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Os sonhos

de José não foram bem-vistos por seus irmãos, pelo contrário, serviram para arruiná-lo.
Seus irmãos zombaram dele; eles o chamaram de “sonhador” e planejaram matá-lo8. O
plano de assassinato foi interrompido por Rúben9, dando lugar ao abandono na cisterna e
venda aos ismaelitas10. Despiram José da túnica, que era símbolo da predileção do seu
pai11, e ensoparam com o sangue de cabrito para enganá-lo por vingança e justificarem seu
desaparecimento12.

José, quando estava no Egito, experimentou que Deus estava com ele nesta nova
experiência. Seu amo Putifar o colocou à frente de sua casa13. Enquanto trabalhava na casa
do seu amo, a esposa de Putifar convidou José para dormir com ela, mas, por respeito e
lealdade ao patrão, ele se recusou a satisfazer os desejos sexuais da patroa. Por conta disso,
foi caluniado e preso. José já tinha passado por uma primeira experiência de prisão, quando
seus irmãos o colocaram em uma cisterna. No decorrer do primeiro acontecimento, sua
túnica foi manchada de sangue de cabrito e serviu para justificar seu desaparecimento; nesta
segunda situação, suas roupas também serviram como prova de sua transgressão. Em ambos
os casos, suas roupas são utilizadas como base de argumentos mentirosos, de modo a
enganar os outros e como forma de vingança14.

Mesmo na prisão, José percebeu que Deus estava sempre com ele. Destacou-se dos demais
detentos; e, por isso, todos os prisioneiros são confiados a sua responsabilidade15. Quando
ele desempenhava essa função, teve uma experiência importante para o desenvolvimento da
sua missão: o exercício de sua capacidade e habilidade de interpretar os sonhos foi um dom
que José atribuiu a Deus16. O dom de interpretação tornou-se mais evidente quando
José interpretou os sonhos de dois dos servos do rei que estavam presos17; por isso, ele foi
levado ao Faraó e interpretou os dois sonhos do rei. Após este fato, José assumiu o cargo de
vice-rei do Egito18. José não era mais apenas um “sonhador”, como diziam os seus irmãos,
mas um intérprete de sonhos.
A fome na região levou os irmãos de José a viajarem para o Egito, pois lá havia fartura.
Seus dez irmãos, ao chegarem lá, encontram José e se curvam diante dele19. O sonho de
José começou a se realizar. José testou seus irmãos, porém não movido por um sentimento
de vingança, mas pela vontade e desejo de que eles o reconhecessem e recuperassem a
fraternidade20. Essa prova se estendeu até a segunda volta de seus irmãos no Egito, já com
a presença de seu irmão mais novo, Benjamin21.

O gesto de Judas, que se ofereceu como escravo em lugar da liberdade do irmão mais novo,
demonstrou que estava ocorrendo uma transformação interna no que concerne à maneira de
compreender as relações familiares. O sentimento de “ser irmão” agora falou mais alto e
José percebeu uma transformação espiritual nesse gesto; por consequência, a fraternidade
foi remontada, e, então, houve espaço para reconhecimento22.

José chorou pela terceira vez23, mas, naquela vez, seu grito ecoa por todo o Egito e chega à
casa do Faraó. Depois desse lamento, José se manifestou aos seus irmãos: “Eu sou José.
Meu pai ainda está vivo? Eu sou José, seu irmão, a quem você vendeu aos egípcios”24. O
auge do reconhecimento foi a interpretação que José fez dos acontecimentos que o
conduziram àquele momento. José interpretou seus sonhos e concluiu que tudo o que
aconteceu foi de acordo com o plano de Deus, por isso seus irmãos não deveriam se sentir
culpados25, pois foi Deus quem o enviou para o Egito em vista da sobrevivência dos irmãos
e da preservação da vida de muitos26. Essa certeza permitiu que José não se concentrasse
nas experiências passadas que lhe proporcionaram sofrimentos e dores, mas sim na
contemplação da totalidade dos acontecimentos vistos à luz da fé. O “dom divino da
interpretação” serviu de ponte para o encontro com o Deus criador e protagonista da história
humana, que atuou por meio da pessoa de José, que agiu com liberdade e responsabilidade e
restabeleceu a vida fraterna segundo o “sonho” de Deus.

A interpretação dos fatos à luz da fé em Deus proporcionou uma nova leitura dos
acontecimentos. A experiência de fé em Deus criador situou os conflitos familiares no
horizonte amplo da criação, e possibilitou que o “sonho” de Deus continuasse atuando na
história a partir da renovação do coração humano. A mensagem central desse “sonho”
divino encontra-se na origem da criação. Na sua origem, a humanidade foi criada na
gratuidade e no amor. No ato da criação, Deus se entregou como um presente no “sopro”
divino, doando aos seres humanos o “dom da participação dinâmica na vida divina”, a fim
de que sejam no mundo reflexo da imagem e semelhança de seu Criador. Esse dom precioso
está escondido no fundo dos corações humanos. É a luz que ilumina todos os seres humanos
que vêm a esse mundo. Por isso, no momento em que emergem as fraquezas, os limites
humanos, as feridas causadas pelas ofensas, calúnias e agressões, a humanidade precisa
redescobrir o tesouro escondido no seu coração, que lá foi colocado por seu Criador, e
permitir que a força do amor divino transforme em luz as trevas. Ao arriscar-se nessa
aventura do amor, a humanidade cresce diante de Deus em liberdade e responsabilidade e
no cuidado de si, dos outros e da casa comum.

3. José do Egito, prefiguração de Jesus Cristo

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