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Nome: Diego Barbosa de Oliveira

Disciplina: FCF-749 Ética aplicada I


Professor: Dr. Francisco José de Moraes.

O PAPEL DO PRAZER NA ÉTICA ARISTOTÉLICA.

INTRODUÇÃO

No livro I da Ética Nicomaqueia (EN), Aristóteles inicia uma discussão acerca


daquilo que constitui um bem. Sua reflexão parte de uma visão teleológica da realidade,
onde tudo o que existe atende a um fim. Desde as ações e escolhas humanas, até as
artes, ciências e saberes em geral. Nesse sentido, o bem de cada coisa é tanto o resultado
a que se almeja ao fim do processo, como sua própria razão de ser, representando sua
finalidade (τέλος).
Aristóteles aponta que alguns bens são instrumentais e são buscados em função
de outra coisa, enquanto outros são intrínsecos e são almejados por si. Ele admite a
existência de vários desses bens, como o prazer, a honra, a virtude e a amizade. Cada
qual possuindo um valor intrínseco que faz com que os busquemos mesmo que,
aparentemente, deles não advenha quaisquer outros resultados. Digo aparentemente
porque, para Aristóteles, em última instância, todos esses bens se subordinam a um fim
maior: a busca pela felicidade (εὐδαιμονία). Para ele, o prazer, a honra e a virtude só são
desejadas porque em sua busca subjaz a ideia de que em sua posse seremos felizes.
Consequentemente, o mais alto bem, o fim último ao qual se dirige toda a ação humana,
é a felicidade. Quanto a isso, diz ele, todos os homens estão de acordo. Desde o vulgo
até o filósofo. A discordância nasce no modo como cada um julga poder alcançá-la.
Aristóteles chega a mencionar três vias como candidatas para a vida feliz: a vida
dedicada aos prazeres, a vida dedicada à política e a vida dedicada à contemplação. A
primeira é descartada sem muita consideração e até mesmo com um certo desprezo,
sendo arte comparada com uma vida bestial. A segunda aparece como uma candidata
razoável, mas também logo é descartada, restando à última, à vida contemplativa, o
papel de conduzir o homem à felicidade. Mas nesse momento ele não desenvolve em
que consiste essa vida e qual sua relação com felicidade, deixando para o
desenvolvimento ulterior da obra a tarefa de explicitar sua visão.
Aristóteles descarta que a vida dedicada aos prazeres é possa ser porque a
identifica com uma vida animalesca, imoderada e totalmente entregue à devassidão.
Sustentar que um sábio será feliz dessa maneira é, no mínimo, questionável. Todavia,
essa recusa inicial não deve nos enganar. Embora tenha recusado o hedonismo vulgar,
pode-se dizer que Aristóteles é adepto de uma espécie de hedonismo moderado, onde o
prazer, embora não seja considerado o maior dos bens, é reconhecido como um bem e
também faz parte das ações virtuosas

O PRAZER COMO BEM

É sabido que entre os filósofos antigos muitos foram os que desprezaram ou, no
mínimo, menosprezam a dimensão do prazer e do desejo na ética, enquanto outros
elevaram-no ao mais alto posto dos bens. Exemplo do primeiro caso temos a ética
estoica, enquanto do segundo caso temos a ética epicurista. Para os estoicos a virtude
consiste em viver de acordo com a razão universal. E uma vez que os prazeres, desejos e
paixões em geral são concebidos como opostos à razão, segue-se que o prazer é algo a
ser evitado. Na esteira oposta ao estoicismo há o epicurismo. Para esses filósofos o
prazer não só é um bem como é o sumo bem, de modo que toda a ação humana deve ser
dirigida para a obtenção de prazeres e fuga das dores.
Tanto o estoicismo quanto o epicurismo surgiram após Aristóteles. Todavia, é
possível apontar alguns predecessores dessas escolas que exerceram influência direta
sobre a reflexão aristotélica em torno do prazer. Nos dois livros que tratam de modo
mais direto com a noção de prazer, o livro VII e o X, Aristóteles dialoga com uma visão
anti-hedonista e uma visão hedonista, respectivamente. Essas diferentes concepções são
representadas pelas figuras de Espeusipo, discípulo de Platão que o sucedeu na
Academia, e Eudoxo, filosofo hedonista. Nesses dois livros fica claro que Aristóteles
pensa diferente desses filósofos. Para ele o prazer não deve ser considerado um mal em
si, como algo oposto à razão, tampouco ele pode ser elevado à categoria de sumo bem,
embora certamente seja um bem.

