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Panorama do Canto Coral nas Igrejas Samuel Kerr

2º CONGRESSO DE MÚSICA NAS IGREJAS

julho 2020 – Sorocaba/SP

Apoio
Panorama do Canto Coral nas Igrejas Samuel Kerr

“Panorama do
Canto Coral nas
Igrejas”
Texto guia para uma “live” no II Congresso de Música nas
Igrejas, no dia 31 de julho

Samuel Kerr, em julho de 2020


Panorama do Canto Coral nas Igrejas Samuel Kerr

Eu vou esticar esse panorama pra bem longe no passado, bem


longe! Na Idade Média! O canto coral era a uma só voz, cantando o
canto gregoriano. Ao lado da Igreja havia a Schola Cantorum, a escola
que preparava os cantores para o canto nos serviços religiosos.

Era a uma só voz, mas com o desenvolvimento dessa prática


começou a surgir uma segunda voz cantando em contraponto à voz
que mantinha o canto original, uma voz que recebeu o nome de tenor
(porque “soutenir la chanson”, isto é, tinha a função de sustentar a
canção). Soavam então, o tenor e o contra tenor. Daí o contra tenor se
divide em contra tenor altus e o contra tenor bassus que se tornam o
Contralto e o Baixo. Acima desse contraponto veio a voz do superior,
o Soprano.

Quando acontece a Reforma Religiosa do século XVI os corais


cantavam a quatro e mais vozes, mas ainda com a melodia no tenor.
Os Reformadores Lutero e Calvino pedem aos compositores que
passem a melodia para o soprano para mais fácil identificação do hino
ou do salmo, pelo povo na igreja.

É preciso lembrar que nesse panorama coral na igreja, Calvino


recomendava que se cantasse à 4 vozes em casa e, na igreja todos
cantassem a uma só voz. E a produção coral dos compositores
calvinistas, à 4 vozes foi muito grande atendendo o cântico doméstico.
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Mas os hinários protestantes adotaram o repertório calvinista na


sua versão em harmonia a 4 vozes ao lado dos corais luteranos e dos
hinários ingleses e norte americanos e, quando os missionários
metodistas, luteranos , presbiterianos e batistas chegaram ao Brasil no
século 19 toda essa música soava “coralmente” e a emoção religiosa
era inspirada por hinos à 4 vozes. A congregação poderia cantar a
vozes ou teria como modelo um coral com sopranos contraltos tenores
e baixos. Tudo ligado às manifestações de fé, lembranças do momento
da conversão e envolvimento comunitário.

Neste panorama é muito importante contar do primeiro coral


presbiteriano no Brasil, criado pelo Reverendo Antonio Pedro de
Cerqueira Leite, um dos quatro primeiros pastores presbiterianos
brasileiros. Depois de completado o Seminário foi designado para a
Igreja Presbiteriana de Sorocaba em 1876, onde no mesmo ano formou
um coral que existe até hoje.

Atendendo o seu campo pastoral em Paranapanema, escreveu uma


carta no dia 22 de junho de 1883: “Espero que os membros do nosso
coral se tenham adiantado nos ensaios e que a nossa jovem organista
tenha aprendido a tocar muitos hinos durante estes 32 dias que tenho
estado ausente, afora os que ainda vou gastar para chegar em
Sorocaba. Quando lá chegar, quero ter o prazer de ouvi-la tocar
bastante”.
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A presença de um coral nas igrejas protestantes foi sempre uma


característica marcante dentro da intensa atividade musical
envolvendo a comunidade desde o canto congregacional nos cultos até
todas as agremiações da igreja. A Escola Dominical é um lugar de
musicalização das crianças, futuros cantores dos corais da Igreja.

Não podemos deixar de contar mais uma história importante no


desenvolvimento deste panorama: a chegada, em 1922, da primeira
imigração de letos ao Brasil. A Letônia é um país onde o canto coral é
praticado intensamente, assim como no Brasil se pratica o futebol.
Grandes concentrações corais são realizadas na Letônia, reunindo
centenas de cantores de corais das mais variadas origens.

