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Texto de apoio para Revisão – Disciplina Educação Especial e Libras

Profª Dra. Mara Aparecida de Castilho Lopes


Tópicos abordados:
1. Educação Especial e Libras: conhecendo a temática
2. Os estudantes público-alvo da Educação Especial
3. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) e família na escolarização do aluno com
deficiência
4. Surdez: contextualização histórica
5. Deficiência Auditiva/Surdez
6. Introdução à Libras
7. A escolarização do aluno com Deficiência Auditiva/Surdez

Introdução

Ao longo dessas semanas, você teve a oportunidade de conhecer as bases para a construção de
uma escola inclusiva, que começa pelo conhecimento, mas se efetiva no cotidiano, a partir de atitudes e
práticas pedagógicas transformadoras. Ainda são muitos os desafios existentes para a educação escolar
na diversidade: barreiras sociais, atitudinais e políticas; porém, muito já se conquistou com a luta por uma
sociedade mais justa e democrática, nos princípios da igualdade e da equidade, e essa continua sendo a
luta de hoje.
Nessa disciplina, tivemos a oportunidade de abordar alguns pontos importantes para o início de
uma reflexão sobre os desafios atuais para uma educação inclusiva, aprofundando alguns aspectos da
educação de estudantes com surdez, em uma perspectiva bilíngue – ou seja, considerando a Língua
Brasileira de Sinais – Libras1, como primeira língua desses estudantes, sendo o Português a sua segunda
língua.
Tal perspectiva encontra-se centrada em uma abordagem socioantropológica de deficiência
(SKLIAR, 1999), a qual difere do modelo médico-clínico por não mais conceber a condição de deficiência
como um desvio da normalidade. Esse consiste no maior desafio para a educação escolar hoje, pois
muitas práticas educacionais permanecem centradas – e limitadas – no discurso do laudo, da
medicalização e da funcionalidade, direcionando ao próprio aluno a responsabilidade pelo seu sucesso
ou fracasso escolar.
Entretanto, nosso processo de reflexão tem aqui como principal objetivo refletir sobre o que a
escola pode e deve fazer para transformar essa realidade, uma vez que o direito à educação inclusiva é

1 Nesse texto utilizamos a sigla Libras apenas com a inicial em letra maiúscula, conforme consta na legislação que a
reconhece oficialmente como meio legal de comunicação (BRASIL, 2002).
imperativo diante da trajetória histórica que percorremos até aqui, na luta por uma sociedade mais justa
e democrática.

1. Educação Especial e Libras: conhecendo a temática

De modo geral, a sociedade tem passado por uma mudança sequencial de paradigmas em sua
relação com as pessoas com deficiência: partindo do extermínio das crianças deficientes, passando pelo
asilamento dessas pessoas em instituições e, paulatinamente, tentando inseri-las no convívio social.
Aranha (2001) explica esses diferentes paradigmas, caracterizando o Paradigma da Institucionalização
pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem, para mantê-las segregadas em
instituições ou escolas especiais; posteriormente, o Paradigma de Serviços parte da compreensão global
de que essas pessoas poderiam ser educadas, com programas de reabilitação específicos, a fim de serem
inseridas na sociedade – compreensão bastante influenciada pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos em 1948.
Aos poucos, passou a vigorar a compreensão de que caberia à sociedade reorganizar-se, a fim de
garantir a acessibilidade de todos os cidadãos – caracterizando, assim, o Paradigma de Suportes. De início,
esses suportes centralizavam-se na própria pessoa com deficiência, que deveria se modificar para adaptar-
se à sociedade. Porém, essa visão foi sendo modificada do indivíduo para o social, compreendendo-se
que os suportes também devem estar presentes no meio social.
Em 1981, a Organização das Nações Unidas declarou o Ano Internacional das Pessoas
Deficientes, o que já proporcionou algumas mudanças. Em 1990, a Declaração de Jomtien sobre educação
para todos estabeleceu a universalização do ensino como objetivo a ser atingido no mundo todo.
Nessa direção, em 1994 é publicada a Declaração de Salamanca – grande marco histórico da
educação inclusiva. Esse documento apresentou os princípios para a educação das pessoas com
necessidades educativas especiais, afirmando que “todas as crianças devem aprender juntas, sempre que
possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter” (UNESCO,
1994).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) orienta a educação das pessoas com
deficiência preferencialmente para a rede regular de ensino. Tal orientação é corroborada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), ao garantir as bases do atendimento
educacional especializado para os educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação, de forma transversal a todos os níveis, etapas e modalidades.
Atualmente, o ensino regular do Brasil está orientado pela Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), documento que apresenta a educação especial
como uma modalidade de ensino, que perpassa todos os níveis, etapas e, inclusive, as demais modalidades
de ensino. Cabe ressaltar que, por essa fundamentação legal, o termo “educação inclusiva” não se
configura como uma evolução do termo educação especial – posto que constituem conceitos diferentes:
a educação especial é, portanto, uma parte integrante da escola, não substitutiva do ensino regular. A
educação inclusiva, por sua vez, é aquilo que queremos alcançar, enquanto direito das pessoas com
deficiência – que hoje também está garantido pela Meta 4 do Plano Nacional de Educação (BRASIL,
2014), pela Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), documentos que referendam políticas educacionais
inclusivas regionais, nos Estados e Municípios, dentro das especificidades de cada contexto.

