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CURSO BÁSICO A Maquinaria a Indústria Moderna1 Anotações

PSTU - 2021 KARL MARX (1877)


A maquinaria, na medida em que faz prescindível

A Opressão das a força muscular, se converte em meio para empregar


operários de escassa força física ou de desenvolvimento
corporal incompleto, mas de membros mais ágeis.
Mulheres Trabalho feminino e infantil foi, portanto, a primeira
palavra de ordem do emprego capitalista da
maquinaria! Assim, este poderoso substituidor de
trabalho e de operários se converteu, imediatamente,
no meio de aumentar o número de assalariados,
submetendo todos os integrantes da família operária,
sem distinção de sexo nem idade, à tirania do capital.
O trabalho forçado em benefício do capitalista
não só usurpou o lugar dos brinquedos, mas também
o do trabalho livre na esfera doméstica, executado
dentro de limites decentes e para a própria família.
O valor da força de trabalho não estava
Sumário
determinado pelo tempo de trabalho necessário
A Maquinaria a Indústria Moderna 1 para manter ao operário adulto individual, mas pelo
A origem da família, da propriedade privada e do Estado 4 necessário para manter à família operária. Ao lançar
todos os membros da família operária no mercado
A contribuição da mulher proletária ... 7
de trabalho, a maquinaria distribui o valor da força
A mulher: casta, classe ou sexo oprimido? 11 de trabalho do homem entre sua família inteira.
Combater o Machismo para Unir a Classe 14 Desvaloriza, portanto, sua força de trabalho. A
O Dia da Mulher 17 compra de uma família parcelada, por exemplo, em
As Mulheres Negras No Brasi... 20 quatro forças de trabalho, custa, talvez mais do que
anteriormente a compra da força de trabalho do chefe
O que é machismo? 23
1 MARX, Karl. Maquinaria e Grande Indústria. (O Capital - Vol 1). 1877.
Deve-se ensinar ‘Coisas de Mulher’ aos Meninos? 25 Disponível em: http://www.ucm.es/info/bas/es/marx-eng/capital1, acessado
Combater o Machismo para Unir a Classe 28 em 25 de outubro de 2014.
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da família, mas, em compensação, surgem quatro da divisão do trabalho funda-se agora, sempre que Anotações
jornadas de trabalho no lugar de uma, e o preço delas possível, no emprego do trabalho feminino, de crianças
cai proporcionalmente ao excedente de mais-trabalho de todas as idades, de operários não qualificados,
dos quatro operários em relação ao mais-trabalho em suma: no cheap labour ou trabalho barato, como
de um. Agora, para que possa viver uma família, são caracteristicamente o denominam os ingleses. Aplica-
necessárias quatro pessoas para fornecer ao capital não se isto não só a toda produção combinada e em grande
só trabalho, mas também mais-trabalho. Deste modo, escala, empregue ou não maquinaria, mas também à
a maquinaria desde o primeiro momento amplia, além chamada indústria domiciliar, seja praticada nas casas
do material humano de exploração, ou seja, o campo dos operários ou em pequenas oficinas. Esta chamada
de exploração propriamente dito do capital, também o indústria domiciliar, de nossos dias, não tem nada
grau dessa exploração. (...) em comum, salvo o nome, com a indústria domiciliar
Ao abrir as portas das fábricas par as crianças ao estilo antigo, que pressupunha um artesanato
e mulheres, fazendo-os afluírem em grande número à urbano independente, uma economia camponesa
força de trabalho, a maquinaria quebra finalmente a autônoma e antes de mais nada um lar onde residia
resistência que o trabalhador masculino ainda opunha a família trabalhadora. Atualmente, essa indústria
na manufatura ao despotismo do capital. converteu-se no departamento exterior da fábrica,
da manufatura ou da grande loja. Além dos operários
(...) Com a ferramenta de trabalho, transfere- das fábricas e das manufaturas e dos artesãos, que
se também do operário à máquina a habilidade concentra espacialmente em grandes massas e
no seu manuseio. A capacidade de rendimento da comanda de maneira direta, o capital move, por meio
ferramenta se emancipa das travas pessoais inerentes de fios invisíveis, outro exército: o dos trabalhadores
à força de trabalho humana. Fica abolido, com isso, o domiciliares, dispersos pelas grandes cidades e pelo
fundamento técnico sobre o qual descansa a divisão campo (...)
do trabalho na manufatura. No lugar da hierarquia de
operários especializados que caracteriza a manufatura, A regulação do trabalho nas fábricas, manufaturas,
surge, por isso, na fábrica automática, a tendência à etc, pela legislação fabril aparece, inicialmente, como
igualação ou nivelação dos trabalhos que os auxiliares intromissão nos direitos de exploração exercidos pelo
da maquinaria precisam executar; no lugar das capital. Em contrapartida, toda a regulação da chamada
diferenças artificialmente criadas entre trabalhadores indústria domiciliar apresenta-se de imediato como
parciais surgem de modo preponderante as diferenças usurpação da pátria potestas isto é, interpretando
naturais de idade e sexo. (...) modernamente, da autoridade paterna, um passo ante
o qual o afetuoso parlamento inglês fingiu titubear
Em oposição ao período manufatureiro, o plano durante longo tempo. Mas, a força dos fatos obrigou
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por fim, a reconhecer que a grande indústria dissolveu, de ambos os sexos, um papel decisivo nos processos Anotações
junto com o fundamento econômico da família socialmente organizados da produção, fora da esfera
tradicional e o trabalho familiar a ele correspondente, doméstica, cria o novo fundamento econômico em que
também os antigos vínculos familiares. Era necessário descansará uma forma superior de família e de relação
proclamar o direito dos filhos. entre ambos sexos. Naturalmente, é tão absurdo
“Desgraçadamente”, diz o relatório final da aceitar como absoluta a forma cristã-germânica da
Children’s Employment Commission datado em família quanto o seria considerar como tal a forma da
1866, “a totalidade dos depoimentos evidencia que família romana antiga, ou a grega antiga, ou a oriental,
as crianças de ambos os sexos carecem de mais todas as quais, aliás, sucedem-se numa progressão
proteção contra seus pais do que contra qualquer histórica de desenvolvimento. Também é evidente que
outra pessoa”. O sistema da exploração desmedida a composição do operariado por indivíduos de ambos
do trabalho infantil em geral e da indústria domiciliar os sexos e das mais diversas faixas etárias, que em sua
em particular mantém-se porque “os pais exercem um forma capitalista, natural-espontânea e brutal – em
poder arbitrário e funesto, sem travas nem controle, que o trabalhador existe para o processo de produção,
sobre seus jovens e impúberes rebentos (...). Os pais e não o processo de produção para o trabalhador –,
não deveriam deter o poder absoluto de converter seus é uma fonte pestífera de degeneração e escravidão,
filhos em simples máquinas, com o objetivo de extrair pode se converter, sob as condições adequadas, em
deles tanto ou quanto salário semanal. As crianças e fonte de desenvolvimento humano.
adolescentes têm o direito de serem protegidos pela
legislação contra esse abuso da autoridade paterna
que destrói prematuramente sua força física e os
degrada na escala dos seres morais e intelectuais”.
Não foi, entretanto, o abuso da autoridade
paterna que criou a exploração direta ou indireta da
força de trabalho infantil pelo capital, mas, ao contrário,
é o modo capitalista de exploração que, suprimindo
as bases econômicas correspondente à autoridade
paterna, converteu essa última num abuso. Agora bem,
por mais terrível e repugnante que pareça a dissolução
do velho regime familiar dentro do sistema capitalista,
não deixa de ser verdade que a grande indústria, ao
conferir às mulheres, aos adolescentes e às crianças 3
A origem da família, da propriedade em que a maioria das mulheres, se não a totalidade, Anotações
privada e do Estado é de uma mesma gens, ao passo que os homens
pertencem a outras gens diferentes, é a base efetiva
FRIEDERICH ENGELS
daquela preponderância das mulheres que, nos
Uma das ideias mais absurdas que nos transmitiu tempos primitivos, esteve difundida por toda parte
a filosofia do século XVIII é a de que na origem da - fenômeno cujo descobrimento constitui o terceiro
sociedade a mulher foi escrava do homem. Entre todos mérito de Bachofen. (...)
