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A Bruxaria e os Seus Vínculos Com o Empoderamento Feminino Na

Contemporaneidade

BUSMA DOS SANTOS, Daniela; DANTAS CORREIA DE JESUS, Mariany; DUTRA


L’ABBATE, Camila; FRANÇA SILVA GOMES, Maria Luiza; PEREIRA NOVAES, Sara.
A Bruxaria e seus vínculos com o empoderamento feminino na contemporaneidade.
Trabalho de Conclusão (Bacharelado em Comunicação Social com habilitação em
Jornalismo ) – Centro Universitário Jorge Amado, Professor Docente Marco Uzel, Salvador,
2020.

RESUMO:

O objetivo geral do texto é compreender a partir de referenciais teóricos quais os


vínculos da bruxaria com o empoderamento feminino na contemporaneidade. Na Idade
Média, inúmeras mulheres foram acusadas de praticarem a bruxaria justamente por serem
empoderadas e na atualidade não é diferente, o que acabou gerando uma questão de
identidade. Para analisarmos como ocorre esse vínculo, foi feita uma pesquisa exploratória
qualitativa utilizando os seguintes referenciais: livros e artigos que falam sobre a bruxaria
moderna, produções cinematográficas como séries e filmes para, primeiramente, analisar o
enredo dessas obras e discutir a representação das bruxas e da sua prática nelas, e em seguida,
como isso tem despertado interesse no público feminino. Além das referências citadas,
também foram feitas entrevistas com mulheres praticantes da religião pagã.
Palavras-Chave: bruxaria, empoderamento feminino, identidade

ABSTRACT:

The theme of the following article is modern witchcraft and their practice, and the
focus of this theme is going to be about female empowerment. The main objective of this
article is to understand how modern witchcraft is linked to women's empowerment in
contemporary times. To analyze how this link occurs, a qualitative exploratory research was
made using the following references: books and articles that talks about modern witchcraft,
cinematographic productions such as series and films to analyze the plot of these works and
discuss the representation of witches and their practice, and then, how it has aroused interest
in the female audience. In addition to the cited references above, we also made interviews
with women who are witchcraft practitioners.

Keywords: witchcraft, female empowerment, identity

Trabalho apresentado na IJ01-Jornalismo da Intercom Júnior- XVI jornada de Iniciação


Científica em Comunicação, evento componente do 43 Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação.
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A BRUXARIA E OS SEUS VÍNCULOS COM O EMPODERAMENTO FEMININO


NA CONTEMPORANEIDADE
Camila Dutra L’Abbate
Daniela Busma dos Santos
Maria Luiza França Silva Gomes
Mariany Dantas Correia de Jesus
Sara Pereira Novaes

1. INTRODUÇÃO

A crença na bruxaria existe em inúmeras sociedades humanas ao longo da história,


portanto, há vários conceitos sobre o que é ser bruxa. De uma maneira simples e sintetizada;
a bruxaria é praticada principalmente por mulheres que possuem um conhecimento apurado
a respeito da magia e da cura, utilizando os elementos da natureza ao seu favor e adorando a
deusas.

Entretanto, o conceito demoníaco da bruxaria surgiu durante a Idade Média,


aproximadamente no século XIV. A Igreja Católica Apostólica Romana, fonte maior de
poder e influência sobre o povo na época medieval, foi a responsável por disseminar uma
lenda na qual bruxas eram uma união entre demônios e mulheres, com o objetivo de converter
padres e contestar os dogmas da igreja. O julgamento pejorativo de bruxa foi designado aos
que contrariavam o clero patriarcal; afetando a parcela de mulheres que possuíam
conhecimento sobre as leis da natureza e realizavam trabalhos de curandeiras, parteiras ou
sacerdotisas.

