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Ana Paula Simioni Carolina Golber Dária Jaremtchuk Entorno Fúlvia Molina Grupo de Arte

Callejero Gabriela Leirias Goto Janaína André Lina Arruda Marcos Napolitano Marta Penner
Paulo Bruscky Rosa Blanca Sebastião Oliveira Neto Vivian Braga
arte /
estado
De caráter internacional, o ciclo de debates Arte Estado: Possíveis
Relações entre o Sistema das Artes e as Políticas Culturais no Período da
Ditadura Civil-Militar Brasileira, foi um dos 20 contemplados no edital
Conexões Artes Visuais/Minc/Funarte/Petrobras 2012, que teve mais
de 800 inscritos em todo país. O evento foi realizado de 25 a 28 de
junho de 2013, no Centro Cultural São Paulo, em São Paulo.
APRESENTAÇÃO

Durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), aliada à uma jovens pesquisadores e fomentar o diálogo entre pesquisadores
vertiginosa institucionalização e reorganização da área cultural e artistas de diferentes gerações, atualizou a discussão em torno
observa-se uma crescente participação de artistas nos quadros da relação que as artes visuais mantém com o estado brasileiro
funcionais do Estado, bem como a realização de diversas ações desde a instauração da ditadura até os dias de hoje.
artísticas por meio da benesse estatal.
Os textos apresentados aqui formam uma coletânea de alguns
dos relatos e palestras apresentados durante o evento. Além
meio da polaridade resistência-cooptação, fornecendo uma análise de apresentar, documentar e difundir as idéias e as práticas
dos pesquisadores e artistas convidados, os textos coletados
nessa publicação buscam explicitar um pouco da participação
cultura de oposição foi apoiada pela política cultural do regime sem, e dos pensamentos de seus autores em relação aos quatro
no entanto, sucumbir à sua ideologia. eixos principais dos debates promovidos, a saber: “O Artista e o
Estado Autoritário”, a “Produção Artística e o Estado Autoritário”,
Diante da necessidade de reavaliar, aprofundar e atualizar essa a “Arte, Ditadura e Feminismo” e “Arte Contemporânea e o Estado
discussão, foi realizado esse ciclo de debates, que teve por objetivo Autoritário”.
aprofundar e reavaliar certas asserções que relacionam a arte
contemporânea e seus agentes à ditadura civil-militar brasileira,
de debates e difundidas por meio dessa publicação encontrem
ressonâncias nos jovens pesquisadores e artistas brasileiros
como tema central de poéticas contemporâneas. e sejam tomadas como detonadoras para novas pesquisas e
práticas artísticas .
Para tanto foram realizadas quatro mesas-redondas, no período de
25 a 28 de junho de 2013, no Centro Cultural São Paulo, na cidade
Fabricia Jordão
CULTURA E ESTADO
DURANTE O REGIME MILITAR
Marcos Napolitano
CULTURA E ESTADO
DURANTE O REGIME MILITAR1
Marcos Napolitano

O campo da cultura não foi importante apenas no campo da A cultura não fez aproximar, apenas, os setores da oposição civil. O
regime militar, por sua vez, assumindo sua carência de intelectuais orgânicos
o canal utilizado para o Estado estabelecer algum tipo de comunicação
com a a sociedade civil, sobretudo a partir de meados dos anos 1970. uma leitura pragmática da “hegemonia cultural da esquerda”, iniciando um
Dessa maneira, a cultura e as artes foram espaço de experiências de diálogo com alguns intelectuais e produtores culturais da oposição, ainda
resistência e de cooptação e colaboração. A compreensão crítica das lutas sob o governo do General Emílio Médici, que será analisada mais adiante.

esquerda, sobretudo a esquerda comunista. Se o nacionalismo afastava a


mercado e apoiada pela política cultural do regime. esquerda comunista e os liberais, tradicionalmente cosmopolitas no campo
cultural, a defesa da liberdade de expressão e a tradição humanista dos
intelectuais e artistas comunistas no Brasil, os unia. Esta dança errática
cultura de esquerda, responsável pela disseminação de símbolos envolvendo aproximações e afastamentos, alianças e rupturas, constituiu
e valores democráticos e anti- autoritários, o uso indiscriminado e a dinâmica da cena cultural brasileira, que se montava sob uma estrutura
idealizado da expressão “resistência cultural” pode ocultar as tensões e social cada vez mais mediada pelo mercado.

O diálogo entre militares no poder e setores culturais e artísticos


da esquerda consolidou-se ao longo do processo de distensão política,
do jogo de aproximação e afastamento que marcou o arco de alianças iniciado em 1974/75. A partir de então, o regime militar passou a investir em
novos canais de comunicação com setores da sociedade civil, dispensáveis
entre si e destes com o Estado, caracterizada por ações e discursos que no momento de maior repressão e controle policial e a cultura, bem como
iam da colaboração à recusa, passando por vários matizes. O palco destas
ações culturais tinha como elemento dinamizador um mercado de bens poderia incluir até os artistas de esquerda, normalmente mais valorizados

reconhecer que a questão cultural sempre ocupou, ainda que de maneira


1 Palestra realizada no dia 25/06/2013 na mesa “O Artista e o Estado Autoritário”. pouco orgânica, a agenda do governo militar. Seja pela importância
estratégica do controle e da repressão sobre o meio cultural politizado, procuram enfraquecer o governo pela propaganda de descrédito em seus
seja no esforço em normatizar e estimular a produção cultural como um

“mercado era cultura”. E, sobretudo, cultura era mercado. A repressão


sobre a cultura tinha efeitos problemáticos sobre o mercado, até porque,
como dissemos, o setor mais dinâmico do consumo cultural se voltava
para a classe média escolarizada, mais sequiosa por consumir artistas Estado, política cultural e cooptação

literatura, os produtores culturais mais valorizados pelos consumidores, Para pensar a relação entre cultura, sociedade e Estado nos anos
quase sempre eram esquerdistas ou, no mínimo, liberais progressistas e 1970 é fundamental analisar a política cultural3do Regime Militar. As ações
críticos ao regime. que partiam do Estado dinamizaram esta complexa relação, e atuaram
nem sempre de maneira reativa e cerceadora, utilizando apenas o “cutelo
vil” da censura. Embora a censura não tenha sido invenção do regime
e a oposição civil valorizavam a cultura, mas por motivos diferentes. militar, o fato é que seu mecanismo e legislação foram incrementados e
Para a oposição, a esfera cultural era vista como espaço de rearticulação ganharam novos poderes4. Claramente, havia uma expertise burocrático-
de forças sociais de contestação ao regime militar e disseminação dos legal na censura aos meios de comunicação (rádio e TV) e às artes de
2
e 3 Conforme Teixeira COELHO, política cultural
organização das estruturas culturais” (COELHO, T. (org.). . São
parte da estratégia de “reversão das expectativas” da classe média, dado Paulo, Iluminuras, 2001, p. 293), Ainda conforme o autor, as políticas culturais “freqüentemente
apresentam-se ideologizadas, atuando na legitimação da ordem político-social”. As políticas
visando garantir seu apoio à ditadura ou, pelo menos, neutralizá-la como culturais encontram-se motivadas por dois tipos de exigência: a) pela idéia de -
ral
massa de oposição ativa. de pessoas possível e; b) pelas demandas sociais, reagindo conforme as reinvindicações são

Exemplo da primeira perspectiva é o folheto “Como eles


agem”, distribuído pelo governo militar em 1974. No caso, “eles” são os em linhas gerais, no Decreto 20.493, de 24/1/1946, acrescido da Lei 5536 (21/11/1968) e do
comunistas e simpatizantes que, derrotados nas armas, continuariam

extraídas de vários líderes revolucionários, como Lenin, Mao, Bukharin, instaurava a censura prévia, com base na crença de que a “subversão” na cultura se alimentava
da “perversão moral” e diluição dos “bons costumes”. Além destas reformas normativas e dou-
o folheto começa alertando para a presença comunista na cultura: “As trinárias, a Censura Federal se reorganizou do ponto de vista administrativo, tentando ampliar,
organizações esquerdistas vêm tentando conquistar o apoio popular através

grande imprensa, a rigor, era feita de maneira informal, através de canais de comunicação (ou
de pressão, se quisermos) entre o Ministério da Justiça, os donos das empresas jornalísticas e
os editores-chefes. Ver GARCIA, Miliandre.
2 “MEC diz que há subversão até no Mobral”. O Estado de S.Paulo, 31/jan/1974, p. 5 . Rio de Janeiro, Boitempo
(o jornal publicou na íntegra e sem comentários de qualquer espécie) o folheto. Editorial, 2004. Para uma visão geral sobre a censura ver FICO, Carlos.. (Org.). .
5
. A censura à imprensa Nas palavras de Marcelos Ridenti9: “
era mais complicada, pois havia alto custo político em censurar jornais
ligados a grandes corporações capitalistas, comandadas por liberais

comunismo e na luta pela modernização capitalista. Mesmo a censura ao

”.
certo protecionismo, subsídios e volume de produção para, minimamente,
fazer frente ao produto estrangeiro. Esta foi a chave de “colaboração” entre No plano repressivo, o Regime se apoiava em três sistemas10:
realizadores de esquerda e regime militar. A censura a livros e exposições (Serviço Nacional de Informações-SNI, Divisão de Segurança
de artes plásticas também ocorreram com freqüência6 , mas não eram tão e Informações do Ministério da Justiça - DSI); e
(delegacias de ordem política e social, as DOPS e os Centros de Operações
repressiva do regime militar. de Defesa Interna / Destacamentos de Operações de Informações -
CODI-DOI); , a cargo do Ministério da Justiça através da Divisão
Assim, podemos falar em duas formas de política cultural, numa
concepção ampla do termo, durante o regime militar brasileiro7 : uma (complementada pelas Seções de Censura regionais) e o Setor de Imprensa
do Gabinete (SIGAB), responsável por parte da censura à imprensa11.
diretamente coordenadas a partir dos aparelhos de Estado, havia uma
Esses três sistemas repressivos atuaram sobre a vida cultural,
através da “produção da suspeita”12 e do silêncio sobre certos temas,
comunicação, como parte do projeto estratégico de “integração nacional”8. linguagens e produtos culturais. A repressão que se abateu na área cultural
5 Sobre a censura ao teatro brasileiro ver GARCIA, Miliandre. Ou vocês mudam ou não foi linear e homogênea ao longo de todo o regime. Seus objetivos
acabam e intensidade variaram entre 1964 e 1985. Defendemos a existência de
popular ver CAROCHA, Maika L. três momentos repressivos sobre a área cultural que diferem entre si nos
censura musical durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). Dissertação de Mestrado em

Eloisa A. Op.cit ; MARCELINO, Douglas Attila.

7 Jose Brunner considera a política cultural do regime militar brasileiro uma variável
do “modelo mercantil”, marcado pelo clientelismo voltado para o mercado, aliado à prática de
10
de bastante presente, o mecenato do Estado é complementar e subordinado ao mercado. Outro Rio de Janeiro, Record,
dado particularmente importante para entender a aparente contradição na atuação do regime 2001
militar na área cultural, é a inexistência, nesse modelo, de uma ideologia central, sendo que 11
as pequenas ações de fomento se inscrevem nas redes clientelistas, fenômeno que Brunner . Rio de Janeiro, Boitempo Editorial, 2004, p. 187.
. 12

8 ORTIZ, R. . Op.cit.
O primeiro momento repressivo sobre a vida cultural vai de Em primeiro lugar, foi promulgada uma nova lei de censura (Lei 5536,
1964 a 1967, e foi marcado por um objetivo básico: Dissolver as conexões
que também criou o Conselho Superior de Censura (implementado
somente em 1979). Logo depois, surgiu o famigerado decreto Lei 1077,
dos movimentos de alfabetização de base Entre as características básicas de janeiro de 1970, que estabeleceu a censura prévia sobre materiais
deste momento, destacamos o controle da atividade intelectual escrita impressos. Em 1972, no âmbito da Polícia Federal, surgiu a Divisão de
(imprensa), mediante Inquéritos Policial-Militares e processos judiciais,
procedimento denominado pela expressão “terror cultural”, consagrada na
da grande imprensam, guiada pelos “bilhetinhos” emitidos de Brasília,
momento é a existência de uma censura relativamente desarticulada e contendo a lista dos assuntos proibidos. Se a censura de temas políticos
irregular (dando a sensação de tolerância) sobre as atividades artísticas, seria abrandada a partir de 1977, a censura a temas morais no campo das
com ciclos de maior ou menor rigor entre 1964 e 1967, uma vez que a base
porque era anterior e contava com a simpatia dos setores conservadores
da sociedade13.
O segundo, e mais longo, momento repressivo, situado entre o
O terceiro momento repressivo (1979 a 1985) tentava,
mais orgânica e sistêmica, não apenas através da violência policial direta basicamente,
sobre a área cultural, mas também pela reorganização burocrática e legal
Havia uma nova ênfase no controle da “moral” e na promoção
objetivo central, nesse segundo momento, era reprimir o movimento da
estritamente políticos. Em que pese o abrandamento da censura e a
Em outras palavras, a partir de 1968, a tensão entre movimentos “abertura” política a pleno andamento, somente no ano de 1980 foram
sociais e regime autoritário chegou a tal ponto que a cultura efetivamente
desempenhou um papel mobilizador sobre alguns setores da classe foi marcado pela implementação efetiva do Conselho Superior de Censura,
média, principalmente entre os estudantes organizados e cada vez mais numa tentativa de estimular a “intelectualização” da censura e contar com
radicalizados no caminho da luta armada. Portanto, o controle da cultura, a presença de representantes da sociedade civil nesta ingrata tarefa14.
neste período, fez parte da luta contra a guerrilha de esquerda e contra
No campo da política cultural proativa, o regime militar tentou
de produtos culturais. Também é verdade que dentro dos setores da
oposição, as lutas culturais também sinalizavam para uma divisão interna,
visível nos embates entre os adeptos do Tropicalismo vanguardista e os e promotor da “brasilidade”, vista como elo principal de “integração
simpatizantes de uma arte engajada mais convencional e realista.
13 Sobre as diferenças, interações e tensões entre censura moral e censura política
ver FICO, Carlos. “Prezada Censura”: cartas ao regime militar. Topoi - Revista de História, Rio de
Janeiro, v. 5, p.251-286, 2002.
e juridicamente, para atuar como censor implacável das manifestações
14 ALBIN, Ricardo Cravo. Driblando a censura. De como o cutelo vil incidiu na cultura.
culturais. Alguns fatos jurídicos e burocráticos traduzem este processo. Rio de Janeiro, Gryphus, 2002
Nacional de Cultura” (PNC), às vezes conhecido como Política Nacional
de Cultura, elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1975 e
lançado em janeiro de 197616.
como havia sido aquela empreendida pelo Estado Novo getulista (1937-
1945)15. A questão da “integração nacional” era um dos pilares da Doutrina Além dos seus aspectos doutrinários na direção de um
de Segurança Nacional e o mercado tinha um papel fundamental neste
“objetivo permanente” do Estado, pois a cultura nacional era vista como grande reorganização burocrática no setor cultural do governo, com

tais como o Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA), a Fundação


como cânones da cultura ocidental. Para a esquerda, a questão da cultura
nacional era vista como tática de defesa contra o imperialismo norte-
americano e meio de conscientização das camadas populares, projeto
acalentado desde antes do golpe militar. Assim, o Estado de direita e os
Ironicamente, poderíamos caracterizar a PNC como a tentativa
de estimular uma cultura brasileira “nacional-popular”, sem luta de
trocados.
cultura nacional autônoma, produzido ao largo dos meios de comunicação
Na montagem de seu plano de governo, ainda em 1973, o General de massa17. O ministro Ney Braga, na apresentação do Plano, reiterava que
Ernesto Geisel convidou setores da intelectualidade de oposição, inclusive seu objetivo era “zelar pelo patrimônio cultural da nação, sem intervenção
alguns dramaturgos e cineastas de esquerda que já se constituíam como do Estado, para dirigir a cultura”18. O recado era claramente destinado aos
grupos de pressão organizados, para discutir a futura política cultural. produtores culturais críticos ao regime, buscando o “reconhecimento do
processo de abertura estendido à área cultural”19. Portanto, em que pese
prevalecendo ainda muitas análises estritamente valorativas e pouco sua visão conservadora e funcionalista de cultura, o documento tinha
muitos pontos em comum com uma determinada visão de cultura da
da “brasilidade”, quando o general-presidente retomou uma política esquerda nacionalista, consolidando um canal de diálogo entre oposição
cultural de cunho nacionalista e protecionista, não era de se estranhar
que ela funcionasse como canal de comunicação com os setores culturais que se anunciava.
de oposição, herdeiros, em parte do conceito de brasilidade abrigado pelo
Estado desde os anos 1930. O principal momento da vertente proativa da
política cultural do regime militar, que, diga-se, conviveu muito bem com 16
as políticas repressivas, foi sintetizado pelo documento intitulado “Plano
pdf , acessado em 01/09/2010.
15 17
WILLIAMS, D. Op.cit. p.. 108.
VELLOSO, Monica P.”Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo”. 18 Política Nacional de Cultura/MEC., p. 5.
- 19 SILVA, Varderli Maria
. Campinas, Ed. Papirus, 1998 diretrizes e programas
A ênfase nacionalista, a defesa do patrimônio e a promessa
de apoio ao produto nacional de “qualidade”20 , ameaçado pela cultura
estrangeira e sem espaço na industria da cultura, sinalizavam uma outros. A PNC Tinha como eixo de atuação central o estímulo às áreas de
incorporação de certas demandas dos produtores culturais de esquerda.
O texto assumia que seu “objetivo maior era a realização do homem o “tripé” da cultura engajada de esquerda. O Estado, portanto, tentava
brasileiro como pessoa”21 e, para tal, era preciso defender a cultura neutralizar os efeitos eventualmente politizadores desse tripé artístico
brasileira em dois níveis: o regional e o nacional. A “cultura brasileira”,
socioculturais pelos quais as obras deveriam circular pela sociedade,
desvios de rota nos valores fundantes da brasilidade, causados pelo rápido
desenvolvimento capitalista. Ao articular a política cultural à realização em relação ao Estado e matizando o radicalismo no tratamento dos
temas. Neste sentido, a política cultural proativa baseada no mecenato,
funcionalista da Escola Superior de Guerra e sua Doutrina de Segurança complementava a obra repressiva iniciada ainda em 1964, qual seja: cortar
Nacional22 . Entre suas diretrizes básicas estavam a “generalização do os elos da cultura nacional-popular de esquerda com as organizações de
acesso à cultura” e a “defesa da qualidade” (leia-se, decoro no tratamento trabalhadores e de massa.

academicismo estético). Estes dois parâmetros permitiriam a construção


de uma política de subsídios na produção e no consumo e de um apoio
às variáveis mais conservadoras, no plano estético, da cultura de oposição.
O documento explicitamente recusava o “culto à novidade” e o produto

de “baixo nível”, notadamente os importados.