os selvagens e em todas as tribos que se encontram
(...) Até a fase inferior da barbárie, a riqueza
nas fases inferior, média e até (em parte) superior da
duradoura limitava-se pouco mais ou menos à
barbárie, a mulher não só é livre como, também, muito
habitação, às vestes, aos adornos primitivos e aos
considerada. Artur Wright, que foi durante muitos anos
utensílios necessários para a obtenção e preparação
missionário entre os iroqueses-senekas, pode atestar
dos alimentos: o barco, as armas, os objetos caseiros
qual é a situação da mulher, ainda no matrimônio
mais simples. O alimento devia ser conseguido todo
sindiásmico: “A respeito de suas famílias, na época em
dia, novamente. Agora, com suas manadas de cavalos,
que ainda viviam nas antigas casas-grandes (domicílios
camelos, asnos, bois, carneiros, cabras e porcos, os
comunistas de muitas famílias) ...predominava sempre
povos pastores, que iam ganhando terreno (...), haviam
lá um clã (uma gens) e as mulheres arranjavam maridos
adquirido riquezas que precisavam apenas de vigilância
em outros clãs (gens) ...Habitualmente as mulheres
e dos cuidados mais primitivos para reproduzir-se em
mandavam na casa; as provisões eram comuns, mas
proporção cada vez maior e fornecer abundantíssima
- ai do pobre marido ou amante que fosse preguiçoso
alimentação de carne e leite. (...) A quem, no entanto,
ou desajeitado demais para trazer sua parte ao fundo
pertenceria essa riqueza nova? Não há dúvida de
de provisões da comunidade! Por mais filhos ou
que, na sua origem, pertenceu à gens. Mas bem cedo
objetos pessoais que tivesse na casa, podia, a qualquer
deve ter-se desenvolvido a propriedade privada dos
momento, ver-se obrigado a arrumar a trouxa e sair
rebanhos. É bem difícil dizer se o autor do chamado
porta afora. E era inútil tentar opor resistência, porque
primeiro livro de Moisés considerava o patriarca
a casa se convertia para ele num inferno; não havia
Abraão proprietário de seus rebanhos por direito
remédio senão o de voltar ao seu próprio clã (gens) ou,
próprio, por ser o chefe de uma comunidade familiar,
o que costumava acontecer com frequência, contrair
ou em virtude de seu caráter de chefe hereditário de
novos matrimônio em outro. As mulheres constituíam
uma gens. Seja como for, o certo é que não devemos
a grande força dentro dos clãs (gens) e, mesmo, em
imaginá-lo como proprietário, no sentido moderno da
todos os lugares. Elas não vacilavam, quando a ocasião
palavra. É indubitável, também, que, nos umbrais da
exigia, em destituir um chefe e rebaixá-lo á condição
história autenticada já encontramos em toda parte os
de mero guerreiro.” A economia doméstica comunista, 4
rebanhos como propriedade particular dos chefes de à sua pouca importância, esses gens passavam, na Anotações
família, com o mesmo título que os produtos artístico prática, desde os tempos mais remotos, aos parentes
da barbárie, os utensílios de metal, os objetos de luxo gentílicos mais próximos, isto é, aos consanguíneos
e, finalmente, o gado humano: os escravos. por linha materna. Entretanto, os filhos de um homem
(...) Convertidas todas essas riquezas em falecido não pertenciam à gens daquele, mas á de sua
propriedade particular das famílias, e aumentadas mãe; ao princípio, herdavam da mãe, como os demais
depois rapidamente, assestaram um rude golpe na consanguíneos desta; depois, provavelmente, foram
sociedade alicerçada no matrimônio sindiásmico seus primeiros herdeiros, mas não podiam sê-lo de
e na gens baseada no matriarcado. O matrimônio seu pai, porque não pertenciam a gens do mesmo, na
sindiásmico havia introduzido na família um elemento qual deveriam ficar os seus gens. Desse modo, pela
novo. junto à verdadeira mãe tinha posto o verdadeiro morte do proprietário de rebanhos, esses passavam
pai, provavelmente mais autêntico que muitos “pais” em primeiro lugar aos seus irmãos e irmãs, e aos
de nossos dias. De acordo com a divisão do trabalho filhos destes ou aos descendentes das irmãs de sua
na família de então, cabia ao homem procurar a mãe; quanto aos seus próprios filhos, viam-se eles
alimentação e os instrumentos de trabalho necessários deserdados.
para isso; consequentemente, era, por direito, o Dessa forma, pois, as riquezas, na medida que
proprietário dos referidos instrumentos, e em caso iam aumentando, davam, por um lado, ao homem uma
de separação levava-os consigo, da mesma forma que posição mais importante que a da mulher na família, e,
a mulher conservava os seus utensílios domésticos. por outro lado, faziam com que nascesse nele a ideia de
Assim, segundo os costumes daquela sociedade, o valer-se desta vantagem para modificar, em proveito de
homem era igualmente proprietário do novo manancial seus filhos, a ordem da herança estabelecida. Mas isso
de alimentação, o gado, e, mais adiante, do novo não se poderia fazer enquanto permanecesse vigente
instrumento de trabalho, o escravo. Mas, consoante o a filiação segundo o direito materno. Esse direito teria
uso daquela mesma sociedade, seus filhos não podiam que ser abolido, e o foi. E isto não foi tão difícil quanto
herdar dele, pois, quanto a este ponto, as coisas se hoje nos parece. Tal revolução. - uma das mais
passavam da maneira a seguir exposta. profundas que a humanidade já conheceu - não
Com base no direito materno, isto é, enquanto teve necessidade de tocar em nenhum dos membros
a descendência só se contava por linha feminina, vivos da gens. Todos os membros da gens puderam
e segundo a primitiva lei de herança imperante na continuar sendo o que até então haviam sido. Bastou
gens, os membros dessa mesma gens herdavam, no decidir simplesmente que, de futuro, os descendentes
princípio, do seu parente gentílico falecido. Seus de um membro masculino permaneceriam na gens,
gens deveriam ficar, pois, dentro da gens. Devido mas os descendentes de um membro feminino sairiam 5
dela, passando à gens de seu pai. Assim, foram abolidos de cuidar do gado numa determinada área.” Os traços Anotações
a filiação feminina e o direito hereditário materno, essenciais são a incorporação dos escravos e o domínio
sendo substituídos pela filiação masculina e o direito paterno; por isso a família romana é o tipo perfeito
hereditário paterno. Não sabemos a respeito de como dessa fôrma de família. Em sua origem, a palavra família
e quando se produziu essa revolução entre os povos não significa o ideal - mistura de sentimentalismo e
cultos, pois isso remonta aos tempos pré-históricos. dissensões domésticas do filisteu de nossa época; - a
Mas os dados reunidos, sobretudo por Bachofen, princípio, entre os romanos, não se aplicava sequer ao
acerca dos numerosos vestígios do direito materno, par de cônjuges e aos seus filhos, mas somente aos
demonstram plenamente que tal revolução ocorreu escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e
(...) família é o conjunto dos escravos pertencentes a um
mesmo homem. Nos tempos de Gaio, a família “id est
O desmoronamento do direito materno foi a
patrimonium” (isto é, herança) era transmitida por
grande derrota histórica do sexo feminino em todo o
testamento. A expressão foi inventada pelos romanos
mundo. O homem apoderou-se também da direção
para designar um novo organismo social, cujo chefe
da casa; a mulher viu-se degradada, convertida
mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e certo
em servidora, em escrava da luxúria do homem,
número de escravos, com o pátrio poder romano e o
em simples instrumento de reprodução. Essa baixa
direito de vida e morte sobre todos eles. “A palavra
condição da mulher, manifestada sobretudo entre os
não é, pois, mais antiga que o férreo sistema familiar
gregos dos tempos heróicos e, ainda mais, entre os dos
das tribos latinas que nasceu ao introduzirem-se a
tempos clássicos, tem sido gradualmente retocada,
agricultura e a escravidão legal, depois da cisão entre
dissimulada e, em certos lugares, até revestida de
os gregos e latinos arianos.” E Marx acrescenta: “A
formas de maior suavidade, mas de maneira alguma
família moderna contém, em germe, não apenas a
suprimida.
escravidão (servitus) como também a servidão, pois,
O primeiro efeito do poder exclusivo dos homens, desde o começo, está relacionada com os serviços
desde o momento em que se instaurou, observamo-lo da agricultura. Encerra, em miniatura, todos os
na forma intermediária da família patriarcal, que surgiu antagonismos que se desenvolvem, mais adiante, na
naquela ocasião. O que caracteriza essa família, acima sociedade e em seu Estado.”
de tudo, não é a poligamia, da qual logo falaremos,
Esta forma de família assinala a passagem do
e sim a “organização de certo número de indivíduos,
matrimônio sindiásmico à monogamia. Para assegurar a
livres e não livres, numa família submetida ao poder
fidelidade da mulher e, por conseguinte, a paternidade
paterno de seu chefe. Na forma semítica, esse chefe de
dos filhos, aquela é entregue, sem reservas, ao poder
família vive em plena poligamia, os escravos têm uma
do homem: quando este a mata, não faz mais do que
mulher e filhos, e o objetivo da organização inteira é o
exercer o seu direito. 6
A contribuição da mulher proletária é Então começaram a tomar consciência de que a falta Anotações
indispensável para a vitória do socialismo 2 de direitos tornava muito difícil a salvaguarda de seus
interesses, e a partir deste momento surge a genuína
CLARA ZETKIN(1896)
questão feminina moderna.
No entanto, a questão feminina só existe no
Os estudos de Bachofen, Morgan e outros seio daquelas classes da sociedade que, por sua
parecem demonstrar que a opressão social da mulher vez, são produto do modo de produção capitalista.
coincide com o aparecimento da propriedade privada. Por isso, não existe uma questão feminina na classe
A contradição, no seio da família, entre o homem camponesa, ainda que sua economia natural esteja já
enquanto possuidor e a mulher enquanto não- muito reduzida e cheia de fendas. Em troca, podemos
possuidora constitui a base da dependência econômica encontrar uma questão feminina no seio daquelas
e da situação social de usurpação dos direitos do sexo classes da sociedade que são as criaturas mais diretas
feminino. Segundo Engels, nesta última situação radica do modo de produção moderno. Portanto, a questão
uma das primeiras e mais antigas formas de domínio feminina coloca-se para as mulheres do proletariado, da
de classes. Engels afirma que: «Na família o marido é o pequena e média burguesia, dos estratos intelectuais e
burguês e a mulher representa o proletariado.» Ainda da grande burguesia; além disso, apresenta diferentes
não se podia falar, naquele momento, da questão características segundo a situação de classe destes
feminina no moderno sentido da palavra. Somente o grupos.
modo de produção capitalista provocou os transtornos
sociais que deram vida à questão feminina moderna; (...) Estas mulheres [da alta burguesia], graças
Despedaçou a antiga economia familiar que no período a seu patrimônio, podem desenvolver livremente
pré-capitalista garantia às grandes massas do mundo sua própria individualidade, seguir suas próprias
feminino um meio de sustento e um sentido à sua vida. inclinações. No entanto, como mulheres, seguem
dependendo do homem. O resquício da tutela sexual
As máquinas, o modo moderno de produção, dos tempos antigos desembocou no direito de família,
começaram gradualmente a cavar o fosso da produção para o qual segue sendo válida a frase: «e ele será teu
autônoma familiar, colocando a milhões de mulheres o senhor».
