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A igreja é o corpo que Deus usará para dar a conhecer tudo o que

é Cristo por toda a eternidade.


 
A GRANDEZA DA IGREJA
T. Austin-Sparks
 
Há uma dolorosa lentidão entre os cristãos em unir o grande
propósito e a intenção de sua salvação, em conhecer e compreender
a natureza de seu alto apelo; e é em relação a este ponto que há
grande divisão no povo de Deus. Em grande parte, a cristandade
chegou a ser mais uma coisa ampla, um assunto de ser salvo e
manter-se como cristãos, sem reconhecer que na vontade de Deus
fomos salvos com um propósito poderoso, não só para ser salvados e
ocupar-se em salvar a outros, e detendo-nos ali. Ambos ensinos são
bons; são fundamentais e essenciais, mas elas são só o princípio.
Desde esse ponto começa algo muito diferente, ao que Paulo se
refere aqui quando diz: ‘’Vos rogo que andeis como é digno da
vocação com que fostes chamados’’ (Ef. 4:1); e ao redor dessa
expressão –“a vocação com que fostes chamados”– ele reúne todas
estas grandiosas coisas sobre a igreja; estas imensas coisas que,
quanto ao passado, chegam além dos séculos; no aspecto
ascendente, "nos lugares celestiais", com uma vocação que é agora
celestial; e no futuro, a "os séculos vindouros". Estas frases indicam a
vocação com que fomos chamados, mas quão poucos de nós
realmente o retemos!
Poderíamos dizer muitíssimo sobre a tragédia da perda dessa
visão, a perda dessa revelação divina, e da edificação de algo que fez
quase impossível para as multidões assumir hoje essa vocação,
estando atados de pés e mãos por uma tradição e por um sistema de
coisas que não deixa livres às pessoas responsáveis, demasiado
envoltas, demasiado ocupadas em seu próprio sustento, como para
avançar à plenitude da vontade de Deus.
A igreja, como corpo de Cristo, é o recepiente escolhido por Deus,
assinalado e revelado por Deus para conter a glória e grandeza de
Cristo, o veículo pelo qual tudo o que Cristo é será dado a conhecer
pelos séculos dos séculos. A grandeza da obra de Cristo em sua Cruz
indica quão grande deve ser a igreja. Se Cristo amou a igreja e se
entregou a si mesmo por ela, se a obra da cruz do Senhor Jesus é tão
grande, não é isso uma maior indicação de quão grande deve ser a
igreja? Em sua própria parábola foi chamada "pérola de grande
preço" (Mat. 13:46), e para conseguí-la, o Mercador Divino vendeu
tudo o que tinha, e ele tinha um "tudo" que nenhum mercador na
história deste mundo possuiu jamais, uma riqueza e uma plenitude,
uma glória que ele tinha com Deus antes que o mundo existisse, algo
indestrutível, grande, e maravilhoso. Procurando boas pérolas, ele
encontrou uma de grande preço, e vendeu tudo para conseguí-la.
Não podemos entender isto; está além de nós; mas ali está, é
revelação divina. E a cruz era o preço da igreja. Por alguma razão
inexplicável, a igreja tem tal valor para Deus. Cristo amou à igreja, a
igreja de Deus que ele comprou com seu próprio sangue. É
evidentemente uma coisa muito grande e maravilhosa.
 