Entretanto, as opressões político-religiosas e as condições


socioeconômicas precárias na Letônia no começo do século XX
determinaram os primeiros movimentos imigratórios de batistas letos
para o Brasil que trouxeram junto a tradição do Canto Coral.

Quando o primeiro navio desembarcou seus 530 passageiros no


porto de Santos, foram transportados de trem até a Casa do Imigrante,
em São Paulo. E lhes foi servido um almoço. Mas não começavam a
comer o que preocupou a administração da Casa. Não sabiam que eles
se preparavam para cantar! E rompeu um som maravilhoso, imagino,
cantando um hino a 4 vozes, em gratidão à Deus por estarem sendo
recebidos num novo país, cheios de esperança.
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Quem regeu esse grande coral e fez os passageiros ensaiarem o


tempo todo da viagem foi o então jovem Arthur Lakschevitz, pai de
Elza Lakschevitz e avô de Eduardo Lakschevitz, figuras importantes
do canto coral brasileiro.

O destino dos letos era a colônia de Varpa, perto de Tupã e Bauru


aqui no estado de São Paulo. Lá se estabeleceram e continuaram a
cantar em coro. Tornou-se famoso o Coral da Igreja Batista Leta de
Varpa. Era considerado um dos melhores do Brasil, na época.

Os anos se seguiram e os jovens letos foram procurar desenvolver


suas vidas profissionais além da colônia Varpa. Foi um período em
que muitas igrejas protestantes tiveram a frente de seus corais,
regentes letos. O Arthur também foi procurar emprego e chegou até o
Rio de Janeiro para exercer seu oficio de impressor. Lá instalado foi
visitar o pastor da Igreja Presbiteriana da rua Silva Jardim, a hoje
chamada Catedral Presbiteriana. O pastor era o Reverendo Mattathias
Gomes dos Santos, que já havia fundado em São Paulo o Coro da
Igreja Presbiteriana Unida e havia construído o templo que até hoje
está lá na rua Helvetia.

A visita foi um grande acerto. Mattathias que era um


Pastor/Músico, aceitou Arthur Lakschevitz como regente do coral da
igreja e formaram uma dupla que publicou os 6 volumes dos “Coros
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Sacros”, coleção que atendeu os coros de igreja no Brasil durante as


décadas de 1940 e 1950.

Seria bom lembrar neste panorama, que no antigo Seminário


Presbiteriano de Campinas os seminaristas participavam de um
excelente coral masculino fundado pelo professor e Maestro Carlos
Cristovam Zink e continuado pelo também professor e Maestro Eliseu
Narciso. Há que destacar que no Seminário havia uma tradição de
quartetos vocais masculinos.

Os seminaristas também estudavam harmonia e aprendiam a tocar


harmônio, instrumento equivalente aos teclados de hoje, mas em
desuso atualmente.

E por falar em desuso, seria interessante lembrar as modificações


pelas quais estávamos passando na maneira de escutar, com a chegada
dos chamados “ampliadores de voz”. Eram assim chamados os
microfones e alto falantes na década de 1930, no século passado. Já
estávamos nos acostumando com o rádio. Depois veio a televisão! E o
canto coral perdeu sua exclusividade como divulgador de som.

Convido vocês a imaginar como eram as cidades antes dessas


novidades todas. Pra ouvir música você precisava ir aonde houvesse
quem cantasse ou tocasse. Ir ao teatro para ouvir uma orquestra, ir ao
coreto pra ouvir uma banda, ir a uma igreja para ouvir um coral. Ah!
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e os lugares eram adequados acusticamente. Igrejas amplas, teatros


com palcos bem planejados, praças sem barulho de trânsito. Os
pregadores, nos púlpitos, com voz empostada, os corais cantando e
contando com boa reverberação, as orquestras ouvidas por público
silencioso. Não eram necessários “ampliadores de voz”.

Mas voltando ao nosso Panorama não podemos esquecer dos


nomes de 2 missionários norte-americanos Evelina Harper e Alberto
Ream.

