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HISTÓRIA DAS
34 HERESIAS PRIMITIVAS
Sumário
03 u Introdução - Verdade versus Heresia
50 u Capítulo 5 q Pelagianismo
51 Fundamentos do pelagianismo
53 u Referências bibliográficas
“E stas coisas vos escrevi acerca dos que vos enganam.” (1Jo 2.26)
A distorção do ensino cristão não é uma exclusividade de nossa época. Aliás,
em cada período da Igreja se levantaram homens que de uma forma ou outra de-
turparam a mensagem da salvação.
A Igreja primitiva, desde o período apostólico, teve de lidar com este fator.
Além da perseguição externa que buscava levar os cristãos a renegar sua fé, havia
ainda ensinos errôneos que comprometiam a mensagem. Cabia, pois, aos líderes
de cada época, manterem-se firmes contra a perseguição e ao mesmo tempo re-
bater os ensinos heréticos por meio das Escrituras.
Estes falsos ensinos foram, muitas vezes, completamente vencidos, ressurgindo
tempos depois na história da Igreja. Outras vezes, formaram seitas particulares que
duraram anos até se extinguirem por si só. Na verdade, a primeira área desenvolvi-
da dentro do ensino teológico foi a apologética. O primeiro desafio foi defender a
fé diante dos falsos ensinos e mostrar a superioridade do cristianismo sobre as filo-
sofias e religiões vigentes.
Vale lembrar que o Evangelho surge dentro de um contexto cultural, tanto judai-
co, quanto greco-romano e, portanto, era impossível evitar a influência desse contex-
to sobre a mensagem. Era muito fácil para um indivíduo ou grupo, misturar elementos
evangélicos com a filosofia grega, ou com a religião judaica ou mesmo com as “sei-
tas de mistério” existentes na época. O sincretismo predominou inúmeras vezes.
Capítulo
q O período apostólico
1
O período apostólico pode ser considerado, por convenção histórica, como
abrangendo a história da Igreja desde a sua formação no dia de Pente-
coste (At 2), até a morte do apóstolo João, cerca de 90 d.C. Isto significa cerca de
57 anos em que a Igreja se desenvolveu, tendo a supervisão direta ou indireta de
algum apóstolo. Durante este tempo, não foram poucas as vezes em que houve não
só desvios morais, mas também doutrinários entre aqueles que receberam a Palavra.
Isto levou os apóstolos a escreverem suas epístolas, que eram verdadeiros tratados,
com teores doutrinários, teológicos e apologéticos. Não só as epístolas, mas até
mesmo os demais escritos do Novo Testamento apresentam caráter apologético em
algum ponto, visando corrigir inverdades históricas e doutrinárias correntes.
Ao lermos os escritos apostólicos, nem sempre há declarações evidentes sobre
as distorções que o Evangelho estava sofrendo. Mas é bastante evidente que as
epístolas, de uma forma especial, foram motivadas por ideias errôneas entre os des-
tinatários. Poderíamos classificar estes desvios em duas correntes principais. Uma
tinha sua origem no judaísmo, com sua ênfase sobre a lei e as cerimônias. A outra,
era de origem religiosa-filosófica, com profundas raízes no mundo grego.
Estas tendências não morreram juntamente com os apóstolos, mas se desen-
volveram em grandes sistemas como o gnosticismo ou em pequenas seitas como os
ebionitas. Todavia, os escritos apostólicos já haviam erguido os muros da verdade
contra os embaraços das heresias. Mesmo que, algumas vezes na história, falsos
conceitos tenham penetrado na igreja, observamos que aqueles documentos inspi-
rados foram a base para defesa e correção dos desmandos, sempre que alguém se
dispôs a usá-los com coragem e sinceridade. A manutenção da verdade tornou-se
possível, pois conceitos e ideias falsas já haviam sido devidamente rebatidos pelos
escritos neotestamentários. As heresias prosseguiram, mas a verdade também.
Os judaizantes
Ao ler os escritos paulinos, é fácil perceber que este foi um dos piores proble-
mas enfrentados pelo apóstolo. Sua insistência na salvação pela graça à margem
da lei mosaica, valeu-lhe a inimizade de pregadores com fortes raízes judaicas.
Para atacar Paulo, estes opositores buscavam invalidar sua autoridade apostóli-
ca, uma vez que ele não fazia parte dos doze. Por consequência, ele se via obri-
gado a defender não apenas o Evangelho que pregava, mas também sua própria
autoridade.
Dos escritos mais significativos sobre este debate, temos a epístola aos Gálatas.
Nesta, ele defende tanto sua autoridade apostólica, quanto combate elementos
judaizantes que estavam se introduzindo nas igrejas daquela região. Definitivamen-
te, ele exorta os seus destinatários cristãos a não aceitarem “outro evangelho” sob
pena de maldição (Gl 1.8,9). Em seguida, faz toda uma defesa de seu apostolado
e suas relações com os apóstolos em Jerusalém (Gl 1.11-20).
Ao ler os capítulos seguintes, podemos ter uma ideia das heresias judaizantes
que estavam para ser introduzidas ali. O tom da carta é severo, pois caso estas
heresias não fossem rejeitadas, o cristianismo não seria mais do que um judaísmo
com um Messias. E Paulo sabia muito bem que não se tratava disto. Em meio aos
elementos judaicos existentes entre eles, podemos identificar:
A prática da circuncisão
E
m Atos 17.18 vemos Paulo debatendo com os epicureus e estóicos, duas das
principais correntes filosóficas do mundo greco-romano. Era difícil impedir
que estas correntes de pensamento viessem a influenciar a doutrina cristã. Parece
que, na epístola de Paulo aos colossenses, podemos ver alguns movimentos heréti-
cos surgindo. Lemos sobre:
O cuidado com palavras persuasivas (Cl 2.4);
As filosofias, vãs sutilezas, tradição dos homens e rudimentos do mundo que
são opostos a Cristo (Cl 2.8);
A guarda dos sábados e dias de festas, questões alimentares (Cl 2.16);
O culto aos anjos e falsas visões (Cl 2.18);
E, finalmente, o ascetismo1 (Cl 2.20-23).
1
Moral filosófica ou religiosa, baseada no desprezo do corpo e das sensações corporais, e que tende a assegurar, pelos
sofrimentos físicos, o triunfo do espírito sobre os instintos e as paixões.
O apóstolo mostra Cristo como sendo aquele sobre o qual estamos edificados e
enraizados (Cl 2.7); Cristo como a realidade representada nas festas (Cl 2.17) e todo
ascetismo como sendo de nenhum efeito contra a cobiça da carne (Cl 2.20-23). Esta
é uma pequena amostra de como o Evangelho sofria ataques doutrinários desde as
suas raízes.
A questão da ressurreição
Um dos problemas enfrentados por Paulo entre os cristãos de Corinto foi a ques-
tão da ressurreição. Este era um conceito estranho à cultura grega e logo não
tardou quem colocasse a ressurreição de Cristo como algo duvidoso. O capítulo
quinze da primeira epístola aos coríntios é um verdadeiro tratado apologético da
ressurreição, visando combater essa heresia.
Sem este maravilhoso capítulo paulino, com certeza perderíamos este precioso
material expositivo sobre um dos pontos centrais do Evangelho. Mais tarde, Paulo
expõe novamente o conceito de ressurreição aos coríntios (2Co 5.1-10). Era impor-
tante que esta verdade não se perdesse, pois faz parte do cerne do Evangelho.
Gnosticismo embrionário
E
mbora o gnosticismo tenha se desenvolvido plenamente após o período
pós-apostólico, encontramos vestígios do mesmo por meio de algumas epís-
tolas, principalmente as de João, embora em alguns escritos paulinos possamos
perceber o mesmo também, bem como em outros escritos.
2
Necrose de tecidos causada por defeito na contribuição de oxigênio pelo sangue, seguida de decomposição e apo-
drecimento.