Indícios de Cristo na igreja
 
Para que possamos conhecer o que é esta igreja da qual estamos
falando, devemos olhar alguns dos indícios de Cristo que continuam
na igreja. Se tomamos as coisas que são verdade a respeito de Cristo,
então o que é verdade dele na mente de Deus é verdade a respeito
da igreja aos olhos de Deus.
O primeiro indício de Cristo é seu ser eterno, a concepção eterna.
Ele era antes que o mundo existisse; ele era antes que a ordem do
tempo fosse instituído ao estabelecer os corpos celestes por cujo
governo existem os anos e os meses, dia e noite, verão e inverno.
Todos estes são governados pelos corpos celestes, fatores dos
tempos. Antes que eles existissem, ele era, porque ele criou todas as
coisas. Essa é a verdade de Cristo.
Mas a epístola aos Efésios diz que isso é verdade a respeito da
igreja: "nos escolheu nele antes da fundação do mundo ... tendo-nos
predestinado para ser adotados como filhos seus por meio de Jesus
Cristo" (Ef. 1:4-5). Esta carta aos Efésios é atemporal. Terá seu efeito
sobre os assuntos de tempo, as matérias práticas da vida cotidiana,
de nosso caminhar e conduta aqui nesta terra, mas está posicionada
no reino eterno. É passado e futuro; vincula-se em todo tempo com a
concepção divina. Aqui é onde está estabelecida, e até que
reconheçamos seus envolvimentos, não teremos uma apreensão real
da igreja. Quando o reconhecemos, toda essa “eclesialidade” chega a
ser uma coisa sem sentido, pequena e insignificante, e sentimos que
desde o ponto de vista divino estamos simplesmente jogando um
jogo do que tradicionalmente foi denominado ‘a igreja’. Quando
temos um real vislumbre divino da igreja, todo o resto chega a ser
minúsculo, insignificante, insensato; e tem lugar dentro de nós uma
libertação poderosa, mas requer a revelação de Deus.
Cristo como o fundamento, como a rocha, como a base de tudo,
está fundado, assentado, e arraigado em eternidade, e nada que o
tempo traga pode afetá-lo. Ele está fora de tudo isso. Ele está por
sobretudo. Ele está além de tudo. Nada que suceda pode interferir
com isso, nem ainda a queda de Adão e todas suas conseqüências
através da história. A igreja toma este atributo da absoluta
estabilidade de Cristo. É algo fora do tempo, antes que o mundo
existisse, escolhida nele. A estabilidade da verdadeira igreja segundo
o pensamento de Deus é a estabilidade de Cristo mesmo. Isto, no
fundamento divino, no reino de Deus, é inamovível e indestrutível. A
igreja encarna a eternidade e a indestrutibilidade da vida real de
Cristo.
Cristo passou por este mundo sendo ignorado, aborrecido,
confirmando que "ninguém conhece o Filho, senão o Pai" (Mat.
11:27). Tem aqui um mistério. Ele é manifestado como Deus em
Cristo, mas de uma maneira tão escondida que requer um ato de
Deus, uma revelação específica, para ver a Jesus Cristo. Não podemos
ver quem é realmente Jesus Cristo a não ser que Deus atue
soberanamente e abra nossos olhos espirituais. Isso ficou
demonstrado durante sua vida inteira nesta terra. Quando um
apóstolo foi capaz de dizer num momento de revelação: "Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivente", a resposta foi: "Bem-aventurado és,
Simão filho de Jonás; porque não te revelou carne nem sangue, senão
meu Pai" (Mat. 16:17).
E o que é verdade a respeito de Cristo é verdade a respeito da
igreja. É celestial; é ignorada, desconhecida, a não ser que Deus a
revele. Quisesse que realmente te apropries disto. Isto nos deixa por
um lado numa esfera de impotência, e é melhor de que assim o seja;
e portanto se faz necessário isto outro: Deus deve ter uma igreja
fundada só num ato soberano de sua revelação. Exige-o a pureza
dela. Se todos pudéssemos ver e entender e compreender, e a igreja
pudesse reduzir-se ao limitado alcance da capacidade humana, que
classe de igreja seria esta?
A igreja, em seu caráter celestial tomado de Cristo, é algo em que
só se pode entrar por revelação, porque só pode ser conhecida por
revelação. “Ninguém conhece...”. Nós só podemos declarar estes
fatos. Nenhuma instrução pode conseguí-lo; somos incompetentes no
assunto. Tudo o que podemos fazer é declarar os fatos divinos; Deus
é quem os revela. Mas, graças a Deus, ele revelou e ele revela; e
alguns de nós podemos dizer que ele alumiou nossos corações nesta
matéria e a revelação de Cristo e da igreja fez uma imensa diferença
em todo sentido.
Deus não pode realmente ser conhecido pelas coisas que ele diz,
por numerosas que elas sejam. Há grande diferença entre a
apreensão e concepção mental, intelectual, de Deus, e a apreensão
viva, que transforma o coração. Deus deve vir a nós numa forma viva,
pessoal, se vamos conhecer-lhe vivencialmente, realmente. Podes ler
uma biografia ou uma autobiografia, e dizer depois que por isso
conheces a tal pessoa; mas com freqüência sucede que quando
realmente te encontras com ela, há algo que não estava ali no livro, e
que o muda tudo. Tu realmente não foste mudado nem transformado
pela leitura. Tinhas impressões, mas elas não faziam nenhuma
diferença em tua vida e natureza; no entanto, conheces à pessoa e o
impacto dela te deixa uma impressão profunda e tem um grande
efeito em ti. Esse é com freqüência o caso, ainda que essa é uma
pobre ilustração.
Agora, aqui reside a grandeza da igreja, em que Deus dispôs e