Este conjunto de políticas culturais, sintetizado na PNC foi


marcado pela articulação bem sucedida entre mercado e mecenato

23
, vetando apenas os
20

aproximação entre setores da oposição de esquerda e a burocracia da cultura. Ambos critica-


vam o “mau gosto” na linguagem, a vulgaridade e o erotismo, coincidindo na busca de um certo
decoro estético.
21 PNC/ MEC, p.8
22 SILVA, Vanderli Maria. .
23 Reconhecemos que houve uma tentativa de canalizar o ufanismo nacionalista
CONSIDERAÇÕES ÀS REFLEXÕES DA MESA:
O ARTISTA E O ESTADO AUTORITÁRIO
CONSIDERAÇÕES ÀS REFLEXÕES DA MESA:
O ARTISTA E O ESTADO AUTORITÁRIO

María Iñigo Clavo*

Eu pensava em como os textos têm mudado desde que os recebi 1. O COLETIVO COMO DESAFIO

O CANDIDATO Entorno como ente coletivo adquire mais relevân-


eles sejam muito mais pertinentes. É difícil ter uma postura clara agora cia que nunca num momento de empoderamento popular, mas também
mesmo e muito mais à distância. Vou tentar misturar as anotações que numa clara crise de representação política como a que está acontecendo
eu já tinha feito a partir das propostas dos palestrantes com algumas agora no Brasil. Essa máscara coletiva é a que os manifestantes usam. Em-
ideias sobre o que está acontecendo no Brasil a partir das informações e bora isso às vezes possa ser confuso, são candidatos a fazer política, como
das conversas que tive com alguns colegas1. Poderíamos começar citando falava Clarissa, trata-se da candidatura em si mesma como uma condição
- de existência. O grupo Entorno também fala nos seus textos de trabalhar
ção à política tradicional, os políticos e os partidos, que apontava para a de um jeito coletivo e do problemático disso. Acho que o fenômeno de co-
necessidade de novos procedimentos políticos a ser criados ou mesmo letivização nos grupos artísticos no campo das artes, de alguma maneira,
resgatados, “ou mesmo resgatados” (13). Gostaria sublinhar essa ideia de
resgate para poder pensar qual é o jeito como se dá o resgate. anos no Brasil. O campo das artes é, frequentemente, um bom termômetro
do que está por acontecer e, sobretudo, da relação da sociedade com a
política. Nosso campo já estava falando de um novo sujeito político que
no Brasil está se concretizando.

-
dade de posturas sem vê-las como uma ameaça e sem as antigas posturas
Sebastião Oliveira Neto e Grupo Entorno para a Mesa: O Artista e o Estado Autoritário. E no dia paternalistas (da esquerda tradicional). Trata-se de lidar com o dissenso
da mesa, foi exebido um vídeo com suas considerações.

1 Quanto às palavras que troquei com alguns colegas, queria agradecer por suas
visões a Gisele Ribeiro, Giuseppe Cocco, Luis Ferla, Bruno Schultze e Ronaldo Grossman.
La política en efecto no es en primer lugar el ejer- a que hablar de este tema, forzar la red de infor-
cicio del poder o la lucha por el poder. Su marco mación institucional, nombrar, decir quien ha hecho
qué, designar el blanco, es una primera inversión del
en primera instancia. La primera cuestión política poder, es un primer paso en función de muchas otras
luchas contra el poder2.

para discutir al respecto. La política entonces es en


- O ENTORNO falou na sua ação “O povo agora fala...”. Eu gostaria
de questionar esse uso da palavra povo que há algumas semanas tem se
comunes.
-
sileira. Acho que deveríamos começar a considerá-lo obsoleto ou senão
Em outras palavras, dissenso seria um meio de união que agora
sempre uma massa de gente sem uma capacidade de articulação (Cul-
os coletivos do Brasil podem usar como uma ferramenta para dar uma
pável ignorância, culpável imaturidade como diria Enrique Dussel), igno-
identidade comum aos protestos, às assembléias, e aos seus processos de
politização.
horizontalidade no diálogo: agora teríamos que pensar num novo sujeito
político que está emergindo no Brasil e em todo o mundo3
lembrava dessa citação do manifesto do 15M escrito na madrugada do dia
18 de maio de 2011 na Puerta del Sol em Madri4:
-
rando as hierarquias sociais.
El descrédito de la política ha traído consigo un se-
cuestro de las palabras por parte de quienes deten-
2. AS PALAVRAS tan el poder. Debemos recuperar las palabras, resig-

se deje a la ciudadanía indefensa e incapaz de una


Foucault falava da relação dos intelectuais com o poder numa
acción cohesionada.
entrevista com Deleuze em 1972. Para ele:

La función del intelectual dentro de la sociedad no


2 Foucault, Michel. . Entrevista com Deleuze, 1972. In:
consciente, sino la de luchar al lado de todos ellos Microfísica del poder. Madrid, .Ed. La Piqueta. 1989.
- 3 http://outraspalavras.net/posts/outros-valores-alem-do-frenesi-de-consumo/
- 4 -
cha, no se debe a que nadie tuviera conciencia, sino . Em coversa por e-mail com Gisele Ribeiro e Rafael Sanchez Mateos pensan-
do os protestos.
Poderia se fazer uma lista de palavras a ser resgatadas: cidada- rar a política como uma mera questão temática para um trabalho de arte,
nia, povo, população, política, partido, bandeira, nacionalismo, etc.
sentido acho muito acertada a proposta dele de deixar de considerar o
Darcy Ribeiro5 defendia nos anos setenta que a classe média contexto artístico como um mas sim que o contexto mes-
tinha uma posição atenuadora ou agravante das tensões sociais. Assisti- mo está politizado.
mos agora a um reconhecimento da autonomia da população de todas as
faixas sociais para poder falar, justo como já argumentou Foucault acima. Gostaria de aproveitar este momento de excepcionalidade e de
- crise de representação que se está vivendo para mostrar algumas intui-
mou de politizar o sofrimento. ções sobre outro pretenso circuito branco
arte. Esta mesa de trabalho está baseada numa análise das continuidades
Todo esse questionamento das palavras sequestradas, como -
povo e cidadania, da ideia de representação política e partido que está nosso porque eu me sinto
em crise tem a ver com a crise também das grandes MACRO-categorias parte dele).
políticas e nacionais que estão também em disputa nas ruas do Brasil. Vou As narrações nacionais, como sabemos, são uma lição para pra-
aproveitar esse momento para apontar algumas ideias: ticar, um mantra que se repete e se repete, que termina por parecer um
adestramento. Se as macronarrativas nacionais (em geral) são como as
margens de um rio que determinam o seu percurso, a foz, e seus pontos de
4. A RECONTEXTUALIZAÇÃO
que perdemos com continuar essa narração brasilcêntrica

-
Neto criam uma interessante genealogia entre os anos setenta e a épo-

-
uma aproximação do cotidiano político que é incluído nos processos poé- xas, mas algumas intuições têm a ver com como as categorias nacionais e
ticos para se afetar mutuamente (essa era uma das preocupações princi- seus símbolos geralmente mostram coisas para ocultar outras, encobrem
pais da modernidade inconclusa da qual falava Habermas). GOTO fala da
importância de atuar sobre os modos de produção em alusão a Benjamin e de legitimação. Isso é o que me parece: algo que poderia ser revisa-
e seu texto clássico “O autor como produtor”, ou seja, vai além de conside- do. Renato Ortiz mostrava como as categorias antigas convivem com as
5 Darcy Ribeiro, em sua análise da sociedade brasileira dos anos 70 explicava o
caráter ambíguo das classes médias: “el estrato intermedio opera como atenuador o agravante setenta se reeditaram os livros de Gullar ou Pedrosa da década anterior
de las tensiones sociales y es llevado a ajercer, ora el papel de agente del mantenimiento del
(quase 20 anos depois), mas num momento no qual a produção de es-
México [etc.] . Siglo Veintiuno. 1975. p.102.
querda começava a ser um produto de consumo e quando palavras como nascido já é a ruína do futuro: o Museu do Amanhã do Rio de Janeiro7
subdesenvolvimento ou cultura começavam a ter um sentido diferente. Os museu que está por vir, mas que nunca chega, que não se termina. Plane-
novos sentidos convivem com os antigos (Homi Bhabha falava de “crença jado, aliás, por um arquiteto espanhol (Calatrava, que representa a “marca
Espanha”) e está envolvido em muitos casos de escândalos com prédios
monumentais que sempre precisam de muitas reparações e que, por isso,
Essas referências dos anos setenta são nossos pontos de refe- duplicam seu preço inicial.
rência para realizarmos uma leitura do que acontece agora numa inter-
pretação que se construiu como um palimpsesto, e acho que os termos
experimentam um processo de distorção. Quais são os inconvenientes de como o um lugar para pensar o futuro de uma forma participativa. A in-

contradizer, mas, mesmo assim, me contradizendo, vou citar Oiticica: Para Amanhã será um ambiente de experiências que permitirá ao visitante fa-
zer escolhas pessoais, vislumbrar possibilidades de futuro, perceber como

Então esse Museu do futuro se pensou como um simulacro de participa-


Penso em quais seriam as consequências de colocar esses de-
possibilidades que o curador terá previsto. A metáfora poderosa é que
exemplo, para a #GlobalRevolution (a rede internacional de revoltas) uma não é um museu do passado, uma máquina de consagração de obras de
arte, de legitimação dos discursos nacionais e das nossas formas de co-
com as redes mundiais6 (pode ser uma boa metáfora de certo caráter iso- nhecimento com os grandes nomes. É um museu do futuro que já está em
ruínas.

É esse futuro que está em ruínas e que deve que ser reconstruído
5. UM PONTO DE FUGA NO PASSADO VS. RECONSTRUÇÃO DAS RUÍNAS DO nesse momento. Obrigada.
FUTURO

O Candidato Entorno inaugurou alguns espaços abandonados

desenvolvimentistas passadas como ruínas no futuro. Eu queria propor


que o Candidato, um anônimo, inaugurasse um espaço que sem sequer ter
- Barbara Szaniecki e Gerardo Silva:
na_0_146985541.html archives/003554.html
1960/70>>>2000/10:
ITINERÁRIOS DE UMA FORMAÇÃO POÉTICO-POLÍTICA
1960/70>>>2000/10: ITINERÁRIOS DE
UMA FORMAÇÃO POÉTICO-POLÍTICA
Sebastião Oliveira Neto

Pensar sobre a produção artística brasileira do período da Rio de Janeiro, Hélio Oiticica vai para o vernissage acompanhado dos
recente ditadura civil-militar e suas implicações e reverberações nas moradores da comunidade do morro da Mangueira, que são impedidos de
gerações posteriores não constitui tarefa simples. Muitos caminhos já entrar para realizar sua performance com os parangolés. Dois anos mais
foram traçados para relacionar esses distintos momentos, tendo sido tarde, em 1967, ele escreve um texto (OITICICA, 2006, p. 154-168)1 para
construídos diferentes olhares sobre essa mesma questão. No presente o catálogo da exposição , realizada também
texto vou, então, procurar traçar um itinerário pessoal trazendo à tona no MAM-RJ, onde aponta seis características da nova arte de vanguarda
algumas ações artísticas de cunho político dos anos 1960/70 e dos anos brasileira, entre elas a tomada de posição em relação a problemas políticos,
2000/10, estabelecendo algumas relações e aproximações, mas, sobretudo, sociais e éticos e a tendência a uma arte coletiva. No mesmo período, de
destacando a conexão dessa série de trabalhos como um possível eixo 1966 a 1972, houve as edições da exposição
no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, na qual o museu é usado
como espaço de produção coletiva e colaborativa, constituindo-se, assim,
como um foco de resistência cultural a partir das ousadas e corajosas
atitudes de seu diretor Walter Zanini.
Anos 1960/70 no Brasil: alguns referentes de uma produção
Entre os tantos trabalhos artísticos que aqui poderiam ser
artística pautada pela crítica social em um contexto político citados, considero dois outros projetos/manifestos artísticos daquele
repressivo período como emblemáticos em suas relações com o contexto político-
cultural de repressão. O primeiro é o texto “Manifesto”2 de Artur Barrio
A segunda metade da década de 1960 foi um período bastante (2006, p. 262-263), lançado em 1970, no qual ele ataca as categorias de
conturbado cultural e politicamente, com uma série de manifestações de
resistência cultural, em várias partes do mundo, de uma juventude até importados considerados caros; sai em defesa do uso de materiais
então sem voz. No caso brasileiro, com o golpe militar de 1964, a censura
vai impondo limites a toda a produção cultural e artística, o que acaba por -
TRIM, Cecília. (Orgs.). . Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2006. p. 154-
fortalecer um sentimento de guerrilha cultural em parte dos artistas do 168.
período. Naqueles anos, realizou-se várias exposições e ações claramente
Escritos de
. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2006. p. 262-263.
político como um todo. Em 1965, na exposição no MAM do
perecíveis e precários, como lixo, papel higiênico, urina etc. Barrio atacava do anti-imperialismo norte americano, gravada em um de seus maiores
conscientemente o sistema de arte de seu tempo, seu elitismo e estagnação; símbolos culturais: a coca-cola. Já o se caracterizava
ao passo que propunha a realização de situações momentâneas com o uso pela gravação de informações e opiniões críticas nas cédulas e a sua
de materiais perecíveis, uma resposta de baixo para cima a essa imposição recolocação em circulação. A mais conhecida e emblemática desse projeto
de padrões estéticos nada condizentes com o contexto político-cultural
latino-americano. Em , realizada em Belo Horizonte em 1970,

ossos, carne e outros materiais orgânicos - por um rio da cidade mineira, que fora um suicídio. Em ambos os projetos, Cildo Meireles propõe uma
outra circulação para a obra de arte, inserindo-a no campo da cultura,
qualidade do material utilizado, mas pelo fato de naquele momento
milhares de pessoas terem sido desaparecidas, assassinadas, exiladas e/ou processo/procedimento foi posteriormente bastante difundido nas redes
torturadas, em um regime que buscava esconder a sua violência. Por meio de arte postal que se formaram ao longo dos anos 1970, que propunham
uma circulação rizomática4 e descentralizada de trabalhos de arte que
ele chama a atenção para um contexto político de repressão que assolava utilizava o correio como suporte privilegiado, construindo “uma poética
muitos países da América Latina. surgida na urgência de estruturas de substituição, em nível internacional”
(ZANINI, 1977 apud FREIRE, 1999, p. 79).5 Essa estratégia de circulação
Outro importante projeto realizado nesse período foi muitas vezes operava diretamente num contexto político de resistência,
, de Cildo Meireles, desenvolvido em uma série de já que constituía uma possibilidade de comunicação livre em países com
trabalhos durante os primeiros anos da década de 1970. Em um texto uma censura altamente repressora, tais como os países da América Latina
homônimo, escrito em 1970, ele aponta os limites da proposição de ou do Leste Europeu.
Marcel Duchamp que, ao retirar o objeto de seu uso cotidiano para ser
refuncionalizado como obra de arte, contesta o sistema de legitimação

que a interferência de Duchamp foi ao nível da arte e o que se faz hoje qualquer crítica social. Dentro desse contexto de início de abertura política
surge na cidade de São Paulo um grupo de jovens artistas que coloca suas
interferência política. Porque se a estética fundamenta a arte, é a política
que fundamenta a cultura (MEIRELES, 2006, p. 264).3 crítica do sistema da arte e da sua relação com os espaços institucionais,

Dentro dessa perspectiva e com o objetivo de fazer o caminho de São Paulo entre 1979 e 1982, formado por Hudnilson Jr., Mário Ramiro

inserções,
4 Apropriação do conceito formulado por Gilles Deleuze e Félix Guattari, que enun-
o eo . No primeiro gravava nas garrafas cia que um rizoma “conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus
de coca-cola informações e opiniões críticas e as devolvia à circulação. traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; ele põe em jogo regimes de

Rio de Janeiro, Editora 34, 2004. p. 32.


- 5 ZANINI, Walter. apud FREIRE, Cristina. .
TRIM, Cecília. (Orgs.). . Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2006. p. 264. São Paulo. Iluminuras, 1999. p. 79.
entre os quais destaco a intervenção Ensacamento, realizada na madrugada
da mídia tática no Brasil (p. 222).
Paulo foram ensacados. No dia seguinte, os principais jornais divulgaram a
ação como de cidadãos anônimos. O grupo fez um mapeamento prévio das Por outro lado, em relação a esta descontinuidade geracional,
obras e em uma ação planejada propôs a desconstrução dos monumentos, Ricardo Rosas, pesquisador do coletivismo artístico brasileiro e de suas
fazendo com que aquela série de esculturas ganhasse um novo sentido implicações políticas, chega a dizer que a arte coletiva de teor ativista no
perante os transeuntes que talvez nem as notassem mais. Brasil talvez tenha pouca tradição. Apesar da referência das experiências

Vale a pena lembrar que eles não agiam sozinhos, pois houve 1970/80 ou das proposições anteriores politicamente questionadoras,
uma explosão de coletivos de arte na virada dos anos 1970 para os 1980
6
Viajou Sem Passaporte, Manga herança foi perdida em algum momento dos anos 1980. Nesse sentido,
Rosa, Gextu, Tupi Não Dá e outros coletivos cujo eixo comum em suas tanto as proposições coletivas sofreram um hiato temporal, como “as
ações conceituais mais politicamente incisivas no Brasil não tiveram
de circulação, produzindo estratégias de participação. Entre suas ações
alguma validade” (ROSAS, 2005a).8
em peças de teatro, ocupações coletivas de outdoors, utilização da mídia
para a realização de trabalhos etc.

e foi somente nos primeiros anos da década de 2000 que houve no


Brasil uma nova onda de coletivismo, também marcada pela crítica à
de diferentes modos na cidade de São Paulo na passagem dos anos 1970 institucionalização da arte, em proposições de circuitos alternativos ou

relações produzidas em um espaço urbano agenciador de exclusão social.


a compreensão do que houve depois, nesta década recém-encerrada No entanto, a diferença aqui talvez consista na singularidade do contexto
de 2000. Não como desdobramento de uma sequência linear de fatos político-social de uma era de globalização neoliberal e do capitalismo
encadeados, mas talvez como referência de uma inquietação que segue
presente, ainda que descontínua. no processo de produção dos coletivos artísticos críticos a esse estado de
coisas.
Como diz André Mesquita, de certa forma, as interversões7 do

e os trabalhos com xerox de Paulo Bruscky, bem como as


de Meireles, fornecem de maneira direta ou indireta

São Paulo.
Annablume/Fapesp, 2011.

