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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU


DIREITO CONSTITUCIONAL

ARIANA BÁRBARA QUEIROZ CAVALCANTE

A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE:


NOVA PERSPECTIVA DO ARTIGO 52, X, DA CF/1988

JOÃO PESSOA
2017
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ARIANA BÁRBARA QUEIROZ CAVALCANTE

A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE:


NOVA PERSPECTIVA DO ARTIGO 52, X, DA CF/1988

Monografia apresentada ao Curso de


Direito da Faculdade Estácio de Sá como
requisito parcial para obtenção do
certificado de Especialista em Direito
Constitucional.

JOÃO PESSOA
2017
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ARIANA BÁRBARA QUEIROZ CAVALCANTE

A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE:


NOVA PERSPECTIVA DO ARTIGO 52, X, DA CF/1988

Monografia aprovada como requisito para a obtenção do certificado de Especialista


em Direito Constitucional pela seguinte banca examinadora:

Nome: ______________________________________________________________
Títulação e instituição: _________________________________________________

Nome: ______________________________________________________________
Títulação e instituição: _________________________________________________

Nome: ______________________________________________________________
Títulação e instituição: _________________________________________________

João Pessoa, __ / ___ / 2017


4

Dedico este trabalho à minha família, especialmente à minha


mãe, Francenilda, e ao meu companheiro, Marco, os quais
sempre me encorajaram a perseguir meus sonhos.
5

AGRADECIMENTOS

Grandes conquistas jamais se concretizam devido à ação de uma só pessoa.


Para atingi-las, é imprescindível a ajuda de muitos. A elaboração desta monografia
não fugiu a essa regra.
Assim sendo, mesmo correndo o risco de esquecer algumas pessoas que
também fizeram parte desse processo, não posso deixar de agradecer àqueles e
àquelas que tiverem um papel fundamental em mais um desafio da minha trajetória
acadêmica.
Inicialmente, agradeço, e não poderia ser de modo algum diferente, à minha
mãe, Francenilda, e ao meu pai, Luiz, que sempre me deram todo amor e apoio em
minhas escolhas. Devo a ela e a ele meu eterno carinho e gratidão por tudo que
consegui conquistar até hoje.
À minha irmãzinha, Sofia, e ao meu irmãozinho, Luizinho, pelas muitas alegrias
que passamos juntos (as). Sem vocês teria sido muito mais sem graça, solitário e
menos produtivo escrever este trabalho monográfico.
Ao Marco, companheiro de todas as horas, que esteve ao meu lado em cada
etapa desta pesquisa, preenchendo até os dias mais difíceis com amor e felicidade.
Não tenho palavras para descrever a importância de sua presença na minha vida e
para este trabalho. Sinto-me imensamente privilegiada por poder contar sempre com
seu apoio, incluindo leituras, escutas, opiniões, contribuições jurídicas, revisões
ortográficas, e, acima de tudo, por ser amada por alguém tão especial.
À minha tia Francinete (tia Neta), por ter me ajudado financeiramente com o
curso da pós-graduação e por ter me ajudado a concretizar esse sonho.
À Mel (em memória) e ao Fernando (em memória), os quais, apesar de não
estarem presentes fisicamente, sempre estiveram comigo em meu coração e meus
pensamentos.
Ao Dumbo, pela lealdade, companheirismo e afeto. Muito obrigada por estar ao
meu lado em todos os momentos em que necessitei, por sempre estar disposto a me
dar carinho e por não perder nenhuma oportunidade de demonstrar todo o seu amor
por mim.
Sou imensamente grata ao Quinto, pela amizade verdadeira, por enfrentar
comigo todas as tristezas e felicidades, desafios e conquistas, por ser inesquecível
para mim e por residir para sempre no meu coração. Agradeço a Edwiges, Adrielly,
Paula, Mandú, Luiz, Rodrigo, Iara, Ítalo e Tancredo. Viva o Quinto!
6

Agradeço, por fim, à toda a minha família que, de algum modo, colaborou, ou
pelo menos não atrapalhou, com a minha caminhada acadêmica.
7

Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos
sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que
viver é ser livre. Porque alguém disse e eu concordo que o
tempo cura, que a mágoa passa, que decepção não mata. E
que a vida sempre, sempre continua.
(Simone de Beauvoir)
8

RESUMO

O presente trabalho monográfico possui o objetivo de analisar o controle de


constitucionalidade das normas no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente,
quais seriam os efeitos da decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal em sede
de controle incidental. Essa questão ganha destaque a contar do instante em que
surge a tese de que teria ocorrido uma mutação constitucional do artigo 52, X, da
CF/1988 e que, por isso, a atuação do Senado Federal, no controle difuso de
constitucionalidade, seria apenas de dar publicidade às decisões da Corte Máxima ao
julgar casos que envolvam o mencionado controle. Com o propósito de atingir os
objetivos propostos, efetuou-se um vasto estudo bibliográfico, com o levantamento de
textos sobre essa questão em livros, doutrinas, revistas e artigos científicos. Além
disso, analisou-se, também, a legislação que regulamenta o tema, bem como a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. No final, foi possível chegar à conclusão
de que, realmente, o artigo 52, X, da CF/1988 sofreu uma mutação constitucional
devido às ações do próprio Poder Legislativo.

Palavras-chave: controle de constitucionalidade; controle difuso; abstrativização do


controle difuso; Supremo Tribunal Federal; mutação constitucional.
9

SÚMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................... ................................................................................. 11

2 ASPECTOS GERAIS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SUA


EVOLUÇÃO NO BRASIL ........................................................................................ 14

2.1 A CONSTITUIÇÃO E OS FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE


CONSTITUCIONALIDADE ................................................................................... 14

2.2 PRINCIPAIS TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE E MODALIDADES DE


CONTROLE ......................................................................................................... 19

2.2.1. Tipos de inconstitucionalidade .................................................... 19

2.2.2. Modalidades de controle de constitucionalidade........................ 22

2.2.3. Espécies de controle repressivo judicial ..................................... 23

2.3 EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL26

3 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE ...................................... 32

3.1 ORIGEM: CASO MARBURY VS. MADISON ............................................. 32

3.2 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO


ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ATUAL ..................................................... 35

3.3 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O CONTROLE DIFUSO DE


CONSITUCIONALIDADE ..................................................................................... 40

3.4 OS EFEITOS DAS DECISÕES EM CONTROLE INCIDENTAL DE


CONSTITUCIONALIDADE E O PAPEL DO SENADO FEDERAL ........................ 44

4 ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE.. 51

4.1 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL ................................................................ 51

4.2 A NOVA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO. 52, X, DA CONSTITUIÇÃO


FEDERAL DE 1988 .............................................................................................. 58

4.2.1. A mutação constitucional e o papel do Senado Federal ............ 58

4.2.2. Novo entendimento do artigo 52, X, da CF/1988: mutação fora dos


limites?..................................................................................................... 63
10

4.3 AS CONSQUÊNCIAS ADVINDAS DA TEORIA DA ABSTRATIVIZAÇÃO DO


CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE .......................................... 66

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 69

REFERÊNCIAS .........................................................................................................72
11

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico abordou o controle de constitucionalidade das


normas brasileiras, mais especificamente quais seriam os efeitos das decisões
emanadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de
constitucionalidade.
De acordo com a doutrina tradicional, as deliberações proferidas pela Corte
Suprema brasileira, no controle incidental, produzem apenas efeitos inter partes, isto
é, seu alcance ficaria limitado às partes que figuraram nos polos da lide.
Entretanto, existe um mecanismo que pode fazer com que os efeitos dessa
decisão sejam expandidos às pessoas que se encontrarem em situação jurídica
bastante similar, impedindo, assim, que cada uma delas tenha que provocar
individualmente a atuação do Judiciário.
Esse instrumento, que concede efeito erga omnes à decisão, está previsto no
artigo 52, X, da CF/1988 e age, em linhas simples, da seguinte maneira: o Supremo
Tribunal Federal, em sede de controle incidental, declara a inconstitucionalidade de
uma determinada lei. Quando essa decisão se tornar definitiva, a mencionada Corte
comunicará o Senado Federal, que é o órgão com competência privativa para editar
uma resolução para suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada
inconstitucional pelo STF. Assim sendo, se o Senado cumprir com seu papel, a
decisão da Corte Máxima, que anteriormente só possuía validade perante às partes
do caso, passa a afetar a todos de maneira indistinta.
Acontece que, há pouco tempo, aflorou uma nova tese no Supremo Tribunal
Federal, chamada de teoria da abstrativização do controle difuso, a qual defende que
seja feito um reexame da atuação do Senado Federal no controle difuso de
constitucionalidade.
O Ministro Gilmar Mendes é um dos maiores defensores dessa teoria e ele
alega que ocorreu uma mutação constitucional no referido papel do Senado Federal
devido às mudanças na realidade social e no ordenamento jurídico. Isso é, esses
fatores, ao agirem em conjunto, resultaram em um novo entendimento do artigo 52,
X, da Constituição Federal de 1988.
Nesse diapasão, a decisão emanada da Corte Suprema, em sede de controle
incidental, já possuiria efeito erga omnes, sem necessidade de nenhum
pronunciamento por parte do Senado Federal. Isso porque, com a mutação
constitucional do artigo constitucional em análise, a atuação do Senado Federal se
12

limitaria, apenas, a dar ampla publicidade à decisão do STF no Diário do Congresso


Nacional.
Apesar do tema já ter sido discutido pelo próprio Supremo Tribunal Federal 1, o
debate ainda continua em aberto e sobre o assunto ainda pairam as seguintes
dúvidas: é possível que seja dado efeito erga omnes às decisões do STF em controle
incidental de constitucionalidade, sem que elas sejam submetidas ao Senado Federal,
de acordo com o artigo 52, X, da CF/88? De outra maneira, de acordo o sistema
jurídico pátrio, é possível a adoção da teoria da abstrativização do controle difuso? Se
a resposta for positiva, quais seriam os efeitos práticos?
Tendo em mente tais interrogações, no primeiro capítulo, foram abordados os
aspectos gerais do controle de constitucionalidade, os seus princípios, os principais
tipos de inconstitucionalidade, as formas de controle e a importância dessa
fiscalização em relação a proteção e defesa da Carta Maior. Além disso, procurou-se
analisar quais sãos os modelos jurisdicionais de controle de constitucionalidade
existentes e a forma pela qual eles foram inseridos no ordenamento jurídico brasileiro
para, em seguida, tratar de forma específica sobre o controle difuso.
Por sua vez, como já foi destacado, o segundo capítulo abordou a respeito do
controle incidental de constitucionalidade. Assim sendo, estudou-se a sua origem no
direito comparado, bem como qual a sua regulamentação no direito jurídico pátrio.
Ademais, apontou-se algumas características do princípio da reserva de plenário e
analisou-se qual o papel do Senado Federal quando uma norma é declarada
inconstitucional pela Corte Máxima, de acordo com o artigo 52, X, da CF/88.
Ao final, no terceiro capítulo, traçou-se as noções gerais sobre a mutação
constitucional e buscou-se avaliar se ela teria ocorrido no supracitado artigo da
Constituição. Outrossim, examinou-se se o ordenamento jurídico pátrio admite que
uma decisão emanada do STF em controle difuso tenha efeito erga omnes sem a
atuação do Senado e, em caso positivo, quais seriam as consequências jurídicas
desse entendimento.
Para atingir os objetivos acima expostos, a metodologia utilizada nesta
monografia caracteriza-se por ser um estudo descritivo-analítico, desenvolvido por
meio de pesquisa bibliográfica. Nesse sentido, foi realizada uma vasta análise teórica,
com o levantamento de livros, doutrinas, revistas, artigos e publicações

1
Vide Reclamação 4335/AC.
13

especializadas. Ademais, estudou-se a legislação que regulamenta o assunto, assim


como a posição do Supremo Tribunal Federal.
O estudo de todo esse material foi feito para, em conclusão, apontar se a teoria
da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade poderia ser adotada pelo
ordenamento jurídico brasileiro e, em caso afirmativo, verificar quais as
consequências dessa prática.
14

2 ASPECTOS GERAIS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SUA


EVOLUÇÃO NO BRASIL

O presente capítulo tem como objetivo versar sobre os aspectos gerais do


controle de constitucionalidade e apontar suas principais características. Além disso,
visa, também, demonstrar como esse controle se desenvolveu no ordenamento
jurídico brasileiro.
Para tanto, algumas pontuações devem ser feitas, posto que, com elas,
pretende-se demonstrar a relevância do controle de constitucionalidade como
instrumento de defesa e proteção da Constituição.

2.1 A CONSTITUIÇÃO E OS FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE


CONSTITUCIONALIDADE

A Constituição é entendida como o conjunto de normas jurídicas elaboradas


pelo poder constituinte, as quais estão voltadas, principalmente, à fixação da forma
de Estado, da forma de governo, do modo de aquisição e exercício do poder, da
instituição e organização de seus órgãos, do rol de direitos e garantias fundamentais,
além de delinear os limites da atuação estatal (BARROSO, 2016).
Nesse sentido, a Constituição tem como função primordial unir todo o
ordenamento jurídico. Isso porque é nela onde se encontram previstos os principais
traços do Estado, além de ser o lugar onde está consagrado o rol de direitos e
garantias fundamentais, sob o qual se assenta todo Estado Democrático de Direito.
Além dos fatores já apontados, a Carta Magna se reveste de maior importância,
posto que nela se encontra todo o conjunto de teorias, filosofias e direitos voltados
aos valores e à dignidade da pessoa humana, conquistados em anos de lutas,
resumindo a própria teoria constitucionalista, a qual é adotada pela maior parte dos
Estados (LENZA, 2016).
Sobre essa função que a Constituição exerce no Estado Democrático de
Direito, Mônica Leal (2003, p. 17) afirma:

Havia quem quisesse que se atribuísse à Assembléia Constituinte, não só a


tarefa de reconstruir na forma republicana as estruturas fundamentais do
Estado, mas também a de deliberar ao menos algumas fundamentais
reformas de caráter econômico e social que representassem o início de uma
15

transformação da sociedade em sentido progressivo(...) Mas esta idéia não


foi acolhida; ou, para dizer melhor, foi acolhida por metade com o fim de dar
aos seus apoiantes a ilusão de que não foi negada de todo. Entre o tipo de
constituição breve, meramente organizatória do aparelho do Estado, e o tipo
de constituição longa, esta também ordenadora da sociedade, a Assembléia
Constituinte escolheu um tipo de constituição longa, isto é, contendo ainda
uma parte ordenadora que, em vez de efetuar uma transformação das
estruturas sócias, se limitava a prometê-las a longo prazo, traçando-lhe o
programa para o futuro.

Dessa forma, devido a sua relevância, deve-se proteger a Constituição dos


possíveis desvios de leis violadoras de seus preceitos. Tal proteção é imprescindível
para a manutenção do Estado Democrático de Direito, e é realizada através do
controle de constitucionalidade.
O referido controle objetiva, principalmente, proteger os fundamentos do
Estado de Direito e assegurar a unidade do sistema. Isso ocorre por meio da expulsão
de leis infraconstitucionais e das emendas constitucionais que se apresentem
incompatíveis com as normas e princípios previstos na Carta Maior (MENDES;
BRANCO, 2016).
Nesse diapasão, é importante mencionar os fundamentos do controle de
constitucionalidade.
Incialmente, destaca-se que tal controle tem por base, notadamente, o princípio
da Supremacia da Constituição. Tal princípio traz como consequência imediata a
caracterização das normas constitucionais como leis fundamentais do Estado. Isso
porque elas são postulados emanados do Poder Constituinte Originário como
expressão da vontade social, mostrando-se como base do ordenamento jurídico e,
por isso, possuem posição hierárquica superior às outras normas do sistema (LENZA,
2016).
Assim sendo, o princípio da Supremacia da Constituição pressupõe um
escalonamento normativo, isto é, a verticalização de normas, a opção por uma Carta
escrita e rígida, além da existência de, pelo menos, um órgão responsável pela
realização do controle (LENZA, 2016).
Isso ocorre porque, no positivismo jurídico, Hans Kelsen (2001) criou uma
pirâmide normativa, estabelecendo um sistema hierárquico de normas, de acordo com
o qual a Constituição se posiciona no mais alto patamar. A teoria de Kelsen trouxe,
ainda, a ideia de validade jurídica, de forma que as leis inferiores devem ser
elaboradas de acordo com as de grau superior, obedecendo uma hierarquia vertical.
A rigidez determina a superioridade das leis constitucionais na pirâmide
normativa, além de consagrar a inadmissibilidade de modificação do texto da
16

Constituição por lei infraconstitucional, estabelecendo, na verdade, um processo mais


trabalhoso, qualificado e especial para a alteração da Carta Maior (KELSEN, 2001).
Nesse sentido, a Carta Maior tem aptidão de estabelecer fundamentos de
validade a todo o conjunto de normas a ela subordinadas, sendo um indispensável
mecanismo de controle de adequação das leis inferiores.
Ademais, seguindo com os fundamentos do controle de constitucionalidade, no
atual regramento brasileiro, há, também, o princípio da presunção de
constitucionalidade das normas. Segundo esse princípio, presume-se que toda norma
infraconstitucional (ou emenda à Constituição) é elaborada com observância ao
processo previsto na Carta Maior e, por isso, é constitucional. Isso significa dizer que
ela produz os seus efeitos jurídicos desde o momento em que entra em vigor (LENZA,
2016).
Todavia, a referida presunção de validade é relativa2. Assim, para manter a
unidade do ordenamento, tanto as normas constitucionais derivadas, como as leis
infraconstitucionais, devem ser fiscalizadas. Se constatado vício de
constitucionalidade, tais normais ou leis devem ser eliminadas do conjunto de regras
que regem o Estado (LENZA, 2016).
Essa fiscalização e eliminação de normas inconstitucionais deve ocorrer porque
o ordenamento jurídico é um sistema. E, como tal, suas partes têm que se unir
harmonicamente, sem contradições, concebendo, assim, um todo organizado. Nesse
diapasão, para manter a unidade do ordenamento, tanto as normas constitucionais
derivadas, como as normas infraconstitucionais, devem ser fiscalizadas pelo controle
de constitucionalidade, visando eliminar possíveis contradições.
Sobre o caráter sistêmico do ordenamento jurídico, Norberto Bobbio (2011, p.
46) afirma:

Para que se possa falar em ordem é necessário que os entes que a


constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas
também num relacionamento de coerência entre si. Quando nos perguntamos
se um ordenamento jurídico constitui um sistema, nos perguntamos se as
normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e
em que condições é possível essa relação.

