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Licenciatura em Terapia Ocupacional

UC5: Terapia Ocupacional em Perturbações do Desenvolvimento 1

2018/2019

Estado de arte acerca da Perturbação da Hiperatividade e


défice de atenção (PHDA)

Regente:
Prof. Maria João Trigueiro

Trabalho realizado por:


Tânia Barbosa nº 10170516

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A PHDA é um dos transtornos do neurodesenvolvimento   mais comuns que ocorrem na infância, sendo
normalmente diagnosticada por volta dos 7 anos, e costuma durar até a idade adulta. A PHDA caracteriza-se
essencialmente por uma atividade motora excessiva, falta de atenção e impulsividade, sendo para os pais e
professores muito difícil de lidar com esta problemática (1)(2). As pessoas com PHDA podem igualmente
apresentar dificuldades na manutenção de atenção, nas funções executivas e memória de trabalho (3)(4).
Durante a adolescência e fase adulta, a persistência da PHDA ou o seu diagnóstico demonstram que a
hiperatividade tende a diminuir, embora o défice de atenção, a impulsividade e determinadas comorbilidades
possam permanecer e piorar muito o quadro destes indivíduos (5)(6).
A origem da Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção é ainda uma incógnita. Existem
inúmeras causas referidas para a PHDA na literatura. Entre as mais nomeadas encontram-se as lesões
cerebrais, alterações no desenvolvimento do cérebro, alterações bioquímicas cerebrais, consumo de
substâncias durante o período gestacional, fatores hereditários, causas alimentares e desequilíbrio no sistema
vestibular. Algumas das condições mencionadas podem contribuir para o despoletar o agravamento de
determinadas características secundárias da perturbação como comportamentos agressivos e de oposição.
Atualmente, acredita-se que a PHDA é causada essencialmente a partir de fatores internos do indivíduo,
nomeadamente em processos relacionados com o desenvolvimento do sistema nervoso central e que podem
ter origem genética (hereditária) (3)(7).
A teoria científica atual sugere que a PHDA é tipicamente associada a algumas alterações estruturais
no cérebro, tais como, baixa densidade de massa cinzenta, alterações na substância branca e volume reduzido
de algumas estruturas cerebrais. Sugere ainda que pode existir uma disfunção da neurotransmissão
dopaminérgica na área frontal (pré-frontal, frontal motora, giro cíngulo), nas regiões subcorticais (núcleo
estriado, tálamo médio-dorsal) e na região límbica cerebral (amígdala e hipocampo) (8)(9)(10). Estudos têm
ainda constatado que crianças com PHDA podem ter alterações gerais no processamento sensorial,
principalmente em relação à modulação sensorial. A integridade da modulação sensorial permite que o sistema
nervoso responda a alguns estímulos, ignore outros, possibilitando uma resposta adaptativa e adequada para
cada situação. Segundo Dunn e Bennett (11), crianças com PHDA podem não receber nem processar
adequadamente as informações sensoriais, apresentando, consequentemente, dificuldades em gerar
respostas apropriadas em casa, na escola e na comunidade. Assim, o modelo de Dunn (12) propõe que a
modulação sensorial ocorre a partir de uma interação entre o limiar neurológico dos indivíduos, relacionado à
quantidade de estímulo necessária para o sistema nervoso responder, e as suas respostas comportamentais,
relacionadas à maneira de agir em relação ao limiar (13).
Relativamente aos sintomas da PHDA, estes iniciam-se antes dos sete anos de idade, embora a
maioria seja diagnosticada após a manifestação destes nos anos seguintes, podendo observá-los em diversas
situações como em casa, na escola ou no trabalho. Muitas vezes, o distúrbio só é reconhecido quando a
criança entra na escola, pois é o período em que as dificuldades de atenção e inquietação são percebidas com
maior frequência pelos professores, quando comparada com outras crianças da mesma idade e ambiente. As
dificuldades de aprendizagem, as perturbações motoras e o fracasso escolar são manifestações que
acompanham a hiperatividade. A PHDA representa, junto com a dislexia, a principal causa de fracasso escolar,
sendo que a dificuldade de aprendizagem está presente em 20% das crianças com esta perturbação(14).
Esta perturbação é observada a partir de três subtipos: predominantemente desatento;
predominantemente hiperativo-impulsivo; e o que combina os dois anteriores, o misto ou combinado. No tipo
predominantemente desatento, é difícil para o indivíduo organizar ou concluir uma tarefa, prestar atenção aos
detalhes ou seguir instruções ou conversas. A pessoa é facilmente distraída ou esquece detalhes das rotinas
diárias. No tipo predominantemente hiperativo-impulsivo a pessoa é inquieta e fala muito. É difícil que consiga

