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A Trindade by Clodovis Boff
A Trindade by Clodovis Boff
Boff, OSM
Curso 11a Paróquia de Sto. A11tô11io Curitiba -
PR - 2010
SS. TRINDADE
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SUMÁRIO
"A nossa teologia, o nosso saber é uma ínfima ilha no mar de ignorantes"
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1 O ÍCONE DA TRINDADE D E ANDREJ
RUBLEV I
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I - INFORMAÇÕES INICWS \ A-, o-l.-•. 1.<0 ... \
l. Dados históricos
• A Trindade de Rublev (pronuncia-se Rubloj) é o ícone russo mais famoso e também o mais
estudado. É tido como o símbolo da "Santa Rússia" e seu paládio ou manto protetor.
• Por sua beleza e potência evocativa, disse o grande teólogo russo, P. Florenskij (+1937): "Existe
,
a 'Trindade de Rublev; logo, Deus existe." Outro teólogo ortodoxo, P. Evdokimov, afimia:
"Nada se compara a este ícone quanto à potência de síntese teológica, à riqueza simbólica e à
beleza artística."
• O ícone foi pintado ("escrito") entre 1422-27 pêlo monge-pintor Andrej Rublev, de Moscou.
Rublév foi canonizado em 1988, por ocasião dos 1000 anos de evangelização da Rússia. Este
ícone se encontra hoje na galeria Tretiakov de Moscou.
• A "Trindade" foi pintada em honra de São Sérgio de Radonez, patrono da Rússia (+1391). Este
santo tinha.tanta devoção ao Mistério trinitário que se considerava como o "ungido", "servidor",
"testemunha" e "apóstolo" da Trindade.
1 Existe um filme da vida de Rublev, de Tarkovsk.i, de 1966, film e colocado por um instituto inglês entre os 360
clássicos de todos os tempos (in Jornal do Brasil, 19/06/1998, cad. B).
2
•
2) Critério litúrgico. O ícone rubleviano representa a "Ceia divina" do Céu, ceia que é fonte e
modelo da ceia da terr� a qual não nos dá só a presença de Cristo, mas também a comunhão com o
Pai e com o ES.2
Por isso mesmo, o ícone tem um caráter doxológico: é feito para contemplar, adorar e louvar
o Mistério do Deus lriúno. Para tanto, a imagem icõnica tem que ser ultrapassada em direção ao
"Arquétipo inefável" para o qual aponta. Nessa intenção, o santo pintor, evitando toda tentação de
realismo, "estilizou" os símbolos, representando, por ex., as mãos pontudas, a casa com o teto
invertido, o cálice assimétrico, os tronos e os pés também sem simetria. Desse modo, o
contemplante é levado a se desapegar da materialidade do ícone para ascender até à realidade do
Mistério, transformando-se cm participante ativo da vida trinitária.
Rubtev conseguiu figurar, com rara felicidade, a diferença ( l ) mas também a igualdade (2)
que existem nos Oivinos Três. Além disso, ele confere à pintura o dinamismo da peric6rese ou
comunhão de vida e amor que circula entre as Pessoas da SS. Trindade (3). Por fim, ele sugere
também a postura espiritual adequada do espectador frente ao ícone (4).
Pelas cores da roupa. A roupa sempre foi considerada como expressão da "personalidade" de
cada um. No ícone rubleviano, ao lado da cor comum - o azul celeste, cor da divindade -, cada
Pessoa divina tem sua cor própria: 1 ) O Pai veste um grande manto dourado, porque Ele é
considerado na Triadologia, especialmente oriental, como o detentor da "monarquia" e a "fonte
2 M.-F. GlRAUD, Aproxlmaciones a los íconos, Madrid 1990, p. 68-80, enquadra a perspectiva eucarística naquela
maior da peregrinação. A Eucaristia seria o viático dos Divinos Viageiros, que estão justamente dotados de asas e
bordões para enfrentar a longa viagem. lnam rumo ao Paraíso, representado pela çasa ao fundo, mas em cujo meio está
a Árvore da Vida; dispõe também da Água do Rochedo para mntar a sede no deseno da vida. A nosso ver, contudo, essa
Ullerprelação vai bem para os peregnnos humanos, mas não para os Peregrinos celestes.
3
de toda divindade"; 2) O Filho carrega um manto roxo, sinal da humanidade pobre e sofredora,
que revestiu na Encarnação. 3) Enfim, o Espírito traz um manto verde, sinal de vida, como é
confessado no Credo de Nicéia-Constantinopla: "Senhor, que dá a vida". Notar que o verde
domina na tela, especialmente em seu transfundo, saindo em seguida de debaixo do altar, como o
''rio de água viva, que brota do trono de Deus e do Cordeiro" (Ap 22, l ).
• Pelas mãos:
1) O Filho aponta com a mão, por cima do cálice, em direção ao ES, num gesto de indicação (não
de bênção; estudos atuais mostram que no original havia um só dedo, o indicador, apontado para o
Espírito). .
2) O Pai, sim, levanta levemente a mão em direção do Espírito corno para abençoá-lo em sua
missão pentecostal.
3) Quanto ao Espírito, Ele tem a mão inclinada para baixo, em sinal de anuência total ao mandato
do Pai sob pedido do Filho.
• Pela postura geral do corpo: 1) O Filho tem o corpo meio inclinado, especialmente a cabeça,
em sinal de deferência em relação ao Pai; 2) o Pai tem o corpo todo ereto, como se nota pela
linha das costas, pois Ele é, no seio da Trindade, o "monarca", o PantocráJor: o Senhor todo
poderoso; 3) já o Espirito inclina o corpo por inteiro, dos pés à cabeça, em direção ao Pai,
descrevendo uma espécie de elegante "e" invertido.
transformou a tenda de Abraão e Sara. Representa agora a ..casa do Pai", com suas "muitas
moradas", "preparadas" para acolher seus filhos e filhas (cf. Jo 14,2-3);
l J. MAMBR1NO, "Les deux mains du Pere dans l'oeuvre de St. Ircnée", in NouveUe Revue Théologique, t. 79 (1957).
p. 355-370.
4
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3) por fim, acima do Espírito pode-se vislumbrar - não mais que isso - um rochedo, tra1.c..:ndo uma
fenda no meio. É a elevação sobre o qual apareceram os três anjos a Abraão (Gn 18,3: "Abraão
'; ergueu os olhos e viu ... "). Essa elevação é símbolo da rocha do deserto, na qual S. Paulo viu a
figura de Cristo {lCo 10,4) - rocha essa que Moisés feriu com seu bastão (Ex 17,6), fazendo assim
jorrar água, símbolo do Espírito, como diz o próprio Cristo no Templo (cf. Jo 7,39).
Notar que os símbolos cristológicos são os mais numerosos: a Árvore da cruz, o Rochedo,
o Cordeiro no cálice, além da Túnica roxa. Todos esses símbolos mostram, embora transfigurado, o
"realismo" dramático da encarnação: a Árvore contorcida da cruz, o rochedo fendido, o Cordeiro
sacrificado sobre o cãlice e a Túnica roxa da kénosis ou humilhação.
A igualdade de Natureza, base da diferença entre as Pessoas divinas, se mostra no ícone por
vários traços:
• Pela roupa do mesmo tipo. Todos os Três, o Pai, o Filho e o Espírito vestem uma roupa de duas
peças: atúnica (chiton) e o manto ou clâmide (himation), à exceção da 2ª Pessoa que t::ndossa
uma discreta estola (e ·a 3" uma outra, mais discreta ainda). Além disso, cada uma delas usa
também uma fita enlaçando a cabeleira, arrumada, em todas Elas, de modo análogo.
• Pela cor azul, comum às Três Pessoas. De fato, tanto o Pai como o Espírito trazem na túnica a
cor azul intenso, enquanto o Filho traz a mesma
1
cor no manto. O azul é uma cor celeste, símbolo
da divindade: os Três são um só Deus.
• Pela igual proporção das figuras. Os Divinos Três têm a mesma estatura e carr�gam uma
auréola igual, fonnando as três auréolas brancas como que um arco. Os Três são Aquele que é
"santo, santo, santo" (Is 6,3; Ap 4,8). Ademais, evocando os Anjos peregrinos, as Três
Hipóstases possuem asas, que se tocam de leve. As asas são mais um símbolo da natureza
celeste das três Pessoas, além de sugerirem sua ubiqüidade: podem voar para todos os lugares,
ou melhor, estar cm todos eles.
• Pelo rosto parecido. Os Divinos Três são todos jovens, como para indicar sua eternidade ou,
figurativamente, sua "eterna juventude". Levam também a cabeleira entrançada com arte e presa
por uma fita elegante. Notar que as Três Pessoas divinas não têm barba e mostram um rosto
extremamente terno, mais feminino que masculino, mas que é enfim um rosto divino, enquanto
está além de toda determinação de gênero.
• Pelos símbolos comuns de poder. Cada uma das três Pessoas divinas carrega na mão um cetro
e está sentada num trono. Ocetro é aquilo em que se transformou o simples bastão dos Três
peregrinos. Sob a figura de uma vara fina - um leve cajado de pastor - o cetro aqui sugere um
poder suavíssimo. Quanto ao trono individual, além de significar uma autoridade pacífica,
significa também a igual dignidade de cada Pessoa divina. Ambos, cetro e trono, fazem lembrar
um ambiente de corte, pelo que o pintor conferiu uma suavidade e "elegância áulica" aos
Divinos Três, como se nota pelo modo de sentar, pela delicadeza dos gestos, pelo entrançado dos
cabelos, presos com uma fita, e particularmente pela fineza das mãos.