2. Os estudantes público-alvo da Educação Especial

Ao tratarmos dos estudantes a serem atendidos pela educação especial em suas diferentes formas
de atuação – salas de recursos multifuncionais, serviços de itinerância, ensino colaborativo, entre outros
– é importante lembrar que o tipo de apoio de que o estudante irá necessitar será diferente para cada
caso. Alguns estudantes irão demandar um suporte permanente, enquanto outros poderão requerer
apenas um apoio temporário; alguns precisarão de suporte em apenas algumas áreas do conhecimento,
enquanto outros poderão necessitar de um plano de ensino individualizado.
Além desses aspectos, outro ponto importante a ser destacado é a organização do atendimento
educacional especializado dentro de cada rede de ensino, que poderá apresentar diferenças em uma
realidade diversificada, como é a do nosso país; assim, vale mencionar que a caracterização de um perfil
de estudante enquanto público-alvo da educação especial também está fundamentada em conceitos e
definições constantemente revisadas e atualizadas.
Na rede estadual de ensino de São Paulo, a Resolução SE n.68 (SÃO PAULO, 2017) estabelece
como alunos elegíveis aos serviços da educação especial aqueles com deficiência; Transtorno do Espectro
Autista2; e Altas Habilidades/Super Dotação. Cada uma dessas áreas contempla especificidades que, em
geral, não são conhecidas pelos professores de formação pedagógica generalista, ou cuja formação
apresenta maior enfoque em uma ou outra área dos diferentes componentes curriculares. Desse modo,
pensar no ensino direcionado a esses estudantes é uma tarefa que, sem dúvidas, terá melhores resultados
se for realizada de forma coletiva.
Essa é a proposta do ensino colaborativo, conforme apontam Capellini, Zanata e Pereira (2008):
professor da classe comum e professor especialista, cada um com suas habilidades específicas de trabalho,

2 A denominação Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD, utilizada nos textos das políticas educacionais
brasileiras, foi substituída pelo termo Transtorno do Espectro Autista – TEA, no DSM-V – Manual de Classificação de
Doenças Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, em 2013 (APA, 2013).
planejando o ensino para a classe comum, em um trabalho sistematizado, com funções previamente
definidas. Nesse modelo, ambos compartilham a responsabilidade de planejar e de implementar o ensino,
o que exige compromisso, respeito e apoio mútuo entre os profissionais. Tal perspectiva caracteriza,
portanto, mais do que um método de ensino-aprendizagem – e sim uma filosofia de trabalho, perante a
qual os profissionais atuam em prol do mesmo objetivo.

3. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a família na escolarização do aluno com