EDUCAÇÃO DO DESEJO, PRAZER E VIRTUDE

No projeto de educação moral aristotélico o prazer desempenha um importante


papel, uma vez que “a virtude moral diz respeito a prazeres e dores”. (EN II, 1104b9) As
razões pelas quais ele afirma isso são muitas. Em primeiro lugar há a ideia de que é por
prazer que realizamos ações vis e, inversamente, por causa das dores que deixamos de
praticar ações nobres.
Essa afirmação pode, num primeiro momento aproximá-lo de uma visão anti-
hedonista que o aproxima ao estoicismo. Ora, se é por conta dos prazeres que os
homens se tornam vis e por causa das dores que deixamos de praticar ações nobres,
então consequentemente os prazeres devem ser evitados e as dores devem ser encaradas.
Todavia, essa não é a visão de Aristóteles. Para ele o mal não reside no prazer em si,
mas em uma busca equivocada dos prazeres. Essa ideia é reforçada um pouco quando
ele afirma que é “pelos prazeres e dores que os homens se tonam vis, ao buscar e evitar
aqueles que não se devem, ou quando não se devem, ou como não se devem ou de
tantos outros modos nos quais se possa definir” (EN, 1104b21-24) Por isso ele alerta
para importância de se educar a criança para que desde cedo pela possa gostar e
desgostar daquilo que se deve.
Isso evidencia que a ética aristotélica não prescreve que devemos sempre evitar
os prazeres e enfrentar as dores para agir de maneira correta. O segredo está na escolha
dos prazeres e nos modos de senti-lo. Isso fica evidente quando ele fala que “a virtude é
de tal qualidade conforme o bem agir em relação aos prazeres e dores, e que o vício é o
contrário” (EN, 1104b26-7) A ideia aqui é apontar, como veremos um pouco mais à
frente, para a importância de se educar o desejo para que o agente sinta prazer em
praticar ações nobres e dor ao praticar ações vis.
Uma segunda razão pela qual o prazer ocupa um lugar fundamental na ética
aristotélica é devido ao fato que o prazer funciona como um indicativo do caráter:

deve-se tomar os prazeres e as dores nas ações como sendo sinais (σημεῖον)
das disposições: quem se abstém dos prazeres corporais e se deleita
(χαίρων) com isso é temperante; ao passo que quem se incomoda com isso é
intemperante; quem suporta as coisas temíveis e se deleita, ou ao menos não
sofre, é corajoso; ao passo que quem sofre é covarde” (EN 3:1104b3-8).
O virtuoso não age visando o prazer, mas uma vez que as ações virtuosas são em
si mesmas boas e o caráter do homem virtuoso é de tal modo constituído que ele ama a
virtude e se compraz de em agir virtuosamente, segue-se que a vida virtuosa é prazerosa
e, portanto, feliz. O prazer não é o principio que rege a ação, mas a consequência natural
da ação:

Com efeito, a vida deles <i.e., dos virtuosos> é em si mesma prazerosa


(καθ᾽ αὑτὸνἡδύς), pois o sentir prazer é próprio da alma e para cada um lhe
é prazeroso aquilo que ele ama. Por exemplo, o cavalo é prazeroso para
aquele que ama cavalos; o espetáculo para aquele que ama assistir
espetáculos; e, similarmente, as ações justas são prazerosas para os que
amam a justiça e, em geral, as ações virtuosas para os que amam a virtude.
(EN,1099a7-30).

Ora, se conforme apontamos acima, o prazer tem um papel determinante para


revelar a disposição de caráter do agente, então o modo como cada um se sente ao
praticar essa ou aquela ação revelará em que estágio de formação do caráter essa pessoa
se encontra. Disso se segue uma consequência básica: ações de valor objetivo idêntico
podem revelar disposições subjetivas muito distintas. Uma pessoa autenticamente
generosa se rejubilará ao praticar um ato de caridade e a satisfação de poder ajudar será
mais intensa do que o incômodo que lhe custara. Enquanto uma pessoa mesquinha, por
mais que possa reconhecer o valor de um ato de caridade, tem o caráter de tal modo
averso a virtude que o incomodo de doar superará o prazer de ajudar.