• Pelo cálice comum aos três Comensais divinos. O cálice é o símbolo ou "sacramento" da
Comunhão sublime que reina no seio da SS. Trindade. lsso é tanto mais significativo quando se
sabe que, em muitas representações anteriores, havia um cálice para cada Pessoa divina. O cálice
contém o vinho eterno - celeste arnbrosia - , no que se transformou a coalhada oferecida por
Abraão. ·Sobre o cálice, como numa patena, vê-se uma hóstia, que lembra um pouco o pão
preparado por Sara e também o vitelo sacrificado pelo Patriarca em favor de seus hóspedes,
símbolo aqui do Cordeiro divino.
5
3. "Pericórese" (inter-relacionamento) entre os Divinos Três
Podem-se, enfim, relevar quatro figuras geométricas, uma diferente da outra e situadac; em
forma concêntrica, sugerindo, cada uma a seu modo, a idéia da comunhão pericorética: 1) o círculo
maior, que o olhar dos Divinos Três perfaz, envolvendo-os numa esfera de harmonia, serenidade,
amor e bem-aventurança; 2) o triângulo equílátero, que descreve, dentro do círculo pcricorético
maior, a posição dos três assentos reais e que faz pensar na igualdade total que reina entre Eles; 3) o
retângulo compacto da mesa da Ceia celeste, inscrito no centro do triângulo e cuja toalha de um
branco forte estreita intimamente as Três pessoas umas às outras; 4) por fim, no centro da mesa, o
Cálice e a Hóstia estilizados - "arquétipos" celestes da santa ceia terrestre, pela qual nos é dado
entrar em comunhão com Ceia dos Divinos Três.
Rublev conseguiu envolver quem olha para seu ícone no círculo de vida e amor da Trindade
SS., tirando-o da posição de mero espectador para a de contemplante e adorador. De fato, há um
sinal que chama o contemplante para d�ntro da cena/ceia: é o triângulo verde na parte inferior do
ícone, simbolizando o rio de vida que brota de sob o altar e corre na direção de quem olha. É um
convite a tomar lugar no Festim celeste e gozar da bem-aventurada Pericórese da Trindade. Assim.
quem admira o ícone sente-se convidado a entrar na Comunhão da Ceia eterna.
Assim, posici o nada frente aos divinos Três, a pessoa toma-se como que a "4º pessoa" da
cena, pensando-se, não como uma pessoa exterior ao quadro, mas como participante ví vo do
Banquete celeste. Desse modo, o contemplante é chamado a ocupar o lugar de Abraão e Sara,
figuras que, à diferença das representações anteriores, já não aparecem mais na cena, pois agora é
ele/ela que é convidado(a) a ser Abraão ou Sara. Mas aqui os papéis se inverteram: não é mais
ele/ela que acolhe a santa Triade, mas Ela que os acolhe em sua intimidade e lhes oferece sua Ceia
divina e sua hospitalidade eterna. Maria, coroada pela Trindade, é tipo da Humanidade incorporada
4
no Mistério trinitário (3+ 1: "Tétrada").
Há ainda outro traço extremamente significativo: a cavidade retangular no centro do altar.
Indica o lugar em que se guardam, no Oriente, as relíquias dos santos e as reservas eucarísticas.
Sugere que o espectador está contemplando a SS. Trindade do lado oposto àquele cm que deveria
estar. Ou seja, contrariamente ao que ocorre na liturgia bizantina, o contemplante está precisamente
em frente do altar, do lado do sol nascente - o "lado de Deus" -, e não atrás, do "lado dos fiéis".
Dá-se, pois, aqui uma "inversão de perspectiva", como notou P. Florenskij. É como se o
contemplante estivesse escondido por trás de uma cortina, nos bastidores do Santuário celeste, e
fosse a testemunha secreta de um evento, de outro modo inacessível: o Diálogo entre as Três
Pessoas Divinas, no momento eterno em que estão tratando do "negócio dos séculos": a nossa
Salvação. O quadro retrataria, em particular, o instante decisivo em que o espectador-espia
surpreende o Filho suplicando tema e insistentemente ao Pai para que mande sobre o Mundo o
� /\ idéia de "tétrada" dos pitagóricos, dos gnósticos e mesmo dos junghianos, poderia servir para pensar nosso
relacionamento com a Trindade em termos, porém, exclusivamente "econômicos" e meramente "representativos". Cf. a
tentativa (problemática) de E. TESTA, Maria terra vergiue, Jerusalém, 1985, vol. 1.
6
Espírito Santo Paráclito (Jo 14, 16), para que infunda no coração de cada um e difunda por todo o
Bibliografia
• Dom Gabriel BUNGE (osb), Lo Spirito Consolatore. li s1gnificato ddl'1conograíia della santa Tmutà dallc
catacombe n Rublev, La Casa di Matriona, Milão, 1995, com bibliografia (orig.: Der Anderc ParakJet, Würzburg.
1994).
• Dom Valfrcdo TEPE (ofm), Nós Somos Um. Reuro trimtáno, Vozes, Petrópolis 1987.
• Gae1ano PASSARELLI, O ícone da Trinidade, Ave Maria, São Paulo 1996.
• DANIEL-ANGE, L'étrelntc de feu: l'icône de la Trinité de Roublov, Lc Sermcnt, Paris 2000 (310 pp. 1lustra<.IJ�:
reedição do original de 1980).
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l. A SS. TRINDADE NO AT
- "Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança" (Gn 1,26, cf. 3,22). \v..:.... :;....,_ �....:, _ � '.. \1' r,,..·.....ok..lt.
- "Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do universo" (Is 6,3). � �\,.;w,. � � -1�
- Os três misteriosos Peregrinos, que Abraão e Sara acolheram em Mambré (Gn 18):.�, ..... "�i e � ._ ' /\--:
, - O "Anjo de Javé", emissário de Deus (cf. Ex 14,19; Gn 16,7-13; lRs 19,5-7; 2Sm 14,20), q'Uci'S .
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vezes se confunde com o próprio Deus (cf. Gn 3 1,11-13 e Ex 3,2-4). � t�� til�.
�- A figura do Messias, que aparece como "Servo de Javé" (cf. Is 42, 1 Me l , 11 ), ou como Filho de ""',,._.; ... 0 � k 1c..,,,1
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Observação: Estas referências são apenas alusões à Trindade, que só aparecem como tais à luz do
tf Mistério já revelado. S. Gregório Nazianzeno disse: "O AT anunciava abertamente o Pai e, de
maneira mais velada, o Filho. O NT indica de maneira não tão clara a divindade do Espírito. A ora
finalmente, a Espírito vive conosco e se revela abertamente a nós."5
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2. A SS. TRINDADE NO NT
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Já o NT fala da Trindade em termos de "teologia narrativa": conta que Deus mandou Cristo
6
como seu Filho, que aparece como o grande revelador da Trindade. Na história de Jesus vemos a
história da Trindade em a9ão. De fato: e t-i' '� �,_.,.._, µ..__,. "P-�f"'< "'-•�ie...,.... ,.__ � � �t...;..� ,..
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1) Quanto ao Pai
Como aparece o Pai nos Evangelhos? Jesus fala todo o tempo d'Ele: de seu Reino e de sua
vontade, de seu perdão e amor ilimitados. É ocioso deter-se nisso.
2) Quanto ao Filho
Ao mesmo tempo que Jesus fala do Pai, Ele fala de si próprio como Filho de Deus.
Comporta-se como tal quando dá o perdão (Me 2,8), quando muda a lei divina (Mt 5,1 7 -4 8) e
quando chama Deus de Abba: paizinho querido. Pois Jesus tinha consciência de ser Filho de Deus:
"Ninguém conhece o Pai se não o Filho..." (Lc 10,26).
É S. João que mostra mais claramente que Jesus é Filho de Deus, Deus com Deus:
• "Eu é o Pai somos um" (Jo 10,30; cf. 17,21).
• "Os judeus procuravam matá-lo porque chamava Deus de seu Pai, igualando-se a Deus" (Jo
5, 18).
• "Segundo nossa Lei (cf. Lv 24,16: blasfêmia) ele deve morrer porque se fez Filho de
Deus" (Jo 19,7).
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8
no "discurso de despedida" cm S. João: "Quando vier o Paráclito, que cu vos enviarei de junto do
Pai, o Espírito da Verdade que vem do Pai, ele dará testemunho de mim" (Jo 15,26; cf. ainda 1�,26;
16, 12-15).
NB: O Espírito no NT não aparece só como obj e t o de revelação, mas também como sujeito:
Ele revela a Deus como Abba (Rm 8, 15; GI 4,6; cf. 1Co 2, 1 1 ) e a Jesus como Kyrios e Filho de
Deus (1Co 12, l; Jo 14, 16). O hino Veni Creator o diz: Per te sciamus da Patrcm / Noscamus arque
Filium.
"Trindade" de muitos artistas clássicos, como a de Masaccio (1427-1428), aí vemos as lrês pessoas
divinas envoltas na dinâmica da entrega de amor:
1) O Pai que "entrega" o Filho: "Deus tanto amou o mundo que entregou seu Filho único" (Jo 3,16).
"Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós. .. "(Rm 8,32).
2) O Filho que "se entrega" pelo mundo em obediência ao Pai e impelido pelo ES. Em Jo 1 O por
cinco vezes Jesus fala em "dar a vida" (vv. 11, 15, 17, 18 e 28).
3) O ES, que é a 'força de entrega' (amor) do Filho ao Pai: "Entregou-se a Deus pelo Espírito eterno
como vítima imaculada" (Hb 9,14); e que é "entregado" por Jesus ao mundo: "inclinada a cabeça,
entregou o Espírito" (Jo 19,30). Corno sublinha U. Von Balthasar, o ES mantém o Pai e o Filho
·
unidos no seio da experiência mais extrema de "abandono".
