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Aula: A Origem do Pré-tribulacionismo

As Origens do Pré-tribulacionismo

Milhares de pessoas desaparecerão repentinamente. Carros se desgovernarão


nas ruas quando seus motoristas forem arrebatados. Aviões cairão quando seus
pilotos se “desintegrarem”. O plantão do Jornal Nacional interromperá a
Sessão da Tarde, ou a novela das 8, para noticiar as diversas tragédias que
ocorrerão ao redor do mundo. Repórteres entrevistam esposos desesperados,
dizendo que suas esposas desapareceram enquanto preparavam o jantar. Mães,
aos prantos, dizem que viram seus bebês evaporarem em seus berços.
Professores confusos pelo fato de pelo menos um terço de sua classe ter
desaparecido. Um paciente, em pleno tratamento de canal, relata que ficou de
boca aberta ao ver sua dentista flutuar e atravessar o teto do consultório, para
nunca mais voltar. Um pastor atônito diz que percebeu algo estranho
enquanto, entusiasmado, trovejava atrás de um púlpito seu mais novo sermão
sobre os 5 Princípios Para uma Vida de Sucesso. Em todos os lugares, há
relatos de pessoas desaparecendo.
Este é o cenário apocalíptico comumente pintado aos congregantes da maioria
das igrejas de hoje. Livros e até mesmo filmes, como a série Deixados Para
Trás, foram produzidos em torno destes relatos hollywoodianos. Diz-se que
Jesus virá uma vez, secretamente, para arrebatar os santos e voltará uma vez
mais, agora visivelmente e para reinar, após um período de sete anos
denominado A Grande Tribulação.
É certo que Jesus voltará para nos resgatar, que haverá um arrebatamento e um
período de tribulação pelo qual a terra passará. Algumas perguntas, no entanto,
pairam no ar. Por exemplo, de onde se tirou a ideia de que Jesus voltará duas
vezes – uma vez secreta e outra publicamente? Onde está escrito que a Igreja
escapará da Grande Tribulação? Onde é que a Bíblia descreve uma tribulação
de sete anos no final dos tempos? E, a prova dos nove: se dermos uma Bíblia a
alguém que nunca tenha ouvido falar da teoria pré-tribulacionista, no final de
sua leitura essa pessoa crerá em um arrebatamento pré-tribulacionista? Ao
longo desta série de artigos, veremos que não. Absolutamente ninguém que
leia somente a Bíblia, sem as lentes da teologia dispensacionalista, chegará à
conclusão de que a igreja será arrebatada antes da tribulação. Ninguém que
leia somente as Escrituras poderá enxergar duas vindas de Jesus no final dos
tempos. Mas, antes de começarmos a desconstruir esta doutrina, precisamos
conhecer suas raízes.

Quando Tudo Começou

O ensino sobre a vinda secreta de Jesus antes da tribulação e do aparecimento


do Anticristo tem sido crido e amplamente disseminado na Igreja
contemporânea sem nenhum questionamento ou investigação. Poucos sabem
que esta doutrina não reflete a crença dos Pais da Igreja, ou sequer foi
ensinada pelos reformadores. Surpreendentemente, por mais de 1800 anos,
ninguém havia ensinado ou ouvido falar em um arrebatamento pré-
tribulacionista.
Comumente, associa-se a origem do pré-tribulacionismo a John Nelson Darby
(1800-1882), teólogo inglês do século XIX e líder do grupo reformista Os
Irmãos de Plymouth. Os biógrafos de Darby o chamam de “o pai do
dispensacionalismo moderno”. Darby, sem dúvida, foi o principal porta-voz
desta alternativa escatológica que divide a volta de Cristo em duas etapas.
Nem todos os de seu tempo, porém, aceitaram esta teologia. Entre os
contemporâneos de Darby que rejeitaram o pré-tribulacionismo estão Jorge
Müller, William Booth (fundador do Exército da Salvação), Carlos Spurgeon e
um teólogo chamado Samuel Prideaux Tregelles. Tregelles foi um teólogo do
século XIX e integrante dos Irmãos, o mesmo grupo a que Darby pertencia.
Em 1864, em seu livro The Hope of Christ’s Second Coming (A Esperança da
Segunda Vinda de Cristo), Tregelles refutou abertamente a nova doutrina
como sendo antibíblica. Ele atribuiu o surgimento do pré-tribulacionismo, não
a Darby, mas a uma falsa profecia proclamada por um dos membros da Igreja
Católica Apostólica - grupo liderado pelo eloquente pregador escocês Edward
Irving (1792 – 1834). A profetisa em questão era uma jovem de 15 anos
chamada Margaret MacDonald (1815 – 1840). Na primavera de 1830, na
cidade escocesa de Port Glasgow, Margaret recebeu uma profecia em que um
grupo seleto de cristãos era arrebatado durante uma vinda secreta de Cristo. A
profecia foi preservada na íntegra em uma obra entitulada Memoirs
(Memórias), escrita por uma testemunha ocular dos acontecimentos, o médico
e pastor escocês Robert Nolton. Na obra, Nolton atesta que essa menina de 15
anos chamada Margaret foi a primeira pessoa a dividir a vinda de Cristo em
duas etapas. Edward Irving também pregou a doutrina de um retorno secreto
de Cristo. É incerto qual a relação entre a teologia de John N. Darby, a
profecia de Margaret MacDonald e os ensinos de Edward Irwing. O que se
pode dizer é que estes três personagens entraram para a História da Igreja
como os difusores simultâneos de uma nova doutrina, totalmente
desconhecida antes do século XIX.
Darby visitou a América seis vezes e levou consigo a doutrina do “escapismo”
(como é conhecida entre alguns, em alusão ao fato de a Igreja “escapar” da
Grande Tribulação). Nos Estados Unidos, um erudito chamado Cyrus Ingerson
Scofield (1843-1921) foi exposto aos ensinos de Darby. Scofield considerava
Darby “o mais profundo erudito bíblico dos tempos modernos”. Em 1909,
Scofield publicou uma Bíblia com suas próprias notas marginais recheadas
com o pré-tribulacionismo darbinista – o famoso clássico da literatura
dispensacionalista, intitulado A Bíblia de Scofield. A Bíblia de Scofield é sem
dúvida a maior responsável pela disseminação da doutrina do escapismo nos
EUA e, consequentemente, nos países evangelizados por missionários
americanos, entre eles o Brasil.
Ao ser indagado se cria na doutrina das duas vindas de Jesus Cristo no final
dos tempos, uma secreta e outra visível, o renomado avivalista G. Campbell
Morgan (1863-1945) disse:
"Enfaticamente, não! Conheço muito bem esta doutrina. Nos primeiros anos
de meu ministério, cri nesta visão e a incorporei em um de meus livros. Mas, à
medida que estudei mais o assunto, percebi o erro deste ensino [...]. A ideia de
uma vinda de Cristo secreta e à parte é uma divagação da intepretação
profética, e não dispõe de absolutamente nenhum fundamento bíblico."
Assim como Morgan, muitos de nós aprendemos e ensinamos a doutrina do
escapismo por muitos anos. Resta saber se teremos a mesma humildade que
Morgan teve ao admitir o engano que cometeu. Espero colaborar com isso,
nesta série de artigos sobre o Pré-tribulacionismo.

