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Abracadabra

FERNANDA GARAT, GABI ZAMBRONE, LUCY GUIMARÃES E TAHIANA RANI

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Quino

Alguns olham com seduzir, distrair e iludir o público, No Egito, por exemplo, acredi-
espanto. Outros ficam a fim de pro d u z i r-lhe o efeito dese- tava-se na mágica como força
intrigados. Não impor- jado. É através da surpresa pro v o- defensiva para as adversidades
ta se é uma carta do cada pelo jogo lúdico que o mági- da vida e que ela estava associa-
baralho que surge do nada ou se co conquista a atenção do indiví- da à arte de adivinhar. Os dizeres
é uma mulher cortada em fatias duo e o faz desejar entender o que da tumba do faraó egípcio Beni
no palco. O fato é que a mágica a p a renta ser inexplicável. Hoje, os Hassan (2400 a.C.), por exemplo,
fascina e gera curiosidade, seja a mágicos são considerados grandes mostravam que a adivinhação
mais simples, seja a dos grandes e n t re t e c e d o res, mas seus ances- era um fato apreciado. O mais
espetáculos com recursos tec- trais eram vistos como charlatões, antigo registro de mágica é um
nológicos. Mas por que a mágica i m p o s t o res e até ladrões. papiro egípcio, exposto hoje no
produz este efeito enigmático? Não se sabe precisar quando a Berlim State Museum. Nele, são
A mágica, diferente da magia, mágica surgiu, mas é certo que o descritas as performances que
misticismo, superstições popu- homem sempre teve a necessidade um homem chamado Dedi fazia
lares, crenças e cultos religiosos, de acreditar em algo que está além perante a corte do faraó Cheops e
se apresenta como truque, farsa e de seu conhecimento terreno, em entretinha os escravos que cons-
entretenimento. O mundo mági- super poderes, no sobrenatural, e truíam as pirâmides, por volta de
co é associado a uma mentali- que o impossível pudesse existir. 2000 a.C.
dade “primária”, cujo entorno Há indícios da presença da art e Na Idade Média, a mágica
corresponde a uma realidade mágica desde a Antigüidade, e n t rou nos palácios reais, dividin-
fantástica. Talvez seja essa uma sendo cultivada pelos caldeus, do o espaço com os bobos da corte
das razões pelas quais a mágica egípcios, gregos, judeus, romanos e astrólogos. Mas também, no
atrai mais as crianças. e também por povos do Oriente, mesmo período, foi considerada
A tarefa dos grandes mágicos é como China e Índia. feitiçaria, pela Igreja Católica.

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Com o decorrer do tempo, a
mágica foi evoluindo para o que
hoje denominamos a arte da
ilusão. Em meados do século XIX,
Charles Mouton abriu as portas
do primeiro teatro para sessões
de ilusionismo, onde o público
pagava para assistir tal espetácu-
lo. Porém, só ganhou status com
o húngaro Ehrich Weiss (1874-
1926), mais conhecido como
H a rry Houdini, considerado o
“pai” da mágica moderna.
Depois de ser ferreiro, per-
furador de poços, fotógrafo, con-
t o rcionista e trapezista, Ehrich se
a t reveu a fazer mágica. Devido à
sua habilidade com algemas, cor-
rentes de aço, jaulas, cartas e tan-
ques d´água, Houdini ficou co-
nhecido como o “Rei das Cartas e
das Correntes”, e entrou para a
história dos grandes mágicos. No
entanto, teve a sua trajetória
interrompida numa de suas apre-
sentações em Montreal. Segundo
relatos, depois de apresentar um
de seus números, foi abord a d o
por estudantes que perguntaram Harry Houdini: rei das cartas e das correntes
a ele se realmente era capaz de
receber socos no estômago. Di- o mágico hippie, por exemplo, ta Boletim Mágica, no período
ante de uma resposta positiva, que acreditava que o “vôo yogi” que vai de 1921 a 1925.
recebeu três golpes sem esboçar (uma posição de ioga, inspirada De lá para cá, a mágica foi
sinal de dor. Seis dias depois, mor- nos estudos de Maharishi Mahesh sendo difundida no país e hoje é
reu num hospital, em Detroit, Yogi – famoso na década de 1960 regulamentada como profissão,
devido ao rompimento de seu por ser o guru dos Beatles) e a existindo associações estaduais e
apêndice. Outra morte trágica meditação nos livrariam de realizando encontros nacionais e
o c o rreu em 23 de março de 1918, alguns problemas como impos- internacionais que promovem o
quando o famoso mágico Chung tos, dívidas e doenças. intercâmbio de informações –
Ling Soo fazia o “Alvo Vivo” – No Brasil, a arte mágica teve os desde ensinamentos e apresen-
desafio que consistia em pegar o seus primeiros registros no início tações até a exposição de equipa-
tiro de uma bala com os dentes – do século XX, com a publicação mentos e novos recursos para a
e foi atingido por uma das balas. de Revelações de magia brasileira, prática da magia.
Conta-se ainda, na história da de Frederico Costa Brito, em
mágica, que alguns mágicos 1903. Logo depois, em 1920, J. Mágica, a “rainha das artes”
ultrapassam o limite entre a re a- Peixoto fundou o Círculo Mágico A mágica é a arte capaz de
lidade e a ilusão. Doug Henning, Internacional e publicou a revis- entreter o público com ilusões