7 Cf. a síniese que foz nessa perspectiva S. TAV ARES. Trindade e Criação, Col. lmc1nçào Teológica. Vozes,
p. 18-32, partindo das reflexões de B. Fone e J. Moltmann. Cf. ainda Piero COO/\, O evento pascal:
Petrópolis 2007,
Trindade e História, Cidade Nova, São Paulo 1987.
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3) O ES (aqui em primeiro lugar), que aparece como Sopro poderoso, enchendo o Cenáculo; e,
como Fogo, dividindo-se em línguas e pousando sobre cada apóstolo.
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3) Algumas cenas expressavas da Tnndade no NT
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3.1. Anunciação do Senhor (Lc 1,26-38). Aqui operação dos Divinos Três é clara, como
expressam em geral as pinturas clássicas dessa cena: o Pai manda o anjo Gabriel, o Filho-Verbo
desce ao seio da Virgem, e o ES, o "poder do Altíssimo", opera a maravilha da Encarnação. � (�'.. 1.a �::::-,1.
3.2. Batismo de Jesus (Me 1,9-11 ). Aí se manifesta a "Trindade em ação": o Filho é mergulhado� ,_....-
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no Jordão, o Pai faz ouvir sua voz e, do céu aberto, o Espírito desce em fonna de pomba.
3.2. Transfiguração de Jesus (Me 9,2-8). Aí também se dá uma teofania da Trindade santa: o Pai
fala a partir do Céu; Jesus transfigurado é declarado o Filho amado; e o Espírito é insinuado (como
viram os Santos Padres) pela nuvem (v. 7), que cnsombreia Jesus, como aparece mais claramente
na Anunciação em relação à Maria. "O Espírito (aparece) na clara nuvem", diz Sto. Tomás.8
..._.....;.. .. � �......., � '>- c=i....._, .. ''l"'""..J... r-r t, �. • �--...- r.... � � t)tW),.
4) Fórmulas trinitárias no NT
_
4.1. Nos Evangelhos. Vimos que Jesus fala do Pai, do Espírito e de sua íntima relação com os Dois,
especialmente em João, no discurso de despedida. Mas a única fórmula trinitária está cm Mt
28, 19: "Ide... batizai em nome do Pai, do Filho e do ES". Reflete uma prática batismal da Igreja
primitiva, como testemunha a Didaqué (± 120) e Justino (± 160). O "em nome de" si gnifica:
consagrando a.. ., entregando a... O Batismo é o máximo ato de consagração e de entrega.
4.2. Em S. Paulo. É o autor do NT que mais usa fórmulas trinitárias. Veja as 5 seguintes:
• "A graça de NSJC, o amor do Pai e a comunhão do ES. . ." (2Co 13,13). É hoje, uma das
saudações na abertura da missa.
• "Há diversidade de carismas, mas um só é o Espírito; há diversidade de ministérios, mas um só e
mesmo é o Senhor; há diversidade de operações, mas um só é Deus... "
(1Co 12,4-6).
• "É por Ele (JC) que temos acesso ao Pai num mesmo Espírito" (Ef 2, 18).
1J.. de.. r�. w: -t-� .... � k. �....<� k,.JC..
�roir'r;...
5 Suma Teológica (- ST) Ili, q. 45, a. 4, ad 2, cit. por JOÃO PAULO II, Víta Consacrata, 19, 1, not.a 33.
10
• "Deus enviou a nossos corações o Espírito de seu Filho (Jesus), que clama: Abba, Pai" (GI 4,6).
• "Se o Espírito d 'Aquele (Pai) que ressuscitou Jesus dentre os mortos... " (Rm 8,1 1 ).
Obs.: S. Paulo tem ainda mais de uma dezena de textos com uma estrutura trinitária: Gl 3,11-14;
2Co 1,21-22; 3,3; Rm 14,17-18, 15, 16; 15,30; Fl 3,3; 2Ts 2, 13-14; Ef 2,20-22; 3, 14- 1 7; Tt 3,4-6.
• I Pd 1,2: "Aos eleitos segundo os desígnios de Deus Pai, pela santificação do Espírito para
obedecer a JC. . . ;
"
• Jd 20-21: "Orai no ES, permanecei no amor de Deus, ponde vossa esperança na misericórdia de
NSJC...";
• Ap 1,4-5: "Graça e paz da parte dºAquele que é, que era e que vem, da parte dos Sete Espíritos
que estão diante de seu trono e da parte de JC, a testemunha fiel..."; etc.
A Trindade na Bíblia antes de ser uma doutrina a ser ensinada e refletida, foi urna
experiência (subjetiva) de fé e, antes ainda, foi uma história (objetiva). Portanto, antes de ser
teologia, a Trindade foi em particular anúncio: foi pregada cm termos de kérygma. Foi, cm seguida,
liturgia: foi louvada em tennos de doxologia.
Como se vê, o mistério trinitário se manifesta em trés momentos, ligados entre si:
a) momento da revela ção na história, "através de palavras e fatos, intimamente conexos entre si"
(DV 2);
b) momento da experiência de fé, através da confissão de fé, do culto, da missão e da prática de
ida;
c) momento da formulação doutrinária, através de declarações dogmáticas e elaborações
teológicas.
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1 . Como dissemos, toda formulação dogmática deve ser entendida como um momento bastante
tardio do Mistério da fé. Vem efetivamente em terceira posição. Antes vêm a experiência da
Trindade, sua celebração e seu anúncio. É ao serviço de tudo isso que está o dogma.
2. Contrastando com a mentalidade moderna, que "não sabe mais o que é a verdade" (A. Marlaux),
a Igreja Antiga era ciosa da verdade da fé e lutava por ela de maneira tão encarniçada que exagerou,
anatematizando os "inimigos da fé", o que gerou mais tarde a Inquisição, as Cruzadas contra os
hereges e as Guerras de religião. Contudo, continua verdade o que disse Platão: "O espírito humano
só encontra alimento adequado no prado da verdade". E Sta. Terezinha: "Só posso me alimentar da
verdade." Se, como ensina a Bíblia, verdade é emet ·, isto é, consistência, a Igreja só pode produzir
palavras e ações consistentes quando se baseia na verdade granítica da fé.
12
(Origenes).9 Eis a propósito o vigoroso testemunho de Sto. Ambrósio: "O que há de mais potente do
que a confissão da Trindade, cotidianamente celebrada pela boca do povo todo? Todos rivalizam de
zelo em professar sua fé. Eles sabem proclamar em versos o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Eis,
pois feitos mestres aqueles que podiam apenas ser discípulos."'º
- Por que esta expressão ? "Símbolo", porque sinal distintivo dos cristãos e, por isso, sinal de união
(sym-balein) que provém de uma única fé. "Apostólico", porque sua doutrina remonta à pregação
dos Apóstolos, como está consignada nos Atos e nas Epístolas. É o sentido da lenda, contada por S.
Rufino (+41 O), de que os Apóstolos, antes de se dispersarem em missão pelo mundo, teriam, cada
um deles, enunciado um artigo, cuja seqüência formaria o Credo atual.
- História. O Credo nasceu de primitivas confissões de fé, em for m a interrogativa, feitas no
momento da triplice imersão batismal ( cf. Mt 2 8, 19). O primeiro Credo fixo, meio oficial, em forma
declarativa, aparece em Roma em torno de 1 80, primeiro em grego, depois em latim. Combina a fé
na Trindade e a fé em Cristo, com sua vida terrestre e principalmente com sua morte e ressurreição .
Na segunda metade do século IV, se incluem no Credo a descida aos infernos e a comunhão dos
santos, verdades essas vindas do Oriente . A forma atual já se encontra fixada pelos anos 600.
Depois se espalha pelo mundo cristão graças à uniformização litúrgica de Carlos Magno.
- Uso "ª catequese. Primitivamente exigia-se a tríplice confissão na Trindade antes do Batismo.
Com a prática do catecumenato (desde o séc. IV), o Credo era "entregue", como doutrina esotérica,
submetida à "disciplina do arcano", para ser entendido e recitado de cor, individualmente, diante do
bispo. Daí também sua formulação no singular: "creio", expressão de que cada um deve professar
em primeira pessoa sua fé, sempre, contudo, em união com os irmãos.
- Estrutura trinitár i a : 1 ) Deus + Pai e Criador; 2) Jesus Cristo + Filho e Redentor; 3 ) E pirito Santo
11
-r na Igreja para o perdão e a ressurreição.
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2. Símbolo do Concilio de Constantinopla (38 1 )
Convocado pelo imperador Teodósio 1, reuniu 1 50 bispos, todos orientais, a fim de combater
restos do arianismo e do apolinarismo (Cristo não teria alma humana), mas especialmente os
pneumatômacos (que combatiam a divindade do ES) ou "macedonianos" (seu chefe era o próprio
bispo de Constantinopla, Macedônio). Retoma o Credo de Nicéia (325), reafirmando assim a
divindade de Cristo, agregando alguns detalhes e ampliando a confissão de fé no Espírito Santo,
compreendido, Ele também, como Deus.
9 Ap. Franz COURTH, Dios, amor trinitarlo, Col. AMATECA Vl. EDJCEP, México/Santo Domingo/Valencia 1 994,
13
(Cremos) em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de
todos os séculos, luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado,
consubstancial ao Pai. Por meio d'Ele foram feitas todas as coisas; que por nós, homens, e para
nossa salvação desceu dos céus e se encarnou por obra do Espírito Santo e de Maria a Virgem. c se
fez homem. Por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao
terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu ao céu; e está sentado à direita do Pai. e de novo há de
vir, com glória, para julgar os vivos e os mortos; e seu Reino não terá fim. .1- � 1
(Cremos) no Espírito Santo, que é Senh.o.r e dá a vida' (zÔõpoiónJ: que procede
(ekporêuomenon) do Pai, que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, que falou pelos profetas. J.,. p.,i.
