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Impulsos
“Os impulsos hostis contra os pais (desejo que eles morram) também são um elemento
integrante das neuroses. Vêm à luz, conscientemente, como ideias obsessivas. Na paranóia, o
que há de pior nos delírios de perseguição ( desconfiança patológica dos governantes e
monarcas ) corresponde a esses impulsos”
“Parece que esse desejo de morte, no filho, está voltado contra o pai e, na filha, contra
a mãe².”
Nota 2: “Talvez essa seja a primeiríssima indicação do complexo de Édipo, que emergiu por
completo na carta 71, uns cinco meses depois”.
Freud dará vários motivos para isso, sendo o principal deles pg. 310:
“Verifiquei também no meu caso, a paixão pela mãe e ciúme do pai, e agora
considero isso como um evento universal do início da infância, mesmo que não tão precoce
como nas crianças que se tornaram histéricas. (Algo parecido com o que acontece com o
romance da filiação na paranoia – heróis fundadores de religiões). Sendo assim, podemos
entender a força avassaladora de Oedipus Rex, apesar de todas as objeções levantadas pela
razão contra a sua pressuposição do destino; e podemos entender por que “os dramas do
destino” posteriores estavam fadados a fracassar lamentavelmente. Nossos sentimentos
opõem-se a qualquer compulsão arbitrária e individual [do destino], tal como é pressuposto
em Die Ahnfrau [de Grillparzer] etc. Mas a lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa
reconhece porque sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa da plateia foi, um
dia, em germe ou na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada qual recua,
horrorizada, diante da realização de sonho aqui transposta para a realidade, com toda carga
que separa seu estado infantil do seu estado atual.”
“Mas, se os desejos de morte de uma criança contra seus irmãos e irmãs são
explicados pelo egoísmo infantil que as faz considerá-los seus rivais, como iremos explicar
seus desejos de morte contra seus pais, que a cercam de amor e suprem suas necessidades, e
cuja preservação esse mesmo egoísmo deveria levá-la a desejar?
Uma solução para essa dificuldade é fornecida pela observação de que os sonhos
com a morte dos pais se aplicam com frequência predominante ao genitor do mesmo sexo
do sonhador, isto é, que os homens sonham predominantemente com a morte do pai, e as
mulheres com a morte da mãe. Não posso afirmar que isso ocorra universalmente, mas a
predominância no sentido que indiquei é tão evidente que precisa ser explicada por um fator
de importância geral1. Dito sem rodeios, é como se uma preferência sexual se fizesse sentir
numa tenra idade: como se os meninos olhassem o pai e as meninas a mãe como seus rivais
de amor, rivais cuja eliminação não poderia deixar de trazer-lhes vantagens.”
Página 287
“Em minha experiência, que já é extensa, o papel principal na vida mental de todas as
crianças que depois se tornam psiconeuróticas é desempenhado por seus pais. Apaixonar-se
por um dos pais e odiar o outro figuram entre os componentes essenciais do acervo de
impulsos psíquicos que se formam nessa época e que é tão importante na determinação dos
sintomas da neurose posterior. Não é minha crença, todavia, que os psiconeuróticos difiram
acentuadamente, nesses aspectos, dos outros seres humanos que permanecem normais –
isto é, que eles sejam capazes de criar algo absolutamente novo e peculiar a eles próprios. É
muito mais provável – e isto é confirmado por observações ocasionais de crianças normais
- , que eles se diferenciem apenas por exibirem, numa escala ampliada, sentimentos de amor
e ódio pelos pais, os quais ocorrem de maneira a menos óbvia e intensa nas mentes da
maioria das crianças.
Essa descoberta é confirmada por uma lenda da Antiguidade clássica que chegou ate
nós: uma lenda cujo poder profundo e universal de comover só pode ser compreendido se a
hipótese que propus com respeito à psicologia infantil tiver validade igualmente universal. O
que tenho em mente é a lenda do Rei Édipo e a tragédia de Sófocles que traz o seu nome”.
I - Quadro Clínico
II – O primeiro sonho
65. Dora relata que teve um sonho que já lhe ocorrera repetidas vezes exatamente da
mesma forma.
66. O sonho: “Uma casa estava em chamas. Papai estava ao lado da minha cama e
me acordou. Vesti-me rapidamente. Mamãe ainda queria salvar sua caixa de
jóias, mas papai disse: ‘Não quero que eu e meus dois filhos nos queimemos por
causa de sua caixa de jóias`. Descemos as escadas às pressas e logo que me vi do
lado de fora, acordei.”
67. Dora se recordava de ter tido o sonho três noites sucessivas em L (lago da cena
com o Sr. K) e agora voltara a tê-lo em Viena.
68. Ass – nos últimos dias papai brigou com mamãe porque ela tranca a sala de
jantar à noite. Papai não quer que meu irmão não fique trancado, pois pode
acontecer alguma coisa durante a noite, como por ex. um incêndio.
69. Freud ressalta as seguintes palavras: pode acontecer alguma coisa durante a
noite que torne necessário sair.
70. Dora descobre um vínculo entre o sonho recente e o original. Na ocasião
original, o pai manifestou angústia diante da possibilidade de um incêndio (a
casa no lago era de madeira).
71. Dora lembra que teve o sonho depois da cena do bosque. Freud conclui que o
sonho é uma reação àquela experiência. O sonho foi o efeito imediato de sua
experiência com K.
72. Ass – Dora lembra que dormia na cama no meio da tarde e quando acordou viu o
Sr. K parado à sua frente, tal como seu pai no sonho.
