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Índice
Ideais do “Arcadismo”__________________________________________________5
Bibliografia _____________________________________________________
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No presente trabalho, proponho-me analisar o papel dos círculos literários
desenvolvidos à margem do poder e de academias oficiais, como marca decisiva na
difusão da cultura da ilustração europeia e de difícil sobrevivência dadas as
perseguições da Intendência Geral da Polícia, nomeadamente na época do intendente
Diogo Inácio de Pina Manique. É este o caso da Nova Arcádia, academia do reinado de
D. Maria que irei tomar como exemplo.1
Nos finais do Antigo Regime, deparamo-nos com uma época onde a actividade do
governo se direcciona para uma organização da sociedade em função de objectivos
definidos pelo Rei, a quem competia proporcionar o bem-estar e segurança aos súbditos.
A centralização do poder e a maior intervenção do monarca foram suportadas, por um
incremento substancial do poder das estruturas administrativas centrais (Secretarias de
Estado e do Erário Régio) e periféricas, contando-se entre estas últimas a Intendência
Geral da Polícia (IGP). Esta estrutura foi criada por decreto de 25 de Julho de 1760,
tendo como primeiro Intendente o desembargador Inácio Ferreira Soto, amigo pessoal
do Marques de Pombal, a que se seguiu, vinte anos depois, o Intendente Diogo Inácio
de Pina Manique, que permanecerá nesse cargo durante um quarto de século.2
Nesta fase da história portuguesa, a acção diplomática oscilava sempre ao sabor das
conveniências. Já no final da década de 70 do séc. XVIII, depois da recusa inglesa de
apoio a Portugal na protecção da costa de África, bem como na defesa das fronteiras do
Brasil, a Colónia de Sacramento é perdida para os Espanhóis, dando-se
consequentemente uma aproximação diplomática, solidificada em 1777 com o Tratado
de Santo Ildefonso. Contudo, Portugal aproximava-se também, sempre que possível, à
velha aliada Inglaterra.3
Em concordância com cada uma das duas alianças começam a desenvolver-se duas
tendências. Por um lado, uma corrente de pensamento baseada em ideais conservadores
ingleses, e uma outra baseada nos novos ideais da Revolução Francesa. Tal como refere
Hernani Cidade, “ que admira, assim, que também entre nós, ante os acontecimentos
com que a França da revolução abalava o mundo, certo ambiente de curiosidade,
simpatia e até aplauso comovido constituíssem a preocupação exasperada dos
defensores da ordem tradicional? A dominá-los e a orientar-lhes o ataque, ergue-se a
3
figura do Intendente de polícia, Diogo Inácio de Pina Manique. Enérgico e incansável,
esperto e previdente”.4
A Intendência Geral da Polícia veria, ainda nesta década, as suas competências
alargadas, na conjuntura que se segue ao afastamento de D. Maria do trono. Depois das
mortes do seu marido, com quem demonstrava forte ligação, do seu filho herdeiro D.
José e do Marquês de Angeja, um dos seus principais conselheiros e membro da corte, a
sua susceptibilidade já não suporta as notícias da eclosão das Revoluções em França
acompanhadas da notícia da morte do monarca francês por guilhotina. Deste modo, em
1792, numa primeira regência de D. João, a Rainha é afastada da condução dos
negócios públicos, sendo o governo entregue à acção dos ministros.5
Nesta nova conjuntura torna-se bem clara a luta entre reformistas de tradição pombalina
e os mais conservadores, vindo D. João consubstanciar a linha reformista. Entre as
principais medidas do período estava o alargamento das competências da Intendência
Geral da Polícia. Passa a existir policiamento nos portos, de forma a apreender os bens e
pessoas divulgadoras de ideais da revolução, para além do policiamento urbano, de
forma a zelar pela segurança e administração agora também dos cemitérios. É neste
sentido que, nesta época, Lisboa passa a ter pontos de iluminação à noite.6
É natural que, numa Europa que tinha como seu modelo cultural e político a França,
composta maioritariamente por monarquias absolutas e com casas reinantes ligadas por
laços de parentesco, se tenham sentido fortes repercussões desta revolução que
modificou de tal forma o sistema governativo. A revolução francesa não começa com a
tomada da Bastilha, foi um processo prolongado e reacção às questões da época. Para
além da crise económica vivida e do vazio de poder que aconteceu entre 1787 e 1789,