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ficar parada por muito tempo, como por exemplo, para uma refeição ou enquanto faz a lição de casa. Os
indivíduos sentem-se inquietos e têm problemas com a impulsividade, podendo interromper muito os outros,
pegar as coisas das pessoas ou falar em momentos inapropriados. É difícil para essas pessoas esperarem
pela sua vez ou ouvir instruções. No tipo combinado, no qual concomitantemente apresenta sintomas de
ambos os subtipos, as pessoas distraem-se com facilidade diante do menor estímulo, interrompendo
continuamente as suas atividades. Nelas, a hiperatividade manifesta-se não só como inquietação motora, mas
também intelectual e verbal. A impulsividade evidencia-se por respostas aceleradas, dificuldade de
autocontrolo e de autorregulação de seguir instruções de forma sequenciada e pausada, e de antecipar as
consequências de seus atos. Pode dizer-se que este tipo é um dos mais frequentes e o que por sua vez, afeta
a criança a nível mais global, e que em muitas das vezes pode acompanhar-se de perturbações como a
conduta de oposição e de desafio (15)(16)(17).
A existência de múltiplas comorbilidades é uma característica particular da PHDA, associando a
perturbação a outras perturbações psiquiátricas ou neurológicas. Estas são a perturbação de conduta,
perturbação de oposição e de desafio, perturbação da personalidade antissocial, dificuldades de
aprendizagem, perturbação de ansiedade, perturbação do humor, perturbação de tiques e perturbação do
desenvolvimento da coordenação (3)(18):
Decidir se uma criança tem PHDA é um processo com várias etapas. Não há um único teste para
diagnosticar a PHDA, e muitos outros problemas, como ansiedade, depressão, problemas de sono e certos
tipos de dificuldades de aprendizagem, podem ter sintomas semelhantes. Uma etapa do processo envolve a
realização de um exame médico, incluindo testes de audição e visão, para descartar outros problemas com
sintomas como a PHDA (15).
O processo de avaliação envolve a avaliação abrangente das informações coletadas de várias fontes,
incluindo: exame clínico; entrevistas clínicas; avaliação das necessidades familiares e educacionais, e
ferramentas de avaliação e escalas de avaliação. Esse processo também requer informações do paciente e de
outros indivíduos afetados, como pais, cuidadores, familiares e professores de crianças e adolescentes com
suspeita de PHDA (19).
A terapia ocupacional, como integrante de uma equipa multidisciplinar, pode ser um agente facilitador para
uma criança com PHDA, por meio de avaliações seguidas por intervenções direcionadas. Um terapeuta
ocupacional tem como objetivo otimizar a capacidade de funcionamento da criança e concentra-se no
desenvolvimento de competências necessárias para o desempenho das atividades da vida diária (20).
Para realizar o diagnóstico desta perturbação, o DSM-V (2) descreve nove sintomas de falta de atenção e
nove sintomas de hiperatividade/impulsividade. Assim, para assegurar a precisão do diagnóstico, os sintomas
tem de obedecer a certos critérios de avaliação, tais como, persistem há pelo menos seis meses, surgirem
antes dos sete anos, estarem presentes em mais de um contexto (casa, escola, etc), serem claramente
inapropriados e inconsistentes à idade e ao nível de desenvolvimento da criança, provocarem um compromisso
significativo nas atividades sociais, académicas ou ocupacionais e, por fim, não ocorrerem exclusivamente
durante a evolução de perturbações do espectro autista, de esquizofrenia ou de outra doença psicótica ou
mental (21).
Em seguida, um terapeuta ocupacional utiliza na avaliação da criança instrumentos standardizados ou
métodos de avaliação, como entrevistas e observação direta do desempenho, preferencialmente, em contexto.
Alguns dos instrumentos que podem ser utilizados na avaliação são, por exemplo o Sensory Integration and
Praxis Test (SIPT) que consiste numa bateria de dezassete testes, utilizada para medir o desempenho e
diagnosticar dificuldades no processamento sensorial, testando vários aspetos, como os de práxis, perceção
de estímulos visuais, táteis e cinestésicos (22), o Questionário de Conners que consiste num questionário com