(Cremos) na Igreja, Uma, Santa, Católica e Apostólica. Professamos um só Batismo par� � ...,.... ·
•
remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir.
Amém.'' 12 ... }..t - tkv
•
Obs.:
Constantinopla detalha e desdobra Nicéia, como se vê pelas partes em itálico. É, sobretudo,
a pneumatologia que ganhou um desenvolvimento particular:
1 ) O ES é "Senhor" = nome divino, reservado à YHWH (cf. Catec. da lgr. Cat. 209), além de ser
nome de pessoa viva.
2) "Dá a vida": cf. Jo 4,10: "Dom de Deus ... água viva"; e Jo 7,37-39: "Rios de água viva... falava
do ES ...".
3) "Que procede do Pai": Jo 15,26. Só mais tarde a Igreja ocidental acrescentou "e do Filho", como
1
14
Nas Religiões em geral, além das tríades divinas, há outras tríades. Fiquemos apenas com
duas grandes religiões: o Cristianismo e o Hinduísmo.
1 ) Cristianismo. Conhecemos os 3 Reis magos, as 3 virtudes teologais, os 3 votos monásticos, os 3
apóstolos mais íntimos de Cristo, os 3 estágios depois da morte (céu, inferno e purgatório), os 3 dias
da Semana Sta., os 3 dias da morte de Jesus, os 3 céus 15, as 3 vias do caminho místico: purgativa,
iluminativa e unitiva, etc. Fazer 3 vezes a mesma coisa é um rito usadíssimo na liturgia cristã (3
cruzes, 3 apelos, 3 toques, etc.), como, aliás, nos mais diversos ritos.
2) Hinduísmo. Ai existe uma infinidade de tríades sagradas: as 3 letras de A-U-M, os 3 Vedas, os 3
fogos do sacrifício, os 3 mundos, as 3 fórmulas sacras (Bliruh, Buvah e Svah, indicando a terra, a
atmosfera e o céu), os 3 gunas ou qualidades constitutivas do universo; o tríplice "espírito vital", os
3 escopos da vida (trivarga), os 3 caminhos de realização religiosa: do conJ1ecimento Unana-
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marga), da ação (kharma-marga) e da devoção (bhakti-marga), etc. - � -� l � r-t-...J.. )
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Conclusão
Se o Criador é triúno deve ter deixado suas pegadas igualmente triúnas em sua Criação.
Contudo, devido à "desproporção inftnita" entre Criador e criatura e por causa do caráter misterioso
de Deus, "nunca se pode pôr, entre o Criador e a criatura, mais semelhança que desscmclhança",
como ensinava 'o IV Concílio de Latrão ( 1 2 1 5) (DS 806). Ou seja, entre Deus e o mundo a di fercnça
é maior que a semelhança. 7 �
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Também a respeito dos números 1 e 3 aplicados a Deus, devemos dizer que não se craw de
matemática, mas de matemática analógica ou de meta-matemática. É um pouco como os pitngóricos
entendiam os números, atribuindo-lhes um valor mais que quantitativo: também qualitativo. 1 6
Declara o XI Sínodo de Toledo (675): "A Santa Trindade... nem se afasta do número, nem é
presa pelo número. ( ... ) Nas três pessoas não pode existir plural" (vários deuses) (OH 530).17 a
mesma linha afirmava o Mestre Eek.hart: "Deus ... propriamente não está submetido a número. Pois
é uno sem unidade e trino sem trindade. ( ...) Como Ele transcende todo nome, rranseende
igualmente todo número".18 O grande pensador Moisés Maimônidcs (+1204), judeu que era,
mostrava-se ainda mais radical: "Um e muitos são categorias quantitativas, sendo. por isso. tão
inaplicáveis a Deus com são o curvo e o reto em relação à doçura, ou o ,salgado e o insípido em
relação à voz."19 � l o •""'"......_, ' ....,_.._ ,..__..,., u ,_j.,."-k. l e, � 1.."'_.'.J<.. ,__ ) .
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1 ) Modéstia intelectual
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Quando se fala da Trindade, deve-se proceder com extremo "cuidado e modéstia", como
recomenda Sto. Tomás. Pois se trata do "Mistério dos mistérios", que está além de todos os
conceitos e palavras. Sto. Agostinho diz ue a Trindade é o tratado "mais laborioso, mais perigoso,
�
mas ao mesmo tempo o mais frutuoso"2 . Mostrando a extrema inadequação de nossa linguagem
para falar desse Mistério supremo, ele declarava que nossos conceitos sobre a Trindade são "partos
de nossa indigência", forçada que é a usar palavras humanas.21
" O céu dos astros: firmamemo; o céu cris1alíno: dos saoLos; e o céu empireo: de Deus.
16
Cf. René GUÉNON, Lc rêgne de la quantité et les signcs des temps, Gallimard, Paris 1945, p. 10-12.
.
17 "Soneta Trinitas... nec receda a numero. nec capiwr numero. ... ln tribus personLç non possit esse plurale . .
F. assim como é "super
18
"Deus... ab omni numero proprie eximitur. Est enim unus sine unitatc, trinus sine trinitate.
11omen ", Deus também é "super numerum. ": Sermão XI, 2, 1 1 8 .
19 O gula dos perplexos, l, 57.
"º De Trin., I, 3, cil. por $10. TOMÁS, ST, 1, q. 3 1 , a 2, e.: Nec periculosius alicubi erratur, nec luborosius quaen111r,
necfructuosius invenitur.
2 1 Op. clt., VII, 9: loquendi necessita/e parta haec vocabula, por causa da humana 1nopia.
15
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A própria palavra "trindade" não se acha no NT. O primeiro uso grego desse tcm10 (Irias)
foi feito em grego por Teófilo de Antioquia pouco depois de 180.22 No Ocidente, Tri11i1as aparece
pela l ª vez cm Tertuliano pelos anos 212-2 1 3 e apenas (com uma só exceção) no Adversus Praxeam
(9 vezes).23 Orígencs (+ ca. 253) usa muitas vezes Trinitas nas obras conservadas cm latim e só 3
vezes Trias no que nos restou de suas obras cm grego.
2) Linguagem analógica
Embora devamos ser discretos, temos, contudo, que falar do Deus triúno. Pois, se a Trindade
ável, ela é também "falável". Diz S. Cirilo de Jerusalém
é inef (+38617): "Acaso porque sou incapaz
de esgotar o rio, não posso tomar da água que deseje? E se meus olhos não podem abarcar todo o
sol, por acaso não posso vê-lo na medida em que precise? Ou se entro num grande jardim e não
posso comer todos os seus frutos, pretendes que eu fique com fome? Eu adoro e exalto o nosso
Criador, pois a ordem divina reza: 'Tudo o �ue respire, louve o Senhor' (SI 1 50,6). Ora, o que
pretendo é glorificar o Senhor, não explicá-lo." 4 •
Ao falarmos da Trindade, devemos, cm primeiro lugar, ter uma aguda consciência de que
nossa linguagem é puramente analógica: falanios apenas por evocações, símbolos, alusões - meras
indicações que orientam - ;ipenas isso - a mente para esse Abismo de vida, luz e felicidade qu� é a
Trindade, sem nunca poder compreendê-la com nossa mente limitada.
Depois, tendo que falar da Trindade, é precí'so ·se conformar com a linguagem da Igreja, que
aqui faz lei. Agostinho assevera: "É para nós uma norma sagrada falar de acordo com uma regra
determinada, para que a liberdade da palavra não gere uma opinião ímpia também cm relação às
realidades que a palavras querem significar."2s Jerônimo emenda: "É pelas palavras proferidas de
modo desordenado que se cai na heresia."26
3) Amor. É só com um coração novo, cheio de amor, é podemos saber e sentir verdadeiramente o
ll Mistério da beatíssima Trindade. É o "conhecimento por conaturalidade" (Sto. Tomás), pelo qual
"só o semelhante conhece bem o semelhante", como tinha visto Empédocles. Portanto, só com a
experiência do amor é que podemos acolher em nós a Trindade, senti r seu abraço beatificante.
Então, sim, podemos dizer algo de vivo sobre o Mistério augustíssimo, ainda que balbuciando.
2. A RTICULAÇÕES EQUIVOCADAS
1 ) Triteísmo. Haveria três deuses bem distintos, cada qual ctemo e infinito. Aqui se garante a
pluralidade, mas se destrói a unidade. Não há na Igreja representantes assumidos do triteísmo, mas
apenas teologias trinitárias que pendem para o triteísmo.
2) Modalismo. Seria uma forma de monoteísmo. Para o modalismo, haveria um só Deus, mas
aparecendo sob três modos ou funções. Seria como um mesmo autor, fazendo três papéis ou usando
três máscaras. Assim, a mesma pessoa de Deus se manifesta como Pai Criador, depois como Filho
Redentor e' enfim como Espírito Santificador. Isso se chama também sabel ianismo, do fautor dessa
1
27 Cf. os resumos de L. BofT, A Trindade, a sociedade e a Ubcrtaçilo, op. cít., tese 5, p. 217-2 1 8 ; e de B.
KLOPPENBURG, Trindade: o amor cm Deus, Vozes, Petrópolis 1 999, p. 59-6 1 .