problema de encontrar um novo modo de sustento, um
sentido a sua vida, uma atividade que fosse, ao mesmo Que aspecto apresenta a família da alta burguesia
tempo, também agradável. Milhões de mulheres na qual a mulher está legalmente submetida a seu
viram-se obrigadas a procurá-lo fora, na sociedade. marido? Desde o momento de sua criação, este tipo
de família careceu de pressupostos morais. A união
2 ZETKIN, Clara. A contribuição da mulher proletária é indispensável para
a vitória do socialismo. Discurso pronunciado no Congresso de Gotha do Partido é decidida em base ao dinheiro, não à pessoa; isto
Socialdemocrata Alemão em 16 de outubro de 1896. 7
é: o que o capitalismo une não pode ser separado isso uma mudança negativa da posição social dos que Anotações
por uma moral sentimental. Portanto, na moral pertencem às profissões liberais, profissões que, no
matrimonial duas prostituições fazem uma virtude. passado, eram distintas e muito rentáveis. (...). Nestes
A isso corresponde também o estilo da vida familiar. estratos a mulher não está igualada ao homem no
Ali onde a mulher não se vê obrigada a assumir que se refere à propriedade de bens privados; nem
seus deveres de mulher, mãe e vassala, os transfere sequer está igualada em qualidade de proletária como
aos empregados aos quais paga um salário. Se as acontece nos estratos proletários; a mulher das classes
mulheres destes estratos desejam dar um verdadeiro médias deve conquistar antes de tudo a igualdade
significado a sua vida, devem antes de mais nada econômica com o homem, e só pode consegui-lo
reivindicar o poder de dispor livre e autonomamente através de duas reivindicações: a de igualdade de
de seu patrimônio. Por isso esta reivindicação se direitos na formação profissional e a de igualdade de
situa no centro avançado do movimento de mulheres direitos para os dois sexos na prática profissional.
burguesas. Estas mulheres lutam por conquistar este Desde um ponto de vista econômico, isto
direito contra o mundo masculino de sua classe, e sua significa a concessão da liberdade de profissão e
luta é exatamente a mesma que a burguesia iniciou concorrência entre homem e mulher. A concessão
no seu momento contra os estratos privilegiados: uma destas reivindicações desencadeia um contraste de
luta pela abolição de todas as discriminações sociais interesses entre os homens e as mulheres na média
baseadas no patrimônio. burguesia e da intelectualidade. A concorrência das
Quais são as características da questão feminina mulheres nas profissões liberais é a causa da resistência
nos estratos da pequena e média burguesia e no seio dos homens frente às reivindicações das feministas
das intelectuais burguesas? Neste caso a família não burguesas.
está separada da propriedade, mas basicamente dos (...) Esta luta concorrencial impulsiona a
fenômenos concomitantes à produção capitalista; na mulher que pertence a estes estratos à conquista
medida em que esta avança em sua marcha triunfal, dos direitos políticos, com o fim de romper todas as
a pequena e média burguesia vão se aproximando barreiras que obstaculizam sua atividade econômica.
progressivamente a sua destruição. (...) A mulher burguesa não só reivindica ganhar sua
No caso das intelectuais burguesas produz-se, própria existência, mas também uma vida espiritual,
além disso, outra circunstância que contribui a que o desenvolvimento de sua própria personalidade.
suas condições de vida piorem: o capital necessita força Precisamente é nestes estratos onde se encontram
de trabalho inteligente e cientificamente preparada aquelas trágicas figuras, tão interessantes desde o
e neste sentido, favoreceu uma superprodução de ponto de vista psicológico, de mulheres cansadas
proletários do trabalho mental, determinando com de viver como bonecas numa casa de bonecas e que
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desejam participar no desenvolvimento da cultura a mulher –recorde-se o direito bávaro do século XVII– Anotações
moderna; as aspirações das feministas burguesas estão agora é o capitalismo que a castiga com o chicote. Antes
plenamente justificadas, tanto no aspecto econômico o domínio do homem sobre a mulher via-se amenizado
como desde o ponto de vista moral e espiritual. pelas relações pessoais, enquanto que entre a operária
No que se refere a mulher proletária, a questão e empresário só existe uma relação mercantilizada. A
feminina surge a partir da necessidade de exploração proletária conquistou sua independência econômica,
do capital que o obriga à contínua busca de força mas, como pessoa, como mulher, e como esposa,
de trabalho mais barata... de modo que também a não tem a menor possibilidade de desenvolver sua
mulher proletária se vê inserida no mecanismo da vida individualidade. Para sua tarefa de mulher e de mãe
econômica de nossos dias, se vê arrastada ao escritório só lhe restam as migalhas que a produção capitalista
ou atada à máquina. Entrou na vida econômica para deixa cair ao solo. Por isso a luta pela emancipação
aportar um pouco de ajuda a seu marido, mas o modo de da mulher proletária não pode ser uma luta similar à
produção capitalista transformou-a numa concorrente que desenvolve a mulher burguesa contra o homem
desleal: queria acrescentar o bem-estar da família e de sua classe; pelo contrário, a sua é uma luta que vai
piorou a situação; a mulher proletária queria ganhar unida à do homem de sua classe contra a classe dos
dinheiro para que seus filhos tivessem um melhor capitalistas.
destino e quase sempre se vê arrancada de seus braços. Ela, a mulher proletária, não precisa lutar contra
Converteu-se numa força de trabalho absolutamente os homens de sua classe para derrubar as barreiras
igual ao homem: a máquina fez supérflua a força dos da livre concorrência. As necessidades de exploração
músculos e em todas as partes o trabalho das mulheres do capital e o desenvolvimento do modo de produção
pode produzir os mesmos resultados produtivos que o moderno afastaram-na completamente desta luta.
trabalho masculino. Tratando-se além disso, e antes de Pelo contrário, devem levantar-se novas barreiras
mais nada, de uma força de trabalho voluntária, que contra a exploração da mulher proletária, com as que
só em raríssimos casos se atreve a opor resistência à devem se harmonizar e se garantir seus direitos de
exploração capitalista, os capitalistas multiplicaram esposa e mãe. O objetivo final de sua luta não é a livre
as possibilidades com o fim de poder empregar o concorrência com o homem, mas a conquista do poder
trabalho industrial das mulheres em máxima escala. político por parte do proletariado. A mulher proletária
Consequentemente, a mulher do proletariado pode combate ombro a ombro com o homem de sua classe
conquistar sua independência econômica. Mas disso contra a sociedade capitalista. Tudo isto não significa
não tirou nenhuma vantagem. que não deva apoiar também as reivindicações do
Se na época da família patriarcal o homem tinha movimento feminino burguês. Mas a conquista destas
direito a usar moderadamente o chicote para castigar reivindicações só representa para ela o instrumento
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como meio para um fim, para entrar em luta com as interesses mais mesquinhos do mundo da mulher: Anotações
mesmas armas ao lado do proletário. nossa tarefa é a conquista da mulher proletária para
A sociedade burguesa não se opõe radicalmente a luta de classes. Nossa agitação entre as mulheres
às reivindicações do movimento feminino burguês: não inclui tarefas especiais. As reformas que se devem
isto foi demonstrado pelas reformas em favor das conseguir para as mulheres no seio do sistema social
mulheres, introduzidas no direito público e privado existente já estão incluídas no programa mínimo de
em diferentes Estados. nosso partido.

(...) Ainda que as mulheres conquistassem a (...) se o proletariado só pode conquistar sua
igualdade política, nada muda nas relações de força. plena emancipação graças a uma luta que não faça
A mulher proletária põe-se ao lado do proletariado e discriminações de nacionalidade ou de profissão, só
a burguesa do lado da burguesia. Não nos deixemos poderá atingir seu objetivo se não tolerar nenhuma
enganar pelas tendências socialistas no seio do discriminação de sexo. A inclusão das grandes massas
movimento feminino burguês: elas se manifestarão de mulheres proletárias na luta pela libertação do
enquanto as mulheres burguesas se sentirem proletariado é uma das premissas necessárias para
oprimidas, porém não mais além. Quanto menos a a vitória das ideias socialistas, para a construção da
democracia burguesa compreende sua missão, menos sociedade socialista.
corresponde à socialdemocracia apoiar a causa da Só a sociedade socialista poderá resolver o
igualdade política das mulheres. Não queremos conflito provocado em nossos dias pela atividade
parecer mais bonitos do que somos e não é pela beleza profissional da mulher. Se a família enquanto unidade
de um princípio que apoiamos mais sua reivindicação, econômica desaparece, e em seu lugar forma-se a
mas pelo interesse de classe do proletariado. família como unidade moral, a mulher será capaz de
Quanto maior for a influência nefasta do promover sua própria individualidade em qualidade
trabalho feminino sobre a vida dos homens, maior de companheira ao lado do homem, com iguais
é a necessidade de aproximar as mulheres da luta direitos jurídicos, profissionais e reivindicativos e, com
econômica. Quanto mais profunda for a incidência da o tempo, poderá assumir plenamente sua missão de
luta política na existência do indivíduo, mais urgente esposa e de mãe.
e necessário é que a mulher participe da luta política.
As leis contra os socialistas deixaram muito claro pela
primeira vez, a milhares de mulheres, o que significa
direito de classe, Estado de classe e domínio de classe.
