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INSTITUTO DE PSICANÁLISE KOINONIA

Filiado à Sociedade Psicanalítica Miesperanza

A VIDA DE JUNG

“Minha vida foi singularmente pobre em acontecimentos exteriores. Sobre estes não posso dizer muito, pois se me
afiguram ocos e desprovidos de consistência. Eu só me posso compreender à luz dos acontecimentos interiores. São
estes que constituem a peculiaridade de minha vida”.

(Em: Memórias, Sonhos e Reflexões)

Jung era O PSIQUIATRA

Carl Gustav Jung nasceu na aldeia de Kesswil, na Suiça, aos 26 de julho de 1875. Concluiu o curso
de medicina no ano de 1900, aos 25 anos, na Universidade de Basiléia: seu interesse pela Psiquiatria foi despertado
pela leitura do Tratado de Psiquiatria de Krafft-Ebing.

Em 1902 e 1903, Jung esteve em Paris, estudando com Pierre Janet. Nesse ano (1903), casou-se
com Emma Rauschenbach, com quem teve 05 filhos. Sua esposa dedicou-se durante longos anos a pesquisas sobre a
lenda do Graal. Desde 1909 até a morte de Jung, 1961, Emma residiu na mesma casa, na Seestrasse, 228, às margens
do lago de Zurique.

Jung foi nomeado docente na Universidade de Zurique em 1905. Alguns anos antes, no Hospital
Burgholzli, passara a desenvolver experiências sobre associações verbais com o objetivo de esclarecer a estrutura
psicológica da dementia praecox= demência precoce, ou demência dissociativa, nomeada posteriormente por Bleuler
como esquizofrenia: tais experiências o conduziram à descoberta e conceituação dos complexos afetivos. Também em
1905, assumiu o posto imediatamente abaixo de Bleuler na hierarquia do hospital.

A partir de 1906, Jung iniciou sua correspondência com Freud. Em 27 de fevereiro de 1907, Jung
visitou Freud em Viena e esta primeira visita prolongou-se por 13 horas de incansável conversa: Jung presenteou
Freud com um exemplar de sua publicação A Psicologia da Dementia Praecox: Um ensaio.

Em 1910 foi fundada a Associação Psicanalítica Internacional (IPA), para a qual Jung foi
escolhido Presidente por insistência de Freud.

Dois anos depois, Jung lança a obra Metamorfoses e Símbolos da Libido, editado posteriormente
com o título Símbolos da Transformação, que marcava divergências conceituais profundas que o afastaram do
pensamento de Freud. Delas, a que mais marcou essa separação foi ampliação do conceito de libido para torna-la
sinônimo de energia psíquica, até que em 1913, Jung rompe definitivamente com Freud, mas é reeleito Presidente da
IPA.

Em julho de 1914, Jung renuncia ao cargo e abandona a IPA. Neste mesmo ano, destacam-se duas
conferências pronunciadas em Londres sobre a compreensão psicológica e sobre a importância do inconsciente em
psicopatologia e em 1921 publicou Tipos Psicológicos.

A paixão por conhecer a alma humana levou Jung a fazer inúmeras viagens, com a intenção
declarada de encontrar oportunidades para ver a imagem do europeu refletida nos olhos dos homens de outras culturas.
Em 1920, esteve na África do Norte. Entre 1924 e 1925, conviveu com os índios Pueblo da América, no México.
Entre 1925 e 1926, esteve no Monte Elgon, na África Oriental (colônia da Inglaterra).
Eis algumas das obras de Jung das décadas de 40 e 50:

1940: Psicologia e Religião

1944: Psicologia e Alquimia

1946: Psicologia da Transferência

1946: Misterium Coniunctionis

1952: Resposta a Job

1957: Presente e Futuro

1958: Um mito moderno: os discos voadores

Morreu em 1961, em sua casa de Kusnacht, no dia 06 de junho.

A transcendência é a chave para avaliar a genialidade de Jung e, ao mesmo tempo, o veneno para
reduzir sua obra ao esoterismo. A dificuldade para compreender suas ideias deve-se ao fato de que, paralelamente a
uma formação científica racional. A dualidade entre a fé e a razão geraram incompreensão de ambos os lados.