HABITUANDO-SE A SER BOM

Tais considerações apontam para a necessidade de uma formação de caráter para


que sejamos capazes de sentir prazer em praticar ações virtuosas e desprazer ao agir de
modo vil. Pois embora as ações virtuosas possam ser fonte de prazer, isso exige uma
subjetividade cultivada por bons hábitos.
É nos habituando a fazer as coisas certas que aprendemos não apenas que
realmente são boas, mas que também são aprazíveis. Um exemplo pratico pode tornar as
coisas mais claras. Imaginemos um homem chamado Miguel, que após anos de uma
vida sedentária regrada a alimentos de baixo valor nutricional e alto índice calórico,
tenha ficado obeso e por perceber uma grande perda na sua qualidade de vida, resolve
procurar um médico. Depois de alguns exames, ele então é “ordenado” pelo médico a
mudar drasticamente de vida e incluir exercícios em sua rotina e substituir a
alimentação por comidas mais naturais, nutritivas e menos calóricas. Para que essa
mudança ocorra é necessário que Miguel, que está habituado a ter prazer na gula e no
sedentarismo, submeta-se à autoridade médica reconhecendo que aquilo que lhe é
recomendado é o modo de atingir a saúde, que inquestionavelmente é um bem.
Nessa situação a mudança de hábitos não é motivada primordialmente pelo
prazer, pois seria mais prazeroso para Miguel comer de maneira desregrada a fazer
dieta, assim como a prática de exercício em um corpo pouco condicionado gera mais
dor e desconforto que propriamente bem estar. Mas apesar disso Miguel obedece à razão
e, mesmo sabendo desses empecilhos, resolve mudar completamente seus hábitos. Ele
certamente sofrerá inicialmente para substituir a pizza pelo arroz com feijão e frango.
Assim como ele desejará ficar em casa no sofá em vez de ir exercitar-se na academia.
Mas isso só ocorre porque ele foi até então educado a ter prazer com tais coisas. A partir
do momento que ele ouve razão e muda de vida, sua alma se torna um terreno fértil para
a virtude, restando ao hábito o papel de cultivá-la adequadamente.
O desconforto inicial causado pela mudança de rotina é então convertido pelo
hábito em uma agradável sensação de desfrutar de uma vida saudável e funcional. E
mesmo que o arroz branco e o frango não sejam tão saborosos quanto a pizza, ao se
alimentar bem e ver os resultados positivos em seu corpo e saúde, é capaz que Miguel
cada vez mais se sinta confortável com a nova dieta e realmente queira segui-la. O
mesmo pode ocorrer em relação aos exercícios. Pois embora sejam dolorosos de início,
é sabido que a prática regular de atividades físicas produz endorfina e promove o bem-
estar corporal, de modo que essa nova rotina faria com que Miguel vivesse de modo
muito mais prazeroso do que caso permanecesse em sua vida sedentária.
A educação moral consiste em uma formação de caráter que direcione os
prazeres para o mesmo caminho que a razão. Parece-me, entretanto, que Aristóteles não
viu o prazer como um critério objetivo para ajuíza acerca da virtuosidade de uma ação,
mas como um indicativo de um estágio já maduro da formação de caráter. Somente em
um sábio plenamente virtuoso podemos pensar um plena harmonia entre razão e prazer,
de tal modo que toda ação conforme a razão seja prazerosa enquanto toda ação contrária
cause dor.

BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Coleção: Os pensadores. São Paulo: Nova


Cultural, 1987.
AGGIO, J. Prazer e virtude segundo Aristóteles. DoisPontos, v. 10, n. 2, p. 315–342,
2013.
FREDE, D. Prazer e dor na ética aristotélica. In: KRAUT, R. Aristóteles: A Ética a
Nicômaco. Porto Alegre: Artmed, pp. 236-253, 2009

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