2
Ressalta-se que as normas constitucionais originárias são as únicas que têm presunção absoluta de
constitucionalidade (LENZA, 2016).
17

Por essa razão, muitos autores defendem que, juntamente com o princípio da
Supremacia da Constituição, o princípio da Unidade do Ordenamento Jurídico forma
a base essencial para o controle de constitucionalidade.
Sobre o princípio da unidade constitucional, Canotilho (1991, p. 162) afirma:

O princípio da unidade da Constituição ganha relevo autônomo como


princípio interpretativo quando com ele se quer significar que o Direito
Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições
(antinomias, antagonismos) entre as suas normas e, sobretudo, entre os
princípios jurídicos-políticos constitucionalmente estruturantes. Como ‘ponto
de orientação’, ‘guia de discussão’ e ‘factor hermenêutico de decisão’ o
princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua
globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão [...] existentes entre
as normas constitucionais a concretizar. Daí que o intérprete deva sempre
considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas,
mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas
e princípios.

Na mesma linha de pensamento, Barroso (2016) complementa:

O princípio da unidade da Constituição tem amplo curso na doutrina e na


jurisprudência alemãs. Em julgado que Klaus Stern refere como primeira
grande decisão do Tribunal Constitucional Federal, lavrou aquela Corte que
‘uma disposição constitucional não pode ser considerada de forma isolada
nem pode ser interpretada exclusivamente a partir de si mesma. Ela está em
uma conexão de sentido com os demais preceitos da Constituição, a qual
representa uma unidade interna. Invocando tal acórdão, Konrad iere
assinalou que a relação e interdependência existentes entre os distintos
elementos da Constituição exigem que se tenha sempre em conta o conjunto
em que se situa a norma. (...) Em decisão posterior, o Tribunal Constitucional
Federal alemão voltou a remarcar o princípio, conferindo-lhe, inclusive,
distinção especial e primazia: ‘o princípio mais importante de interpretação é
o da unidade da Constituição enquanto unidade de um conjunto com sentido
teleológicológico, já que a essência da Constituição consiste em ser uma
ordem unitária da vida política e social da comunidade estatal.

Ainda sobre os fundamentos do controle de constitucionalidade, em outra obra,


Kelsen (2000, p. 28) reafirma e desenvolve o que já foi dito anteriormente, que a
Constituição tem como fundamento de validade a norma hipotética fundamental, a
qual se materializa na própria Constituição. Em outras palavras, para o referido autor,
as normas e os princípios se ordenam e se hierarquizam num sistema que busca
validade em si mesmo. No interior desse sistema, tais normas e princípios,
segmentados e escalonados, por seu turno, localizam a validade nas normas que lhe
são superiores.
As divisas que as normas possuem em relação umas com as outras são de
ordem formal e material. Quanto aos limites formais, entende-se que todas elas devem
ser elaboradas conforme os procedimentos que a Constituição prevê. Por outro lado,
18

quanto aos limites materiais, objetiva-se que normas inferiores não contradiga as
superiores (BARROSO, 2016).
Destaca-se que esses conflitos formais e materiais precisam ser averiguados
com cautela, visto que as contradições podem ser apenas aparentes, para as quais
existem métodos mais simples de solução.
Outro princípio essencial à realização do controle é o da Separação dos
Poderes, idealizado por Montesquieu. Tal princípio apregoa que o Poder Legiferante
necessita ser diverso do(s) Poder(es) zeladores da constitucionalidade das normas.
Ademais, é poder da Constituição fixar quais são esses poderes e quais são as
funções por eles exercidas (CUNHA JÚNIOR, 2016).
Nesse sentido, na ausência de um poder independente criado pela própria
Carta Constitucional, diverso do poder legiferante, possuindo a citada atribuição
fiscalizatória das normas, não é possível existir controle de constitucionalidade, muito
menos Constituição rígida, tampouco Estado Democrático de Direito.
Assim, o que se constata é que, a Constituição, mesmo possuindo todas as
características apontadas, não está protegida contra excessos e desrespeito, tanto
por parte do legislador, quanto por autoridade políticas em geral.
Em outras palavras, de nada adiantaria elevar a Constituição a um nível
superior no sistema jurídico sem lhe conceder meios que pudessem garantir essa
condição. É exatamente por isso que, para assegurar a supremacia e proteção da Lei
Maior, que o ordenamento prevê o controle de constitucionalidade.
Conforme Bonavides (2009, p, 297), sem o controle de constitucionalidade:

(...) a supremacia da norma constitucional seria vã, frustrando-se assim a


máxima vantagem que a Constituição rígida e limitativa de poderes oferece
ao correto, harmônico e equilibrado funcionamento dos órgãos do Estado e
sobretudo à garantia dos direitos enumerados na lei fundamental.

Dessa forma, o controle de constitucionalidade se mostra necessário para


preservar a conformidade das normais subalternas com as normas constitucionais,
objetivando garantir a vontade do constituinte originário, mantendo os valores e
princípios basilares do Estado, garantindo, assim, a estabilidade e a segurança
jurídica.
19

2.2 PRINCIPAIS TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE E MODALIDADES DE


CONTROLE

2.2.1. Tipos de inconstitucionalidade

As incompatibilidades das normas infraconstitucionais em relação à


Constituição podem ocorrer de várias formas. Nesse sentido, existem vários tipos de
inconstitucionalidades e os mais importantes serão explanados nos tópicos abaixo.
Uma primeira classificação diz que a inconstitucionalidade pode ser material
e/ou formal. A inconstitucionalidade material ocorre quando a lei trata sobre
determinado tema de forma oposta de como está disposto na Carta Maior. Tal lei pode
ofender tanto princípios, como regras, violando, assim, a essência da norma
constitucional (CUNHA JÚNIOR, 2016)
Em contrapartida, a inconstitucionalidade formal, também chamada de
procedimental, ocorre quando não há a observância do processo legislativo para
elaboração da lei. Essa inconstitucionalidade é dividida, ainda, em objetiva e subjetiva.
Ela será subjetiva quando houver usurpação de competência, ou seja, quando cabe a
uma determinada autoridade iniciar o processo legislativo, entretanto outra o faz no
seu lugar (CUNHA JÚNIOR, 2016).
De acordo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o referido vício é
insanável. Isso pode ser observado, inclusive, no julgamento da ADIN 1.963, o qual
ocorreu em 2002, cujo relator foi o Ministro Maurício Corrêa, onde a Corte Máxima
ratificou a cautelar conferida em 1999, no sentido de que, quando há usurpação da
iniciativa do Chefe do Executivo, a sanção deste não convalida o vício de iniciativa.
Aliás, esse novo posicionamento contraria o que dispõe a súmula nº 5 do próprio STF,
de modo que ela está superada pela jurisprudência da própria corte.
Acrescente-se ainda que, a Carta Maior prevê a divisão das competências entre
todos os entes federativos. Nesse sentido, se há uma violação, por meio de uma lei
ou ato normativo, a esse sistema de atribuições estabelecido na Constituição, tal lei
ou ato normativo devem ser declarados inconstitucionais por vício formal subjetivo de
competência.
Por outro lado, caracterizar-se-á a inconstitucionalidade formal objetiva quando
houver ofensa aos demais atos do processo legislativo (CUNHA JÚNIOR, 2016). A
título de exemplo, tal inconstitucionalidade seria identificada se ocorresse a aprovação
de uma lei complementar com o quórum de lei ordinária.
20

Diversamente, Barroso (2016) propõe a divisão da inconstitucionalidade formal


em orgânica e propriamente dita. Nesse sentido, a inconstitucionalidade formal
orgânica englobaria apenas o vício de competência, ao passo que a
inconstitucionalidade formal propriamente dita abarcaria todos os atos do processo
legislativo, incluindo os de iniciativa.
Sob outro prisma, Hans Kelsen (2000, p. 31) nomeia a inconstitucionalidade
material de nomoestática e a inconstitucionalidade formal de nomodinâmica. A
primeira é assim denominada porque o que é averiguado é somente o conteúdo da
norma, e não o seu processo de elaboração. Já a segunda é assim chamada porque
se refere a inconstitucionalidade que ocorre durante o processo de surgimento da
norma, o que passaria a noção de movimento, de dinâmica.
Há, ainda, uma outra categorização, a qual afirma que a inconstitucionalidade
pode ocorrer por ação ou por omissão. A inconstitucionalidade por ação se dá quando
há violação dos preceitos constitucionais devido a uma conduta comissiva praticada
por alguma autoridade ou órgão estatal (LENZA, 2016). Enquanto que a
inconstitucionalidade por omissão decorre da inércia do legislador, que deveria
regulamentar determinado assunto, porém não o faz. Esse tipo de
inconstitucionalidade pode ocorrer de forma total ou parcial (LENZA, 2016).
Além disso, a inconstitucionalidade pode ser separada em originária ou
superveniente. A primeira presume a colisão entre a lei e a constituição vigente no
momento de sua produção. Enquanto que a segunda pressupõe a incompatibilidade
com texto constitucional futuro (BULOS, 2015).
É importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal rejeita a possibilidade
de inconstitucionalidade superveniente. O que ocorre, em verdade, é a revogação das
leis anteriores que sejam com a nova Constituição materialmente incompatíveis
(LENZA, 2016). Nesse sentido, a Suprema Corte entende que existe, apenas, a
inconstitucionalidade originária, a que já nasce com a norma.
Por fim, há, ainda, a classificação da inconstitucionalidade em total ou parcial.
Como o próprio nome evidencia, a inconstitucionalidade será total quando atingir todo
o ato normal. Por outro lado, será parcial quando afetar apenas parte do ato (LENZA,
2016).
Relacionado a essa classificação, destaca-se a existência do princípio da
parcelaridade da lei, segundo o qual não pode ser declarada a inconstitucionalidade
completa de uma norma que contenha apenas alguns dispositivos inconstitucionais
21

(BARROSO, 2016). Nesse sentido, a declaração de inconstitucionalidade parcial pode


atingir um artigo, parágrafo, inciso ou alínea.
Em outras palavras, até mesmo uma única palavra pode ser considerada
inconstitucional e eliminada da norma, contanto que a lei ou o ato normativo não mude
de sentido, nem ganhem outo completamente oposto, de modo que o STF não pode
legislar a pretexto de realizar o controle de constitucionalidade.
De acordo com Clève (2012, p. 24), geralmente, a inconstitucionalidade formal
acarreta na declaração de inconstitucionalidade total, porém é possível efetuar a
divisão das etapas do processo legislativo da lei. Num cenário hipotético, uma lei pode
ser considerada inconstitucional por vício formal subjetivo de inciativa parcial quando
a autoridade que inicia o processo legislativo não era competente para a lei em sua
totalidade, mas apenas em relação a alguns dispositivos.
Em relação ao controle de constitucionalidade realizado Poder Judiciário, o
Supremo Tribunal Federal, em seus julgados, ao se deparar com um caso de
inconstitucionalidade parcial, poderá se utilizar da denominada técnica de declaração
de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Tal técnica consiste em manter
a norma no ordenamento jurídico, com a condição de que ela não seja aplicada a
determinas pessoas ou certos casos (MENDES; BRANCO, 2016).
Outra técnica adotada pelo STF é chamada de interpretação conforme a
Constituição, a qual é aplicada quando uma norma possibilita diversas interpretações,
porém algumas delas são inconstitucionais. Assim, ao utilizar a técnica, o STF define
qual a interpretação está em conformidade com o texto constitucional, rechaçando as
demais (LENZA, 2016).
Tanto a declaração parcial de inconstitucionalidade, quanto a interpretação
conforme a Constituição foram previstas pela Lei 9.868/99, no parágrafo único do seu
artigo 283.
Dessa forma, ao se fazer o controle de constitucionalidade, deve sempre
ocorrer a ponderação do princípio da parcelaridade da lei com o da supremacia
constitucional.

3
Art. 28. Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a
interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de
texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal.
22

2.2.2. Modalidades de controle de constitucionalidade

Quanto à natureza do órgão de controle, a análise da constitucionalidade pode


ser realizada por um órgão jurisdicional ou um ente político. Por outro lado, quanto ao
momento da realização do controle de constitucionalidade, diz-se que ele pode ocorrer
de forma preventiva (a priori) ou de forma repressiva (a posteriori) (LENZA, 2016).
Reputa-se jurisdicional o controle efetuado por qualquer órgão do Poder
Judiciário. Essa espécie de controle tem origem no direito norte-americano. De outro
lado, há o controle político, que se realiza quando as normas são analisadas pelos
demais Poderes. Ressalta-se que tal modelo de controle é usado intensamente no
ordenamento jurídico francês, onde a máxima da tripartição dos poderes é
resguardada, não havendo imissão de outro órgão na função típica de legislar, sendo
tal crítica maior ao controle jurisdicional (FAIDIGA, 2010).
Ainda sobre as modalidades de controle, há o controle preventivo, o qual é
realizado em projetos de lei ou em propostas de emenda à Constituição, isto é, ele
tem como objeto a norma ainda em seu processo de produção.
Em outras palavras, ao se elaborar a norma, se já houver a constatação de que
ela contradiz as disposições constitucionais vigentes, tal norma deverá, desde logo,
ser extinguida do ordenamento jurídico, evitando que adquira vigência e, dessa
maneira, gere efeitos. Nesse caso, aplica-se a modalidade preventiva do controle,
praticado, em regra, pelo Poder Legislativo, durante os debates e avaliações sobre o
projeto de lei (BARROSO, 2016).
A título de exemplo, no Brasil, ressalta-se o trabalho da Comissão Parlamentar
de Constituição e Justiça, que tem a função de elaborar pareceres sobre os projetos
que tramitam nas casas legislativas, de modo precedente às discussões para sua
aprovação (CUNHA JÚNIOR, 2016).
Entretanto, apesar de, em regra, o Poder Legislativo realizar o controle de
constitucionalidade preventivo, existe uma exceção de controle preventivo que se dá
pela via judicial. Essa exceção se refere ao mandado de segurança impetrado pelo
parlamentar, perante o Supremo Tribunal Federal, para garantir o seu direito líquido e
certo de participar de um processo legislativo que esteja de acordo com os ditames
constitucionais (LENZA, 2016). Assim, o objetivo desse mandado de segurança é
obstar que tramite um projeto de lei ou de emenda constitucional em que haja alguma
inconstitucionalidade formal ou material.
23

Foi nesse sentindo que se posicionou a Corte Maior ao julgar o mandado de


segurança nº 23.334, em 2011, o qual foi relatado pelo Ministro Celso de Mello, onde
se defendeu que o parlamentar tem direito público objetivo de não participar de um
processo legislativo inconstitucional (LENZA, 2016).
Ainda analisando o controle de constitucionalidade preventivo e sua conexão
com o princípio da presunção de constitucionalidade, percebe-se que tal princípio se
baseia na eficácia do controle preventivo. Isso porque o referido princípio se
fundamenta na ideia de que toda norma nasce de acordo com a Constituição e, como
tal, deve ser preservada. Assim, presume-se que os órgãos que elaboram as leis e os
atos normativos observam todo o processo previsto na Carta Maior para inclusão de
normas no ordenamento jurídico (MOTTA FILHO, 2015).
Retomando a classificação em análise, destaca-se que há, ainda, a espécie
repressiva do controle, a qual tem por função analisar a constitucionalidade de uma
norma já vigente, ou seja, que já produz efeitos concreto.
Via de regra, o controle repressivo é realizado pelos órgãos judiciais. No
entanto, assim como ocorre com o controle preventivo, existem algumas exceções
que admitem a ocorrência do controle repressivo político.
A título de exemplo, destaca-se o disposto no artigo 49, V, da CF/1988, onde
há a previsão de que o Congresso Nacional pode sustar, por meio de decreto
legislativo, os atos do Executivo que extrapolem os limites do poder regulamentar ou
da delegação legislativa para elaboração da lei delegada (LENZA, 2016).
Por fim, cabe, ainda, mencionar, como exemplo de controle repressivo político,
o artigo 62, §§ 5º e 6º, ambos da CF/1988, os quais preveem o processo de edição
de medida provisória pelo Presidente da República. Ao elaborá-la, o Chefe do
Executivo deve encaminhá-la ao Congresso Nacional para convertê-la em lei
ordinária. Antes de dar início ao processo de conversão, é constituída uma comissão
mista de deputados e senadores para elaborar um parecer sobre a constitucionalidade
da medida (BARROSO, 2016).