deficiência

Desde a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), temos a orientação de que é o currículo que
deve ser adaptado às necessidades da criança, e não o contrário. Essas adequações podem ocorrer em
três níveis: no Projeto Político Pedagógico da escola; no currículo desenvolvido em sala de aula; e no
Programa Educacional Individualizado – PEI. As adequações no currículo também se classificam em
dois níveis: de grande porte, que compreendem ações de competência político-administrativa – tais como
contratação de novos profissionais; e de pequeno porte – as quais envolvem estratégias que ficam a
encargo do professor.
É importante salientar que, desde a Declaração de Salamanca, prevalece a concepção de que
muitas das mudanças necessárias no currículo não se relacionam exclusivamente à inclusão de crianças
com deficiência, mas requerem uma reforma mais ampla da educação, a fim de que a escola se torne
acessível para todos. No entanto, alguns estudantes irão demandar adequações muito específicas, como é
o caso do aluno surdo, por exemplo. Ao pensar em sua necessidade linguística, a escola deve estar
preparada para adequações de grande porte, envolvendo a contratação de professores de Língua Brasileira
de Sinais – Libras, professores bilíngues e Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais. Tais profissionais
apresentam funções distintas, as quais também diferem da função do professor regente de turma e do
professor do Atendimento Educacional Especializado – AEE, sala de recursos ou serviço itinerante de
educação especial.
O Decreto 7.611/2011 (BRASIL, 2011) estabelece as diretrizes para o atendimento educacional
especializado no Brasil. Nesse documento, esse serviço tem como foco o atendimento complementar –
ou suplementar, no caso dos estudantes com Altas Habilidades/Superdotação – ao ensino da classe
comum, observando as necessidades educacionais dos estudantes para a sua efetiva inclusão.
Nesse processo, a participação da família do estudante pode contribuir muito para que a escola e
os professores conheçam melhor as condições desse aluno e suas características, desfazendo mitos e
preconceitos, além de promover maior segurança para os profissionais no planejamento das estratégias
de ensino.
4. Surdez: contextualização histórica

Os primeiros relatos de educação de surdos no mundo remontam ao século XVI, com Ponce de
Léon, na Espanha, com um método que envolvia o alfabeto manual, a escrita e o ensino da fala.
Posteriormente, já no século XIX, na França, o abade Charles Michel de L’Epée e Sicard tornaram-se
famosos pela utilização da língua de sinais na educação de surdos, enquanto na Alemanha, Samuel
Heinicke desenvolvia um método educacional para surdos apoiado no ensino da língua oral – abordagem
teórico-filosófica que depois ficou conhecida como oralismo. O fato de muitas crianças surdas
conseguirem desenvolver a fala evidencia, portanto, a razão pela qual o termo surdo-mudo é altamente
inadequado para se referir às pessoas com surdez, além de também ser uma denominação que adquiriu
conotação pejorativa ao longo dos anos.
As diferentes correntes filosóficas para a educação dos surdos permaneceram de forma
dicotômica por muitos anos, até que, durante a realização do Congresso de Milão, ocorrido em 1880 foi
determinado que o oralismo seria o método oficial de ensino para surdos em todo o mundo (INES,
2011). Tal decisão é mantida por muito tempo, até que, a partir da década de 1960, as publicações dos
estudos do americano Stokoe começam a demonstrar que as línguas de sinais apresentavam o mesmo
status linguístico das línguas orais.
No Brasil, esses estudos tiveram desdobramento com as pesquisas que fundamentaram a
gramática da língua de sinais e suas especificidades linguísticas (BRITO, 1995) corroborando com a luta
da Comunidade Surda pelo reconhecimento oficial da Libras – que viria a acontecer com a publicação da
Lei n. 10.436, em 2002 (BRASIL, 2002).
Entretanto, é preciso considerar que a língua de sinais já existia no contexto da educação de
surdos do Brasil desde 1857, a partir da chegada do professor francês E. Huet ao Rio de Janeiro – quando
é fundado o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES. Nessa ocasião, os métodos de ensino
traziam como base a Língua de Sinais Francesa, que influenciou na língua de sinais que seria
posteriormente a Libras. Por esse motivo, a língua de sinais utilizada no Brasil tem suas origens na França
– e não em Portugal, como alguns poderiam imaginar.
Com o reconhecimento mundial do status linguístico das línguas de sinais, após aproximadamente
cem anos de hegemonia oficial do oralismo, houve um período em que a Comunicação Total esteve
predominante enquanto abordagem filosófica. Os princípios dessa abordagem pregavam o uso de todas
as formas possíveis para a comunicação das crianças surdas, tanto a fala quanto os sinais, inclusive de
forma concomitante (GOLDFELD, 2002). Entretanto, tal proposta apresenta seus limites no tocante à
estrutura gramatical de cada língua, o que submete uma língua à outra, quando se realiza a sobreposição
de ambas no momento da comunicação.
Hoje, o Decreto n. 5.626 de 2005 (BRASIL, 2005), que regulamenta a Lei n. 10.436/2002
(BRASIL, 2002), orienta a educação de surdos do Brasil para uma perspectiva bilíngue – ou seja, a Libras
como L1 e o Português como L2. Para tanto, o documento estabelece a importância do professor de
Libras, do professor bilíngue e do Tradutor Intérprete de Língua de Sinais – TILS. Com a publicação
desse documento, o ensino da Libras também se tornou obrigatório nos cursos de formação de
professores, e também no curso de Fonoaudiologia, promovendo a abordagem bilíngue como
pressuposto teórico-filosófico para a educação de surdos na atualidade.