alteração da ordem natural das coisas. 8 ROSAS, Ricardo. “Notas sobre o coletivismo artístico no Brasil”, 2005a.
Anos 2000: arte/rede/ativismo/coletivismo vanguardas do século XX e do movimento da contracultura, esses grupos
também apresentam descontinuidades em relação a essas aproximações
No início do século XXI há o delineamento de uma nova situação anteriores entre arte e política. Suas noções de engajamento e atuação
política se inserem no contexto dos novos movimentos sociais, que
o comunismo como sistema político praticamente deixa de existir e o têm uma organização bastante diferente da hierarquia de grupos como
neoliberalismo chega a uma situação de domínio quase absoluto das sindicatos e partidos políticos, uma vez que trabalham na perspectiva da
relações socioeconômicas e da produção de subjetividade9, por outro foi horizontalidade, da autogestão, das coalizões temporárias e das ações
justamente na primeira década deste novo milênio que (re)surgiu uma nova organizadas em redes (p. 3). Além disso, apesar de haver stico no Brasil,
sendo que, muitos deles propondo açalguma herança nos coletivos
em rede, que é também uma das características da economia capitalista dos anos 2000 das práticas de gerações anteriores, suas ações em
globalizada, ativistas de todo o globo passaram a organizar ações contra
antecessores. Segundo Ricardo Rosas:
Econômico Mundial, as visitas do presidente estadunidense George W.
Bush a outros países etc. E é exatamente nessa conjuntura que foi se A intervenção urbana, dialogando com o espaço da cidade
formando uma rede de coletivos ativistas no mundo todo, propondo novos
10
não-partidária, descentralizada,
festiva, heterogênea, e que atua em colaboração com diversos outros
tipos de coletividades, tais como os movimentos populares e os coletivos local, quebra do protocolo “sério” da arte convencional, participação do
de artistas.
e não na “monumentalidade” Conscientes ou não destes detalhes, os
Nesse momento peculiar surge uma nova explosão de artistas e coletivos da intervenção urbana transgrediam (e continuam a
coletivismo artístico espalhado por várias partes do Brasil. Muitos desses
grupos propõem ações que são práticas de intervenção em espaços clichês comportamentais, introduzindo igualmente ações e interferências
absurdas ou surreais [...] (ROSAS, 2005b).12
virtuais e presenciais de comunicação (GONÇALVES, 2010, p. 2).11 Apesar
de atuarem na interface entre ações de contestação e formas artísticas Em meio à introdução dessas novas proposições estéticas
não convencionais, e de suas propostas terem alguma herança das no espaço urbano, começam a surgir dezenas de formações coletivas
espalhadas por várias cidades brasileiras, tais como São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Goiânia,
o qual “tende, cada vez mais, a descentrar seus focos de poder das estruturas de produção de entre outras.13
bens e de serviços para as estruturas produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade, por
intermédio, especialmente, do controle que exerce sobre a mídia, publicidade, as sondagens,
As três ecologias. Campinas, SP. Papirus, 1990. p. 31. 12
10 2005b.
. São Paulo. Conrad, 2002. 13 Alguns dos coletivos mencionados no texto supracitado de Ricardo Rosas são: For-
11 GONÇALVES, Fernando do Nascimento. “Poéticas políticas, políticas poéticas: co- migueiro, Los Valderramas, Bijari e A Revolução Não Será Televisionada (São Paulo); Movimento
municação e sociabilidade nos coletivos artísticos brasileiros”. In: Terrorista Andy Warhol, Cramen y Carmen e Atrocidades Maravilhosas (Rio de Janeiro); Grupo
. Brasília, v.13, n.1, jan./abr.2010. p. 2.
Nesse contexto global de novas formas de atuação política e de Para abordar tal processo tomei emprestado o conceito
explosão de coletivos artísticos no Brasil, surgiu na cidade de São Paulo situacionista que postula a como um “momento da vida,
um acontecimento ímpar, decorrente da aproximação de duas diferentes concreta e deliberadamente construído pela organização coletiva de uma
ambiência unitária e de um jogo de acontecimentos” (INTERNACIONAL
anos 1990: o encontro entre coletivos artísticos e o movimento popular 15
Assim,
de luta por moradia, ocorrido entre os anos 2003 e 2007, na Ocupação esse processo colaborativo foi uma situação construída por diversos
Prestes Maia, no centro da cidade. Esse processo de colaboração entre agentes ao longo de alguns anos e que pode ser desdobrada a partir
artistas, coletivos de arte e o Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), de três acontecimentos distintos, tomados como ações delimitadas
o qual denominei em um outro momento de temporalmente que de algum modo se sobrepuseram.
teve como cenário o centro velho da cidade de São Paulo e aconteceu,
principalmente, na ocupação de mesmo nome. A primeira ação foi uma exposição de arte que contou com a
presença de centenas de artistas e coletivos, realizada nos dias 13 e 14
de dezembro de 2003 nos dois blocos da Ocupação Prestes Maia, e que
foi batizada como

artistas foram convidados a se retirar daquela comunidade, tendo retornado


cerca de um ano e meio depois, em um momento que a ocupação passava
por uma séria ameaça de despejo. Este segundo ato durou praticamente

político-cultural de apoio ao movimento de resistência ao processo de

de coalizão de coletivos artísticos organizados em rede, denominada


. Contou com a participação de dezenas de pessoas
que realizaram diversas ações dentro e fora da Ocupação Prestes Maia.
Entre outras estratégias midiáticas e de comunicação, a rede
criou um blog16 onde eram publicados diversos materiais
sobre a situação das ocupações no centro de São Paulo, ações artísticas
realizadas junto aos movimentos de luta por moradia, bem como outros
movimentos sociais.

Frente 3 de Fevereiro. Zumbi Somos Nós. Ocupação Prestes Maia, 2006

14 OLIVEIRA NETO, Sebastião. 15


1958) apud
a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p. 65.
16
apesar de ter ocorrido em março e abril de 2006, durante as ações do
movimento . Teve a participação de 13 coletivos
artísticos atuantes na Ocupação Prestes Maia17 - com a Sala Especial
- na IX edição da , evento que coloca
em questão a aproximação entre arte e política em um novo momento
de risco de despejo das 468 famílias que viviam naquela comunidade

17
Cachorra, COBAIA, Contra Filé, Coringa, Experiência Imersiva Ambiental (EIA), Elefante, Esquele- foto: Antonio Brasiliano
to Coletivo, Frente 3 de Fevereiro, Nova Pasta e Tranca Rua. Coletivo Elefante. Barricada Dignidade, 2005 / Capacho Dignidade, 2006
Sem aprofundar mais aqui as tantas reverberações que tal
situação desdobrou, considero oportuno destacar que esse foi um encontro
cheio de potências e contradições. Entre o risco de apropriação indevida
da imagem de uma comunidade marginalizada e a sua potencialização
através da criação de dispositivos de visibilidade midiática e de troca
de experiências, construiu-se um campo de discussão acerca das tensas
relações entre as práticas artísticas coletivas e o ativismo político dos
movimentos sociais.

Ilustrando o coletivismo artístico atual e a proposição de


intervenções urbanas: uma possível resistência poética aos OCUPEACIDADE. Sonho Meu Imóveis, 2011
processos de especulação imobiliária e de mercantilização do
espaço urbano?
que teve início no programa de residência artística “Obras em Construção”
da Casa das Caldeiras (2010/2011, São Paulo), sendo que desde então

Parte da rede de coletivos que se formou a partir das ações na ao mercado imobiliário através de ações artísticas/poéticas pela cidade
Ocupação Prestes Maia entre 2003 e 2007 se rearticulou em 2012 no de São Paulo. No projeto (2012)19
2
,
projeto , por meio da proposição de ações que colocaram em desenvolvido conjuntamente por nove coletivos artísticos atuantes em
discussão a intervenção urbana e a prática coletiva na atualidade18Destaco São Paulo, através de edital do PROAC da Secretaria Estadual de Cultura,
aqui a minha participação nesse projeto através da atuação do coletivo a
. eles: a) um pseudo-empreendimento imobiliário que visa problematizar

especulativa de determinadas regiões urbanas e de expulsão sistemática


Matilha. São Paulo.
Invisíveis Produções, 2012.
Num desdobramento posterior dessa ação, já em 2013, foi
construída com o objetivo de estabelecer coletivamente um espaço de realizado em três diferentes contextos o trabalho Território em processo de
jogo entre os habitantes da cidade a partir da negociação de desejos, Primeiramente em duas ações festivas
modos de vida, espaços construídos, relações interpessoais, vazios urbanos, coletivas realizadas no bairro de Pinheiros, São Paulo: uma na festa de
espaços imaginários etc. despedida do Bar do Seu Zé e outra na ação ,
ambas organizadas pelo coletivo Barulho.org em parceria com outros
grupos e ambas com caráter crítico em relação ao processo de especulação
20
, realizado em abril de 2013 no entorno do Elevado
Costa e Silva, o Minhocão.

OCUPEACIDADE. Sonho Meu Imóveis, 2012

tinham como objetivo construir um processo de colaboração entre os


propositores e transeuntes, de modo a fazer um levantamento dos desejos
urbanos das pessoas abordadas e retrabalhar tais propostas em placas

Paulo.
Esse trabalho consiste na colagem de centenas de cartazes

especulação imaginária”. Nossa proposta é colocar em questão o quanto


ainda seria possível imaginar outros modos de ocupação e produção do
espaço urbano, onde o conceito de é apresentado

pela especulação imobiliária, ou ainda como uma resistência poética à


mercantilização do espaço urbano.

E daí?

Tendo já ilustrado alguns pontos de contato entre arte e política


a partir de poucos trabalhos de diferentes momentos, cabe ainda esboçar
alguma conexão entre esses contextos talvez tão distintos. Essa tentativa
de traçar um itinerário constituído pelo trabalho de determinados artistas
e coletivos, ao longo de aproximadamente 50 anos, tem o objetivo de, se
não encontrar, forjar uma genealogia descontínua de práticas artísticas
de caráter crítico-político preocupadas com a produção dos espaços de

artistas e grupos participantes da Ocupação Prestes Maia (entre 2003


e 2007) ou mesmo em coletivos artísticos atuantes na atualidade. No
entanto, existe algo de uma mesma inquietação nesses artistas todos,
uma vez que, de modos diversos e em tempos distintos, apropriaram-se
das questões socioculturais de seus contextos de vida para a produção
de seus trabalhos. Aproximaram-se do cotidiano político e o incluíram em
seus processos poéticos, com a pretensão de mudarem ambos, afetando-
se um pelo outro. Nesse caso é mais fácil visualizar o quanto tais trabalhos
foram afetados pelo contexto político; já o contrário é mais nebuloso e
de difícil avaliação. Ou seja, em que medida trabalhos artísticos podem

OCUPEACIDADE. Território em processo de especulação imobiliária/imaginária, claramente repressivo e autoritário como foi a ditadura militar no Brasil
2013
ou em um contexto velado de repressão e autoritarismo tal qual o
capitalismo neoliberal que ainda vivemos, a resposta à questão anterior é
bem nebulosa e cheia de camadas.

Não acredito que seja possível respondê-la aqui, mas algumas especulações
imaginárias podem ser esboçadas. Seja em trouxas ensanguentadas
lançadas em um rio, remetendo a tantos mortos e desaparecidos por um
estado repressivo; seja em cédulas retiradas e reinseridas em circulação

em estátuas com as cabeças encapuzadas com plásticos pretos, imagem


que remete aos tantos presos políticos torturados; seja em ações coletivas
que dão visibilidade midiática para os movimentos de luta por moradia

contradições; seja em placas absurdas que apontam os diversos modos


imaginários de ocupação e invenção do espaço urbano em processo de
especulação imobiliária. Existe em todas essas situações algo comum que
move a produção artística em direção um posicionamento crítico que se

tal como um vírus, aparece, desaparece e torna a aparecer quando já não


se espera.*

*Texto desenvolvido para a mesa “Produção artística e o Estado Autoritário”, realizada no dia
26/06/2013.
RESQUÍCIOS DA DITADURA EM UMA ARTE (IM)PENSÁVEL
RESQUÍCIOS DA DITADURA EM UMA
ARTE (IM)PENSÁVEL1

Rosa Maria Blanca

Introdução

Primeiramente, desejaria localizar meu escrito como um as ditaduras, o estigma do AIDS também se faz presente na arte e
tanto na cultura do México, quanto na do mundo. A minha entrada na
arte contemporânea se dá, precisamente, pelos atravessamentos que

subjetividades, do corpo e da sexualidade, através da violência, tanto


com o exílio de artistas e intelectuais das Américas, durante a década de física, quanto midiática. Estou me referindo aos motivos que me levam a
sessenta, setenta e oitenta. Nesses termos, considero o México como um produzir trabalhos artísticos como “Sexo seguro / safe sex” (1996).

América do Sul e Centro-América, como também, a intelectuais que tem


fugido do franquismo do Estado espanhol, no século XX. As universidades noventa,decepcionada pelo rumo cultural do México, empreendo
mexicanas têm sido afortunadas, absurdamente, por terem dentro do seu uma viagem pelas Europas. Por diferentes circunstâncias pessoais e
corpo docente e de pesquisa, intelectuais perseguidos/as pelos regimes
autoritários e totalitários. Na época das ditaduras, no México, foram
desejando dar continuidade ao meu projeto artístico.
artistas que lutaram por defender utopias interrompidas nas Américas.
A dureza e o rigor com que se trata a arte contemporânea, no
minha experiência nesses ecos do exílio, tem marcado a mim e a outros Sul, disciplinam minha pesquisa. Realizo a dissertação de mestrado que
artistas mexicanos/as.
Anos depois, a diferença entre as preocupações de uma arte global que
No acontecimento das ditaduras, se entreveem outros fatos se depara com problemas identitários, econômicos, políticos, dicotômicos,

1 Texto desenvolvido para mesa “Arte, ditadura e feminismo”, realizada no dia


27/06/2013. de uma arte progressista brasileira, me forçam a tomar uma decisão. É
oclui instâncias de produção de conhecimento que afetam determinadas
problematizar categorias identitárias, (re)articulando-me com uma cena condições de possibilidade de arte brasileira. Quais as expressões de
transnacional.

Os estudos de gênero e feminismo dentro de um programa de Essas são questões que extrapolam os objetivos deste escrito.
Apenas, gostaria de trazer a debate algumas percepções, a partir de
perspectivas queer. Proponho as perspectivas queer como ações “de
preocupações nada brasileiras e nem puristas. São preocupações com o queerizar, apontar reiterações e tautologias, narrativas que ocultam a
construtividade nas implicações da ciência moderna no que se refere à
reprodução da normatividade em relação tanto à cidadania, sexualidade
e racialização, como a convenções artísticas, estéticas, sociais, étnicas e
culturais” (Blanca 2011, 63).
tenho observado a grande distância que existe entre a pesquisa
acadêmica artística brasileira e as artes em globalização. Na falta de A discussão
subsídios para poder abordar meu objeto de estudo antidisciplinar recorro
à transdisciplinaridade. Ainda, vivemos o impasse da ciência moderna na arte brasileira,
Assim, posso dar inicio a este escrito, percebendo que em muitos em um contexto neoliberal. O regime militar “impôs regras no âmbito
casos na arte e não somente na arte brasileira, a ideia de “criação” ou da ciência e do seu uso, que nesse período passa a ser mais controlada,
mantida e orientada pelo Estado” (Maia 2012). A arte tem o papel de acelerar
espontâneo e onde, se evidencia a ausência de um pensamento crítico que a integração do Brasil na economia mundial. Existe uma importância da
pesquisa ligada a noções como “desenvolvimento”, durante a ditadura.
sentido, penso que a arte brasileira atual ainda arrasta uma ditadura (1964

na arte brasileira, propostas que se manifestam sem nenhum tipo de


oposição aparente, mas que transitam de forma latente. A tensão tem
Consequentemente, sugeriria que a arte brasileira fez e faz parte
de um contexto mais amplo projetado pela ciência moderna ocidental,
tendo à ditadura como uma etapa no seu avanço lineal e normativo. Na direcionando as preocupações artísticas rumo a um campo formalista.
discussão a seguir, articulo algumas relações que se produzem entre arte Como caso concreto é possível citar a expulsão de Hélio Oiticica do
e ciência, no Brasil. O objetivo é mostrar que a ditadura civil e militar Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1965, junto com cidadãos
moradores/as de favelas cariocas. Antes dessa data, o Oiticica já tinha
inventado o Parangolé, um dispositivo para ser usado interagindo com o
contexto espacial, provocando uma experiência (des)intimista entre corpo Museu Sensível: uma visão da produção de artistas mulheres na coleção
e obra, problematizando as preocupações racionalistas da arte concreta. do MARGS”, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, onde foi apresentado

As políticas do Estado, de Ciência e Tecnologia (C&T), incidiriam reprodução, durante o período de 19 de dezembro de 2011 a 18 de março
nas políticas adotadas pelo sistema das artes. O que nos leva a inferir
a relação que há entre produção de conhecimento e arte. O país estava mãe, o qual é um tipo de violência de perversão cultural, quando se reduz
assistindo a uma institucionalização da produção do conhecimento seu corpo e sua sexualidade (Zamora Garrao 2008).

Devemos lembrar que as bases para uma forma de arte ancorada em É durante a ditadura quando se instalam dispositivos de

Juscelino Kubitschek, que são anteriores à ditadura civil e militar, nos violência estatal. Advoga-se pela diferença e violência de gênero e pelo
controle dos corpos ditos femininos. O Brasil continua ocupando a sétima
denominado como “aliança para o progresso”, no contexto das artes posição no ranking mundial de feminicídio, segundo informa Adriana
plásticas, encontra como antecedente direto à I Bienal de São Paulo, em Ramos de Mello, no IV Curso de Iniciação Funcional de Magistrados
(2013). A ditadura reforça os modelos patriarcais, legitimando uma
ordem, assegurando um modelo de mulher confinada despolitizada, no
brasileira. Não é por acaso que, atualmente, na 55ª edição da Esposizione lar e como protetora de valores familiares e reprodutores, longe da esfera

subjetivada de forma disciplinar mediante significações que levam a uma


1994), artista suíço, que recebera um prêmio na I Bienal de São Paulo,
em 1951 e, cuja proposta concretista legitimaria uma arte construtivista Garrao 2008). A não identificação com a identidade “mulher” é etiquetada
como desvirtuada ou dissidente (2008). A relação violenta de poder e de
submissão se perpetuam sistematicamente através de dispositivos como
a mídia e o sistema das artes.
artística um sistema das artes onde se custodia a iniciativa privada, a família,
a moral, os materiais industriais, o higienismo, a heteronormatividade, o
antifeminismo e o patriarcado. A espoliação das terras indígenas, assim
que assegura a “dependência entre a mulher e o varão, assim como o
interdito na cena da arte contemporânea no Brasil. domínio da sua capacidade reprodutiva”, afetando a mulheres e, tendo
como impensável e desestabilizador a ruptura que produz uma lesbiana
As poucas exposições sobre o feminino, no Brasil, não (Espinosa Miñoso, 2005) ou qualquer perspectiva queer.
questionam a dimensão heteronormativa. Prova disso é a exposição “O
A arte, nesses termos, contribui para sustentar o patriarcado, ou contamos com a parceria de artistas e pesquisadoras estrangeiras como
seja, expande a ciência e as pesquisas desenvolvimentistas. O feminismo
se opõe ao machismo e, em consequência, ao patriarcado. É possível o pouco interesse que existe por parte de artistas e pesquisadores(as)
visibilizar na maioria das exposições que datam depois da ditadura civil doBrasil, no campo dos estudos de gêneros e feminismos.
e militar, a ausência dos movimentos sociais, de discursos feministas e Para a mesa redonda e debate “Arte, sexismo e feminismo: as

Paulino. Em questões de violência destaca o trabalho da Beth Moysés e produzida por Clara Politi “Arpilleras da resistência política chilena”, com
a Rosana Bortolin, Também é importante mencionar a pesquisa sobre o curadoria da Roberta Bacic, tem sido difícil encontrar pesquisadoras e
feminismo e queer de cor, do Glauco Ferreira, assim como as contribuições artistas na temática. Participaram pesquisadoras como Esther Vital, do
da Ana Paula Simioni e a Lina Arruda. Estado espanhol e Luciana Loponte, do Brasil, entre outras.