16
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teoria, Sabélio, excomungado pelo Papa Calisto em 2 1 7. Uma doutrina derivada do sabelianismo é
o "patri-passianismo", segundo o qual foi o Pai que sofreu na cruz sob a forma ou a imagem do
Filho. O erro do modalismo é não garantir a trindade de pessoas, realmente distintas.
3) Subordinacionismo. Seria outra forma de monoteísmo. Aqui se admite um só Deus, o Pai, mas
o Filho e o Espírito receberiam d'Ele toda a sua realidade, ficando a Ele subordinados. Aqui se
inclui, seja o arianismo, para quem o Filho é como um vice-deus, seja o maccdonismo, para quem o
Espírito Santo é apenas uma energia de Deus. Aqui não fica assegurada a igualdade consubstancial
dos divinos Três.
4) Unitarianismo. É ainda outra forma de monoteísmo, essa mais recente. Seus maiores
representantes são Michel de Servet (+1 553), condenado à fogueira por Calvino, e F. Socino
(+ 1604).
28
1 ) Natureza
em concreto a "divindade'', com todos os seus atributos essenciais: onipotência, sabedoria, amor,
etc. Portanto, natureza diz o elemento comum dos Divinos Três, aquilo que constitui sua unidade.
" "
2) Pessoa 29
Boécio transmitiu aos pósteres esta definição: "Realidade individuaJ de natureza racional"
(Rationalis naturae individua substantia). Em resumo, pessoa é um indivíduo racional, um
"sujeito", um "eu" ontológico, e não meramente psicológico.
Cuidado, pois, para perceber a diferença imensa que existe entre a concepção ontológica
(objetiva) de pessoa (como "subsistente distinto", "sujeito espiricual" ou "indivíduo racional",
mesmo em potência), que é a concepção clássica; e a concepção psicológica (subjetivista) de
"pessoa" (como "ser consciente" e auto-determinado cm ato), que é a concepção moderna. 30 Esta
distinção é importante para a discussão sobre o aborto (o nascituro jã é pessoa?) e a eutanásia (o
ancião que perdeu a consciência é ainda pessoa?). precisa ficar claro que não é a consciência de si l P 11
que constitui a pessoa, como querem os modernos." A consciência é apenas uma expressão tardia e
l& Cf. Xavier PIK.AZA e Nerco SILANES (dir.), Dicionário teológíco o Deus cristão, Paulus. São Paulo 1998:
"Natureza", por J. M. Rovira Belloso, p. 613-618; L. BOFF, Trindade e sociedade, op. cit.m p, 1 1 1 - 1 13.
29 Cf. X. PIKAZA e N. SILANES (dir.), op. cit., ''Pessoas divinas", por J. M Rovira Bclloso, p. 699-708; L. BOFF,
Trindade e sociedade, op. cit., p. 1 13-117; IDEM, O destino do homem e do mundo, Voze , Petrópolis 1973, p. 54-
57. Para o conceito de pessoa, ver ainda: Battista MONDIN, Definição filosófica da pessoa humana, EDUSC, Dauru
1998; Ch. SCHÜTZ e R. SARACH, O homem como pessoa, in Mysterium Salutis, IV3, p. 73-89; Crescenzio SEPE,
Pcrsona e sloria: per uma teologia della persona, Paoline, Cimsello Balsamo (MI), 1991; A. MILANO, Per ona in
Teologia, ED, Nápoles, 1984; A. PAVAN e A. MILANO, Persona e personalismo, ED. Nápol es, 1987: Maurice
NÉDONCELLE, Pcrsonoe humaine ct nature : êtude logique et métaphysique, Monuugne, Pans 1963 ; IDEM , \'ers
une philosophie de l l amour et de la personne, Aubier, Paris 1957 ; IDEM , lntcrsubjcctivité et onlologie,
Nauwelaens, Louvain 1974; Emmanuel MOUNIER, Le Personalismc, Pans 1949. Para a aplicação do conceito de
"pessoa" na Trinitologia, cf. a tese doutoral de D. Cirilo Folch GOMES, A doutrina da eterna trindade: a significado
da expressão "três pessoa", Lúmen Christi, RJ 1979.
3° Cf. K. R.AHNER, "Deus trino... ", in Myst. Sal., I U I , p. 348. A concepção de pessoa como consciência vem desdt:
Descartes e seu cogito, desabrochou no idealismo alemão, se prolongou na "vontade de potência" de Nietzsche e
desaguou na definição existencialista do homem como liberdade.
17
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Pessoa, como "indivíduo racional", conota duas coisas: substância e relação; imanência e
transcendência; autonomia e abertura; auto-afiimação e auto-doação; liberdade e amor;
singularidade e comunicação. Explicitemos essas duas dimensões entrelaçadas de "pessoa".
li
Se a auto·consciência fosse o conslitutivo do ser pessoa, teríamos a seguintes aberrações: Jesus teria duas pessoas e a
Trindade, uma só! A isso conduziria a tentativa de Anton Günthcr (+ 1863) de definir a pessoa como auto-consciência
ao modo de Hegel.
32 Foi Hegel quem colocou em destaque a idéia de pessoa como relação ou esse ad a/iud: ap. PANNENBERG, Esquisse
d 'une christologle, Cerf, Paris 197 1 , p. 221 -225. Mas ela nada mais faz que desdobrar a idéia de racionalidade, que é
sempre abenura ao mundo, sendo, portanto, complementar à idéia de subst.ância autônoma.
18
ao mesmo tempo, "ser em si" e "ser para o outro". É ser subsistente e ser relacional. É, em concreto,
se auto-afirmar e se auto-entregar. A primeira dimensão é a base da segunda, pois, só posso me dar,
se me tenho. Mas a segunda consuma a primeira, pois, só me tenho realmente quando me dou
("quem se perde por mim se encontra": Me 8,35 e par.).
Portanto, o ser humano só se realiza quando realiza c m conjunto a liberdade e o amor. Se ele
desenvolve somente a liberdade, sem amor, acaba no egoísmo e na dominação; se desenvolve só o
amor, sem liberdade (por i mpossível), acaba na alienação c na sujeição. Na frase "eu me dou" estão
condensadas essas duas dimensões constitutivas da pessoa: o "eu" e o "me": 1 ) o "eu" que se dá
ativa e livremente; c 2) o "me" que é o eu dado no amor.
Além disso, no ser humano, é a pessoa que funda a relação (a qual supõe urna substância
prévia), enquanto que na Trindade é o contrátio: é a relação que funda a pessoa. A pessoa divina é
uma "relação subsistente" (Sto. Tomás). No homem há, primeiro, um pólo de relações, um sujeito
portador de relações. Assim, temos antes um homem (substância ou realidade), que, em seguida, se
toma pai (relação). Já na Trindade, o sujeito portador das relações não é uma pessoa previamente
constituída, mas é a própria relação. As pessoas divinas são relações, enquanto as pessoas humanas
têm relações.
Enfim, mesmo quando em sua aplicação a cada uma das pessoas divinas, o conceito de
pessoa é ainda analógico. Uma coisa é a pessoa do Pai, outra a do Filho e outra ainda a do ES, e isso
não só numericamente (o que é evidente), mas qualitativamente. Pois, como o Espírito é pessoa e
bem diferente de como o Filho é pessoa e como o Pai é pessoa. Assim, a pessoa do Pai é sua relação
(de paternidade) com o Filho, e vice-versa. Já a pessoa do Espírito Santo não é apenas a relação
com o Pai e com o Filho, mas é a "relação das relações" entre o Pai e o Filho, sendo o Sopro
comum dos dois (Filioque).
34
3) Pericórese
t
33Cf. AA. VV., Sucrac Theologiae Summa, Madri 1955, BAC 90, t. II, p. 424.
34Cf. L. BOFF, Trindade e sociedade, op. cit., p. 121-122 e 169-172; X. PIKA%A e N. SILANES (dir.), Dicionário
teológico o Deus cristão, Paulus , São Paulo 1998: Perikbóresis, por S. dei Cura Elcna, p. 694-699.
19
- A primeira palavra tem uma conotação mais dinâmica. Indica "um com o outro" ou ainda "um
para e pelo outro". Poder-se-ia traduzir como enlace, intercomunhão, mútuo envolvimento, abraço.
- A segunda palavra é mais estática. Indica ''um no outro". Poderíamos traduzir como inabitaçào
mútua, imanência recíproca, inerência, in-existência.
Em suma, pericóoreesis indica a comunhão profunda de vida, amor e felicidade que e·iste
entre os Divinos Três. Eis como Sto. Agostinho descreve a ericórese intra-trinitária: "Um cm
B
todos, todos em um, um em um, todos em todos e tudo cm
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O "núcleo duro" do dogma trinitário está nesta fórmula: "três pessoas numa nature7.a". A
palavra "natureza" (ousia), ou essência ou ainda substância, responde pelo que há de comum e
igual nos Divinos Três; já a palavra "pessoa" (hipóstase para os Orientais) responde pela diferença
entre os mesmos Três Divinos.
Como poderíamos, pois, compreender, ainda que em medida mínima, a ligação da unidade
"ousiânica" com a trindade "hipostática"? Aqui, porém, devemos proceder com cuidado. "Quem
começa a numerar começ.a a errar' - adverte Sto. Agostinho. Pois não estamos diante de um
teorema matemático, mas de uma Realidade meta-matemática.
A tradição teológica cunhou alguns axiomas ou princípios para servirem de regra na
elaboração do discurso trinitário. Eis alguns deles:
� 1 ) "Não confundir as Pessoas, nem separar a Substância". Este princi io é tirado do Símbolo
Quicumque, que é de tradição latina e foi elaborado entre 430 e 500. 6
E
2) "Na Trindade não há nada de antes ou depois, nem de i:naior o� menor." Esta afirmação é ...� .