crescia já uma pré-Opinião Pública politizada das classes urbanas, dada a circulação das
ideias iluministas. Apesar de não terem um ideal revolucionário, mas sim reformulador,
estas noções foram utilizadas para esse fim. O iluminismo defendia uma nova forma de
pensar o mundo, baseada no primado da razão, em vez do divino, numa procura da
liberdade individual sem constrangimentos da sociedade, levando a cabo uma
governação resultante de um “contrato” entre governantes e governados.7 Tal como
refere Nuno Gonçalo Monteiro, no capítulo “Idade Moderna (séculos XV – XVIII) ”
4
inserido na obra de síntese coordenada por Rui Ramos, História de Portugal, “não é
fácil definir [no nosso país] o que foi o iluminismo, tal como se pode questionar se
existiu um único movimento, ou uma pluralidade de movimentos, nacional e
regionalmente heterógeneos”. Aceita contudo que a referência às academias literárias,
tais como a Nova Arcádia, numa abordagem sumária dos acontecimentos da época, é
incontornável, na medida em que constituem a marca decisiva na difusão da cultura da
ilustração europeia.8
Ideais do “Arcadismo”
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O Choque de Mentalidades
Encontrando-se o Rei no centro do Poder e fixada a Corte que reforçava essa imagem,
em Lisboa12, foi esta cidade o palco natural das acções conflituantes entre Árcades e
Intendencia Geral da Polícia. Pois que numa época em que o governo procurava a todo
o custo estabelecer aquela que entendia como a “ordem natural” da sociedade,
caracterizada por uma forte estratificação, um círculo literário que promovia a igualdade
social e que apoiava marginalidades, era o alvo primeiro a silenciar. Por via da Nova
Arcádia, indivíduos como Bocage frequentam meios sociais muito acima do seu meio
de origem, que lhes permaneceriam vedados, não fosse a valorização que era dada a
talentos como escrever poesia, improvisar ou declamar. Por outro lado, na segunda
metade do séc. XVIII, assiste-se a uma nova forma de sociabilidade que permitia o
convívio entre homens e mulheres, uma prática quase inexistente anteriormente e, por
essa razão, também vista como um “mau costume” pela IGP.13 A Cultura Moderna
oferece-nos primeiro uma imagem de fenómeno privado, em que a transmissão do saber
se faz a nível doméstico e em seguida, com as academias, adquire uma dimensão
pública, com um papel inovadoramente interventivo das mulheres e de que são exemplo
as reuniões organizadas por D. Leonor de Almeida, a Marquesa de Alorna, que não se
limitava só a receber os árcades, mas também fazia parte da Academia, sendo famosa a
sua obra literária.14 Outras figuras femininas que se destacaram a nível intelectual são
D. Teresa de Mello Breyner, Condessa de Vimieiro e Catarina de Lencastre,
Viscondessa de Balsemão, cujo poema integrado no livro de poesias escolhidas por
Gaspar da Silva demonstra claramente a igualdade, como um dos ideais que defendia.15
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Reino José Seabra da Silva, são os poderes da Intendência Geral da Polícia: “Evitar
delitos; conservar a boa ordem, a abundância, a limpeza, o culto exterior da religião, o
bom regime dos banhos públicos, dos teatros, das casas de jogos permitidos; evitar a
prostituição dos costumes; manter a salubridade do ar, as obrigações dos artistas; […]
dar método aos taberneiros, às casas de Pasto, marchantes e mercadores de vinho, etc.; a
Polícia dos mercados públicos, dos incêndios dos perigos eminente dos edifícios, da
reedificação, e entretenimento das calçadas, da limpeza das ruas, dos aductos, dos
chafarizes […]; a polícia das carruagens públicas e particulares, dos calaceiros, e
carreiros, dos barqueiros, das estradas; prevenir os crimes, e descobrir os agressores
deles; os vagabundos; os mendicantes; […]; os comerciantes, que compram jóias e
efeitos preciosos; a polícia das casas de educação da casa pia; a polícia relativa à
medicina, à cirurgia, à farmácia; das regras para conter os corpos dos fabricantes,
comerciantes, e artificies; a polícia dos pesos e medidas, das feiras e mercados […] de
socorrer os velhos […] de recolher as mulheres infelizes que se acharem com
enfermidades venéreas para se curarem; e do mais que deriva destes artigos”17 A IGP
viu também a sua eficácia aumentada com a criação da Guarda Real da Polícia (GRP)
em 1801, corpo policial que Pina Manique vinha já há algum tempo reclamando.