ESTUDOS PSIQUIÁTRICOS

Em 10 de dezembro de 1900, Jung assumiu o posto de segundo assistente no Hospital Burgholzli,


em Zurique, cuja direção estava a cargo de Eugen Bleuler e em 1902, passava a primeiro assistente e defendia sua tese
de doutoramento: a psicologia e Patologia dos Fenômenos Ditos Ocultos:

Já era de grande importância para Bleuler e Jung, no início do século XX, a psicologização da
psiquiatria, em contraponto a uma mera descrição sintomática dos quadros clínicos apresentados. Seus estudos iniciais
sofreram fortes influências do associacionismo, teoria que dominava a psicologia da época, segundo a qual a vida
psíquica explicar-se-ia pelas combinações e recombinações dos elementos mentais, que entrariam em conexão
conforme determinadas leis (contiguidade, semelhança, contraste, etc.). O associacionismo também influenciou a
psicologia freudiana, de modo que a associação livre também foi adotada por Freud em sua prática clínica e levando
ao abandono da hipnose.

As experiências sobre associações verbais, no Hospital Burgholzli, levaram Jung a conceituar os


complexos afetivos. Tais experimentos também levaram à conclusão de que a patologia estudada, chamada então de
demência precoce, era um distúrbio de dissociação psíquica.

O PARADIGMA DOS COMPLEXOS

As perturbações nas respostas (transpiração, riso, hesitação, uma frase como resposta, etc.)
indicavam que a palavra indutora havia atingido um conteúdo emocional (inconsciente). Tais conteúdos seriam
“complexos de ideias dotadas de forte carga afetiva”.

A afetividade (termo proposto por Bleuler e designante não apenas de afetos no sentido próprio,
mas também de leves sensações e tonalidades afetivas de prazer e desprazer em todas as vivências possíveis – Jung,
(1971/1990) é a base essencial da personalidade, o elemento que “pulsa em todas as nossas ações e omissões. As
reflexões lógicas adquirem força apenas pelos afetos a elas relacionados.

A causa mais frequenta da origem dos complexos é o conflito; admite-se também que choques e
traumas emocionais podem, por si só, ser responsáveis pela sua formação. Os complexos são formados por imagens
9expressão concentrada da situação psíquica global) de situações psíquicas; são constituídos primariamente por um
núcleo possuidor de intensa carga afetiva e, secundariamente, estabelecem-se associações com outros elementos afins,
cuja coesão em torno do núcleo é mantida pelo afeto comum a seus elementos (Silveira, 1971). São verdadeiras
unidades vivas, capazes até mesmo de existência autônoma, este extremo se verifica nas psicoses.

A ESTRUTURA DA PSIQUÊ

Figura 1 - O modelo Junguiano da psique (Adaptado de Stevens, On Jung, 1990, p.29)

A Psiquê é um sistema energético relativamente fechado, cujo potencial de energia é constante. Assim,
a quantidade de energia de que dispõe a psiquê é constante, apenas variando sua distribuição.

Cada processo psíquico possui um valor psicológico: a intensidade da energia agregada a ele.
Energia psíquica = libido (agressividade, intelectualidade, apetite sexual, etc.).

Por analogia temos a representação da psiquê como um vasto oceano (inconsciente) no qual emerge
uma pequena ilha (consciente). O inconsciente compreende o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo; é
atemporal e aespacial; é uma outra realidade, um plano sutil.

O Inconsciente Pessoal é constituído das camadas mais superficiais, “morada” dos complexos. Já o
Inconsciente Coletivo são as camadas mais profundas, fundamentos estruturais da psiquê (substrato psíquico), comuns
a todos os homens.

Nas notas de Jung (ano de 1906), fora registrado o encontro, nos corredores do Burgholzli, com um
esquizofrênico paranóide (mania persecutória) que, tentando olhar o sol, piscava as pálpebras e movia a cabeça de um
lado para o outro.

“Ele me tomou pelo braço, dizendo que queria mostrar-me uma coisa: se eu movesse a cabeça de um
lado para o outro, o pênis do sol mover-se-ia também e este movimento era a origem do vento”.