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domínio da técnica do ilusionis- Os números mágicos envolvem
mo e do movimento das mãos, as ciências físicas e matemáticas
ou prestidigitação (ver quadro e, por isso, são tão atraentes para
das categorias da mágica). Uma adultos, que mesmo sabendo que
habilidade muito valorizada é o não é verdade, não conseguem
misdirection, que consiste em des- descobrir como são realizadas e,
viar a atenção do público do que por vezes, se permitem acreditar
o mágico realmente está fazendo. em uma realidade fantástica. De
Seu preparo físico e psicológico alguma forma, a mágica atua
também é trabalhado, já que sua como se fosse uma mentira con-
linguagem corporal e desen- sentida, já que sabem que é
voltura em público influem dire- metafisicamente impossível. Por
tamente na apresentação. outro lado, as crianças têm difi-
Segundo o presidente da As- culdades em separar o real da
sociação de Mágicos do Rio de ilusão e, geralmente, acreditam
Janeiro, Roques Jares, o mágico que os artistas da mágica real-
Chung Ling Soo pegava balas com os Paladino, a mágica é o número mente fazem parte de um mundo
dentes artístico que não precisa de apa- mágico, onde as pessoas teriam
relhos específicos, pois ela pode super poderes.
manipuladas que, geralmente, ser feita com objetos comuns,
dão a sensação de que algo enquanto o truque consiste em Profissão: mágico
impossível é possível. O segredo algum aparelho ou algo já Nos EUA, Japão e muitos países
desta arte, conhecida entre os preparado que vai ajudar o da Europa, ser mágico é uma
p rofissionais do meio como a profissional a realizar um nú- p rofissão não só admirada, mas
“rainha das artes”, é a criativi- mero. “Quem precisa de artifícios também uma forma lucrativa de
dade e a habilidade do mágico não faz mágica, só faz truques. O trabalho. Nesses países, a mágica
ao executá-la, e não o número verdadeiro artista da mágica não tem mercado e, em alguns casos,
em si, já que, muitas vezes, este é é aquele que precisa de aparelhos gera fortunas. Os ilusionistas con-
extremamente simples. para criar, mas aquele que tem o temporâneos David Copperfield e
Como todas as artes, a mágica dom de entreter e induzir o públi- Lance Burton são alguns da lista
requer persistência e treinamento co se necessário”, afirma Pala- dos mágicos reconhecidos inter-
para que o praticante adquira o dino. nacionalmente.