2.2.3. Espécies de controle repressivo judicial

De acordo com o que foi explicado anteriormente, o controle de


constitucionalidade das normas também pode ser desempenhado por um órgão
jurisdicional.
24

Nesse diapasão, Gilmar Mendes e Paulo Branco (2016) apontam três modelos
para esse tipo de controle, os quais foram elaborados tendo por base ideias filosóficas
distintas e conforme o contexto histórico vivenciado pelo país da qual emanou. Assim,
inicialmente, tem-se o modelo difuso (também denominado de sistema americano),
seguido do modelo concentrado (conhecido como sistema austríaco ou europeu) e,
por fim, há o modelo misto, que nada mais é do que uma combinação dos dois
primeiros sistemas.
O controle difuso de constitucionalidade, antecessor em relação aos demais,
tem como referencial histórico o famoso julgado, proferido pela Suprema Corte dos
Estados Unidos, no caso Marbury vs. Madison, que ocorreu em 1803. Sobre o sistema
americano, Souza Neto e Sarmento (2014) apontam que:

O controle de constitucionalidade (judicial review) pode ser exercido por todo


e qualquer juiz, diante de um caso concreto que lhe seja apresentado. O
controle é, portanto, difuso, porque pode ser exercitado por todo e qualquer
o órgão do Poder Judiciário, e concreto, já que só pode ocorrer no julgamento
de algum litígio intersubjetivo. Porém, sendo os precedentes judiciais naquele
país vinculantes, como é característico da common law, as decisões da
Suprema Corte que afastam uma lei, apesar de proferidas em casos
concretos, tornam-se obrigatórias para todos os órgãos do Poder Judiciário
quando apreciarem a mesma questão, vinculando também a Administração
Pública.

Nesse sentido, o controle difuso é realizado de forma incidental, isto é, é feito


no curso do processo, no qual a questão da inconstitucionalidade é apontada
exclusivamente como meio de defesa do pedido da parte. Desse modo, no Brasil,
como há amplo acesso ao Poder Judiciário, qualquer sujeito processual tem
capacidade, através desse tipo de controle, de provocar qualquer juiz ou Tribunal,
para que analise a inconstitucionalidade de um ato normativo ao deduzir as razões de
convencimento por meio do voto e da fundamentação da decisão (MENDES;
BRANCO, 2016).
Como o controle difuso de constitucionalidade é o tema central deste trabalho
monográfico, neste tópico, tecer-lhe-á apenas noções gerais, posto que essa espécie
de controle será abordada em capítulo próprio.
Em seguida, tem-se o modelo concentrado, elaborado por Hans Kelsen no
começo do século passado. Esse modelo é bem diferente do sistema difuso e foi
adotado pela primeira vez na Constituição Austríaca de 1920, vindo a se propagar,
em seguida, por quase toda a Europa.
Muito já se debateu sobre os motivos do surgimento desse sistema de controle
de constitucionalidade e as razões para a sua adoção no lugar do simplificado modelo
25

americano. Sobre o assunto, Cunha Júnior (2016), ao citar Mauro Cappelletti,


esclarece que:

Isto está vinculado ao fato de que a introdução do modelo de controle difuso


nos sistemas de civil law, ou seja, de derivação romanística, aos quais
pertencem os países acima apontados [países europeus], onde inexiste o
princípio do stare decisis, que é típico dos sistemas da common law, levaria
a indesejável consequência de que uma mesma lei poderia não ser aplicada
por alguns juízes, porque julgada inconstitucional e, inversamente, aplicada
por outros que a reputassem constitucional, causando uma grave situação de
conflito entre os órgãos judiciários e de incerteza no direito, em detrimento
dos indivíduos, da coletividade em geral e do próprio Estado. Além desse
inconveniente, já suficiente per se stante para justificar a não adoção do
modelo americano nos países da civil law, há ainda um outro, não menos
grave. Consiste ele no fato de que o sistema difuso, nos países destituídos
do princípio do stare decisis, pode propiciar uma multiplicidade de demandas,
uma vez que, mesmo já declarada reiteradamente a inconstitucionalidade de
uma lei, será sempre necessário que alguém interessado nesse mesmo
pronunciamento proponha uma nova demanda em juízo, submetendo a
mesma lei a um novo julgamento.

Tendo em mente tais explicações, percebe-se que o jurista austríaco refutava


a hipótese de o controle de constitucionalidade ser praticado por todos os juízes, tal
qual ocorre no sistema americano, visto que, para ele, os magistrados não estavam
aptos para exercerem essa atribuição.
No entanto, Kelsen entendia de forma diversa e, por isso, alegava que o referido
controle deveria ser exercido de forma exclusiva por uma Corte Constitucional
especializada. Assim, essa Corte passaria a agir de forma abstrata, não em casos
concretos, sempre que uma norma confrontasse a Constituição, emitindo decisões
com eficácia erga omnes.
É por essa razão que Souza Neto e Sarmento (2016) afirmam que “o controle
proposto por Hans Kelsen era, portanto, concentrado, porque monopolizado pela
Corte Constitucional, e abstrato, uma vez que realizado ‘em tese’, sem que houvesse
qualquer caso concreto submetido à apreciação jurisdicional”.
Assim sendo, o controle abstrato é realizado pela via principal, visto que a
inconstitucionalidade é alegada em ação própria, cujo objetivo único é tê-la avaliada
e declarada. Frequentemente, nesse tipo de controle, a legitimação para a propositura
das ações é prevista em um rol taxativo. No Brasil, tal rol é encontrado no artigo 103
da Constituição Federal de 1988. Por conseguinte, o exame de prováveis direitos
subjetivos é de pouca relevância para o caso, não sendo possível a alegação desses
bens da vida (BARROSO, 2016).
26

Além desses dois sistemas, existe o terceiro modelo, o qual é denominado de


controle misto. Ele, como o próprio nome sugere, é a junção das características dos
sistemas americano e austríaco. Sobre ele, Mendes e Branco (2016) destacam que:

Em geral, nos modelos mistos defere-se aos órgãos ordinários do Poder


Judiciário o poder-dever de afastar a aplicação da lei nas ações e processos
judiciais, mas se reconhece a determinado órgão de cúpula – Tribunal
Supremo ou Corte Constitucional – a competência para proferir decisões em
determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado.

Nesse sentido, no sistema misto, coexistem o modelo difuso e o modelo


abstrato. Como exemplos de países que adotam esse modelo, destacam-se o Brasil
e Portugal.
Visando compreender porque o Brasil adota o modelo misto, é necessário
entender como o controle de constitucionalidade adentrou no ordenamento jurídico
pátrio. Assim, segue o item específico que irá abordar o surgimento e evolução do
controle de constitucionalidade no Brasil.

2.3 EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

De início, a Constituição Imperial de 1824 não previa nenhum sistema de


controle jurisdicional de constitucionalidade de normas. Isso se deve à influência da
supremacia do parlamento, oriunda do direito inglês, bem como da rígida separação
dos poderes, oriunda do direito francês (CUNHA JÚNIOR, 2016).
Nesse sentido, a mencionada Constituição dava ao Poder Legislativo a
responsabilidade de “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revoga-las”, bem como
“velar na guarda da Constituição” (artigo 15, XIII e IX).
Naquele tempo, como explicado anteriormente, predominava a soberania do
legislativo, não existindo margem para atuação de qualquer órgão jurisdicional para
realizar o controle de constitucionalidade.
Confirmando o que foi explanado, ao comentar a Constituição de 1824, Pimenta
Bueno (1978, p. 69) afirma:

Só o poder que faz a lei é o único competente para declarar por via de
autoridade ou por disposição geral obrigatória, o preceito dela. Só ele e
exclusivamente ele é quem tem o direito de interpretar o seu próprio ato, suas
próprias vistas, sua vontade e seus fins. Nenhum outro poder tem o direito de
interpretar por igual modo, já porque nenhuma lei lhe deu essa faculdade, já
porque seria absurda a que lhe desse.
27

Todavia, a referida Constituição previa o Poder Moderador, que dava ao


imperador a atribuição de organizar todos os demais Poderes. Nesse sentido, o
imperador era quem tinha competência para deliberar sobre as divergências
existentes entre os Poderes.
Por isso, não foi somente o postulado da soberania do parlamento que
impossibilitou a existência do controle judicial de constitucionalidade na época
imperial. Ao possuir o Poder Moderador, o imperador exercia a função de
coordenação entre os Poderes, que, praticamente, impedia o exercício de vigilância
constitucional pelo Poder Judiciário. Isso porque, de acordo com a Constituição de
1824, cabia ao Imperador decidir os conflitos envolvendo os Poderes, e não ao
Judiciário (CLÈVE, 2000).
Dessa forma, tendo em vista esses fatores, observa-se que o período imperial
não proporcionava condições para a realização do controle jurisdicional no Brasil.
Foi apenas com a Constituição de 1891 que ocorreu a primeira manifestação
do controle judicial de constitucionalidade. Devido a influência norte-americana, a
Carta de 1891 trouxe a previsão do controle difuso de constitucionalidade das leis.
Em bem verdade, em suas lições, Dirley da Cunha Júnior (2016) aponta que,
desde a Constituição Provisória de 1890, já existia a previsão do controle difuso.
Nesse diapasão, a Lei Maior de 1891, em seu artigo 59, apenas repetiu os dispositivos
da Constituição Provisória, dando ao Supremo Tribunal Federal a competência para
analisar a validade e a aplicação de tratados e leis federal.
Para ratificar a existência do controle, criou-se a Lei 221/1824, a qual previa,
em seu artigo 13, §10, que “os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e
regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente
inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou com
a Constituição”.
Assim, percebe-se que esse período possui bastante relevância para a história
constitucional brasileira, posto que, o controle difuso de constitucionalidade perdura
até os dias atuais.
Em relação à Constituição de 1934, como já dito, houve a manutenção do
controle difuso incidental realizado pelo Poder Judiciário. Dentre as novidades trazidas
pela mencionada Carta, Clève (2010, p. 85) aponta as seguintes:

(i) diante do art. 179, nos tribunais, a inconstitucionalidade somente poderia


ser declarada pelo voto da maioria absoluta de seus membros. A exigência
tem como precedente a orientação firmada pela jurisprudência norte-
americana; (ii) atribuiu (art. 91, IV e 96), por outro lado, ao Senado Federal –
28

órgão incumbido de coordenar os Poderes da República entre si (art. 88) –


competência para ‘suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer
lei ou ato, deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo
Poder Judiciário’. Pretendeu o constituinte, aqui, como será demonstrado
oportunamente, instituir uma fórmula para dar eficácia erga omnes às
decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal.

Para este trabalho monográfico, a principal mudança foi a elencada no item 2,


ou seja, a atribuição dada ao Senado Federal para suspender, na totalidade ou em
parte, ato normativo já declarado inconstitucional pelo STF, com eficácia para todos.
De acordo com os ensinamentos de Dirley da Cunha Júnior (2016), essa
novidade tentou consertar um problema do controle difuso inicial, o qual permitia a
ocorrência de conflitos entre decisões dos variados órgãos responsáveis para a
realização do controle de constitucionalidade, dado que os julgamentos geravam
efeitos apenas inter partes e não prevalecia, no ordenamento jurídico pátrio, o
princípio do stare decisis4.
A Carta de 1934 trouxe, também, a representação interventiva. Tal intervenção
ocorreria caso houvesse violação de princípios sensíveis previstos na Constituição,
os quais estavam previstos no artigo 7º. Nesse caso, a representação deveria ser
submetida ao STF para que ele pudesse avaliar a constitucionalidade da intervenção,
tendo o Procurador Geral da República como legitimado para a propositura.
Pouco tempo depois, entra em vigor a Constituição outorgada de 1937, a qual
retrocedeu em termos de controle de constitucionalidade. Isso porque, apesar de ter
preservado o controle difuso, assim como a exigência de quórum diferenciado para a
declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, a Lei Maior de
1937 não trouxe a representação interventiva, tampouco a suspensão, por parte do
Senado Federal, da execução de ato normativo declarado inconstitucional pelo STF.
Conquanto, a questão mais problemática foi a tentativa de enfraquecimento do
Poder Judiciário na realização do controle de constitucionalidade. Isso porque,
conforme as lições de Uadi Lammêgo Bulos (2015), a Carta de 1937 autorizou ao
Presidente da República submeter ao Poder Legislativo a norma declarada
inconstitucional. Caso houvesse o voto de 2/3 de cada uma das Casas Legislativas
confirmando a validade da lei, a decisão do Poder Judiciário se tornava insubsistente.

4
Stare decisis advém do latim "stare decisis et non quieta movere”, que significa “respeitar as coisas
decididas e não mexer no que está estabelecido. Em linhas simples, é uma expressão usada no direito
para se referir à doutrina segundo a qual as decisões de um órgão judicial criam precedente e vinculam
futuros julgamentos (CAPPELLETTI, 1984).
29

Para agrava a situação, o Presidente Getúlio Vargas, por meio do Decreto-Lei 1.564,
validou as leis que foram declaradas inconstitucionais pelo STF.
Foi apenas com a restauração da democracia, por meio da Constituição
promulgada de 1946, que o Poder Judiciário retomou a competência de dar a última
palavra no controle de constitucionalidade.
A Carta de 1946 manteve o controle difuso, o qual era previsto no artigo 101,
além de retomar a representação interventiva e a possibilidade de suspensão, pelo
Senado Federal, de ato normativo declarado inconstitucional pelo STF.
É importante destacar que a Emenda Constitucional nº 16/1965 inovou o
ordenamento jurídico brasileiro ao trazer o controle abstrato de normas estaduais e
federais. Ao estudar a referida emenda, Barroso (2016) afirma que, por meio dela,
criou-se a ação genérica de inconstitucionalidade, que era prevista no artigo 101, I, k.
Assim, o Supremo Tribunal Federal passou a ter a atribuição de declarar a
inconstitucionalidade de ato normativo federal ou estadual mediante representação
proposta pelo Procurador Geral da República.
Desse modo, foi inserido, no sistema jurídico pátrio, um mecanismo similar ao
já existente nas cortes constitucionais europeias: um controle por via principal, por
meio de ação direta, em exame abstrato e concentrado (BARROSO, 2016). Ressalta-
se que o controle difuso e incidental não foi prejudicado por essa novidade, isto é,
ambas espécies de controle passaram a conviver.
Como reflexo ao que ocorria na esfera federal, a Emenda Constitucional nº
16/1965 estabeleceu a possibilidade de realização de controle de constitucionalidade
das normas municipais tendo como parâmetro as Constituições Estaduais. Segundo
o artigo 124, VIII, o órgão competente para a realização desse controle seria o Tribunal
de Justiça do respectivo Estado-membro.
Com todas essas modificações no ordenamento jurídico, a Constituição de
1946 consagrou o modelo misto de controle judicial de constitucionalidade ao mesclar
o controle difuso, o qual podia ser realizado por qualquer órgão do judiciário por meio
de casos concretos, ao controle concentrado, que era de competência do Supremo
Tribunal Federal em relação às normas federais e estaduais confrontadas em face da
Constituição Federal, ou da alçada dos Tribunais de Justiça, quando o parâmetro de
controle eram normas municipais em face das Constituições Estaduais.
Dando continuidade à linha do tempo, Barroso (2016), ao tratar da Constituição
de 1967/1969, afirma que tal Carta não inovou consideravelmente o controle de
constitucionalidade, entretanto não trouxe a previsão da ação genérica estadual.
30

Por outro lado, o Documento Maior de 1969 preconizou a ação direta estadual,
porém reduzida à hipótese de intervenção do Estado em Município. Finalmente, a
Emenda nº 7/1977 acabou com a discussão sobre o cabimento de liminar em
representação de inconstitucionalidade, estabelecendo a competência do STF para
deferi-la.
Ademais, também por meio da Emenda Constitucional nº 7/1977 foi criada a
representação para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, por
intermédio da qual o Supremo Tribunal Federal, por provocação do PGR, fixaria, com
força vinculante, a interpretação de uma determinada norma. Destaca-se que a
Constituição de 1988 eliminou do ordenamento jurídico essa representação.
Enfim, ressalta-se as principais características da Constituição Cidadã de 1988.
Tal Carta preservou o controle híbrido de controle judicial de constitucionalidade,
porém introduziu inovações.
A primeira novidade foi a dilação do número de legitimados ativos à propositura
da ADIN, a qual, anteriormente, era de impetração exclusiva do PGR. Além dessa
novidade, foi criado instrumentos de controles de constitucionalidade por omissão.
Nesse sentido, veio a representação de inconstitucionalidade, a qual está
prevista no art. 125, §2º. Por meio desse dispositivo, houve a recriação da ação direita
de inconstitucionalidade estadual, com a possibilidade de confrontar normas estaduais
ou municiais, tendo a Constituição Estadual como paradigma.
Outras inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 foram a arguição
de descumprimento de preceito fundamental, prevista no artigo 102, §1º, e a redução
do cabimento do recurso extraordinário aos temas constitucionais (art. 102, III).
Em seguida, aprovou-se a Emenda Constitucional nº 3/1992, a qual trouxe a
ação declaratória de constitucionalidade para o artigo 102, I, a, que, depois da
Emenda Constitucional nº 45/2004, teve sua legitimidade ativa estendida,
equiparando-se aos legitimados a propositura da ADIN (art. 103).
Sinteticamente, pode-se compilar o controle de constitucionalidade previsto no
sistema jurídico brasileiro a luz da Carta de 1988:
a) o controle difuso-incidental, provocado por via de exceção ou defesa, em um
caso concreto, perante qualquer juízo ou tribunal, e
b) o controle concentrado-principal, provocado por via das seguintes ações
diretas, perante o STF:
b.1) Ação direta de inconstitucionalidade – ADIN: por ação e por omissão.
b.2) Ação direta de inconstitucionalidade interventiva – ADIN Interventiva
31

b.3) Ação declaratória de constitucionalidade – ADC (ou ADECON)


b.4) Arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF
Feita essa análise histórica, é necessário abordar com maior profundidade o
tema central deste trabalho, qual seja, o controle difuso de constitucionalidade.
32

3 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Em linhas simples, o controle difuso de constitucionalidade é realizado por


qualquer juiz ou tribunal quando se analisa um caso concreto. Nesse tipo de controle,
o pedido de inconstitucionalidade da norma é feito por via incidental, isto é, o objeto
principal da ação não é a declaração de inconstitucionalidade em si, mas sim algum
bem jurídico diverso (LENZA, 2016). Assim, para que o conflito entre as partes seja
sanado, deve-se decidir, em caráter prejudicial, se há alguma regra inconstitucional
que se aplica ao caso.
Devido à sua natureza acessória, o controle difuso de constitucionalidade é
realizado nos fundamentos da sentença ou acórdão, e não na parte dispositiva da
decisão.
Esse sistema de controle faz parte do ordenamento jurídico brasileiro desde
1891. Entretanto, apesar de ser amplamente usado no sistema pátrio, ele não surgiu
no Brasil. A seguir, será analisado o nascedouro do controle difuso, sua previsão na
Constituição de 1988, a atuação do Supremo Tribunal Federal e o papel do Senado
Federal no âmbito desse controle.