Segundo o decreto, a GRP deveria andar, de dia e de noite, “nas ruas que lhe foram
designadas, sempre a passo, com espada na mão, para prevenir as desordens, dissipar os
ajuntamentos inúteis, remediar aos embaraços ocasionados pelas carruagens nas ruas
estreitas e travessas; enfim vigiar sobre tudo o que respeita à boa ordem e à segurança
pública”18
O facto de nos encontrarmos numa época em que efervesciam ideais iluministas, de fim
da autoridade dos “Grandes” para alteração do quadro político e social, torna a pressão
policial mais forte, preventiva de uma potencial desordem. E como sustentavam os
próprios Intendentes, uma época de mudança, como fora a da Revolução Francesa, é
favorável a criminalidades, não tanto porque os indivíduos se tornem mais propícios à
arte do crime, mas porque os próprios conteúdos de transgressão e de ordem se alteram
e as suas fronteiras se tornam indefinidas até à consolidação de uma nova ordem.19 Este
receio era orientador da actividade da IGP como, por exemplo, se pode constatar de um
documento da mesma que dá conta de um oficial francês que se encontra em Lisboa
como se estivesse em Paris e referido como um “entusiasta da má entendida liberdade”
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e de cuja permanência na cidade se podem esperar “tristes consequências”.20 Outro
documento da mesma IGP refere a apreensão na alfândega de “livros perigosos”, entre
os quais se destacava uma obra de Voltaire.21Comparada com Paris, Lisboa era, de
facto, uma cidade excessivamente policiada e consequentemente fechada às ideias
revolucionárias que podiam surgir tanto daí como de outras capitais europeias da
época.22 Para a IGP, face às novas ameaças intelectuais que se impunham, mais do que
reprimir, a polícia devia vigiar. Na sua obsessão em conhecer todas as fontes possíveis
de violência e desordem, a IGP desenvolveu uma nova técnica de poder: a elaboração,
quer por iniciativa própria, quer a mando do Governo, de listas que, no caso de
distúrbios e de crimes, se mostravam extremamente úteis para descobrir ou fabricar
suspeitos.23
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Sem meu, nem teu, nem muros, nem cidade”26
O que perdurou
Deste conflito entre a fragilidade das ideias e a força do poder saem vencedoras, por
meio de pequenos passos através dos quais se vão instalando, as ideias, muitas delas, a
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base da sociedade em que actualmente vivemos. Tudo o que hoje prezamos: o direito ao
saber, ao ser indivíduo, livre e igual ao próximo, teve o seu embrião na época a que este
trabalho se reporta. As noções de liberdade individual e de igualdade entre classes e
géneros têm em poetas, como os árcades, a sua luta fundadora.
1. Nuno Gonçalo Monteiro, «Idade Moderna (séculos XV – XVIII)» in História de Portugal, coord.
Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, pp.428/429;
2. José Subtil, História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), direcção de José Mattoso,
coordenação de António Hespanha, Círculo de Leitores, 1993, pp. 157/194;
3. José Hermano Saraiva , Breve História de Portugal, Lisboa, Bertrand Editora, 1989;
5. José Hermano Saraiva , Breve História de Portugal, Lisboa, Bertrand Editora, 1989;
6. Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade em Lisboa: finais do século XVIII a 1834,
Lisboa, 1995 – Tese de Doutoramento de Geografia Humana na Universidade de Lisboa, p.73;