5. Deficiência Auditiva/Surdez

Conforme já exposto aqui, há diferentes concepções de deficiência – centradas em uma


abordagem médico-clínica; ou em uma abordagem socioantropológica. Com relação à surdez, vemos que,
no primeiro modelo, essa condição é compreendida e caracterizada a partir do déficit, sendo denominada
como deficiência auditiva. Já em uma perspectiva socioantropológica, percebe-se o distanciamento desse
modelo médico e a tendência em caracterizar a surdez pelo seu aspecto linguístico, social e identitário,
com grande influência dos estudos culturais (HALL, 2006; PERLIN, 2005). Assim, há indivíduos que
preferem ser denominados deficientes auditivos, enquanto outros irão preferir o termo surdo.
Em todo caso, em se tratando de uma condição que irá afetar diretamente o desenvolvimento
linguístico da criança, é importante que o professor esteja atento aos fatores que podem estar relacionados
à surdez, pois atrasos no desenvolvimento linguísticos afetarão também o desenvolvimento acadêmico
desses estudantes. Entre esses fatores, destacam-se aqueles relacionados ao período em que a surdez se
instalou – se é congênita ou adquirida; pré-natal, perinatal ou pós-natal; e o tipo/grau de surdez, que
poderá direcionar o desenvolvimento linguístico da criança para a comunicação oral ou gestual.
De modo geral, crianças com surdez classificadas como leve ou moderada conseguem
desenvolver a fala, algumas vezes mesmo sem reabilitação fonoaudiológica. Assim, muitas famílias só
descobrem essa condição em seus filhos após solicitação de investigação da parte da escola, ou após
queixas de que esse aluno é “distraído” ou “desatento”.
Por outro lado, crianças com surdez de grau moderadamente severo, severo ou profundo
frequentemente já chegam à escola com atraso de linguagem – com exceção dos casos em que os pais
também são surdos e já utilizam a Libras em casa. De outra forma, é imprescindível que a escola ofereça
a oportunidade de acesso ao aprendizado da língua de sinais por esse estudante, pois, de outra forma,
apenas alocar o intérprete de Libras na sala de aula não irá garantir que essa criança se beneficie da
presença desse profissional.
Em alguns casos, porém, quando as crianças surdas conseguem ter acesso à terapia
fonoaudiológica e conseguem desenvolver a língua oral de forma satisfatória, o uso da Libras no espaço
escolar poderá não ser necessário, sendo essa uma questão a ser discutida coletivamente, com o professor
da educação especial e com a família do estudante.