3.1 ORIGEM: CASO MARBURY VS. MADISON

Conforme os ensinamentos de Vieira (1994, p. 40), as raízes do controle difuso


de constitucionalidade são encontradas na Inglaterra, por volta do século XVII, nos
embates entre o direito criado pelo parlamento e o concretamente efetivado pelos
juízes, o chamado common law.
No entanto, o controle difuso só firmou seus delineamentos finais e ganhou
visibilidade com o caso Marbury vs. Madison, o qual ocorreu em 1803, tendo como
relator o juiz John Marshall, presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos da
América. Tal juiz aplicou, ao referido caso, as ideias do jurista, escritor e parlamentar
inglês Lord Coke, que, já no século XV, defendia a supremacia da lei frente às
prerrogativas do rei e da realeza (VIEIRA, 1994, p. 40).
Na época de Lord Coke, o Colégio Real dos Médicos (College of Physicians)
tinha o poder de aplicar multas aos seus integrantes caso eles não obedecessem às
normas previstas no regimento do Colégio, o qual havia sido sancionamento pelo
parlamento inglês. Em 1610, o médico Bonham, o qual tinha sido punido com uma
33

multa de 10 libras, foi preso pelo não pagamento dessa penalidade (VIEIRA, 1994, p.
41).
Então, o referido médico ajuizou uma ação, que ficou famosa como o Caso
Bonham Nela. No julgamento dessa causa, o Lord Coke, presidente do Tribunal do
Rei, juntamente com os juízes Warburton e Daniel, não aplicaram o estatuto do
Colégio Real dos Médicos, por compreender que este dava, ao presidente do Colégio
e aos seus censores, poder de julgar em causa própria, o que não poderia ocorrer
(VIEIRA, 1994, p. 41).
Sobre essa decisão, Pound (1965, p. 52) afirma que o tribunal deu a Bonham
ganho de causa com base num princípio basilar: o estatuto do Colégio real que dava
poderes para a aplicação de multas era nulo. Isso porque ninguém pode ser juiz e
parte na mesma causa, o que violava o direito comum e à razão natural.
Ainda segundo Pound (1965, p. 52), o Colégio Real não deveria ser o juiz, emitir
o veredicto, emitir ordem de prisão ao réu e, além disso, ter parte na multa. Nesse
sentido, Pound diz que se qualquer ato parlamentar desse a alguém o poder de julgar
qualquer tema que lhe forem apresentadas dentro dos seus domínios, não poderá
resolver e decidir sobre nada.
Viera (1994, p. 42-45), ao comentar os fundamentos da decisão do caso
Bonham Nela, expõe que Lord Coke, em uma passagem do seu julgamento,
respaldou a sua doutrina do controle dos atos do parlamento em função do commom
law. Nesse sentido, Lord Coke afirmou que, em diversos casos, o common law
fiscaliza a conformidade dos atos parlamentares com o direito comum e à razão.
Assim, quando um ato do parlamento lhe são contrários, ele deve ser prontamente
cancelado.
Ao passo que, na Inglaterra, o poder do parlamento aumentou com a Revolução
Gloriosa (1688 a 1689), a doutrina de Coke, também chamada de judicial review,
ganhou força e notoriedade nos tribunais norte-americanos, visto que tal doutrina foi
considerada como uma forma de oposição à metrópole inglesa (POUND, 1965, p. 52).
Nessa esteira, logo em seguida veio a Revolução Americana, que fixou o
judicial review na Constituição dos Estados Unidos da América de 1787. Em seu art.
VI, cláusula 2, a Carta Superior consagrou a ideia de uma constituição em um patamar
superior em relação a todo o sistema jurídico.
Após essas considerações, retomando a origem do direito difuso, o caso
Marbury vs. Madison é famoso por ter sido a primeira ação judicial em que um tribunal
obstou a aplicação de uma norma por reputá-la inconstitucional, de modo que é
34

concebido como o nascedouro do controle difuso de constitucionalidade. A contar


desse caso, os julgadores norte-americanos passaram a analisar a
constitucionalidade das leis no momento da análise dos cacos concretos.
Em verdade, a disputa entre Marbury vs. Madison ocorreu devido à mudança
do Presidente dos Estados Unidos da América, a qual ocorreu nas eleições de 1800.
Swisher (1962) esclarece que o Presidente John Adams, pertencente ao Partido
Federalista, perdeu as eleições para Thomas Jefferson, filiado ao Partido
Republicado. Além disso, Adams não foi capaz de eleger muitos membros nos
Poderes Legislativo e Executivo. Por isso, no termo de seu mandato, Adams nomeou
partidários para vários cargos públicos, até mesmo para o Poder Judiciário.
Dentre todas as nomeações, havia a de John Marshall, Secretário de Estado
de Adams, para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Quando atuava como
Secretário, Marshall era o responsável por entregar os títulos de nomeação emitidos
pelo Presidente a todos os designados nas nomeações. Tendo em vista a quantidade
de afazeres, foi inviável para William Marbury, nomeado para Juiz de Paz no Condado
de Washington, obtivesse o seu documento no prazo (SWISHER, 1962).
Assim sendo, ao se tornar Presidente, Thomas Jefferson determinou ao seu
secretário, James Madison, a suspensão da entrega de todos os títulos de
nomeações, do governo passado, que ainda estivessem pendentes, o que impediu
Marbury de se tornar Juiz de Paz (SWISHER, 1962).
Marbury, insatisfeito com a situação, impetrou uma ação judicial contra
Mandison solicitando informações, e não obteve respostas. Na sequência, acionou
diretamente a Suprema Corte, posto que, conforme a Lei Judiciária da época, esse
tipo de ação era de sua competência. A referida ação tardou dois anos para ser
julgada, de modo que a morosidade da Corte teve extensa repercussão (SWISHER,
1962).
O ex-secretário de Estado de John Adms, John Marshall, que, naquela época,
era Presidente da Suprema corte e relator da ação, mesmo com a existência de
conflito de interesses, proferiu a decisão do caso.
Nesse sentido, o Juiz Marshall decidiu pelo direito à nomeação de Marbury,
entretanto afirmou que a Corte Suprema não possuía competência para julgar a ação,
posto que as atribuições da Corte haviam sido estabelecidas pela Carta Maior em rol
taxativo e a lei infraconstiticuional não poderia ampliá-las. Com essa decisão, o juiz
Marshall não aplicou o artigo 13 da Lei Judiciária de 1789 por considera-la
inconstitucional (SWISHER, 1962).
35

Sobre o controle difuso de constitucionalidade aplicado ao caso em análise,


Barroso (2016) afirma que, ao apresentar os motivos de sua decisão, o Juiz Marshall
elencou os três fundamentos que legitimam o controle judicial de constitucionalidade.
Inicialmente, enunciou a Supremacia da Constituição, ao determinar que a ela é a lei
basilar da nação. Em seguida, anunciou a nulidade da lei que contrarie à Constituição,
ao defender que um ato do Poder Legislativo em oposição à Constituição é nulo. E,
finalmente, o aspecto mais relevante de sua decisão, ao defender que o intérprete da
Carta Maior é o Poder Judiciário. Nesse sentido, se alguma lei estiver em conflito com
a Constituição, cabe à Corte estabelecer quais dessas normas irão reger o caso em
análise. E se a Constituição é superior a qualquer ato ordinário oriundo do Poder
Legislativo, a Constituição, e não o ato ordinário, deverá ser aplicado ao caso.
De acordo com Cunha Júnior (2016), a decisão do Juiz Marshall demonstrou
que a interpretação das leis deve ser realizada em consonância com à Carta Suprema,
podendo a Corte resolver sobre a aplicação de normas contrárias à Constituição.
Dessa forma, após explanar a origem do controle difuso de constitucionalidade,
no tópico seguinte será analisado como o mencionado controle é regulamentado no
ordenamento jurídico brasileiro atual.

3.2 O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO


JURÍDICO PÁTRIO ATUAL

O controle difuso de constitucionalidade, também denominado de controle


concreto, incidental, por via de defesa, por via de exceção, incidenter tantum ou
sistema americano, de acordo com o que já foi apontado, nasceu com o caso Marbury
vs. Madison, julgado em 1803.
Sendo oriundo da jurisprudência norte-americana, o controle difuso de
constitucionalidade foi adotado, no ordenamento jurídico pátrio, com a Constituição
de 1891, sendo mantido nas Constituições que seguintes.
O controle concreto deriva do exame de um caso concreto, em que o julgador
analisará a questão da inconstitucionalidade de uma lei, em caráter incidental, com o
objetivo de obstar a sua incidência no conflito (LENZA, 2016).
No controle por via de exceção, o ponto que envolve a discussão acerca da
constitucionalidade na norma aplicável ao caso deve ser decidido antes mesmo do
julgamento do pedido principal. Isso porque a questão constitucional é considerada
36

como prejudicial, diversamente do que acontece no controle abstrato, em que a


análise constitucional é o objetivo principal da ação (LENZA, 2016).
No início, a arguição de inconstitucionalidade incidental era entendida como
uma alegação trazida pelo réu, como argumento para sua defesa, objetivando se
libertar do cumprimento de uma lei, a qual seria inconstitucional. Por causa disso a
denominação: controle realizado por via de defesa ou por via de exceção.
Assim, o indivíduo, ao invés de enfrentar o ato diretamente, esperava que o
autor acionasse o Poder Judiciário para exigir o cumprimento da lei, para,
prontamente, arguir a inconstitucionalidade da lei em sua defesa e solicitar ao julgar
que não a aplicasse no caso sob análise.
De acordo com Cunha Júnior (2016), não importa se essa defesa é feita de
forma passiva, isto é, pelo interessado no polo passivo de uma determinada demanda
contra ele intentada, ou se ela ocorra numa ação interposta pelo próprio interessado,
no polo ativo, atacando, desde então, o ato violador do seu direito, já realizado ou
ameaçado de realização, com fundamento em lei ou ato normativo inconstitucional.
Complementando essa ideia, Barroso (2016) defende que, além do réu, o autor
também pode pleitear, em seu pedido inicial ou mesmo posteriormente, a declaração
incidental de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, a fim de que não
necessite se submeter a seus efeitos. Devido ao aumento das ações constitucionais
e dos instrumentos de tutela preventiva, esta tem se tornando a hipótese que mais
ocorre. Da mesma forma, pode alegar a inconstitucionalidade o Ministério Público,
atuando como parte ou custos legis, bem como terceiros intervenientes.
Ainda sobre os legitimados a provocar a declaração de inconstitucionalidade,
ressalta-se a atuação de ofício pelo juiz ou tribunal. Em outras palavras, ainda que as
partes não tratem sobre a inconstitucionalidade da norma aplicável ao caso, o julgador
tem competência para, em primeiro e segundo grau de jurisdição, alegar, de ofício, tal
inconstitucionalidade (LENZA, 2016).
Entretanto, vale salientar que, em sede de recurso extraordinário, há uma
peculiaridade, visto que, ante a inexistência de prequestionamento e de arguição, por
parte do recorrente, sobre a inconstitucionalidade da norma, a declaração de
incompatibilidade da norma com a Carta Maior, de oficio pelo magistrado, deve ser
vista com cautela5.

5
Vide o RE 117.805-PR.
37

Cabe, ainda, mencionar que não existem limites quanto à provocação da


jurisdição constitucional incidental. Isto é, o controle concreto pode ser efetuado em
qualquer ação desde que já exista, ou possa eventualmente existir, um conflito e, para
a sua pacificação, seja necessário a análise da constitucionalidade da lei, pouco
importando a forma processual utilizada.
Nesse sentido, se existir um conflito de interesses, de qualquer natureza (seja
cível, constitucional, eleitoral, trabalhista etc.), não interessa o tipo de procedimento,
as partes podem alegar o exame incidental da constitucionalidade de um ato
normativo que repute incompatível com a Constituição e que afete o direito subjetivo
debatido na demanda (BARROSO, 2016).
No entanto, há alguns anos, existia uma discussão acerca da possibilidade de
acionar o Judiciário via ação civil pública para discutir a inconstitucionalidade de
normas pela via difusa. Isso porque tal ação tem caráter coletivo, gerando efeitos para
além das partes do processo (erga omnes). Assim sendo, cogitou-se que poderia
haver, nessa hipótese, um controle jurisdicional em abstrato disfarçado de controle
concreto, em que o primeiro, como já foi explicado anteriormente, é da competência
exclusiva do Supremo Tribunal Federal.
De qualquer forma, Barroso (2016) afirma que esse debate já foi superado,
predominando a concepção de que é possível o controle incidental de
constitucionalidade por meio da ação civil pública, desde que o objeto da demanda
seja a tutela de uma pretensão concreta, e não a declaração abstrata de
inconstitucionalidade de uma norma.
Em outras palavras, o que o citado autor quis afirmar é que o controle difuso é
admitido na ação civil pública contanto que a discussão sobre a constitucionalidade
da norma seja questão prejudicial em relação ao objeto principal da lide. Isso significa
dizer que o foco da ação não pode ser a declaração de inconstitucionalidade de uma
lei, mas sim solução de um caso em que tal ato normativo incida.
Diversamente do que ocorre no controle abstrato, o qual é de competência do
Supremo Tribunal Federal, o controle concreto é realizado por qualquer órgão do
poder Judiciário, o que possibilita a análise de leis federais, estaduais ou municipais,
e, até mesmo, aquelas anteriores à Constituição, ainda que sejam atos normativos
secundários.
Nesse sentido, a declaração de incompatibilidade de uma norma à
Constituição, obstando sua aplicação ao caso concreto, é efetuada com maior
simplicidade pelo juiz singular. Assim, o juiz monocrático tem a autonomia para decidir,
38

na lide sob sua análise, a constitucionalidade de uma lei quando confrontada com a
Carta Maior.
O controle difuso também é efetuado pelos tribunais, porém, com algumas
peculiaridades. Isso porque, para que realizar tal controle, é necessário que os
tribunais obedeçam ao princípio da reserva de plenário, previsto no artigo 97 da
Constituição Federal de 1988, bem como nos artigos 948 a 950 do Código de
Processo Civil de 2015.
O referido princípio determina que os tribunais apenas poderão declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público pelo voto da maioria
absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, caso exista.
Em outras palavras, nos mencionados órgãos, a inconstitucionalidade de uma norma
só poderá ser declarada pelo pleno ou pelo órgão especial, por meio de um quórum
qualificado.
Assim, em sentido diverso, se o órgão fracionário reconhecer a
constitucionalidade da norma impugnada, não precisará observar o princípio da
reserva de plenário.
Ainda sobre a aplicação do artigo 97 da Constituição, Barroso (2016) defende
que sempre que o órgão julgador deixar de aplicar uma norma por entende-la
inconstitucional, estará proferindo uma declaração de inconstitucionalidade, mesmo
que o faça de força implícita e sem arguição expressa.
Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.10,
a qual preceitua que “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão
de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência,
no todo ou em parte”.
Ainda sobre a referida cláusula, é importante saber como ocorre a sua
aplicação. Como dito anteriormente, ela é regulada pelos artigos 948 a 950 do
CPC/2015. Conforme tais dispositivos, observa-se que o controle concreto se dá em
duas fases: a primeira ocorre no diante do órgão fracionário e a segunda diante do
plenário ou órgão especial (DIDIER JÚNIOR, 2017).
Desse modo, alegada a inconstitucionalidade, o relator, após ouvir o
representante do Ministério Público, levará a questão à câmara ou turma para que
tenha conhecimento da lide. Se a arguição for rejeitada, o processo seguirá
normalmente para julgamento. De outro lado, se a alegação for acatada, isto é, se o
órgão fracionário entender que a lei é inconstitucional, será lavrado o acórdão. Tal
39

decisão não é suficiente para afastar a aplicação da lei ao caso concreto. Assim, dar-
se início a segunda etapa, em que a questão constitucional será levada ao plenário
do tribunal ou, onde houver, ao órgão especial para que seja decidida por maioria
absoluta (DIDIER JÚNIOR, 2017).
Depois de analisar a arguição de inconstitucionalidade, o julgamento pelo órgão
fracionário deverá ser retomado. Tal órgão deverá seguir o que o pleno ou órgão
especial decidira acerca da questão constitucional. Assim sendo, se for decidida pela
constitucionalidade da norma, ela deverá ser aplicada ao caso. Por outro lado, ela não
irá incidir se for considerada inconstitucional (DIDIER JÚNIOR, 2017).
Segundo os ensinamentos de Cunha Júnior (2016, p. 150-151), ocorre uma
divisão de competências entre o pleno (ou órgão especial) e o órgão fracionário,
cabendo ao primeiro a atribuição para dirimir sobre a inconstitucionalidade da norma
e ao segundo decidir, respeitando o que houver deliberado o pleno, sobre a lide. A
decisão do pleno que delibera sobre a inconstitucionalidade é irrecorrível.
Entretanto, é importante ressaltar que, apesar de não caber recurso da decisão
do pleno (ou do órgão especial), caberá a impugnação da questão constitucional no
momento da interposição do curso cabível contra o acórdão do órgão fracionário, que
julgar o caso em definitivo.
Ademais, adotando o mesmo modelo aplicado ao controle concentrado, o
Código de Processo Civil, em seu artigo 950, §1º ao 3º, permite que, no incidente de
inconstitucionalidade levado ao plenário (ou órgão especial), o pronunciamento do
representante do Ministério Público, dos legitimados à propositura da ação prevista
no artigo 103 da CF/1988, das pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela
edição do ato questionado ou de outra entidades (como amicus curiae), sempre
obedecendo os prazos e demais requisitos fixados pelo regimento interno do tribunal
(DIDIER JÚNIOR, 2017).
Tem-se, dessa forma, a possibilidade de uma verdadeira abertura do controle
de constitucionalidade concreto, o qual passa a ter uma organização simular à dos
processos de natureza objetiva (ADIN, ADC e ADPF) (MENDES; BRANCO, 2016).
Ainda conforme o CPC/2015, a cláusula da reserva de plenário não será
observada pelo órgão fracionário se já houver entendimento firmado pelo pleno do
tribunal, de seu órgão especial ou do próprio STF, acerca da questão constitucional.
Essa mitigação do princípio da reserva de plenário tem por objetivo consagrar a
economia processual, a celeridade, a segurança jurídica e a racionalização da
prestação jurisdicional (DIDIER JÚNIOR, 2017).
40

