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RESUMO
O texto discute a sistematização de uma Clínica dos Direitos Humanos com
subsídios teóricos da Clínica do Social, de enfoque psicanalítico, buscando avançar
também na área de Psicologia Política. Nesse sentido, apresenta também interrelações e
tensões entre a psicanálise e a psicologia sócio-histórica, que possam ser incorporadas a
este debate.
Baseia-se em uma pesquisa de mestrado sobre a prática desenvolvida na
Coordenadoria de Direitos Humanos (CMDH), vinculada à Secretaria Municipal Adjunta de
Direitos de Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte.
Palavras-Chave: Clínica do social, clínica dos direitos humanos e interdisciplinaridade
ABSTRACT
The text aims to contribute to the discussion about the clinical work in Human Rights
within the theoretical approach of “Clínica do Social” (Clinics of Social Bond), with a
psychoanalytical emphasis, as much it aims to contribute to the field of Political Psychology.
In this sense, it also presents some interrelations and tensions between psychoanalysis and
socio-historical psychology that could be incorporated into the debate.
It is based on a master dissertation about the clinical practice of the Coordenadoria
de Direitos Humanos (Human Rights Council-Board) of the Secretaria Municipal Adjunta de
Direitos de Cidadania (Sub-Secretary of Rights of Citizenship) in Belo Horizonte.
Key Words: Clinics of social bond, human rights, political psychology, socio-historical
psychology
1
Texto baseado na dissertação de Mestrado de Andréa Moreira Carmona, intitulada “ A Prática
Interdisciplinar de Psicólogos no Campo dos Direitos Humanos: Tentativa de Formalização” e
defendida no Mestrado em Psicologia da UFMG, em 2006, com orientação de Karin Ellen von
Smigay.
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Mestre em Psicologia Social/UFMG e Coordenadora de Direitos Humanos da Secretaria Municipal
Adjunta de Direitos de Cidadania/ Prefeitura de Belo Horizonte.
indivíduo como máquina que funcionasse de acordo com as influências sociais ou robô
que se comunica de acordo com um código lingüístico pré-estabelecido. A Psicanálise
aposta na possibilidade de o sujeito construir o significado dos seus atos e de seu
discurso, mesmo que para isso seja necessário um processo de frustrações longo e árduo
frente às identificações imaginárias do eu.
Segundo Pacheco Filho (1997), a ética da Psicanálise não se encontra em
totalitarismos e nem em imobilismos. Ela se sustenta contra a instrumentalização da
condição humana. Para esse autor, a Psicanálise
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Concepção materialista: a realidade material tem existência independente do mundo das idéias;
Concepção dialética: a contradição e sua superação são a base do movimento de transformação
constante da realidade; Concepção histórica: a história é analisada através da realidade concreta,
sendo que as leis que a governam não são naturais, mas históricas (BOCK, 2001, p. 33-34).
Enfim, Rey (2001) nos propõe princípios para uma clínica comprometida com a
escuta e a transformação do sujeito e do social, que podem assim ser sintetizadas:
1- Parte de um sujeito historicamente constituído em sua subjetividade, em suas ações
sociais, dentro de um contexto histórico e culturalmente determinado. Neste sentido,
rompe o dualismo do social e do individual, e enfatiza o caráter singular e constituído
do sujeito;
2- Atribui ao sujeito uma capacidade de subjetivação geradora de sentidos e significados
em seus diferentes sistemas de relação, os quais podem ter um caráter
transformador sobre a configuração de seus processos patológicos atuais, embora
simultaneamente reconheça o caráter constitutivo das patologias na história do
sujeito e de seus sistemas de relação;
3- Critica o exercício da terapia a partir de uma posição neutra ou superior, do saber do
terapeuta, e se centra na compreensão da psicoterapia como processo dialógico, no
qual os processos de mudança se inscrevem na constituição progressiva do diálogo e
no impacto deste nos sujeitos implicados na relação terapêutica;
4- Reconhece o processo patológico como uma forma de organização dos processos
vitais do sujeito, num contexto determinado que pode ter infinitas formas de
organização e mudança;
5- Cada época histórica implica aspectos ideológicos dos quais derivam elementos de
significação e sentido constituintes da gênese da patologia nesses contextos de tipo
ideológico, o que impede sua compreensão como estrutura universal.
Com a finalidade de repensar os impasses teóricos gerados pela comparação entre
a Psicanálise e a Psicologia Sócio-Histórica, no trabalho com a clínica dos direitos
humanos, recorremos a Ferreira Neto (2004) que, baseando-se em Foucault, nos
apresenta elementos conceituais e referências éticas para problematizarmos esta
questão:
- Sujeito e objeto são constituídos simultaneamente e se modificam um em relação ao
outro. O sujeito é atravessado pelo social e pelo histórico;
verdade. Por isso, o histórico não é a realização do necessário e nem dos determinismos,
mas do acontecimento, da mudança, da invenção.
Os encontros e desencontros das teorias aqui abordadas se tornam mais um
indício para pensarmos que, frente à complexidade dos processos sociais e subjetivos
que envolvem a clínica do social, há o imperativo de um trabalho que seja um constante
diálogo entre diferentes teorias e práticas, o que poderá nos permitir que, diante das
incompletudes dos diferentes campos do saber, ao contrário do impasse, nos faça surgir
o (ou um) “novo”.
Falar de clínica num modelo diferenciado do clássico é falar da clínica ampliada,
clínica do social, clínica feita por muitos, clínica inter ou transdisciplinar, entre outras
nomeações, na tentativa de dar significado a uma prática que é multifacetada e
heterogênea. Dessa forma, não tivemos a pretensão de desenvolver nesse ensaio um
trabalho prescritivo e nem de esgotar o tema, mas apontar as contribuições de diferentes
saberes para a prática do psicólogo nos Direitos Humanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de nossa discussão, é possível sistematizar alguns operadores – relativos
às dimensões ética, teórica e metodológica – para a efetivação de um modelo de prática
psicológica de interface com os direitos humanos e outros saberes:
1. Dimensão Ética
• Uma postura técnica emancipatória e não caritativa;
• O reconhecimento, principalmente, das dimensões inconsciente,
social, cultural e histórica na produção de subjetividades;
• Compreensão da prática psicológica através das ferramentas que
ela possui de universal e de cultural, bem como sua
interdependência, necessária para a transformação subjetiva e
social;
• Superação das contradições, implicando articular as dimensões
individual e coletiva, pública e privada, objetiva e subjetiva.
2. Dimensão Teórica
• Uma concepção complexa de sujeito, incluindo diferentes e mesmo
contraditórias determinações que devem ser enfrentadas na prática
concreta;
• Uma concepção de trabalho participativo e político;
• Um saber engajado com o objeto de estudo e contextualizado sócio-
histórico-culturalmente;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. Sobre o início do tratamento. In: O caso de Schereber: artigos sobre técnica
e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
CONTATO
Andréa Moreira Carmona
Endereço Eletrônico: amoreiracarmona@yahoo.com.br