- -·
também do mesmo Símbolo.37 t..- �. o ?e... u \-t�l...a ....... "'�\\i� .,.& h-1 ""·i_ .,J...ov, ,.;.. �- •
randeza, mas de natureza ou, melhor, de ongem eterna. Cf. S10. TOMÁS, ST, 1, q. 42, a. 3.
f.
9 "ln d1vinis omnia sunt unwn ubi non obviai relationis opposilio" (DH 1330: Cone. de Florença, 1442). Foi S10.
Anselmo quem por primeiro fonnulou 1al principio.
�0 "Opera11ones divinae ad extra communes sunt tribus personi s": DALMAU - SAGÚÉS, Sacrae Tbeologiae
umma, Madri 1955, Col. BAC 90. t. II, p. 430. o Concílio de Latrão rv SUSICnta tal posição: orr 800.
Para a questão da atribuição, cf. Sto. TOMÁS, ST, 1, q . 3 9, a . 7 e 8.
11
42 Karl R.AHNER foi q uem enfat izou isso: cf. s eu l ongo e difi ci l estudo "O Deus t rino, fundame nto transce ndente da
história da salvação", in Mysterlum Salutis, 11/I, Vozes, Petrópolis 1972, p. 283-359. Para a cxplicaçiio deste axioma,
cf. L. BOFf, Trindade e sociedade, op. cit., p. 124·125 e 260-262; e também J. R. GARCÍA-MVRGA, Rahncr, in X.
PLK.AZA e N. SILANES (dir.), Dicionário teo lóg ico o Deus cristão, Paulus, São Pau lo 1998, p. 767·768.
20
--
Explicando com mais rigor: a Trindade imanente (ou etema ou ainda ad inira) se manifesta
(sem, contudo, aí se esgotar, naturalmente) na Trindade econômica (ou histórica); e a
Trindade econômica reflete (sempre de modo inadequado, embora culminante) a Trindade
imanente. Por outras: a Trindade econômica cabe toda na eterna, mas não vice-versa (o
"vice-versa" rahneriano é equivoco). ....-
Como se articulam concretamente a unidade e·a trindade em Deus? Vejamos os três modelos
que foram seguidos na história da trinitologia:43
·
Confronto entre os modelos oriental e ocidental
1 . A abordagem oriental parte de como a Trindade se revelou na llistória ("Trindade econômica") ,
para vislumbrar como Ela é cm si mesma ("Trindade imanente"). Portanto, arranca
(indutivamente) da revelação de Deus através da história do Povo de Deus. Nisso segue o
percurso da Bíblia, enquanto História do amor eterno de Deus por nós, homens. Assim, ela
arranca sempre do Pai. Segue a "lógica histórica", dominada pela idéia da "origem".
2. A abordagem latina ou ocidental da Trindade, em base a Sto. Agostinho (De Trin. X), deu
destaque à analogia psico-antropológica: assim como no ser humano existe o espírito ou a
0 Para maís informações sobre esses 3 modelos, cf. L. BOFF, Trindlade, sociedade. .., p. 14-17 e 102-1 1 1.
H Para esic vocabulário trinitário, cf. pnncipalmente De trinitate, IX, 5,8; 33; X.
21
concreta e dinâmica. Enquanto os Gregos fundam a unidade divina no Pai e os Latinos, na essência,
os Modernos, arrancando de Sto Agostinho e ajudados por Hegel, a fundam no Amor.H
Esta abordagem não exclui as duas primeiras, mas as complementa. O próprio Agostinho,
depois de ter abordado a Trindade como amor, volta a abordá-la se&'Undo o esquema "mente,
inteligência e amor". Pois aqui o amor aparece como um momento (Espírito Santo = amor) e não
como o todo da Trindade (Deus = amor). Ele argumenta com razão: "Como amar o que se
ignora?"46
Mesmo assim, convém aproveitar da reflexão trinitária que Sto. /\gostinho esboçou em base
47 Efetivamente, vale para a Trindade o que esse Doutor declara alhures:
à experiência do amor.
"Dá-me quem ama, e ele compreenderá. Se, porém, falo friamente, não entenderá o que quero
dizer."48 A seguinte asserção de Agostinho nos põe in medias res: "Quando amo, existem três
coisas: o Amante, o Amado e o Amor." 49 Explicitemos:
• O Pai: é o Amante que ama com amor de iniciativa, amor desde sempre, amor silencioso,
gratuito e pleno. O que diz o Pai no Batismo de Jesus (e, em Jesus, de cada um de nós), di-lo
desde toda a eternidade: "Eis meu Filho querido, no qual eu ponho todo o meu amor" (Me l , 1 1 ) .
• O Filho: éo Amado que acolhe o amor do Pai; é o amor que diz "obrigado". Ele retribui .o amor
do Pai com um amor-de-correspondência total (redamatio): "Ninguém conhece (= ama) o filho
senão o Pai e ninguém conhece (= ama) o Pai senão o Filho" (Mt 1 1 ,27).
radicalização da Unidade.
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22
,....._,,_�-' V'
1 VL ANALOGIAS E SÍM BOLOS TRINITÁRlOS 1
5 . 1 . A n alogias
A tradição da fé descobriu muitas analogias ou comparações para entender algo do Mistério
mais abissal. Vejamos esquematicamente algumas destas comparações, muitas delas usadas pelos
Santos Padres. As primeiras são tiradas do mundo humano e as outras do mundo da natureza:
Nossos sentidos exteriores também precisam ter sua parte na representação da Trindade. Eis
aqui alguns símbolos scnsiveis que podem nutrir o imaginário e a devoção cm relação à fé trinitária:
1 . As três figuras angélicas, no contexto da ceia, como no ícone de Rublev.
2. O Pai como o "Ancião dos dias" (Dn 7,9); o Filho, a seu lado; e a Pomba do ES acima ou no
meio deles. Por vezes, vê-se o Pai segurando o Filho crucificado (ou tendo Cristo desfalecido nos
braços), com o ES entre os dois, como a indicar a participação de toda Trindade na Paixão e no
Mistério da salvação em �eral.Essas representações vêm desdevrséc. XIII, tomando-se correntes
nos séc. XV, XVI e XVII. 3 -
3 . Três circulos intersecantes (como nos "nós de toro" de 3 fios, especialmente o "nó borromeu''},
como viu Dante no Paraíso (XXXlll, 1 1 5-120). Às vezes, desenha-se dentro de cada círculo um
símbolo para cada pessoa: para o Pai, uma mão com dois dedos estendidos; para o Filho, uma
cruz; e para o ES, uma pombinha. Mas esse entrelaçamento (pericórcsc) é mais bem
representado por uma linha contínua que forma a figura de três pontas semelhante ao trevo, não
raro envolta por um círculo maior.
4. Triângulo de lados iguais (eqüilátero), às vezes cercado por um circulo, outras contendo um
circulo ou então a figura de um olho: "o olho de Deus" (que é mais de amor que de controle). O
53 Jesús LÓPEZ-GAY, Arte (a Trindade na), in X. PIK.AZA e N. SlLANES, Dlcioniirio teológico do Deus cristão,
Paulus, São Paulo 1998, p. 65-67, aqui, p. 66.
23
triângulo tem uma forte carga simbólica (na Grécia, no Judaísmo, na China, no Tibet, entre os
alquimistas, os maçons, etc.).
A triângulo tem uma grande virtude didática: ele permite apresentar a doutrina da Trindade
de modo claro, assim:
5. Uma série de outros objetos que, mostram, de modo variado, a unidade e a <li vcrsidadc juntas:
• o "trevo de S. Patrício", emblema da Irlanda, com· a vantagem de lembrar também a cruz;
• a letra Tau com três braços iguais, em fonna de Y; (""\-' �'-'\ )
• o candelabro de 3 luzes,
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•
•
3 velas formando uma única chama,
3 ramos de videira num único tronco, etc.
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1 VIL A SS. TRINDADE EM NOSSA VIDA PESSOAL E SOCIAL
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especialmente da comunidade cristã. Diz Jesus: "Que todos sejam um, como tu, 6 Pai, estás cm mim
e eu em ti, para que eles estejam em nós, e o mundo creia que tu me enviaste" (Jo 1 7,21 ). Dai
conclui o Vaticano 11 que existe "certa analogia entre a união das pessoas divinas entre si e a união
dos filhos de Deus na verdade e no amor" (GS 24,3).
A vida comunitária compreende vários planos: a família, a igreja, a sociedade e o cosmos.
Ora, cm todos esses níveis a Trindade é de altíssima e poderosa inspiração. Qualquer que seja o
nível cm que se situe, a comunhão humana é chamada a se referir à Comunhão divina. Ou seja, toda
sociedade humana precisa refletir a sociedade trinitária.
Para inspirar nossa vida-em-relação, tomemos o Mistério trinitário como mistério de Amor,
entendido como "comunhão pericorética". A comunhão de amor implica unidade e diversidade:
unidade na diversidade e diversidade na unidade. O Amor é um dinamismo de circuminccssão. É
comunhão, comunicação, partilha, intercâmbio.
O Amor verdadeiro, tal como se vive e se revela na Trindade, tem um efeito duplo: ele une
e diferencia ao mesmo tempo:
• une graças ao "princípio ousiânico" (uma só divindade, por natureza); r _.._ �� : • >.. .... f"rl�
• Aplicando isso na vida pessoal e social, temos que essa só será sadia se conjuga unidadl;! e
diversidade. Uma boa comunidade é uma "unidade diversificada" ou uma "diversidade unificada".
A lógica da pericórese trinitária vale em geral para qualquer relacionamento e para qualquer
comunidade, seja ela eclesial, social ou ecológica.