As artes tem o papel de proporcionar uma visualidade à cultura Últimas reflexões


estável frente ao mundo. O jornal celebra a arte contemporânea com uma
atitude comemorativa. No Seminário Internacional de Fazendo Gênero 10, Na arte brasileira, as discussões são evitadas. Quem ouse falar ou
estou organizando, junto com a Julia Godinho, graduanda da Museulogia, trazer “a discussão” questões políticas não pode ser artista. As preocupações

preocupações “sociais”, portanto, são consideradas como não artísticas


e automaticamente são excluídas, no Brasil. O conceito de “resistência”
16 de setembro a 15 de outubro de 2013. O objetivo é dar visibilidade a
da arte moderna. O Estado e o atual sistema neoliberal legitimam e
contemporâneas identitárias, feminicídio ou violência, assim como naturalizam as representações identitárias, assim como a violência de
experiências poéticas, militâncias, sexualidades, dissidentes, etc”. Trata-se gênero, neutralizando as práticas artísticas.
de uma primeira exposição que tem o intuito, através da abertura de um
espaço artístico e expositivo, de construir um campo que permita discutir Os espaços culturais e artísticos não se mostram interessados
e problematizar as condições de produção de subjetividades, questões em resolver o problema da ditadura civil e militar. Não há exposições que
se articulem com os movimentos sociais ou com as propostas feministas.
experiências em militâncias e na experimentação de estéticas dissidentes. Porém, atualmente, assiste-se a uma pesquisa artística preocupada com o
Por incrível que pareça, foram selecionadas propostas de 36 artistas. político, encontrando outras formas de visibilidade como os fanzines, as
paradas e, recentemente, os blogs.
Para essa exposição estou trabalhando com pesquisadoras
brasileiras como Luciana Gruppelli Loponte e Teresa Lenzi. Mas, também,
Neste ano, estou construindo como pesquisa um Centro de Referências
Documentação Eletrônica, que conta com o apoio da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Trata-se de um dispositivo BLANCA, Rosa Maria. Arte a partir de uma perspectiva queer / Arte desde lo

incluídas as manifestações que problematizem a arte e a ciência.

Acredito que, nesse sentido, a tecnologia está mudando. O país ESPINOSA MIÑOSO, Yuderkys
se encontra disposto a dialogar com distintos pontos de vista e formas
de construção de artes plásticas e de pesquisa de C&T. O intercambio
que se produz nas redes sociais, assim como as interlocuções através de en América Latina. Lesbianas Feministas Socialistas. 2005.
ações artísticas como produto dessa integração e articulação entre arte
e movimento social, está gerando pesquisas na contemporaneidade. Esse IV Curso de Iniciação Funcional de Magistrados, em Violência contra mulher.
tipo de fenômeno atual está mudando e transformando, desconstruindo Última instância. 16/05/2013. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.
com.br/conteudo/noticias/63019/brasil+ocupa+a+setima+posicao+mundi
Agora mesmo organismos estatais estão apoiando pesquisas sobre arte e
em arte e não precisamente nos programas dos Cursos de Artes Visuais.
MAIA, Elias da Silva. “Algumas Iniciativas da Ditadura Militar Brasileira
Museulogia, Antropologia, tem como objeto de estudo a arte. em Relação à Ciência e Tecnologia: os mecanismos usados nos anos de

Na cultura, temos também o presente ciclo de debates “Arte


e Estado: Possíveis relações entre o sistema das artes e as políticas 85064842-05-2, 2012. Disponível em:
culturais no período da ditadura civil-militar brasileira”, que fora aprovado
ZAMORA Garrao, Andrea. « La mujer como sujeto de la violencia de género
mostra, além dos exemplos supracitados, que o Estado vem se mostrando
disposto a abrir espaços para diálogos e discussões, gerando novas formas,
Mundo Mundos Nuevos [En línea], Debates, Puesto en línea el 13 marzo
críticas ou não, de produzir arte na contemporaneidade. Estamos todas e
org/27162 ; DOI : 10.4000/nuevomundo.27162
POR UMA IMAGÉTICA FEMINISTA DE MULHERES
Lina Arruda
POR UMA IMAGÉTICA FEMINISTA DE
MULHERES1

Lina Arruda

1. Introdução à crítica feminista da representação

A produção de diversas artistas norte-americanas das décadas No contexto de emersão de noções feministas nas artes visuais3,
de 1970 e 1980 foi orientada pelo questionamento das identidades e

a não-representação formalizou uma tentativa de se criar espaços para


práticas artísticas voltaram-se crítica e enfaticamente à representação a produção de discursos das mulheres. Ambas foram responsáveis pelo
mediática de mulheres2 surgimento da crítica feminista das políticas de representação, que era
representativos operantes. Essa manifestação pode ser interpretada como pautada pela necessidade de se repensar a representação das mulheres,

dominante (mass media) e no imaginário artístico (nus femininos, ideal uma conscientização em torno da possibilidade de transformação da
de beleza etc.), como à não-representação das mulheres, ou seja, à sua forma como são discutidas, supridas, evocadas, referidas e representadas
ausência. as mulheres nos discursos e na imagética dominante.

A questão da não-representação diz respeito à presença das


mulheres. Além dos esforços para se efetuar uma representação imagética
1 Texto desenvolvido para mesa “Arte, ditadura e feminismo”, realizada no dia
27/06/2013 representação concerne à asseguração da presença das mulheres na
2 Optou-se, para essa pesquisa, pelo uso do termo ‘mulher’ pela facilidade
cognitiva inerente à terminologia. Entretanto, tendo em vista que “nomear é ao mesmo tempo
estabelecer uma barreira e também inculcar repetidamente a norma” (Butler, 1993, p. 8), frisa- etc.
se que tal emprego não pretende pressupor identidades estáveis e que a necessidade de se 3 Optou-se, em determinados momentos, pelo uso do termo “arte feminista”.
É imprescindível pontuar que tal emprego não faz referência a um conjunto coerente de
imperativo reiterar que, nesse trabalho, a palavra ‘mulher’ referencia os corpos biopoliticamente proposições artísticas: é, mais bem, relativo às distintas práticas que tangem temáticas
assinalados como mulher.
Esse tema foi introduzido no campo das artes visuais por Linda
Nochlin (com o pioneiro artigo intitulado contribuem, através da disseminação de representações estereotipadas
e posteriormente trabalhado por Griselda Pollock. Muitas
autoras passaram a questionar como se daria a inclusão de mulheres gênero.

das assimetrias de gênero que perpetuam, até os dias de hoje, as O cenário apresentado evidencia que uma incisão crítica na

se como recurso fortuito para artistas que, guiadas ou não por uma
agenda feminista, buscavam desestabilizar a noção cultural hegemônica
Simultânea e complementarmente aos referidos da categoria “mulheres”. Tais circunstâncias revelam o motivo pelo qual
questionamentos acerca da não-representação, elaborou-se uma algumas práticas artísticas orientadas por um ethos feminista lideraram

na prática artística, majoritariamente como uma incisão crítica nas revisitação às imagens das mulheres.
imagens hegemônicas das mulheres.

como “uma tentativa de se usar a representação contra si mesma para


da crítica feminista da representação, a qual
5

começou com o agudo desgosto das espectadoras ante


representativos ou estabeleceu uma represália proibitiva que censurou ou
reprimiu o imaginário hegemônico6. Pelo contrário, conforme argumentado
pudesse rastrear a questão do sentimento de desgosto ante nessa pesquisa, algumas artistas como Barbara Kruger, Martha Rosler,
Laurie Simmons e Cindy Sherman se apropriaram da representação
4
midiática (seus suportes, técnicas e estética) e

Nesse contexto, as imagens da mídia e das artes visuais que Trabalha[ram] para expor as imagens como instrumentos
apresentavam representações de mulheres ou símbolos de feminilidade de poder. Não somente investiga[ram] as mensagens
se tornaram alvos de críticas que problematizavam os rumos e efeitos da
5 OWENS, 1992, p. 88.

meios de produção e circulação de imagens responsáveis pela propagação


se o surgimento do debate sobre a necessidade de se conceber uma representação nova e
posteriores dessa autora e das demais utilizadas na pesquisa, são de minha autoria. alternativa para as mulheres, o qual será analisado mais adiante.
investiga[ram] as estratégias e táticas através das quais tais de sua função como representação e evocam um olhar crítico que é
imagens asseguram seu status autoritário na nossa cultura. consciente dos artifícios advindos dos aparatos de produção de imagens.

esses artistas trabalha[ram] para tornar visíveis os invisíveis 2. Artifícios das imagens dos mass media, potencialidades para
mecanismos por meio dos quais essas imagens asseguram a arte feminista
sua transparência putativa. 7
De fato, muitas artistas relacionadas à crítica feminista da
representação exprimem, em suas obras, acentuado conhecimento técnico
se beneficiou e colaborou para o declínio de alguns conceitos artísticos

artistas se serviram intelectual e tecnicamente dos processos de produção


e circulação de imagens, reconhecendo e usufruindo dos artifícios dos mass
com o intuito de gerar imagens que explicitassem ou expusessem
questionada pelas possibilidades de reprodutibilidade facilitadas pelos meios
valores por eles oferecidos.

A proposta de revisitação das imagens surtiu, no caso da imagética Frente a isso, se faz necessária, para essa pesquisa, uma revisão
dos elementos que interconectam a produção e circulação de imagens

levando-se em consideração o papel fundamental dos discursos sociais


hegemônicos e normativos nos processos de subjetivação.
imagens mediáticas e artísticas, evidencia que o retorno à representação
Sabe-se que as imagens são uma linguagem visual e que

nutrido pela experiência cultural e social. A subjetividade é constituída por


A presente pesquisa pretende argumentar e demonstrar que
muitas das propostas de representação feminista de mulheres não têm da imagética cultural. Como grande parte das imagens que populam o
por objetivo um retorno ao feminino, pretendem, mais bem, “mobilizar referido imaginário são oriundas das instituições sociais, pode-se dizer
um sistema de discursos imagéticos capaz de contestar um certo tipo que a constituição da subjetividade é orientada pelos valores normativos
8
De forma geral, obras que norteiam a produção das imagens. Essa noção é exposta por Pollock,
7 OWENS, 1992, p. 111. que enfatiza que
linguagem e à sociedade. A subjetividade é construída através entre a produção de imagens e a construção da subjetividade sexuada.12
da representação que circula pelas grandes instituições de
reprodução social: a família, a escola, a igreja, propaganda, Faz-se necessário investigar as particularidades das imagens
9

para a produção e manutenção das identidades sexo-genéricas, no caso


Assim, a contínua formação da subjetividade é condicionada ou da maioria das imagens das artes e dos ou de deslocamento
estruturada a partir de processos socioculturais que estão intrinsecamente
relacionados à linguagem e à representação e, em grande parte, associados feministas. Essa tarefa requer uma análise pautada na trama dos discursos
aos valores hegemônicos e normativos. de gênero, ao mesmo tempo “não visíveis e não ocultos” (Foucault, 1987),
que permeiam a produção de imagens de mulheres.

Para tanto, será primeiramente desenvolvida a ideia de que a


imagética cultural atua, através da representação, como tecnologia de
e não individuais,
10

espontâneas ou universais. Essa ideia é explicitada por Pollock que, ao

da categoria “mulher” e das imagens das mulheres.

Com o intuito de se apreender as obras de arte e outras imagens


culturais como colaboradoras ativas da construção, reprodução e inclusive
individualmente produzidos, mas um sistema social para a desestabilização do sistema sexo/gênero, tratar-se-á de desenvolver a
11
ideia de que gênero é o efeito de uma representação de gênero. Para
tanto, é introduzido o termo “tecnologias de gênero”, proposto por De
Lauretis (1987) em seu trabalho concernindo à teoria fílmica feminista.

Sabe-se que a teoria fílmica feminista foi responsável pela


e urgidos pela norma sociocultural. Tais premissas ajudam a entender a maior parte das publicações que analisam imagens e representações
9 POLLOCK, 1988, p. 224. de mulheres por um viés feminista e centrado nas problemáticas de
10
12 Essa separação é feita na pesquisa visando melhor inteligibilidade das
dos sujeitos observadores. questões expostas. Reitera-se que a representação e os processos cognitivos são constante e
11 1988, p. 45. incessantemente interceptados por gênero.
gênero. Determinantes para o desenvolvimento da crítica feminista da simultaneamente de uma tecnologia de gênero.
representação, a produção e teoria fílmica feministas lideraram discussões
sobre como a linguagem, as imagens, as artes e as formas de expressão A noção de “tecnologia de gênero” sintetiza a ideia de que gênero
em geral podem ser meios de articulação da subjetividade sexuada.
Sobretudo, foram publicadas pesquisas acerca das particularidades das Essa noção, somada à teoria de performatividade desenvolvida por Judith
mulheres espectadoras e produtoras, dos processos do olhar e do prazer Butler, delata a inexistência de uma ontologia de gênero. Gênero passa a

produção de imagens e a construção da subjetividade e foram elaboradas


extensas análises críticas do imaginário cultural e da produção fílmica.

de possibilidades de desestabilização da heteronorma, como para o


fílmica feminista é Teresa De Lauretis, que, em seu trabalho, relaciona o entendimento de como a imagética cultural atua na construção da
“sujeito mulher”, a ideologia e a representação e reconhece a importância subjetividade sexuada.
de uma crítica da representação, fundamentada na “necessidade de
13
Grande parte de seu Resumidamente, pode-se dizer que, em sintonia com as teorias
trabalho é focado na relação entre a criação de imagens e a construção de Butler, De Lauretis denuncia a instabilidade constitutiva do sistema

e introduz, na teoria feminista, a análise dos artifícios através dos quais estável ou necessariamente coerente. A autora ampara esse pensamento
as imagens (principalmente aquelas advindas do cinema) articulam referindo-se ao trabalho de Michel Foucault, no qual as mudanças

consequentemente, nossa subjetividade.


do conhecimento (evocando a relação entre poder e conhecimento) é
Em seu trabalho, ao enfatizar que “o sistema sexo/gênero é efetuada a demonstração das constantes construções e transformações
, um sistema sofridas por discursos que constituem, por exemplo, a noção de
sexualidade, o que evidencia a maleabilidade de outras noções culturais,
localização no parentesco, status na hierarquia social etc.) aos indivíduos como o gênero e a categoria “mulher”.
de uma sociedade” 14
A compreensão de que os elementos do sistema sexo-gênero

representado e inscrito na ideologia” ) e explicita que esse se trata


15

análise crítica dos produtos da cultura visual como ferramentas para a


13
14 Idem, 1987, p. 5 (meus grifos). análise da construção dos gêneros e da subjetividade sexuada.
15 Ibidem, p.12.
Acredita-se que
para a emersão social de um sujeito feminino (antes oculto, omisso ou
[...] a representação da mulher como imagem (espetáculo, apresentado como passivo e submisso), era ideologicamente paradoxal
mass media
representação do corpo feminino como locus da sexualidade, tiveram uma função chave nos ‘processos de feminização da sociedade’
sede do prazer, isca para o olhar) está tão expandida na nossa 18
, no entanto, foi intencionalmente gerada uma confusão entre processos
cultura [...] que constitui necessariamente um ponto de
partida para qualquer tentativa de compreender a diferença historicamente aos sexos e gêneros.

sociais, sua presença em todas as formas da subjetividade. 16


de massas e os processos de feminilização da sociedade se dá com uma

acompanhada e fortalecida pela mídia na forma de elaboração e projeção


construção da diferenciação sexual e dos gêneros, em especial as imagens de imagens para a sociedade: com as reivindicações políticas feministas,
as mulheres passaram a ser vistas como um sujeito potencial também
pelos os quais substituíram a imagética que perpetuava a
passividade e a omissão historicamente vinculada à feminilidade (e,
Os mass media tiveram um papel determinante na projeção portanto, às mulheres) por uma que representava e projetava um sujeito
ativo.
comportamento, estética, subjetividade e papel social. Para sustentar tais

desenvolvimento dos dispositivos técnicos de reprodução da imagem à


criação de uma imagética cultural que contribui continuamente para a
de uma nova estética, padrões de comportamento etc. As novas técnicas
“mulheres”.

de si mesmas. Tais imagens, por estarem estritamente relacionadas a um


conquistas políticas e sociais alcançadas pela primeira onda feminista
norte-americana17, os mass media foram responsáveis pela criação de uma Posteriormente emergiram as mobilizações da segunda onda feminista norte-americana, que,
em contraponto à reivindicação pela igualdade entre os gêneros, priorizaram as análises
16 Ibidem p. 64.
17
como um movimento direcionado ao legislativo e à constituição, centrado na reivindicação sexualidade, direitos reprodutivos etc.).
do direito ao voto. Além do sufrágio, suas organizadoras solicitavam igualdade perante a lei, 18 Termo empregado por Luisa Passerini para referir-se ao processo de inserção da
simulacro urgido por valores heteronormativos, produziam uma noção do Assim, demonstrou-se até aqui que as imagens hegemônicas
das mulheres promoveram e sustentaram discursos heteronormativos e
ideais ocidentais de beleza que alimentavam a hegemonia e “neutralidade” argumentou-se que seu potencial de atuação na subjetividade sexuada
mass media. Cabe agora problematizar
como e se esses mesmos artifícios de representação calcados em imagens
Esses processos iniciaram os vínculos, hoje extremamente de mulheres poderiam ser articulados para a produção de uma imagética
fortalecidos, entre imagem, aparência e estética e a designação ocidental feminista que desestabiliza os valores hegemônicos.
dos corpos biopoliticamente assinalados como pertencentes ao gênero
feminino, os quais terminam por popular e representar a “categoria mulher”. Para tanto, serão apresentados dois enfoques distintos,
Com a atuação da publicidade, cinema, televisão e da mídia impressa, as
imagens das mulheres passaram a ser o referente principal que demarca imagem” que designam dois conceitos complementares e díspares,
presentes na crítica feminista da representação e que incidem na
construção, manutenção e naturalização da categoria “mulheres” com
Dito efeito indicia o entendimento de gênero como representação abordagens opostas.

sendo uma estilização repetida do corpo (Piscitelli, 2001), um investimento A ideia de “imagens da mulher”, referente à construção da
constante das “tecnologias de gênero”. feminilidade e ao papel que a representação cumpre na produção da
subjetividade sexuada (papel social, comportamento, sexualidade, estética
Conclui-se que o corpo (especialmente os corpos das mulheres)
é atualmente contínua e inevitavelmente aprisionado na representação,
e que este se trata de um processo de perpetuação dos valores discursos e estratégias que a permeiam, delatando a inadequação desse
heteronormativos que constroem a subjetividade sexuada. Essa ideia é conceito frente à teoria feminista apresentada.