Divisão básica das categorias na mágica


• 1 - Geral: com aparelhos em geral, fundo musical e apresentado em um palco.
• 2 - Das grandes ilusões: mágicas teatrais, onde o mágico executa números
famosos, com grandes aparatos, fundo musical, etc. Ex: levitação, mulher serrada.
• 3 - De salão: pequenos números de mágicas (cordas, cartas, mentalismo) com
pequenos aparelhos em um local qualquer (salas, restaurantes, hotéis, etc.).
• 4 - Infantil: show direcionado às crianças com a estimulação da imaginação e
participação efetiva do público infantil.
• 5 - De mesa (Close-up): utilização de pequenos aparelhos e coisas do dia-a-dia,
como baralhos, moedas, palitos. Associada a ela, está a mágica de improviso, sem
qualquer preparação antecipada.
• 6 - De manipulação ou prestidigitação: mágicas executadas com habilidade
Logo da Irmandade In- manual, fazendo “verdadeiros milagres” com as mãos.
ternacional dos Mágicos
• 7 - Cômica: execução dos números e atos de forma engraçada.

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Copperfield, que ganhou des-
taque ao realizar números de le-
vitação, fazer desaparecer a Es-
tátua da Liberdade e atravessar a
Grande Muralha da China, foi
citado pela revista americana
Forbes Magazine como a décima
celebridade mais bem paga do
mundo, em 2003, com a quantia
de US$ 57 milhões. Quando
aparecia no quadro permanente
do programa Fantástico, da Rede
Globo, a audiência subia três
pontos, o equivalente a cerca de
três milhões de espectadores.
Com a sua fortuna, investiu
US$ 10 milhões para reunir
80.000 objetos de mágica antiga,
inclusive peças de Houdini. Com
esses objetos abriu um museu de
ilusionismo, em Nova York, con-
tando com uma biblioteca espe-
cializada de, aproximadamente,
15.000 volumes.
Em Las Vegas, a “meca da arte
mágica”, pode-se assistir não só o A mágica exige domínio da técnica, preparo físico e psicológico do profissional
show de Copperfield, mas tam-
bém o de Lance Burton, o quinto Federação Internacional de mágico defendia que seu maior
mágico da “Dinastia Real da Sociedades Mágicas (FISM), na objetivo era a renovação da má-
Mágica” (The Royal Dynasty of qual os mágicos se reúnem de gica. A repercussão dos atos do
Magic), uma tradição criada em três em três anos (a próxima, em mágico mascarado causou danos
1908 para homenagear os 2006, será na Suécia); e a irreversíveis no mercado norte-
grandes mágicos da história. No Federação Latino-Americana de americano, já que diversos nú-
cassino Monte Carlo, Burton faz Sociedades Mágicas (FLASOMA), meros tiveram que ser adapta-
uma adaptação do tanque de com uma reunião a cada dois dos. Esse feito não foi tão forte no
morte do Houdini, ficando amar- anos (em 2006, será na Co- mundo mágico brasileiro por que
rado submerso na água. Um lômbia). este não concentra seu mercado
ingresso para o seu espetáculo E foram estas mesmas associ- no tipo de mágica que foi revela-
pode variar entre US$ 66,55 e US$ ações que excluíram o mágico do, as grandes ilusões.
72,50. conhecido como Mr. M do mundo No Brasil, a profissão e a práti-
No mundo, existem diversas das artes mágicas. Ele ficou co- ca da mágica se dá em escalas
associações e grupos que organi- nhecido em todo o mundo ao muito menores e com menos
zam e cuidam do desenvolvimen- quebrar o primeiro mandamento recursos em comparação aos
to da arte mágica, como a da mágica: não revelar os segre- EUA. Não há uma sociedade ou
International Brotherhood of Ma- dos de números famosos do ilu- associação nacional, e sim asso-
gicians (IBM) que possui mais de sionismo. Quando confrontado ciações estaduais. No Rio de
14.000 membros de 73 países; a pelos mágicos e associações, o Janeiro, a mágica está represen-