Por conseguinte, os dois defeitos em que se pode incorrer na vida-em-relação é ferir um dos
dois referidos principios. Assim:
S• Nicolau de CUS/\, no De pacc lidei, cap. Yll, insiste em que a Trindade-amor se desdobra na tríade u11ltas (o amor
unifica), equalitas (o amor toma iguais) e 11exus (o amor liga). Também o Cusano afirma a marcu trinitária de todas as
coisas: "Figuram Trinftatis gestant cuneta creata ".
24
1 . quando não se respeita a unidade, cai-se na divisão, na desigualdade, na exclusão, na
desintegração, na anarquia e no caos;
2. quando não se respeita a d iversidade, cai-se na dominação do outro, na integração forçada das
identidades, na absorção da alteridade, no anulamento de toda originalidade, no monolitismo e
na homogeinizaçào das diferenças, como ocorre nas várias formas de autoritarismo: ditadura,
absolutismo, coletivismo e totalitarismo.
Notar que aqui "os extremos se tocam": o autoritarismo provoca a exclusão, a divisão e a
anarquia; e a exclusão, por sua vez, suscita a reação do autoritarismo e da uniformização.
Devemos, contudo, estar bem atentos ao fato de que, na "aplicação" da Trinitologia ao nosso
mundo, existe uma desproporção ontológica (de essência e não apenas de grau) entre as duas
ordens, o que não abole, contudo, a relação. 55 "Aplicação" aqui tem sentido de "inspiração", pois a
Um teólogo russo, Fedorov, declarava: "O dogma da Trindade é o nosso programa social".
Pierre Leroux, que cunhou o termo "socialismo" ( 1 834) e preconizou a democracia, elaborou cm
1 848 um projeto de Constituição política em que as instituições parlamentares refletiriam o mistério
57
da Trindade. Aplicado à sociedade atual, o esquema trinitário permite criticar os dois extremos
simetricamente opostos em que caiu e continua caindo:
• seja o Coletivismo comunista de ontem, que exagerou no principio da unidade e da igualdade,
sem respeitar a diversidade e a singularidade das pessoas. Produziu opressão, violência e morte;
• seja o Capitalismo liberal de hoje, que exagera na diversidade e na individualidade, em
58
detrimento da unidade e da igualdade, produzindo assim exclusão, violência e morte. Uma
sociedade "liberal", individualista e excludente, onde falta à comunhão e participação, é uma
sociedade estruturalmente anti-trinitária: ela peca praticamente contra a SS. Trindade. O modelo
trinitário, ao contrário, inspira a busca de uma sociedade "comunional"1 isto é, uma sociedade
que seja livre (autenticamente "democrática") e ao mesmo tempo igualitária e justa
(verdadeiramente "socialista").
2. Aplicação à I greja
O princípio trinitário da unidade na diversidade vale com maior razão para a Igreja. "O
5
mistério solar da Trindade ilumina o mistério lunar da Igreja" (L. Boff). 9 Segundo o Concílio, a
Trindade é o "modelo supremo e o princípio" da Igreja (UR 2,6). O mesmo Concílio, retomando
ss
Cf Giacomo CANOBBIO, "La Trinttà e la Cbiesa", in La rivista dei clero italiano, 79 ( 1998) 244-253 e 366-379.
56 Cf. L BOFF, A Trindade, a sociedade e a liber tação, Vozes, Petrópolis 1986, esp. pp. 23-29, 33-36, 1 5 1 - 1 5 3 e 'l
186-190; Enrico CAMBÓN, Assim na terra como na Trindade, Cidade Nova, São Paulo, 2000; B. FORTE e N.
SILANES, La SS. Trlnidad, programa social dei cristianismo, Secretariado Trinitario, Salamanca 199; Alam
DURAND, "Implicações políticas da queslão de Deus", in Conc ili um, nº 76 ( 1972/6), p. 761-8; Erik PETERSON, l i
monoteismo come problema polltico, Col. GTD 147, Querin1ana, Brescia 1983, (orig. ai. Munique 1951); Carlos
JOSAPHAT (op), Em nome do Pai, do Filho e do Esplrito Sanro. Comunhão divina, solidariedade humana, Loyola,
São Paulo 2000 (para as "aplicações sociais" da Tnnitolog1a).
57 Cf. J. TOUCHARD, História das idéias políticas, Publ. Europa-Aménca, 1959, p.
n Cf. Karl MARX, O C ap i t a l, 1. Ili, cap. 48: interessante análise críuca da "Trindade econômica" capitalista, analogia
contrafciui da Trindade cristà: 1 ) o Capital (+ lucro e juros), 2) o Solo (- terra i renda) e 3) o Trabalho (+ salário).
59 Cf. L. BOFF, A Trindade, a sociedade..., op. clt., p. 190-192, aqui, p. 1 9 1 ; cf. também pp. 35-37.
25
ti uma bela definição da Igreja de S. Cipriano, diz que a Igreja é "o Povo reunido na unidade do Pai,
do Filho e do ES" (LG 4). S. Jerônimo afirma: "As fontes da Igreja são o Pai, o Filho e o ES".60
Portanto, a Igreja é chamada a ser o ícone vivo ou o sacramento da Trindade na terra. De r
fato, antes de nascer da ação dos homens, a Igreja nasce do coração da Trindade. Podemos dizer,
em base à Lumen Gentium (nº 2-4), que ela é o "sonho do Pai, o poema do Filho e o jardim do
Espírito Santo".
Ora, se a Trindade é o modelo da Igreja e se na Trindade temos a absoluta unidade e a mais
larga diversidade, assim também há de ser na Igreja: aí deve vigorar a máxima unidade e a mais
generosa diversidade - e tudo como obra do amor, que une e ao mesmo tempo diferencia. Quando
na Igreja não se respeita aunidade, cai-se nas divisões e na anarquia das "seitas". Mas também,
quando não se respeitam as diversidades, temos uma igreja monolítica, centralizadora e autoritária.
E em tudo deve reinar a "pericórese", o intercâmbio, a comunhão. �-'-- � •'"'V.......,..
Na verdade, existe hoje na Igreja um déficit de "participação" nas decisões, o que vale dizer:
falta de uma verdadeira "democracia eclesial". Esta é uma exigência da própria fé na Trindade. A
esse propósito prescrevem belamente as Constituições apostólicas (ca. IV séc.):
"Que todos ... reconheçam a cabeça. . . Mas que a cabeça nada faça sem o assentimento de
todos. Assim reinará o concórdia e Deus será glorificado pelo Filho no Espírito Santo"
(cânon 34).
Deste modo, o que dissemos da Sociedade atual, pode-se aplicar também à Igreja instituída,
embora num plano e num grau diferente: também as estruturas sociológicas da Igreja atuaJ são
pouco trinitárias. Pois, enquanto a Sociedade liberal, por excesso de individualismo e pela exclusão
que provoca, peca contra a unidade (o princípio ousiânico), a Igreja instituída de hoje, por causa do
excesso de centralismo, peca contra a diversidade (o princípio hipostático). Mas o bem maior é
sempre a unidade.
3. Outras aplicações
1 . Família. Em Puebla, João Paulo J[ afirmou: Deus "não é uma solidão, mas uma família" (cil.
Doe. de Puebla 582). Escreve ainda: 11A família, que tem início no amor do homem e da mulher,
dimana, radicalmente, do Mistério de Deus".61 Dai que na família cada pessoa deve respeitar e
favorecer a unidade ou a comunhão e ao mesmo tempo cada pessoa deve ser respeitada e
favorecida em sua diferença. E essa lógica pericorética que faz reinar a harmonia.62
3. Ecologia. Porque Deus é relação e comunhão absoluta, assim é também a natureza e assim há de
ser. Ou seja, a ecologia, mostrando que tudo está relacionado com tudo e que mesmo o conflito e o
caos acabam integrados na lógic.a maior da cooperação e da ordem, não só ajuda a entender o
Criador essencialmente como inter-relação interna e externa, mas também a ver na Trindade seu
60 Ap. Oficio divino, 2'. leitura da 13ª. semana do Tempo Comum (vol. 3, p. 392).
61
Carta às família , 1994, nº 8,2.
e.- 11. �
62 Para a relação Trindade e Família, cf. Nicola GlORDANO, A faml l fa, iconc da Trindade, Paulinas, S. Paulo 2000.
Cf. espec. a tese de doutorado defendida em Salamanca por quem haveria de ser o Superior geral dos Filhos da Sagrada
Família, Josep M. BLANQUET, La sagrada faoúlia, icooo de la Trinidad, s.e, Barcelona 1996.
61
Para a trinitologia feminista, cf. Elizabelh A. JOHNSON, Aquela que é. O mistério de Deus no trabalho teológico
feminino, Vozes, Petrópolis, 1995; Maria Clara L. BINGEMER, "A Trindade a partir da perspectiva da mulher", ill
R.EB, 46 (1986), p. 73-99; Ivone GEBARA, Trindade, p alavra sobre coisas velhas e novas. Uma perspectiva
ecofcminista, Paulinas, São Paulo, 1994.
26
modelo supremo. Deste modo, a Triadologia sustenta e inspira a ecologia como saber e como
prática.64
Os divinos Três constituem, não propriamente lei, mas inspiração para as grandes atitudes
que devem orientar nosso comportamento do dia-a-dia. Seguindo o princípio "hipostático",
aprendemos muitas lições práticas de cada pessoa da Trindade:
voltar-se para a alteridade; entregar-se a si próprio, doar-se, dar a vida; tomar a iniciativa do
amor, dar o primeiro passo; dar-se por inteiro, sem·medida; criar vida, inventar, propor.