Seria desnecessário obrigar o órgão fracionário submeter a controvérsia


constitucional ao pleno ou órgão especial se já existir entendimento firmados dos
mencionados órgãos, posto que, ou o pleno abonaria a decisão do Supremo Tribunal
Federal e, dessa feita, o incidente seria apenas uma mera formalidade, totalmente
dispensável; ou seria decidido em sentido diverso e, nesse caso, surgiria um confronto
desnecessário, que obrigaria o vencido a recorrer ao STF, onde, inevitavelmente, o
recurso seria provido (ZAVASCKI, 2001, p. 36).
Assim sendo, como já se sabe qual o desfecho da arguição de
inconstitucionalidade, torna-se desnecessária a incidência da cláusula da reserva de
plenário, desde que o órgão fracionário obedeça ao entendimento já consolidado pelo
tribunal ou pelo STF.
Estudados esses temas, no próximo tópico será abordado como o controle
difuso é exercido pela Suprema Corte brasileira.

3.3 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O CONTROLE DIFUSO DE


CONSITUCIONALIDADE

O Supremo Tribunal Federal, apesar de ter a atribuição de realizar o controle


abstrato das normas e atos normativos, também tem a competência de exercer o
controle concreto, assim como todos os demais órgãos do Poder Judiciário, que
possuem poder jurisdicional.
Entretanto, constata-se que o controle difuso realizado pela Corte Suprema
possui peculiaridades, as quais não se aplicam aos demais órgãos do Judiciário. A
título de exemplo, cita-se o já estudado princípio da reserva de plenário. Como
observa Barroso (2016):
O incidente de constitucionalidade perante a Corte, no entanto, não segue o
procedimento do CPC, mas sim o do Regimento Interno do STF (arts. 176 a
178). A submissão da arguição de inconstitucionalidade ao plenário, a ser
feita por qualquer das duas turmas, independe de acórdão, devendo apenas
ser previamente ouvido o Procurador-Geral da República. Após decidir a
prejudicial de inconstitucionalidade, o plenário julgará diretamente a causa,
sem devolvê-la ao órgão fracionário, como ocorre nos demais tribunais.
Declarada incidentalmente a inconstitucionalidade, com o quorum
constitucional de maioria absoluta, far-se-á a comunicação à autoridade ou
órgão interessado e, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para
os fins do art. 52, X.

Em verdade, a Corte Suprema tem competência para realizar a fiscalização de


leis e atos normativos, de forma concreta, em processos de sua competência
41

originária, no julgamento de recursos ordinário e em sede de recurso extraordinário


(art. 102, I, II, III, CF/88, respectivamente). Observa-se que o STF realiza o controle
difuso com mais frequência no julgamento de recursos extraordinário. Por essa razão,
convém analisá-los de forma minuciosa.
De acordo com o que preceitua o art. 102, III, da CF/88, o recurso extraordinário
será cabível nas lides decididas em única ou última instância quando a decisão
recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade
de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face
da Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Nesse sentido, verifica-se que, para que o recurso extraordinário seja admitido,
além de observar as hipóteses das alíneas acima mencionadas, exige-se o
preenchimento de outro requisito, denominado de repercussão geral. Tal requisito
adicional para a admissibilidade do recurso foi inserido na Constituição pela Emenda
Constitucional n. 45/2004.
Assim, de acordo com o art. 102, §3º, da CF/88, no recurso extraordinário, o
recorrente deve demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais
discutidas na lei, objetivando que o Tribunal avalie a admissão do recurso, somente
podendo recusá-lo pelo voto qualificado de dois terços de seus membros.
O CPC/2015 regulamenta o instituto da repercussão geral da seguinte forma:

Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não


conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele
versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não


de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou
jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

§ 2o O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para


apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal.

§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que:


I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal;

II - tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos;

II – (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)

III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal,


nos termos do art. 97 da Constituição Federal.

§ 4o O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a


manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
42

§ 5o Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal


determinará a suspensão do processamento de todos os processos
pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem
no território nacional.

§ 6o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do


tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o
recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o
recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse
requerimento.

§ 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º ou que aplicar


entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de
recursos repetitivos caberá agravo interno. (Redação dada pela Lei nº 13.256,
de 2016) (Vigência)

§ 8o Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do


tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários
sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica.

§ 9o O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado


no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados
os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 10. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)

§ 11. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que


será publicada no diário oficial e valerá como acórdão.

Constata-se que os dispositivos são autoexplicativos, não carecendo de


maiores detalhamentos.
A exigência da repercussão geral passou a existir com o objetivo de
racionalizar, organizar e diminuir a grande quantidade de processos que chegam
todos os dias à Suprema Corte. Nas palavras de Gilmar Mendes e Paulo Branco
(2016), o requisito da repercussão geral foi uma tentativa de melhorar a atuação do
STF, com o propósito de que o Tribunal foque sua ação nos temas de grande
relevância social.
A esse respeito da objetivação do recurso extraordinário, complementa o
CPC/2015:
Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou
especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação
para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado
o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do
Superior Tribunal de Justiça.

§ 1o O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal


regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da
controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao
Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão
do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que
tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
43

§ 2o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que


exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o
recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o
recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse
requerimento.

§ 3º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 2º caberá apenas


agravo interno. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)

§ 4o A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça


ou do tribunal regional federal não vinculará o relator no tribunal superior, que
poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia.

§ 5o O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais


recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de
direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente
do tribunal de origem.

§ 6o Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham


abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior,


constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá
decisão de afetação, na qual:

I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento;

II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos


pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem
no território nacional;

III - poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-presidentes dos tribunais


de justiça ou dos tribunais regionais federais a remessa de um recurso
representativo da controvérsia.

Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão


prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os
decidirão aplicando a tese firmada.

Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:

I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento


aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o
acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;

II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o


processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso
anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do
tribunal superior;

III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição


retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal
superior;

IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço


público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do
julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora
competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes
sujeitos a regulação, da tese adotada.
44

Para o presente trabalho monográfico, ressalta-se o disposto nos arts. 1039 e


1040 supra, os quais destacam a vinculação das instâncias inferiores em relação à
decisão emanada pela Corte Suprema em sede de recurso extraordinário.
É precisamente por essa razão que a exigência da repercussão geral pode ser
compreendida como um meio que também pretende maximizar a objetivação do
controle difuso de constitucionalidade, acarretando com que a decisão emanada em
sede de recurso extraordinário extrapole os autos, afetando outras lides que tenha
objeto semelhante.
Estudadas essas questões, é importante destacar os efeitos da decisão
proferida em sede de controle difuso, assim como o papel do Senado Federal no
referido controle. Dada a relevância da temática, tais assuntos serão abordados em
tópicos próprios.

3.4 OS EFEITOS DAS DECISÕES EM CONTROLE INCIDENTAL DE


CONSTITUCIONALIDADE E O PAPEL DO SENADO FEDERAL

Sobre os efeitos das decisões em sede de controle incidental de


constitucionalidade, entende-se que toda lei que seja contrária à Constituição é
absolutamente nula, e não somente anulável. A inconstitucionalidade afeta a norma
desde o seu nascedouro, fazendo com que ela não tenha nenhum momento de
validade (MEDEIROS, 1999).
Em outras palavras, quando a nulidade de uma lei é anunciada, dada a sua
contrariedade frente às normas constitucionais, tal decisão possui efeito ex tunc, isto
é, eficácia retroativa. Esse pensamento é aplicável ao controle abstrato e para o
controle concreto de constitucionalidade das normas. Com ainda mais pertinência,
aplica-se ao segundo modelo, posto que é inspirado no sistema norte-americano,
antecessor da teoria da nulidade da norma decretada inconstitucional.
Dessa forma, ao aplicar a teoria da nulidade ao controle difuso, sabe-se que o
julgador, ao decidir o caso sob sua análise, deverá dar à sua decisão efeitos
retroativos, visto que a norma inconstitucional não gera direitos e obrigações exigíveis.
Apesar disso, a aplicação dessa teoria no controle incidental não é absoluta.
Conforme as lições de Barroso (2016):
45

O Supremo Tribunal Federal tem precedentes, alguns relativamente antigos,


nos quais, em controle incidental, deixou de dar efeitos retroativos à decisão
de inconstitucionalidade, como consequência da ponderação com outros
valores e bens jurídicos que seriam afetados. Nos últimos anos,
multiplicaram-se estes casos de modulação dos efeitos temporais, por vezes
com a invocação analógica do art. 27 da Lei n. 9.868/99 e outras vezes sem
referência a ele. Aliás, a rigor técnico, a possibilidade de ponderar valores e
bens jurídicos constitucionais não depende de previsão legal.

Além disso, tendo em consideração que o controle difuso é realizado pelo juiz
ou tribunal no desempenho da função jurisdicional, quando a decisão que resolve a
lide transita em julgado, sua eficácia se limita às partes envolvidas na controvérsia,
não afetando terceiros.
Inclusive, tal entendimento está consagrado no art. 502 do CPC/2015, o qual
preceitua que a decisão que resolve pela inconstitucionalidade da norma por meio do
controle difuso de constitucionalidade faz coisa julgada apenas às partes entre as
quais é dada, não prejudicando terceiros.
Nesse sentido, apesar de ter sido declarada inconstitucional em relação às
partes de determinado caso, a lei impugnada ainda vigorará e continuará a produzir
seus efeitos em outros casos, a menos que, da mesma forma, acione-se o Judiciário
em busca de idêntico pronunciamento (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 153).
Na prática, o controle difuso pode proporcionar a existência de normas
constitucionais para uns e inconstitucionais para outros, o que gera insegurança
jurídica e desconfiança perante o Judiciário.
Somando-se a isso, dada a amplitude do controle incidental que, de acordo
com o que já foi explanado, pode ser realizado por qualquer juiz, invariavelmente há
o risco de existir julgamentos conflitantes sobre a mesma norma, ora deliberando
sobre sua constitucionalidade, ora decretando sua incompatibilidade com a Carta
Maior, em lides muito semelhantes.
No ordenamento jurídico norte-americano, esses conflitos eram solucionados
por meio da doutrina do stare decisis, a qual, conforme explicado em linhas simples
anteriormente, determinava que todas as decisões da Corte Suprema, em matéria
constitucional, deveriam possuir eficácia contra todos. Dessa forma, a decisão da
Corte, mesmo que exarada por via incidental, criava uma jurisprudência que vinculava
todos os órgãos do Poder Judiciário, e não apenas as partes (CAPPELLETTI, 1984).
No Brasil, entretanto, a teoria do stare decisis não é aplicada. Apesar de ter se
inspirado no sistema norte-americano, o ordenamento jurídico pátrio sempre teve mais
46

influência do civil law, o que lhe distancia da valorização dos procedente judiciais,
como ocorria nos Estados Unidos.
Destarte, sem a aplicação do stare decisis, o Brasil teve que criar o seu próprio
instrumento para dar força vinculante às decisões proferidas por meio do controle
difuso de constitucionalidade, com o objetivo de evitar os problemas anteriormente
mencionados.
Dessa maneira, conferiu-se ao Senado Federal a atribuição para suspender a
execução de lei ou ato normativo, que fossem declarados inconstitucionais pelo Poder
Judiciário. Conforme analisado no tópico sobre a evolução do controle de
constitucionalidade no Brasil, essa previsão surgiu pela primeira vez na Constituição
de 1934, sendo mantida, com algumas alterações, nas constituições seguintes,
excetuada a de 1937, pelos motivos analisados no tópico mencionado.
Antes de seguir com a explicação, é importante mencionar as razões pelas
quais a Constituição de 1934 deu, ao Senado Federal, competência de conceder
eficácia contra todas às decisões de constitucionalidade proferidas de forma
incidental.
Naquela época, o constituinte de 1934 já demonstrava aflição em relação aos
problemas gerados pelo sistema de controle de constitucionalidade pátrio,
especialmente devido à eficácia limitada dos julgamentos proferidos pelos órgãos
judicantes (ALENCAR, 1978).
Buscando solucionar essa questão, o Deputado Nilo de Alvarenga propôs uma
emenda que objetivava criar um tribunal constitucional, ao qual caberia atuar conforme
o modelo austríaco delineado por Hans Kelsen. De acordo com Alvarenga, a formação
desse tribunal especial era justificada pelo temor que havia na época de dar ao Poder
Judiciário a possibilidade de decretar a nulidade de normas com eficácia contra todas.
Nas palavras de Alencar (1978, p. 237-248), temia-se que, se isso acontecesse, estar-
se-ia implantando uma “ditadura judiciária” no Brasil.
A despeito de fazer parte da história constituinte do país, a proposta do
Deputado Alvarenga cedeu à força do controle difuso, que já estava implantado no
ordenamento há mais de 40 anos, e, consequentemente, foi rechaçada pelos demais
componentes da assembleia constituinte da época (ALENCAR, 1978, p. 252).
Uma vez que a formação de uma corte constitucional fora rejeitada, os
legisladores constituintes decidiram dar ao Senado Federal a atribuição de suspender
a eficácia das normas declaradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário. O Senado
foi escolhido para exercer tal papel, posto que, naquele período, conforme o art. 98
47

da Constituição de 1934, era ele o órgão que realiza a coordenação entre os poderes
da república (ALENCAR, 1978, p. 262-263).
Apesar dessa função de coordenação não ter perdurado nas Constituições que
se seguiram, permaneceu sendo do Senado Federal a função de suspender a
execução de normas declaradas inconstitucionais pelo Judiciário.
Advinda dessa inferência, na atualidade, a Constituição Cidadã de 1988
estabelece, no art. 52, X, a competência privativa do Senado Federal para suspender
a execução, no todo ou em parte, de ato normativo declarado inconstitucional por
decisão definitiva da Suprema Corte.
Por muito tempo, debateu-se sobre esse papel realizado pelo Senado Federal,
o que fez com que a jurisprudência e a doutrina chegassem à algumas conclusões.
Incialmente, avaliou-se o propósito do Senado em praticar um ato suspensivo
quando uma lei (ou ato normativo) fosse declarada inconstitucional por decisão
definitiva da Suprema Corte brasileira. Em outras palavras, indagou-se para que serve
esse ato suspensivo, o qual, atualmente, é executado por meio de uma resolução.
Ao buscar respostas, constatou-se que a finalidade desse ato é atribuir eficácia
erga omnes à decisão definitiva exarada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual
proclama a inconstitucionalidade de uma norma, que, antes do ato do Senado, possui
apenas efeitos inter partes, visto que fora proferida em sede de controle incidental de
constitucionalidade (BARROSO, 2016).
Em seguida, buscou-se estabelecer a quem competia comunicar o Senado
Federal sobre a decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle
difuso. Apesar de não existir previsão expressa na Carta Maior, compreende-se que
compete ao próprio Supremo, quando a decisão transitar em julgado, informar ao
Senado a respeito da sua decisão. Tal competência está prevista no artigo 178 do
Regimento Interno da Corte Suprema.
Todavia, é importante destacar que, de acordo com entendimento de vários
doutrinadores, a referida comunicação também poderá ser realizada pelo Procurador
Geral da República, a quem, inclusive, cabia exercer essa função na época da
vigência da Constituição de 1934, de acordo com seu artigo 96, o qual dispõe:

Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei


ou ato governamental, o Procurado Geral da República comunicará a decisão
ao Senado Federal para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade
legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei ou o ato.
48

Além disso, autoriza-se que o próprio Senado Federal pode, depois de ter
conhecimento da decisão do Supremo, iniciar, de ofício, ao procedimento objetivando
suspender a execução da lei (ou ato normativo) declarada inconstitucional, conforme
previsto nos artigos 286 a 388 de seu regimento interno, os quais preceituam o que
se segue:

Art. 386. O Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva


pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade total ou parcial de lei
mediante:
I - comunicação do Presidente do Tribunal;
II - representação do Procurador-Geral da República;
III - projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania.