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tada pela Associação de Mágicos cionais, Gabriel não usa o clássi- Mesmo que a realidade daqui
do Rio de Janeiro (AMARJ), cria- co figurino fraque e cartola. Já fez não seja a das melhores, os mági-
da em 1984, pelo mágico Pala- festas infantis e participou de cos são apaixonados pelo que
dino. programas de TV (como Caldeirão fazem. “Um mágico é sempre
De acordo com Paladino, a do Hulk, Programa do Jô e outros), mágico”, diz Paladino, acrescen-
AMARJ possui hoje 120 associa- mas hoje só faz shows para tando que seu prazer reside no
dos, dos quais apenas 40 são empresas e eventos. Com os mais encantamento que tem a mági-
p rofissionais. Destes, “cerca de velhos, Gabriel diz que “só ca. Gabriel, que começou a se
80% vivem de festas infantis, o aprende a técnica e faz a mágica interessar por mágica aos 10
maior segmento profissional do do seu jeito”. anos de idade com apoio da
mágico brasileiro, mas a demanda Sobre o mercado da mágica no família, acha que o fascínio da
diminuiu muito com o surgimento país, Gabriel compartilha da mágica está na sua simplicidade
de outros entretenimentos”, diz. mesma idéia que Paladino. “A e no seu efeito sobre as pessoas.
Segundo o presidente da AMARJ, mágica é ainda embrionária no “Você é endeusado por aquilo
um mágico carioca faz, em média Brasil”, afirma o presidente da que não existe”, afirma.
de 20 a 30 espetáculos por mês, Associação. O que, por um lado, Para ser um mágico no Brasil, é
cujo preço fica em torno de R$ facilita o controle sobre a atu- preciso fazer um curso vinculado
250,00 por 45 minutos de es- ação dos mágicos em cada estado ao Sindicato dos Artistas. No Rio,
petáculo. A grande maioria dos (dificultando a difusão de seus os interessados podem procurar
mágicos do Rio de Janeiro tem essa “segredos”), mas por outro, cursos no Círculo Brasileiro de
profissão em tempo integral, mas impõe barreiras ao crescimento, Ilusionismo (CBI), ou então na
isso não é a regra na profissão. já que não existem financiamen- própria AMARJ. Mas quem é do
Gabriel Louchard, 20 anos, tos ou políticas de fomento meio avisa que, no Brasil, a car-
considerado entre os mágicos a nacionais e, sobretudo, não há reira é feita de altos e baixos,
revelação carioca de 2005, é um uma tradição brasileira em torno como a de qualquer artista. É pre-
jovem que divide o ilusionismo da mágica. “As pessoas não têm ciso não só determinação, mas
com o curso de graduação em a cultura de ir a um teatro, pagar também talento: “Dom existe e
publicidade e a profissão de ator. um ingresso para assistir um para ser mágico tem que ter
Ao contrário dos mágicos tradi- mágico”, diz o jovem ilusionista. dom”, lembra Gabriel.

Os mandamentos da arte mágica


1 - Jamais revele o segredo de uma mágica;
2 - Nunca repita um mesmo número de mágica no mesmo show; nunca anun-
cie o final do efeito mágico (a surpresa é o êxito da mágica executada);
3 - Nunca apresente uma mágica sem que a tenha praticado antes;
4 - Procure agir sempre com a maior naturalidade possível, aprendendo a ter
confiança em si, além de ser simpático ao público;
5 - Elabore antecipadamente as mágicas que irá executar;
6 - Procure sempre se sentir um mágico em cena e esteja sempre espantado e
sorridente com a mágica executada;
7 - Procure criar uma história a ser contada, que tenha a ver com a mágica que
está sendo executada;
8 - Se errar uma mágica, não há problema, pois, só você sabe o que iria acon-
tecer ao final. Deixe de lado esta mágica e comece imediatamente outra;
9 - Procure começar seu show com uma mágica de alto impacto ou intrigante,
pois isto fará com que o público perceba que vai acontece um grande show.
10 - A Arte Mágica é regulamentada pelo Decreto nº 82.385 de 5 de outubro de
1978, portanto uma profissão que deverá ser respeitada.

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