Quando começamos a ler a respeito desta heresia nos tempos posteriores, logo
percebemos que muito do que foi escrito teve como propósito rebater estas falsas
doutrinas. Isto foi de grande valia, pois quando o gnosticismo se desenvolveu em
um sistema complexo, os pais chamados apostólicos dispunham dos escritos inspi-
rados para desmascarar a falsidade desse sistema.
Alguns líderes da Igreja primitiva fizeram retroceder a doutrina gnóstica até Si-
mão Mágico, personagem citado em Atos 8, que teve uma falsa conversão e que
tinha profundas raízes na magia grega. Não é possível confirmar essa afirmação
pelos escritos do Novo Testamento, mas faz parte das tradições da Igreja primitiva.
Eusébio de Cesareia, o grande historiador da Igreja no século IV, apoiando-se em
outro historiador (Hegesipo), coloca a origem do gnosticismo em seitas judaicas.
Ainda outros apontaram para a filosofia grega. É bem possível que se tratasse de
um sincretismo que utilizou elementos religiosos-filosóficos de diversos grupos.
Paulo, em sua primeira carta a Timóteo, diz para este evitar conversas vãs e pro-
fanas e as oposições “da falsamente chamada ciência (gnose)” (1Tm 6.20). É bem
possível que certas ideias gnósticas já circulassem neste período.
Entretanto, o principal tratado contra o gnosticismo se encontra nas epístolas
joaninas. O ponto central é quanto à encarnação do Verbo. Os gnósticos em sua
aversão à matéria, não podiam conceber um Salvador de carne e osso. A matéria
era má e, portanto, Jesus não poderia ter vindo em carne. Neste aspecto havia
duas saídas: ou ele não teve um corpo verdadeiro, mas era puro espírito, ou se fazia
distinção entre Jesus e o Cristo, sendo que este último desceu sobre o homem Jesus
no dia de seu batismo.
Pelo que podemos deduzir de 1João 2.26, havia grupos começando a distor-
cer a mensagem do Evangelho. Pelos versículos 18 e 19 podemos perceber que
estas pessoas já haviam participado do cristianismo de alguma forma e agora co-
meçavam a propagar falsos ensinos. Em 1João 4.1-5 parece haver um grupo com
estas características. João classifica-os como “anticristos” e falsos profetas. Em sua
segunda epístola ele insiste no mesmo ponto, dizendo que “muitos enganadores
entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este
tal é o enganador e o anticristo.” (v. 7). Mesmo no evangelho de João, a questão
da encarnação do Verbo (Jo 1.14) também é uma refutação à doutrina gnóstica.
Nicolaítas
Este é um termo que aparece nas cartas do Apocalipse por duas vezes e por
isso ganhou a atenção dos estudiosos das heresias primitivas. Se considerarmos o
ano 90 d.C. como data provável para o livro do Apocalipse, então já temos aqui
uma seita bastante desenvolvida, mas de difícil identificação. O Novo Testamento
fala em “obras dos nicolaítas” (Ap 2.6) e em “doutrina dos nicolaítas” (Ap 2.15) o
que dá a entender um grupo organizado com práticas e doutrinas.
Temos uma referência de Irineu sobre o assunto: “Os nicolaítas têm por mestre
Nicolau, um dos sete primeiros diáconos que foram constituídos pelos apóstolos.
Vivem sem moderação. O Apocalipse de João manifesta plenamente quem são:
ensinam que a fornicação e o comer das carnes oferecidas aos ídolos seja coisa
indiferente”.
Embora combatido, este movimento herético conseguiu sobreviver até por vol-
ta do ano 200, quando então se dissolveu em um tipo de gnosticismo denominado
Ofita , ligado ao culto às serpentes.
Como podemos ver, o desenvolvimento de certas heresias a partir da doutri-
na cristã foi bastante amplo. Esse seria o segundo desafio que a Igreja do próxi-
mo período teria de enfrentar. O primeiro era a perseguição. O risco de perder a
identidade em meio a tantos desvios diferentes era grande. Mas a Igreja reagiu
nos momentos certos e se não conseguiu refrear completamente certos elementos,
conseguiu firmar sua doutrina de modo coerente, deixando fundamentos que mais
tarde possibilitariam o renascimento do cristianismo bíblico no século 16.
Ebionitas
Influência do judaísmo
Tal qual os judaizantes da época de Paulo, os ebionitas insistiam na guarda
da lei de Moisés, não só para si, mas para todos os que se convertessem entre os
gentios. Como consequência disso, rejeitavam os escritos paulinos e se recusavam
a aceitar suas epístolas.
A cristologia do ebionismo
Os ebionitas rejeitaram completamente a divindade de Cristo. Colocavam-no
no mesmo nível dos demais profetas do Antigo Testamento. Ele nada mais era do
que o novo Moisés. Negavam sua preexistência, sua encarnação e seu nascimento
virginal. Em seu conceito, embora ele fosse o Messias, era puramente humano. So-
mente no batismo ele foi ungido como o Messias, ou seja, adotado como Filho de
Deus. Jesus era para eles um judeu, fiel, piedoso, profeta e mestre inigualável.
O ebionismo não durou mais que 350 anos. Logo se dividiu em diversas seitas e
desapareceu sem deixar qualquer marca forte na teologia cristã. Todavia, exerceu
forte influência sobre a teologia islâmica e não é difícil enxergar semelhanças entre
o pensamento islâmico e o pensamento ebionista.
Capítulo
q Gnosticismo e Montanismo
2
F
oi uma das piores doutrinas inimigas do cristianismo. Embora existissem vá-
rias correntes diferentes de gnosticismo, todas elas foram influenciadas pelo
neoplatonismo e pelo pensamento grego em geral. Segundo o historiador Edward
Gibbon, havia mais de 50 grupos gnósticos diferentes. Não podemos chamar o
gnosticismo de seita ou religião. O mais correto seria classificá-lo como uma corren-
te de pensamento, dividida em vários sistemas e escolas. Ao que parece foi uma
das primeiras heresias cristãs visto que, conforme a opinião de alguns, os escritos
do apóstolo João foram concretizados visando combater essas ideias errôneas a
respeito de Cristo.
Podemos classificar o gnosticismo como a tentativa racionalista grega, de in-
cluir o cristianismo em um sistema filosófico-religioso, com forte predominância do
elemento cognitivo3. Em outras palavras, embora a fé fosse o elemento primordial
no cristianismo apostólico, este movimento tratou de transformar o conhecimento e
a sabedoria em elemento-chave, bem ao sabor da cultura grega.
Literatura gnóstica
3
Aquisição de um conhecimento.
Dualismo da natureza
O Deus criador
Pelo fato de o mundo físico ser mal, ele não poderia ter sido criado por um Deus
bom. Logo, a criação não foi obra do Pai de Jesus Cristo, o Deus do Novo Testamen-
to, mas foi obra do Deus judaico, que se revela no Antigo Testamento. Esse “deus”
criador foi chamado de Demiurgo, um Deus inferior uma vez que era o criador da
matéria. Também por causa disto, o gnosticismo era contraditório a tudo o que
dizia respeito ao Antigo Testamento, rejeitando a lei e ensinando que o homem se
libertava dela adquirindo “percepções superiores”.
A soteriologia do gnosticismo
Os éons mais elevados teriam dado origem a Cristo e ao Espírito Santo. A tare-
fa de Cristo seria livrar as almas dos homens de seu cativeiro no mundo material e
trazê-las de volta ao mundo dos espíritos. Este era o conceito gnóstico de salvação
– um retorno das almas do mundo material, onde tinham caído e sido aprisionadas,
para o mundo espiritual.
Mas esta salvação só era possível por meio da percepção superior ( gnosis ).
