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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do

ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade


administrativa
Emerson Gabardo
Pós-Doutor em Direito Público Comparado pela Fordham University School of Law. Professor Titular de Direito Administrativo da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e Professor Adjunto de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.

Lucas Bossoni Saikali


Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Pesquisador Bolsista CAPES do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED –
PUCPR).

Resumo: O estudo analisa o debate acerca da imprescritibilidade atuam mudam de maneira tão rápida que não
das ações de ressarcimento ao erário nos casos de
improbidade administrativa, segundo a exegese do art. 37, se torna possível consolidar uma rotina ou um
§5º, da Constituição da República. De início, busca apresentar hábito.1 É surpreendente como as sociedades e
o princípio da segurança jurídica no cenário brasileiro, bem
como demonstrar seu caráter constitucional. Reconhece que as instituições estão dispostas a flexibilizar tais
no sistema constitucional brasileiro existem casos em que a ideais republicanos em tempo de crise (muitas
imprescritibilidade é expressada de forma inequívoca, o que
faz da prescritibilidade o princípio geral. Após, são analisados vezes renovando crenças irracionais em mitos
os atos que causam dano ao erário, bem como o papel do legitimadores). Tal liquidez conceitual e axiológica
Supremo Tribunal Federal no debate, seja por meio do RE nº
669.609/MG (em que decidiu pela prescritibilidade para o caso torna as relações sociais ainda mais inseguras e
de danos decorrentes de ilícitos cíveis) ou do RE nº 852.475/SP incertas do que já o são pela sua própria natureza.
(em que decidiu pela imprescritibilidade dos casos decorrentes
de atos dolosos de improbidade). Ainda, são apontadas as Contudo, essa realidade de insegurança
razões em favor da defesa da prescritibilidade das referidas e incerteza não pode (não deve) determinar a
ações de ressarcimento ao erário e os argumentos elencados
pela doutrina contrária. Ao final, conclui que a ausência de
conduta jurídica da Administração Pública. O
prazo prescricional para que o Estado ajuíze as ações de Direito nasceu e se desenvolveu com vocação
ressarcimento no caso doloso de improbidade viola princípios
basilares da Constituição brasileira, quais sejam, os princípios
inversa – e tal característica deve ser ainda mais
da segurança jurídica, do devido processo legal (ampla defesa), forte nas atividades estatais (pois quem tem
da isonomia, e da razoabilidade, além de ser uma decisão
contrária à do legislador constituinte.
mais poder deve submeter-se a mais controle).
Nesses termos, preservar a temporalidade e a
Palavras-chave: Dano ao erário. Ação de ressarcimento.
Imprescritibilidade. Improbidade administrativa. Devido racionalidade conceitual e axiológica da relação
processo legal. jurídico-administrativa é crucial para a integridade
Sumário: 1 Introdução – 2 Segurança jurídica e prescrição: da sociedade e das instituições. Por esse motivo
notas sobre a imprescritibilidade na Constituição de 1988 –
3 Lesão ao erário e a ação de ressarcimento: a interpretação o Direito criou institutos como o princípio da
do artigo 37, §5º, da Constituição da República – segurança jurídica e a prescrição. O princípio da
4 A repressão aos atos de improbidade administrativa no
sistema jurídico brasileiro – 5 A posição do Supremo Tribunal segurança jurídica tem em sua essência a busca
Federal concernente à prescrição das ações de ressarcimento pela estabilidade das relações jurídicas, a fim de
ao erário – 6 Conclusão – Referências
que não existam surpresas para os envolvidos
na relação jurídica. O instituto da prescrição
é um instrumento jurídico que também traz
1 Introdução
segurança ao Direito, na medida em que proíbe
A relação da Administração Pública com os que discussões sejam iniciadas a qualquer
seus administrados deve ser envolta por uma tempo e pela eternidade. No tocante a esse
camada de preceitos que visam adequar a conduta assunto, o conceito de “eterno” não é compatível
do indivíduo aos ideais republicanos de vida em com o discurso jurídico racional, tanto quanto a
sociedade. Contudo, essa relação nem sempre instabilidade temporal permanente. O Direito
ocorre de modo estático e previsível. De acordo tem como talento inato a capacidade de situar o
com o filósofo Zygmunt Bauman, a sociedade homem no tempo.
atual possui como principal característica o fato
de ser “líquido-moderna”, na medida em que
1
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Tradução de Carlos Alberto
as condições sobre as quais seus membros Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 7.

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Para além da segurança jurídica, também a o prejudiquem. Por outro lado, o segundo núcleo
proteção ao devido processo legal como direito conceitual que forma o conceito do princípio é
fundamental é importante para o fim de se a ideia de estabilidade.5 De nada adianta ter a
analisar a prescritibilidade ou não das ações de certeza das consequências de seus atos se do
ressarcimento ao erário, seja em razão de ilícitos dia para a noite o ordenamento jurídico mudar
civis, seja por conta de atos de improbidade e retroagir a situações pré-existentes. É preciso
administrativa (ou mesmo criminais). Infelizmente, que a previsibilidade característica do princípio da
o artigo 37, §5º, da Constituição da República segurança jurídica seja acompanhada também de
possui uma redação imprecisa e que vem estabilidade, a fim de que sejam assegurados os
suscitando dúvidas aos intérpretes. São diversos direitos subjetivos adquiridos e que a expectativa
os autores que defendem a prescritibilidade dos indivíduos de boa-fé em relação à atuação do
destas ações, assim como também é numeroso Estado seja mantida.6 Ademais, é importante não
o conjunto daqueles que entendem existir prazo manter ativa uma possibilidade eterna de ação
indefinido para a Fazenda Pública pleitear o persecutória, sob pena de este “poder de agenda”
ressarcimento por danos sofridos. Nesta senda, ser utilizado de forma a contrariar os princípios
analisa-se a doutrina e o posicionamento do do Estado de Direito. O medo é uma condição
Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto.2 avessa à liberdade e à dignidade, por isso cabe ao
Estado estabelecer prazos tanto para o exercício
2 Segurança jurídica e prescrição: de direitos subjetivos como, e principalmente,
notas sobre a imprescritibilidade na para ser instada a ação persecutória (seja ela
Constituição de 1988 sancionatória ou ressarcitória; seja ela particular
ou estatal). É eticamente absurdo imaginar que
A segurança jurídica é de suma importância
a defesa do interesse público teria um poder
para que se traga ao Direito estabilidade e proteção
ilimitado a ponto de autorizar à pessoa jurídica
às relações jurídicas na medida em que isso é
estatal um “direito subjetivo de ação” acima
condição para que haja justiça em âmbito político-
destes postulados básicos de objetividade na
social.3 O princípio da segurança jurídica pode ser
ação administrativa – retroagindo, nesta seara,
classificado sob duas égides a considerar seu
à racionalidade subjetiva típica do Estado
núcleo conceitual: a da certeza e a da estabilidade.4
Absolutista.
O núcleo conceitual da certeza trabalha o princípio
Uma das esferas da segurança jurídica dá a
a partir da abstração dos conceitos jurídicos e
ela a noção de estabilidade da norma jurídica; e
suas consequências – que orientam a atuação dos
para que se possa alcançar tal estabilidade, fala-
destinatários das normas jurídicas. Desse modo,
-se na positivação do Direito. Portanto, o princí-
a noção de certeza está ligada à necessidade do
pio da legalidade também interfere no estudo
administrado em saber de antemão quais normas
da noção principiológica da segurança jurídica.
jurídicas e como elas incidirão de acordo com
Nesse sentido, a positivação do princípio da se-
seu comportamento. Significa que o indivíduo
gurança jurídica – sob a ideia de norma cogente
deverá se sentir seguro ao agir, não estando a
– ocasiona sua observância tanto em sua face
mercê de repentinas alterações normativas que
objetiva quanto subjetiva, quais sejam segurança
jurídica stricto sensu e proteção à confiança do
2
Este artigo corresponde à segunda edição de texto anterior já administrado, respectivamente.7 Em relação ao
publicado no primeiro semestre de 2018 pela Revista Jurídica
Unicuritiba. Na primeira edição, o STF ainda não havia deliberado
sobre o assunto. Desse modo, fez-se importante revisar o texto 5
A título de localização temporal, é importante considerar
para que ele pudesse abordar a importante decisão no RE que “a preocupação com a estabilidade emerge com grande
nº 852.475/SP (ocorrida na primeira quinzena de agosto de intensidade no Direito Administrativo com o advento do
2018). Para conferir a primeira edição do texto, ver: GABARDO, Estado Social de Direito, no seio do qual se desenvolve uma
Emerson; SAIKALI, Lucas Bossoni. A prescritibilidade da ação Administração Prestacional, a par da tradicional Administração
de ressarcimento ao erário em razão de atos de improbidade Coercitiva, característica do Estado de Direito”. VALIM, Rafael;
administrativa. Revista Jurídica Unicuritiba, v. 1, n. 50, p. 514- OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves
543, 2018. (Coord.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no
3
Irene Nohara sustenta que “a segurança representa um valor direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 85.
que todo Direito deve cumprir pelo fato de sua mera existência”. 6
Ou seja: tanto certeza sem estabilidade quanto estabilidade
NOHARA, Irene. Direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Atlas, sem certeza geram insegurança – tornando imprevisível e
2015, p. 109. indesejável a atuação da Administração Pública. VALIM, Rafael.
4
A classificação é de Rafael Valim. VALIM, Rafael. O princípio Op. cit., p. 47.
da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São 7
Esta é a opinião de Luciano Ferraz. FERRAZ, Luciano. Segurança
Paulo: Malheiros, 2010, p. 46. jurídica positivada: interpretação, decadência e prescritibilidade.