A atuação coral marcante de Dona Evelina Harper é identificada


com o Instituto José Manoel da Conceição, o JMC, a partir de 1928.
Ficaram famosas as Caravanas Musicais do JMC que divulgavam um
repertório coral novo e até uma nova maneira de cantar e de vestir os
cantores – com uma toga vermelha! Escândalo para a época. Viajavam
por todo o interior do Estado de São Paulo durante as férias escolares.
Dona Evelina era professora de inglês e de música e formou muita
gente. Seu aluno mais notável é o Reverendo e Maestro João Wilson
Faustini.

O missionário e músico, Alberto Ream, chegou ao Brasil em 1937.


Suas atuações mais marcantes foram o Instituto Coral na Catedral
Metodista de SP, na época a Igreja Metodista Central, e a Escola de
Música Sacra do Colégio Bennet, no Rio de Janeiro. Foram suas
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alunas Nilce do Val Galante e Hora Diniz Lopes. Hora sua grande
colaboradora e continuadora do seu trabalho na música sacra.

Neste panorama cabe um lugar para o Coro do Instituto de Cultura


Religiosa. O Instituto foi criação do Rev Miguel Rizzo Junior que
convidou Nilce para ser regente do coral que ele planejava para o
Instituto. Ela havia estudado na Westminster College Choir, onde
Alberto Ream também estudou, em Nova Jersey, Estados Unidos.

Não sei se estou esquecendo outros nomes que deveriam constar


desse Panorama, mas depois da fase dos regentes letos nas igrejas de
São Paulo, assume a regência do coral da Igreja Presbiteriana Unida
de SP, o Maestro Péricles Morato Barbosa.

Péricles havia cursado o Seminário Presbiteriano de Campinas. Lá


ele estudou música entre as matérias eclesiásticas, com o professor e
maestro Carlos Cristóvão Zink, mas não seguiu a carreira de Ministro
do Evangelho. Todavia essa formação o encaminhou para uma carreira
longa de regente do Coral da Igreja Unida. E foi nessa igreja que,
auxiliado pelo organista Sunderland Cook, apresentou pela primeira
vez em SP córos do Oratório “Messias” de Handel em português que
ele próprio traduziu apoiado em sua formação teológica no Seminário
de Campinas. Ao lado de Péricles precisamos citar o Maestro Martin
Braunwieser, seu amigo e também seu professor, que foi regente do
Coral da Primeira Igreja Presbiteriana Independente, na rua Nestor
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Pestana, hoje a Catedral Evangélica, por muitos anos, antes de João


Wilson Faustini.

Cabe ainda muita gente nesse Panorama, mas os nomes citados


foram guias para um movimento coral marcante na história das igrejas
protestantes. Marcaram o som das igrejas com seus trabalhos corais.

Agora vamos abrir espaço para uma ampliação desse Panorama


citando em primeiro lugar o nome do Reverendo e Maestro João
Wilson Faustini, seguindo com Parcival Módulo, Sandra Boletti,
Donaldo Guedes, Samuel Lourenço, Humberto Cantoni, Alberto
Corazza, Dorotéa Kerr, Márcio Lisboa ... e muitas horas de lives pra
nomear todo mundo, não esquecendo o elenco de participantes desse
Congresso.

Voltando um pouco aos “ampliadores de voz”, o uso de


microfones e alto falantes ampliou a voz dos pastores, os recursos
elétricos e eletrônicos fizeram surgir no trabalho da igreja os órgãos
elétricos Hammond e multiplicaram o uso de teclados e guitarras que
substituíram os órgãos de tubos e os harmônios (que já citamos como
instrumento em desuso) e transformaram a música nas igrejas,
deixando de lado o canto coral. Novo tipo de música foi sendo
praticado por causa dos novos instrumentos, acompanhados de bateria
e acompanhando um cantor que agora utiliza o microfone para cantar.
Panorama do Canto Coral nas Igrejas Samuel Kerr

Os corais que caracterizavam a música nas igrejas protestantes,


fugiram para as empresas e comunidades que descobriram as
qualidades do canto em conjunto e estão cantando um repertório que
também fez esquecer os hinários. Mas criaram novos empregos para
maestros e arranjadores e revelaram novos compositores.

Quem sabe a pandemia venha a nos ensinar novas maneiras de


cantar em coral.

Samuel Kerr, em julho de 2020

Texto guia para uma “live” no II Congresso de Música nas Igrejas,


no dia 31 de julho.

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