(...) Não devemos pôr em primeiro plano os
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A mulher: casta, classe ou sexo fundamentais para explicar a gênese da degradação Anotações
oprimido?3 da mulher, podem resumir-se assim:
EVELYN REED Antes de tudo, as mulheres não são desde
sempre o sexo oprimido, ou o “segundo sexo”. A
Na atualidade, o movimento de libertação da antropologia ou os estudos da pré-história nos dizem
mulher está a um nível ideológico superior ao do todo o contrário. Na época do coletivismo tribal as
movimento feminista no século passado (XIX). Quase mulheres estiveram a par com o homem e estavam
todas as correntes compartilham a análise marxista do reconhecidas pelo homem como tais.
capitalismo e aderem à clássica explicação de Engels Em segundo lugar, a degradação das mulheres
sobre a origem da opressão à mulher, baseada na coincide com a destruição do clã comunitário
família, na propriedade privada e no Estado. matriarcal e sua substituição pela sociedade classista
Mas ainda perduram notáveis equívocos e suas instituições: a família patriarcal, a propriedade
e interpretações errôneas da posição marxista, privada e o Estado.
que têm conduzido a algumas mulheres, que se Os fatores chave que levaram à derrubada da
consideram radicais ou socialistas, a desvios ou a posição social da mulher tiveram origem na passagem
uma desorientação teórica. Influenciadas pelo mito de uma economia baseada na caça e na coleta a um tipo
de que as mulheres foram sempre condicionadas por de produção mais avançado, baseado na agricultura, na
suas funções reprodutoras, tendem a concluir que as criação de animais e no artesanato urbano. A primitiva
raízes da opressão feminina são, pelo menos em parte, divisão de trabalho entre os sexos foi substituída por
devidas a diferenças sexuais biológicas. Em realidade, uma divisão social do trabalho muito mais complicada.
as causas são exclusivamente históricas e sociais. A maior eficácia do trabalho permitiu a acumulação de
Algumas dessas teorias sustentam que a um notável excedente produtivo, que levou; primeiro,
mulher constitui uma classe especial ou uma casta. a diferenciações, e depois a profundas divisões entre
Estas definições não só são alheias ao marxismo, os distintos extratos da sociedade.
mas também levam à falsa conclusão de que não é o Em virtude do papel preponderante que haviam
sistema capitalista e sim o homem o principal inimigo tido os homens na agricultura extensiva, nos projetos
da mulher. Proponho por em discussão essa tese. de irrigação e construção, assim como na criação de
Os aportes do marxismo neste campo, animais, se apropriaram pouco a pouco do excedente,
3 Evelyn Reed (1905-1979), trotskista norteamericana, militante do
definindo-o como propriedade privada. Estas riquezas
Socialist Workers Party (SWP). Pioneira na investigação das ciências sociais e potencializam a instituição do matrimônio e da família,
naturais, elaborou sobre a opressão da mulher seguindo os apontamentos de
Engels.
e dão uma estabilidade legal à propriedade e à sua
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herança. Com o matrimônio monogâmico, a esposa isto é, a fraternidade tribal dos homens -. A derrota Anotações
foi colocada sob o completo controle do marido, que das mulheres andou conjuntamente com a dominação
tinha assim a segurança de ter filhos legítimos como das massas de trabalhadores pela classe dos patrões.
herdeiros de sua riqueza. A essência deste desenvolvimento se pode ver
Com a apropriação por parte dos homens da mais claramente se examinarmos o caráter fundamental
maior parte da atividade social produtiva, e com a da estrutura tribal que Morgan, Engels e outros
aparição da família, as mulheres foram cerceadas ao descreveram como “sistema de consumo primitivo”. O
lar a serviço do marido e da família. O aparato estatal clã comunitário era tanto uma irmandade de mulheres
foi criado para reforçar e legalizar a instituição da como uma irmandade de homens. A irmandade,
propriedade privada, o domínio masculino e a família essência do matriarcado, tinha claramente caracteres
patriarcal, santificada logo pela religião. coletivos. As mulheres trabalhavam juntas como uma
comunidade de irmãs; seu trabalho social provia
Este é, brevemente, o ponto de vista marxista
amplamente a manutenção de toda a comunidade.
sobre a origem da opressão da mulher. Sua subordinação
Criavam os filhos também em comunidade. Uma
não se deve a nenhuma deficiência biológica como
mãe não fazia distinção entre seus filhos e os de
sexo, senão que é resultado dos acontecimentos
outras mulheres do clã, e os filhos, por outra parte,
sociais que destruíram a sociedade igualitária da gens
consideravam a todas as irmãs maiores como mães.
matriarcal, substituindo-a por uma sociedade classista
Em outras palavras, a produção e a propriedade em
patriarcal que, desde seu início se caracterizou pela
comum eram acompanhadas da educação comum dos
discriminação e desigualdade de todo tipo, incluída
filhos.
a desigualdade dos sexos. O desenvolvimento desse
tipo de organização socioeconômica estruturalmente Ainda que atualmente possa parecer estranho
opressiva foi o responsável pela queda histórica das a nós, que estamos acostumados à forma particular
mulheres. de educação dos filhos, era perfeitamente natural na
comunidade primitiva, que os irmãos do clã, ou seja,
Mas não se pode compreender completamente
os maternos, exercessem essas funções paternas sobre
a queda das mulheres, nem se pode elaborar uma
os filhos das irmãs, que mais tarde foram assunto do
solução social e política correta para sua libertação
pai individual, a respeito dos filhos da esposa.
sem considerar o que acontece atualmente com os
homens. Frequentemente não se leva em conta que A primeira mudança nesse sistema de clã irmão-
o sistema patriarcal classista, que fez desaparecer o irmã se deve à crescente tendência dos casamentos
matriarcado e suas relações comunitárias, destruiu por pares, ou da “família a dois”, como chamaram
também a contrapartida masculina, o fratriarcado – Morgan e Engels, a viver juntos na mesma comunidade
12
e casa. No entanto, a simples cohabitação não alterou mulheres tem sido sempre tratadas brutalmente pelos Anotações
substancialmente as relações coletivas ou o papel homens. Ou também às vezes, se acreditou que as
produtivo das mulheres na comunidade. A divisão relações entre os sexos, na sociedade matriarcal, eram
do trabalho segundo o sexo, efetuada entre irmãos e exatamente o contrário das nossas – com as mulheres
irmãs no clã, se transformou gradualmente em divisão dominando os homens -. Nenhuma dessas afirmações
sexual do trabalho entre marido e esposa. foi confirmada pelos descobrimentos antropológicos.
Mas enquanto prevaleceram as relações coletivas Não é minha intenção exaltar a era selvagem
e as mulheres continuaram participando da produção nem auspiciar um retorno romântico a alguma passada
social, permaneceu, em maior ou menor medida, a “idade de ouro”. Uma economia baseada na caça e
originária igualdade entre os sexos. A comunidade na coleta de comida representa o estágio mais baixo
inteira continuou provendo a cada membro do casal, do desenvolvimento humano, e suas condições de
quiçá porque cada membro do casal contribuía vida eram desagradáveis, cruéis e duras. No entanto,
também na atividade do trabalho. devemos reconhecer que as relações entre o homem
Porém, a família de casal, tal como aparece no e a mulher eram fundamentalmente distintas das
alvorecer do sistema familiar, era radicalmente distinta nossas.
do atual núcleo familiar. Em nosso sistema capitalista, No clã não existia a possibilidade de que um sexo
desordenado e competitivo, cada família deve se dominasse o outro, da mesma forma que uma classe
manter contando somente com suas possibilidades e não podia explorar a outra. As mulheres ocupavam
não pode contar com ajuda externa. A esposa depende um lugar proeminente porque eram as principais
do marido, e os filhos devem contar com seus pais para produtoras de bens e de novas vidas. Mas isso não
a sua subsistência, ainda que estejam sem trabalho, as induziu a oprimir aos homens. Sua sociedade
enfermos ou mortos. No período da “família a dois” comunitária excluía a tirania de classe, de raça ou de
não existia esse tipo de dependência da “economia sexo.
familiar”, porque a comuna inteira se encarregava das Como disse Engels, com a aparição da
necessidades fundamentais de cada indivíduo desde o propriedade privada do matrimônio monogâmico e
berço até a tumba. da família patriarcal, entraram em jogo novas forças
Esta foi a causa completa da ausência, na sociais, tanto na sociedade em seu conjunto como
comunidade primitiva, das opressões sociais e dos na organização familiar, que aboliram os direitos que
antagonismos familiares, tão freqüentes atualmente. anteriormente tinha a mulher.
Se tem dito às vezes, explícita ou implicitamente, Da simples cohabitação de casal se passou ao
que a dominação masculina existiu sempre e que as matrimônio monogâmico legal e rigidamente regulado,
13
que pôs a esposa e os filhos sob o controle completo Combater o Machismo para Unir a Classe Anotações
do marido e pai, o qual dava seu nome à família e MARIÚCHA FONTANA
determinava suas condições de vida e seu destino.
As mulheres, que haviam vivido e trabalhado Opressão e exploração
juntas, educado em comum a seus filhos, se dispersaram Como dizia Rosa de Luxemburgo, o capitalismo
como esposas de um só homem, destinadas a seu é um sistema de discriminação na exploração. E, como
serviço e ao de uma só casa. A primitiva e igualitária sempre, agregamos nós, é um sistema que se aproveita
divisão sexual do trabalho entre os homens e mulheres de forma sistemática de todo tipo de discriminação
da comunidade, deu lugar a uma divisão familiar do para explorar mais e melhor. O imperialismo e a
trabalho, na qual a mulher era alijada cada vez mais da burguesia mantêm seu sistema de exploração em
produção social, para converter-se em serva do marido, última instancia pelas armas, mas seu instrumento
da casa e da família. Assim, as mulheres, em um tempo preferido no dia a dia é a ideologia. É necessário que
“administradoras” da sociedade, com a formação das os explorados e oprimidos não tenham consciência de
classes foram degradadas ao papel de administradoras sua exploração e opressão e, ao contrário, considerem
dos filhos de um homem e de sua casa. sua condição natural. Um dos principais elementos da
Esta degradação das mulheres foi um aspecto ideologia dominante é o preconceito, porque é eficaz
permanente nos três estágios da sociedade de classes, para dividir a classe, desviar sua revolta do alvo que a
desde a escravidão, passando pelo feudalismo, até o mereceria, a classe dominante, e fazê-la recair sobre
capitalismo. setores da própria classe. Os capitalistas têm e usam a
seu favor as religiões, as diversas culturas, o racismo,
a homofobia e o machismo para nos dividir e nos
desorganizar.