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

segundo aspecto, tem-se que o princípio da aqui que não se está tratando de um conflito
proteção à confiança do indivíduo está ligado à em concreto entre interesse público e interesse
vedação ao comportamento contraditório por privado, mas sim da solução hermenêutica para
parte da Administração Pública,8 como forma de uma questão referente a dois institutos jurídicos
respeitar o clássico instituto legal do venire contra em abstrato.
factum proprium.9 A importância do princípio da segurança ju-
Muito embora a Constituição de 1988 não rídica cresce com o desenvolvimento da sua
faça qualquer menção ao “direito à segurança natureza jurídica. Inicialmente utilizado como fer-
jurídica”, o constituinte incluiu a segurança como ramenta do Direito privado e especialmente na
valor fundamental no seu preâmbulo e como um seara contratual, aos poucos passou a ser obser-
dos direitos invioláveis descritos no caput do vado também como princípio do Direito público –
seu artigo 5º.10 A “recomposição do erário” não mais especificamente do Direito administrativo.12
está entre tais direitos e não há disposição, seja Para tanto, institutos clássicos do Direito privado,
no preâmbulo, seja no artigo 5º, que possam como a prescrição, foram importados ao Direito
estabelecer uma relação de superioridade deste público – esta evolução foi coerente e natural com
valor sobre o da segurança (ou outros direitos a transformação do Estado Absolutista para um
fundamentais). Neste sentido, entende Ingo Estado de Direito.
Sarlet que muitos artigos constitucionais guardam Na área cível, o diploma que regula os ter-
a ideia de segurança jurídica, e, portanto, tal mos prescricionais é o Código Civil, embora outras
princípio se encontra inserido na atual ordem leis possam prever situações jurídicas sujeitas à
jurídico-constitucional brasileira ao lado da ideia prescrição.13 A prescrição extingue a pretensão do
de segurança social (que envolve os direitos titular do direito subjetivo, retirando deste o poder
fundamentais ligados à saúde, assistência e de exigir o dever jurídico em face daquele que não
previdência social).11 E é importante destacar o cumpriu, por conta de sua inércia em não o exi-
gir segundo o prazo fixado em lei. O direito que
possui o titular não deixa de existir, mas ele deixa
RBDP – Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano
8, n. 30, jul./set. 2013. Disponível em: http://www.bidforum. de ser exigível, pois a prescrição não prejudica a
com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=69446. Acesso em: 10 ação, mas sim seu exercício.14
nov. 2016, p. 3. Já de acordo com a visão do processualista
Fredie Didier Jr., “o princípio da segurança jurídica e o princípio Na esfera administrativa são dois os sentidos
da confiança são, pois, facetas que se complementam
semanticamente: a segurança é a faceta geral da confiança;
em que se pode pensar a prescrição: da pretensão
a confiança, a face particular da segurança”. DIDIER JR., do cidadão em face da Fazenda Pública e da pre-
Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito
processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. tensão da Fazenda Pública em face do cidadão.
ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 137. Em relação ao primeiro, quando o titular do direito
8
Por mais que intimamente relacionado ao princípio da
segurança jurídica, o princípio da confiança possui conteúdo, subjetivo deixa de acionar o Poder Judiciário no
sendo princípio jurídico autônomo e por isso deve ter tratamento prazo fixado em lei, tem sua pretensão prescrita,
teórico-dogmático diverso, conforme Wilson Steinmetz.
STEINMETZ, Wilson. Segurança jurídica hoje: princípio da não podendo mais exigir determinada obrigação
proteção à confiança. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Direito da pessoa jurídica de Direito público.15 Dentre os
Constitucional Brasileiro: Teoria da Constituição e Direitos
Fundamentais. Vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014,
p. 308.
9
Conforme sustenta Irene Nohara, a ligação entre o princípio REDE-32-DEZEMBRO-2012-INGO-SARLET.pdf. Acesso em 20
da segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança jun. 2017.
(ou Vertrauensschutz) busca dar “amparo à aparência de 12
De acordo com Lígia Melo, essa passagem do direito privado
regularidade e à presunção de legitimidade dos atos estatais”. para o direito público toma a “segurança Jurídica como princípio
NOHARA, Irene. Op. cit., p. 111. eleito no Regime Jurídico Administrativo”. MELO, Lígia Maria
10
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de Silva de. Segurança jurídica: fundamento do Estado de Direito.
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à Horizonte, ano 6, n. 25, jul./set. 2006, p. 2.
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. 13
A corrente adotada pelo Código Civil de 2002 é a teoria da
11
Segundo o autor, a ideia de segurança jurídica está espraiada prescrição da pretensão, inspirada pela teoria alemã a respeito
na Constituição pelo princípio da legalidade e da ideia de não da matéria, na medida que o art. 189 do texto legal sustenta
ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a
da lei (art. 5º, inc. II), pelas restrições à extradição (art. 5º, qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem
incisos LI e LII) e pelas garantias do devido processo legal, os arts. 205 e 206”. Ver em: CARVALHO FILHO, José dos
do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV), Santos. Improbidade administrativa: prescrição e outros prazos
dentre outros exemplos. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do extintivos. São Paulo: Atlas, 2012, p. 15.
direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa 14
LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social 2013, p. 319.
no direito constitucional brasileiro. Revista Eletrônica de Direito 15
Esclarece o autor que “quando se empregar a expressão
do Estado (REDE), Salvador, n. 32, out./nov./dez. 2012, p. prescrição contra a Fazenda Pública, o sentido é o de que se
5-6. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/ trata de prescrição contra pessoa jurídica de direito público,

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diplomas legais que regem a prescrição do direito expressas (e de modo inequívoco).18 O princípio
subjetivo do cidadão em face do Estado os geral em um Estado de Direito republicano é o da
principais são o Decreto nº 20.910/32, o Decreto- prescritibilidade e não o da imprescritibilidade.
Lei nº 4.597/42 e a Lei nº 9.494/97. Sendo Nesse sentido, a imprescritibilidade não
desrespeitado o direito da Administração pelo é noção que decorre de eventual omissão legal
cidadão, cabe ao Estado-titular do direito exigir do prazo prescricional. No Direito público, e com
a prestação do dever jurídico – mas, neste caso, maior ênfase no Direito administrativo, não se
a questão não está regulada expressamente na permite o uso da analogia ou da interpretação
via legislativa infraconstitucional por conta da extensiva das normas para serem restringidos
discussão relativa à sua previsão constitucional. direitos fundamentais estabelecidos constitucio-
Tal situação, por si só, já denota a falta de isonomia nalmente.19 Sendo assim, cabe ao legislador fixar
de tratamento legislativo entre a sociedade e o de modo preciso o prazo prescricional, bem como
Estado. caberá ao legislador constituinte definir as hipóte-
O instituto da prescrição possui característi- ses de imprescritibilidade expressamente no texto
cas que tendem a garantir a efetividade das rela- constitucional, pois cabe a ele analisar quais as
ções jurídicas e a segurança da paz social. Sendo normas que estarão inseridas neste contexto.
assim, elencam-se três finalidades para a sua No cenário brasileiro, a Constituição de 1988
existência: (i) prevenir litígios; (ii) evitar que tais traz de forma expressa – de maneira clara e ine-
litígios se prolonguem indefinidamente; (iii) resta- quívoca – três hipóteses de pretensões imprescri-
belecer harmonia e paz às partes e suas respec- tíveis, quais sejam: os crimes de racismo (artigo
tivas relações jurídicas. De acordo com Augusto 5º, inc. XLII),20 os crimes resultantes de ações de
Zenun, são quatro os elementos constitutivos da grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
prescrição: (i) existência de uma ação exercitável; constitucional e o Estado democrático (artigo 5º,
(ii) a inércia do titular da ação por não a ter exer- inc. XLIV),21 e o direito sobre as terras tradicional-
citado; (iii) continuidade da inércia; e (iv) ausência mente ocupadas pelos índios (artigo 231, §4º).22
de qualquer ato ou fato impeditivo que suspenda Ao se falar do crime de racismo, há que
ou interrompa o prazo prescricional. Nesta senda, se tratar também da positivação da pluralidade
a inexistência do instituto da prescrição, com as étnica, social e racial existente no território
finalidades supracitadas, mitigaria a ordem e a brasileiro, ao ponto em que se repudia o
segurança típica das relações jurídicas, dando es- desrespeito às diferenças e que se tem como fim
paço para a instabilidade, desordem e incerteza a igualdade de todos os indivíduos componentes
dentro da perspectiva do Direito (e do direito de
acionar).16 18
Esta é a opinião jurídica de Gustavo Marinho de Carvalho,
com a qual se concorda. CARVALHO, Gustavo Marinho de. A
Tendo em vista que a prescrição é regra geral prescritibilidade da pretensão ressarcitória do Estado: uma
no ordenamento jurídico brasileiro,17 haja vista ser leitura do art. 37, §5º, da Constituição Federal. In: VALIM,
Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto
consequência do princípio da segurança jurídica Neves (Coord.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica
(essencial para a existência do Estado Democrático no direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 772-
773.
de Direito), o legislador constituinte estabeleceu 19
De acordo com o Julio Cesar Costa da Silveira há de ressaltar
no caso em discussão uma “indispensável observância
as hipóteses em que haverá a imprescritibilidade ao princípio constitucional da legalidade, como paradigma
da pretensão judicial quando se tratar de ordem inafastável, dada sua condição de diretriz estruturante da
esfera pública, baseando-se então na assertiva cronificada
pública. Por óbvio, tais hipóteses necessitam ser pelo aforismo de que ‘ubi lex non destinguitnec nos distinguere
debemus’ (onde a lei não distingue, não pode o intérprete
distinguir)”. SILVEIRA, Julio Cesar Costa da. Da prescrição
administrativa e o princípio da segurança jurídica: significado
seja ou não de caráter-político federativo”. CARVALHO FILHO, e sentido. 2005. 403f. Tese (Doutorado em Direito) – Setor de
José dos Santos. Op. cit., p. 64. Ciências Jurídicas – Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
16
Tal entendimento tradicional pode ser bem representado pela p. 212.
doutrina de Augusto Zenun. ZENUN, Augusto. Prescrição na 20
Art. 5º. [...] XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável
constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 5. e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
17
Nas palavras de José Afonso da Silva, “a prescritibilidade, 21
Art. 5º. [...] XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível
como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
de seu titular, é um princípio geral do direito. Não será, pois, constitucional e o Estado Democrático.
de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob 22
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
em face da Administração, quer quanto às destas em face sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
dos administrados”. SILVA, José Afonso da. Curso de direito União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
constitucional positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. bens. [...] §4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis
682. e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

da sociedade.23 Ademais, afirma a doutrina histórico de colonização causou a este grupo


que a imprescritibilidade vale para todos os vulnerável são incomensuráveis, justificando-se
crimes raciais previstos na Lei nº 7.716/89.24 também, por fortes razões axiológicas, esta
De acordo com a referida legislação, o crime de exceção à regra da prescritibilidade.
racismo envolve a prática, indução ou incitação de Muito embora tenha se tratado até o momento
discriminação ou preconceito por raça, cor, etnia, das três hipóteses em que a imprescritibilidade
religião ou procedência nacional (artigo 20, caput). foi aceita de forma expressa pela Constituição de
Nesse sentido, vale ressaltar que a prática do 1988, há grande discussão acerca da possibili-
racismo vai além da mera prática da discriminação, dade de a Administração Pública poder a qualquer
sendo possível tipificar a conduta pela prática do tempo cobrar do cidadão o ressarcimento por atos
induzimento e da incitação à discriminação e ao que causem danos à Fazenda Pública. Tal inter-
preconceito racial.25 Devido ao passado brasileiro, pretação decorre da exegese do artigo 37, §5º, da
que contempla um período nefasto de permissão Constituição.
institucional para a escravidão, a exceção à regra
da prescritibilidade torna-se compreensível, bem 3 Lesão ao erário e a ação de
como ética sustentável. ressarcimento: a interpretação do
No que se refere ao crime resultante de ações artigo 37, §5º, da Constituição da
de grupos armados contra a ordem constitucional República
e o Estado democrático brasileiro, é inegável o
Primeiramente, cumpre destacar que patri-
conteúdo político do dispositivo. A Constituição
mônio público e erário são expressões que não se
evidencia sua busca pela harmonia e paz social,
confundem. Na medida em que o primeiro compre-
na medida em que busca proteger a sociedade
ende uma noção mais ampla, que abrange todo
de ataques desferidos por grupos armados –
o conjunto de bens e direitos públicos de valor
situação esta que por sua gravidade em termos de
econômico, cultural, artístico, turístico e histórico
impactação social, justificam a excepcionalidade.
de um ente, a noção de erário se restringe ao com-
Por último, a proteção ao direito sobre a terra
plexo de bens e direitos financeiros do Estado.26
indígena demonstra a intenção do constituinte
Em segundo lugar, importa saber que são quatro
em vincular e reservar uma propriedade à
as hipóteses de ilícitos causadores de danos ao
população autóctone para que esta tenha as
erário: os ilícitos administrativos, os civis comuns,
condições necessárias para se reproduzir física
os penais e os de improbidade administrativa.
e culturalmente, conforme seus usos, costumes
Ressalta-se que a improbidade (mesmo sendo
e tradições. Afinal, os danos que o processo
prevista como ilícito em estatutos disciplinares),
só pode ser configurada para fins de punição do
23
Mister trazer ao estudo a eloquente defesa do Supremo
agente se estabelecida previamente na ação civil
Tribunal Federal à imprescritibilidade nos crimes de racismo própria ou na ação penal respectiva.
no julgamento do Habeas Corpus nº 82.424/RS: “[...] 7. A
Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos Ressalta-se que são ecléticas as hipóteses
dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a fáticas em que a lesão pode ser verificada: desde
cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam
rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade uma fraude à licitação (que envolve ilícito penal
nacional à sua prática. [...] 15. Existe um nexo estreito entre contra a Administração Pública e também eventual
a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem
encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição ato de improbidade administrativa) até a mera ili-
dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento. No
citude fruto de uma ação danosa patrimonial pe-
estado de direito democrático devem ser intransigentemente
respeitados os princípios que garantem a prevalência dos rante a Administração Pública – como um acidente
direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos
povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado
de trânsito.
que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos Para melhor analisar a noção de ilícito civil
raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos
crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações busca-se na doutrina civilista sua definição. De
de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de acordo com Sergio Cavalieri Filho, trata-se de
velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e
histórica não mais admitem. Ordem denegada” (HC nº 82.424, uma transgressão contratual ou extracontratual
rel. Min. Moreira Alves, rel. p/Acórdão Min. Maurício Corrêa,
Tribunal Pleno, julgado em 17.09.2003, DJ de 19.03.2004, PP-
00017 EMENT VOL-02144-03 PP-00524). 26
Marino Pazzaglini Filho também se refere ao erário como o
24
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do “Tesouro Público”. PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade
racismo: aspectos jurídicos e sociocriminológicos. Belo administrativa: aspectos constitucionais, administrativos, civis,
Horizonte: Del Rey, 2006, p 161. criminais, processuais e de responsabilidade fiscal; legislação e
25
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Op. cit., p. 162. jurisprudências atualizadas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 69.