Art. 387. A comunicação, a representação e o projeto a que se refere o art.


386 deverão ser instruídos com o texto da lei cuja execução se deva
suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do
Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do
julgamento.

Art. 388. Lida em plenário, a comunicação ou representação será


encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que
formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou
em parte

Ainda, avaliou-se sobre os limites da competência do Senado Federal, se ela


se restringiria à declaração de inconstitucionalidade decorrente do controle difuso
exercido pelo Supremo, ou se também abarcaria as decisões proferidas em controle
abstrato.
Sobre esse tema, Cunha Júnior (2016) esclarece que apesar da existência de
discordâncias no passado, hoje em dia não há mais dúvidas de que a competência do
Senado Federal se limita ao controle difuso, visto que a decisão do Supremo Tribunal
em controle abstrato já produz, direta e imediatamente, efeitos erga omnes.
Na sequência, questionou-se se o Senado ficaria limitado apenas a suspensão
da execução da lei e, mais ainda, se a suspensão poderia abarcar atos normativos
estaduais e municipais. Sobre essa questão, Barroso (2016) afirma que:

A despeito da dicção restritiva do art. 52, X, que se refere apenas à lei


declarada inconstitucional, a interpretação dada ao dispositivo tem sido
extensiva, para incluir todos os atos normativos de quaisquer dos três níveis
de poder, vale dizer, o Senado também suspende atos estaduais e
municipais.

Vale destacar que a Constituição Federal não estabelece um prazo para que o
Senado suspenda a execução da norma declarada inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal. Por essa razão, surgiu a discussão sobre a obrigatoriedade da
49

suspensão, em outras palavras, se o Senado é vinculado ou não a exercer essa sua


atribuição.
Conforme as lições de Barroso (2016), o Senado possui discricionariedade na
sua atuação, ou seja, suspender ou não o a lei declarada inconstitucional pelo
Supremo está sujeita ao juízo de conveniência e oportunidade da mencionada casa
legislativa. Em outras palavras, o Senado não é obrigado a editar a resolução
suspensiva. De acordo a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuida-
se de um ato político, não submetido a prazo.
Apesar do entendimento consolidado pela Suprema Corte, Cunha Júnior (2016)
destaca que existem posicionamentos contrários na doutrina. Nessa linha, o
mencionado autor defende que a competência do Senado é, em verdade, vinculada,
posto que essa atribuição reflete o dever jurídico-constitucional de suspender a
execução da norma declarada inconstitucional por decisão do STF transitada em
julgado. Cunha Júnior (2016) aponta ainda que:

Não podemos olvidar as razões que ensejaram o Constituinte de 1934 e os


Constituintes de 46, 67 (inclusive da Emenda n° 01/69) e de 88 a instituírem
essa atribuição do Senado, com vistas a prevenir a pletora de ações judiciais
e a possibilidade de existirem decisões judiciais conflitantes, com o
consequente e lamentável estado de insegurança jurídica. De modo que,
entender como discricionária ou facultativa essa atribuição, é desconsiderar
tais razões, com o reconhecimento de que o Senado pode, ao seu mero
talante, decidir se confere efeitos gerais a uma decisão inter partes do
Supremo Tribunal, evitando todos aqueles inconvenientes, ou se não os
confere, deixando abertas as vias geradoras da incerteza do direito. Ademais,
aceitar a liberdade do Senado para suspender, ou não, a execução de ato
declarado inconstitucional pelo STF consiste em admitir que uma
consideração exclusivamente política sobrepõe-se a um exame jurídico
acerca da inconstitucionalidade.

Outro assunto bastante discutido diz respeito aos efeitos da resolução exarada
pelo Senado, se seriam ex tunc ou ex nunc. Mais uma vez, para elucidar essa questão,
vale mencionar os ensinamentos de Cunha Júnior (2016). De acordo com o autor, não
existe entendimento pacífico e firmado pela doutrina. Ora alguns defendem que os
efeitos são ex tunc, ora outras afirmam que são ex nunc.
No entanto, Cunha Júnior (2016) ressalta que o Supremo Tribunal Federal já
decidiu que a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional torna sem
efeito todos os atos realizados sob o império da referida lei. Em outras palavras, cabe
ao Senado Federal dar eficácia erga omnes à decisão definitiva do STF, a qual fica,
desse modo, valendo para todos, com efeito ex tunc, como se a lei jamais houvesse
produzido efeitos no ordenamento jurídico.
50

Por fim, é importante explorar a proporção da deliberação do Senado. De


acordo com a Constituição Federal, o referido órgão tem atribuição para suspender a
execução, no todo ou em parte, da norma declarada inconstitucional por decisão
definitiva da Corte Suprema. Explicando esse dispositivo, Clève (2000, p. 121) afirma
que o Senado deve suspender a parte que foi declarada inconstitucional, ou o todo
que o foi. O autor acrescenta, ainda, que, a casa legislativa não deve suspender o
todo porque uma apenas uma parte foi declarada inconstitucional.
Em outras palavras, o Senado deve seguir exatamente aquilo que foi definido
na decisão da Corte Suprema. Mesmo que fique aquém do que foi decidido pelo STF,
o Senado não poderá ir além, suspendendo a execução de norma que não fora
declarada inconstitucional em sede de controle difuso de constitucionalidade.
Dessa forma, foram abordados os principais prontos sobre o artigo 52, X, da
CF/1988, que trata sobre a competência do Senado Federal para suspender a
execução de uma norma declarada inconstitucional pela Corte Suprema em controle
incidental de constitucionalidade.
Entretanto, para completar este trabalho monográfico, é necessário tratar sobre
teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Por ser um dos
temas mais importantes deste estudo, tal teoria será analisada em capítulo próprio.
51

4 ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Cravadas as bases nos capítulos anteriores, agora, no quarto e último capítulo


deste estudo, serão respondidas as indagações feitas na introdução, quais sejam: é
possível que seja conferido efeito erga omnes às decisões definitivas emanadas do
Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade, sem que elas
sejam submetidas ao Senado Federal, conforme prevê o artigo 52, X, da Constituição
Federal? Ou, em outros termos, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da
abstrativização do controle incidental?
Visando solucionar essas perguntas, primeiramente, será abordado o
fenômeno da mutação constitucional, apontando como a Suprema Corte entende o
tema. Logo em seguida, analisar-se-á quais as modalidades possíveis de mutação e
se alguma delas é aplicada no ordenamento jurídico pátrio. No final, serão estudadas
as consequências jurídicas da adoção da referida teoria.

4.1 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Primeiramente, antes de abordar sobre a mutação constitucional de forma


específica, Barroso (2015) explica que as Constituições são elaboradas para
perdurarem no tempo, ou, em outras palavras, elas são feitas para protraírem.
Isso ocorre porque quando alguns temas são abordados diretamente na
Constituição, na maioria dos casos, eles não podem mais ser alterados pelo legislador
ordinário. Nessa esteira, as Constituições trazem disposições, as quais, por sua
importância e transcendência, são elaboradas para perdurarem, não estando
submetidas a propostas de modificações por maiorias eventuais.
Vale ressaltar, também, que existem decisões fundamentais que foram
preconizadas pelo constituinte e que, por conseguinte, estão previstas na Constituição
e dessa forma devem continuar, independentemente do desejo da maioria que
eventualmente (e de forma temporária) ocupe o poder (BARROSO, 2015).
No entanto, apesar das constituições possuírem a permanência como
característica primordial, é importante ressaltar que tais diplomas não são eternos.
Além disso, não pode o constituinte querer torna-las imutáveis, visto que “uma
geração não pode submeter a outra aos seus desígnios. Os mortos não podem
governar os vivos” (BARROSO, 2015, p. 157).
52

De acordo com essa perspectiva, deve-se ter em mente que há uma evolução
natural na sociedade, e esta necessita de uma constituição que esteja de acordo com
o novo contexto sócio-político. Nesse diapasão, as cartas constitucionais devem
acompanhar as novas gerações e as suas demandas que, muitas vezes, sequer
tinham sido imaginadas pelo constituinte.
É exatamente por causa do dinamismo social que as constituições preveem
mecanismos de reforma objetivando sua própria modificação e adaptação à nova
realidade. Dentre esses mecanismos, existe a mutação constitucional.
Ao comentar sobre os mecanismos de reforma e a mutação constitucional,
Barroso (2015, p. 158) afirma que:

A modificação da Constituição pode dar-se por via formal e por via informal.
A via formal se manifesta por meio da reforma constitucional, procedimento
previsto na própria Carta disciplinando o modo pelo qual se deve dar sua
alteração. Tal procedimento, como regra geral, será mais complexo que o da
edição da legislação ordinária. De tal circunstância resulta a rigidez
constitucional. Já a alteração por via informal se dá pela denominada
mutação constitucional, mecanismo que permite a transformação do sentido
e do alcance de normas da Constituição, sem que se opere, no entanto,
qualquer modificação do seu texto. A mutação está associada à plasticidade
de que são dotadas inúmeras normas constitucionais.

Nesse diapasão, constata-se que a mutação constitucional é um instrumento


de mudança da constituição que, ao contrário do poder constituinte derivado (por meio
da reforma constitucional), não encontra regramento na carta maior do Estado.
Tendo em vista essas particularidades, Uadi Lammêgo Bulos (2015) define a
mutação constitucional como sendo o fenômeno por meio do qual as constituições
são alteradas sem revisões ou emendas, sendo assim um processo informal de
modificação dos textos constitucionais, que atribuem novos sentidos aos seus
preceitos, significados e conteúdos anteriormente não contemplados.
Em outras palavras, pode-se afirmar que o instituto da mutação é um meio de
transformação do texto constitucional com o objetivo de que tal texto acompanhe as
novas realidades da sociedade a qual regula. Entretanto, essa transformação não
ocorre por meio de um processo formal de reforma, e sim através por um processo
informal que dar novo significado a uma determinada norma, sem alterar o seu texto.
Refletindo sobre esse conceito, observa-se que o instituto da mutação
constitucional envolve muitas questões, perpassando pelo Direito e a realidade social.
Nesse sentido, Souza Neto e Sarmento (2014) apontam as principais razões que
provocam a ocorrência desse instituto, quais sejam: a antiguidade do texto
53

constitucional, a intensidade do dinamismo da sociedade, o nível de rigidez da


constituição e a cultura jurídica prevalecente.
A seguir, serão explanados os mecanismos que aptos a iniciar a mutação
constitucional. De plano, ressalta-se que é um verdadeiro trabalho sistematizar tais
mecanismos, posto que a doutrina não é unânime em relação a maneira pela qual as
mudanças da sociedade são absorvidas e processadas no âmbito das cartas
constitucionais.
Ao fazer um levantamento quanto aos mecanismos de mutação da constituição,
Souza Neto e Sarmento (2014) explicam que Georg Jelinek afirmava que a mutação
constitucional poderia ocorrer pela atividade legislativa, pelos atos parlamentares-
governamentais e pela atuação judicial. Os referidos autores (2012) mencionam,
ainda, que Hsü Dau-Lin asseverava que a mutação poderia ocorrer de quatro
maneiras: alteração por atos que não ofendiam a carta constitucional, mudança pela
impossibilidade de aplicação da norma constitucional, mutação por meio da
interpretação constitucional e alteração por práticas ofensivas à carta política.
Nessa linha de pensamento, Souza Neto e Sarmento (2014) complementam:

Na literatura jurídica brasileira, Anna Cândida da Cunha Ferraz mencionou a


mutação por interpretação constitucional e por usos e costumes
constitucionais, referindo-se, também, à possibilidade de ‘mutações
inconstitucionais’. Já para Luís Roberto Barroso, a mutação constitucional
pode ocorrer, basicamente, de três formas: por mudança na interpretação
constitucional, pela atuação do legislador e por via de costume.

É importante mencionar que Souza Neto e Sarento (2014) defendem, ainda,


que a mutação constitucional pode ocorrer por meio de mudanças jurisprudenciais,
por ato legislativo ou, também, por ações governamentais.
Perante esse quadro, fica claro que não há unanimidade na doutrina sobre os
mecanismos que provocam a ocorrência do instituto da mutação. Tendo em vista a
finalidade deste estudo, assim como a aproximação com a realidade pátria, será
adotado, como referencial teórico, a vertente defendida por Barroso, o qual defende
que a mutação pode ocorrer por três modos: interpretação constitucional, atuação do
legislador e costume. Analisar-se-á cada um deles daqui para frente.
Advindo da premissa de que interpretar significar delimitar o sentido e a
abrangência de uma norma constitucional, objetivando à sua realização prática,
observa-se que a interpretação da constituição pode funcionar como mecanismos
para a mutação constitucional.
54

Nesse diapasão, Barroso (2015) afirma que a mutação constitucional ocorrerá


quando, por intermédio da interpretação constitucional, houver modificação do
entendimento da norma, opondo-se ao sentido até então existente, devido às
alterações no contexto social ou alicerçado em uma nova concepção do Direito.
No entanto, não se deve confundir interpretação com mutação constitucional.
A primeira acontece sempre, uma vez que, não há norma, senão aquela que não seja
interpretada. Entretanto, a interpretação só será considerada um mecanismo de
mutação quando, por intermédio dela, transformar-se o significado que vinha sendo
dado a um dispositivo constitucional específico.
Um exemplo de mutação que ocorreu por meio da interpretação foi a efetuada
pelo STF ao analisar o foro por prerrogativa de função. Sobre esse assunto, Barroso
comenta (2015, p. 165 a 166):

Por muitas décadas, inclusive sob a vigência da Constituição de 1988, o


Supremo Tribunal Federal entendeu que o foro privilegiado subsistia mesmo
após o agente público haver deixado o cargo ou função, tendo inclusive
consolidado esse entendimento no enunciado n. 394 da Súmula da
Jurisprudência Dominante. Em 1999, todavia, a Corte alterou sua linha de
entendimento e cancelou o verbete da Súmula, passando a afirmar que a
competência especial somente vigoraria enquanto o agente estivesse na
titularidade do cargo ou no exercício da função. Nesse exemplo, como se
constata singelamente, atribuiu-se ao mesmo dispositivo - o art. 102, I, b, da
Constituição - sentidos diametralmente opostos ao longo do tempo, sem
qualquer alteração de seu texto.

É importante acrescentar que a mutação constitucional também pode ocorrer


na esfera Poder Executivo e por meio da atuação do legislador.
É sabido que a atividade típica do Poder Legislativo é elaborar normas que
correspondam aos anseios sociais. Entretanto, em casos específicos, tal função é
desempenhada com maior ou menor discricionariedade, constata-se que o legislador
assim o faz tendo em mente o que dispõe o texto constitucional, assim como os
valores por ela emanados.
Todavia a mera edição de leis que visem complementar ou desenvolver a
Constituição, mesmo que tragam novidades de maneira substancial no ordenamento
jurídico, não consistirá, de ordinário, mutação constitucional. Nessas situações, o
constituinte deu ao legislativo a honraria de desenvolver e efetivar a carta
constitucional, fazendo uma escolha valorativa, observando os limites traçados pelas
possibilidades semânticas do texto constitucional (BARROSO, 2015, p. 167). Nesse
diapasão, não se deve misturar mutação constitucional com a função típica do Poder
Legislativo, a qual é criar normas de acordo com os parâmetros constitucionais.
55

De acordo com Barroso (2015), a mutação constitucional pela via legislativa


ocorrerá quando, editada uma ou mais leis, modifica-se o entendimento até então
assentado sobre determinado dispositivo constitucional. Assim, é por intermédio da
atividade legislativa que, estando atenta às transformações sociais, muda a
interpretação dada a uma norma constitucional, proporcionando, por consequência, a
mutação constitucional sob esse ângulo.
Um ponto que deve ser ressaltado é que essa lei (ou essas leis) que suscitam
a mutação constitucional estarão sujeitas ao controle de constitucionalidade, visando
a analisar se a nova interpretação por elas trazidas é compatível com a Carta Maior.
Assim, a última palavra sobre a mutação constitucional é sempre do Supremo Tribunal
Federal (BARROSO, 2015, p. 168).
Por fim, o terceiro e último mecanismo de mutação constitucional, de acordo
com a classificação de Barroso (2015), ocorre por meio do costume. Nesse sentido, o
mencionado autor (2015, p. 169) afirma que:

A existência de costumes constitucionais em países de Constituição escrita e


rígida, como é a regra no mundo contemporâneo, não é pacífica. A ideia do
costume como fonte do direito positivo se assenta na adoção de uma prática
reiterada, que tenha sido reconhecida como válida e, em certos casos, como
obrigatória. O costume, muitas vezes, trará em si a interpretação informal da
Constituição; de outras, terá um papel atualizador de seu texto, à vista de
situações não previstas expressamente; em alguns casos, ainda, estará em
contradição com a norma constitucional. Diante de tais possibilidades, a
doutrina identifica três modalidades de costume: secundum legem ou
interpretativo, praeter legem ou integrativo e contra legem ou derrogatório.