Praticamente todas as opressões se originam
antes do capitalismo. De todas elas, no entanto, a da
mulher é a mais antiga e arraigada. Marx e Engels já no
manifesto comunista demonstraram que a opressão
da mulher surge junto com a exploração e as classes
sociais. Indicaram que a história da submissão da
mulher começa quando ela é afastada da produção
social, descobrindo, portanto, o nexo entre opressão
e exploração, desnaturalizando assim a opressão,
contrapondo-se às visões religiosas ou biologistas que 14
debitavam a inferioridade da mulher à sua natureza. situação econômica é a base, mas os diferentes Anotações
Em A origem da família, da propriedade privada e do fatores da superestrutura que se levanta sobre
Estado, Engels diz: “O primeiro antagonismo de classes ela – as formas políticas da luta de classes
que apareceu na história coincide com o antagonismo e seus resultados, as constituições que, uma
entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira vez vencida uma batalha, a classe triunfante
opressão de classes, com a do sexo feminino pelo sexo redige etc, as formas jurídicas e inclusive os
masculino”.4 reflexos de todas essas lutas reais no cérebro
dos que nelas participam, as teorias políticas,
O marxismo, portanto, dá uma contribuição jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o
inestimável à compreensão da opressão da mulher, desenvolvimento ulterior que as leva a converter-
fundamental à luta pela sua libertação. É importante se num sistema de dogmas – também exercem
notar também, que ao ver que o surgimento da sua influência sobre o curso das lutas históricas
opressão da mulher coincide historicamente com o e, em muitos casos, determinam sua forma, como
surgimento da exploração e, portanto, entender que fator predominante.5
sem por fim à exploração não se resolve essa opressão, A contribuição de Lênin deixou mais nítida a
nem Engels e muito menos Lênin, terão uma visão estratégia da luta pela emancipação da mulher como
economicista e mecânica desta questão, como fazem componente da revolução proletária. Lênin, inclusive,
certos setores, que ou remetem a luta pela libertação ajudou pessoalmente na elaboração de muitas leis
das mulheres para um futuro longínquo, depois que a que vieram a favorecer a mulher, após a revolução de
exploração terminar, ou, afirmam ser secundário lutar outubro na URSS.
pela emancipação, reduzindo à luta das mulheres à
luta contra a exploração, ou, ainda, afirmando que As teses devem ressaltar com rigor que a
verdadeira emancipação da mulher somente
automaticamente com a revolução socialista e a
é possível através do comunismo. É preciso
tomada do poder acaba-se a opressão. Engels não
esclarecer profundamente o nexo indissolúvel
achava isso:
entre a situação da mulher como pessoa e
[...]segundo a concepção materialista membro da sociedade e a propriedade privada
da história, o fator que em última instância dos meios de produção. Assim, delimitaremos
determina a história é a produção e reprodução com toda precisão, os campos entre nós e o
da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, movimento burguês pela “emancipação da
uma vez sequer, algo mais que isso. Se alguém mulher”. Isto sustentará também as bases para
o modifica, afirmando que o fato econômico examinar o problema feminino como parte do
é o único fato determinante, converte aquela problema social, operário, e, consequentemente,
tese numa frase vazia, abstrata e absurda. A 5 Engels em 1890, numa carta a Bloch.
15
4 A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado - Engels
permitirá vinculá-lo firmemente à luta proletária questão da mulher. Por outro, a batalha deve dar-se Anotações
de classe e com a revolução. O movimento contra o limitado e elitista feminismo burguês e contra
comunista feminino deve ser um movimento de os feminismos sexistas de vários matizes.
massas, não só um movimento de proletários,
Não afirmamos que a revolução socialista ou
mas de todos os explorados e oprimidos, de
a tomada do poder garantirão automaticamente a
todas as vitimas do capitalismo. Nisto consiste a
emancipação das mulheres. Afirmamos o contrário:
importância do movimento feminino para a luta
de classes do proletariado e para sua missão garantimos que a opressão das mulheres não vai
histórica criadora: a organização da sociedade ser exterminada sem a revolução socialista. Por
comunista. Podemos nos orgulhar com razão isso, contrapor a necessidade de uma mudança
pelo fato de que a flor e a nata das mulheres cultural completa como fazem as feministas radicais
revolucionárias militam em nosso partido, na (que os homens e mulheres mudem a si mesmos
internacional comunista. Porém, isto não tem completamente antes de tudo) à revolução socialista
ainda uma importância decisiva. Devemos ou à necessidade de fazer a revolução, é uma utopia
atrair milhões de trabalhadoras da cidade e do reacionária. É impossível a emancipação dos oprimidos
campo para participarem de nossa luta e, em sob o capitalismo.
particular, da obra de reestruturação comunista Contudo, dessa compreensão, não concluímos
da sociedade. Sem as mulheres não pode haver que haja etapas obrigatórias na luta pela emancipação
um verdadeiro movimento de massas.6 das mulheres. Enquanto lutamos para tomar o poder,
Esta tradição leninista, de se colocar de maneira é dever irrenunciável nosso impulsionar, colocar-se
firme ao lado das mulheres na compreensão da na vanguarda e participar as lutas das mulheres pelos
importância da luta por sua emancipação, foi rompida direitos democráticos mais elementares, por melhores
pelo stalinismo e nunca foi realmente defendida pela condições de vida, e por qualquer reforma dentro
social democracia. Dessa forma, também em relação ainda do sistema capitalista, associando-os à nossa
à questão da mulher, coube ao trotskismo manter a luta contra o capitalismo e pela tomada do poder.
verdadeira defesa da emancipação e do movimento Mais uma vez, Lênin formula com clareza a
socialista e revolucionário das mulheres trabalhadoras. importância de incorporarmos não apenas no nosso
Por um lado o marxismo revolucionário precisou e programa, mas na nossa política as reivindicações das
precisa travar uma luta contra o reformismo clássico, mulheres no dia a dia.
o stalinismo e o obreirismo economicista também na
Por isso é totalmente justo que apresentemos
6 Lênin, recordações, por Clara Zetkin
reivindicações em favor das mulheres. Isso não é
um programa mínimo, um programa de reformas
16
no espírito social-democrata, no espírito da II O Dia da Mulher Anotações
internacional. Isto não é o reconhecimento de que
ALEXANDRA KOLLONTAI (1913)
acreditamos na eternidade ou ao menos em uma
existência prolongada da burguesia e seu estado. O que é o “dia da mulher”? Ele é necessário? Não
Não é, tampouco uma tentativa de apaziguar as seria uma concessão às mulheres da classe burguesa, às
massas femininas com reformas e desviá-las da feministas, às sufragistas? Isso não prejudica a unidade
luta revolucionária. Isto nada tem em comum com do movimento trabalhador? Essas questões ainda são
as fraudes reformistas. Nossas reivindicações se ouvidas na Rússia, mas não mais no exterior. A própria
desprendem praticamente da tremenda miséria vida deu a elas uma resposta clara e eloquente.
e das vergonhosas humilhações que a mulher
O “dia da mulher” é um elo da longa e sólida
sofre, débil e desamparada, no regime burguês.
corrente do movimento de mulheres trabalhadoras.
Com isto mostramos que conhecemos estas
Ele está crescendo, o exército organizado das
necessidades, que compreendemos igualmente
a opressão da mulher. Que compreendemos a trabalhadoras aumenta a cada ano. Há vinte anos,
situação privilegiada do homem e a odiamos as trabalhadoras se uniam em pequenos grupos nos
– e queremos eliminar tudo o que oprime e sindicatos e eram apenas manchas claras e solitárias
atormenta a operária, a mulher do homem nas fileiras dos partidos dos trabalhadores… Agora,
simples e, inclusive, em muitos casos, a mulher na Inglaterra, há mais de 292 mil trabalhadoras nos
da classe acomodada. Os direitos e as medidas sindicatos; na Alemanha, há aproximadamente
sociais que exigimos da sociedade burguesa para 200 mil no movimento sindical e 150 mil no partido
a mulher são uma prova de que compreendemos trabalhista; na Áustria, 47 mil nos sindicatos e quase 20
a situação e interesses da mulher e de que na mil no partido. Na Itália, Hungria, Dinamarca, Suécia,
ditadura do proletariado as levamos em conta.” Noruega e Suíça, as mulheres da classe trabalhadora
(grifo nosso)7 estão se organizando por toda parte. O exército de
mulheres socialistas chega a quase 1 milhão. Isso é que
é força! E os poderes do mundo devem contar com
elas quando se trata do aumento do custo de vida, da
segurança da maternidade, do trabalho infantil, das
leis que protegem a mão de obra feminina.
Houve uma época em que os trabalhadores
acreditavam que tinham de carregar sozinhos em seus
ombros o peso da luta contra o capital, que tinham
7 Lênin, recordações, por Clara Zetkin de vencer o “velho mundo” eles mesmos, sem a
17
participação feminina. Mas à medida que a mulher da falta de direitos, a mulher é oprimida não só como Anotações
classe trabalhadora se juntava às fileiras dos vendedores vendedora da força de trabalho, mas também como
da força de trabalho, pressionada pela necessidade, mãe e mulher… Mas quando o partido socialista
pelo desemprego do marido ou do pai, aprofundava- trabalhador entendeu isso, entrou com ousadia em
se a consciência trabalhadora de que deixar a mulher sua dupla defesa: das mulheres como trabalhadoras
para trás, nas fileiras dos “inconscientes”, significa contratadas e das mulheres como mães.
prejudicar sua causa, estagná-la. Quanto mais Em todos os países, os socialistas começaram
consciente for o lutador, mas certa será a vitória. E a exigir a proteção do trabalho feminino, a garantia
qual é a consciência da mulher que fica no fogão, que e a segurança da maternidade e da infância, direitos
não tem direitos na sociedade, no governo, na família? políticos para as mulheres, a defesa dos interesses
Ela não tem seu próprio “pensamento”! Faz tudo como delas.