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de um dever jurídico.27 A seu turno, o ilícito penal impõem que a alíquota mínima do Imposto Sobre
é todo o ato positivo ou negativo antijurídico, Serviços de Qualquer Natureza será de 2% e que o
típico, imputável e punível. Ainda, pode existir imposto não será objeto de concessão de isenção,
independentemente da efetividade do dano, incentivos ou benefícios tributários, ou qualquer
uma vez que sancionado por uma pena disposta outro meio que diminua o valor a ser recolhido.
inequivocamente pela lei. Ao contrário do ilícito Conforme restou demonstrado anterior-
civil, a tipicidade e a culpabilidade são elementos mente, são três as hipóteses em que a imprescri-
essenciais para a configuração do ilícito penal.28 tibilidade foi aceita de forma expressa (de forma
Finalmente, há que se falar nos atos de clara e inequívoca) pela Constituição de 1988. À
improbidade administrativa que causam dano época da elaboração da Constituição o tema da
ao erário. Tipificada nos artigos 10 e 10-A da prescritibilidade das ações de ressarcimento ao
Lei de Improbidade Administrativa, ou LIA (Lei erário foi discutido pelo legislador constituinte.
nº 8.429/92), a conduta que causa dano o erá- Até a formalização do Projeto A da Constituição
rio deve ser gerada por um ato ilegal do agente da República (24 de novembro de 1987), na frase
público, ativo ou omissivo, eivado de má-fé (se- final do então artigo 44, §4º lia-se “[...] ressalva-
gundo a lei: culpa ou dolo) durante o exercício de das as respectivas ações de ressarcimento, que
uma função pública (mandato, cargo, emprego ou serão imprescritíveis”. Entretanto, já no Projeto
atividade).29 Mesmo terceiros que tenham qual- B (de 5 de julho de 1988), o Constituinte retirou
quer vínculo com a Administração Pública e que as últimas três palavras do dispositivo, sendo
causem danos ao patrimônio podem sofrer ações mantido o que sobrou em sua integralidade até
de ressarcimento ao erário. Muito embora o rol a presente data.33 Portanto, na redação atual não
apresentado no artigo 10 da LIA seja meramente houve uma omissão ou descuido, e sim um silên-
exemplificativo, sendo possível que outras con- cio eloquente estabelecido pelo constituinte de
dutas sejam consideradas atos ímprobos, o dis- forma deliberada. O texto final infelizmente restou
positivo elenca uma série de comportamentos ambíguo, mas a retirada da imprescritibilidade foi
lesivos.30 uma ação expressa, registrada na história do pro-
Ainda, novidade da Lei de Improbidade cesso legislativo originário.
Administrativa é o art. 10-A,31 incluído pela Lei Apesar desta constatação relativa à gênese
Complementar nº 157/16. O artigo, de natureza do dispositivo, ainda hoje há grande discussão
tributária, proíbe que o gestor municipal cometa acerca da possibilidade de a Administração
atos que venham a ferir o caput e o §1º do art. Pública poder a qualquer tempo cobrar do cidadão
8º-A da Lei Complementar nº 116/2003 (também o ressarcimento por atos ilícitos administrativos,
alterados pela LC nº 157/16).32 Esses dispositivos civis, penais e atos de improbidade administrativa
que causem danos ao erário. Tal interpretação
decorre da exegese do artigo 37, §5º, da
27
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil.
11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 334. Constituição. De acordo com o referido dispositivo:
28
FIUZA, César. Por uma nova teoria do ilícito civil. Âmbito Jurídico, “§5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para
Rio Grande, IX, n. 35, dez 2006. Disponível em: http://www.
ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_ ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou
leitura&artigo_id=1404. Acesso em: jan. 2018.
29
O prejuízo financeiro efetivo ao patrimônio estatal pode
não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas
ser gerado pela “perda patrimonial, desvio, apropriação, as respectivas ações de ressarcimento”.
malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres públicos”.
PAZZAGLINI FILHO, Op. cit., p. 69.
30
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários
entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I – ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de
facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma
ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor
rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida
entidades mencionadas no art. 1º desta lei; [...]. no caput, exceto para os serviços a que se referem os subitens
31
Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa a esta Lei Complementar.
ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício [...].
financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o 33
LIMA, João Alberto de Oliveira; PASSOS, Edilene; NICOLA,
§1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de João Rafael. A gênese do texto da Constituição de 1988.
2003. Brasília: Senado Federal: Coordenação de Edições Técnicas,
32
Art. 8º-A. A alíquota mínima do Imposto sobre Serviços de 2013. Disponível em: http://www.senado.gov.br/publicacoes/
Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento). (Incluído pela Lei GeneseConstituicao/pdf/genese-cf-1988-1.pdf. Acesso em: 17
Complementar nº 157, de 2016) §1º O imposto não será objeto out. 2017.

60 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 19, n. 223, p. 55-74, setembro 2019

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

Parte da doutrina entende que não há como porque o Constituinte teria ponderado os valores
se questionar a imprescritibilidade das ações dos princípios dispostos e deu maior ênfase ao
cujo propósito é o de reparar o dano sofrido pela princípio da proteção ao erário. Desse modo,
Administração.34 Para Juarez Freitas, a ressalva para Carvalho Filho a ratio constitucional foi a de
feita pelo constituinte na parte final do artigo realmente dar entendimento diverso da regra geral
37, §5º, demonstra nitidamente a escolha do da prescrição, qualificando-a como imprescritível,
legislador originário pela imprescritibilidade das para que possa ser oferecida em caráter
ações de ressarcimento ao erário. De acordo permanente e independente do transcurso do
com o autor, é expressa a vedação para que lei tempo.38 Já Pedro Roberto Decomain sustenta que
infraconstitucional fixe prazos para essas referidas o dispositivo constitucional em debate apresenta
ações.35 No mesmo sentido, Raquel Urbano de um duplo comando. Por um lado, determina que
Carvalho não aceita a imprescritibilidade, pois não o legislador infraconstitucional estabeleça prazos
lhe impressionariam argumentos “frágeis” como prescricionais para as pretensões punitivas
a ampla defesa; afinal, o ônus probatório recairia dedutíveis contra agentes públicos por conta de
sobre o autor e, ademais, segundo a autora, o atos que causem dano ao erário. Por outro, a
Estado atua conforme o “princípio da realidade” e Constituição não teria permitido que o legislador
o da verdade material.36 ordinário fixe prazos prescricionais relativos à
Para José dos Santos Carvalho Filho a pretensão de ressarcimento de prejuízos causados
ressalva feita pela Constituição da República ao erário.39
tem como objetivo conceder uma maior proteção Vários outros juristas, entretanto, defendem
possível ao erário como condição de valor mais interpretação diversa. Merece destaque a posição de
alto e digno desta proteção mais expressiva, Celso Antônio Bandeira de Mello, que originalmente
pois é um bem da coletividade, mesmo que seguia o entendimento pela imprescritibilidade,
as autoridades administrativas restem inertes mas mudou sua visão ao longo das edições de
em relação à cobrança de seu ressarcimento. seu Curso (sem dúvida alguma, a mais importante
Defende o autor que o constituinte qualificou a obra do Direito Administrativo brasileiro sob a
ação ressarcitória dos prejuízos causados com égide da Constituição de 1988). Na realidade,
o símbolo da perenidade, atribuindo-lhe então o jurista reconhece que defendia a tese anterior
a garantia da imprescritibilidade.37 Ademais, com certa insegurança ou desconforto. Segundo
entende que a hipótese de imprescritibilidade Bandeira de Mello, é importante que se entenda
presente no artigo 37, §5º não ofende o direito o efetivo alcance do artigo em debate: a ressalva
de ampla defesa e o da segurança jurídica. Isto apresentada na Constituição de 1988 demonstra
tão somente que as ações de ressarcimento
terão prazo diverso daqueles estabelecidos para
34
Sobre o assunto, ver: GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. as responsabilidades administrativa e penal.40 A
Comentários à Lei de Improbidade Administrativa: Lei 8.249, de
02 de junho de 1992. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, posição do autor passou a ser consonante àquela
2014, p. 408. que já vinha sendo defendida por parte significativa
35
Vale ressaltar que o jurista entende que: “a multa civil [prevista
no art. 12, I a III, da Lei de Improbidade Administrativa]
deve servir para reparar o núcleo moral do dano”. Dessa
maneira, conclui-se que a ação reparatória que se refira ao 38
Salienta o autor que a razão histórica do dispositivo “foi a
dano especificamente moral deve ser intentada nos prazos proteção do patrimônio público e, especificamente, do erário,
prescricionais estabelecidos no art. 23 da Lei de Improbidade tendo considerado que eventual inércia do Estado na busca do
Administrativa. FREITAS, Juarez. O princípio jurídico da ressarcimento dos prejuízos que lhe foram perpetrados haveria
moralidade e a Lei de Improbidade Administrativa. Fórum de ceder diante de um valor maior – a proteção do patrimônio
Administrativo Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 5, n. público”. CARVALHO FILHO, 2012, p. 252.
48, fev. 2005. Disponível em: http://www.editoraforum.com. 39
DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São
br. Acesso em: 20 nov. 2017. Paulo: Dialética, 2007, p. 392.
36
As posições da autora podem ser consultadas em seu 40
Assim descreve o autor a sua mudança de posicionamento: “Já
excelente Curso de Direito Administrativo, CARVALHO, Raquel não mais aderimos a tal desabrida intelecção. Convencemo-
Urbano de. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Salvador: nos de sua erronia ao ouvir a exposição feita no Congresso
Juspodivm, 2009, p. 546 e ss.), ou em parecer recentemente Mineiro de Direito Administrativo, em maio de 2009, pelo
editado (Parecer nº 15.851, de 22.02.2017 – Procuradoria do jovem e brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou
Estado de Minas Gerais). um argumento, ao nosso ver irrespondível, em desfavor
37
Segundo o jurista, “o erário, como parcela do patrimônio da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria
público, pertence a toda a coletividade, pois que todo o seu consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de
acervo só se constituiu em virtude dos esforços e sacrifícios defesa daquele a quem se houvesse increpado dano ao erário,
dos administrados em geral. Daí a razão de não parecer a pois ninguém guarda documentação que lhe seria necessária
pretensão do Estado de defender seu erário contra aquele que além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente
o desfalcou pela prática de ilícito”. CARVALHO FILHO. Op. cit., longo”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito
p. 243. administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 1.093.