73. Pede à Sra. K uma chave do quarto para se proteger.
74. Tema de trancar a porta nos dois sonhos.
75. Sonho = vestia-me rapidamente. Ass = Dora temia que fosse surpreendida
fazendo a toalete e por isso sempre se vestia rapidamente. Contudo, diz que o Sr.
K não voltou a lhe importunar.
76. Ass = mamãe gosta de jóias e ganhou várias do papai. Eu também gostava muito
de jóias. Uma vez papai deu uma jóia que mamãe não gostou, ela ficou furiosa
com o dinheiro gasto e disse para dar para outra pessoa.
77. Freud acha que ela gostaria de ter recebido as jóias. O Sr. K havia dado uma
caixinha de jóias para Dora.
78. Caixas de jóias = genitais femininos.
79. Freud arrisca um sentido para o sonho: Sr. K me persegue, minha caixa de jóias
está em perigo, a culpa é do papai.
80. Seu pai deve ser substituído pelo Sr. K tal como aconteceu na situação dele estar
em frente a cama. A mãe de Dora entra no sonho sendo substituída pela Sra. K,
que estava presente na ocasião da cena do lago. O Sr. K deu a Dora uma caixa
de jóias. O sonho indica que Dora quer dar ao Sr. K o que a mulher dele lhe
recusa.
81. O sonho demonstra que Dora está evocando seu antigo amor pelo seu pai para se
proteger do seu amor pelo Sr. K. Isso comprova que Dora não apenas temeu o
Sr. K, mas temeu também ceder à tentação. Demonstra também a intensidade de
seu amor pelo Sr. K.
82. O fogo, no sonho, tem uma conotação sexual. Sua mãe queria salvar a caixa de
jóias para que ela não fosse queimada.
83. No dia seguinte, Dora disse que esquecera de contar que todas as vezes, depois
de acordar, sentia cheiro de fumaça. Freud disse: “a fumaça combinava com o
fogo, mas indicava, alem disso, que o sonho tinha uma relação especial comigo,
pois eu costumava usar a expressão ‘onde há fumaça, há fogo’”. Dora resistiu à
interpretação dizendo que seu pai e o Sr. K eram fumantes como Freud. Freud
conclui que o cheiro de fumaça significava a ânsia de um beijo, que trocado com
um fumante, cheiraria a fumo. Não se pode esquecer que Dora já havia trocado
um beijo com o Sr. K.
84. Considerando os indícios de uma transferência pra mim, posto que também sou
fumante, cheguei à conclusão de que um dia Dora teria desejado ser beijada por
mim. Esse teria sido o pretexto que a levou a repetir o sonho e a formar a
intenção de interromper o tratamento.
85. Dora culpava seu pai por ter adoecido, principalmente por saber que uma filha
de um luético (sifilítico) seria predisposta à neurose. Mas essa acusação escondia
uma auto-acusação, de que Dora se masturbara na infância.
86. Dora sofria de enurese na infância também, além de dispnéia. Freud acredita que
ela havia escutado seu pai e sua mãe durante o coito. Isso seria responsável pela
dispnéia e pelas palpitações da histeria, assim como a asma nervosa. Tudo isto
colaborou para um desenvolvimento sexual conturbado.
87. O fato de ter escutado a cena sexual dos pais somado à sua masturbação infantil
teria aumentado seu desejo pelo pai e seria a causação infantil de sua neurose
futura.
88. Dora tinha, além disso, uma fixação na zona oral. Dora era uma intensa
chupadora de dedos. Essa fixação levou à imitação do pai enfermo pela asma e
pelo catarro. Esse mesmo grupo de sintomas representou as relações dela com o
Sr. K, seu pesar pela ausência dele (tosse nervosa e afonia). Depois teve talvez
sua última significação ao representar a relação sexual do pai com a Sra. K.
89. O propósito consciente do sonho era o seguinte: preciso afastar-me desta casa
onde minha virgindade corre perigo. Partirei com papai e amanhã, ao fazer
minha toalete, tomarei precauções para não ser surpreendida.
90. Por trás desses pensamentos pode-se discernir uma cadeia mais obscura de
pensamentos, que corresponde ao reprimido. Esta segunda cadeia de
pensamentos culminava na tentação de entregar-se ao Sr. K. Mas tais elementos
não bastam para a formação de um sonho. O sonho não é um propósito que se
representa como executado, mas um desejo que se representa como realizado, e
precisamente um desejo da vida infantil.
91. No sonho, Dora fugia com o pai. Mas na realidade, estava fugindo para o pai em
função da angústia frente ao homem que a assediava. Ou seja, para fugir dessa
angústia, convocou uma inclinação infantil pelo pai.
92. O desejo infantil e hoje inconsciente de colocar o pai no lugar do estranho é uma
potência formadora de sonhos. O desejo de substituir o Sr. K pelo pai forneceu a força
impulsora para o sonho. Página 87
I O quadro clínico
pág 61
O Caso Dora é de suma importância para Freud, pois nele ele pode comprovar suas
teses da sexualidade como fator etiológico da Histeria, sua tese da interpretação dos sonhos
como caminho ao inconsciente, e, também, foi neste caso que Freud, embora tardiamente,
descobriu a importância e o funcionamento da transferência.
No que diz respeito à questão sexual, o Édipo é um ponto chave do caso. A atração
de Dora por seu pai aparece na interpretação de um sonho. Na realidade Freud deixou de
perceber que o Sr. K., o pai de Dora e ele mesmo estavam fundidos em um único mosaico
edípico.