manda o pai ou marido…
E quanto mais nitidamente o partido
Não, o atraso e a falta de direitos da mulher são trabalhista entendia essa segunda tarefa em relação
desfavoráveis, o embrutecimento e a indiferença em às trabalhadoras, com mais vontade as mulheres
relação a ela são diretamente prejudiciais à classe ingressavam nas fileiras do partido, mais claro ficava
trabalhadora. Mas como atrair a trabalhadora para o para elas que ele é seu defensor verdadeiro, que
movimento, como despertá-la? a classe trabalhadora também luta por elas, pelas
A social-democracia estrangeira não encontrou dolorosas necessidades puramente femininas. As
o caminho correto de forma imediata.  As portas próprias trabalhadoras, organizadas e conscientes,
das organizações trabalhistas estavam amplamente dedicaram-se muito à elucidação dessa tarefa. Agora, o
abertas para as trabalhadoras, mas elas raramente trabalho principal para a chamada de novas integrantes
entravam. Por quê? trabalhadoras para o movimento socialista repousa
Porque a classe trabalhadora não entendeu sobre as mulheres. Os partidos de todos os países
de imediato que a mulher trabalhadora é o membro têm seus comitês, secretarias, bureaus especiais para
mais destituído de direitos, o mais desafortunado da elas. Tais comitês femininos, de um lado, conduzem
classe. Que por séculos ela foi intimidada, acuada, as ações entre a massa de mulheres pouco engajadas
perseguida; que para despertar seu pensamento, para da classe trabalhadora, despertam a consciência
que seu coração bata mais alto e mais alegre é preciso das trabalhadoras, trazem-nas para a organização.
encontrar palavras particulares, compreensíveis para De outro lado, examinam as questões e exigências
ela enquanto mulher. Os trabalhadores não perceberam que dizem respeito às mulheres em primeiro lugar:
imediatamente que, nesse mundo de exploração e de segurança e garantia de direitos da parturiente,
regulação legislativa do trabalho da mulher, luta contra 18
a prostituição e a mortalidade infantil, exigência de sua classe, elas podem tornar mais leve sua situação Anotações
direitos políticos para as mulheres, melhoria das de trabalhadoras.
condições de habitação, luta contra o aumento do
As feministas exigem igualdade de direitos
custo de vida etc.
sempre e em todos os lugares. As trabalhadoras
Dessa forma, como membros do Partido, as respondem: exigimos direitos para todos os cidadãos
trabalhadoras lutam por questões comuns às classes, e cidadãs, mas não permitimos esquecer que não
mas também traçam e apresentam reivindicações somos apenas trabalhadoras e cidadãs, somos mães!
e exigências que, antes de tudo, lhes dizem respeito E como mães, como mulheres – portadoras do futuro
enquanto mulheres, donas de casa e mães. E o –, reivindicamos um cuidado particular conosco e com
Partido apoia essas demandas e luta por elas… Pois as nossos filhos, uma defesa específica do governo e da
reivindicações das trabalhadoras são causas de todos sociedade.
os trabalhadores!
As feministas lutam por direitos políticos. Mas
No dia da mulher, as trabalhadoras organizadas aqui também os caminhos se separam.
protestam contra sua falta de direitos.
Para as mulheres burguesas, os direitos políticos
Mas, dirão alguns, por que há essa separação são apenas uma forma possivelmente mais cômoda e
das trabalhadoras? Por que há um “dia da mulher”, sólida de encontrar um lugar em um mundo construído
panfletos especiais para as trabalhadoras, reuniões, sobre a exploração dos trabalhadores. Para as
assembleias de mulheres da classe trabalhadora? Não mulheres trabalhadoras, é um degrau da escada difícil
é uma concessão às feministas e sufragistas? e pedregosa que leva ao desejado reino do trabalho.
Só pode pensar assim quem desconhece a O caminho das trabalhadoras e o das sufragistas
diferença radical entre o movimento das socialistas e burguesas já se separaram há muito tempo. Os
o das sufragistas burguesas. objetivos que a vida propõe são muito diferentes para
A que aspiram as feministas? Aos mesmos umas e outras; os interesses das trabalhadoras e os das
privilégios, ao mesmo poder, ao mesmo direito patroas, os das empregadas e os das “senhoras” são
que agora possuem seus maridos, pais e irmãos na muito contraditórios… Não há nem pode haver ponto
sociedade capitalista. de contato, conciliação, união… Por isso, nem um dia da
mulher, nem assembleias especiais de trabalhadoras,
A que aspiram as trabalhadoras? À destruição de
nem um jornal exclusivo para elas devem assustar os
todos os privilégios de nascimento ou de riqueza. Para
trabalhadores.
as trabalhadoras, tanto faz quem tem o poder de ser
“patrão”: se é homem, se é mulher. Junto com toda O trabalho destinado às mulheres da classe
19
trabalhadora é apenas uma forma de despertá-las, de As Mulheres Negras No Brasil: trajetória Anotações
incorporá-las às fileiras de quem luta por um futuro de opressão – desmistificando o “mito da
melhor… O dia da mulher e todo o esforço meticuloso fragilidade feminina”
e lento para promover a autoconsciência de classe
V Encontro Nacional de Mulheres do PSTU – A
nas trabalhadoras não provocam uma cisão, mas uma
Mulher Negra
união da classe operária.
Deixem que, com o sentimento de alegria de
servir a uma questão comum às classes e de lutar junto O processo de opressão e exploração das
com elas por sua libertação feminina, as trabalhadoras mulheres negras no Brasil se inicia no período
participem do dia da mulher. escravista. Centrado no tripé latifúndio/trabalho
escravo/monocultura voltado para o mercado externo
permitiu a dinamização da economia do país em suas
diversas fases (produção açucareira, mineração, cultura
de produtos tropicais, cafeicultura) durante quase
quatro séculos. Esse contexto tem como consequência
o processo de coisificação da população negra, força de
trabalho, expropriada sem nenhum direito, podendo
ser vendida, castigada e até mutilada.
As mulheres negras, igualmente aos homens
negros, exerceram tarefas árduas, nos campos e nas
cidades, trabalharam nas lavouras, como vendedoras,
prostitutas e amas de leite. Esta última função,
obrigava-lhes a afastar-se dos filhos recém-nascidos,
bem como lhes negava o direito à maternidade.
Estes fatos revelam que as mulheres negras
desde sua entrada no Brasil estavam condicionadas
aos trabalhos pesados e isso remete a um aspecto
de diferenciação no debate feminista. Para nós o
tão apregoado “mito da fragilidade feminina”, por
ser uma categoria homogênea, não dá conta das
especificidades de experiências históricas das mulheres
20
negras e indígenas, refere-se a um ideal de mulher abusos sexuais, pelos senhores de engenho e de Anotações
burguesa difundido pelo mundo ocidental cristão, que seus filhos, contudo, essa relação de dominação se
destacaram as tarefas pesadas e atividades guerreiras configurou no imaginário brasileiro como um processo
incompatíveis com a imagem de dependência feminina. harmonioso, natural e com pleno consentimento entre
Esta imagem e outras com o mesmo teor, como as partes. Mas, uma questão emerge: como pode ser
“rainha do lar”, “mãe zelosa” foram também utilizadas a relação sexual consentida na condição de escrava?
no intuito de divulgar as tarefas predestinadas às Dessa forma, eram vistas como objeto de
mulheres: procriar, cuidar dos filhos e maridos. As reprodução sexual, mulheres sem honra, dotadas de
mulheres negras, portanto não fazem parte desse erotismo e sua sexualidade, considerada como algo
“modelo”, aliás, os interesses de sexo, classe e raça exótico, que excitava senhores e iniciava seus filhos à
são nesse contexto inconciliáveis. prática sexual.
(...) A utilização sexual das mulheres negras, bem
As tentativas de desagregação social e familiar como a prostituição era consentida pelas famílias
das (os) negras (os) ocorrem em diversos aspectos: burguesas e pela Igreja Católica, que via nessas práticas
através da diáspora africana, no qual o tráfico de formas de proteger a sexualidade das virgens de boas
escravos dispersou membros de uma mesma linha famílias e as esposas que não podiam sentir prazer,
ou clãs inteiros, dificultando a manutenção de cabendo-lhes apenas o papel de reprodutora.
sua principal organização- a religião, ou mesmo Assim, a construção social das mulheres negras
dificultando a comunicação quando se colocava em foi marcada pelo “servir”, exercido na condição
um mesmo território diferentes povos com dialetos escravas de ganho e de aluguel, mucamas, mães pretas
distintos. Ou quando as crianças que nasciam no e prostitutas. Esta representação racista e machista
Brasil teriam contato com as mães apenas no início do sobre a mulher negra vai ao longo do processo
aleitamento, sendo criadas por mulheres mais velhas histórico, incorporando outros elementos a exemplo
que não podiam mais trabalhar na lavoura. Ou ainda a ideia da “mulata”, como categoria profissional ou
pela interiorização dos valores do pai branco- o senhor produto de exportação.
de engenho, que cumpria o papel de desagregar os
A concepção de mulata alicerçada na ideologia
homens negros moral e materialmente, impedindo-os
da mestiçagem e na democracia racial contribuiu para
inclusive de escolherem suas parceiras, caracterizando-
a construção de um tipo ideal de mulher, nem negra,
os como promíscuos e vadios.
nem branca, mas, um produto genuinamente brasileiro,
As mulheres negras foram transformadas em que se tornou “preferência nacional”. Era também a
objeto sexual e foram alvo de constantes estupros, possibilidades de ascensão social a muitas mulheres
21
com esse perfil, já que negadas as possibilidades Com relação à proteção social verificamos que Anotações
de estudo e formação profissional, era o que lhes as mulheres negras são menos protegidas, tanto
reservavam. Por outro lado, contribuiu também para pela legislação civil e do trabalho quanto pelas
exaltar a convivência harmoniosa e contribuições organizações sindicais, onde não há praticamente
culturais entre os grupos étnicos, escamoteando políticas de proteção para as mesmas e, raramente, há
as desigualdades e ao mesmo tempo em que nega uma entidade sindical que promova políticas, debates
construção da identidade negra. e campanhas de luta para as mulheres, mesmo em
(...) categorias que são majoritariamente representadas
em suas bases por elas.