6. Introdução à Libras

Para os professores que irão atuar com estudantes surdos, é muito importante conhecer a língua
de sinais e sua estrutura, mesmo que a presença de intérpretes de Libras esteja garantida na escola;
promover um ambiente escolar bilíngue implica na importância de que todos os envolvidos se interessem
pelo aprendizado da língua de sinais, a fim de conseguirem se comunicar diretamente com o estudante e,
principalmente, compreender suas dificuldades de aprendizagem.
As línguas de sinais apresentam todos os aspectos gramaticais presentes nas línguas orais-
auditivas, o que permite que, através dessa modalidade comunicativa, seja transmitido qualquer conceito,
concreto ou abstrato (GESSER, 2009).
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as línguas de sinais não se restringem ao alfabeto
datilológico. Este é utilizado apenas para representar as letras do alfabeto, servindo para expressar nomes
próprios ou palavras da Língua Portuguesa que não possuam um sinal correspondente, ou cujo sinal não
seja conhecido pelo(s) interlocutor(es) quando a comunicação estiver acontecendo (QUADROS;
KARNOPP, 2004; GESSER, 2009).
Os sinais da Libras podem ser simples ou compostos, independentemente da forma como
ocorrem na Língua Portuguesa, como ocorre com a palavra guarda-chuva, composta na Língua Portuguesa,
e representada por um único sinal da Libras; e da palavra zebra, representada em Libras pela composição
dos sinais referentes a cavalo e listras.
A Libras possui alguns sinais icônicos, relacionados ao ambiente no qual ocorrem, como por
exemplo, o sinal utilizado para a palavra casa, porém há muitos sinais que não apresentam relação com o
objeto real, que são os sinais arbitrários.
A Libras apresenta cinco parâmetros: configuração de mãos – que é o formato em que a mão
deve estar para a execução do sinal; ponto de articulação – região do corpo em que incide a mão
predominante durante a execução do sinal (podendo ser as duas mãos), sendo que essa região poderá ser
também em um espaço neutro; movimento – executado ou não pela mão predominante, na realização
do sinal; orientação – sentido na direção em que a mão se dirige na execução do sinal; e expressão
facial/corporal – que se relaciona ao contexto do sinal realizado (QUADROS; KARNOPP, 2004).
Há também sinais cuja execução apresenta influência da língua oral, por exemplo, a representação
do sinal usado para “dia”, que é realizado com a mão configurada no sinal correspondente à letra D, no
alfabeto manual; contudo, essa não é uma regra, pois há 64 configurações de mão utilizadas para
representação dos sinais em Libras, raramente associadas à inicial da palavra em Português. Por outro
lado, há palavras da Língua Portuguesa que não apresentam um sinal correspondente na Libras, e que
devem ser, portanto, soletradas com o alfabeto manual para serem representadas durante uma conversa.

7. A escolarização do aluno com Deficiência Auditiva/Surdez

A educação de surdos no Brasil já esteve oficialmente pautada em diferentes modelos teórico-


filosóficos, sendo que as práticas escolares voltadas para o ensino da fala estiveram predominantes
durante muito tempo. Atualmente, as políticas educacionais têm considerado a abordagem bilíngue como
diretriz para a educação dos estudantes com surdez, porém ainda há muita necessidade de reflexão quanto
às possibilidades existentes para o ensino-aprendizagem do Português como segunda língua.
Uma educação bilíngue é constituída por ações e práticas que vão muito além do mero contato
com as duas línguas, e não se restringe à simples sinalização dos ambientes da escola em Libras. É preciso
promover estratégias didáticas que consigam levar o estudante surdo a se apropriar efetivamente da
segunda língua – o que indubitavelmente requer a apropriação da primeira língua
Entretanto, a maioria dos alunos surdos terá os primeiros contatos com a Libras e com o
Português ao mesmo tempo, tardiamente; isso denota uma outra necessidade, que é a de organização
escolar para garantir que esse atraso de linguagem possa ser compensado, com o atendimento educacional
especializado oferecido no contraturno das aulas da classe comum.
Um importante aspecto abordado por Vieira e Molina (2018) quanto às estratégias didáticas, que
muitas vezes são utilizadas equivocadamente pelos professores, refere-se à sobreposição gráfica da Libras
e do Português – prática que não auxilia na apropriação de nenhuma dessas duas línguas. É importante
que os professores tenham consciência de que a Libras, sendo uma língua viso-gestual, apresenta formas
mais adequadas para registro e veiculação das informações, tais como vídeos ou imagens em sequência;
em contrapartida, a Língua Portuguesa escrita é insubstituível no processo de escolarização do estudante
surdo, de modo que tarefas que apresentam palavras substituídas por representações gráficas do alfabeto
manual são totalmente ausentes de sentido para a aprendizagem, tanto da língua em si quanto do
conteúdo curricular ao que a atividade se refere.
Por fim, é importante destacar que os professores que irão trabalhar com o estudante surdo
eventualmente poderão se deparar com o desafio de atuar em conjunto com o intérprete de Libras –
profissional que apresenta função distinta da função docente. Entretanto, o conhecimento, ainda que
limitado, sobre a estrutura da língua de sinais poderá fazer muita diferença no momento de planejar e
discutir as formas de apresentação didática dos diferentes componentes curriculares para o estudante
surdo. Cabe lembrar que a missão de promover o acesso e a inclusão de todos os alunos da escola é
inerente a todos os profissionais que nela atuam.

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