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da doutrina nacional, com surpreendente reconhe­ Pelo lado do princípio da segurança jurídica,
cimento progressivo pela jurisprudência.41 Sua tese traz-se a ideia de que o Estado não poderá,
é baseada em três premissas principais: (i) com a arbitrariamente, conceder e retirar direitos dos
imprescritibilidade há mitigação do direito à defesa cidadãos sem lhes garantir certa estabilidade na
do indivíduo, pois ao contrário da Administração relação entre Administração Pública e o indivíduo.
Pública, este não pode manter por períodos No que se refere ao princípio da ampla defesa,
longuíssimos o conteúdo probatório que poderia indaga-se de que forma poderia o indivíduo se
lhe beneficiar em eventual litígio; (ii) a Constituição defender de forma plena vários anos depois da
é clara e inequívoca quando busca carimbar conduta imputada – provavelmente, só de maneira
alguma pretensão com o selo da imprescritibilidade absolutamente precária.
e este não é o caso; e (iii) a ressalva feita pelo Considerando a densidade dos argumentos
constituinte significa que os prazos para as ações favoráveis e a debilidade dos argumentos con-
de ressarcimento serão autônomos em relação trários, ressalta aos olhos a correção da tese da
à responsabilização por atos ilícitos. Conclui seu prescritibilidade das ações de ressarcimento ao
raciocínio sugerindo que o prazo prescricional erário, inclusive por atos de improbidade. A leitura
correto deveria ser o mesmo para a decretação de correta do artigo 37, §5º, da Constituição deve ser
invalidade dos atos viciados: cinco anos quando realizada a partir do Estado Social e Democrático
não há má-fé e dez anos se houver.42 de Direito. E a Constituição não afirma expressa-
Dentre aqueles que advogam pelo mente a imprescritibilidade nos casos de ressar-
entendimento favorável a prescritibilidade do cimento ao erário, de modo que a ressalva pode
preceito constitucional, ressalta-se o posicio­ se referir “apenas à impossibilidade de inclusão
namento de Romeu Felipe Bacellar Filho e Daniel do prazo decadencial das ações de ressarcimento
Wunder Hachem. Segundo os autores, a norma na mesma lei que estabelece o prazo relativo aos
constitucional deve ser interpretada de acordo atos ilícitos”.44
com os princípios que envolvem a Constituição A inexistência de prazo processual prejudica
da República. De acordo com os juristas, o a ampla defesa, pois com o passar do tempo pode
dispositivo requer “uma interpretação sistemática tornar-se impossível ao cidadão provar seus direi-
do texto constitucional, conjugando a norma tos ou defender-se perante o Poder Público das
sob exame com os demais preceptivos da Lei acusações que lhe foram imputadas. Da premissa
Maior”, especialmente os relativos a direitos em abstrato, conclui-se em concreto que o princí-
fundamentais como o da segurança jurídica e o pio da supremacia do interesse público deve ser
da ampla defesa.43 Na medida em que se aceita mitigado para dar espaço a um valor maior: o di-
uma ação imprescritível, ela pode ser proposta reito do indivíduo de se defender contra qualquer
até mesmo contra os filhos, netos ou bisnetos de imputação de responsabilidade que lhe atingir, ta-
um agente público, em uma possível substituição manha a importância do princípio do devido pro-
subjetiva passiva eterna da persecução estatal. cesso legal.45
Isso é um absurdo injusto e incompatível com o O argumento de que o ônus probatório cabe
Estado de Direito, pois se possibilita uma ação ao autor é uma falácia. Atualmente não existe
processual meramente simbólica (muito longe, como estabelecer uma linha divisória dos ônus
portanto, de qualquer “realidade” possível de ser probatórios seja nas ações de improbidade,
auferida). seja nas ações de ressarcimento. A volatilidade
hermenêutica vem pendendo fortemente para
41
Em trabalhos anteriores podem ser encontradas tais um sistema punitivo objetivo, tendencioso e
elucubrações. Ver: GABARDO, Emerson. Interesse público e arbitrário, pois permeado por “presunções”. Seria
subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 312. Ver
também, como um dos pioneiros no tema: HUMBERT, Georges desejável a adequada aplicação das sanções
Louis Hage. Prescritibilidade das ações de ressarcimento ao por ato de improbidade administrativa pelos
erário – estudo de casos. Interesse Público, v. 55, p. 202-211,
2009.
42
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p. 1.093.
43
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder. 44
GABARDO, Emerson. Op. cit., p. 313.
Transferências voluntárias na Lei da Responsabilidade Fiscal: 45
GABARDO, Emerson. A mudança de entendimento do STF sobre
limites à responsabilização pessoal do ordenador de despesas a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário.
por danos decorrentes da execução de convênio. Interesse Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/
Público – IP, Belo Horizonte, ano 12, n. 60, mar./abr. 2010. emerson-gabardo/a-mudanca-de-entendimento-do-stf-sobre-
Disponível em: http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006. a-imprescritibilidade-das-acoes-de-ressarcimento-ao-erario.
aspx?pdiCntd=66526. Acesso em: 10 nov. 2016. Acesso em: 13 out. 2016.

62 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 19, n. 223, p. 55-74, setembro 2019

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

tribunais, respeitando-se todos os fundamentos sendo criados para driblar direitos fundamentais
do Estado de Direito. Afinal, a razoabilidade e (sempre com apoio em um moralismo político
a proporcionalidade nas decisões relativas a muito popular junto à opinião pública).
processos punitivos são uma forma de preservação Ademais, é típico da ação de improbidade já
de direitos fundamentais.46 Todavia, não é isso o consistir em uma apenamento prévio ao sujeito;
que vem ocorrendo na atualidade. apenas o seu processamento já é suficiente
A “existência de provas” tornou-se algo eté- para ser caracterizada uma situação de oneração
reo em um sistema que, na prática, pré-estabelece subjetiva. A ação, em regra, demorará vários anos
mediante convicções subjetivas a culpabilidade do para ser concluída – até lá, pairando sob o réu uma
réu. A regra do “ônus do autor” vem sendo sis- óbvia e forte suspeição de que é culpado. Mesmo
tematicamente flexibilizada pelos tribunais, me- se inocentado, ele já foi punido pelo próprio
diante a criação de todo tipo de presunções de processo. Finalmente, se realmente existisse uma
dano e dolo. Na prática atual, é comum o réu da verdade prévia ao processo, seria difícil explicar
ação de improbidade ter o ônus de provar a sua as disputas entre as entidades públicas – muitas
inocência, e não o autor ter o ônus de provar a vezes, cada qual com sua versão da realidade.
culpa do acusado ou requerido. Cada vez mais são Buscar fundamentos materiais para eliminar
exigidas “provas diabólicas” em processos desta garantias formais, para além de ser um erro
natureza: dolo presumido, cegueira deliberada, te- hermenêutico é um contrassenso lógico. Ademais,
oria do domínio do fato, ações ressarcitórias ob- numa perspectiva exclusivamente axiológica: o
jetivas, dano in re ipsa, etc.47 Acreditar que se o que seria a verdade em se tratando da disputa
autor se mantiver inerte ele será absolvido (nos entre ordem pública e direitos fundamentais?
casos em que não possui mais prova alguma em No atual momento de prestígio do moralismo
seu favor devido à passagem do tempo) é como político como critério de decisões jurídicas públi-
acreditar em contos de fada. A realidade, todavia, cas, esta é uma pergunta muito difícil de ser res-
é a caça às bruxas.48 pondida.49 A liquidez do ambiente pós-moderno
Crer, então, que o Estado só move seu já afetou de forma inexorável o Direito nesta se-
instrumental persecutório para a defesa da gunda década do século XXI – e, se antes já era di-
“verdade material” e da “realidade” é algo curioso, fícil imaginar um conceito plausível de “realidade”,
considerando a quantidade expressiva de derrotas hoje em dia tal crença é um disparate hermenêu-
judiciais que vinha sofrendo historicamente o tico, lógico e axiológico.
Estado em face ao cidadão (notadamente nas Há algumas posições peculiares relativas ao
ações de improbidade, muitas ajuizadas de forma assunto,50 para além daqueles que se posicionam
irresponsável). A nova tendência punitivista é de forma nitidamente favorável ou contrária, ou
justamente uma reação face às adversidades seja, em defesa da prescritibilidade das ações
que vinham sofrendo os órgãos de controle previstas pelo dispositivo constitucional ou em
num contexto de crescente defesa dos direitos favor da imprescritibilidade. A doutrina de Luciano
fundamentais; ou seja, se não há como condenar Ferraz, por exemplo, possui especificidades. O
com base no sistema legal típico do Estado autor sustenta uma leitura conjugada entre o artigo
de Direito, tenta-se conseguir tal condenação
mediante atalhos: institutos jurídicos que vem 49
GABARDO, Emerson. Op. cit., 2017.
50
Joel Niebuhr, ao propor as diferenças essenciais entre os atos
de improbidade administrativa e os ilícitos fiscais e ambientais,
elucida que embora todos possam ser maculados pela má-fé,
46
BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes; MARTINS, aqueles são cometidos por agentes públicos, enquanto os
Grasiele Borges. A adequada aplicação das sanções por ato fiscais e ambientais por agentes privados. Nessa medida, o
de improbidade administrativa como forma de preservação de jurista entende que o reconhecimento da imprescritibilidade
direitos fundamentais. Revista Jurídica UniCuritiba, v. 25, n. 9, aplicada aos ilícitos cometidos de má-fé que afetam a
2010. Administração Pública abarcaria apenas os agentes públicos.
47
Sobre o assunto ver mais detalhes em: GABARDO, Emerson. Dessa forma, quando a pretensão do dano ao erário for
Os perigos do moralismo político e a necessidade de defesa direcionada ao particular beneficiado pelo ato de improbidade
do direito posto na Constituição da República de 1988. A&C administrativa, por exemplo, estaria esse direito de ação
– Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo sujeito a prazo prescricional definido pelo legislador. NIEBUHR,
Horizonte, ano 17, n. 70, jan./mar. 2017. Joel de Menezes. O Supremo Tribunal Federal e a prescrição
48
Sobre o assunto ver o excelente artigo de Felipe Gussoli: da pretensão de reparação de dano recorrente de improbidade
GUSSOLI, Felipe. Caça aos ímprobos: como a aplicação da lei administrativa. Disponível em: http://www.direitodoestado.
de improbidade desvinculada das garantias constitucionais com.br/colunistas/joel-de-menezes-niebuhr/o-supremo-
desvirtua a finalidade legal. In: BLANCHET, Luiz Alberto; HACHEM, tribunal-federal-e-a-prescricao-da-pretensao-de-reparacao-de-
Daniel Wunder; SANTANO, Ana Cláudia (Coords.). Eficiência e dano-decorrente-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 27
Ética na Administração Pública. Curitiba: Íthala, 2015. set. 2017.

Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 19, n. 223, p. 55-74, setembro 2019 ARTIGOS 63

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37, §4º e §5º, da Constituição da República. Para de 90, preocupado em elaborar um documento que
ele, os “ilícitos” dispostos no parágrafo quinto visasse combater a corrupção e a inidoneidade na
fazem menção direta aos atos de improbidade Administração Púbica, redigiu a Lei nº 8.429/92
administrativa. Dessa forma, a parte final do – Lei de Improbidade Administrativa (LIA). A LIA é
dispositivo constitucional impossibilita que o o principal instrumento de combate à corrupção,
prazo prescricional da ação de ressarcimento ao desonestidade e má-fé na gestão pública brasileira.
erário por atos de improbidade comece a correr O documento legal prevê sanções políticas,
antes de findado o prazo previsto no artigo 23 da administrativas e cíveis ao agente público que,
Lei de Improbidade Administrativa. Isso significa no desempenho de suas atribuições funcionais,
que, durante o prazo legalmente disposto na praticar atos de improbidade administrativa que
Lei nº 8.429/92, poderão cumular-se na ação ocasionem (i) enriquecimento ilícito próprio ou de
civil de improbidade pleitos sancionatórios e terceiro, (ii) dano efetivo ao erário e (iii) subversão
ressarcitórios (se houver dano). No entanto, após aos princípios que regem a Administração Pública.
findado o prazo para as ações de improbidade, Importante ressaltar que as sanções previstas no
apenas será possível pleitear o ressarcimento, artigo 12 da LIA podem ser aplicáveis de forma
em novo prazo quinquenal, segundo o autor. cumulativa, parcial ou isolada e não prejudicam
Vale ressaltar que Luciano Ferraz defende sua eventual ação penal, como dispõe o artigo 37,
tese com base na necessidade de observância §4º, da Constituição da República.53
do princípio da segurança jurídica e também na A ação de improbidade administrativa deve
“necessidade de prazos prescricionais maiores ser intentada contra o sujeito ativo dos atos ím-
para o ressarcimento decorrente de atos de probos. Segundo a LIA, o agente público infrator
improbidade administrativa”.51 A solução do é “todo aquele que exerce, ainda que transitoria-
autor é interessante, mas parece que exigiria um mente ou sem remuneração, por eleição, nomea-
esclarecimento legal expresso nesse sentido. ção, designação, contratação ou outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego
4 A repressão aos atos de improbidade ou função” (artigo 2º). Ademais, a disposição da
administrativa no sistema jurídico lei também afeta o particular que induza ou con-
brasileiro corra para a prática do ato de improbidade ou que
do ato se beneficie de forma direta ou indireta (ar-
Os estudiosos do assunto vêm se esforçando
tigo 3º). São seis as sanções previstas na Lei de
em estabelecer modelos explicativos acerca do
Improbidade Administrativa, dispostas no artigo
fenômeno da corrupção.52 O legislador da década
12: a perda dos bens ou valores acrescidos ilicita-
mente ao patrimônio, o ressarcimento integral do
51
Segundo o autor, “a ressalva do §5º tem o efeito de impedir
que durante o transcurso do prazo da prescrição das sanções dano, quando houver, a perda da função pública,
de improbidade, o prazo de prescrição do ressarcimento a suspensão dos direitos políticos, o pagamento
tenha curso. Numa palavra: a ressalva impede que o prazo
prescricional (do ressarcimento por improbidade) flua”. FERRAZ, de multa civil e a proibição de contratar com o
Luciano. Op. cit., 2013. Poder Público ou receber benefícios ou incenti-
52
A título exemplificativo, merecem destaque os seguintes
trabalhos: SAID, José Luis. Corrupción administrativa, vos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
democracia y derechos humanos. A&C – Revista de Direito
Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
n. 51, p. 15-27, jan./mar. 2013; BUTELER, Alfonso. qual seja sócio majoritário.54 Vale ressaltar que as
Corrupción, globalización y Derecho Administrativo. Revista
Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 1,
n. 1, p. 39-62, jan./jun. 2014; BUTELER, Alfonso. El control de & Constitucional, Belo Horizonte, ano 16, n. 63, p. 67-91, jan./
la corrupción en el Derecho Comparado: los casos de Argentina, mar. 2016.
Brasil y España. A&C – Revista de Direito Administrativo & 53
Art. 37. [...] §4º Os atos de improbidade administrativa
Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 53, p. 23-43, jul./ importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
set. 2013; BUTELER, Alfonso. La transparencia como política função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
pública contra la corrupción: aportes sobre la regulación de ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo
derecho de acceso a la información pública. A&C — Revista de da ação penal cabível.
Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 14, 54
A contratação pública é, aliás, um dos principais focos da
n. 58, p. 61-106, out./dez. 2014; BITENCOURT, Caroline Müller; corrupção. Sobre o tema, ver: AYMERICH CANO, Carlos. Un
RECK, Janriê Rodrigues. Construção pragmático-sistêmica dos problema pendiente: la ineficacia de los contratos afectados
conceitos básicos do Direito Corruptivo: observações sobre por actos de corrupción. Revista Eurolatinoamericana de
a possibilidade do tratamento da corrupção como um ramo Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 2, n. 2, p. 31-41, jul./dez.
autônomo do Direito. A&C – Revista de Direito Administrativo & 2015; RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, Jaime. La Directiva Europea
Constitucional, Belo Horizonte, ano 15, n. 62, p. 123-140, out./ de Contratación Pública y la lucha contra la corrupción. Revista
dez. 2015; e OSPINA GARZÓN, Andrés Fernando. Instrumentos de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 8, n. 1, p.
de la lucha contra la corrupción en Colombia: de la ultima ratio 24-56, jan./abr. 2017; RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, Jaime. The
a la ausencia de razón. A&C – Revista de Direito Administrativo principles of the global law of public procurement. A&C – Revista

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

três últimas sanções variam de acordo com o ato caso culposo, sem dúvida foram extrapolados os
cometido, podendo ser o prazo de suspensão dos limites conceituais da improbidade.
direitos políticos e de proibição de contratar com Desta feita, entende-se que a improbidade
a Administração Pública maior ou menor. Ainda, administrativa não é a mera ilegalidade adminis-
é necessário destacar a disciplina do artigo 10-A, trativa, mas sim a ilegalidade qualificada pela
inserido na Lei de Improbidade Administrativa pela desonestidade. É o agir do gestor público ou de
Lei Complementar nº 157/2016.55 beneficiário da Administração Pública de forma
No âmbito em estudo, a atuação do agente ímproba. É totalmente equivocada, portanto, a
público deve constituir violação ao princípio cons- redação legal ao aceitar a modalidade culposa,
titucional da moralidade administrativa, qual seja, se causar dano ao erário. Nesse sentido, a im-
o dever de agir com presteza, honestidade e de- probidade difere da ilegalidade em sentido es-
cência na gestão dos recursos e negócios pú- trito, uma vez que não se busca a condenação do
blicos (mas sempre se tomando como ponto de eventual gestor ou administrador inábil, de gestão
partida o sistema positivo e não a moral extraída imperfeita dos recursos públicos, pois ausente
do senso comum).56 Nessa toada, a conduta do o elemento da “desonestidade”.58 O elemento
agente público que ferir o princípio da moralidade subjetivo é imprescindível para a caracterização
poderá contrariar a improbidade administrativa do ato de improbidade administrativa (e é impor-
se coincidir com a desonestidade em sentido tante salientar que os tribunais costumam aceitar
estrito. Neste caso, permite-se que as pessoas a subjetividade meramente culposa, atendendo à
legitimadas ingressem com uma ação por ato literalidade da lei – ainda que em contrariedade
de improbidade, de acordo com os ditames e total à racionalidade normativa aplicável à ideia de
dispositivos presentes na LIA. Nas palavras de improbidade).59
José Afonso da Silva, a ofensa ao princípio da A leitura do artigo 23 da Lei nº 8.429/92
moralidade e o consequente cometimento de demonstra com clareza quais os prazos para
ato ímprobo são, em verdade, uma imoralidade que se possa ajuizar a ação de improbidade
administrativa qualificada, seja pelo dano ou pela administrativa.60 Ao se falar do prazo prescricional
vantagem indevida.57 Mais que isso, é importante
que se diga: do ponto de vista lógico, a improbidade 58
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa. 6. ed. São
exige o dolo. Não é isso, todavia, o que definiu o Paulo: Malheiros, 2009, p. 49.
59
Inclusive, esse é o entendimento pacífico do Superior Tribunal
legislador. Por consequência, ao ser admitido o de Justiça. Veja-se: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA
DO ELEMENTO SUBJETIVO. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL
DE ORIGEM. DOSIMETRIA. SANÇÃO. MATÉRIA FÁTICO-
PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. ARTIGO 11 DA LEI 8.429/1992.
A OFENSA A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS, EM REGRA,
de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano INDEPENDE DA OCORRÊNCIA DE DANO OU LESÃO AO ERÁRIO.
16, n. 65, p. 13-37, jul./set. 2016; FORTINI, Cristiana; MOTTA, RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA “C”. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA
Fabrício. Corrupção nas licitações e contratações públicas: DIVERGÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 7/STJ.
sinais de alerta segundo a Transparência Internacional. A&C – RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. [...] 5. O entendimento
Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Curitiba, do STJ é no sentido de que, para que seja reconhecida a
v. 16, n. 64, p. 93-113, abr./jun., 2016; e FORTINI, Cristiana; tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei
YUKINS, Christopher; AVELAR, Mariana. A comparative view of de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração
debarment and suspension of contractors in Brazil and in the do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos
USA. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas
Belo Horizonte, ano 16, n. 66, p. 61-83, out./dez. 2016. hipóteses do artigo 10. 6. É pacífico nesta Corte que o ato de
55
Vale ressaltar o aspecto sui generis das sanções estabelecidas improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92
pelo legislador infraconstitucional contra a conduta ímproba que exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa
tipificada no art. 10-A. Segundo a redação do art. 12, inc. IV, da ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 7. Assim,
Lei de Improbidade Administrativa, o gestor público está sujeito para a correta fundamentação da condenação por improbidade
à perda de função pública, suspensão de direitos políticos e administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à
multa civil. No entanto, não há qualquer menção à pena de norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo.
ressarcimento integral do dano ao erário. Veja-se que a hipótese A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa
descrita no art. 10-A (qual seja, a concessão, aplicação ou não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele
manutenção de benefícios financeiros e tributários) tem como desprovido de lealdade e boa-fé. [...]. (REsp nº 1.508.169/
consequência evidente ofensa ao patrimônio público. PR, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em
56
Ver a obra clássica sobre o assunto no Direito brasileiro pós-88, 13.12.2016, DJe de 19.12.2016). Ver em: BRASIL. Superior
de autoria do professor Marcio Cammarosano (CAMMAROSANO, Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.508.169/PR. Rel.
Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício Min. Herman Benjamin. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível
da função administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006). em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/me
Ver também a importante obra de Rogério G. Leal (LEAL, diado/?componente=ATC&sequencial=67695521&num_regis
Rogério Gesta. Imbricações necessárias entre moralidade tro=201403239785&data=20161219&tipo=5&formato=PDF.
administrativa e probidade administrativa. A&C – Revista de Acesso em: 7 fev. 2017.
Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 14, 60
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções
n. 55, p. 87-107, jan./mar. 2014). previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos
57
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 678. após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão

Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 19, n. 223, p. 55-74, setembro 2019 ARTIGOS 65

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Emerson Gabardo, Lucas Bossoni Saikali