Nessa linha, o costume, para que seja reconhecido como tal, deve preencher
dois requisitos, quais sejam: a repetição de um comportamento habitual e a crença
em sua obrigatoriedade (REALE, 2002).
Pelo o que foi dito, percebe-se que a própria natureza do costume faz com que
ele se torne um mecanismo de mutação constitucional. Isso ocorre porque não há um
rito jurídico formal para a produção e modificação do costume constitucional. Assim,
ele se aproxima da mutação, que, de acordo com o que foi explanado, segue esta
mesma linha.
Em verdade, Barroso (2015, p. 170) aponta o seguinte exemplo em que o
costume agiu como mecanismo de mutação constitucional:

Há outro exemplo expressivo contemporâneo, relacionado com as


Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Nos últimos anos, uma prática
política persistente expandiu os poderes dessas comissões e redefiniu suas
competências. Passou-se a admitir, pacificamente, a determinação de
56

providências que antes eram rejeitadas pela doutrina e pela jurisprudência, aí


incluídas a quebra de sigilos bancários, telefônicos e fiscais.

Nessa situação, o costume foi que influenciou decisivamente para admissão da


quebra de sigilo bancários, telefônicos e fiscais também nas CPIs, situação esta que
antes era proibida. Assim sendo, como ocorreu uma modificação de entendimento da
norma devido a um costume, não há dúvidas de que o mesmo foi capaz de
proporcionar a mutação constitucional.
Estudados esses pontos, ainda abordando a mesma questão, é necessário
esclarecer os limites da mutação constitucional. Sobre o assunto, Tavares (2017)
explica:

No contexto da mutação informal da Constituição é interessante observar que


não há balizas ou restrições formais a esse fenômeno. Assistiu-se à
preocupação com as alterações formais, realizadas pelo legislador
reformador, preocupações que foram operacionalizadas em diversos
padrões, exigências e restrições constitucionalizados (quórum, iniciativa,
momento etc.). Como advertiu Jellinek, qual a proteção da Constituição
contra as mutações informais? Não houve esta sorte de preocupações com
as alterações que advêm da interpretação evolutiva ou simplesmente
desconstrutiva, nas constituições em geral. Não há uma única regra
direcionada a enfrentar esse intrincado e delicado problema contemporâneo
(desde que a Justiça Constitucional passou a ocupar, em inúmeros países,
como o Brasil, a posição final sobre o sentido da Constituição).

Apesar de não existir nenhuma previsão explícita na Carta Maior sobre os


limites impostos à mutação constitucional, a doutrina elenca alguns elementos que
obstam esse processo informal de transformação da Carta Magna.
Nesse sentido, Hesse (2009) afirma que a Constituição se apresenta como um
limite absoluta para a mutação constitucional não apenas da perspectiva da relação
entre o Direito e a realidade constitucional, a qual encontra respaldo na estrutura da
norma constitucional, mas também da perspectiva das funções da Carta Maior. Em
resumo, o que o autor defende é que as mutações constitucionais encontram seus
limites no próprio texto da Constituição.
Integralizando esse pensamento, Barroso (2015, p.162) defende que:

Como intuitivo, a mutação constitucional tem limites, e se ultrapassá-los


estará violando o poder constituinte e, em última análise, a soberania popular.
É certo que as normas constitucionais, como as normas jurídicas em geral,
libertam-se da vontade subjetiva que as criou. Passam a ter, assim, uma
existência objetiva, que permite sua comunicação com os novos tempos e as
novas realidades. Mas essa capacidade de adaptação não pode desvirtuar o
espírito da Constituição. Por assim ser, a mutação constitucional há de
estancar diante de dois limites: a) as possibilidades semânticas do relato da
norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo interpretado
57

ou afetado; e b) a preservação dos princípios fundamentais que dão


identidade àquela específica Constituição.

Nesse diapasão, se os limites não forem observados, a doutrina defende que


seria caracterizada a mutação inconstitucional. Sobre esse tema, Uadi Lammêgo
Bulos (2015) afirma que as mutações inconstitucionais são processos informais de
transgressão da Carta Maior. Elas desbordam o próprio controle de
constitucionalidade, posto que abalam a existência dos preceptivos constitucionais. O
referido autor (2011) complementa, ainda, que os efeitos provocados por essas
violações variam em grau e profundidade, podendo contrariar a Carta Magna em
maior ou menor extensão, sem modificar o texto de suas normas.
Logo, verifica-se a mutação inconstitucional no momento em que a pretensa
mutação diverge da própria Carta Maior, seja porque a nova interpretação não cabe
no texto constitucional, seja porque infringe os princípios basilares consagrados na
referida Carta.
Assim sendo, depois de observar que, após a Constituição de 1988, o princípio
da separação dos poderes vem se submetendo a um acentuado processo de mutação
constitucional, devido à expansão gradativa da esfera de ação do Judiciário, Souza
Neto e Sarmento (2014) depreendem que:

se, por um lado, é certo que o sistema constitucional e as cláusulas pétreas


impõem limites à mutação constitucional, não é menos correto, por outro, que
dito sistema e as referidas cláusulas também se abrem, em alguma medida,
a processos informais de mudança da Constituição. A mutação, todavia,
jamais poderá significar ruptura com o sistema plasmado pelo constituinte, ou
desrespeito ao sentido mínimo das cláusulas pétreas.

Por conseguinte, notam-se a imensa complexidade e dificuldade em definir,


precisamente, quais são os limites que as mutações constitucionais devem observar.
Isso porque, de acordo com o que já explicado anteriormente, não há disposições
explícitas que limitem esse processo informal de transformação e atualização da Carta
Maior.
Entretanto, pela análise da doutrina, os estudiosos da Constituição entendem
que as mutações constitucionais, realmente, possuem limites no próprio texto
constitucional, isto é, não podem contradizer o que está previsto na Carta Magna.
Nesse diapasão, questiona-se: será que tal entendimento não contradiz o
objetivo das mutações, as quais tem como objetivo modificar a Constituição,
atualizando-a e fazendo com que ela seja mais próxima da realidade social?
58

Tal pergunta será respondida no item seguinte, que é quando será analisada a
mutação constitucional do artigo 52, X, da CF/1988.

4.2 A NOVA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO. 52, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


DE 1988

4.2.1. A mutação constitucional e o papel do Senado Federal

Após explicar detalhadamente sobre a mutação constitucional, passa-se a


analisar se esse procedimento informal de mudança da Constituição também teria
ocorrido com o artigo 52, X. Se tal procedimento ocorreu, estudar-se-á se a mutação
se deu pela interpretação constitucional, pela atuação legislativa ou pelo costume.
Nessa linha de pensamento, convém destacar que os teóricos que defendem a
aplicação da teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade
sugerem uma releitura do papel do Senado Federal na realização do controle
(MENDES, 2004, p. 107). De forma específica, devido à modificação no contexto
social, objetivam dar um novo significado ao disposto no artigo 52, X, CF/1988, sem
que, de outro lado, tenha ocorrido qualquer mudança forma em seu texto. Em outras
palavras, tais teóricos asseguram que o citado artigo sofreu mutação constitucional.
Fixada a ideia de que estar-se-á diante de um caso de mutação constitucional,
passa-se a analisar qual foi o mecanismo que deu origem a esse procedimento de
mutação informal da Carta Maior.
De acordo com o que já foi abordando em outros tópicos deste trabalho
monográfico, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto a doutrina, em geral, tratam a
temática da mutação constitucional do artigo 52, X, da CF/1988 sob a perspectiva da
interpretação constitucional. Nessa linha de pensamento, analisa-se se a Corte
Suprema, por intermédio de uma interpretação judicial, estaria dando um novo
significado ao artigo mencionado. Ao lado desse debate, discute-se se o STF possuiria
legitimidade para realizar ação.
Sabe-se que a Corte Suprema, apesar de ser a guardiã da Constituição, não
possui o poder constituinte originário, nem mesmo o derivado, isto é, salvo situações
excepcionais, não pode agir como legislador (LENZA, 2016). Nesse sentido, consentir
a esse órgão do Judiciário a prerrogativa de modificar a Carta Maior por meio de
simples interpretação ultrapassa os limites de sua função jurisdicional.
59

Nessa lógica, destaca-se que o presente estudo se baseia numa perspectiva


diferente do tema. Assim, defende-se que a ocorrência da mutação constitucional do
artigo 52, X, da CF/1988 ocorreu em virtude da ação do legislador, e não por
intermédio da interpretação constitucional.
Com isso, explica-se o recorte metodológico do presente estudo, o que faz com
que temas como ativismo judicial e limites da hermenêutica constitucional, apesar de
serem bastante importantes, sejam estudados de forma periférica. Dessa maneira, o
centro da análise, a partir de então, será a mutação constitucional realizada pelo
legislador e suas limitações.
Para explicar a opinião adotada por esta monografia, serão analisadas algumas
das principais mudanças legislativas que, de acordo com o será mostrado adiante,
foram capazes de alterar o entendimento do artigo 52, X da CF/1988.
Nesse diapasão, conforme já foi explanado anteriormente, a atribuição do
Senado Federal para suspender a execução de uma norma declarada inconstitucional
pelo STF surgiu com a Constituição de 1934. Desde então, ocorreram muitas
modificações, tanto em âmbito constitucional, quanto em nível infraconstitucional, as
quais acarretaram na objetivação das decisões emanadas da Corte Suprema,
diminuindo, dessa forma, o papel do Senado no controle de constitucionalidade.
Ressalte-se que, tais transformações andaram juntas à concepção de
valorização dos precedentes judiciais, notadamente aqueles advindo das decisões
emanadas pelo STF, o que também colaborou para tornar obsoleta a previsão do
artigo 52, X (MENDES, 2004).
Primeiramente, destacam-se as mudanças no âmbito infraconstitucional. A
primeira delas ocorreu 1963 e consistiu na previsão, pelo artigo 102 do Regimento
Interno do STF, da Súmula de Jurisprudência Predominante da Corte Superior,
instrumento que, até os dias atuas, tem a sua relevância para proporcionar a força
persuasiva dos precedentes do STF.
Ainda, pode-se acrescentar o artigo 479 do CPC/1973 (atual art. 926 do
CPC/2015), no qual previu-se um instrumento de uniformização de jurisprudência e
de elaboração de súmulas, com o objetivo de proporcionar tratamento equânime aos
casos similares (DIDIER JÚNIOR, 2014).
Mais adiante, a Lei Orgânica da Magistratura, por meio do seu artigo 90, §2º,
admitiu que o relator, nas lides de competência do Tribunal Federal de Recursos,
negasse seguimento ao recurso contrário à sumula do STF ou de qualquer outro
60

Tribunal. Essa previsão demonstrou a força crescente dos enunciados elaborados


pelos referidos Tribunais.
Posteriormente, em 1994, as mudanças no CPC/1973 6 também colaboraram
para valorizar os precedentes judiciais, diminuindo, dessa maneira, o protagonismo
do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade.
Logo em seguida, ocorre mais uma novidade de grande influência: a dispensa
da aplicação do princípio da reserva de plenário, previsto no artigo 481, parágrafo
único do CPC/737. O referido artigo foi adicionado ao CPC/73 em 1998 e estabeleceu
que os órgãos fracionários dos tribunais não precisam levar ao plenário (ou órgão
especial) a arguição de inconstitucionalidade, se já existisse entendimento firmado
destes ou do plenário do STF sobre a questão (DIDIER JÚNIOR, 2014).
Assim sendo, essa modificação ampliou a força da decisão da Corte Suprema
que, mesmo sendo emanada no controle incidental de constitucionalidade, sem a
atuação do Senado Federal, passa a estender seus efeitos para além da lide para a
qual foi redigida.
Ressalta-se que, para valorizar ainda mais os precedentes judiciais, foi
acrescentado ao CPC/73, o artigo 1208, o qual consagrou a possibilidade do relator
decidir monocraticamente o conflito de competência se houvesse jurisprudência
firmada do tribunal sobre a questão debatida (DIDIER JÚNIOR, 2014). Ademais, com
a reforma de 2001, o artigo 475, §3º9 dispensou o reexame necessário caso a decisão
tenha sido emanada com base em jurisprudência dominante do plenário do STF ou
em súmula desse tribunal ou do tribunal superior competente (DIDIER JÚNIOR,
2014)..
Conforme já explicado anteriormente, em 2006, o CPC/73 foi modificado para
trazer o instituto da repercussão geral para fins de admissibilidade de recurso
extraordinário (DIDIER JÚNIOR, 2014). É importante apontar que tal instituto foi de
imensa importância e serviu como verdadeiro mecanismo de objetivação do recurso
extraordinário e, por consequência, do controle incidental de constitucionalidade.
Além disso, a regulamentação do sistema de julgamento de recursos
extraordinários repetitivos no CPC/73 (regulamentação esta que se manteve no
CPC/2015) também reflete a concepção da extensa eficácia das deliberações do STF,
sem que o Senado Federal atue. Isto é, ao julgar o recurso extraordinário repetitivo, a

6
Vide artigos 554 e 557 do CPC/1973, os quais correspondem ao artigo 932 do CPC/2015
7
Equivale ao artigo 949, parágrafo único do CPC/2015.
8
Correspondente ao artigo 955, parágrafo único do CPC/2015.
9
O artigo 496, §4º do CPC/2015 possui igual disposição.
61

decisão da Corte Suprema irradiará para outros processos que estavam sobrestados
na origem, sem que tenha sido considerada a atuação a referida casa legislativa
(DIDIER JÚNIOR, 2014).
Concomitantemente a essa vasta quantidade de normas, as quais dão eficácia
ampliada aos precedentes, de forma a irradiá-los para além do caso concreto
analisado, há, também, as deliberações proferidas nos processos coletivos, as quais,
por sua própria essência, possuem eficácia ultra partes.
A título de exemplo, cita-se a ação civil pública cuja decisão faz coisa julgada
erga omnes nos limites da competência territorial do órgão da qual foi emanada.
Nesse sentido, quando ocorre a deliberação acerca da constitucionalidade de uma
norma, mesmo que de modo incidente, os efeitos dessa decisão irradiarão para além
das partes da emana, sem que haja qualquer atuação do Senado. Vale salientar que
essas mesmas disposições são aplicadas para a decisão do mandado de segurança
coletivo.
Toda essa gama normativa, a qual, de acordo com o que foi abordado, tem o
objetivo de conferir força vinculante aos precedentes firmados pelos tribunais
superiores, especialmente aqueles emanados pelo Supremo Tribunal Federal,
culmina por tornar cada vez mais desnecessário o papel do Senado Federal no
controle incidental de constitucionalidade.
Ainda assim, mesmo com todas essas leis, deve-se apontar quais foram as
mudanças constitucionais que colaboraram para, paralelamente às alterações no
âmbito infraconstitucional, provocar a ocorrência da mutação constitucional do artigo
52, X, da Carta Maior, a qual ocorreu, reforça-se, devido à atuação do legislador.
De acordo com o que foi explicado anteriormente, as decisões exaradas pelo
STF no controle abstrato possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante, conforme
o artigo 102, §2º, CF/1988. Assim, prescinde-se de qualquer ato do Senado Federal
para que tal decisão estenda seus efeitos.
Nesse diapasão, no que se refere ao controle de constitucionalidade, o próprio
legislador permitiu que a Corte Suprema profira julgamentos com eficácia erga omnes,
sem que haja qualquer manifestação do Senado. Isso é o que está previsto para o
controle concentrado e é o que se pretende estender, por intermédio da mutação
constitucional, ao controle incidental.
Seguindo nessa linha de pensamento, a Emenda Constitucional nº 45/2004
adicionou o artigo 103-A à Carta Maior, dando competência ao STF para editar
súmulas vinculantes (LENZA, 2016). Essa nova disposição serviu para, mais ainda,
62

evidenciar a caráter obsoleto do instituto da suspensão, por parte do Senado Federal,


da execução da norma declarada inconstitucional pelo STF.
Assim sendo, havendo a possibilidade da Corte Suprema elaborar uma súmula
vinculante sobre qualquer tema, até mesmo sobre a declaração de
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, não existe motivo para provocar o
Senado Federal para que haja nos termos do artigo 52, X, CF/1988. Isso porque, o
objetivo que se queria alcançar com a resolução suspensiva seria o efeito erga omnes,
efeito este que já fora atingido com a própria súmula.
Então, percebe-se que existindo súmula vinculante sobre o tema, a edição da
resolução por meio do Senado Federal, para suspender a eficácia da norma declarada
inconstitucional pelo STF em controle difuso, perde seu sentido prático.
Vale, ainda, mencionar, apenas a título de registro, o instituto da repercussão
geral, o qual também foi inserido na Constituição Federal pela emenda acima referida.
De qualquer forma, destaca-se que as referidas modificações, promovidas a
nível constitucional, reduziram a atuação do Senado no que se refere ao controle de
constitucionalidade das normas. Assim, feitos tais apontamentos, verifica-se que,
realmente, a disposição do artigo 52, X, CF/1988 está ultrapassada.
Sobre esse tema, Zavascki (2013, p. 49) afirma:

Assim, considerando o atual quadro normativo, fruto de uma constante e


progressiva escalada constitucional e infraconstitucional em direção à
‘dessubjetivação’ ou à ‘objetivação’ das decisões do STF, inclusive no
controle incidental de constitucionalidade, é inquestionável a constatação de
que, embora persista, na Constituição (art. 52, X, da CF/1988), a competência
do Senado Federal para suspender a execução de lei declarada
inconstitucional, o seu exercício foi paulatinamente perdendo a importância e
o sentido que tinha originalmente, sendo, hoje, inexpressivas, ressalvado seu
efeito de publicidade, as consequências práticas que dele podem decorrer.