Era um tipo de sabedoria esotérica que proporcionava conhecimento relativo ao
pleroma ou mundo superior espiritual e ao caminho que conduzia para lá. Nem
todos podiam alcançar esta salvação, apenas os chamados pneumatólogos, que
possuíam o poder necessário para receber este conhecimento. Os que não eram
capazes disso, eram classificados como materialistas. Alguns gnósticos criaram uma
classificação intermediária chamada de “psíquicos”, na qual os cristãos eram ge-
ralmente inclusos.
A grande refutação dos polemistas (pais da igreja que combateram esse e
outros tipos de heresias), era que os gnósticos excluíram a fé do seu sistema, substi-
tuindo-a por um conhecimento pertencente a um pequeno grupo seleto.
A cristologia do gnosticismo
A posição gnóstica a respeito de Cristo recebeu o nome de “docetismo”, pa-
lavra originária do grego dokeo, que significa parecer. Como a matéria era má,
Cristo não podia ter um corpo humano apesar de a Bíblia dizer o contrário. Como
“bem” espiritual absoluto, Cristo não se misturava com a matéria. O homem Jesus
era ou um fantasma com aparência de corpo material ou o Cristo tomou seu corpo
por ocasião do batismo e o deixou no começo de seu sofrimento na cruz.
Gnosticismo e Cristianismo
Embora existisse uma grande diferença entre cristianismo e gnosticismo, este to-
mou vários conceitos daquele e atribuiu características diferentes. Cristo, por exem-
plo, era considerado como salvador, por ter ele trazido conhecimento salvífico ao
mundo. Mas este Cristo não era o Filho de Deus que encarnou, mas uma essência
espiritual que havia emanado. Este Cristo não podia ter assumido a forma de ho-
mem, uma vez que então seria matéria e consequentemente seria mal. Ele apenas
parecia ter corpo físico. E da mesma forma ele não sofreu nem morreu, visto ser isto
característica da matéria. Este ensino foi chamado de docetismo (ver a seguir).
O sacrifício de Cristo na cruz não tinha importância alguma dentro do sistema
gnóstico. Ele foi apenas o transmissor daquele conhecimento de que o homem precisa
para iniciar sua jornada de volta ao reino da luz – a jornada em direção ao pleroma.
O gnosticismo utilizava certos mistérios que lhe eram característicos. Tomou em-
prestado do cristianismo o batismo e a Ceia do Senhor de formas deturpadas. Além
de vários ritos sagrados de natureza similar. Por meio deles, os gnósticos diziam rece-
ber os segredos da salvação. Eram fórmulas místicas que segundo eles os protegiam
e lhes davam forças para vencer o mal e caminhar nesta jornada ao pleroma.
Gnosticismo e ética
Cerintianismo
A ntiga religião que recebeu o nome de seu fundador, Cerinto (por volta de
100 d.C.), primeiro mestre gnóstico, judeu de raça. Gnóstico cujas ativida-
des se intensificaram no fim do primeiro século. Segundo Irineu de Lião, ele ensinava
que não foi Deus quem fez o mundo, mas uma Virtude ou Potência separada por
uma distância considerável da Suprema Virtude. E também ensinava que Jesus não
nasceu de um virgem, mas foi simplesmente produto de uma relação normal entre
José e Maria. Foi somente no seu batismo que um Princípio Superior veio sobre ele
em forma de pomba. Antes de Jesus morrer o Cristo se retirou dele e depois reapa-
receu impassível, visto ser apenas um espírito.
Maniqueísmo
A ntiga religião que recebeu o nome de seu fundador, o sábio persa Mani,
ou Manes ou ainda Maniqueu (216 –276). Ele acreditava que um anjo lhe
havia aparecido e o nomeara profeta de uma nova e última revelação. Pregou
por todo Império persa, inclusive enviou missionários ao Império romano. Foi preso,
acusado de heresia e morreu pouco tempo depois.
O maniqueísmo reflete uma forte influência do gnosticismo. Sua doutrina ba-
seia-se em uma divisão dualista do Universo, na luta entre o bem (Deus) e o mal
(Satã). Esses dois âmbitos estavam separados, porém a escuridão invadiu a luz e se
mesclaram. A espécie humana é o produto desta luta. Com o tempo, poder-se-ia
resgatar todos os fragmentos da luz divina e o mundo se destruiria; depois disso, a
luz e a escuridão estariam novamente separadas para sempre. É difícil não notar a
forte influência do zoroastrismo nos conceitos estabelecidos por Mani.
Podemos dizer que era uma combinação do pensamento cristão, do zoroastris-
mo e de ideias religiosas orientais. Em muitos pontos se assemelhava a outros ramos
do gnosticismo. Seu ascetismo, por exemplo, era extremo, exaltando o celibato
como a maior das virtudes.
Os maniqueístas dividiam-se em duas classes: os eleitos, celibatários rigorosos,
eram vegetarianos e se dedicavam somente à oração; e os ouvintes, cuja esperan-
ça era voltar a nascer convertidos em eleitos.
O maniqueísmo exerceu influência durante um bom tempo após a morte de
Mani. Agostinho por exemplo, no século IV, foi discípulo deles por 12 anos, pois esta
seita era bastante numerosa na África. Agostinho se viu atraído por eles, devido à
sua explicação racional do mundo, bem como pelo seu código moral ascético,
que temporariamente lhe ofereceu uma solução para os seus problemas espirituais.
Com o tempo, o caráter fraudulento da doutrina maniqueísta foi se tornando evi-
dente para Agostinho, até que decidiu deixá-la. Depois de sua conversão, porém,
trabalhou arduamente para refutá-los.
Dizia que sua intenção era purificar o Evangelho de coisas que ele considerava
alheias a este. Neste sentido, fez uma separação radical entre lei e Evangelho. Como
consequência, manifestou forte tendência antijudaica. Tudo o que se referisse aos
judeus de forma boa, foi por ele rejeitado. Logo, acabou caindo em certas ideias
predominantemente gnósticas. Não é difícil imaginar porque a teoria dos dois deu-
ses, um do Novo e outro do Antigo Testamento, foi bastante atraente para Marcião.
O Deus do Novo Testamento era um Deus de amor, que se manifestou entre os
homens através do Cristo. Todavia, seu conceito cristológico era ainda carregado
de gnosticismo. Por ser ele distinto do Criador, não podia ter carne humana seme-
lhante à nossa. Logo sua cristologia foi docética, embora ele acreditasse no valor
redentor de sua morte. Neste ponto ele tornou-se um pouco confuso.
Embora o Deus de Marcião fosse excessivamente bom, diferente do Deus da
Antiga Aliança que manifestava ira, ele ensinou uma moralidade extremamente
ascética. Condenou o matrimônio e ensinava que só uma vida regida por estes
princípios poderia libertar o homem do demiurgo, o Deus criador.
Chegou a Roma por volta do ano 140 d.C. Ao ser expulso da congregação
local por causa de suas ideias, organizou sua própria igreja, que em pouco tempo
cresceu consideravelmente. Vestígios dessa organização ainda puderam ser en-
contrados em vários lugares até mesmo no século VI.
Saturnino
Apareceu na Síria no início do segundo século. Seu gnosticismo possuía forte
influência oriental
Basilides
Foi o líder do gnosticismo egípcio por volta do ano de 125 d.C. Era um gnosticis-
mo bastante filosófico, de forte influência grega. Sua teoria docética era ainda mais
estranha. Ele sugeriu que Simão Cireneu foi crucificado no lugar de Cristo e assim Je-
sus escapou da morte na cruz. Insistia que a salvação só se referia à alma e o corpo
é naturalmente incorruptível. A lei não foi mais do que um produto de Moisés. Sua
ética pendeu para a sensualidade, uma vez que as questões da matéria são indife-
rentes. Por isso chegou até mesmo a aceitar o sacrifício aos ídolos como permitido.