para que se ajuíze uma ação de improbidade da moralidade,63 ampliando seus efeitos aos
administrativa, mister retomar a temática em particulares, eis que o comportamento daqueles
estudo: a absorção deste prazo prescricional pode influenciar a condução do sistema estatal.
quando se trata da sanção de ressarcimento Somente por ignorância ou má-fé seria possível
integral do dano causado ao erário. Por um lado, afirmar que o Brasil não possui um amplíssimo
caso se defenda a imprescritibilidade de ações conjunto de normas de repressão à imoralidade
autônomas de ressarcimento, crê-se na inaplicação em seu sistema jurídico. Por óbvio a solução para
do prazo quinquenal. Por outro lado, a defesa da o problema da inefetividade deste arcabouço
prescritibilidade levanta o questionamento do normativo não passa pela criação perene de novas
prazo a ser observado: se deverá ser o mesmo medidas anticorrupção, mas sim pela busca de
da Lei nº 8.429/92 ou outro a ser definido pelo mecanismos de cumprimento das já existentes
legislador infraconstitucional. (sem a utilização de subterfúgios judiciais e ações
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei institucionais à margem do sistema).
nº 8.429/92) e a Lei Anticorrupção (Lei
12.846/2013)61 se inserem no denominado “sis- 5 A posição do Supremo Tribunal Federal
tema legal de defesa da moralidade”, composto, concernente à prescrição das ações de
ainda, pela esfera penal da Lei de Licitações e ressarcimento ao erário
Contratos Administrativos (artigos 90 e seguintes
Por ocasião do Recurso Extraordinário nº
da Lei nº 8.666/1993), pela Lei nº 12.529/2011
669.069/MG, a discussão acerca da imprescriti-
(Lei de Defesa da Concorrência), pela Lei
bilidade da ação ressarcitória em favor do Estado
Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa)
nos casos de ilícitos civis chegou ao Supremo
e pelos artigos 312 e seguintes do Código Penal,
Tribunal Federal. Trata-se de recurso extraordi-
pois disciplinam os crimes praticados contra a
nário interposto pela União contra Acórdão do
Administração Pública.62 E, para além dessas nor-
Tribunal Regional Federal da 1ª Região que decla-
mas, existem ainda marcos jurídicos complementa-
rou a incidência da prescrição da pretensão es-
res de caráter administrativo como, por exemplo, o
tatal a fim de manter a sentença que extinguiu
Código de Conduta da Alta Administração Federal,
a ação de ressarcimento por danos causados ao
bem como os estatutos funcionais dos servidores
patrimônio público decorrente de acidente de trân-
públicos em cada ente federativo e respectivos
sito. No caso concreto, a União ajuizou, em 2008,
Poderes.
ação de ressarcimento em face de empresa de
Busca-se, assim, maior efetividade ao
transporte rodoviário e um de seus motoristas,
combate à corrupção, na medida em que se
alegando que houve culpa exclusiva do condutor
cria um sistema homogêneo em todo o território
do ônibus em colisão contra viatura da Companhia
nacional. Portanto, observa-se a evidente
da Divisão Anfíbia da Marinha, ocorrida em outu-
influência da Constituição de 1988 e o objetivo
bro de 1997 – ou seja, ação de ressarcimento foi
de a Administração Pública efetivar o princípio
ajuizada transcorrido mais de onze anos após a
ocorrência do dano.
ou de função de confiança; II – dentro do prazo prescricional
previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com Com tese proposta pelo ministro Luís
demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício Roberto Barroso, a Corte Suprema entendeu pela
de cargo efetivo ou emprego. III – até cinco anos da data da
apresentação à administração pública da prestação de contas prescritibilidade das ações de ressarcimento ao
final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º erário, mas não para todos os casos. Formalmente,
desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)
61
Sobre a referida lei, ver: GABARDO, Emerson; CASTELLA Gabriel por maioria, os ministros acompanharam o voto
Morettini e. La nueva ley anticorrupción brasileña: aspectos
controvertidos y los mecanismos de responsabilización de las
do relator, ministro Teori Zavascki. Mas o voto
personas jurídicas. Revista Eurolatinoamericana de Derecho do relator havia sido totalmente reformulado por
Administrativo, Santa Fe, v. 2, n. 1, p. 71-88, jan./jun. 2015;
GABARDO, Emerson; CASTELLA, Gabriel Morettini e. A nova lei Barroso. O julgamento do RE nº 669.069/MG
anticorrupção e a importância do compliance para as empresas tratou somente dos casos em que houve dano
que se relacionam com a administração pública. A&C – Revista
de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano
15, n. 60, p. 129-147, abr./jun. 2015.
62
FREITAS, Rafael Véras de; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. 63
Sobre a caracterização constitucional da ética pública, com
A juridicidade da Lei Anticorrupção – reflexões e interpretações ênfase no sistema espanhol, ver: RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ,
prospectivas. Disponível em: http://www.editoraforum.com. Jaime. Caracterización constitucional de la ética pública
br/ef/wp-content/uploads/2014/01/ART_Diogo-Figueiredo- (Especial referencia al marco constitucional español). Revista
Moreira-Neto-et-al_Lei-Anticorrupcao.pdf. Acesso em: 25 set. de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 67-80,
2017. jan./abr. 2014.

66 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 19, n. 223, p. 55-74, setembro 2019

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

ao patrimônio público por conta de ilícito civil, pelos agentes públicos competentes. E se estes
não englobando os eventuais danos decorrentes não encaminharem as medidas de cobrança ade-
de ilícitos penais ou por atos de improbidade quadas, haverá o cometimento de falta adminis-
administrativa.64 De acordo com o STF, o dispositivo trativa. A contrário senso, se não existe prazo para
constitucional deve ser compreendido de forma a propositura de ações de ressarcimento, jamais
restrita, na medida que a leitura ampla significaria os agentes responsáveis estarão em mora. Por
aplicar a ressalva da imprescritibilidade para todas este motivo, talvez sejam tão raras as ações de
as ações de ressarcimento movidas pelo Estado. regresso em favor do Poder Público, mesmo não
Ainda, cumpre salientar que o ministro Luiz havendo prazo (segundo a interpretação tradicio-
Edson Fachin foi o único que entendeu pelo pro- nal e que vinha sendo superada).
vimento do recurso extraordinário interposto pela Dessa forma, no caso de não ser apurado o
União. Ressaltou o ministro que a Constituição dano dentro do prazo legal, pode-se cobrar o valor
da República seria expressa ao tratar da ressalva devido do agente público responsável por ter dei-
da imprescritibilidade para as ações de ressarci- xado prescrever a ação (se houver comprovação
mento. Nessa medida, o constituinte teria dife- de culpa ou dolo, obviamente – e sendo possível
renciado os possíveis danos ilícitos causados ao serem aplicadas as demais penalidades adminis-
erário, pois havendo dano deve haver o ressarci- trativas incidentes).66 Por óbvio, do ponto de vista
mento, não incidindo prazo prescricional para que lógico e sociológico, o estabelecimento de prazo
se acione eventual ação de reparação.65 Na visão favorece o Estado, e não o contrário (todavia, a
do ministro, trata-se de uma visão protetiva do visão moralista que encobre a tese da imprescriti-
erário e desfavorável à impunidade. bilidade impede seus defensores de visualizar esta
A única razão que se pode reconhecer à argu- situação). Entender, ainda, que o prazo de cinco
mentação de Fachin é a de que a Constituição re- anos é “pequeno” demais para que se prepare
almente não faz qualquer distinção, no artigo 37, uma ação judicial é a prova mater do absurdo em
parágrafo 5º, entre atos de improbidade e ilícitos que se situa a administração pública brasileira –
cíveis. Esta diferenciação foi uma criação total- principalmente se for considerado que o prazo tem
mente original de Barroso, contrariando o texto de- termos iniciais mais elastecidos que para os ilíci-
liberado pelo constituinte e, por certo, impossível tos em geral (em alguns casos poderia chegar a
de se extrair a partir de um raciocínio semântico. mais de dez anos após o fato). Acreditar que a ine-
Mas relativamente ao referido argumento xistência de termo final para a cobrança de dívidas
de que a prescritibilidade favoreceria a impuni- é um mecanismo favorável ao interesse público é
dade daqueles que causaram dano ao erário, tão implausível quanto acreditar que a construção
todavia, não faltam fundamentos contrários. A de presídios ou a aplicação da pena de morte são
Administração Pública tem tanto o dever quanto mecanismos adequados para fomentar a redução
um tempo específico para cobrar a recomposi- da criminalidade. Mas não só há quem acredite
ção do dano – portanto, não há que se falar em nisso, como tal crença é muito consonante à opi-
impunidade apenas pelo estabelecimento de um nião pública contemporânea – que tende a sedu-
prazo. Sendo fixado um prazo prescricional, passa zir-se pelas soluções fáceis para os casos difíceis
a haver um marco final para a apuração do ilícito (este é um dos paradoxos da pós-modernidade).
O fato é que a decisão do Supremo Tribunal
64
De forma exemplificativa, colaciona-se a Ementa de decisão do Federal, negando provimento ao recurso interposto
Plenário do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário: pela União, transitou em julgado em 31 de agosto
“CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, §5º, de 2016, havendo a subsequente baixa dos autos
DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso
extraordinário a que se nega provimento”. Foi finalmente dada uma resposta, portanto, ao
65
Dessa maneira, o ministro Edson Fachin afirma que “não se debate sobre a (im)prescritibilidade das ações
pode inferir interpretação de ambos os dispositivos de forma
conjunta, a fim de se concluir que a imprescritibilidade da ação de ressarcimento nos casos de ilícitos civis e
de ressarcimento prevista no art. 37, §5º, se refere apenas
aos atos de improbidade administrativa previstos no art. 37,
firmada tese de repercussão geral no sentido de
§4º. Isso porque o disposto no art. 37, §5º, é expresso ao que “é prescritível a ação de reparação de danos
se referir a “ilícitos” de forma geral, ampla, genérica, não
restringindo a categoria ‘ilícito’ a um único ou particular grupo à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.
de ilícitos – como aqueles decorrentes de atos de improbidade
administrativa previstos no art. 37, §4º, ou aqueles decorrentes
de ilícitos penais”. 66
GABARDO, Emerson. Op. cit., 2016.

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Emerson Gabardo, Lucas Bossoni Saikali

O resultado foi uma surpresa, considerando a atual a existência de prescrição quanto aos réus ex-
composição moralista do STF e sua costumeira servidores públicos, afastando a condenação em
preocupação com a “vontade do povo”. primeiro grau.68
Da decisão do STF no RE nº 669.069/MG No dia 26 de setembro de 2016, a
pode-se retirar dois pontos de destaque: (i) a es- Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu pa-
colha da Corte Constitucional em levar em consi- recer opinando pelo parcial provimento do recurso
deração a importância do princípio da segurança manejado pelo Ministério Público do Estado de
jurídica para as lides que envolvem o Estado e o São Paulo, com o fim de se reconhecer a impres-
cidadão; e (ii) a separação entre os ilícitos civis, critibilidade da ação de improbidade administra-
ilícitos penais e os atos de improbidade admi- tiva proposta pelo recorrente na parte relativa ao
nistrativa. Conforme esclarece Joel de Menezes ressarcimento ao erário. Em suma, sustenta a
Niebuhr, a comunidade jurídica esperava um posi- PGR: (a) que a orientação do STF sempre foi no
cionamento do Supremo Tribunal Federal a partir sentido de reconhecer a imprescritibilidade das
de um espectro geral do dispositivo constitucio- ações de ressarcimento ao erário, quando anali-
nal em debate.67 No entanto, muito embora a sando o dispositivo do artigo 37, §5º; (b) que o
Constituição não faça qualquer distinção entre os Tribunal de Contas da União inclusive sumulou re-
tipos de dano ao erário, o STF restringiu a análise ferido entendimento;69 (c) que não cabe ao legis-
aos ilícitos civis. lador ou ao intérprete fazer ressalvas sobre o tipo
Mas o fato é que mesmo nesta sessão de de ação de ressarcimento alcançada pela regra do
julgamento, ficou claro que o STF estava disposto artigo 37, §5º, da CRFB; (d) que a prática de atos
a decidir a matéria relativamente às ações de de improbidade administrativa viola “não apenas
improbidade, mas em discussão apartada. Foi o as normas de serviço interno e o direito de um
que ocorreu, pois logo foi estabelecida a reper- indivíduo determinado, mas o dever geral de pro-
cussão geral inerente ao Recurso Extraordinário nº bidade e o direito de toda a sociedade à higidez
852.475/SP, contemplando o debate relativo à im- da administração pública”; (e) que enquanto o
prescritibilidade das ações de ressarcimento oriun- princípio da segurança jurídica foi prestigiado com
das de atos de improbidade administrativa (Tema a determinação de prazos prescricionais para as
nº 897 de Repercussão Geral: “Prescritibilidade sanções decorrentes de atos de improbidade ad-
da pretensão de ressarcimento ao erário em face ministrativa, o patrimônio público e a moralidade
de agentes públicos por ato de improbidade admi- administrativa foram prestigiados com a imprescri-
nistrativa”). A surpresa do primeiro julgamento foi tibilidade das ações de ressarcimento em face do
seguida de outra surpresa no segundo, denotando agente ímprobo; e (f) que é prescindível a prévia
o quanto o Poder Judiciário tem ampliado a inse- declaração do ato como ímprobo para ser aceita a
gurança jurídica ao invés de promovê-la. imprescritibilidade da ação de ressarcimento.
O RE nº 852.475/SP trata de recurso Ou seja, ao final, o MP defende a tese de
interposto pelo Ministério Público em ação que deve ser permitido o ingresso com ação de
civil pública em que se pleiteia a aplicação das ressarcimento por improbidade, mesmo sem ser
sanções do artigo 12, incisos II e III, da LIA, bem reconhecida a previamente a improbidade, e ainda
como o ressarcimento de danos ao erário, em que depois desta restar prescrita. Seria cômico,
razão da alienação de dois veículos por preço se não fosse trágico.
dito pelo MP como inferior ao valor de mercado,
causando um dano de aproximadamente
R$7.000,00 (sete mil reais) – um dos veículos 68
Segue a ementa da decisão em segundo grau: “Ação Civil
era uma Kombi, motivo pelo qual o julgamento foi Pública. Licitação Alienação de bens móveis. Avaliação abaixo
do preço de mercado. A Lei Federal n. 8.112/90 dispõe que
chamado de “kombigate” pelo advogado Georghio a ação disciplinar prescreve em 5 (cinco) anos quanto às
Tomelim (que fez a sustentação oral em favor do infrações puníveis com demissão (inciso I), sendo que o prazo
prescricional começa a correr da data em que o fato se tornou
seu cliente). Em sede de apelação, o Tribunal de conhecido (§1º). Fatos ocorridos em 26.04.1995 e 21.11.95.
Ação interposta em 03.07.2001. Ocorrência da prescrição.
Justiça do Estado de São Paulo havia reconhecido Ação julgada extinta em relação aos ex-servidores. Recurso
provido”.
69
Súmula nº 282: “As ações de ressarcimento movidas pelo
Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são
imprescritíveis”. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/lumis/
portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A25753C20F0157
67
NIEBUHR, Joel de Menezes. Op. cit., 2017. 679AA5617071&inline=1. Acesso em: 1º nov. 2017.