No mesmo sentido, defende Cunha Júnior (2016):

Essa competência do Senado, todavia, se foi necessária nos idos de 1934, e


talvez até a década de 80, não revela hoje utilidade, em face do novel sistema
jurídico desenhado pela vigente Constituição da República. De feito, num
sistema em que se adota um controle concentrado-principal, e as decisões
de inconstitucionalidade operam efeitos erga omnes e vinculantes, a
participação do Senado para conferir eficácia geral às decisões do Supremo
Tribunal Federal, prolatadas em sede de controle incidental, é providência
anacrônica e contraditória. Ora, se o Supremo Tribunal Federal pode, em
sede de controle concentrado-principal, suspender, liminarmente e em
caráter geral, a eficácia de uma lei e até mesmo de uma Emenda
Constitucional, qual a razão hoje de limitar a declaração de
inconstitucionalidade pronunciada pela Corte no controle incidental às partes
do processo e condicionar a sua eficácia geral à intervenção do Senado?
63

Já para Barroso (2016):

A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade,


pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de
1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo.
Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle
incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos
efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de
sua instituição em 1934, já não há lógica razoável em sua manutenção.

Por fim, Uadi Lammêgo Bulos (2015) também afirma que “o mandamento
cristalizado no artigo 52, X, encontra-se totalmente superado e já passou da hora de
ser excluído da normativa constitucional brasileira”.
Nesse diapasão, as mudanças normativas, tanto as constitucionais, como as
infraconstitucionais, já explanadas foram as responsáveis pela mutação constitucional
do artigo 52, X, CF/1988. Em outras palavras, tal processo informal de mudança de
interpretação do papel do Senado não aconteceu, como alguns defendem, devido à
atuação do STF, por intermédio da interpretação judicial. Ao revés, a Corte Suprema
apenas pratica a função de reconhecer a mutação que ocorreu em virtude de atos
praticados pelo próprio legislador (BARROSO, 2015).
Dessa forma, o presente estudo defende que não é o STF que usurpa a
competência do Senado Federal prevista no artigo 52, X, da CF/1988, e sim o próprio
Congresso Nacional, incluindo o Senado, assim o fez ao realizar as mudanças
normativas mencionadas.

4.2.2. Novo entendimento do artigo 52, X, da CF/1988: mutação fora dos limites?

Nesse tópico, será analisado se a mudança do entendimento do artigo 52, X,


da CF/1988 não ultrapassou os limites da mutação constitucional.
Incialmente, deve-se ter em mente que não há nada regulamentando essa
temática, ou seja, não existe nenhum limite formal a esse procedimento de
modificação da Constituição (TAVARES, 2017). Entretanto, apesar de não existir
regulamentação, a doutrina passou a estabelecer os critérios para que a mutação
ocorra. Vale ressaltar que essa “regulamentação doutrinária” não é pacífica, de modo
que existem diversos posicionamentos diferentes.
Conquanto esse debate ainda exista até os dias atuais, identifica-se, ao menos,
um elemento de consenso, o qual consiste na ideia de que a mutação constitucional
64

não deve se contrapor ao que preceitua a Carta Maior, tanto as suas normas, quanto
os seus princípios (MENDES, 2004).
Assim sendo, questiona-se: a mutação constitucional do artigo 52, X, da
CF/1988, a qual pretende limitar a atuação do Senado Federal em termos de controle
difuso de constitucionalidade, não ofenderia o princípio da separação dos poderes, o
qual fora alçado ao patamar de cláusula pétrea 10 pelo legislador constituinte?
Por diversos motivos, este trabalho monográfico defende que a resposta é
negativa. Primeiramente porque foi o próprio Poder Legislativo que abriu mal de tal
competência ao elaborar todas as normas que já foram examinadas. Em outra
palavras, quem deu margem à mutação constitucional foi o próprio possuidor da
competência, a qual foi reduzida devido às suas próprias ações.
Ademais, não há que se falar em ofensa ao princípio da separação dos
poderes, visto que o STF não foi o responsável pela mutação. Em verdade, ele apenas
reconheceu tal fenômeno, o que foi levado a efeito por ações do próprio Poder
Legislativo (BARROSO, 2016).
Acrescenta-se ainda que se adotarmos a ideia de que a mutação constitucional
viola o referido princípio, o controle abstrato também o violaria, bem como a súmula
vinculante, a repercussão geral e as demais mudanças infraconstitucionais aqui
estudadas, posto que todas elas parte do mesmo pressuposto, o que, em tese,
ofenderia o artigo 52, X, da CF/1988.
Sucede-se que qualquer dos institutos acima referidos, até mesmo a mutação
constitucional, não ofende o artigo 52, X, da CF/1988, posto que todas eles foram
feitos pelo próprio legislativo, o qual estava ciente e atento ao novo contexto social e
jurídico do país.
Além disso, rememora-se que o artigo 60, §4º, da CF/1988 estabelece a
vedação a mudança da Constituição que tenda a abolir a separação dos poderes.
Assim sendo, é importante ressaltar que em momento algum se apadrinha uma
mutação constitucional que venha a abolir a separação dos poderes. Ao revés, a
concepção defendida por este trabalho monográfico é no sentindo de uma releitura da
atuação do Senado no controle incidental de constitucionalidade.
No entanto, verifica-se que, mesmo não abolindo a separação dos Poderes, a
mutação do artigo 52, X, da CF/1988 representa uma limitação à competência do
Poder Legislativo, fato este que poderia ser levantado por vozes que defendem a

10
Vide artigo 60, §4, III.
65

violação do princípio da separação dos Poderes. Acontece que, mesmo que se adote
esse posicionamento, o contexto social vivenciado pelo país é diferente daquele em
que se determinou a necessidade de intervenção da referida casa legislativa na
concessão de efeitos erga omnes às decisões do STF.
Esse novo contexto é defendido por diversos autores, dentre eles Zavascki
(2013, p. 49), Cunha Júnior (2016), Barroso (2016), Clève (2012), Mendes e Branco
(2016), Bulos (2015), todos eles defendem que o artigo 52, X, da CF/1988 está
obsoleto.
Ainda sobre a defesa de que a mudança do entendimento do artigo 52, X, da
CF/1988 não ultrapassou os limites da mutação, registra-se que essa nova
interpretação não excede as fronteiras semânticas do referido dispositivo. Em outras
palavras, é, ao menos, admissível e cabível a releitura do artigo 52, X, da CF/1988
para atribuir ao Senado Federal apenas a competência de publicação no Diário do
Congresso a decisão emanada pelo STF.
E, ainda que se sustente que a nova interpretação se contrapõe ao previsto na
Carta Maior, deve-se rememorar os elementos que justificam a ocorrência da mutação
constitucional. Isto é, ela ocorre exatamente para modificar o entendimento da
Constituição e atualizá-la para se harmonizar com o contexto social.
Não se pode esquecer que a mutação ocorreu por ações do próprio legislador.
Por isso, não se pode afirmar que ela não possui legitimidade democrática, visto que
foi proporcionada pelo Poder Legislativo, cuja atuação se dá por meio de deputados
e senadores eleitos para representar os interesses do povo (LENZA, 2016).
Para embasar ainda mais a argumentação, destaca-se as lições de Cunha
Júnior (2016):

Aceitar a liberdade do Senado para suspender, ou não, a execução de ato


declarado inconstitucional pelo STF consiste em admitir que uma
consideração exclusivamente política sobrepõe-se a um exame jurídico
acerca da inconstitucionalidade

Ora, se o princípio da supremacia constitucional diz que as normas que sejam


conflitantes com a Constituição necessitam ser eliminadas do sistema jurídico, admitir
que uma lei, mesmo sendo declarada inconstitucional pelo órgão de cúpula do Poder
Judiciário, continue sendo aplicada, durante o tempo em que o Senado, por uma
decisão política, não edita a resolução suspensiva, seria o mesmo que rasgar a Carta
Maior.
66

Ademais, a releitura do artigo 52, X, da CF/1988 garante os princípios da


igualdade e da segurança jurídica, visto que evita que existam decisões conflitante
acerca da mesma temática.
Após todos esses argumentos, destaca-se que não há mais motivos para que
existam diferenciações nos efeitos das as decisões proferidas no controle concentro
e no controle abstrato, ao menos àquelas exaradas pelo Supremo Tribunal Federal.
Isso porque se está diante do órgão máximo do judiciário, o qual deve julgar
tanto as demandas oriundas do controle abstrato, como as do controle difuso. Além
disso, não faz sentindo que um mesmo órgão, tratando sobre a questão da
constitucionalidade de um ato normativo, profira decisões com efeitos diversos.
Dessa forma, deve-se considerar que a Corte Maior, ao realizar o controle
difuso de constitucionalidade, atua com a mesma responsabilidade e discernimento
com que o faz ao realizar o controle abstrato.

4.3 AS CONSQUÊNCIAS ADVINDAS DA TEORIA DA ABSTRATIVIZAÇÃO DO


CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

A maior dificuldade na aplicação da teoria da abstrativização do controle difuso


de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal é que o ordenamento
jurídico pátrio não foi elaborado para o sistema de valorização dos precedentes
judiciais. Isso ao menos no que diz respeito à força vinculante dos fundamentos
constantes nos julgados.
No controle abstrato de constitucionalidade, isso não acarreta maiores
problemática, visto que a verificação da compatibilidade da norma com a Carta Maior,
nessa situação, é o objeto principal da demanda, estando na parte dispositiva da
decisão.
De outra sorte, no controle concreto de constitucionalidade, idêntica situação
não acontece. Isso porque a questão da constitucionalidade da norma se dá por via
incidental e, por essa razão, não estará na parte dispositiva do julgado, mas sim na
fundamentação.
Nesse sentido, a grande questão que aparece é esta: como harmonizar a
extensão dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade feita em controle difuso
67

com a concepção de coisa julgada presente no ordenamento jurídico pátrio, conforme


o CPC/201511, deve recair apenas sobre o dispositivo da decisão?
Para solucionar esse obstáculo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
vem se solidificando para consagrar a teoria da transcendência dos motivos
determinantes. Sobre a mencionada teoria, Barroso (2016) destaca que:

Por essa linha de entendimento, é reconhecida eficácia vinculante não


apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos
que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem
acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões
de decidir

Apesar dessa linha teórica ter surgido objetivando estender os limites objetivos
e subjetivos das decisões emanadas em sede de controle abstrato de
constitucionalidade, ela pode ser aplicada no controle difuso. Em bem verdade, não
só pode ser aplicada no sistema incidental, como já vem sendo.
Nesse sentido, devido a aplicação da teoria da transcendência dos motivos
determinantes, a parte da decisão que se refere à fundamentação também faria coisa
julgada, ampliando seus limites para além do caso concreto da lide.
Não obstante, a vinculação em relação à parte da fundamentação da decisão
seja uma novidade, ela não mostra dificuldades de entendimento, ao menos no que
se refere ao controle de constitucionalidade. Isso porque, mesmo que considerada em
caráter incidental, o ponto da constitucionalidade sempre seguirá duas vias: ou a
norma é reconhecida como constitucional ou é declarada incompatível com a Carta
Maior. Assim, há uma facilidade na aplicação da fundamentação para outras lidas
apreciadas pelo judiciário, que estejam na mesma situação fático-jurídica.
Ademais, observando o novo entendimento da jurisprudência, o legislador
ordinário trouxe para a lei a possibilidade de a coisa julgada também abarcar questões
prejudiciais incidentais, como é o caso do juízo de constitucionalidade feito em sede
de controle difuso.
Essa inovação está prevista no artigo 503 do CPC/2015, o qual estabelece que:

Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei
nos limites da questão principal expressamente decidida.

11
Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão
principal expressamente decidida.
Art. 504. Não fazem coisa julgada:
I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.
68

§ 1o O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial,


decidida expressa e incidentemente no processo, se:
I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;
II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando
no caso de revelia;
III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-
la como questão principal.

§2o A hipótese do § 1o não se aplica se no processo houver restrições


probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da
análise da questão prejudicial.

Ao examinar o mencionado artigo, observa-se que não há qualquer problema


com a criação de um regime especial de coisa julgada, posto que trata-se de uma
opção legislativa com o objetivo de acabar com a discussão acerca de uma questão
que tenha sido debatida em contraditório, mesmo que não seja a questão principal da
lide. (DIDIER JÚNIOR, 2016). Assim, a doutrina reconhece que houve o rompimento
do dogma da coisa julgada, a qual, originalmente, apenas recaia sobre o objeto
litigioso do processo.
Nesse diapasão, contata-se que, com essa inovação, a coisa julgada também
recairá sobre a análise constitucional da norma feita em controle difuso de
constitucionalidade, assentada na fundamentação do julgado. Isso porque tal análise
configura questão prejudicial incidental em relação ao objeto principal do caso,
conquanto sejam observados os requisitos do citato artigo 503 do CPC/2015.
Dessa maneira, com a ajuda da teoria da transcendência dos motivos
determinantes, o CPC/2015 possibilitou que a coisa julgada também recaísse sobre a
fundamentação da decisão, lugar onde se encontra a análise da harmonia da norma
com a Constituição. Assim, observa-se que essa sistemática abriu grande espaço
para a teoria da abstrativização do controle difuso no ordenamento jurídico pátrio.
69

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de tantos apontamentos sobre o controle difuso de constitucionalidade


e sua abstrativização, chegou-se a algumas conclusões.
A primeira delas é a de que o controle de constitucionalidade se mostra como
um mecanismo imprescindível à salvaguarda e à preservação da supremacia
constitucional, assegurando sua superioridade hierárquica em relação às outras
normas do ordenamento jurídico.
Além disso, é consenso na doutrina de que a vigilância jurisdicional de
constitucionalidade das leis e atos normativos, a qual nasceu, no Brasil, em 1891, com
o controle incidental, e foi estendido em 1965, com o controle abstrato, permanece em
constante evolução, causando debates significativos, até mesmo, nos dias de hoje.
Um desses debates, de acordo com o que foi exposto neste trabalho
monográfico, envolveu o instituto criado em 1934 e que, até os dias atuais, possui
previsão equivalente na Constituição de 1988. Cuida-se da atribuição do Senado
Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de norma declarada
inconstitucional por decisão definitiva da Corte Máxima em sede de controle difuso de
constitucionalidade.
Atualmente, discute-se, por intermédio da teoria da abstrativização do controle
incidental de constitucionalidade, se teria ocorrido um processo informal de
modificação do entendimento da Constituição, mais especificamente do artigo 52, X,
da CF/1988. Apesar do STF já ter debatido sobre o tema, os ministros que compõem
tal órgão não chegaram a nenhuma conclusão.
Das análises realizadas, conclui-se que a investida em dar um novo
entendimento ao mencionado artigo, adaptando-o ao contexto social, sem que ocorra
uma alteração formal no texto da Constituição, enquadra-se cabalmente na ideia de
mutação constitucional.
Na verdade, os estudos mostram, ainda, que há um equívoco por parte da
doutrina e da jurisprudência ao compreender que a mutação constitucional teria
ocorrido em virtude de uma nova interpretação judicial que o STF estaria fazendo a
respeito do artigo 52, X, da CF/1988.
Com efeito, o presente estudo defende que a mutação do dispositivo retro
citado se deu em virtude de atos realizados pelo próprio Poder Legislativo, sendo
estes, apenas reconhecidos pela Corte Maior.
70

Com o propósito de validar tal ponto de vista, foram apresentadas as principais,


dentre muitas, mudanças normativas ocorridas em âmbito constitucional e
infraconstitucional, as quais geraram uma ressignificação do papel do Senado Federal
no controle incidental de constitucionalidade.
Dentre elas, ressalta-se a introdução, no ordenamento jurídico pátrio, do
controle de constitucionalidade abstrato, a possibilidade do STF elaborar súmulas
vinculantes, o requisito da repercussão geral acrescentado aos recursos
extraordinários e a possibilidade de dispensa de aplicação do princípio da reserva de
plenários.
Todas essas transformações levam à conclusão de que houve uma crescente
valorização dos precedentes judiciais, notadamente os emanados da Corte Suprema,
o que fez com que suas deliberações, ainda que proferidas em controle difuso,
ganhassem efeitos expansivos.
Assim, todos esses fatores contribuíram para que o previsto no artigo 52, X, da
CF/1988 se tornasse obsoleto e completamente desconectado do contexto social
vivenciado pelo país atualmente.
A originalidade deste trabalho se mostra a partir dessa tese, a qual foi defendida
ao logo do texto. Ela permitiu, assim, elaborar novos quesitos para o tema, afastando-
se dos questionamentos comuns ao assunto, notadamente aquele que tratavam sobre
os limites da jurisdição constitucional.
Nesse diapasão, como foi defendida a ideia de que a mutação constitucional
não ocorreu em virtude de ações do Judiciário, mas sim do Legislativo, abriu-se
espaço, assim, para que fossem feitas novas indagações.
O desafio central encarado estava relacionado as fronteiras da mutação
constitucional, especificamente em saber se a modificação do artigo 52, X, da
CF/1988, que objetiva limitar a atuação do Senado Federal no controle difuso de
constitucionalidade, não ofenderia o princípio da separação dos poderes.
Conquanto, considera-se que que as alegações que foram levantadas
permitem chegar à conclusão de que a mutação do artigo 52, X, da CF/1988 não viola
o referido princípio.
Provindo desse pressuposto, conclui-se que a teoria da abstrativização do
controle difuso de constitucionalidade também deve prosperar. Nesse sentido, a
atuação do Senado Federal deve se limitar à publicação, no Diário do Congresso
Nacional, da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, a qual proclama a
71

inconstitucionalidade de uma determinada norma pela via difusa, visto que, por si só,
já é capaz de gerar efeitos erga omnes.
Por fim, acredita-se que a teoria da abstrativização do controle difuso pode,
perfeitamente, ser adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, principalmente
devido à teoria da transcendência dos motivos determinantes, assim como a nova
sistemática da casa julgada e dos precedentes judiciadas trazidas pelo Código de
Processo Civil de 2015.
72

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suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de Informação
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