Valentino
Foi o líder da corrente romana do gnosticismo. Pregou em Roma de 135 a 160
d.C.. Podemos dizer que ele propagou a versão clássica do gnosticismo. O livro II da
obra de Irineu, Adversus Haereses (Contra as Heresias), que versa sobre a existência
de um demiurgo distinto de Deus, foi escrito para responder às heresias de Valentino.
Os pais antignósticos
Irineu
Nasceu na Ásia Menor e foi aluno de Policarpo em sua juventude, que por sua
vez havia sido discípulo do apóstolo João. Tornou-se bispo de Lyon em 177 d.C.,
permanecendo ali até a morte. De seus escritos, apenas dois chegaram até nós.
Um deles Adversus haereses , ou seja, Contra as Heresias. Restam desse escrito um
fragmento do original grego e uma tradução latina. O segundo escrito, Epideixis ,
apresenta as doutrinas básicas da “proclamação apostólica”. Para ele, a Bíblia era
a única fonte de fé, o que o tornou um teólogo verdadeiramente bíblico.
Este apego à Bíblia ia contra as afirmações gnósticas, que baseavam suas afir-
mações em revelações de sabedoria oculta independentes das Escrituras Sagra-
das. Tendo isto em conta, vemos que as fontes para o conhecimento da verdade
divina para um e outro eram muito diversas. Irineu colocava o Antigo e o Novo
Testamento como regra de fé e referia-se à Igreja na pessoa de seus líderes como
guardiã da fé apostólica, em oposição aos gnósticos que não tinham fundamen-
tação histórica para suas afirmações. Para Irineu, a salvação se realizava dentro
do processo histórico, primeiramente com a encarnação do Verbo e depois com a
ressurreição no final dos tempos, enquanto a salvação gnóstica se realizava tirando
o homem do contexto temporal.
Tertuliano
Este seu envolvimento na refutação dos gnósticos condicionou bastante sua te-
ologia. Isto se vê principalmente em sua oposição à filosofia. Diferente de Irineu e
outros pais apostólicos, ele rejeitou a filosofia grega como algo nocivo ao verdadeiro
cristianismo, visto esta estar por trás das deturpações gnósticas. Isso fica claro nesta
declaração: “Que tem Atenas a ver com Jerusalém? Que tem a academia (grega) a
ver com a Igreja? [...] Nossa doutrina flui da sala de pilares de Salomão que aprendera
que é preciso buscar o Senhor com inocência de coração [...] Os gnósticos vão além
da fé na sua sabedoria. O cristão pelo contrário, adere à fé simples que é revelada
nas Escrituras e preservada pela tradição apostólica. Nada conhecer em oposição à
regra de fé é conhecer todas as coisas” (De praescriptione Haereticorum, 14).
O que pesou contra Tertuliano foi o fato de o mesmo ter, em determinado tem-
po, se unido ao montanismo, movimento considerado herético. Até hoje não foram
encontradas explicações satisfatórias para esse deslize, mas talvez o caráter místi-
co o tenha atraído, visto que, como podemos perceber, ele nutria forte aversão à
filosofia grega.
Hipólito
Foi bispo em Roma. Sua obra mais famosa intitula-se Philosophoumena ou “Re-
futação de todas as heresias”. Trata-se de um apanhado enciclopédico das ideias
filosóficas que derivaram dos filósofos naturalistas gregos, de vários conceitos mági-
cos e religiosos de sua época, bem como outras heresias eclesiásticas que a seu ver
tinham raízes na filosofia grega. Foi um importante apanhado sobre as diversas es-
colas então existentes. O material polêmico enfocou especialmente os gnósticos.
Montanismo
A posição da Igreja
Capítulo
q Monarquianismo e Arianismo
3
Q uem foi, teologicamente, Jesus de Nazaré? A natureza do Filho de Deus
esteve em questão, logo nos primeiros séculos da Era Cristã. Ele era o
próprio Deus aqui na Terra ou um mero subordinado? Sua natureza era divina ou
humana?
Ao contrário do que muitos pensam este assunto é vital para o entendimen-
to do cristianismo. Uma definição falsa sobre a natureza de Cristo comprometeria
toda a mensagem de salvação.
Devemos lembrar as palavras do apóstolo Paulo: “E até importa que haja entre
vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós” (1Co 11.19).
Sempre foram as falsas afirmações sobre o Evangelho que obrigou a Igreja a se
posicionar de forma clara e definitiva. Sem este processo que houve através dos sé-
culos II e VI, ficaria uma grande lacuna e incerteza acerca de assuntos tão vitais.
A controvérsia monarquianista
Monarquianismo dinamista
O primeiro representante do chamado monarquismo dinamista foi o curtidor Teo-
doto, que chegou a Roma, vindo de Bizâncio em 190 d.C., fugindo da perseguição.
Em geral, negava por completo a divindade de Cristo. Julgava-o superior aos
outros homens, somente pela sua justiça. Em sua concepção, Jesus foi como os
demais homens até o tempo do seu batismo, quando então o Cristo veio sobre ele
como um poder e começou a atuar. Logo, o elemento divino que estava em Cristo
era apenas um poder outorgado por Deus. Por isso este tipo de monarquismo rece-
beu o nome de “dinamista” (do grego dynamus = poder). O bispo de Roma, Vítor,
excomungou Teodoto por esta heresia.
Paulo de Samósata
Entretanto, o mais destacado defensor desta posição foi Paulo de Samósata.
Ele acumulava as funções de bispo de Antioquia e de importante autoridade políti-
ca no governo de Zenóbio, rainha de Palmira, por volta do ano de 260 d.C. Era um
demagogo. Buscava na Igreja de Antioquia aplausos e acenos. Chegou mesmo a
organizar um coro feminino para cantar louvores a ele mesmo. Sua fortuna sempre
esteve sob suspeita, uma vez que não recebera nenhuma herança.
Paulo de Samósata ensinava que Cristo não era mais que um mero homem,
que pela justiça e penetração do seu ser pelo divino Logos alcançou a divindade
e o caráter de salvador. Isto não o fazia divino, apenas lhe conferia qualidades di-
vinas. Sua concepção era de que o Filho foi um simples homem e o Espírito Santo
nada mais era do que a graça derramada nos apóstolos.
Monarquianismo modalista
Noeto não negava a divindade de Cristo, porém negava a distinção das pes-
soas. Para ele, o Pai e o Filho eram a mesma pessoa. Eram apenas “modos” diferen-
tes pelo qual a divindade se manifestava – por isso o nome de “modalismo”. Para
ele, era a mesma coisa dizer que o Pai sofreu ou que o Filho sofreu, pois apenas os
nomes eram diferentes, a pessoa era a mesma. Praxeas tentou atenuar um pouco
esta posição, dizendo que o Pai sofreu com o Filho, mas sua posição também foi
rejeitada. Tertuliano chamou esta posição também de “patripassionismo”.
Sabélio
Entretanto, o principal representante desta escola foi Sabélio, que viveu em
Roma por volta de 215 d.C. Daí o nome de sabelianismo ser aplicado a esta heresia.
Ele desenvolveu de forma mais ampla e minuciosa esta doutrina herética. Afirma-
va que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um; são uma única substância, isto é, só
podem ser distinguidos um do outro, pelo nome. Foi atribuída a ele a frase: “Deus,
com respeito à hipóstase (natureza) é um, mas foi personificado nas Escrituras de
várias maneiras segundo a necessidade do momento”. Sendo assim, ele não ape-
nas acreditava que a substância das três pessoas da Trindade era uma só, mas
também que as três pessoas são a mesma.
Isto não quer dizer que ele ensinasse que Deus é o Pai, o Filho e o Espírito Santo
ao mesmo tempo. Eram formas de manifestação diferentes em tempos diferentes.
Eram distintas apenas em modo e tempo e não como pessoas. Era uma posição
bem semelhante ao unicismo moderno.