68 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 19, n. 223, p. 55-74, setembro 2019

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

Em primeiro lugar, vale mencionar que a de agosto de 2018, o RE nº 852.475/SP. O rela-


Procuradoria-Geral da República se utiliza da tor, ministro Alexandre de Moraes, concluiu pelo
doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello reconhecimento da prescritibilidade das ações de
para defender a imprescritibilidade das ações de ressarcimento para os casos de improbidade. Sua
ressarcimento ao erário (citam trecho do Curso tese ficou marcada por quatro argumentos princi-
de Direito Administrativo editado em 2006). Essa pais: (i) a segurança jurídica; (ii) o devido processo
escolha é inadequada, na medida em que o jurista legal; (iii) a garantia da ampla defesa; e (iv) a impe-
mudou seu posicionamento no final da década riosidade da comprovação do elemento subjetivo
passada, expressando de forma clara em seus (culpa ou dolo) na conduta supostamente ím-
livros que passou a defender a prescritibilidade proba, uma vez que a improbidade estaria ligada
das ações ressarcitórias. Mas não era conveniente diretamente ao elemento da má-fé, não sendo
tal reconhecimento da mudança de interpretação, mera ilegalidade. Ressaltou, ainda, que a impres-
o que por si só milita em desfavor da credibilidade critibilidade é caso excepcional no ordenamento
argumentativa ministerial. brasileiro, sendo somente aplicado aos casos ex-
Para além da análise doutrinária apresen- pressados na Constituição – lembrou, inclusive,
tada, o parecer da PGR se apresenta contraditório que o próprio constituinte afastou a previsão da
em outro momento. O documento defende, corre- imprescritibilidade, que constava nos projetos ini-
tamente, que não cabe ao intérprete distinguir os ciais da Constituição. Segundo o ministro, a ex-
tipos de ação de ressarcimento alcançados pela pressão “ressalvadas”, ao final do art. 37, §5º,
regra do artigo 37, §5º, ao mesmo tempo em que nada mais significaria do que uma regra de transi-
aduz ser o ato de improbidade administrativa mais ção para estabelecer os prazos prescricionais até
pernicioso do que os atos ilícitos, sendo este o a edição da Lei de Improbidade Administrativa em
motivo pelo qual o ressarcimento de danos pro- 1992.
venientes de atos ímprobos deve ser considerado O ministro Luiz Edson Fachin, assim como
imprescritível, não podendo o STF decidir de forma no julgamento do RE nº 669.609/MG, divergiu.
semelhante ao RE nº 669.609/MG. Ressaltou que a ressalva do dispositivo consti-
Ainda, como já asseverado, defende a PGR a tucional deixaria claro que a Constituição excep-
possibilidade de a Administração Pública acionar cionou as ações de ressarcimento ao erário de
o agente público para ressarcir o dano causado prazos prescricionais. De toda forma, esclareceu
independentemente da prévia declaração do ato que isso não tornaria as demais sanções da Lei
como ímprobo. Trata-se de posicionamento para nº 8.429/92 imprescritíveis. Seu voto foi seguido
além de controverso, verdadeiramente absurdo. pela ministra Rosa Weber.
Imagine-se autorizar ação ressarcitória contra o in- Os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux
divíduo sem a certeza da existência de ato de im- e Ricardo Lewandowski acompanharam a tese
probidade (sabendo-se que sem o reconhecimento elaborada pelo relator. Em suma, seus argumen-
da improbidade a ação de torna prescritível). De tos focaram (i) na inexistência de previsão de im-
forma analógica, parece que a PGR entende pos- prescritibilidade das ações de ressarcimento na
sível ajuizar ação de execução sem a existência Constituição, (ii) na segurança jurídica, (iii) na in-
do devido título – para que no curso da ação se terpretação restritiva de exceções apresentadas
descubra se há título (ou melhor, haveria título pela Constituição, (iv) na garantia da ampla de-
declaratório como consequência da execução). fesa e do devido processo legal, (v) na necessi-
Este raciocínio incorre no “dilema do ovo e da ga- dade de uma interpretação sistemática.70 Fux, de
linha”, afinal, nos casos de punição prescrita: a forma mais contundente, ainda reforçou: a impres-
ação ressarcitória só será permitida se for ato de critibilidade atentaria contra o princípio isonômico
improbidade; mas só se saberá se é ato de im- (pois os particulares têm um prazo de 5 anos para
probidade ao final da ação ressarcitória. Todavia, ingressar contra a fazenda) e, ademais, ressaltou:
o nonsense da argumentação não impressionou “se a lei não mencionou a imprescritibilidade, não
o STF, que se rendeu parcialmente à tese do MP, me parece que se possa por criação judicial supe-
como se verá mais adiante. rar a vontade do legislador constituinte”.
Após um lapso temporal de dois anos
desde o início da análise da repercussão geral, o 70
O ministro Luiz Fux ainda afirmou que até mesmo na ultima
ratio há prescrição, o que demonstraria a ausência de lógica de
Supremo Tribunal Federal julgou, nos dias 1º e 8 se defender a imprescritibilidade no caso concreto.

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Emerson Gabardo, Lucas Bossoni Saikali

O ministro Dias Toffoli votou com o relator Em princípio, a votação estaria decidida por
– após abandonar sua tese de imprescritibilidade sete votos a favor da prescritibilidade contra qua-
apenas da execução dos valores. Para terminar o tro a favor da imprescritibilidade. Mas não foi o
primeiro dia de sessão, o ministro Gilmar Mendes que ocorreu. No mínimo, “impressiona imaginar
também votou com o relator. Segundo ele, o que se a Presidenta tivesse colhido todos os
aumento do prazo para se recompor o patrimônio votos no primeiro dia do julgamento, certamente
público poderia facilitar a utilização de ações com a questão teria sido resolvida de forma diversa”.71
finalidades políticas desviantes. Nesse momento, Isto porque logo após ser colhido o voto da mi-
Dias Toffoli pediu a palavra para afirmar que a nistra Cármen Lúcia, os ministros Fux e Barroso
lógica da imprescritibilidade é, em realidade, “reajustaram” seus votos, cada qual com suas
pior para o interesse público, na medida em justificações.
que imuniza os órgãos de controle de qualquer Luiz Fux argumentou que teria votado na se-
responsabilização por não exercerem sua função mana anterior com o viés da imprescritibilidade
corretamente. Embora o adendo do ministro Dias das ações de ressarcimento ao erário derivadas
Toffoli seja de suma importância, seria difícil de ilícitos cíveis e não a partir da improbidade
que ele fosse levado em consideração pelo STF, administrativa. Afirmou que releu os memoriais
afinal, não está na moda a responsabilização dos preparados pelo Ministério Público e que teria se
órgãos de controle – muito pelo contrário, cada equivocado em seu voto semana passada, tendo
vez mais eles estão livres de limites, vinculação sido convencido a votar em favor da divergência.
ou fiscalizações. No entanto, deixou de explicar o motivo pelo qual
A situação é surreal: os órgãos de controle seus argumentos iniciais em favor da prescritibili-
afirmam que não possuem infraestrutura e con- dade seriam inválidos – ainda mais, depois de sua
dições materiais adequadas para poder cumprir fervorosa explanação. E isso não é pouca coisa.
com eficiência os prazos para ingresso com as Fux havia sido incisivo, detalhista e claro em favor
ações de ressarcimento, mas não se furtam em da tese que abandonou.72 É muito impressionante
ingressar com ações contra os gestores públicos ver um ministro do Supremo com opiniões tão vo-
por estes não cumprirem o seu mister. Não acei- láteis e despreocupado em explicar o motivo pelo
tam, portanto, a “desculpa” de que estes não qual os seus argumentos anteriores não estavam
possuem infraestrutura e condições materiais mais válidos. Uma análise científica e lógica da si-
para agir com eficiência, mas entendem ser abso- tuação indica ser mais provável que tal explicação
lutamente adequada tais justificativas para eles não subsista no campo jurídico, mas apenas na
próprios. E não são poucas as ações de improbi- seara política.
dade que decorrem de ineficiência e não de impro- O relator, ministro Alexandre de Moraes,
bidade. Aparentemente, exemplo clássico desta pediu a palavra para repetidamente relembrar os
realidade é justamente o caso “kombigate”. demais ministros para uma questão importante,
Na quarta-feira seguinte, o julgamento teria qual seja, a de que nos casos de prescrição an-
uma reviravolta. terior ao ajuizamento da ação de improbidade, ha-
Mas antes disso, o ministro Marco Aurélio, veria inúmeras ações de ressarcimento ajuizadas
primeiro a prolatar seu voto, acompanhou o rela- com fulcro em responsabilizações objetivas dos
tor. Argumentou que o legislador não primou pela agentes públicos envolvidos, sem qualquer ave-
tecnicidade no dispositivo constitucional, mas riguação de culpa ou dolo para a caracterização
que, através de uma interpretação sistemática da do ato ímprobo. Foi lamentável a dificuldade dos
Constituição, a prescritibilidade das ações de res- demais ministros em entender a situação descrita
sarcimento seria evidente. pelo relator. Assim, este assunto ficou em aberto
O ministro Celso de Mello e a ministra Cármen do ponto de vista de uma discussão adequada.
Lúcia seguiram a divergência do ministro Fachin.
O primeiro sustentou, em suma, que haveria um
“dever moral” de se recompor o erário por parte de 71
GABARDO, Emerson. A nova decisão do STF sobre a impres­
quem se locupleta. A segunda, em um breve voto, critibilidade do ressarcimento ao erário por ato de improbidade.
Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/
alegou que o valor da “probidade” e o “espírito” emerson-gabardo/a-nova-decisao-do-stf-sobre-a-
da norma em discussão seriam suficientes para imprescritibilidade-do-ressarcimento-ao-erario-por-ato-de-
improbidade. Acesso em: 11 ago. 2018.
excepcionar a regra da prescritibilidade. 72
GABARDO, Emerson. Op. cit., 2018.