Historicamente, as mulheres negras foram
escravocratamente e socialmente construídas desde a Quando se trata do trabalho informal, os
infância para o seu papel no trabalho e na reprodução resultados são ainda piores, e no qual as mulheres negras
social, e esse processo de qualificação mais tarde estão maciçamente representadas, principalmente
veio a ser extremamente conveniente para o capital. nas funções de empregadas domésticas e diaristas,
A “docilidade”, a “paciência”, a “resistência” para o onde estas exercem em tempo integral o trabalho
trabalho monótono e repetitivo, o “perfeccionismo”, a informal, nos quais são trabalhos freqüentemente
“multifuncionalidade”, são qualidades “pretensamente instáveis, a situação se complica, uma vez que o
naturais das mulheres”, que resultam, na verdade, trabalho doméstico além de ser desprestigiado por ser
desse longo processo de “qualificação” para o trabalho “trabalho de mulher”, carrega o ranço de ser “trabalho
e que mascaram a intensificação da exploração das de escravo”, redundando em salários baixíssimos,
trabalhadoras, principalmente no atual período de sem respeito aos direitos trabalhistas e com horários
reestruturação produtiva. irregulares, com uma possibilidade quase inexistente
de formação, de promoção e de carreira, e com direitos
(...) sociais limitados ou inexistentes.
A valorização do trabalho das mulheres negras As mulheres negras trabalhadoras são as
continua se dando em menores proporções e de modo mais oprimidas e superexploradas, e dificilmente
bastante diferenciado. O processo de terceirização da conseguem romper as barreiras que lhe são impostas,
economia brasileira, por exemplo, caracterizado pelo e nas amarras que lhe são impostas pela sociedade
subemprego em atividades de baixa produtividade, capitalista, impedindo sua ascensão.
baixo prestígio e baixa remuneração, atingiu
primordialmente a força de trabalho feminina 
chegando atualmente a cerca de 70% dos trabalhadores
terceirizados, em sua maioria mulheres negras.
22
O que é machismo? exploração. A principal ideia é a de que as mulheres Anotações
ANA PAGAMUNICI são inferiores aos homens e, portanto, não podem
assumir determinadas tarefas ou ter determinados
Segundo o dicionário Michaelis, machismo é “um
comportamentos.
comportamento de quem não admite a igualdade de
direitos para o homem e a mulher”. No campo político, É através dessa ideologia que se naturaliza o fato
definir o machismo exige mais complexidade. Para nós, de que as mulheres são as “rainhas do lar”, têm por
o machismo é uma ideologia criada pela sociedade de obrigação cuidar dos filhos, da casa e dos maridos sem
classes para manter a propriedade privada, servir à nada receberem por isso. Essa ideologia é transmitida
dominação e também à exploração. pela escola, pelas famílias, pelas igrejas, pelos
meios de comunicação e por todas as instituições
Uma forma de opressão que reproduzem o sistema capitalista. De tanto ser
Chamamos de opressão toda conduta ou ação reafirmada passa a ser natural, comum, imutável.
para transformar as diferenças em desigualdades, de No caso de Eliza Samúdio, que se relacionou
forma que estas sejam utilizadas para beneficiar um com o jogador Bruno (que está preso sob a acusação
determinado grupo em relação a outro. Quando isso de tê-la matado), a delegada que a atendeu em uma
se dá entre brancos e negros, chamamos de racismo. de suas primeiras denúncias de ameaça de morte não
Entre homens e mulheres, denominamos machismo. enquadrou o caso na Lei Maria Penha, alegando que
A opressão se expressa de várias formas. Na a lei tinha sido feita para “defender a família”. Como
piada que ridiculariza as mulheres por sua condição ela não se encaixava nos padrões (era uma “maria
de mulher: “dirige mal, só podia mesmo ser mulher”. chuteira”), tratava-se de violência comum. Esse é
Na diferença salarial entre homens e mulheres: hoje, um bom exemplo de como a ideologia é utilizada e
em nosso país, uma mulher ganha até 30% menos que reproduzida.
um homem. Na agressão física, verbal ou psicológica.
Uma criação da sociedade de classes
No Brasil, a cada dois minutos, cinco mulheres são
agredidas. A opressão (o machismo) não existiu sempre. Foi
criada para justificar a divisão da sociedade em classes.
Uma ideologia Nas sociedades comunistas primitivas, as mulheres,
Mas o machismo não é só fruto de uma conduta junto com os homens, cuidavam das atividades
individual. É uma ideologia, ou seja, um sistema de domésticas e participavam da produção social.
ideias falsas que criam uma falsa verdade utilizada Com o aparecimento da sociedade de classes, a
pelo sistema para manter a dominação e ampliar a instauração da propriedade privada e a necessidade de
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acumulação e herança, era preciso dividir as famílias Transferem para os trabalhadores - neste caso, Anotações
e instituir a monogamia para preservar a propriedade mais especificamente, para as trabalhadoras - a
privada. Com isso, as mulheres foram retiradas dos responsabilidade que seria do Estado. Trabalham de
espaços públicos, da produção e da sobrevivência, e graça não para o marido, mas para o sistema.
jogadas no espaço doméstico. Assim, foram proibidas Quando o homem trabalhador trata sua mulher,
de trabalhar, estudar e participar de atividades também trabalhadora, como uma empregada, que tem
políticas. a obrigação de cuidar das tarefas da casa sozinha, está
Machismo e capitalismo reproduzindo essa ideologia do patrão, a serviço de
manter o lucro dele. Se faz isso de maneira grosseira,
A necessidade de ampliação de mão-de-obra usando a violência física ou psicológica, é pior ainda.
para trabalhar nas fábricas obrigou o capitalismo a Reproduz, com o uso da força, o poder da ideologia,
colocar novamente as mulheres na produção social. deixando claro que as mulheres têm de obedecer e se
Isso abriu a possibilidade delas se libertarem do resignar frente às agressões. Portanto, essa mentira
espaço doméstico. Mas, como toda conquista no do capitalismo é um falso privilégio para os homens,
capitalismo, foi por ele apropriada de maneira a pois os grandes privilegiados são os patrões.
favorecer a exploração e seus lucros. E as ideologias
que antes eram utilizadas para manter a “mulher no É certo que os homens podem imediatamente
lar” passaram a ser utilizadas para justificar jornadas se beneficiar dessa condição. Porém, se são socialistas
excessivas de trabalho e salários mais baixos. e querem derrubar o sistema, precisam também
enfrentar a mão do capital dentro do lar, porque o que
Ao mesmo tempo, o capitalismo se apropriou se reproduz não é uma relação entre duas pessoas,
do papel que a mulher cumpria antes, fazer as tarefas mas sim os interesses do capitalismo.
domésticas, e o naturalizou. Assim, a mulher manteve
a obrigação de cuidar dos afazeres domésticos e Combater o machismo é necessário
também passou a trabalhar fora. Isso faz com que elas Para que a luta contra os patrões e governos seja
tenham dupla ou tripla jornada. E quem se beneficia vitoriosa, ela não pode ser feita com apenas metade
disso é o capitalismo. dos trabalhadores. Hoje as mulheres já são metade
Essa mecânica é muito positiva para os patrões, da classe trabalhadora, e no Brasil são a maioria. Não
pois, enquanto as mulheres cuidam dos filhos e conseguiremos nunca unificar todos os trabalhadores
têm essa responsabilidade, o Estado e os patrões se se desqualificamos as mulheres, se não observamos
desobrigam e economizam. Não precisam construir que há demandas específicas, se não incorporamos suas
restaurantes, creches e lavanderias públicos. reivindicações e não as ganhamos para a luta.
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A ideia de que essa discussão “divide a classe” ou No relatório da Comissão para a Educação Anotações
que tem de ser feita “depois da revolução” é falsa e serve Popular de São Petersburgo no ano de 1908, um dos
apenas para manter o capitalismo. O que divide a classe é especialistas, ao emitir um parecer sobre o ensino de
o machismo, porque ele desqualifica as mulheres, coloca bordado, diz:
os homens contra as mulheres e as mulheres contra as Acerca dos bordados, devo atestar com a
próprias mulheres. mais profunda alegria que em quase todas as
escolas mistas eles eram apreciados não apenas
Superação do machismo é a superação da
por meninas, mas por meninos, e os últimos
sociedade de classes
desempenhavam essa tarefa com tanto gosto que
Marx, Lênin e Trotsky colocaram a luta pelas em algumas escolas seus resultados superavam
reivindicações das mulheres como uma das principais o das meninas, por exemplo, na costura e no
tarefas dos trabalhadores, desde o Manifesto trançado.
Comunista. Isso continua atual. Esse trecho do relatório supracitado foi inserido
É necessário dar um combate permanente ao na edição de dezembro do ano passado do boletim
machismo, dentro dos partidos políticos, das entidades de educação, na seção de crônicas; o autor da crônica
de luta do movimento e em nossa vida cotidiana para expressa certa dúvida quanto à utilidade de se ensinar
que possamos ser vitoriosos. meninos a costurar.
Mas é também preciso não ter a ilusão de que Gostaria de dizer algumas palavras sobre esse
podemos acabar com ele no capitalismo. Nessa luta tema.
temos duas tarefas: combatê-lo, corrigi-lo e buscar Antes de tudo, colocarei a questão de forma mais
evitá-lo com todas as nossas forças. A outra é nos geral: deve-se ensinar aos meninos aqueles trabalhos
organizarmos, homens e mulheres, para derrotar a que até então eram considerados exclusivamente
sociedade de classes e, com ela, o machismo. A luta femininos, como costurar, cozinhar, lavar, cuidar de
contra a opressão é parte indissociável do programa crianças etc.?
revolucionário, operário e socialista.