A controvérsia ariana
Raízes do conflito
Ário foi discípulo de Luciano de Antioquia, bispo que já estivera envolvido com
outros falsos conceitos cristológicos. Ele foi ordenado sacerdote e encarregado
pelo bispo de Alexandria da Igreja de Baucalis. Aparentemente, ele era uma pes-
soa carismática e atraiu tantos seguidores devotos que desafiou abertamente o
bispo alexandrino a respeito da sua teologia sobre Cristo e a Trindade, e muitos
cristãos de Alexandria tomaram o seu partido.
Baseando-se em um texto isolado de Provérbio 8.22, em que diz que Deus “criou”
a sabedoria desde o princípio (a tradução mais aceita, seria “possuiu”) e identifican-
do a sabedoria com o Logos, Ário classificou o Filho como sendo uma mera criatura,
ainda que fosse a maior das criações de Deus. Desejando evitar uma posição que
parecesse um politeísmo, ele acabou negando a divindade do Filho de Deus.
Seu credo foi assim expresso: “O Filho não existiu sempre, pois quando todas as
coisas emergiram do nada e todas as essências criadas chegaram a existir, foi en-
tão que o Logos de Deus procedeu do nada. Houve um tempo em que ele não era
( een pote hote ouk een), e não existiu até ser produzido, pois mesmo ele teve um
princípio quando foi criado. Pois Deus estava só e naquele tempo não havia nem
Logos nem sabedoria. Quando Deus decidiu criar-nos, produziu, em primeiro lugar,
alguém que denominou Logos e Sabedoria e Filho, e nós fomos criados por meio
dele” (Atanásio, Orationes contra Arianos, I, 5).
O bispo Alexandre era, segundo se relata a seu respeito, um bispo meigo e to-
lerante, que não tinha prazer nos conflitos, mas que finalmente resolveu responder
às críticas de Ário a respeito de Deus e de Jesus Cristo, tentando corrigi-lo por meio
de correspondências e sermões, e quando essas coisas mais brandas não surtiram
efeito, convocando um sínodo de bispos em Alexandria a fim de examinar as opini-
ões de Ário e de tomar uma decisão sobre sua ortodoxia ou a falta dela.
Alexandre convocou um sínodo que se reuniu em 318 d.C., com cerca de cem
bispos de vários lugares do lado oriental do Império. Alexandre acusou Ário de res-
suscitar a heresia de Paulo de Samósata, negando a Trindade e a divindade do
Filho. Para o bispo, esta negação comprometia a salvação, uma vez que segundo
esta heresia aquele que efetuara a salvação não era o próprio Deus.
Ário respondeu na mesma altura, alegando que era impossível a Divindade e a
humanidade se unirem em um único ser.
Os cento e tantos bispos reunidos em Alexandria condenaram Ário e seus ensi-
nos a respeito de Cristo como heréticos e o depuseram de sua condição de presbí-
tero. Ele foi obrigado a deixar a cidade, mas não considerou o assunto como encer-
rado. Foi refugiar-se com seu amigo, Eusébio da Nicomédia, que nesta época já era
um bispo importante e o recebeu amigavelmente. Juntos começaram um trabalho
de persuasão, correspondendo-se com os bispos que não fizeram parte do sínodo.
Esta extensa correspondência se perdeu, não restando senão aquilo que se
pode retocar dos escritos de seus oponentes. Ário também pretendia escrever uma
grande obra em verso, chamada de Thalia (Banquete), de fácil recitação para os
simples. Uma de suas declarações típicas referentes à relação entre o Pai e o Filho
declara o seguinte:
“E Cristo é o Verbo de Deus, mas por participação [...] até ele foi feito Deus [...]
O Filho não conhece o Pai com exatidão e o Logos não vê o Pai com perfeição e
ele não percebe o Pai com exatidão e nem o Logos o compreende; isto porque ele
não é o verdadeiro e único Logos do Pai, mas somente em nome ele é chamado
Logos e Sabedoria, e pela graça é chamado Filho e Poder”.
Como vemos, sua noção do Logos envolvia profundas questões filosóficas e es-
tava em clara oposição ao que Jesus disse com respeito ao relacionamento entre
o Pai e o Filho em Mateus 11.27.
Ário, contraditoriamente, reconhecia três seres divinos (Pai, Filho e Espírito San-
to), sendo que somente um deles é verdadeiro Deus. Continuou, na sua profissão
de fé, afirmando que somente o Pai é sem princípio e que o Filho, embora criatura
grandiosa que compartilha de muitos atributos de Deus, não existia antes de ser ge-
rado pelo Pai. Era uma posição um tanto ambígua para quem pretendia defender
a Unidade de Deus, pois neste caso o Filho seria uma espécie de semi-deus, o que
era completamente contrário à doutrina cristã.
Quando Alexandre, bispo de Alexandria, soube das maquinações de Ário, es-
creveu para o bispo de Roma, Silvestre, a fim de que este se resguardasse das da-
nosas heresias de Ário e se esforçasse em combatê-lo. Para combater as heresias
arianas, escreveu um trabalho intitulado Deposição de Ário, em que buscava expli-
car os motivos de sua excomunhão. Exortava a que ninguém o recebesse, pois se
tratava de um herege com o qual ninguém deveria ter comunhão.
Em sua exposição dos falsos ensinos de Ário, Alexandre fez um resumo de seu
erro teológico que bem sintetiza o arianismo:
“E as novidades que inventaram e publicaram contra as Escrituras são as seguin-
tes: Deus não foi sempre o Pai, mas houve tempo em que Deus não foi Pai. O Verbo
de Deus não existiu sempre, mas se originou de coisas que não existiam; porque o
Deus que existe, fez aquele que não existia, a partir daquele que não existia; portan-
to, houve tempo em que ele não existia; pois o Filho é uma criatura e uma obra. Ele
não é igual ao Pai em essência, não é o verdadeiro e natural Logos do Pai e nem é
sua verdadeira Sabedoria; mas ele é uma das coisas feitas e criadas e é chamado
Verbo e Sabedoria por um abuso de termos, pois ele mesmo se originou do verda-
deiro Verbo de Deus, e pela Sabedoria que existe em Deus, mediante o qual Deus,
não apenas criou todas as coisas, mas ele também. Portanto ele é, por natureza,
sujeito a mudanças e variações, assim como todas as criaturas racionais”.
Para termos ideia da contaminação e do entusiasmo que suscitaram as ideias
de Ário, basta pensar que tudo se deu no prazo de um ano: Palestina, Síria, Ásia
Menor, Egito estavam tomados por suas ideias, surgindo uma comunidade ariana
ao lado da Igreja ortodoxa.
Bispos reunidos num sínodo em Cesareia da Palestina puseram-se ao lado de
Ário e o autorizaram a reassumir suas funções sacerdotais em Alexandria. Alexandre,
porém, recusava-se a aceitá-lo, novamente, em sua diocese. Incentivado por seus
adeptos, Ário desembarcou em Alexandria. Sua chegada provocou grande agita-
ção, pois molineiros, marinheiros, viajantes, mercadores, camponeses e o povo mais
simples cantavam suas canções pelas ruas e praças. O arianismo tornou-se então,
uma questão popular.
Não era nada agradável ver os bispos tornarem-se inimigos devido a questões me-
tafísicas a respeito de Deus.
Para resolver a questão e temendo que esta fosse provocar um cisma dentro
do Império, o imperador Constantino convocou um concílio na cidade de Niceia,
que pudesse resolver de forma definitiva essa controvérsia. Reunindo cerca de 318
bispos, tanto do Oriente quanto do Ocidente, este Concílio marcou para sempre
a história da Igreja. Era um acontecimento até então único dentro da história da
Igreja. Os líderes cristãos, até então perseguidos e martirizados por Roma, eram
agora convocados pelo próprio imperador e às custas do mesmo, para resolverem
questões relativas à fé cristã.