[o corpo] é claramente o objeto supremo da representação


feminilidade
da mídia etc. Mas o que está em jogo para as mulheres na
representação do corpo não é menos que representações do
As “imagens da mulher” dizem respeito aos padrões e
19

e suas variações. As artistas feministas que incidem em questões


19 1987, p.12.
como a estética vinculada à beleza ideal feminina, trabalho doméstico, media, o qual gera concepções “falsas” sobre a mulher ao vinculá-la à

que expressam e promovem a historia e experiência ‘real’ de mulheres.” A


normatizam a feminilidade. crítica revisionista da representação parece, muitas vezes, defender uma

É importante mencionar que as obras que incidem nas “imagens das mulheres) sem que o “real” seja questionado em si mesmo como um
produto da representação.
necessariamente uma crítica ao contrato heterossexual que rege a
diferenciação de gênero, ou seja, incidem na noção vigente e hegemônica
de feminilidade e não na matriz relacional de gêneros ou no sistema sexo/ descansam em uma oposição, às vezes encarnada, entre o positivo
gênero, e muitas vezes afirmam “a mulher” como categoria e sujeito de
seus discursos. Pode-se dizer que algumas práticas artísticas feministas populares do tipo bons contra os maus, ou menina decente versus mulher
buscam a remodelação do conceito de feminilidade, revogando os má”20
“aspectos negativos” vinculados a ela (debilidade, docilidade, passividade) que os receptores absorvem diretamente as imagens, que cada imagem
e afirmando imagens de mulheres que engendrariam outras noções de
feminilidade, transformando e estendendo esse conceito. em conta o contexto ou as circunstâncias de sua produção, circulação e
recepção.”21 Esse argumento evidencia a importância da ideia previamente
Segundo Patricia Mayayo (2007), algumas estudiosas tendem a
confundir a conveniência de revisar a representação artística das mulheres
ao longo da historia com a necessidade de avaliar o caráter “positivo”
(decisão, força, vigor, honra) ou “negativo” (passividade, lascividade, Acerca do tema da dicotomia positivo/negativo na análise e
maldade) das imagens, atrelado a um binarismo que estabelece “verdades”
e “mentiras” sobre a categoria “mulher”. Essa prática foi introduzida em

da verdade, é visto como uma imagem hermenêutica; o


não abrangendo análises que contestam a produção do conhecimento e enigma da feminilidade é formulado como um problema
de má-representação (misrepresentation) imagética, o qual é
de “imagens da mulher” e “mulher como imagem”. subseqüentemente resolvido através do descobrimento da
verdadeira identidade por trás da fachada patriarcal. 22

representações falsas e verdadeiras das mulheres ocidentais, pressupondo


20 , 1984, p. 66.
que existem dois modelos de feminilidade: aquele criado pelos mass 21 Ibidem.
22 p. 123.
sistema, repercutindo dissonâncias na matriz de inteligibilidade como um
todo.24
Assim sendo, se a prática (performance) e a representação de
cada um dos elementos que compõem o sistema sexo/gênero pode
desestabilizar ou reproduzir a matriz em sua totalidade, defende-se,
“imagens da mulher” sugere duas categorias separadas: a mulher como nessa pesquisa, a importância da prática artística orientada por um ethos
grupo social (entidade real) e a representação das mulheres (criação feminista de objetivar a referida desestabilização.
falsa derivada do olhar masculino sobre a mulher). Frente a essa suposta
dualidade, a autora aponta a ingenuidade inerente ao emprego de termos
como “representação positiva/real” (mulheres reais, mulheres velhas,
trabalhadoras etc.) ou “representação negativa/falsa” (imagem da mídia, “sujeito mulher” privilegiam o funcionamento do sistema sexo/gênero,
surgem inquietações acerca dos discursos e estratégias que as imagens
feministas das mulheres podem avistar. Entretanto, antes de apresentar
“mulheres”, o que, segundo Pollock, não deve ser o objetivo da revisão perspectivas conclusivas para o impasse exposto, faz-se necessário
feminista da representação, visto que “não estamos buscando um novo analisar outros efeitos indesejados, que também podem ser acarretados
pela representação de mulheres.
organiza sexo/gênero como critério naturalizado de diferenciação de
tratamento.” 23

Conclui-se que a abordagem apresentada resulta na manutenção representações feministas

e perpetua, assim, a relação oposicional e binária feminino/masculino, Até o momento discutiu-se que mesmo as representações feministas de
mulheres correm o risco de atuar dentro da norma de inteligibilidade
projeto reside na sua incapacidade de romper com a engrenagem da e coerência da matriz heterossexual reproduzindo-a. Frente à ardilosa
matriz sexo/gênero. conveniência de se utilizar imagens de mulheres em obras que perpassam
temáticas feministas, faz-se necessário pontuar seus efeitos indesejados
Infringir a estabilidade do sistema sexo/gênero implica
podem complementar a crítica feminista da representação. Tais efeitos
seus elementos, sendo eles sexo, gênero, desejo e prática sexual. Reitera- são similares aos que se originaram no campo da teoria feminista como
se a importância de que as práticas que subvertem gênero desestabilizem, crítica às políticas de identidade.
24 Da mesma forma, qualquer outra sequência eleita pode funcionar com a mesma
potencialidade e com o mesmo objetivo: é delatada, de antemão, a suposta hierarquia desses
elementos (sexo-gênero-desejo-prática sexual) que criam a cadeia de coerência e continuidade
23 1987, p. 137. do sistema sexo/gênero, por serem eles cognitivamente interdependentes.
O surgimento da noção de políticas de identidade se deu no Importantes críticas contemporâneas que colocam em cheque
contexto do ativismo político relacionado às então denominadas “questões as políticas de identidade questionam se possuir interesses políticos
das minorias”. Trata-se de uma estratégia/argumento político que promove comuns presume necessariamente uma identidade política comum e se
essa poderia ser uma prática coerente:
objetivos comuns. A principal característica que diferencia as políticas de
identidade, por exemplo, da ideia de coalizão, é que a proposta se baseia [...] será que as práticas excludentes que baseiam a teoria
na construção e manutenção de identidades coletivas. Ou seja, as políticas feminista numa noção das “mulheres” como sujeitos solapam,
de identidade (que se proliferaram em outros ambientes, além daquele paradoxalmente, os objetivos feministas de ampliar suas

coerência identitária aos seus membros e instaura, assim, uma unidade categoria das mulheres como sujeito coerente e estável uma
pautada por um sujeito político (mulheres, lésbicas, pessoas negras, trans-
gênero, travestis etc.).
25

No caso do feminismo, a política de identidade procede de A principal crítica desconstrutivista concernindo às políticas de
uma ênfase nas mulheres como sujeitos políticos unidos em uma luta identidade se dá com a constatação da interferência desse instrumento
comum. Almejando reivindicações de variados interesses pautados pela nos processos de subjetivação: resulta que a identidade e a subjetividade
experiência cultural das mulheres, nota-se que tal política articula uma são noções incompatíveis.
unidade estratégica baseada em uma categoria, a qual é em parte criada
Enquanto as políticas de identidade se baseiam nas “categorias
do sujeito” (promovendo sua naturalidade e perpetuando a falsa ideia

de organização estratégica fortuita e efetiva para conquistas feministas: como Judith Butler e Diane Elam, defendem que o feminismo deveria se
muitas reivindicações foram exitosamente alcançadas sob esse modelo e recusar a aceitar a “categoria mulheres” como natural, argumentando que
não se pode negar a ainda presente necessidade (facilitada pelas políticas a subjetividade é ou deveria ser também um interesse feminista.
de identidade) de dar visibilidade e de criar espaço para discussão de
Com os investimentos contemporâneos na análise dos processos
coletivas) acerca de abusos sexuais, violência, aborto etc. Entretanto, a
adoção das políticas de identidade tem consequências controversas, gera “identidade feminina”26 rechaça ou desconsidera as reais intersecções dos
25 p. 23.
26 Os usos das palavras “identidade” e “subjetividade” são criticamente aplicados
de alguns interesses e ideologias feministas sobre outros. nessa pesquisa. Nesse trecho, “identidade” é usada intencionalmente para referir-se à suposta
coerência do “sujeito político feminista”. Pontua-se que a noção de identidade é entendida,
diferentes marcadores sociais na formação da subjetividade: ao impor para a necessidade de se idealizar uma forma política em que o sujeito
um marco que circunscreve a suposta “coerência identitária”, as políticas não seja o objeto: uma política desconstrutiva que não se baseie na
de identidade apagam ou desvalorizam as diferenças que existem, por possibilidade de um sujeito estável e coerente.
exemplo, entre mulheres lésbicas e/ou negras e/ou mães etc. Essa ideia
é esclarecida por Elam, ao descrever o sujeito político como “aquele que Voltando-se ao objeto da pesquisa, apresentar-se-á a noção de
permanece idêntico a si mesmo diante das contradições.” 27 Além disso,
tal instrumento exclui os indivíduos que não se conformam ou não contra os mencionados efeitos das políticas de identidade e confronta
os possíveis impasses derivados do uso de imagens de mulheres por
de pessoas trans. artistas cuja produção tange temáticas feministas. A análise dos termos da
proposta de “mulher como imagem” permitirá, à continuidade, vislumbrar
Ao elaborar uma crítica desconstrutivista à questão exposta, estratégias objetivas e técnicas para a produção de representações
feministas de mulheres.
explicando que “o problema é que as mulheres deixaram de ser uma
do feminismo e que a identidade funciona como ideal normativo.”
28
No mesmo sentido Butler, ao discorrer sobre o tema, coloca que “a
representação é a função normativa de uma linguagem que revelaria ou 3.3 “A mulher como imagem”– (re)apresentando a representação
distorceria o que é tido como verdadeiro sobre a categoria das mulheres.” de gênero
29

É então estabelecido o embate entre a necessidade/estratégia


política e jurídica (e nesse caso, gráfica) de representar um sujeito Muito em sintonia com a ideia de “tecnologias de gênero”, a noção
feminista concebido em concordância com a “categoria das mulheres”, de “mulher como imagem” se refere ao potencial da representação de
e a consequente implicação negativa (limitadora, controladora, construir realidades/identidades, evocando e expondo a ardilosa relação
regulamentadora e protecionista) inerente a essa representação.
de mulheres. A ideia de “mulher como imagem” sugere um olhar crítico

como fundamental em todas as formas de atividade política e atentam


capacidade de produzir o que deseja meramente evocar.

(1984), Rosi Braidotti (1994) e Beatriz Preciado (2008), que manifestam preferência pela palavra Pode-se dizer que, concernindo à criação de imagens feministas
de subjetivação em simbiose com o contexto em que o sujeito está inserido e com suas das mulheres, a noção de “mulher como imagem” oferece críticas à muitas
experiências individuais. vezes problemática existência ou persistência da categoria naturalizada
27 ELAM, 1986, p. 71.
28 Ibidem, p. 73. “mulheres” na maioria dos discursos e projetos feministas. Ou seja, exprime
29 p. 18.
consciência dos aspectos da representação que perpetuam, no interior categorias mulher/homem e masculino/feminino. Assim, sua existência
não é negada, os efeitos dessa construção não são invisibilizados e é
contemplada a necessidade de se evocar criticamente a temática.
críticas contemporâneas às políticas de identidade e a crítica feminista
da representação.
podem e deveriam ser pensadas as imagens feministas de mulheres.
A ideia de “mulher como imagem” substitui a necessidade Cabe agora traçar perspectivas técnicas concretas que permitem seu
de se gerar outras ou novas imagens de mulheres (que intencionam
como categoria, reconhecendo
mulher. 30 É proposta uma aproximação da noção “mulher” como
construto sociocultural, a partir da ideia de se re-apresentar ou referir- geração, sexualidade etc.
se criticamente às já existentes representações de mulheres. Seria assim
evidenciada e destituída a naturalização de uma “identidade feminina”

4. Perspectivas objetivas para as imagens feministas de


Sustentando essa ideia, Pollock defende a necessidade de que mulheres

social e de que sua análise enfatize sua construção em relação a outros


Foi exposto que dentro dos parâmetros da estrutura vigente
é necessária a constituição do sujeito a ser defendido/representado.
distribuição do conhecimento concernindo o devir mulher. Ou seja, atenta Entretanto, no caso do feminismo, tal representação correria o risco
de produzir o que alega meramente representar ou aludir: a categoria
imagens de mulheres, entendendo-se, primeiramente, a categoria “mulher” “mulheres”. Constitui-se então uma indagação que diz respeito tanto à
representação política quanto à imagética: “Como incluir interesses de
distintas facetas do movimento [feminista] em uma representação geral
Reconhecida a necessidade e importância de se utilizar 31

norteia a possibilidade de se questionar e evitar os efeitos indesejados como explicado por Butler:
de dita representação. Conclui-se, portanto, que não é preciso aludir à
divisão sexual como constante e antecipadamente presente: uma forma A sugestão de que o feminismo pode buscar representação
alternativa de abordar e explorá-la se dá pela análise da construção das
30 Ver BRAIDOTTI, Rosi (2006). 31 HITA, 2002, p. 330.
conseqüência irônica de que os objetivos feministas correm Diante da proposta de uma não-representação, que falha pela
o risco de fracassar, justamente em função de sua recusa a reconhecida necessidade de se aludir a um gênero inteligível, e do
possível uso estratégico de uma representação feminina, que fragmentaria
reivindicações representacionais. 32
categoria e sujeito “mulher”), defende-se a possibilidade de proposições
artísticas norteadas por questionamentos feministas de promover, através
discursos são direcionados às estratégias políticas feministas, propõem do recurso da apropriação, abordagens diretas e efetivas de temas que
tangem as assimetrias dos gêneros bem como uma “crítica às categorias
poderão representar a diversidade de facções e interesses em questão de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram,

não está claro que a teoria feminista tenha que tentar resolver as questões
da identidade primária para dar continuidade à tarefa política.” 33
Esse conceito é claramente inaplicável à produção de imagens,

da alternativa da coalizão, para que seja organizada, em termos de


produção de imagens, uma estratégia semelhante: estima-se que a noção

assim, incisões nas políticas de identidade. Logo, sugere-se que uma


opção isenta de “sujeitos do discurso” se aproximaria satisfatoriamente
da referida proposta.

Defende-se, nessa pesquisa, que as técnicas da apropriação,


citação e justaposição de imagens advindas dos meios de comunicação

mesmo tempo em que proporciona a necessária alusão a um gênero


inteligível (uma imagem que represente uma ou mais mulheres), não
gera novas imagens de mulheres (descartando a necessidade de se

32 p. 22. 33
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ARTE: A RAZÃO DA CONSCIÊNCIA VERSUS A RAZÃO DO ESTADO
Fulvia Molina
ARTE: A RAZÃO DA CONSCIÊNCIA Estado. Há 2.500 anos, está posto o dilema ético em uma obra de arte, uma

VERSUS A RAZÃO DO ESTADO dramáticos de Atenas, provavelmente em 441 a. C.

A heroína trágica age eticamente, em um ato que é ético,


Fulvia Molina individual e solitário em sua essência2. No centro da cena trágica está
a razão da consciência em oposião à razão do estado, mas está também
a razão da consciência do poeta que a expressa na cena, desnudando a
Quando Antígona, a heroína da tragédia que leva seu nome, é razão do estado. A arte, a poiesis, é a verdade do artista, a sua ,o
obrigada a decidir sobre o destino do corpo do seu irmão morto, ela o seu ato ético por excelência, com suas razões e contradições, que resulta
faz contra as determinações do rei de Tebas, seu tio Creonte. Mesmo de sua decisão solitária, “do que nela é inantecipável e imprevisível, do
sabendo que seria condenada à morte pela transgressão, ela decide que ainda não fez a passagem do silêncio à palavra”3. O que está em
sepultá-lo. Surpreendida pelos guardas, que vigiavam o cadáver insepulto
de Polinices, Antígona é presa e levada à presença de Creonte. Segue-se, espiritual4, na expressão de Giorgio Agamben, a sua razão de consciência.
então, o diálogo deles:
Já, a razão do estado é a razão sempre invocada pelo poder

soberano tem o poder legal de suspender a validade da lei, colocando-se


5
. As leis são
criadas, alteradas e interpretadas, segundo as conveniências do soberano,
leia-se dos grupos instalados no poder, cujo objetivo é manter-se no
poder e impedir que ele seja contestado. A excessão é uma espécie de
exclusão6. É a redução da pessoa humana à “pura vida nua”7, na expressão

despido de todo direito humano.

.
Antígona, age segundo o que considera ser seu dever de irmã,
pelas Leis Divinas, em oposição à Lei Humana. Vemos aqui, já colocado, o 2 I. VORSATZ, , p. 13.
3 L. A. GARCIA-ROZA, apud: I. VORSATZ, ibid., p.247.
4 G. AGAMBEN, , p. 23.
em oposição à Razão do 5 G. AGAMBEN, p.23.
6 Ibid., p. 25.
1 SÓFOCLES, Édipo Rei /Antígona, p.96. 7 Ibid., p. 15.
Não foi esse, no passado, o caso da escravidão no Brasil e em
lei, centenas foram sequestradas, torturadas, mantidas isoladas, sem
contato com suas famílias e advogados, e eventualmente mortas ou
“desaparecidas”, por atos de agentes do estado, acobertados pelo “sistema”,
Nesse contexto a arte contemporânea vem cumprir um papel protegidos pela tolerância e omissão das instituições, da justiça e pelo
manto do silêncio forçado da imprensa.

Como toda ditadura, quando era conveniente, as regras eleitorais


Simplesmente, porque “quem controla o passado, controla o futuro, e
quem controla o presente, controla o passado”8
legalidade para transformar seu poder soberano de suspender a lei, de
designar terrorista, de assassinar opositores em um arbítrio absolutamente
traumático12. No Brasil, a ditadura soube construir uma “judicialização da
repressão”, enquanto aqui foram processados nos tribunais de justiça
o seu , a sua razão de consciência, o seu sentimento, a sua verdade.
Elabora um resgate que se articula com a exigência do ser humano, “na não passou de 70013.
exigência de uma salvação, que não consiste simplesmente na conservação
do passado, mas que seja também uma transformação ativa do presente”9 Mas, paradoxalmente, mesmo estados democráticos de direito
no dizer de Walter Benjamin. Na sua concepção, “a imagem dialética é têm imbutidas em suas constituições as provisões do estado de exceção.
14
uma imagem fulgurante. É então como imagem fulgurante no Agora da
cognocibilidade que é preciso reter o Outrora”10. Esta fulguração que é e Homeland Security Act 15

intrínseca à imagem dialética é também o sinal ou sintoma que indicia a telefônicas, emails e internet são monitoradas há mais de 10 anos com
11
. base no Patriot Act. Com base no Homeland Security Act mantêm presos
As manifestações da arte contemporânea aqui buscam atualizar em Guantánamo, ainda hoje, centenas de seres humanos sem julgamento
o golpe militar, que gestou os famigerados Atos Institucionais, sob os quais ou culpa formada. Estas leis foram passadas no Congresso americano,
foi parida uma Lei de Segurança Nacional. Na verdade, um decreto-lei,
12 V. SAFATLE, in: E. TELES e V. SAFATLE (orgs) O
baixado pelos generais-sacerdotes da ideologia da segurança nacional, p. 251.
que estabelecia que as pessoas consideradas “suspeitas de serem inimigas 13 E. TELLES, in: http:/blogdaboitempo.com.br/category/colunas/
edson_telles, acessado em 23/05/2013.
8 G. ORWELL, p 38. 14 “U S A Pro-
9 W. BENJAMIN, apud J. M. GAGNEBIN, , p. 105. A T R I O Terrorism Act of 2001”,
10 Ibid., , p 105.
11 M. J. CANTINHO, pelo presidente em de .
15
versão eletrônica.
no calor dos ataques de 11 de Setembro e estabelecem que as pessoas tanto por um acelerado avanço da técnica (capitaneado pela
consideradas inimigas do estado, podem ser presas como “combatentes
inimigos”, sem os direitos comuns aos outros cidadãos, como calar-se em população, as artes sofreram mais transformações do que ocorrera
juízo, ser assistido por um advogado e não permanecer preso sem culpa

ainda permanecem presas, mais de 100 estão em greve de fome há mais massacres, genocídios e etnicídios, devemos nos surpreender se a
de 2 meses, e dezenas já estão sendo alimentadas à força. Não estão essas 19

indaga Márcio Seligmann-Silva.