Na sociedade contemporânea, a vida familiar
está ligada – e isso provavelmente continuará
assim por muito tempo – a uma série de pequenos
cuidados que se relacionam com a concretização de
Deve-se ensinar ‘Coisas de Mulher’ aos afazeres domésticos isolados. A futura reformulação
Meninos? da produção e a alteração das condições da vida em
NADIÉJDA KRÚPSKAIA sociedade introduzirão significativas mudanças nesse
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âmbito, mas enquanto a vida familiar estiver ligada qual a mulher pode empregar suas forças de maneira Anotações
a tarefas como cozinhar o almoço, limpar a casa, mais produtiva. A pessoa só cria algo verdadeiramente
remendar o uniforme, educar os filhos etc., todo esse grandioso atuando na esfera que melhor corresponde
trabalho recairá integralmente sobre a mulher. à sua individualidade, e os pequenos cuidados
Nas famílias que possuem meios, esse trabalho domésticos são os mais apropriados à individualidade
cabe a uma empregada contratada: cozinheira, da mulher. Ela deve se preocupar em ser uma dona
faxineira, babá. A mulher de posses liberta-se de tais de casa exemplar, e não se esforçar para deixar a vida
tarefas, encarregando outra mulher que não tem, ela familiar nem concorrer com o homem no campo do
mesma, chance de se libertar. De uma forma ou de trabalho intelectual. Não se trata de desprezar a função
outra, todo o trabalho doméstico recai exclusivamente de tirar o pó e remendar meias-calças; são tarefas que
sobre a mulher. No meio operário, o marido às vezes merecem todo respeito e de forma alguma desprezo.
contribui com a esposa nos afazeres. A necessidade o A hipocrisia desse discurso é evidente, uma vez
obriga. Ao retornar do trabalho, nos feriados, nos dias que os homens que saem por aí anunciando seu grande
de folga, o trabalhador por vezes vai até a mercearia, respeito pelo trabalho doméstico jamais se rebaixam a
varre o chão e cuida das crianças. É claro, nem sempre efetivamente realizá-lo. Por quê? Pois, no fundo de sua
e nem todos fazem isso; além do mais, muitos nem alma, desprezam essa tarefa, consideram-na coisa de
sequer sabem fazê-lo (costurar, lavar), e a esposa, que seres menos evoluídos, possuidores de necessidades
às vezes também passa o dia trabalhando fora de casa, mais simplórias.
quando volta, põe-se a lavar roupa, a limpar o chão e Todas essas conversas sobre a mulher ser
fica até tarde da noite costurando, quando o marido há “naturalmente predestinada” à execução dos afazeres
muito está dormindo. Mas se entre os trabalhadores domésticos são bobagens semelhantes ao discurso
às vezes ocorre de o marido ajudar a esposa com o que, na época, os donos de escravos faziam sobre
trabalho doméstico, nas assim chamadas famílias estes serem “naturalmente predestinados” à condição
da intelligentsia, por mais desprovidas que sejam, o de escravos.
homem nunca participa desse serviço, deixando que
a esposa faça suas “coisas de mulher” da maneira Em essência, não há nada no trabalho doméstico
como ela sabe. Um “intelligent” limpando o chão ou que faça com que ele seja uma ocupação mais adequada
remendando a roupa branca seria alvo de gozação de para a individualidade da mulher do que para a do
todos à sua volta. homem. Certos trabalhos que exigem grande força
física estão acima da capacidade das mulheres, mas por
Na imprensa burguesa (em especial do Ocidente), que o homem não pode realizar afazeres domésticos
fala-se muito que o trabalho doméstico é um campo no junto com a esposa? A questão não é que esse trabalho
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seja inerente à esfera das mulheres, mas sim que o Quem já observou crianças sabe que na primeira Anotações
marido precisa trabalhar durante a maior parte do infância os meninos se dispõem com tanto gosto
tempo fora de casa para garantir o sustento. Enquanto quanto as meninas a ajudar a mãe a cozinhar, a lavar
isso acontecer, haverá algum fundamento para que as a louça e a realizar quaisquer tarefas domésticas. Isso
tarefas de casa sejam realizadas exclusivamente pelas parece tão interessante! Mas, em geral, desde os
forças femininas. Mas, à medida que a mulher é cada primeiros anos começa a haver uma diferenciação no
vez mais forçada a também se dedicar a assegurar seu interior da família. As meninas recebem a incumbência
ganha-pão, os afazeres domésticos tomam um tempo de lavar as xícaras, de arrumar a mesa, enquanto
adicional, e não é justo que os homens não contribuam para os meninos dizem: “O que você está fazendo
para a sua realização. Da mesma forma, se a profissão aqui na cozinha? Por acaso isso é coisa de homem?”.
do marido permite que ele tenha muito tempo livre, As meninas são presenteadas com bonecas e louças;
não é justo que ele considere indigno se dedicar ao os meninos, com trens e soldadinhos. Na idade
trabalho doméstico em pé de igualdade com a esposa. escolar, eles já aprenderam em suficiente medida
a desprezar “as meninas” e suas tarefas. É verdade
A escola livre luta contra todos os preconceitos
que esse desprezo ainda é muito superficial e, se a
que arruínam a vida das pessoas. O preconceito
escola seguir outra abordagem, essa depreciação
de que a tarefa doméstica é digna apenas de seres
por “coisas de mulher” rapidamente desaparecerá.
com necessidades menores abala a relação entre
Com tais objetivos, é preciso ensinar aos meninos,
homens e mulheres, introduzindo nela um princípio
juntamente com as meninas, a costurar, a fazer crochê,
de desigualdade. Tal preconceito não martirizou
a remendar a roupa branca, ou seja, tudo aquilo sem o
apenas uma mulher, não gerou alienação e discórdia
qual não se pode viver e cujo desconhecimento torna
em apenas uma família. A escola livre é uma ardente
a pessoa impotente e dependente de outros. Se essa
defensora da educação conjunta, uma vez que
aprendizagem ocorrer como se deve, há razões para
considera que o trabalho coletivo e as condições iguais
pensar que os meninos a realizem com prazer, como se
de desenvolvimento favorecem a compreensão mútua
pode observar no exemplo das escolas de Petersburgo
e a aproximação espiritual dos jovens de ambos os sexos
(é característico que esse experimento tenha sido
e, assim, servem de garantia para relações saudáveis
realizado em escolas mistas). Sendo assim, é preciso
entre homens e mulheres. A partir desse ponto de
encarregar alternadamente as próprias crianças (sem
vista, a escola livre, ao ensinar trabalhos manuais, não
separação do trabalho entre meninos e meninas)
deve diferenciar crianças de sexos distintos. É preciso
da tarefa de preparar o café da manhã coletivo, de
que meninos e meninas aprendam da mesma forma a
lavar a louça, de arrumar as salas, de limpá-las etc. O
fazer todo o necessário no trabalho doméstico e não
desejo de ser útil, de realizar bem a função que lhe foi
se considerem indignos de realizá-lo.
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atribuída, o entusiasmo pelo trabalho farão com que o Combater o Machismo para Unir a Classe Anotações
menino logo se esqueça do seu desdém pelas “coisas
MARIÚCHA FONTANA
de mulher”.
É claro que seria ridículo esperar grandes A separação entre teoria e prática – a
consequências de se ensinar “coisas de mulher” aos hipocrisia é própria da moral burguesa
meninos, mas trata-se de um daqueles detalhes que A prática é o critério da verdade, quem fala
compõem o espírito geral da escola e aos quais é uma coisa e faz outra, deve ser julgado pelo que faz.
preciso atentar. Quando os companheiros dizem concordar com nossos
documentos, mas são coniventes com manifestações
machistas, dizem uma coisa e praticam outra.
Estendemo-nos no capítulo anterior para deixar
explicita a verdadeiro posição revolucionária sobre
a questão das mulheres no terreno programático,
ideológico e moral. Um Partido é o seu programa, mas,
mais do que isso, é um partido de ação e de combate,
no qual o seu programa é o guia para sua ação.
Por isso, afirmamos que o maior obstáculo que
pode haver para superar a situação é se a direção –
em particular sua camada de quadros – comporta-se
com hipocrisia e formalidade frente às questões de
machismo. Baixar a guarda, atuar como se não existisse
machismo, não se indignar com situações internas de
opressão – como piadas, ameaças e constrangimento
de companheiras, assédio sexual, agressões verbais,
psicológicas e até mesmo físicas – são sintomas
profundos de transigência e isso é muito grave.
Esse tipo de comportamento, bem como a
relativização ou minimização de episódios graves de
machismo favorecem o agressor machista e deixam
vulneráveis as vítimas da opressão. Na sociedade
capitalista decadente isso é muito comum. É o que
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dizíamos do caso da Eliza Samúdio: a reação inicial necessidade de manter o aparato leva a concessões no Anotações
da massa foi culpá-la ou tentar justificar a atitude terreno da política e da moral, para evitar “confusões
criminosa do goleiro, incorporando a ideologia e desnecessárias”. Chega-se um determinado ponto em
moral machista burguesa ao classificá-la como mulher que já não se sabe o que é concessão e qual a nossa
objeto. Só quando elementos de psicopatia vieram à moral e se temos uma e para que serve. Assim o
tona o senso comum se virou contra o goleiro. problema mais geral que se expressa na adaptação ao
(...) Referindo-se à questão da burocratização dos aparato é um rebaixamento do programa do partido
sindicatos e da moral de aparato, o texto “Contribuição e de sua política de mobilização permanente contra
à discussão de moral” dizia: “A vanguarda que surge os patrões e o governo, ao rebaixar o programa a
das lutas parciais e localizadas por fábricas, vem Moral relativa a este também passa a ser outra.”
impregnada de todo esse lixo ideológico, que é a (grifo nosso)
destruição do classismo e da Moral proletária que A mesma coisa podemos dizer sobre a questão
advém do sentimento de pertencer a uma classe. Este da opressão da mulher, entretanto, com um agravante.
processo vai se refletindo na composição das diretorias Muitas vezes temos menos reflexo e mais dificuldade
dos sindicatos, mesmo dos sindicatos em que estamos para reagir à questão do machismo, do que temos em
dirigindo(...). Na ausência de um ascenso operário, relação aos diversos combates que travamos contra a
vai se gerando um ambiente em que a nossa própria burocratização dos sindicatos.
capacidade de indignação frente aos fatos vai se
perdendo. (...) Nossa adaptação a este senso comum
que não é outra coisa que a ação dos aparatos na
consciência das massas, nos leva também a uma
adaptação aos outros elementos da consciência
atrasada: o machismo, o racismo, a homofobia,
ao alcoolismo e as drogas. A falta de um combate
permanente contra o processo de adaptação aos
aparatos sindicais potencializou no interior do partido
os problemas de caráter moral. (...)
Hoje somos uma minoria da classe. A nossa
razão de ser é a luta pela consciência da maioria de
nossa classe e esta é uma luta em todos os terrenos.
A adaptação ao aparato inverte os critérios: a
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