Mas na realidade, estava fugindo para o pai em
função da angústia frente ao homem que a assediava. Ou seja, para fugir dessa
angústia, convocou uma inclinação infantil pelo pai.
92. O desejo infantil e hoje inconsciente de colocar o pai no lugar do estranho é uma
potência formadora de sonhos. O desejo de substituir o Sr. K pelo pai forneceu a força
impulsora para o sonho. Página 87
I O quadro clínico

pág 61

Freud acabara de publicar A Interpretação dos Sonhos e estava trabalhando em seu


livro Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana quando Dora (Ida Bauer), uma jovem de 18
anos o procurou, tendo sido enviada por seu pai. Freud escreveu o relato do caso em 1901, e
o publicou em 1905.

O Caso Dora é de suma importância para Freud, pois nele ele pode comprovar suas
teses da sexualidade como fator etiológico da Histeria, sua tese da interpretação dos sonhos
como caminho ao inconsciente, e, também, foi neste caso que Freud, embora tardiamente,
descobriu a importância e o funcionamento da transferência.

No que diz respeito à questão sexual, o Édipo é um ponto chave do caso. A atração
de Dora por seu pai aparece na interpretação de um sonho. Na realidade Freud deixou de
perceber que o Sr. K., o pai de Dora e ele mesmo estavam fundidos em um único mosaico
edípico.

Freud descobre a transferência de dramas do passado para a figura do analista. Ao


perceber que ele próprio fora colocado no lugar do pai, além de descobrir a transferência,
ele reforça sua tese do Édipo como um fenômeno universal.

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