A arte contemporânea revisita os fatos portadores de dor, e tem

“quais os procedimentos jurídicos e quais os dispositivos políticos que ao que se compõe de duas partes: nosso passado imediato e nosso
permitiram que seres humanos fossem tão integralmente privados de futuro iminente. Sobre este passado nos apoiamos, sobre este futuro nos
seus direitos e de suas prerrogativas, até o ponto em que cometer contra
eles qualquer ato não mais se apresentasse como delito”16. A arte é, ao consciente. Digamos, pois, que a consciência é o traço de união entre o
que foi e o que será, uma ponte entre passado e futuro”.20

pode oferecer aos protestos que vêm do passado.”17 A Arte “pode ser
considerada como uma das modalidades mais complexas e instigantes “O passado leva consigo um índice secreto pelo qual
ele é remetido à redenção. Não nos afaga, pois, levemente um

situações de crise, de terror, de guerra. Elas nascem como que para manter E as mulheres que cortejamos hoje não têm irmãs que jamais

18 encontro secreto está então marcado entre as gerações passadas


e a nossa. Então fomos esperados sobre a Terra. Então nos foi
“Ao longo do século XX, um período caracterizado
força messiânica sobre à qual o passado tem pretensão. Essa
16 G. AGAMBEN, ibid., p. 178.
17 M. HORKHEIMER, apud pretensão não pode ser descartada sem custo”.21

18 M. SELIGMANN-SILVA, 19 Ibid., p. 33.


in A alma dos 20 H. BERGSON, p.71.
p. 33. 21 W. BENJAMIN, :
Para ilustrar a nossa discussão sobre a relação entre Arte e “Quando os artistas entraram pela primeira vez nos espaços que
Estado, tomei a liberdade de selecionar alguns trabalhos recentes de arte seriam objeto de sua intervenção eles se encontravam em estado
contemporânea, com diferentes enfoques, realizados neste âmbito de
lembra Lorenzo Mammì, então diretor do Centro Mariantonia, “os
Márcio Seligmann-Silva. artistas trabalharam neles em várias etapas e com metodologias

testemunhos, fotografando e coletando objetos”. “O projeto


I. [...] foi um momento marcante: não apenas por resgatar uma
atualização de objetos e fragmentos de memória.
e politicamente presente, recolocando-a, por assim dizer, em
movimento.”22, acresceenta Mammì.

Em 2003, Horst Hoheisel e Andreas Knitz, da Alemanha, Faziam parte da instalação fragmentos do prédio, tais como
Marcelo Brodsky, da Argentina, e eu, Fulvia Molina, do Brasil realizamos, vitrôs típicos deste edifício (Fig. 1), assoalhos (Fig. 2), quadros de luz,

Paulo, a instalação denominada MemoriAntonia – A Alma dos Edifícios, excrementos e penas de pombos que se habitavam o prédio longamente
abandonado (Fig. 3), tudo no estado em que se encontravam quando foram

na cena política e intelectual do país desde a década de 30. Em 1968 foi que registravam esses materiais ainda no local original (Fig. 4) e painéis
invadido, depredado e incendiado por forças policiais aliadas às milícias

batalha campal com os estudantes que se opunham ao estado de exceção Os objetos, resquícios, ruínas, denunciavam o esquecimento,
vigente no país, e que culminou com a morte de um jovem estudante abandono e o pouco que sobrou dos acontecimentos de 68. Esquecimento
e abandono estes, convenientemente cultivados pelo regime autoritário.
a e esse prédio, assim como o ano de 68, tornou- Pequenos holofotes ativados por sensores de presença lançavam luz
se desde então um símbolo da resistência democrática. sobre os objetos à medida em que o observador deles se aproximava.
Simultaneamente, eram ativados os sons que saíam de mini-altofalantes
espalhados em torno dos objetos: eram vozes, falas de depoimentos,
historicidade do prédio, abandonado havia mais de 10 anos, depois de utilizado,
irônicamente, por mais de 30 anos, pela administração do sistema carcerário do
espalhados pelo chão, sem som (Fig. 6), mostravam as imagens registradas
Estado de São Paulo, estando à época em processo de demolição. Foi uma espécie
em vídeo dos testemunhos de cada um de um dos 8 líderes estudantis

resistiram à opressão e à tirania do regime militar. 22 L. MAMMÌ, , in


(Orgs.), ibid., p. 8.
entrevistados no meio dos escombros do espaço que um dia abrigara em que constava a respectiva assinatura, compunha o fundo de cada
o Centro Acadêmico agora semi-destruído. Estas falas individuais, que totem com a foto de um dos estudantes mortos. Nas contra-faces dos
duravam até duas horas, podiam ser ouvidas na íntegra pelos visitantes cilindros viam-se fotos de asssembleias e passeatas estudantis da época,
em fones de ouvido individuais, e,à sua volta, era como que se os que por transparência, se misturavam com as fotos daqueles estudantes.
Estes cilindros (Fig. 7), instalados no meio de um semicírculo formado
transformavam-se em estranhas e perturbadoras presenças. pelos 8 monitores com as entrevistas dos líderes sobreviventes, cujas
luzes os perpassavam e lhe davam vida, traziam nossos companheiros
“Estes fragmentos lançavam o visitante em um campo de ruínas
onde estes cacos solicitavam um sentido impossível de lhe ser nítidas quando vistas de longe, enquanto os detalhes de seus nomes,
atribuído. Os artistas se propuseram a fazê-lo reviver, a juntar os
cacos: a dar uma face e uma voz a um passado traumático, difícil que aviva e esmaece.
de representar, mas que clama por um espaço, por um diálogo”23.
Estas imagens, com toda o vigor e beleza da juventude,
Todos aqueles depoentes que agora nos traziam seus misturavam-se com o coletivo, também vibrante das assembléias e
testemunhos tinham vivido intensamente os acontecimentos de 68 e se passeatas, e se confrontavam diretamente com o espectador de hoje
emocionavam quando adentravam ao prédio para gravar suas entrevistas. que caminha por entre os objetos e os cilindros. A Lista de Presença,
Era a primeira vez que ali estavam depois de 35 anos. Essa emoção
transparece nos registros das entrevistas, íntegras, sem cortes e edições,
com seus brancos, suas afasias, suas falas trêmulas. Tudo era como o Eram os nossos mártires, éramos todos propondo a liberdade, a experiência,
a criação, o conhecimento e o olhar para o outro.
entra, abre a porta e se desfaz tudo o que está dentro”, lembra Mammì.24
Eram as imagens dialéticas de Benjamin25, as imagens críticas
Completava a instalação um conjunto de cilindros de vinil de Didi-Huberman26

em tamanho humano. Essas imagens eram fotos retiradas de albuns de estranhamento. Havia um contraponto no ar: a maturidade dos depoentes
família dos estudantes mortos ou desaparecidos, que estavam presentes
propondo, com inquietação, o mundo em que vivemos. “Essas obras”, diz
e cujos nomes, assinaturas e cursos, constavam de uma Lista de Presença
(Fig. 7_a) cuidadosamente preservada por Teotonio Simões Neto, um dos em cujas paisagens reconhecemos, misturadas, ora mais claras, ora mais
líderes entrevistados. A imagem desta Lista de Presença, aberta na página embaçadas pelo tempo, imagens que nos espantam na mesma medida em

23 M. SELIGMANN-SILVA, ibid., p. 36.


24 L. MAMMÌ, Entrevista com Marcos Nobre, in 25 W. BENJAMIN, p. 515.
MOLINA (Orgs.), p. 56. 26 p. 171.
de expor a céu aberto o que o esquecimento e a injustiça cuidaram de do Octógono podiam ser observadas as fotos (Fig. 11) daqueles presos,
ocultar e tornar invisível recuperadas dos prontuários policiais, que agora lá estavam libertando os
pássaros. “A ruína do presídio é citada pelos artistas e metamorfoseada
Ainda, como parte do trabalho, um grande debate com a
entraram, e eventualmente saíram, foi transformado em uma alegoria de
propiciou uma interação de troca de emoções entre gerações: uma todo o prédio que ele representa .29

amanhã-ontem-hoje, na feliz expressão de Henri Bergson em que “toda


28
.
uma mobilização da sociedade civil, na época da demolição do prédio,

”A obra em questão, cujo título é tem um título ambíguo


II. O original e a réplica: a dialética da memória na arte em alemão, de fato temos os termos “pássaro-livre” embutidos no
contemporânea. vocábulo ( ) e, na exposição, podíamos assistir de modo

de mais nada, “proscrito”: alguém que foi decretado “vogelfrei”,

Em 2003, Horst Hoheisel e Andreas Knitz, construíram em fora da lei. O Presídio Tiradentes que os artistas resolveram retirar
tamanho natural uma réplica do Portal do Presídio Tiradentes (Fig. do esquecimento em que se encontrava, ruína “invisível” na
8), um trabalho a que denominaram Pássaros Livres / Vogelfrei, que foi Avenida Tiradentes que poucos reconheciam na sua historicidade,
instalado no Octógono da Pinacoteca de São Paulo. Esse portal constitui é justamente aquele que abrigou durante os anos mais duros
da ditadura militar centenas de presos políticos. Pessoas que da
ditadura militar para encarcerar presos políticos, que foi desativado em noite para o dia foram transformadas em “foras da lei”: porque um
1973 e posteriormente demolido para dar lugar a uma agência de um governo “de exceção” havia se instalado e se arvorou o direito de
banco estatal. Esta réplica do portal não foi construída de pedra mas
sim na forma de gaiola (Fig. 9) em que foram encerrados 12 pássaros

de semana um pássaro era libertado e voltava para sua casa, em uma


cerimônia presidida cada vez por um ex-preso político deste presídio (Fig.
lembra-nos Seligmann-Silva.”30

27 M. SELIGMANN-SILVA, ibid., p. 36. 29 M. SELIGMANN-SILVA, p. 33.


28 H. BERGSON, p. 71. 30 Ibid., p. 34.
III. Testemunhos, Auschwitz 1945-2005”, em comemoração de 60 anos da

instalação constou de 60 monitores de vídeo colocados sobre grandes


mesas sinuosas que permitiam aos visitantes, sentados uns de frente aos
O artista argentino Marcelo Brodsky apresentou em 2012, no outros, assistirem os testemunhos de 60 sobreviventes dos campos de
concentração nazistas. Os testemunhos desses sobreviventes, gravados
denominada Buena Memoria, anteriormente apresentada em uma versão em video, em que expunham suas vivências nos campos, pelo tempo que
quisessem, resultaram em registros de 2 a 9 horas, cada. Sem edições,
qual labora sobre fotos de seus colegas do Colégio Nacional de Buenos essas entrevistas feitas por historiadores não-artistas, poderiam ter sido
Aires (Fig. 12). São fotos da sua turma de colégio, sendo que vários deles somente puras formas artísticas, elegantes, moldadas pela artista a seu
alguns poucos anos depois foram vítimas da política de “desaparecimento” estilo, o que tornaria inacessíveis e secundários esses relatos terríveis,
perpetrada pela ditadura militar argentina, de que foi vítima, inclusive, o
seu irmão Fernando Rubén, o Nando (Fig. 13), retratado quando menino ela, a artista, entregou-nos os testemunhos como um bem comum, em
coerência com a dimensão política e estética de seu trabalho, como
destaca Didi-Huberman32. Este trabalho de Esther Shalev-Gerz ocupava
uma obra
em cores de jovens argentinos que nos anos 90 contemplavam estas republicana no sentido literal, uma exposição sem espetacularidade. Cada
fotos-documento e que se misturavam com as faces do passado, era o visitante tinha a possibilidade de se encontrar com os testemunhos face
telescopagem: o engavetamento de diferentes a face durante a duração real de um relato, sozinho com os relatos, mas
em comum no espaço expositivo. Até nisso é político: mantém juntos o
no presente, o artista trabalha com a multiplicidade de tempos e gerações singular e o plural.
envolvidas em seu trabalho”, concluiu Seligmann-Silva .31
Silmultaneamente, um grande vídeo silencioso, em três

momentos de silêncio nas falas dos sobreviventes, entre a pergunta


IV. A arte-memória que é pura memória.
força deste trabalho está em mostrar os testemunhos sem estetização,
sem montagens, angustiantes, em entregar-nos as falas como saíram das
Na França, Esther Shalev-Gerz, artista lituana-israelense-
nas montagens de Esther Shalev-Gerz, que os brancos nas palavras são
franco-sueca, realizou em 2005 uma instalação (Fig. 14) no Grande Hall
emanações de sofrer, do sofrimento, que vem por assim dizer, envenenar
da Prefeitura de Paris, a que intitulou ”Entre a Escuta e a Fala: Últimos
32 -
31 Ibid., p. 35.
os momentos de transição, são cavilhas dialéticas, são escavações do um ano em cada lugar da Alemanha, para onde é enviado. No primeiro

testemunhos.33 O branco do discurso, acontecimento no testemunho, é ao Berlim, no endereço Tiergartenstrasse 4 (daí a abreviatura T-4), em que
mesmo tempo singular e coletivo34
dirigido a todos os interessados que aceitam ouvir o silêncio e ouvir em 2009, este “ônibus-cinza” itinerante foi deslocado para Brandenburg,
cada falha do discurso o desejo de abrir sempre mais os limites do dizível.
35
Assim, vem sendo deslocado, a cada ano, deste então. Vemos, na Fig. 16,
um ônibus do “Serviço de Ambulância de Caridade” (Gemeinnützigen
Krankentransportgesellschaft - GEKRAT), de 1940.

V. A memória, o memorial e o anti-monumento. A intenção declarada dos artistas, com esses memoriais que
recordam o transporte dos pacientes para o assassinato em massa, foi
levantar permanentemente a pergunta de um dos paciente:
O ônibus, que muda de posição a cada ano, busca manter a
Na Alemanha, Horst Hoheisel e Andreas Knitz, vêm criando 36
.
trabalhos contundentes a que denominam anti-monumentos, para
lembrar os mortos e injustiçados do nacional-socialismo. Aqui temos um
, de que 37
exemplo, o Memorial Ônibus-Cinza, criado para o Centro Psiquiátrico Die
“todavia, a rememoração, a contemplação, na consciência, das injustiças
Weissenau, de Ravensburg, Alemanha. É uma réplica em tamanho 1:1 (Fig.
15), fundido em concreto, dos ônibus que transportavam os pacientes

sofrimento, da desolação das gerações vencidas, e a realização dos


campos de extermínio onde estavam instaladas câmaras de gás do
objetivos pelos quais lutaram e não conseguiram alcançar” e reconhecer “a
dos nazistas, denominado Aktion-T4. Estima-se
importância da exigência que vem do passado: não haverá redenção para
que 70.000 pessoas foram assassinadas nessas operações. Hoheisel e
Knitz construíram dois desses “ônibus-cinzas”, cortados longitudinalmente

ação redentora”38* .
de entrada daquela clínica de Ravensburg de onde foram retirados os
pacientes, de tal forma que todas as pessoas para entrar nesta clínica, *Texto desenvolvido para a mesa “Arte Contemporânea e Estado Autoritário”, realizada no dia
28/06/2013.
hoje, têm que passar pelo corredor formado pelas duas metades, em cujas
paredes, estão expostos fotos e documentos da época dos assassinatos 36 A. KNITZ e H. HOHEISEL, in:
.
33 Ibid. , p51.
34 Ibid. 38 W. BENJAMIN,
35 Ibid.
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VORSATZ, I. Antígona e a ética trágica da psicanálise. Rio de Janeiro,


Editora Zahar, 2013. 245 p.
MEMORIA E IMAGEN: LA IMAGEN A PARTIR DEL
ESCRACHE PARA PENSAR EL CONCEPTO DE MEMORIA
Grupo de Arte Callejero
MEMORIA E IMAGEN: LA IMAGEN A
PARTIR DEL ESCRACHE PARA PENSAR
EL CONCEPTO DE MEMORIA*

Grupo de Arte Callejero

Los escraches. Un poco de historia

tiempo la consigna levantada con más fuerza por los organismos de


derechos humanos. Desde su surgimiento, las consignas estuvieron
Desde su formacion en 1977, las Madres de la Plaza de Mayo,
a traves de sus cuerpos, hicieron visibles a los desaparecidos. Estar en
lugar en el que se transmiten las huellas del pasado reciente y donde
lucha contra la impunidad en la peor época de la dictadura. Todos los

estuvieron presentes con su empeño en la Plaza de Mayo. Lo hicieron


a través de sus cuerpos en movimiento, como modo de contrarrestar
denuncia. En un primer momento, los testimonios de sobrevivientes,
familiares y testigos ocuparon un lugar central. Terribles relatos sobre
lo ocurrido resultaron para muchos un despertar del adormecimiento y

a los ex comandantes constituyen dos momentos paradigmáticos de

promulgan las leyes de impunidad (Obediencia Debida y Punto Final); por


*Texto desenvolvido para a mesa “Arte Contemporânea e Estado Autoritário”, realizada no dia
28/06/2013. de Estado.
Los primeros escraches en Argentina se realizaron desde la En 1998 se constituyela “Mesa de Escrache“como una mesa de
trabajo barrial en red con organizaciones sociales diversas (en esta primer
genocidio argentino iniciado en la década de los 70´); surgen en el año Mesa participaban algunos grupos de arte como EL Grupo de Arte Callejero,
ETC… algunos partidos políticos de izquierda, sindicatos y murgas). El
trabajo es más profundo y se busca develar GENOCIDAS ocultos dentro de
decreto presidencial de los indultos.

La palabra En el inicio de cada escrache la Mesa de Escrache Popular


que está oculto”, “develar lo que el poder quiere mantener oculto”, en se traslada al barrio, para comenzar el proceso del trabajo que durará
la práctica política: que la sociedad convive con asesinos, torturadores
y apropiadores de bebés, que hasta aquel momento permanecían en un se convierte en un acontecimiento aglutinador de la experiencia
barrial, donde se interpela al vecino, considerándolo un actor y ya no un

Desde sus comienzos rompen con varias formas “tradicionales” de hacer los responsables de la dictadura menos visibles, pero no por eso menos
partícipes del genocidio.
alegría y de lo festivo usadas como herramientas hacia la denuncia.
La marcha del escrache se realiza los sábados a la tarde,
Desde los primeros tiempos, agrupaciones, colectivos de arte y intentando generar un trastrocamiento del espacio y de las herramientas
comunicacionales, abandonando como objetivo central aparecer así en el
Al comienzo, los escraches consistían en irrumpir en los lugares de trabajo
de otros territorios. Toma relevancia de esta manera, el trabajo en lo que
elegíanlos genocidas más conocidos como Astiz, Martínez de Hoz, Videla,

se tejen redes al interior del territorio. Produciéndose en el proceso


Hay una necesidad importante de aparecer en los medios,
se eligen fechas estratégicas;el objetivo es instalar el tema (hasta el concurrencia de vecinos, familias, instituyéndose la posibilidad de la
momento relativamente pasivo), en pleno auge de la presidencia de Carlos
Menem. El objetivo es lograr que la gente repudie a los genocidas sueltos,
que exista una “condena social”, interpelando a la ausencia de la condena El objetivo no es solamente que mucha gente vaya a la marcha
legal. El lema que se va gestando es “si no hay justicia hay escracche ”. Las
tácticas son de lo más diversas y de lo más creativas. actividades previas en ese territorio, respetando sus particularidades, sus
tiempos y sus temáticas. La Mesa de Escrache Popular se traslada al barrio Por este motivo la práctica de la Mesa de Escrache se centra en
y se comienza a relacionar con distintas organizaciones sociales, con la memoria2
centros culturales, con murgas, con centros de estudiantes, con asambleas
(a partir de 2001 y hasta el día de hoy); se realizan ciclos de cine, de
charlas, actividades en colegios, radios abiertas, actividades en las plazas. está ocurriendo en tiempo presente y donde el afectado es la sociedad
Hay una idea fuerte de que el escrache propicia una idea de justicia que en su totalidad. Se aleja así de las prácticas del poder judicial, que

que construye la gente día a día, a través del repudio al genocida en el


emparentamos con la idea de Agamben, cuando expresa que “el derecho
de presente. Esa justicia ya no es un medio para conseguir la justicia
institucional, ni una forma de paliar la ausencia de condena legal, sino
independencia de la verdad o de la justicia…merced a la cual lo verdadero
el centro capitalino, sino fundamentalmente en el barrio. y lo justo son sustituidos por la sentencia, que vale como verdad aunque
3

Pensando el trabajo barrial

de humanidades y Artes de Rosario).