O Apartheid Dispensacionalista
Proeminentes ministérios pré-tribulacionistas defendem uma teologia que
aparentemente favorece o povo judeu e o Estado de Israel. Os pré-
tribulacionistas, em sua maioria, são pró-sionismo e entendem que Deus ainda
tem contas a acertar com a semente natural de Abraão antes do fim, ao
contrário dos adeptos da Teologia da Substituição, que pregam que a Igreja
substituiu Israel.
Ironicamente, este favoritismo termina no início da Grande Tribulação que, de
acordo com o dispensacionalismo, durará sete anos. O pensamento pré-
tribulacionista é o de que a Igreja será poupada da Grande Tribulação. Ela será
recolhida da terra e somente a partir de então é que Deus passará a lidar com
Israel. O pré-tribulacionismo dita que enquanto a Noiva desfruta do Noivo nas
regiões celestiais, os judeus e mais um bando de crentes “meia-boca” estarão
na terra enfrentando a ira de Deus por sete anos.
Em primeiro lugar, como explicado em O Pré-tribulacionismo versus A
Cronologia Bíblica, não há evidências bíblicas que embasem a crença de que o
arrebatamento dos santos se dará antes da tribulação. Em segundo lugar, as
Escrituras nos ensinam que Cristo reconciliou judeus e gentios em um só
Corpo, por meio da cruz (Ef. 2:11-22). Para o Senhor, há somente um povo, e
não dois: o Israel de Deus, formados por judeus e gentios que foram salvos da
ira divina (o inferno) pelos méritos de Cristo.
Há uma relação sutil entre a Teologia da Substituição, o Pré-tribulacionismo e
o histórico antissemitismo cristão. Ainda que, à princípio, o pré-
tribulacionismo favoreça Israel, no final acaba deslizando no mesmo lodo de
antissemitismo em que sucumbe o Substitucionismo, ao criar um apartheid
teológico que eleva a Igreja acima dos judeus e desfavoreça Israel no final dos
tempos – sem nenhum embasamento bíblico.
Se todos nós, judeus e gentios cristãos, clamamos ter Abraão como pai (Rm
4:16), porque então há entre nós aqueles que se comprometem com uma
teologia contraditória que decreta nossa independência da comunidade de
Israel, arrogantemente crendo que o Messias virá “somente para a Igreja”,
como se tivéssemos algum privilégio com relação aos judeus? Não encerrou
Deus a todos debaixo da desobediência, a fim de usar de misericórdia para
com todos (Rm 11:32)? Onde, então, se embasa tamanha jactância? Quanta
pretensão! Foram aos gentios que foram dadas primeiramente a adoção, e a
glória, e os pactos, e a promulgação da lei, e o culto, e as promessas (Rm.
9:4)? Não. Quando nossos antepassados ainda estavam adorando ídolos, os
judeus já há muito tempo eram os guardiões destas verdades. Trocou Deus de
povo ou rejeitou os judeus? Não (Rm 11:1). Por que, então, tamanha jactância,
que eleva a Igreja a um nível de favorecimento com relação ao povo de Israel?
Se fomos de fato fomos unidos à comunidade de Israel, pela cruz, Deus não vê
e não lida com dois povos distintos. Antes, promoverá a restauração, tapando
esta lacuna histórica que se desenvolveu entre judeus e cristãos, cancelando o
divórcio entre judeus soberbos e cristãos presunçosos que, contrariando o
mandamento apostólico, presumem-se em si mesmos (Rm 11:1-32). Se
acompanharmos a história de Israel moderno e os avivamentos na Igreja
ocorridos no século XIX e XX, não há como chegarmos a uma conclusão
diferente: a de que os caminhos de Israel e da Igreja se cruzarão novamente
antes do Dia Final. Todo vale será aterrado e todo monte nivelado, antes que a
Glória do Senhor seja derramada sobre a terra e antes que toda a carne veja a
salvação de Deus (Is 40:4, Lc 3:5-6). Judeus soberbos e gentios presunçosos
se encontrarão no final dos tempos e juntos compartilharão a Glória da Noiva
que o Messias virá buscar (Ef. 5:27).

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