7. William Doyle , The French Revolution. A Very Short Introduction, Oxford University Press, 2001;
8. Nuno Gonçalo Monteiro, «Idade Moderna (séculos XV – XVIII)» in História de Portugal, coord.
Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, pp.428/429;
9. Massaud Moisés, A literatura portuguesa, 23ª edição, São Paulo, Editora Cultrix, 1987, pp. 117/118
e Estatutos da Arcádia Lusitana, Cit. in Maria Luísa Malato da Rosa Borralho, «“Nem Muros nem
Cidade”. O Espírito Utópico nas Academias Portuguesas» in Estudos em Homenagem a Luís António
de Oliveira Ramos, vol. I, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, p. 281;
10. Estatutos da Arcádia Lusitana, Cit. in António José Saraiva, Óscar Lopes , «A Arcádia Lusitana» in
História da literatura portuguesa, 6ª edição, Porto, Porto Editora, [s.d.], p. 620/621;
11. António José Saraiva, Óscar Lopes, «A Arcádia Lusitana» in História da literatura portuguesa, 6ª
edição, Porto, Porto Editora, [s.d.], p. 621;
12. António Camões Gouveia, História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), direcção de José
Mattoso, coordenação de António Hespanha, Círculo de Leitores, 1993, pp. 415/416;
14. Noção que se torna clara através da leitura da obra Cartas de Lília e Tirse (1771-1777);
10
15. D. Catarina de Lencastre, Viscondessa de Balsemão, Cit. in Maria Luísa Malato da Rosa Borralho,
«“Nem Muros nem Cidade”. O Espírito Utópico nas Academias Portuguesas» in Estudos em
Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, vol. I, Porto, Faculdade de Letras da Universidade
do Porto, 2004, p. 285;
16. José Subtil, História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), direcção de José Mattoso,
coordenação de António Hespanha, Círculo de Leitores, 1993, p. 175:
17. ANTT, “Oficio dirigido ao ministro José Seabra da Silva, com data de 25 de Julho de 1793”,
Ministério do Reino, cx. 569, doc. S.n.; e ANTT, “Relatório enviado ao ministro do Reino José
Seabra da Silva em 15 de Junho de 1791”, Ministério do Reino, maço 454, cx 569, doc. S.n.;
18. “Decreto de 10 de Dezembro de 1810”, Off. Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade em
Lisboa: finais do século XVIII a 1834, Lisboa, 1995, p. 76;
19. Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade em Lisboa: finais do século XVIII a 1834,
Lisboa, 1995 – Tese de Doutoramento de Geografia Humana na Universidade de Lisboa, p.72;
21. ANTT, Livros Perigosos, Intendência Geral da Polícia, “Subordinação pública ou administrativa ao
governo e secretarias de estado”, “Contas para o governo”, LVº 4 (desde 1793 a 1795), p. 222 v;
22. Como nos dá conta a carta de Ricardo Tremlet na Gazeta Literária, Tomo II de Janeiro de 1762;
23. Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade em Lisboa: finais do século XVIII a 1834,
Lisboa, 1995 – Tese de Doutoramento de Geografia Humana na Universidade de Lisboa, pp.75/76;
24. Maria Borralho «“Nem Muros nem Cidade”. O Espírito Utópico nas Academias Portuguesas» in
Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, vol. I, Porto, Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, 2004, p. 281;
25. José Augusto dos Santos Alves, A opinião pública em Portugal nos finais do século XVIII e
princípios do século XIX, Lisboa, 1998, p.15;
26. D. Catarina de Lencastre, Viscondessa de Balsemão, Off. Maria Luísa Malato da Rosa Borralho,
«“Nem Muros nem Cidade”. O Espírito Utópico nas Academias Portuguesas» in Estudos em
Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, vol. I, Porto, Faculdade de Letras da Universidade
do Porto, 2004, p. 285
27. Manuel Maria Barbosa du Bocage, Sonetos de Bocage, soneto 204, Edição Schmidt e Gunther,
Leipzig, s. d.;
28. Ana Cristina Araújo, A cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas, Lisboa, Livros Horizonte,
«Temas d História de Portugal», 2003, pp.92/103;
29. ANTT, Bocage – poeta preso na inquisição, Intendência Geral da Polícia, “Subordinação pública ou
administrativa ao governo e secretarias de estado”, “Contas para o governo”, LVº 5 (desde 1795 a
1799), p. 166 v.;
11
30. ANTT, Nicola, Intendência Geral da Polícia, “Subordinação pública ou administrativa ao governo e
secretarias de estado”, “Contas para o governo”, LVº 5 (desde 1799 a 1802), p. 74;
31. Hernâni Cidade, Bocage, Porto, Lello, «Ontem e hoje», 1936, p. 12;
32. Intervenção do deputado Soares Franco na sessão de cortes de 6 de Março de 1822 em que se
discutiu a abolição da IGP, Cit. in Maria Alexandre Lousada, Espaços de sociabilidade em Lisboa:
finais do século XVIII a 1834, Lisboa, 1995, p. 78;
33. José Subtil, História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), direcção de José Mattoso,
coordenação de António Hespanha, Círculo de Leitores, 1993, p. 175.
12
Bibliografia
Alves, José Augusto dos Santos, A opinião pública em Portugal nos finais do
século XVIII e princípios do século XIX, Lisboa, 1998;
Bocage, Manuel Maria Barbosa du, Sonetos de Bocage, soneto 204, Edição
Schmidt e Gunther, Leipzig, s. d.;
13
Monteiro, Nuno Gonçalo, «Idade Moderna (séculos XV – XVIII)» in História de
Portugal, coord. Rui Ramos, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, pp.428/429;
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