assinalou que ela agora, nesta dispensacão, deve ser como a pessoa
viva do Senhor: onde ele possa ser achado, onde ele possa ser
encontrado, onde ele possa ser tocado, onde ele mesmo se
manifeste. Roma tem a ‘verdade’ com respeito a isto, mas a rebaixou
a um nível temporário, mundano; não obstante, o fato permanece:
ele se encontra ali, na igreja e só na igreja. “Porque onde estão dois
ou três congregados em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mat.
18:20). Deus pode ser achado, encontrado, tocado ali; eis o meio pelo
qual ele se manifesta. Assim que a igreja é a ligação para estar aqui
nesta dispensação, e nas eras vindouras, é o mesmo corpo através do
qual Deus em Cristo se manifesta, dá-se a conhecer. É essa a igreja
que nós conhecemos, o que normalmente se chama a igreja? (Oh,
não! Mas esse é o pensamento de Deus, e quão diferente é!)
Tenho estado lendo um livro de Adolph Keller, um homem que
viajou pelo mundo visitando igrejas, para ver o que poderia fazer em
relação à unidade da igreja. Há algo que me chamou a atenção em
seu livro. Diz: “Devo admitir que freqüentemente quando me sentava
em magníficos edifícios de igreja, com suas vitrais e seus órgãos
talhados, eu era menos consciente de estar na igreja de Cristo do que
quando, por exemplo, estava num quarto de camponeses ucranianos
apinhado com homens e mulheres que tinham vindo descalços desde
longe a ouvir a palavra de Deus. Essas congregações pequenas,
pobres, e igrejas espalhadas amplamente nas colinas da Iugoslávia,
nos apartados povos de Wolhynia, nos distritos mineiros da Bélgica,
nas pousadas e celeiros de Tchecoslováquia, nos dão uma lição de
humildade, porque nos mostram uma e outra vez a verdadeira
pobreza e as verdadeiras riquezas de Cristo; e isso em certo modo é
impossível na igreja firmemente estabelecida e auto-suficiente que
nós conhecemos hoje”. Então ele faz esta declaração: "A igreja inteira
já não mostra a natureza com que foi desenhada originalmente, nem
é capaz de fazê-lo".
Quão diferente é a igreja no pensamento de Deus! A verdadeira
igreja, na intenção de Deus, é nada menos que a presença de Cristo
mesmo continuando sua obra, agora sem as limitações terrenas de
sua vida antes de sua morte e ressurreição. O Cristo ressuscitado,
ascendido e exaltado em toda a plenitude em que Deus lhe pôs, está
agora na verdadeira igreja, e essa igreja existe. Você não pode
identificá-lo; só pode vê-lo onde dois ou três estão reunidos. Não
pode dizer disto, ou isso, ou de alguma outra coisa chamada ‘a igreja’
que isso é a igreja. Não, a verdadeira igreja é ainda esta coisa
misteriosa. É Cristo em expressão ativa. Quão grande é a igreja se ela
é Cristo! Eu digo que nós só podemos declarar os fatos. Ali estão eles.
O que temos que fazer depois é orar ao Senhor: Oh Senhor, revela-
nos a igreja real e salva-nos da caricatura!
Há uma última palavra. É a respeito de um indício sempre
presente e que sempre ressalta em Cristo, cujo significado não é
tomado em conta suficientemente. Vemos que quando ele esteve
aqui, seu ponto de vista sempre apontava o futuro. Ele sempre estava
pensando e falando de um tempo por vir. É um indício predominante
em Cristo. “Naquele dia....” (Mat. 7:22). Ele está contemplando,
falando a respeito de um dia vindouro. O tempo todo seus olhos
estão no horizonte distante e ele fala do que então será, então vocês
conhecerão, então vocês verão, então tudo será manifestado, então
tudo o que tem estado tão oculto e misterioso será perfeitamente
claro.
Quando revisamos as Epístolas encontramos, na igreja, o mesmo
indício dominante. Coisas poderosas agora, grandes possibilidades
agora, grandes tópicos e responsabilidades agora; a igreja é agora,
ainda agora, um instrumento da revelação da multiforme sabedoria
de Deus para os principados e potestades (Ef. 3:10). Mas a visão
prospectiva é proeminente, dominando-o tudo: “...a fim de que
sejamos para louvor de sua glória” (Ef. 1:12); “...para mostrar nos
séculos vindouros as abundantes riquezas de sua graça em sua
bondade para conosco em Cristo Jesus” (Ef. 2:7); “a Ele seja a glória
na igreja em Cristo Jesus por todas as gerações, pelos séculos dos
séculos” (Ef. 3:21). Estou trazendo isso só para recordar-lhes o
extraordinário propósito a que é chamada a igreja. Quão grande é a
igreja à luz da vocação que cumpre! Que grande vocação!
Poderíamos ocupar muito tempo considerando o que é ou vai ser
nas próximas gerações o apelo da igreja; mas devemos conformar-
nos por agora com fazer esta observação. Uma coisa é ser um
cidadão, e um cidadão ditoso, de um país nobre e de um nobre rei.
Pode ter muitas bênçãos nisto pelas quais estão agradecidos, mas é
uma coisa infinitamente maior ser membro da casa e família do rei,
ser membro da casa real. E esse é o apelo da igreja: não só a ser
habitantes do país, senão a ser membros da família reinante. Somos
chamados com esse apelo, para estar nesse círculo íntimo.
A igreja é esta companhia específica, escolhida desde a
eternidade à eternidade, não só para ser algo em si mesma, para ter
satisfação e agrado, senão para ser instrumento nas mãos de Deus
servindo-lhe em seu universo através das gerações vindouras, em
relação íntima com seu trono.
Quão grande é a igreja!

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