Quatro anos mais tarde, lendo a recente publicação de manuscritos gregos referentes a visões de
adeptos de Mithra (religião da Grécia Antiga), Jung deparou-se com a seguinte descrição:
“E também será visto o chamado tubo, origem do vento predominante. Ver-se-á no disco do sol algo
parecido a um tubo, suspenso. E na direção das regiões do ocidente é como se soprasse um vento de leste infinito. Mas
se outro vento prevalecer na direção das regiões do oriente, ver-se-á, da mesma maneira, o tubo voltar-se para aquela
direção”.

Tal descoberta se deu no ano de 1910, quando Jung entregava-se apaixonadamente a estudos de
arqueologia e mitologia. Em sua obra Memórias, Sonhos e Reflexões, ele conta porque ficara empolgado com esses
assuntos. O motivo foi um sonho:

“Ele se acha numa casa desconhecida que, no entanto, era sua casa. Uma casa de dois andares.
Inicialmente, encontra-se no andar superior, num salão ornado de belos quadros e provido de móveis de estilo século
XVIII. Descendo as escadas, chega ao pavimento térreo, onde o mobiliário é medieval e o piso de tijolos vermelhos.
Percorre as várias peças, explorando a casa, até deter-se diante de uma pesada porta. Abre-a e vê degraus de pedra que
conduzem à adega. Desce e encontra-se num amplo salão abobado de aspecto muito antigo. Suas paredes são
construídas à maneira dos romanos e o piso é formado por lajes de pedra. Por entre essas pedras descobre uma argola.
Puxando-a, desloca-se uma laje, deixando aparecer uma estreita escada. Descendo ainda, vê-se numa caverna talhada
na rocha. Espessa camada de poeira cobre o solo e, de permeio, entre fragmentos de cerâmica, descobre ossos
espalhados e dois crânios humanos.”

Para Jung, os sonhos são autodescrições da vida psíquica. Sendo assim, interpretou esse sonho
vendo na casa a imagem de sua própria psiquê. O consciente estava figurado pelo salão do primeiro andar, cujo
mobiliário apresentava-se bem de acordo com a formação cultural do sonhador (filosofias dos séculos XVIII e XIX”;
o pavimento térreo correspondia às camadas mais superficiais do inconsciente. Quanto mais descia, mais se
aprofundava em mundos antigos, até chegar a uma espécie de caverna pré-histórica. Jung concluiu, aprofundando seus
insights acerca desse sonho, e baseado em dados empíricos obtidos na observação clínica, que cada indivíduo trouxe
consigo um lastro psíquico onde estão gravados vestígios da história da humanidade em marcas indeléveis: o
INCONSCIENTE COLETIVO.

OS SONHOS

Os sonhos e as fantasias constituem o material psicológico básico de análise na terapia junguiana;


sua amplificação permite ao ego incorporar seu conteúdo. Amplificação é o alargamento e aprofundamento de uma
imagem onírica por meio de associações dirigidas e de paralelos com conteúdos das ciências humanas e da história
dos símbolos (mitologia, religião, arte, etc.).

Ao tomar consciência dos conteúdos presentes por trás da simbologia proposta pelo inconsciente
pessoal e expressa no sonho, o sonhador passa a vivenciar aquele conteúdo, o que, em quadros não patológicos,
provoca uma ab-reação, ou seja, uma descarga da energia psíquica (libido) – ou afetividade, como chamou Bleuler –
agregada àquele conteúdo, promovendo o enfraquecimento do complexo ao qual aquelas imagens estavam vinculadas.

OS ARQUÉTIPOS

São possibilidades herdadas para representar imagens similares; são formas instintivas de
imaginar; são matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma.

Sua origem é decorrente dos depósitos de impressões superpostas deixadas por certas vivências
fundamentais, comuns a todos os humanos, repetidas incansavelmente através de milênios. Vivencias típicas –
emoções e fantasias suscitadas por fenômenos da natureza, pelas experiências com a mãe, pelos encontros do homem
com a mulher e da mulher com o homem, etc.

