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8º Congresso de Pós-Graduação

DIREITO E ENSINO JURÍDICO: O SIGNIFICADO DA CRIAÇÃO DOS CURSOS JURÍDICOS NO


BRASIL

Autor(es)

EVERALDO TADEU Q GONZALEZ

Co-Autor(es)

ELISANGELA RODRIGUES DE AVILA

1. Introdução

O presente artigo é parte de uma pesquisa mais ampla, sobre o ensino jurídico no Brasil, que objetiva analisar a marcha histórica do
processo educativo das ciências jurídicas no Brasil. Contudo, neste trabalho, analisa-se apenas o significado da criação dos Cursos
jurídicos nos idos do Brasil Imperial de 1827, como uma primeira estratégica do Império brasileiro na sua construção de um modelo
de Estado específico que tinha no jurista, o tipo ideal de burocrata para as funções de estado que se faziam necessárias naquele
momento histórico. A partir daquele primeiro evento histórico, de criação dos cursos jurídicos no Brasil, pode-se dizer que ocorreu
desde então uma ruptura com o modelo de ensino jurídico e formação do profissional que se objetivava formar no Brasil Imperial e o
modelo de ensino e profissional que se objetiva formar nos dias atuais?

2. Objetivos

O presente trabalho, pois, tem um foco muito específico: abordar o tema da criação dos cursos jurídicos, destacando a contradição
existente à época entre o liberalismo conservador e uma ordem sócio-econômica e política escravocrata.

3. Desenvolvimento

Wolkmer (1998, p. 44) leciona em sua obra O Direito no Brasil, que a cultura lusitana nos primórdios da colonização, era senhorial,
escolástica, jesuítica, católica, absolutista, autoritária, obscurantista e acrítica, contexto em que se irradia a formação jurídico-cultural
da colônia sob o domínio da catequese católica e do ensino escolástico ministrado pelos jesuítas.
Sob o aspecto jurídico, as instituições político-jurídicas fundadas no milenar Direito Romano foram transplantadas para o Brasil.
Durante séculos vigoraram as Ordenações do Reino e tudo era comandado pelo Rei da Metrópole, para implantar aqui o modelo
patrimonialista. Como observou Faoro (2000, p. 137):
A economia e a sociedade se amoldaram ao abstrato império das ordens régias – em lugar do ajustamento, em troca de concessões, o
soberano corrigirá as distorções com a espada, a sentença e a punição. A América seria um reino a moldar, na forma dos padrões
ultramarinos e não um mundo a criar. A inflexibilidade dos capitães da Índia será o modelo da dureza dos funcionários reinóis no
Brasil, com a mão direita na espada e a outra no chapéu, pronto este para a zumbaia ao superior, dono, em Portugal, das masmorras e
dos castigos.

Em nosso processo colonizatório, como observou SCHWARTZ o bacharel era o profissional de maior confiança do Rei:
Em meados do século XVII, burocracia e Estado tinham se tornado sinônimos e a máquina governamental crescera em tamanho e
complexidade [...] tanto na Espanha quanto em Portugal, os burocratas profissionais, aqueles servidores e funcionários reais que
formavam um quase-estado, não eram nobres, mas advogados e juízes cujo treino, ênfase e respeito pelos procedimentos legais e pela
tradição do Direito Romano tenham eventualmente permeado a sociedade como um todo (SCHWARTZ, 1979, prefácio, p. X).

Com a Independência, a monarquia que se instalou procurou dar prosseguimento ao modelo português de instituições do Estado e na
formação da burocracia. O processo político que se instaurou com a Independência representou a vitória dos conservadores sobre
radicais, com a adoção de uma estratégia liberal-conservadora que permitia o clientelismo e uma cultura jurídico-institucional
marcadamente formalista e retórica. (WOLKMER, 1998, p. 79).

4. Resultado e Discussão

A criação dos cursos jurídicos, pode-se afirmar, deu-se no mesmo contexto patrimonialista e escravocrata, com o predomínio político
de uma elite agrária, um escravismo que convivia com um liberalismo conservador mas que agora necessitava de quadros para formar
uma burocracia profissional, com formação superior que atendesse às necessidades do novo Estado independente.
A criação dos cursos jurídicos no Brasil surgiu por ocasião dos debates que se instalaram com a Assembléia Constituinte, sendo que
se debateu sobre a localização ideal para os cursos, o modelo curricular e outras questões. Assim, nas sessões da Assembléia
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, verificadas no decorrer do ano de 1823, a criação dos cursos jurídicos ocupou grande
espaço entre os problemas com que se preocuparam e de que se ocuparam com entusiasmo os legisladores, muitos deles instruídos a
propósito de determinadas reivindicações pela Província que representavam (ALENCAR, 1977, p. 15).