Constantino escolheu esta cidade (Niceia) porque já há muito estabelecera
residência nela, pois a nova capital do Império, Constantinopla, estava sendo cons-
truída. Dali ele administrava as questões do Estado e da Igreja. Havia trazido gran-
de número de súditos e conselheiros, estando assim cercado por toda a sua corte.
É importante destacar o fato de que até mesmo o bispo da cidade de Niceia,
Teogno, estava inclinado à causa de Ário, principalmente devido à influência de
Eusébio da Nicomédia. Com isto, é possível perceber que o conselho já estava de
certa forma dividido mesmo antes do entrave. A questão estava demasiadamente
arraigada em meio ao povo e a Igreja para poder ser resolvida de forma definitiva
em um único concílio.
Embora Eusébio de Cesareia tivesse feito um relato do Concílio, não temos
informações detalhadas das atas e relatórios do mesmo. Ao que parece, Constan-
tino estava assentado em um trono acima da sala onde os bispos se reuniam e dali
intervia como mediador quando julgava que isto era necessário. Esta atitude desa-
gradou alguns bispos, ao ver o imperador se intrometendo em questões que para
eles não eram da alçada do poder temporal. Mas o imperador não pensava desta
forma e com certeza os bispos não ousariam desafiá-lo.
O Concílio durou cerca de dois meses e tratou de muitas questões que confron-
tavam a Igreja. Cerca de vinte decretos diferentes foram promulgados, que trata-
vam de diversas questões, que iam desde deposição de bispos relapsos até a or-
denação de eunucos. Também foi em Niceia que foi concedido ao bispo de Roma
uma posição de liderança para a Igreja do Ocidente, mostrando que esta posição
não era originada da época apostólica e mesmo assim, nem mesmo agora, incluía
as Igrejas do Oriente, que passaram a ser regidas pelo bispo de Alexandria, o bispo
Alexandre.
Todos estes assuntos, porém, eram de importância secundária. A questão cen-
tral e motivadora da reunião foi a controvérsia ariana e era a respeito disso que os
bispos queriam debater.
Os partidos de Niceia
“A vasta maioria dos bispos parece não ter entendido a importância da ques-
tão em pauta e o receio do sabelianismo deixou todos relutantes para condena-
rem o subordinacionismo de forma contundente. Além disso, o imperador, que se
interessava mais pela unidade do Império que pela unidade de Deus, mostrou-se
disposto a encontrar uma fórmula que fosse aceitável ao maior número possível
de bispos”.
É bom lembrar que embora nos sínodos e decisões anteriores buscou-se com-
bater qualquer posição de inferioridade do Filho, tanto em natureza quanto em
posição e que pais como Tertuliano já houvessem formulado um certo conceito de
Trindade, não havia uma formulação definitiva. De certa forma, a questão estava
aberta e muitos temiam pender para posições que já haviam sido consideradas
heréticas. Isto enfraqueceu um pouco as posições dos bispos.
Portanto, é importante que o aluno compreenda que Niceia não criou a dou-
trina da Trindade. Apenas se repetiu aquilo que havia acontecido diversas vezes
na história do cristianismo, inclusive no próprio Concílio de Jerusalém narrado em
Atos 15, quando uma questão que estava conturbando a Igreja foi analisada de
forma ampla e detalhada, para então se chegar a uma posição ortodoxa. Con-
ceitos teológicos aceitos eram definitivamente reunidos e esclarecidos dentro de
uma fórmula doutrinária, que tinha por objetivo refutar falsos ensinos e simplificar os
verdadeiros.
A primeira reação
Alguém sugeriu que o primeiro passo fosse ler as proposições de Ário. O partido
ariano o fez de um modo que perturbou a todos os presentes ao afirmar que Jesus
era mera criatura, em uma declaração que negava de forma direta a divindade
do Filho de Deus afirmando que não era de modo algum igual ao Pai.
Esta reação se deve ao fato de que até então, as cartas escritas tanto por
Ário quanto por Eusébio, não eram explícitas em suas posições (eram proselitistas),
e foram escritas com intenção de atrair adeptos para seu partido. Não era o caso
agora, em que a afirmação simples e clara de Jesus como uma mera criatura ofen-
dia toda a teologia da Igreja. Esta era uma proposição claramente herética e com
certeza nenhum bispo a aceitaria.
O credo de Niceia
Por fim, foi acrescentado um “anátema” para aqueles que ensinassem o opos-
to: “Mas quanto aos que dizem, houve um tempo quando o Filho não existia, que
antes de nascer não existia, que veio a existir a partir do nada ou que asseveram
que o Filho é de substância diferente da do Pai, ou que é criado e sujeito a altera-
ção e mudança, a esses a Igreja anatematiza”.
Isto definitivamente colocava Ário como herege e depunha a ele e aos bispos
que o apoiavam. Pela primeira vez um herege cristão era condenado e deposto
por um governante secular.
Pois existe uma única Pessoa do Pai, outra do Filho e outra do Espírito Santo.
Mas a Deidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é toda uma só: a glória é
igual, a majestade é co-eterna.
O Pai não foi criado, o Filho não foi criado, o Espírito Santo não foi criado.
E não há três (seres) que não foram criados e que são incompreensíveis (imen-
suráveis).
Pois da mesma forma que somos compelidos pela verdade cristã a reconhecer
cada Pessoa, por si mesma, como Deus e Senhor, assim também somos proibidos
pela religião católica (universal) de dizer: Existem três deuses ou três senhores.
O Filho vem somente do Pai: não foi feito nem criado, mas gerado.
O Espírito Santo vem do Pai e do Filho: não foi feito nem criado, e nem gerado,
mas procedente.
Mas todas as três Pessoas são juntamente co-eternas e co-iguais de tal modo
que, em todas a coisas, foi dito, a Unidade na Trindade e a Trindade na Unida-
de deve ser adorada.
Aquele, pois, que quiser ser salvo, deve pensar assim sobre a Trindade.
Pois a verdadeira fé é que creiamos e confessemos que nosso Senhor Jesus Cristo,
o Filho de Deus, é Deus e Homem.
(Concordia Triglotta)
O qual, embora seja Deus e Homem, contudo não é dois, mas um só Cristo.
Um, não mediante a conversão da divindade em carne, mas por ter tomado a
humanidade em Deus.
Um, juntamente; não por confusão de Substância, mas por unidade de Pessoa.
Pois tal como a alma e a carne formam um só homem, assim Deus e o Homem
é um só Cristo;
Por ocasião de sua vinda, todos os homens ressuscitarão em seus corpos e pres-
tarão contas de suas próprias obras.
Aqueles que praticaram o bem irão para a vida eterna; e aqueles que pratica-
ram o mal obterão as chagas eternas.
Essa é a fé católica (universal), a qual pode salvar o homem. Basta que ele
creia nela fiel e firmemente”.
O retorno do arianismo
O sucessor de Constantino foi seu filho Constâncio, que permitiu que Atanásio
retornasse à sua sé em Alexandria. Porém, sua restauração não seria permanente.
O relacionamento entre Atanásio e o imperador Constâncio era tempestuoso. O
imperador, que governou até a sua morte em 362 d.C., constantemente perseguia
o bispo, que parecia ser o último e principal baluarte de resistência da ortodoxia
trinitária ante o arianismo e o semi-arianismo.
Atanásio resistiu com teimosia à mudança e até mesmo a condenou como he-
resia e a equiparou com o anticristo os que a apoiavam. Sua preocupação não era
simplesmente defender uma linguagem sacrossanta, mas defender o próprio Evan-
gelho. Para Atanásio e seus partidários, a própria salvação dependia do Filho ser o
próprio Deus e não uma grandiosa criatura semelhante a Deus. Para ele “a questão
fundamental é que somente o verdadeiro Deus pode unir a criatura a Deus” e a
“salvação não é possível mediante uma corrente hierárquica, do Pai através de um
Filho intermediário até as criaturas. Um intermediário, portanto, tanto separa quanto
une as criaturas com o Pai”. Ele se recusava terminantemente a aceitar a afirmação
ariana que dizia que “houve um tempo em que o Filho não existia”. Era inaceitá-
vel porque o Evangelho inteiro dependia de Jesus Cristo ser tanto verdadeiro Deus
quanto verdadeiro homem.