2 . Do Filho aprende-se como: deixar-se amar; receber; crescer em atenção, silêncio, escuta, '--"'- .,_._._ �
acolhimento e hospitalidade; dizer "sim", consentir; responder; ser grato, agradecer; retribuir o .. � ........,..� .
amor; confiar; obedecer. É a dimensão "feminina" do Filho.
Também para a vida social se podem tirar lições da consideração da "diferença" específica
de cada Pessoa Divina.
1 . O Pai, como "principio sem princípio" (arché anarchós) ou origem absoluta, represenw a
dimensão da ordem (amorosa), da autoridade (como serviço). A figura do Pai divino inspira
uma autoridade benfazeja, um autêntico poder-serviço. É a dimensão de verticalidade de toda
comunidade human<;l. f�
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pai, .
Aplicaçao cntaca: onde nao
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vigora a autoradade serv1ça1 e amorosa do cai-se na confu -
sao,
na desintegração e no caos. É o caso da "sociedade-sem-pai" ou "sociedade de órfãos", como a
nossa.65
Mas também, quando se exclusiviza a figura do Pai , sem articulá-la com a do Filho e do
Espirita, exagerando no . poder, cai-se no extremo oposto: a dominação e a opressão, sob todas as
suas fonnas, inclusive a mais sutil, o paternalismo, quer de corte populista, quer de corte machista
patriarcaJ.
64 Cf. os trabalhos de L. BOFF, espec. Ecologia, mundialização, espiricualidade, Ed. Ácica, S. Paulo 1993, p. 49-50,
onde fala na idéia analógica (do contrário, seria ambígua) da Trindade como "Deus ecológico". O "novo paradigma",
definido JUStamente como comunhão pencorética ou como dialogação de tudo com rudo dentro da comumdade
cosm1ca, está exposto no cap. I de seu livro Ecologia: grico da terra, grito dos pobres, Ed. Ática, S. Paulo 1995, que
saiu também em livreto à parte Princlplo-terra, Ed. Ácica, S. Paulo 1995 (80 pp.). O mesmo A. dá uma slntese de sua
visão ccológ1co-cosmológica cm função da "teologia da libertação" em O pobre, a nova cosmologia e a libertação, m
Luis Carlos SUSIN (org.), Sarça ardente. Teologia na América Latina: prospectivas, SOTER/Paulinas, S. Paulo 2000,
r· 1 s9.201.
5 A expressão "sociedade sem pai" é recorrente nos estudos sociológicos desde os anos 60: vaterlose Gesellschajl (A.
Mitscherlich, 1963), Fatherless America (B. Blankhom, 1995), société sans pêre (A. De Willebois, 1985).
27
2. O Filho representa o princípio da igualdade. Não é ele "con-substancial" ao Pai? Aqui estamos
na dimensão de horizontalidade da sociedade. Nesse nível, o Filho, co-igual ao Pai, inspira uma
sociedade igualitária, justa, solidária.
Aplicação crítica: Onde não reina a igualdade do Filho, ocorre a exclusão por falta de
''comunhão e participação".
Mas também, quando se extremiza o princípio "filial'' da igualdade, dando as costas ao Pai e ao
Espírito, cai-se no igualitarismo, seja em sua forma violenta (como no Coletivismo e no Fascismo),
seja em sua forma branda (como na Globalização homogeinizadora de hoje).
Aplicação critica: Onde não vige o respeito pela subjetividade original e livre das pessoas,
surge a reificação da pessoa, reduzida a peça da máquina social (como sucede tanto no Coleti vismo
como no Capitalismo). Aparece também o monolitismo e a uniformização das posições, assim
como a restrição da liberdade, incluindo a "repressão do religioso".
Mas também, quando se exagera nesse princípio, separando-o dos princípios do Pai e do Filho,
ele produz o individualismo social (como no neoliberalismo), o anarquismo, o fanatismo e a
intolerância (de certos grupos fundamentalistas).
66 Cf. Angelo COMASTRl, Tu és Trindade, Paulinas, São Paulo, 2000; M. Clara L. BINGEMER, Em tudo amar e
servir: mística trinitária e práxis cristã em Santo Inácio de Loyola, Loyola, São Paulo 1990 (tese de doutorado);
Ronaldo MuNOZ, Trindade de Deus Amor oferecido cm Jesus, o Cristo, Paulinas, São Paulo 2002: a parur da
experiência das CEBs. VeJa em particular a original expenência espiritual lrimtána de HERJQUE PEREGRINO DA
TRJNDADE, Peregrinando ao encontro da Trindade. Canas da rua e da estrada, Paulinas, S. Paulo 1997.
67 Cf. o belo livrinho do P. Martinho STOKS, Meu céu na terra, Pauhnas, São Paulo 1955, infelizmente esgotado. Mas
1° Cf. Tomás SPIDLiK, 1 grandi mistici r ussi, Città Nuova, Roma 1987 , esp. pp. 93-99: S. Sérgio de Radonez.
3
Lembrar ainda o conto de Tolstói "Os três eremitas", os quais só sabiam uma curta oração que viviam repetindo: "Ó
vós que sois Três, tende piedade de nós que somos três" (Tria vas, tria nas, pomiliu nas): Leon TOLSTÓI, Onde existe
amor, Deus ai está, Verus, Campinas 2001 , p. 41-54.
71Elisabelh da SS. TRINDAD E, A Trindade que habita em nós, Paulinas, S. Paulo 1980, p. 58. Cf. suns Obras
completas, Vozes, Petrópolis 1993. Cf. também Marie-Michel PHILlPPON, A doutrina espiritual da Ir. Elizahctll
da Trindade, Agir, Rio de Janeiro 1957.
28
Ao coração da Trindade chega-se através da oração, adoração, louvor, meditação, silêncio e
contemplação e, em particular, através das celebrações litúrgicas. Aliás, todo o culto cristão está
perpassado da teologia trinitária. Se prestarmos atenção, veremos o quanto toda a liturgia e a
piedade cristãs trazem as marcas da SS. Trindade, especialmente a Celebração Eucarística, que é
toda estruturada trinitariamente.
Falando mais concretamente, digamos que nas fórmulas sagradas do Sinal da cruz, do
Glória ao Pai e do Credo está contida toda a espiritualidade trinitária:
• No "Em nome do Pai... " nos entregamos nos braços da Bem-aventurada Trindade (''em nome
de" quer dizer: "entregando-me a", "consagrando-me a"), enquanto traçamos, larga e belamente,
sobre nosso corpo e nossa alma o símbolo glorioso da Redenção.
• No "Glória ao Pai..." damos aos Divinos Três nosso louvor gratuito e deslumbrado, enquanto
nos inclinamos profundamente em gesto de homenagem amorosa e adorante ao Mistério eterno
,,
("como era no princípio ) e constantemente presente ("agora e sempre"). 72
• No "Creio cm Deus Pai..." contan1os e cantamos a "história de amor" do Deus tri-uno junto às
suas criaturas: Ele as tirou do nada (o Pai), as salvou (o Filho) e as santificou e santifica (o
Espírito) e aipda levará à plenitude da "vida eterna''. Amém!
72 Cf. L. BOFF, Trindade, sociedade..., op. cit., p. 193-284: long o comentário do "Glória a o Pai".
29
Bibliografia acessível sobre a Trindade
l . MAGISTÉRIO
• Catecismo da Igreja C atólica, Vozes/Paulinas/Loyola/Ave M a ria, 1993, nº 232-267. No Compêndio do CIC, cf.
··sanúss1ma Trindade" no índice analítico.
• DENZINGER-IIÜNERMANN, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral,
P aulmas/Loyola, São Paulo 2007.
• Justo COLLANTES, A fé católica: documentos do Magistério da Igreja, Lumen Chrisli, Rio de Janeiro 2003.
Para a doutnna do Mag1sténo, podem-se consultar também uma das obra sistemátic as ab aixo .
2. OBRAS C LÁSSIC AS
• S to. AGOSTINHO, A Trindade, Col. Patristica 7. Paulus, São Paulo 1994.
• Sto. HILÁRIO DE POITIERS, Tratado sobre a Santíssima Trindade, Col. Patrística 22, P aulus, São Paulo 2005.
• TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, 1, q. 27-43 (em port. Loyola, S. Paulo 2002, vol. [, p. 497-693).
3. OBRAS SISTEMÁTICAS
• Leonardo BOFF, A Trindade, a socied ade e a libertação, Vozes, Petrópo lis, 1986. Estudo na ótica da libcnação,
insistindo nos reflexos da Trindade na vida e organização da Ig rej a e da sociedade.
• Luis F. LADARJA, O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade, Loyola, São Paulo 2005.
• Boaventura Kl:..OPPENBURG, Trindade: o amor de Deus, Vozes, Pet rópolis, 1999. Estudo na linha da doutrina
sólida da Igreja, sem outras "novidades".
• Jürgen MOLTMANN, Trindade e Reino de Deus, Vozes, Petrópolis, 2000. Tratado bem escrito (como �cmpre
nesse teólogo protestante), destacando a Trindade econômica e inclusive social, defendendo a problemática 1dé1a do
•·sofrimento" no coração da Trindade.
• Bruno FORTE, A Trindade como história, Pau línas, São Paulo, 1987. Ênfase na trindade econômica. O autor,
agora arcebispo, é um dos melhores teólogos italianos. É conhecido como tendo "cs1ilo".
• M atias J. SCHEEBEN, A Santlssima Trindade: mistério que não se demonstra (1865), Paulus, São Paulo, 1999
Reflexões profundas de um dos maiores teólogos católicos do séc. XIX, mostrando que a Trindade é mistério de lu:t
que ilumina tudo.
FIM
30