La Mesa de Escrache parte de una idea de igualdad y su práctica
motivo no existe “la memoria”, sino las memorias, las visiones, las selecciones, los olvidos, los
recuerdos optados al paso del tiempo y las construcciones colectivas de esos “hechos” pasados.
en su conjunto, orientada al encuentro entre el sentimiento y el deseo de Por toda esta complejidad, las memorias no son meros recuerdos, sino construcciones de indi-

Las memorias evocan disputas de sentido, valor, poder, etc.: abandonado la falsa idea de una
semanal; una ronda en donde se conjugan opiniones y discusiones, y “memoria completa” (como ha expresado algunas veces en su programa el conductor de “Hora
donde la toma de decisiones se realiza a través del consenso, con una
la sociedad misma; que el poder dominante tienda a homogeneizarnos, buscando imponer
clara tendencia a la horizontalidad. Es en este sentido que la práctica de
la Mesa se aleja de toda idea de práctica política de actores individuales, construir nuestros procesos de resistencia. Retomando la idea de Foucault de que no existen
relaciones de poder sin resistencias, la resistencia existe porque está allí donde el poder está:

la puesta en escena de un espectáculo de la dolencia individual. Como


menciona Badiou, ninguna política será justa si el cuerpo es separado de basta. Con el proceso del escrache se intenta un camino de poder como verbo, del poder-hacer
como poder relacionarse, poder reconocerse en las diferencias y similitudes, poder construir
colectivamente. En este construir colectivamente la memoria no es un rompecabezas donde
sufrimiento, ya que “ninguna víctima puede ser reducida a su sufrimiento,
pues en la víctima es la humanidad entera la que está golpeada”1. 3 Agamben, Giorgio.
1 Badiou, Alain. La idea de justicia (conferencia pronunciada el 2-6-04 en la Facultad Valencia, 2000. Ed. Pre-textos. Fragmento de las págs. 16 y 17.
El proceso de escrache irrumpe en la cotidianidad del barrio. Al
decidir a quien escrachar, la Mesa de Escrache Popular se muda al barrio en alguna pared abandonada; cuando va a comprar al negocio lo espera
donde vive el genocida; su llegada produce inquietud y curiosidad, ya que

primera instancia repartiendo cartas donde se explicita el prontuario del está denunciando que en su barrio vive un genocida; cuando camina los

los días los vecinos ya conocen a sus miembros y saben porqué están allí. esta manera, el paisaje del barrio cambia, plasmando una problemática
Las respuestas de los vecinos son variadas e implican distintas maneras

vecina le toque el timbre a otra vecina para contarle que al lado de su


Podemos entender la práctica del escrache como posibilidad de
sobre las prácticas cotidianas del genocida (se corta el pelo acá, desayuna
todos los días a tal hora en ese bar., es amigo de tal, etc.)
por personas que están juntas y que por lo tanto están entre.4

participaciones, incluidas la de los familiares, amigos, e instituciones de la


Caminando justicia

del genocida ante la policía contra los participantes del escrache, por la Luego del cuestionamiento (desde los inicios de H.I.J.O.S y la
Mesa de Escrache) de la mera demanda bajo el lema “juicio y castigo”,
participantes del escrache para revisar sus pertenencias dirigida hacia los tribunales judiciales, nace con la práctica del escrache

La práctica del escrache construye día a día en el barrio imágenes en torno al contenido de esta consigna, principalmente aquel sostenido
que marcan al genocida, sacándolo del anonimato cotidiano. Las pintadas entre una parte de H.I.J.O.S, que planteaba que la condena social era un
en las paredes del barrio comienzan a decir “hay un torturador en el medio para el juicio y castigo, y la gente que participaba en el proceso
barrio” y “si no hay justicia hay escrache”. Los vecinos ahora están todos barrial de los escraches (entre ellos una parte de H.I.J.O.S.) y sostenía que
alerta, ellos reciben volantes y en general dialogan con los participantes
del escrache. La estética del barrio cambia en el proceso del escrache,

4 Rancière, Jacques. Paris, 1998, La Fabrique.


idea y una práctica de justicia que excedía a los tiempos institucionales empezamos a meternos en las discusiones, los discursos y las decisiones
del estado de derecho. que implicaba. Ninguno de nosotros venía de un espacio militante, así que
empezar a trabajar en los escarches indefectiblemente nos posicionaba

práctica barrial. Con la llegada al gobierno de Kirchner, en el contexto de


muy difíciles de representar. De hecho, los modelos más conocidos en

posicionamiento al respecto de las organizaciones y movimientos sociales.


marcan una línea de trabajo que se sostendrá desde entonces: desde
las formas o las temáticas diversas, siempre se mantendrá el eje de la

Uso de la imagen. La experiencia subjetiva del GAC (Grupo de menor medida.


Arte Callejero)
Es en los primeros escraches donde nos consolidamos como
grupo y, al mismo tiempo, el grupo mismo se circunscribe a quienes lo
En 1998 llevábamos un año de actividades en torno a los
murales, incursionando en experiencias de intervenciones visuales y

El escrache nos permite una doble dinámica: simultáneamente marca el


que pensaba colectivamente otros modos de construir justicia frente a la cierre hacia adentro y nos abre al afuera Esta apertura hacia afuera se da
impunidad con la que contaban los genocidas. Tras las leyes de Obediencia

sino también va tomando cuerpo en personas sin relaciones familiares ni

política. Como espacio para interactuar con otros. hijos de los militantes de los 70.

Para el GAC se produce entonces un primer cambio en su accionar:


el eje que pasa a aglutinarnos es el trabajo sobre el terrorismo de Estado y acompañados de otros se sociabiliza y se crea una apuesta política muy
potente, totalmente diferente de las formas o espacios tradicionales
partidarios o sindicales. En ese tiempo sentíamos la necesidad de marcar
y señalizar los espacios de la ciudad que habían funcionado como CCD automovilista. Esas señales funcionaban interviniendo en el espacio de la

lugares y en las formas en que eran o no registrados por las personas que
transitaban por allí o por sus cercanías. Nos propusimos trabajar sobre
los espacios físicos del terrorismo de estado y sobre su invisibilidad con
el objetivo de develar (escrachar) a los sujetos partícipes de la dictadura. imagen en el escrache tuvo que ver, por un lado, con el lenguaje: con la

Teníamos en cuenta que la mayoría de los CCD no habían otro, con la idea de acontecimiento temporal que se reitera (el escrache
sido construidos especialmente para ser utilizados en la dictadura, sino

dependencias militares y también dependencias civiles. surgimiento de un tipo de imagen serial, que reaparece cada vez. Además
de marcar un trayecto, las señales marcan un tiempo, intervalos de tiempo,
Es ahí donde nuestra propuesta cobra doble sentido: a la vez que mediados entre escrache y escrache, y también entre el escrache y otros
se enmarca en un proyecto que tiene la solidez política de un escrache, nos espacios donde aparecieron los mismos carteles copiados por otros
permite pensar la denuncia desde otro lugar. Nuestra idea se amplía por
donde hubo presencia de carteles como una gran unidad conceptual que
nos plantean la necesidad de acompañar las demarcaciones del escrache abarca desde los inicios del grupo a la actualidad. No es casual que cada
con señales de denuncia. La señal como imagen empieza a formar parte
del accionar del escrache y crece junto a la denuncia de los represores; sea el de los carteles.
también la consigna de “Juicio y Castigo” como símbolo de lucha, así como
Los carteles viales se siguieron haciendo durante todos estos
Madres de Plaza de Mayo. años, incluso en otros espacios y también fueron reapropiados por otros
grupos y colectivos para sus propias actividades, ya diferentes a los
Nuestro aporte es desde el pensar y el hacer imágenes en escraches de H.I.J.O.S. o de la Mesa de Escrache Popular. También con
el tiempo sus usos cambiaron y se convirtieron en otros objetos como
principio elegimos usar la estética de señalética, utilizando símiles
a carteles viales (hechos en madera pintados con esmalte sintético, diferentes actividades, necesidades y reformulaciones.

manteniendo colores e íconos y cambiando totalmente su sentido. El


espacio de uso es el mismo que los espacios reales en la ciudad: en los
Parque de la Memoria

El Parque de la Memoria fue una iniciativa de los organismos


de derechos humanos que se presenta como proyecto a la Legislatura de

espacio de memoria y homenaje a los 30.000 desaparecidos frente al Río

por todos los organismos de DDHH

La idea consistía en que en ese parque hubiera varias esculturas Además de ampliar nuestra perspectiva en cuanto a las
y un monumento central a las víctimas del terrorismo de Estado. Para la

del cual participamos, y quedamos seleccionadas junto a otras propuestas.

denuncia. Estas problematizaciones se fueron amasando con el tiempo.


necesario inscribirla en la coyuntura política de aquel año 99, en la

Los “carteles de la memoria”


En este sentido, nos parecía importante usar el concurso como excusa
para profundizar y trabajar sobre el concepto de terrorismo de Estado Los casi sesenta carteles fueron pensados y proyectados desde
sin cerrarlo a la etapa estricta de la dictadura argentina (1976-1983),

las dictaduras del resto de Latinoamérica y, luego, hacia las políticas a lo largo de la costafrente al Río de la Plata. Cada señal fue pensada en
nacionales e internacionales de control y seguridad que siguieron en los

del neoliberalismo puro y duro. como así también el surgimiento de accionesde resistencia.

en los escraches, ya que podemos utilizar carteles pensando en un mayor

conceptos. La voluntad de extender y complejizar la denuncia (además de sus denuncias, adquieren un sentido totalmente nuevo. Algunos de los
los CCD y los represores en la escala 1 a 1) era lo que sentíamos que daba
imagen a la que hacenreferencia. Cada cartel por sí solo puede leerse Con este plan de profundizar en nuestros trabajos y a raíz de la
como tal, o ser parte de uno ovarios recorridos, dialogando con quien hace
Américas, en Río de Janeiro, en el año 2000, decidimos trabajar sobre la
en pequeños grupos, o en su totalidad.

de imposibilidad de redactar nosotras mismasesos textos. A través

nuestros propios pensamientos, y si bien usamos algunas citas, éstasse


intercalaban con nuestras impresiones. También a lo largo del tiempo se pero en una ciudad en la que nunca habían sido pensados ni trabajados.

poniendoen evidencia conceptos relacionados con las políticas sociales y


estudiantes, organizaciones de derechos humanos, organismos sociales,
etc. Las señales se ubicaron en el boulevard de Avenida Chile hasta llegar

“Conectado”, “Escrache Pass”, “Estampitas” y “Aquí viven genocidas”.

Plan Condor narrativa y cada cartel funciona como una unidad lingüística en sí misma;
el texto funciona como ícono.

de Contra el apagon del terror

opositores políticos a sus países de


Otra experiencia fue el viaje a Ledesma 2 en 2003. Hace 25
de la doctrina
terminando de construir en la misma marcha. Estos carteles funcionaban Plaza de Mayo y coordinada por un espectro diverso de organizaciones
a manera de relato pero, al mismo tiempo, cada imagen hablaba por sí

del ingenio, en donde los carteles no competían con ninguna imagen. Nos escraches encontrábamos otro lugar de pertenencia y para compartir.

lugar y con las personas que habitan ese espacio de formas tan diversas. La Plaza de Mayo es el símbolo de varias luchas y queríamos

La noche del 27 de julio de 1976, la usina del Ingenio Ledesma central, donde las Madres hacen la ronda cada jueves, hay impresos sobre
el piso pañuelos blancos. El día de la marcha la Pirámide hace de sostén
facilitar la tarea de policías, militares y capataces para allanar y saquear las de una compleja estructura con miles de fotos de los desaparecidos. Es
viviendas de los pobladores de Libertador General San Martín y Calilegua, en ese espacio que decidimos intervenir con la imagen de juicio y castigo
provincia de Jujuy. En camiones de la empresa fueron secuestrados más elaborada y utilizada en los escraches.
de 400 trabajadores, estudiantes y profesionales. Fueron trasladados a
galpones de mantenimiento de la empresa, donde fueron torturados y En los inicios del escrache se fue consolidando la consigna de
desaparecidos durante meses. Hoy se cuentan más de 40 desaparecidos juicio y castigo con la doble apuesta de exigir justicia institucional sin
en esta zona. Mediante los apagones del terror, con el secuestro y las perder de vista la importância de construir una condena social. El símbolo

su control y disponibilidad absoluta sobre sus trabajadores.

Hoy en día Ledesma S.A. (perteneciente a la familia Blaquier)


sigue actuando conjuntamente con las fuerzas de seguridad. Sus
empleados trabajan bajo condiciones sumamente precarias, cobrando
salarios miserables, y siendo reprimidos ante la mínima revuelta. Además,
organizaciones, desde DDHH hasta movimientos de desocupados,
medio ambiente, también son sumamente peligrosas para los habitantes especialmente después del asesinato de los piqueteros Maximiliano
del lugar.
calcomanías.

Como grupo participamos en la Marcha de la Resistencia su mayoría tienen una durabilidad muy variable: si bien algunos carteles
realizada cada diciembre en Plaza de Mayo, convocada por Madres de permanecen por más de un año, otros son sacados inmediatamente
después de la marcha. Como si integraran una puesta en escena donde Acciones barriales
los que retiran la escenografía no son parte de la obra, sino todo lo
contrario. Se nos aparecía después de cada escrache la imagen de los Estas experiencias barriales tienen precedentes como lo que
carteles durmiendo en las comisarías de los barrios o, en el mejor de los
con el grupo “Encuentro por la Memoria” y su trabajo en el lugar. Junto a
de dos metros de diámetro, impreso en stencil. Esta especie de bandera las asambleas de San Telmo desde hace tiempo organizaban marchas que
circular era utilizada durante los escraches y las marchas y en diciembre circulaban pasando por las casas de los desaparecidos del barrio o los
lugares en que fueron secuestrados. Lo importante era la marca pero en
en el transcurso de la Marcha de la Resistencia. Nuestra idea era colocar
era para el represor. La marca de los homenajes trabaja en el sentido de

generaba la necesidad del cuidado de nuestra huella.


No se trataba de buscar el símbolo para el desaparecido,

cada uno. Entonces las fotos de los desaparecidos de San Telmo fueron

marcha colocábamos pequeños cuadritos con la mirada recortada, su


un nuevo presidente merecía la limpieza de la plaza principal.
quiénes habían vivido y trabajado allí y quienes habían sido secuestrados
Volvemos a insistir con la imagen reforzando la leyenda con
stencil sobre el círculo blanco. Volvemos a insistir sobre el espacio

conservándolo, peleando por él. Actitudes similares fueron llevadas a cabo

Acciones legitimantes del estado con respecto a los dd.hh.


volver sobre un mismo lugar contra el poder que pretende borrarlo. Así fue
que pusimos otra bandera en 2000 y en 2001, que fueron removidas por

la ESMA constituye otra forma de marcar el lugar. En el acto del 24 de


círculos. Pero en 2002 y 2003 colocamos la misma imagen en diferentes
sectores de la plaza.
Este no saber qué decir/no saber qué hacer se hizo visible en
de recuerdos (y olvidos) sobre todo a lo largo de 2006, con el objeto de varias organizaciones o grupos que trabajaban apoyando la lucha de

que veníamos construyendo.

Registramos una ambigüedad fuerte. Por un lado, se empiezan a


imágenes y de políticas de memoria, diferenciada del modelo fetichizado
propuestas interesantes de perspectivas barriales como la Coordinadora
de Barrios por la Justicia y la Memoria y el trabajo conciso de cada de imágenes dentro de estos espacios y cuál es nuestro aporte, si es que

cada ciudad.
Formas que se pueden crear en sectores barriales, populares o movimientos
Para nosotras a la vez algo se estaba perdiendo y algo recuperando.
La exigenciade juicio y castigo como símbolo de toda una época perdía
sentido o por lo menosya no estaba interviniendo de la forma que lo venía
haciendo. Es complejo ver qué pasa con los usos de los símbolos durante
estos años, especialmente cuando percibíamos que perdían sentido o que No se puede negar que desde los escraches y los homenajes en
ya no recuperaban lo que nosotras queríamos recuperar. Es así que para
la Marcha de la Resistencia de 2004 decidimos no imprimir la imagen de
juicio y castigo como lo habíamos hecho durante años, ya que sentíamos la que dan cuenta de la importancia de lo visual, de la imagen, como formas
ausencia de un discurso que nos contemplara y experimentábamos cierta narrativas de la memoria y de la identidad, especialmente sensibles y
incomodidad ante el peso de lo creado. Decidimos entonces proyectar potentes en las nuevas formas de hacer política. El peso de lo visual es

Durante los años que siguieron nos negamos a pensar qué hacer
con esos símbolos ya creados y nos movimos con mucha incertidumbre y
de contestar esta pregunta, me parece necesario revisar las construcciones
de la memoria a lo largo del tiempo y detectar cuáles logran conectar con
El 23 de marzo, las señales estuvieron en el escrache a Massera y
Harguindegui. A partir de ese momento, se convirtieron en un recurso de
que tengan la fuerza de renovar las imágenes, de registrar los cambios los recorridos que realiza cada escrache.
y de producir nuevas temporalidades, se precisa también una nueva

“Son hitos o marcas, ocasiones cuando las claves de lo que está El 8 de diciembre de 1999 resinamos señales con la consigna
“Juicio y castigo” en torno a la pirámide de la Plaza de Mayo, en el contexto
más visibles, cuando las memorias de los diferentes actores de la Marcha de la resistencia, iniciativa anual convocada por las Madres
sociales se actualizan y se vuelven ‘presente’”. de Plaza de Mayo.