Em um de seus últimos exílios, Atanásio viveu durante cinco ou seis anos entre
os monges no deserto, até que a situação se acalmasse. Conseguiu convocar um
Concílio em Alexandria, que embora não possa ser considerado ecumênico não
teve o apoio, nem do imperador nem dos principais bispos da Igreja, mas abriu o
caminho para o segundo Concílio Ecumênico em Constantinopla, que seria rea-
lizado após a sua morte. Seu sínodo reuniu-se em Alexandria no ano de 362 d.C.,
reafirmando homoousios como a única descrição válida para o relacionamento
entre o Filho e o Pai. O homoiosios dos semi-arianos foi rejeitado como heresia
pelagiana.
Os três capadocianos
Fundamental para a vitória trinitária, foi também a contribuição dos chamados
“Três Capadocianos”.
Basílio – o Grande, arcebispo de Cesareia, foi o principal artífice da assim cha-
mada teologia proto-nicena, que finalmente derrotou o arianismo. Seu irmão mais
novo, Gregório de Nissa, desenvolveu o mesmo ponto de vista ortodoxo de modo
mais especulativo e Gregório de Nazianzo interpretou-o de maneira retórica em sua
obra intitulada Orationes.
Enquanto Atanásio salientava vigorosamente a ideia de “uma substância” e
partia deste ponto para a descrição da Trindade, os capadocianos partiam da
ideia de “três pessoas distintas” e desenvolviam uma terminologia que descreve
tanto a unidade como a Trindade. Assim fazendo, aceitaram a teologia grega an-
terior que concebia três pessoas em níveis distintos no Ser Divino, conforme defen-
dera Orígenes.
Com sua colocação teológica, era possível rejeitar o arianismo por meio da
fórmula “o Filho da mesma substância que o Pai”, sem cair no modalismo, que
não deixava espaço para distinguir o Pai do Filho. Para isto, era necessário dei-
xar claro que embora Pai, Filho e Espírito Santo fossem da mesma substância una
( homoousios ), não eram a mesma pessoa. São três pessoas ( hypostases ) distintas
e não três máscaras ou três manifestações do único Deus – sendo isto o que o
sabelianismo afirmava.
Parece que finalmente a Igreja tinha chegado à definição trinitária latina de
Tertuliano, apresentada contra Praxeas um século e meio antes – una substantia,
tres personae. Mas em 362 d.C., esta conclusão ainda estava longe de ser univer-
salmente aceita.
Efeitos de Niceia
Capítulo 4
q Novas controvérsias cristológicas
Apolinarianismo
Nestorianismo
S eria mais sincero de nossa parte, como apologistas que somos, tentar res-
gatar a imagem de Nestor, bispo sírio que foi condenado como herege no
Concílio de Éfeso de 431 d.C., ao tentar negar o título de mãe de Deus à Maria. É
importante frisar, que embora a questão tenha sido colocada como sendo acerca
da natureza de Cristo, havia outros elementos envolvidos, como rixas pessoais e
políticas e mesmo o culto à Maria, que embora não fosse tão desenvolvido e forte
como em nossos dias, já era bastante comum.
Mas a deturpação veio de “carona”. Todo o ambiente que cercou este Concílio
foi repleto de intrigas, corrupções, ódios e idolatria, mais especificamente a idolatria
mariana (adoração a Maria). O historiador Edward Gibbon, se referiu a ele como um
“tumulto episcopal, que na distância de treze séculos assumiu o venerável aspecto
de Terceiro Concílio Ecumênico” (Declínio e Queda do Império Romano, Vol II ).
Na Síria, a escola de Nestor tinha sido ensinada a rejeitar a confusão das duas
naturezas, e suavemente distinguir a humanidade de seu mestre Cristo da divinda-
de do Senhor Jesus. A bendita virgem era honrada como a mãe do Cristo, mas os
ouvidos de Nestor foram ofendidos com o irrefletido e recente título de “Mãe de
Deus”, que tinha sido insensivelmente adotado desde a controvérsia ariana.
Em seus momentos mais calmos, Nestor confessou que poderia ter tolerado
ou desculpado a união das duas naturezas, mas ele ficava exasperado pela con-
tradição de negar adoração a um recém-nascido, um Deus infante, comparado
inadequadamente aos padrões de vida conjugal, (O Pai é Deus, a mãe é Maria e
o Filho desta relação é Jesus) e descrever a humanidade de Cristo como apenas
uma roupa (uma fantasia), um instrumento ou Tabernáculo de seu Deus. Ao som
destas blasfêmias os pilares do cristianismo foram sacudidos. Os fracassados com-
petidores de Nestor induziram seu ressentimento pessoal e pior, o clérigo bizantino
foi secretamente desprezado pela invasão do estrangeiro, Cirilo de Alexandria, seu
adversário. Todavia, tudo o que era supersticioso ou absurdo era protegido pelos
monges; o povo estava interessado na glória de sua Virgem Patrona. Os sermões do
arcebispo e o serviço do altar foram perturbados por sediciosos clamores; sua au-
toridade e doutrina foi rejeitada pela sua própria congregação; cada vento espa-
lhou ao redor do Império as folhas da controvérsia. E a voz dos combatentes ecoou
como num sonoro teatro.
4
Nos concílios era comum colocar uma lista de maldições sobre quem discordasse das conclusões do Concíllio.
Sem uma voz dissidente eles reconheceram nas epístolas de Cirilo o Credo Niceno
e a doutrina dos Pais, mas as porções parciais das cartas e homílias de Nestor foram
interrompidas por maldições e anátemas; e o herético foi degradado de sua dig-
nidade episcopal e eclesiástica. A sentença, maliciosamente escrita para o novo
Judas, foi afixada e proclamada nas ruas de Éfeso: os cansados prelados, assim
que publicaram para a Igreja com respeito à mãe de Deus, foram saudados como
campeões; e sua vitória foi comemorada por luzes, cantos e tumultos noturnos.
No quinto dia, o triunfo dos partidários de Cirilo foi obscurecido pela chegada e
indignação dos bispos Orientais que, por sua vez, eram partidários de Nestor. Em um
cômodo da pensão, antes que João de Antioquia tivesse limpado o pó de seus pés,
ele deu audiência para Candidian, ministro imperial, que relatou seus infrutuosos
esforços para impedir ou anular a violenta pressa dos egípcios. Com igual violência
e rapidez, o Sínodo Oriental de cinquenta bispos degradou Cirilo e Memnon de
suas honras episcopais; condenou, em doze anátemas, o mais puro veneno da he-
resia apolinária; e descreveu o primado alexandrino como um monstro, nascido e
educado para a destruição da Igreja. Seu trono era distante e inacessível; mas eles
instantaneamente resolveram conceder ao rebanho de Éfeso as bênçãos de um
fiel pastor. Pela vigilância de Memnon, as igrejas foram fechadas contra eles, e uma
forte guarnição foi colocada na catedral. As tropas, sob o comando de Candidian,
avançaram para o assalto; as sentinelas foram cercadas e mortas à espada, mas o
lugar era inexpugnável; os sitiantes retiraram-se; sua retirada foi perseguida por um
vigoroso grupo; eles perderam seus cavalos e muitos soldados foram perigosamen-
te feridos com paus e pedras. Éfeso, a cidade da virgem, foi profanada com ódio e
clamor, com sedição e sangue; o sínodo rival lançou maldições e excomunhões de
sua máquina espiritual; e a corte do imperador Teodósio ficou perplexa diante das
belas narrativas diferentes e contraditórias dos partidos da Síria e do Egito.