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duas versões, uma para os pais e outra para os professores, em que avalia os comportamentos da criança
com hiperatividade nos dois contextos, sendo possível perceber como a criança se comporta nos diferentes
contextos e se a mesma é hiperativa em ambos ou apenas num (5), o Swanson, Nolan and Pelham Teacher
and Parent Rating Scale (SNAP-IV) que consiste num questionário feito aos pais ou cuidadores, que foi criado
a partir dos critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística-V (DSM-V), de modo a aferir determinados
comportamentos presentes nas crianças e adultos, a serem avaliadas, de acordo com a intensidade e
frequência (23), o TAVIS III que consiste num teste que avalia os diferentes níveis de atenção visual, focando-
se nos seguintes níveis de atenção: sustentação, seletividade e alternância (24) e a Escala de avaliação do
défice de atenção com hiperatividade (EDAH) que consiste numa escala de classificação, preenchida por
professores, de crianças com o predomínio dos seguintes sintomas: hiperatividade, défice de atenção e
transtorno de conduta, compreendendo-se assim como a criança se comporta dentro e fora da sala de aula
(14).
Após a realização da avaliação, deverá ser feito um plano de intervenção, em colaboração com os pais
e com a criança. Esse plano deve incluir os objetivos que os pais esperam que a criança atinja, bem como as
quais desejam ver primeiro atingidos, podendo ser estabelecidos através de uma abordagem top-down,
partindo de ocupações significativas ou de uma abordagem bottom-up, partindo das funções do corpo. Ao
desenvolver esses objetivos devem ser criados objetivos a longo prazo, que devem ir de encontro ao que a
família deseja e estar relacionados com as restrições da criança, e objetivos a curto prazo, mais dirigidos às
atividades e geralmente feitos pelos terapeutas. Esses objetivos devem responder a quatro componentes, “o
que quero que aconteça?”, “como quero que aconteça?”, “onde quero que aconteça?” e “quando quero que
aconteça?”. Através da intervenção, o terapeuta pretende melhorar o desempenho ocupacional do cliente,
nomeadamente a aquisição de competências em falta, e para isso utiliza atividades significativas para a
criança, como por exemplo o brincar, com o intuito de melhorar progressivamente a sua participação (20).
A intervenção de uma criança com PHDA poderá exigir intervenções médico-farmacológicas, mas por
parte da terapia ocupacional a intervenção é feita envolvendo, na maioria das vezes, integração sensorial,
devido à dificuldade na modulação sensorial, e a teoria cognitiva-comportamental.
A integração sensorial é um processo neurológico que permite perceber o sentido do mundo que nos
rodeia por receber, registar, modular, organizar e interpretar sensações do ambiente e do corpo que chegam
ao nosso cérebro através dos órgãos sensoriais, produzindo respostas adaptativas e adequadas, entendidas
como competências de aprendizagem. O objetivo desta intervenção é melhorar a capacidade de processar e
integrar informações sensoriais e fornecer uma base para melhorar a independência e a participação em
atividades da vida diária, brincadeiras e tarefas escolares (25)(26)(27)
Apesar disto, a integração sensorial não dá resposta a todas as questões implicadas na PHDA,
portanto é usado outro método que é a teoria cognitiva-comportamental, que envolve a conscientização dos
problemas. A teoria visa alterar os fatores internos ou a mente das crianças de que depende o seu
comportamento, levando-as a refletir e a controlar melhor o seu comportamento. O objetivo é procurar
desenvolver um determinado conjunto de competências como aguardar a vez para responder, pensar antes de
dar a resposta, auto avaliar-se, avaliar os outros, medir as consequências da sua atuação e outras (28)(29).
No entanto, é importante referir que a intervenção varia de caso para caso, sendo importante conhecer
as características da pessoa para que se possa adaptar o melhor tratamento. Assim, realça-se a importância
de uma equipa multidisciplinar para tornar o mais completo possível a intervenção, possibilitando aos
indivíduos o melhor desempenho ocupacional possível.

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