A noção de arquétipo permite compreender porque em lugares e em épocas distantes aparecem


temas idênticos nos contos de fadas, mitos, nas artes, na filosofia, em dogmas e em ritos religiosos.

A polaridade dos arquétipos é explicada pela presença dos princípios espiritual e instintual na
própria essência humana e porque os arquétipos expressam aspectos positivos e negativos da experiência humana
coletiva. O arquétipo da mãe, por exemplo, apresenta o polo da fertilidade, da nutrição, e o polo do abandono, do
sufocamento e da rejeição;

Cada novo indivíduo possui armazenadas em sua mente, ao nascer, informações relativas a todo
o passado da humanidade; tais conteúdos são expressos através da constelação dos arquétipos. Constelar significa a
entrada em atividade de um arquétipo, fazendo-se presente no cenário psíquico.

O arquétipo, enquanto virtualidade, funciona como um nódulo de concentração de energia


psíquica; quando essa energia, em estado potencial, atualiza-se, toma forma, teremos uma imagem arquetípica.

Obras de arte, muitas vezes, expressam imagens arquetípicas. Pinturas que giram em torno do
tema mítico do Sol: figuras masculinas de grandes proporções providas de coroas e outros atributos divinos bastante
próximos de descrições de Mithra quem instituiu o Sol governador do mundo, entregando-lhe o globo, símbolo de
poder que ele próprio trazia na mão direita desde o instante de nascimento.

ANIMUS e ANIMA

A noção de bissexualidade humana já era encontrada no mito dos Andróginos, apresentado por
Aristófanes em O Banquete, de Platão; os Andróginos eram seres bissexuados, redondos, ágeis e tão possantes que
Zeus chegou a teme-los; para reduzir-lhes a força, dividiu-os em duas metades: masculina e feminina.

 Anima = arquétipo do feminino; princípio feminino no homem; representação psíquica da


maioria de genes femininos presentes no genoma do homem;

 Animus = arquétipo do masculino; princípio masculino na mulher.

Expressões Artísticas de Animus e Anima

 Mona Lisa, segundo a obra de Dmitri Merejkowski “O Romance de Leonardo da Vinci”


(trad. Brasil. De Breno da Silveira), seria a própria alma do pintor;

 Extraordinária figuração de Animus, na literatura, é Heathcliff, personagem de “O Morro


dos Ventos Uivantes”, de Emily Bronte (trad.Brasil. de Rachel de Queiroz); o personagem
encarna os atributos negativos do animus em toda sua crueza: brutalidade, crueldade,
capacidade destruidora.

O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

O objetivo do processo de individuação é a realização da totalidade individual, com a


integração de todos os aspectos de nossa personalidade originária (Grinberg, 1977).

O processo de individuação não consiste num desenvolvimento linear, mas num movimento
de circunvolução que conduz a um novo centro psíquico – o self (arquétipo central e organizador do
desenvolvimento).

Quando consciente e inconsciente vêm ordenar-se em torno de self, a personalidade


completa-se; o self será, então o centro da personalidade total. A preliminar será o desvestimento das falsas roupagens
da persona (sistema de adaptação ou a maneira pela qual se dá a comunicação com o mundo; aquilo que não é
verdadeiramente, mas o que nós mesmos e os outros pensam que somos).

Nesse processo é de vital importância o autoconhecimento e a aceitação e o reconhecimento


da SOMBRA.

Individuar-se é tornar-se um indivíduo, tornar-se si mesmo, ou seja, aquilo que de fato


somos. Assim, o objetivo final da individuação é a integração de consciência e inconsciente; nossa identidade pessoal
livra-se dos invólucros da persona e a personalidade livra-se do poder sugestivo das imagens primordiais, ou seja, da
possessão pelos arquétipos; o ego é, então, assimilado ao self.
Essa integração total do self, embora seja um ideal de perfeição impossível de ser
alcançado, deve ser buscado como meta. A individuação não é algo que ocorre passivamente (Grinberg, 1997); exige a
colaboração ativa do ego consciente, que deve busca-la e conquista-la com empenho, engajamento, paciência e
coragem.

Data 16 de agosto de 2021

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Assinatura do aluno

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