Acciones realizadas en el GAC en relación a la construcción de Carteles Plan Condor. Río de Janeiro, Brasil - Julio 2000

Carteles viales (1998 en adelante) en la Ciudad de Rio de Janeiro, consistente en 36 carteles viales que

Las señales viales para indicar los domicilios de los genocidas y

dictadura militar, comenzaron a realizarse en el año 98 y en la actualidad


siguen estando presente. Se utilizaron e intervinieron muchos tipos de
señales, entre ellas instalaciones temáticas y recorridos que cuentan una
historia. humanos y organizaciones sociales brasileñas, como Tortura Nunca Mais,

La primera vez que empleamos las señales fue el 19 de marzo


de 1998, frente a los Tribunales de retiro, en el contexto del juicio al

reclamo de “Juicio y Castigo” a los represores y fue desplegado por la


AQUÍ VIVEN GENOCIDAS - 24 de abril de 2001

Al día siguiente, se utilizaron por primera vez en un escrache,


donde aparecen señaladas las direcciones de los genocidas que han sido
escrachados hasta el momento, mientras la agenda contiene sus teléfonos
y direcciones. En el video se recorren esas casas en dos momentos custodiaban el Banco HSBC, precisamente el lugar de donde salieron los
disparos que terminaron con la vida de este joven.
imprimir los 24 de marzo de los años 2002, 2003, 2004 y 2006. En cada
oportunidad se transformaba el diseño y se agregaban las direcciones de CALCOS facultad de derecho
los nuevos escrachados.
El 20 de marzo de 2002 y el 19 de abril del mismo año se
El ESCRACHE-PASS - 8 de septiembre de 2001 pegaron cientos de calcos en los bancos de las aulas de la Facultad de
Derecho, con los nombres de los desaparecidos que cursaban o trabajaban
Se imprimieron miles de pases para ingresar a la red de metro, en la Facultad.
de similar apariencia a los que entrega la empresa que administra el
servicio, donde se escrachaba a Miguel Angel Rovira, ex miembro de la
triple A (Alianza Anticomunista Argentina), que por aquel entonces se CONECTADO – 14 de diciembre de 2002
desempeñaba como personal de seguridad. Los “escrache pass” fueron
repartidos por mujeres disfrazadas de promotoras, durante los horarios
que un inmueble está siendo monitoreado y vigilado por una empresa
abarcaba todas las líneas en los turnos de mañana y tarde, para lo cual
nos organizamos en varios equipos de modo coordinado y estratégico. donde trabajaba el torturador Donocik, colocando este pequeño cartel en
También se realizaron ventas ambulantes de “viajes contra la impunidad”, las fachadas del barrio del escrachado.
dentro de los vagones del subte y se colocaron calcos denunciando la
complicidad de la empresa.

HOMENAJE A LOS CAÍDOS POR LA REPRESIÓN POLICIAL DEL 20 DE HOMENAJE A LOS DESAPARECIDOS DE SAN TELMO – 23 de marzo de 2003
DICIEMBRE DE 2001 - 10 de enero de 2002
Actividad organizada por agrupaciones barriales vinculadas a la
El colectivo formado por familiares y amigos de las víctimas

del barrio. Durante este desplazamiento fuimos señalizando las fachadas


las movilizaciones se señalizaron los lugares donde habían caído los con carteles, pintamos los cordones de las veredas con fragmentos de
asesinados por las balas policiales, en forma de placas de resina poliéster canciones y poemas que la gente iba proponiendo en la marcha y que de
y luego de cerámica. La que recordaba a Gustavo Benedetto fue siempre
por el desalojo de la familia Curiñanco, quienes junto al resto de las
MARCHA EN LEDESMA – 26 de julio de 2003 comunidades mapuches son los legítimos poseedores de las tierras ayer

Cada año se realiza una marcha en la ciudad jujeña de Libertador


turísticos) donde se exhiben las tradiciones culturales de los originarios,

ACCIÓN EN LA RURAL - 2006


oportunidad realizamos un conjunto de señales viales que denunciaban
aquella complicidad, poniendo énfasis en sus consecuencias actuales.
de vacas irrumpían en la sede de la Sociedad Rural Argentina, en el
COMISIÓN ANTI-MONUMENTO A JULIO ARGENTINO ROCA. Pintada en el mismo momento en que se celebraba la Feria del libro, para denunciar

junio 2004

tanto por los manuales de historia como por los sectores reaccionarios de personaje nefasto de nuestra historia.
la sociedad. Entre sus grandes obras se encuentra la llamada “Campaña

SEGURÍ$$IMO – 8 de noviembre de 2003

vendidas a empresas extranjeras, entre ellas la Compañía Argentina Tierras


del Sur, actualmente propiedad de la trasnacional Benetton. Se realizaron
diversas intervenciones en el monumento emplazado en el centro de la de la seguridad, repartimos volantes publicitarios donde se relacionaba
el negocio de la seguridad con estadísticas sobre el desempleo, se
que recordaba al genocida. señalaba el reciclado de genocidas en empresas de seguridad privada y la
continuidad de los métodos represivos aplicados en dictadura.

TODAS LAS TIERRAS LAS ROBA BENETTON


MARCHA POR EL ANIVERSARIO DE LA MASACRE DE MARGARITA BELÉN, entraban en sintonía con los modelos estéticos del arte institucionalizado
CHACO - 2007 de entonces. Estábamos convencidas de que nuestro proyecto no iba a
quedar seleccionado. Si bien la idea de un parque que homenajeara a las
Como parte del recorrido de la marcha, ideamos unos globos de víctimas del terrorismo de estado había surgido de algunos grupos de
dialogo construidos sobre un soporte rígido para ser colocados mediante
un sistema de alambres en esculturas y objetos de la ciudad. Las frases por legisladores pertenecientes a partidos políticos que fueron de alguna

de Resistencia, capital de la provincia del Chaco, se distingue a nivel por los mismos carteles.

internacional de esculturas. Por este motivo, ha recibido gran cantidad de Pero cuando supimos que el proyecto había sido uno de los
obras de numerosos artistas internacionales, que hoy adornan casi todas
las esquinas de la ciudad.

El reconocimiento de la potencialidad comunicativa llega


El Parque de la Memoria. a irrumpir como un tipo diferente de legitimidad hasta entonces
desconocida por nosotras, pero al mismo tiempo algunos miembros del

excusa de la “calidad formal” se empiezan a cuestionar los contenidos,


de carteles viales con imágenes que relatan la historia del terrorismo de tanto de las imágenes como de los textos que las acompañan, alegando
estado, buscábamos transgredir algunas normas del reglamento. que son excesivos. A lo largo de más de seis años recibimos muchos
tipos de observaciones (que son muchos carteles, que tapan al río, que

idea de escultura como objeto monumental inserto en ella. La segunda nuestro discurso, y una prueba de tolerancia donde, a esta altura, lo más
trascendente quizás no sean los carteles puestos en el parque (todavía

mientras que las imágenes y los textos de los carteles indican que el
para siempre.
llegan al presente.
Finalmente: el lenguaje de denuncia que utilizan los carteles, así
Intervención TRELEW de subte “Entre Ríos”(Linea E) por “Rodolfo Walsh”. El periodista y militante
fue asesinado por la dictadura cívico-militar en la esquina de San Juan y
Entre Ríos el 25 de marzo de 1977. Fue llevado al Centro Clandestino de
durante el inicio del juicio en el mes de mayo de 2012, se colocaron en

el juicio a los fusiladores de los compañeros en 1972. El 22/8/1972


fueron fusilados 19 presos políticos de las organizaciones PRT-ERP, FAR
y Montoneros.

Carlos Del Rey, Eduardo Campello, Clarisa Rosa Lea Place, Ana María
Villarreal de Santucho, Carlos Heriberto Astudillo, Alfredo Elías Kohon,
María Angélica Sabelli, Mariano Pujadas y Susana Lesgart. Subte y Premetro, GAC (Grupo de Arte Callejero), H.I.J.O.S. Regional Capital
en la Red Nacional
Sobrevivieron a los fusilamientos: María Berger, Ricardo René

Intervención en Ledesma
fue asesinado. “feudo”- “zafra”. Julio 2012.

Estación Rodolfo Walsh. Intervención “presentes”.

Retrato, “las paredes son la imprenta de los pueblos” en las Humanos (ex esma). Retratos en gran formato realizados en rasterbator.
escaleras. 7/6/2011. Se realizaron varias jornadas comenzando en 4 de septiembre de 2012.

Intervención en la estación Rodolfo Walsh. jornada realizada el sábado 9 de marzo en la Plaza San Martín por el DIA

Mirada en rasterbator. 15/6/2012. En homenaje por el día nacional


CORDEL SEM CENSURA
CORDEL SEM CENSURA1

Viver no Brasil Enquanto os donos do Brasil dominam


anos depois da Abertura como eram nas Capitanias
o governo ainda obedece
o que querem as oligarquias
embora receosos, aproveitamos nada muda esta situação
e falamos sem censura nem com a vinda de um messias

Tudo isso muito novo Somos escravos do CAPETALISMO


Vamos agora combinar Assim dizia o Profeta Gentileza
podemos criar livremente Vivemos mal de situação, mal de maldade
sem ninguém censurar Cegos e surdos de tanta avareza
TV aberta, a cabo, TV Web Fim do mundo, fim dos tempos
Internet onde de tudo se pode publicar reflexos de uma crise com certeza

O povo agora fala Se ditadura é a do capital


E tem direito a expressão de que adianta a liberdade
Porém o que não melhora pouco incentivo a arte e cultura
É a tal da educação vamos perdendo a identidade
Pouco estudo, pouco incentivo somente o povo com autonomia
O que prevalece é a manipulação teremos liberdade de verdade.

Entra governo sai governo CANDIDATO DO ENTORNO


Esquerda, direita ou militar
Deputado, senador, prefeito

Corrupção pra todo lado


Onde tudo isso vai dar

1 Cordel desenvolvido pelo Coletivo de Arte Entorno para apresentação na mesa


“Produção Artística e Estado Autoritário”, dia 26/6/2013
SOBRE O EVENTO
PROGRAMAÇÃO

Dia 25.06.13 _ Mesa 1_O Artista e o Estado Autoritário_19h outros, com o estreitamento das relações entre arte e política. As
transformações instauradas pela arte experimental brasileira nas
A atuação e produção de diversos artistas durante o regime civil- décadas de 1960/1970 serão tensionados por uma vertente de
militar brasileiro (1964-1985) continuam sendo explicadas por
meio da polaridade resistência-cooptação, favorecendo uma análise com uma prática/produção na qual ativismo político/social e arte não
se dissociam. Para pensar essa questão foram convidados o Coletivo
cultura de oposição foi apoiada pela política cultural do regime sem de Arte ENTORNO (Brasília), representado pelas artistas Janaína André
sucumbir à sua ideologia. Diante da necessidade de aprofundar essa e Marta Penner; o artista GOTO (integrante dos Coletivo EPA e E/Ou), o

estado autoritário. Para tanto, foram convidados o pesquisador Marcos a artista e pesquisadora Gabriela Leirias e a artista, pesquisadora e
curadora independente, especialista em arte brasileira, María Inígo
Clavo (Espanha).

Dia 27.06.13_Mesa 3_Arte, Ditadura e Feminismo_19h


Dia 26.06.13_Mesa 2_Produção Artística e o Estado Essa mesa propõe indagações acerca da contribuição da arte feminista
Autoritário_19h e queer para o estreitamento das relações entre arte e política a

A produção artística brasileira, durante o período ditatorial, foi Abordando os temas da representatividade (presença e ausência de
marcada por trabalhos de caráter eminentemente experimental. Que mulheres artistas no campo artístico institucional), da representação
aliavam questionamentos em torno do sistema, natureza e função da e da auto-representação (imagens produzidas por mulheres, lésbicas
arte a outros em torno do contexto cultural, social e político brasileiro e representações queer), os debates apresentados abarcarão os
durante a ditadura militar brasileira. Esse processo culminou, dentre
mulheres considerando-se as transformações do sistema, natureza
e função da arte e atentando também para seus efeitos no âmbito

dos valores heteronormativos. Para incitar os debates acerca dessas


questões foram convidadas as pesquisadoras e artistas Profa. Dra. Rosa
Blanca, Lina Arruda e a profa. Dra. Ana Paula Simioni.

Dia 28.06.13_Mesa 4_Arte Contemporânea e o Estado


Autoritário_19h

plásticas e Estado, no que diz respeito aos períodos das ditaduras


latino-americanas, é retomada a partir da década de 1990, com um

ditaduras latino-americanas a temática central de seus trabalhos.


Em concomitância, soma-se a isto o aumento da visibilidade de
propostas sobre esse viés, para além do limite fronteiriço dos países

deslocamento que convidamos para uma conversa o Grupo de Arte


Callejero (Buenos Aires), representado por Nadia Carolina Golder, a
artista brasileira Fulvia Molina (São Paulo) e a pesquisadora Vivian

caminhos dessas produções contemporâneas a partir de alguns


PALESTRANTES
Ana Paula Cavalcanti Simioni
os dias atuais. Por meio dos trabalhos produzidos, o Grupo tem se
mostrado cada vez mais engajado com problemas sociais e políticos
artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras, 1884-1922, entre que a cidade apresenta e seu papel no contexto nacional. Ao levar
outros livros e artigos sobre as relações entre arte e gênero no Brasil. suas ações para ruas, praças, paradas de ônibus, centros comerciais,

Dária Jaremtchuk entre outras, aproximar o espectador da arte contemporânea. Espera,

leitura da obra de arte.

Fulvia Molina

de Valencia, Espanha, e no Centre de Diffusion Press Papier, Québec,

trabalha na cidade de São Paulo. Fez residência na Instituto de Belas


Entorno
de Diffusion Press Papier, Québec, Canadá. Seus trabalhos mais

e social do país, a partir do efervescente momento de sua criação até contemporâneos, particularmente os relativos à condição feminina
e das minorias sociais. Realizou exposições em São Paulo, Brasília,
Berlim, Essen, Hagen, Québec e Madrid, entre outras cidades. realizou diversas pesquisas e criações em performance. Ingressou em
1998 na Faculdade de Arte Dulcina de Moraes onde se graduou em
Gabriela Leirias Artes Visuais. Realizou exposições individuais e coletivas e, em 2001,

trabalhado como diretora e diretora de arte em video dança, video


arte, cinema e exposições, coordenando e criando projetos em torno
do movimento, o espaço e a imagem. Já participou como convidada
atuando principalmente nos seguintes temas: educação em arte,
em Berlim- Alemanha, além de outros eventos realizados na Paraíba,
colaborativos, projetos sociais e interdisciplinariedade Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e principalmente
Distrito Federal. Atualmente é diretora do Projeto Mapa Gentil, onde
Grupo de Arte Callejero estimula a produção de intervenções urbanas formando novos artistas
Formado em 1997 na Argentina, realiza intervenções com temas que ocupam as cidades onde moram.
político, ocupando diversos espaços urbanos. A temática da ditadura
civil militar argentina está presente em performances e cartazes Lina Arruda

março, Dia das Mulheres, o grupo espalhou cartazes de desaparecidas


(bolsista do Programa Santander de Mobilidade Internacional). Iniciou
sua pesquisa sobre as relações entre arte, representação e feminismo
Janaína André
Iniciou sua carreira artística em 1996 trabalhando na companhia de de Barbara Kruger”, cujo resultado foi publicado na Revista Estudos
dança contemporânea Alaya Dança. Fez especialização na técnica Feministas de Santa Catarina. Desenvolve atualmente na Escola de
de Arte Reina Sofia. Atuou como pesquisadora para o projeto Meeting
de mestrado “Estratégias Desconstrutivas: a crítica feminista da Margins: Transnational Art in Europe & Latin America 1950-1978,

Marcos Napolitano

América Latina. Entre seus projetos de curadoria, realizou exposições

Medialab Madrid, e no Le Cube em Rabat, onde foi co-curadora,


com Anna Raimondo, do projeto Tradition, Translation, Tradition,
atualmente em processo. Curadora da exposiçao Ruido Branco na
Galeria Jaqueline Martins em Sao Paulo com artistas como Leticia
do Brasil Republicano e regime militar, é bolsista do CNPq. Autor dos Parente, Bill Lundberg, Javier Codesal o Mario Ramiro. Colaborou com

Maria Inigo Clavo Marta Penner


é artista, pesquisadora e curadora. Doutora em Artes Plásticas pela Possui Bacharelado em Pintura (1995) e mestrado em Poéticas

colonialidade migração, alteridade, tradução e Arte Latino-Americana,


com ênfase na Arte Brasileira. Ela faz parte do grupo independente principalmente nos seguintes temas: processos criativos em educação
de pesquisa Peninsula, em colaboração com o Museo Nacional Centro artística, curadorias, trabalhos colaborativos, arte contemporânea.
Newton Goto
Multiartista com trabalhos desenvolvidos em circuitos, intervenção estão em importantes acervos brasileiros e internacionais.

desenho, pesquisa, curadoria e produção. Mestre em Linguagens Rosa Maria Blanca Cedillo
Possui doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas (CAPES)/

Arte a partir de uma perspectiva queer / Arte desde lo queer. Realizou


Belas Artes do Paraná (EMBAP), em 2000. Bacharel em Pintura, EMBAP,
1993. Atua em Curitiba junto ao coletivo de artistas e/ou, organiza e
circula pelo Brasil com o projeto Circuitos Compartilhados. Possui eletrônica de conhecimento. Possui Mestrado em Artes Visuais
textos sobre arte publicados em livros e catálogos.

Nasceu em 1949, em Recife, onde reside e produz.


Artista multimídia, poeta, inventor e pesquisador, Paulo Bruscky
nasceu, vive e trabalha no Recife. Desde os anos 70, explora em
seu trabalho diversas linguagens e mídias, tais como desenho, É Curadora da exposição Arte, Gênero e Ativismo (Novo Hamburgo,
performance, happening, copyart, fax-art, arte correio, livro de 2012) e, da que será a I Exposição Internacional de Arte e Gênero,

da Pinacoteca Feevale, assim como do Centro de Documentação


Eletrônica (FAPERGS), e do Curso de Especialização em Design de
incluindo trabalhos originais do Grupo Fluxus e Gutai (Japão), tendo
mantido correspondência regular com alguns de seus membros. Em
com ênfase na Metodologia da Pesquisa Inter e Transdisciplinar, Vivian Braga
Possui graduação em Artes Plásticas, Bacharelado e Licenciatura,
e Culturas Visuais, Arte Contemporânea, Estudos Queer e E-science.

Sebastião Oliveira Neto

desenvolvimento de um estudo sobre a relação de algumas poéticas


Prof. Luis da Rocha Cerqueira e especialização em Estudos de Museus artísticas contemporâneas e experiências das ditaduras argentina e

Projeto Papel de Gente, Casa do Saci, Associação Vida em Ação, coletivo

o processo de colaboração entre artistas, coletivos artísticos e o


Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC). Ocupação Prestes Maia/São

trabalho pretende repensar alguns possíveis pontos de contato entre


arte e política - tomando a produção do espaço urbano por práticas
artísticas e sua aproximação com o ativismo político - no processo de
colaboração entre artistas, coletivos artísticos e Movimento Sem-Teto
do Centro (MSTC) na Ocupação Prestes Maia, em São Paulo, entre os
anos 2003 e 2007.
FICHA TÉCNICA
Fabricia Jordão: Concepção e Coordenação
Lilian Queiroz: Produção, Design e Comunicação
Tatiana Rodrigues: Assistente de Produção
Ana Clara Jabur: Moderação da fan page
NOTA SOBRE A IDENTIDADE VISUAL

uma nota de esclarecimento:

As cores escolhidas nada têm a ver com concepções ufanistas ou


enaltecedoras de uma identidade nacional como muitas pessoas foram
levadas a crer, induzidas pelas ondas de protestos que tomaram as ruas

o lugar permeado de tensões e contradições onde o estado autoritário


e os diversos agentes de oposição se encontram. Ambos se uniram no
desejo de criar uma unidade ou identidade nacional que levasse o país
ao progresso. Como propõe Marcos Napolitano no texto que abre este

militar e a esquerda, sobretudo a esquerda comunista”.


Apoio
Institucional Apoio Patrocínio Realização

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