Durante um período tumultuado de três meses o imperador tentou todos os
meios, exceto o mais eficaz, isto é, a indiferença e o desprezo, para reconciliar
esta disputa teológica. Ele tentou remover ou intimar os líderes por uma senten-
ça comum de absolvição ou de condenação; ele investiu seus representantes em
Éfeso com amplos poderes e força militar; ele escolheu de ambos os partidos oito
deputados para uma suave e livre conferência nas vizinhanças da capital, longe
do contagioso frenesi popular. Mas os orientais se recusaram a ceder e os católi-
cos, orgulhosos de seu número e de seus aliados latinos, rejeitaram todos os termos
de união e tolerância. A paciência do manso imperador Teodósio foi provocada,
e ele dissolveu este tumulto episcopal, que na distância de treze séculos assumiu
o venerável aspecto de Terceiro Concílio Ecumênico. “Deus é minha testemunha”,
disse o piedoso príncipe, “que eu não sou o autor desta confusão. Sua providência
discernirá e punirá o culpado. Voltem para suas províncias, e possam suas virtudes
privadas reparar o erro e escândalo deste encontro”.
“Os abades Dalmácio e Êutico tinham devotado seu zelo à causa de Cirilo, o
adorador de Maria, e à unidade de Cristo. Desde o primeiro momento de sua vida
monástica eles nunca tinham se misturado com o mundo ou pisado o chão profano
da cidade. Mas neste terrível momento de perigo para a Igreja, seus votos foram
suplantados por um mais sublime e indispensável dever. À frente de uma ordem de
eremitas e monges, carregando archotes em suas mãos e cantando hinos à mãe
de Deus, eles foram de seus mosteiros ao palácio do imperador”5.
Como podemos notar, não apenas questões teológicas, mas questões políticas,
e porque não dizer, estratégias políticas, foram aplicadas neste Concílio. Nestor
não tinha o propósito de negar a divindade de Cristo, mas apenas de refrear uma
possível divinização de Maria. Todavia, era difícil confirmar a natureza de “Deus” ao
Filho e ao mesmo tempo negar o título de “mãe de Deus” a Maria, embora esta seja
a verdade. Assim, Nestor foi condenado como herege e a Igreja somente perdeu
com isto, pois este fato fomentou ainda mais a mariolatria.
Eutiquianismo ou monofisismo
C
omo uma reação contra Nestor, muitos assumiram uma posição comple-
tamente oposta. Insistiam tanto na perfeita união das duas naturezas que
acabavam por não distingui-las de forma alguma.
Entre os que por este motivo acabaram distorcendo a natureza de Cristo, es-
tava Eutiques, monge de Constantinopla e amigo de Cirilo de Alexandria, nascido
em 378 d.C. Era muito estimado e influente no ambiente eclesiástico e também no
meio político, todavia, era pouco inteligente para a tarefa a que se propusera.
Eutiques e seus seguidores assumem a posição de que a natureza humana de
Cristo foi absorvida pela divina, ou que as duas naturezas se fundiram resultando
numa única natureza. Este conceito recebeu o nome de monofisismo (mono = um,
único e fysis = natureza). Sua declaração sumária foi considerada herética:
“Confesso que nosso Senhor teve duas naturezas antes da união (num momen-
to hipotético, em que de fato não existia se não a natureza divina, mas de forma
alguma ainda a natureza humana), mas depois da união, não reconheço senão
uma só natureza”.
O Concílio de Calcedônia, em 451 d.C., condenaria todo conceito diferente
da crença na unidade da pessoa de Cristo e na dualidade das duas naturezas. Esta
controvérsia produziria o famoso documento “Tomo de Leão”.
Na verdade, se Eutiques e seus seguidores fossem um pouco diferentes em suas
afirmações, o resultado teria sido outro. Se tivesse apenas declarado que a huma-
nidade de Cristo havia sido divinizada, essas declarações não seriam tão estranhas.
5
Traduzido de Decline and Fall of Roman Empire, Edward Gibbon, Encyclopaedia Britannica ,INC. Vol II, pp 140-142.
Mas sua concepção na verdade era de que em Jesus havia um ser completamente
híbrido, nem totalmente homem, nem totalmente Deus, mas uma mistura de ambos,
em que a parte humana praticamente se tornava inexistente, pois era absorvida
na divina. Isto anulava Jesus como homem e logo como substituto da humanidade
sobre a cruz. Segundo esta concepção não era um homem “igual a nós em tudo”
que estava perecendo no Calvário.
A controvérsia, como as anteriores, envolvia questões mais amplas e manifesta-
va a secular rivalidade entre as escolas de Antioquia e Alexandria. Foi convocado
um Sínodo em Constantinopla para condenar Eutiques. Depois, um novo Sínodo foi
convocado em Éfeso, mas a questão só seria mesmo definitivamente resolvida no
Concílio de Calcedônia, iniciado em 08 de outubro de 451 d.C., com a presença
de bispos, dezoito oficiais de alto escalão do Estado, inclusive o casal Imperial. No
dia 25 de outubro foi terminada a declaração doutrinária no intuito de resolver esta
questão. A declaração assim dizia:
“Em concordância, portanto, com os santos pais, todos nós ensinamos una-
nimemente que devemos confessar que nosso Senhor Jesus Cristo é um só mes-
mo Filho, igualmente perfeito na Divindade e igualmente perfeito na humanidade,
verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, que consiste de alma e corpo
racionais, consubstancial com o Pai na Divindade e igualmente consubstancial co-
nosco na humanidade, semelhante a nós em todas as coisas, à exceção do peca-
do, gerado pelo Pai antes de todos os séculos no tocante à sua Divindade e assim
também nestes últimos dias por nós e por nossa salvação, foi gerado pela virgem
Maria, theotokos, no que diz respeito à sua humanidade; um só e o mesmo Cristo,
Filho, Senhor, Unigênito, revelado em duas naturezas sem confusão, sem mudança
e sem divisão, sem separação; a diferença de naturezas não pode ser eliminada
de modo algum por causa da união, mas as propriedades de cada natureza são
preservadas e reunidas em uma só pessoa (prosopon) e uma só hypostasis , não se-
parada ou dividida em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho, Unigênito, Verbo
divino, o Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas do passado e o próprio Jesus
Cristo nos ensinaram a respeito e o credo dos nossos pais nos transmitiu”.
Capítulo
q Pelagianismo
5
P ouco se sabe a respeito de Pelágio. Nasceu na Grã-Bretanha por volta do
ano de 350 d.C. e o que se conhece dele vem dos escritos de seus oposi-
tores. Chegou em Roma em 405 d.C. e seguiu para a África do Norte. Em seguida
seguiu para a Palestina e escreveu dois livros sobre pecado, livre arbítrio e graça:
“Da natureza e Do livre arbítrio”. Agostinho e Jerônimo, os grandes representantes
do cristianismo na época, opuseram-se duramente aos seus conceitos.
Conseguiu ser inocentado do crime de heresia no Sínodo de Dióspolis na Pales-
tina, no ano de 415 d.C. Neste Sínodo ele afirmou que a possibilidade de o homem
viver sem cometer nenhum pecado era teórica e não real, embora afirmasse antes
disso que bastava o homem desejar e ele viveria sem pecado. De qualquer manei-
ra, ele foi mais tarde condenado como herege no Concílio de Éfeso, em 431 d.C.
Morreu por volta do ano de 423 d.C. sem se retratar dos seus ensinos. Como pode-
mos perceber, quando sua doutrina foi reprovada, ele já estava morto.
Fundamentos do pelagianismo
q Referências bibliográficas
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos . São Paulo: Editora Vida
Nova, 1998.
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