Apesar da Constituição de 1824 prever a criação de colégios e universidades onde seriam ensinados elementos das ciências, belas
artes e artes, o Decreto de 9 de janeiro de 1825 determinou que se criasse apenas um curso jurídico. Dessa determinação surgiu o
Projeto Lei de 12 de maio de 1826, de Teixeira de Gouveia que propunha a criação de um Curso em São Paulo, ao passo que outra
parte dos parlamentares pretendia sua instalação no Rio de Janeiro. Em agosto de 1826, nova redação de projeto apresentada pela
Comissão de Instrução Pública propôs a criação de dois Cursos de Direito, um em São Paulo e outro em Olinda. Assim, por Decreto
Imperial de 11 de agosto de 1827, criavam-se dois cursos de ciências jurídicas e sociais em São Paulo e Olinda. O Decreto trazia
ainda providências sobre a grade curricular, o número e o salário dos lentes, o quadro funcional, o material didático a ser utilizado
pelos mestres, as exigências para matrícula dos alunos, a duração de cinco anos, além da determinação de que em São Paulo e Olinda
o governo criasse cursos preparatórios para os exames (VENÂNCIO FILHO, 2004, p. 28-29).
Os estatutos apresentados pelo então Senador Visconde de Cachoeira, trazia a exposição de motivos onde se explanava sobre os
objetivos dos cursos jurídicos, que deveria “formar bacharéis para atenderem aos cargos de magistrados, advogados, deputados e
senadores para os cargos diplomáticos e demais empregos do Estado” (VENÂNCIO FILHO, 2004, p. 31).

Enquanto a escola de direito do Recife voltou-se para a ilustração e ao acolhimento de influências estrangeiras vinculadas ao ideário
liberal a academia de São Paulo voltou-se à formação do bacharelado liberal e da oligarquia cafeeira, com ênfase para a militância
política. Como observa um autor, estudioso do assunto,
Vê-se que, enquanto Recife educou, e se preparou para produzir doutrinadores, “homens de ciência” no sentido que a época lhe
conferia, São Paulo foi responsável pela formação dos grandes políticos e burocratas de Estado. De Recife partia todo um movimento
de auto-celebração que exaltava “a criação de um centro intelectual, produtor de idéias autônomas”; em São Paulo reinava a
confiança de um núcleo que reconhecia certas deficiências teóricas, mas destacava seu papel na direção política da nação (...). Acima
das divergências intelectuais, que de fato existem, está um certo projeto de inserção, este sim, bastante diverso. De Recife vinha a
teoria, os novos modelos – criticados em seus excessos pelos juristas paulistas; de São Paulo partiam as práticas políticas convertidas
em leis e medidas (WOLKMER, 1998, p. 80-84).
A criação dos cursos jurídicos no Brasil, portanto, parece guardar direta relação com a necessidade de se formar uma burocracia
imperial para a composição de funcionários e agentes do Estado, ao mesmo tempo em que buscou definir o perfil de uma elite
dirigente, que desse sustentação ao projeto de Estado Imperial que se implantou após a Independência: um Estado patrimonialista,
escravocrata, mas com discurso liberal e de essência excludente em relação aos demais segmentos da população brasileira.
(WANDER BASTOS, 2000.)

5. Considerações Finais

Uma primeira conclusão sobre a criação dos cursos jurídicos no Brasil, indica que tal processo se deu em razão da necessidade do
estado Imperial em formar bacharéis que pudessem dar sustentação aos quadros burocráticos do Estado. Com os cursos jurídicos veio
à tona o bacharelismo, cultura decorrente do Estado colonial português, com formação retórica e literária.
Para dar sustentação ao Estado Imperial, duas academias foram criadas e, de certa forma, a criação dos cursos jurídicos contribuiu
também para a difusão de idéias e pensamentos liberais. Por fim, a estrutura criada na criação dos Cursos Jurídicos, influencia ainda
hoje o ensino jurídico nacional, criando juristas para legitimar um Estado não mais escravista e patrimonialista, mas que ainda se
funda na desigualdade social e na manutenção de privilégios para determinados segmentos da sociedade brasileira.

Referências Bibliográficas

Referências Bibliográficas

ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. O poder legislativo e a criação dos cursos jurídicos. Obra comemorativa do
sesquicentenário da Lei de 11 de agosto de 1827, que criou os cursos de ciências jurídicas e sociais de São Paulo e Olinda. Brasília :
Senado Federal, Subsecretaria de edições técnicas. 1977, 410 p.
BARROS, João de. Décadas. Lisboa, Sá da Costa, 1945.
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2000. 431 p.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 10 . ed. São Paulo : Publifolha, 2000. 1.° vol.
Grandes nomes do pensamento brasileiro.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1998. 657 p.
FILHO, Alberto Venâncio. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
357 p. Série estudos.
SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Suprema Corte da Bahia e seus juízes: 1609-1751. Tradução de
Maria Helena Pires Martins. São Paulo : Perspectiva, 1979. 354 p.
GONZALES, E. T. Q. Estudos de filosofia e história do direito. Rio Claro : Obra Prima editora, 2005. 141 p.
WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. Rio de Janeiro : Forense, 1998. 167 p.

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