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

Por fim, Luís Roberto Barroso também distinção entre ilícitos cíveis e improbidade; criando
“reajustou” seu voto. Embora a distinção não distinção entre atos culposos e atos dolosos
esteja presente na Constituição, o ministro de improbidade), escancaram a irracionalidade
diferenciou os atos de improbidade culposos espraiada na metodologia hermenêutica do
dos dolosos para declarar a imprescritibilidade colegiado (ou na falta dela).
só dos últimos e defendeu que o rito da ação de Ao final, resta claro que o STF está legis-
ressarcimento deverá ser o ordinário mesmo. lando por intermédio da função judicial, pois suas
Todavia, como referido, esse assunto deve- deliberações não se fundam no Direito posto.
ria ter sido discutido com mais afinco pelo STF. São decisões de fundo moral que resultam em
Se a imprescritibilidade por si já é uma afronta à ações políticas inovadoras da ordem jurídica. A
ampla defesa material, a reabertura da discussão Constituição, sua história, e sua força afirmadora
sobre a caracterização de ato de improbidade ad- de direitos fundamentais, cada vez mais sucumbe
ministrativa fora do rito legal específico (disposto à visão punitivista valorizadora de uma ordem pú-
em lei própria) afronta a ampla defesa formal e a blica moralista e sempre preocupada com a apro-
legalidade. Afinal, se a Constituição, no art. 37, vação pela opinião popular, ou, como preferem os
§4º, prevê que os atos de improbidade importa- próprios ministros, voltada à aprovação das ruas.
rão o ressarcimento na forma da lei (e a lei que
a regulamenta é a Lei nº 8.429/92), o Supremo 6 Conclusão
descumpriu a literalidade este parágrafo ao inter-
O Supremo Tribunal Federal decidiu em favor
pretar o parágrafo 5º literalmente. A partir da in-
da prescritibilidade das ações de ressarcimento ao
terpretação do STF, sugerida pelo MP e acolhida
erário nos casos de ilícitos civis (RE nº 669.609/
por Barroso, “a improbidade em si mesma passa
MG). Contudo, o entendimento não se estendeu
a ser imprescritível”, tornando o mecanismo pro-
para todos os demais casos, mantendo-se apenas
cessual uma arma política disponível ao Ministério
para os atos culposos de improbidade. Ou seja,
Público, como aliás, denunciou com veemência o
as ações de ressarcimento ao erário por conta de
ministro Gilmar Mendes.73
atos dolosos de improbidade administrativa são
A partir da tese do ministro Barroso pre-
imprescritíveis, sendo necessária a comprovação
valeceu a redação final do ministro Fachin para
do elemento subjetivo (RE nº 852.475/SP).
proclamar que: “São imprescritíveis as ações de
A análise das duas decisões sugere, primei-
ressarcimento ao erário fundadas na prática de
ramente, que o STF errou ao criar distinção que
ato doloso tipificado na lei de improbidade admi-
não existe na Constituição, separando os casos
nistrativa”. Com isso, o processo foi devolvido ao
de ilícitos cíveis dos casos de ilícitos por impro-
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que
bidade; em segundo plano, errou novamente ao
deverá se pronunciar sobre a existência ou não de
criar outra distinção semanticamente inexistente:
ato doloso na lide em concreto.
entre atos culposos e dolosos de improbidade. O
A comparação entre o julgamento do RE nº
Supremo, na realidade, decidiu como entende ser
669.609/MG e o RE nº 852.475/SP demonstra
o melhor para o país, como se constituinte refor-
que a insegurança jurídica na inexistência de
mador fosse, atendendo aos reclames do MP, da
prazo para se cobrar os danos ao erário por atos
imprensa e do povo em geral. Tratou-se de uma
dolosos de improbidade é conexa à insegurança
decisão política, fundada em moralismo político,
jurídica dos votos dos próprios ministros do
e não uma deliberação jurídica, fundada no Direito
STF. A ausência de cotejo entre os argumentos
constitucional.
usados no julgamento dos ilícitos cíveis e nos de
Reitera-se que a prescrição é a regra geral
improbidade administrativa evidencia um descaso
do Direito pátrio, tendo grande importância e valor
completo com os precedentes da própria Corte
para a efetivação da segurança das relações
em sua argumentação. E é importante ressaltar
jurídicas. Da mesma forma, tem importância
que a formação de precedentes não diz respeito
estrutural o direito fundamental ao devido processo
ao dispositivo das decisões, mas sim aos seus
legal, com os consectários da ampla defesa e do
fundamentos. E as elucubrações apresentadas
contraditório efetivo, que são incompatíveis com
pelo STF a partir das inovações de Barroso (criando
a eternidade. Portanto, não há como se imaginar
uma análise do artigo 37, §5º, da CRFB que
73
GABARDO, Emerson. Op. cit., 2018.

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Emerson Gabardo, Lucas Bossoni Saikali

desconsidere tais elementos típicos do modelo agente responsável pela cobrança que exerça seu
de Estado consagrado constitucionalmente. O mister dentro do período previsto (que será no
mínimo de cinco anos, sendo mais que isso em
ministro Marco Aurélio está corretíssimo ao se
diversas hipóteses, devido à variação do termo
espantar com a admissão da imprescritibilidade inicial do prazo). Imaginar que os agentes públicos
das ações patrimoniais de ressarcimento, quando necessitam de prazo maior ou que podem ser
até mesmo as próprias ações de punição ao crime desculpados em sua inadimplência pelas falhas
são prescritíveis. de infraestrutura da Administração é algo lógica
e eticamente absurdo. A ponderação de valores,
Resumindo as considerações até então reali-
no caso, obviamente pende em favor dos direitos
zadas, e tomando-se um sentido contrário ao que fundamentais, pois não se está perdoando a
decidiu o Supremo Tribunal Federal, conclui-se que: dívida e sim apenas estabelecendo um prazo
para a sua cobrança, o que é algo absolutamente
(i) A Constituição da República é clara e expressa razoável seja para o Direito privado, seja para o
ao tratar dos casos de imprescritibilidade da per- Direito público civilizado ou moderno.
secução estatal, o que não é o caso das ações de (viii) Presumir a legitimidade da incapacidade,
ressarcimento ao erário. da lerdeza, da indolência ou da leniência da
(ii) A ressalva contida na parte final do artigo 37, Administração em cobrar o que lhe é devido, a
§5º, da Constituição se refere à lei específica a ponto de com base nisso ser permitida a restrição
ser editada pelo legislador ordinário, distinguindo- a direitos fundamentais clássicos, como a ampla
-se os casos de punição pessoal dos casos de defesa, além de serem contrariadas máximas
ressarcimento patrimonial ou, então, no máximo, consagradas no ambiente jurídico global, como
referem-se às ações já em andamento no perío- a segurança jurídica, é algo inaceitável do ponto
do pretérito ao da edição da Lei de Improbidade de vista hermenêutico, notadamente face à
Administrativa, em 1992. Constituição de 1988.
(iii) A história do processo constituinte demons- (ix) A ação de ressarcimento deve ser acompanhada
tra que havia no projeto original uma expressa da declaração prévia ou concomitante da existência
menção à imprescritibilidade das ações de res- de ato ímprobo, sendo irrazoável imaginar que no
sarcimento que foi excluída da versão final da curso da ação ressarcitória seja possível apurar a
Constituição (portanto, a matéria foi discutida e existência de improbidade, para além dos prazos
votada, excluindo-se democraticamente tal men- da própria Lei de Improbidade Administrativa, em
ção à imprescritibilidade). razão da afronta à segurança jurídica e à ampla
(iv) Uma ação de natureza indenizatória e de efei- defesa formal e material.
tos exclusivamente patrimoniais não pode ser (x) A imprescritibilidade das ações de
imprescritível sem ofender ao princípio basilar da ressarcimento ao erário por atos dolosos
segurança jurídica, mesmo em se tratando de um de improbidade administrativa, pautadas na
ato doloso de improbidade – parece absurdo ima- comprovação do elemento subjetivo, conforme
ginar que a proteção ao patrimônio é mais impor- decisão do STF, torna, na prática, a condenação
tante que a proteção à vida. pelo próprio ato de improbidade imprescritível, em
(v) A manutenção da possibilidade eterna de um direta ofensa ao art. 23 da LIA e aos dispositivos
cidadão tornar-se réu ofende o princípio do devi- constitucionais que lhe dão supedâneo.
do processo legal (ampla defesa e contraditório), (xi) Diante da inexistência de lei específica regendo
pois certamente ele não terá como produzir pro- a matéria, deve ser aplicada analogicamente a
vas em prazos elastecidos de tempo entre o fato prescrição quinquenal do artigo 1º-C da Lei nº
e a ação judicial. 9.494/97, segundo o qual a ação prescreverá
(vi) É uma falácia imaginar que o ônus probatório em cinco anos ou, alternativamente, a prescrição
relativo ao dever de ressarcir recairá sobre o autor quinquenal poderá ser fundada no artigo 1º
da ação de ressarcimento. Essa regra vem sen- do Decreto Federal nº 20.910/32, de ampla
do sistematicamente flexibilizada pelos tribunais, abrangência, que dispõe a respeito das dívidas
mediante a criação de todo tipo de presunções da Fazenda Pública, em razão do princípio da
de dano e dolo. Na prática atual, é comum o réu igualdade, argumento muito bem lembrado
da ação de improbidade ter o ônus de provar a pelo ministro Luiz Fux (embora por ele mesmo
sua inocência e não o contrário. Não há motivo renegado).
para imaginar que seria diferente em uma ação
ressarcitória.
(vii) De idêntica forma, é uma falácia afirmar que
a existência de prazo para a cobrança em favor Criticism to the Brazilian Federal Supreme Court decision on
do erário seja um incentivo à impunidade, bem imprescriptibility for lawsuits against State debtors in cases
como é um erro sugerir que é uma forma de resulting from intentional acts of administrative dishonesty
perpetuar o patrimônio nas mãos do praticante de Abstract: The study analyzes the debate about the inexistence
improbidade. Ao contrário, a prescrição obriga ao of a limitation period for lawsuits against State debtors in
cases of misconduct or administrative dishonesty, according

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Crítica à decisão do STF sobre a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário por atos dolosos de improbidade administrativa

to the exegesis of the art. 37, §5, of the Constitution. At first, CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da
the article sought to introduce the principle of legal certainty moralidade e o exercício da função administrativa. Belo
in the Brazilian legal scenario, as well as demonstrate its Horizonte: Fórum, 2006.
constitutional character. The paper recognizes that in the
Brazilian constitutional system there are cases in which CARVALHO FILHO, José dos Santos. Imprescritibilidade da
imprescriptibility is expressed unequivocally, which makes pretensão ressarcitória do Estado e patrimônio público. Revista
prescritibility the general principle. After that, the acts that Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 10,
caused damage to the treasury were studied, as well as the role n. 36, jan./mar. 2012.
of the Federal Supreme Court in the debate, either through RE CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade administrativa:
669.609/MG (in which it decided in favor of the prescritibility prescrição e outros prazos extintivos. São Paulo: Atlas, 2012.
for the case of damages due to civil ilicits) or RE 852.475/
SP (in which the Court decided on the imprescritibility of cases CARVALHO, Gustavo Marinho de. A prescritibilidade da
resulting from intentional acts of impropriety). Moreover, pretensão ressarcitória do Estado: uma leitura do art. 37, §5º,
the paper points out the reasons to advocate in favor of the da Constituição Federal. In: VALIM, Rafael; OLIVEIRA, José
prescriptibility of said actions of reimbursement to the treasury Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Tratado
and the arguments listed by the opposite doctrine. In the sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo.
end, it is concluded that the absence of a prescriptive period Belo Horizonte: Fórum, 2013.
for the State to file compensation actions in the intentional CARVALHO, Raquel Urbano de. Curso de Direito Administrativo.
case of administrative dishonesty violates the basic principles 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2009.
of the Brazilian Constitution, namely, the principles of legal
certainty, due legal process (broad defense), isonomy, and CARVALHO, Raquel Urbano de. Parecer n. 15.851, Procuradoria
reasonableness, as well as being a decision contrary to that of do Estado de Minas Gerais, 22.02.2017.
the constituent legislator.
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