A bruxaria possui um vínculo com os princípios do empoderamento feminino


discutido nos dias de hoje, uma vez que oferece às mulheres uma ótica diferente das religiões
patriarcais, na qual figuras femininas ocupam o centro da doutrina e são consideradas
sagradas. A Inquisição foi um movimento social de perseguição religiosa, que considerava
bruxa qualquer mulher que fosse contra conceitos impostos pela igreja; como exercer a
mesma função que os homens ou fugir dos padrões estéticos da época. O clero
exclusivamente masculino levou a uma construção patriarcal na qual o machismo tornou-se
estrutural e transcendeu até as sociedades atuais.

O movimento feminista surge da necessidade de cessar a violência de gênero e lutar


pela igualdade dos direitos das mulheres na sociedade. A semelhança inspira algumas
mulheres a atrelarem o conceito de feminismo com o perfil das bruxas, gerando um novo
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símbolo político de luta. É importante ressaltar que o feminismo é bastante plural e contém
diversos segmentos, o que será analisado é uma parte dele na qual a bruxaria serve de
ferramenta e inspiração para ativistas.

O objetivo geral deste artigo é compreender como a bruxaria possui vínculos com o
empoderamento feminino na contemporaneidade. Portanto, apresentaremos como a bruxaria
era vista no período europeu, e sua consolidação como um estilo de vida na sociedade,
exemplificando características e particularidades da doutrina. Sabemos que a bruxaria não é
uma religião constituída apenas por mulheres, porém o nosso recorte é investigar a associação
da religião com o empoderamento feminino e quais maneiras isso acontece.

A bruxaria é representada no artigo como religião, identidade e estilo de vida. Para a


elaboração do texto foram empregues conceitos de bruxaria, empoderamento feminino e
identidade. O artigo é construído pela busca da compreensão em como a bruxaria resgata o
poder feminino dentro do cenário religioso, a identificação dos aspectos da doutrina que
encoraja o empoderamento e influencia pensamentos e movimentos feministas e uma análise
da representação das bruxas em produções cinematográficas, focado em filmes e séries.

A metodologia decorre de uma pesquisa exploratória qualitativa feita com


informações investigadas em livros e artigos referenciais sobre a bruxaria e as suas práticas.
Ademais, foram utilizados produtos como séries e filmes para a análise da representação da
bruxaria em produções cinematográficas. É importante ressaltar que fizemos apenas uma
apreciação da temática, ou seja, do enredo, para exemplificar como a imagem da bruxa foi
ressignificada, portanto, não foi feita uma análise técnica das obras selecionadas. Além dos
referenciais citados acima, realizamos entrevistas através do Whatsapp e Instagram com
fontes que praticam a bruxaria. A escolha das fontes foi baseada em mulheres com idades
distintas, o relato das praticantes auxilia na compreensão de como elas encontram o
empoderamento feminino dentro da religião.

2. DA IDADE MÉDIA À IDADE MODERNA: IMAGENS DA BRUXARIA.

A Idade Média foi um período da história da Europa que durou entre os séculos V e
XV, período expresso também como “Idade das trevas”. De acordo com a professora de
História Souza (2020), o cristianismo surgiu durante as transformações decorrentes da queda
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do Império Romano, uma crise em que foi questionada a situação social e política de uma
sociedade escravista, na qual o feudalismo estava em processo de estruturação. (SOUZA).
Após o decreto Edito de Milão, o cristianismo foi consagrado pela Igreja Católica, que se
tornou a instituição mais poderosa da Europa. No artigo Cristianismo e política na Idade
Média, Barros (2009) descreve a Inquisição como um movimento instaurado pela Igreja
Católica, com o objetivo de subjugar qualquer indivíduo que negasse o Catolicismo, no qual
seria excomungado e entregue às autoridades. (BARROS). Souza (2020) cita que a Europa
medieval era marcada pelas mazelas das adversidades e sentenciava mulheres pobres, viúvas
e/ou solteiras às péssimas condições de vida. (SOUZA). Muitas eram camponesas que viviam
em casebres miseráveis e sobreviviam como curandeiras, fazendo remédios naturais,
simpatias e feitiços. Nessa época, as mulheres tinham pouca voz ativa e exerciam funções
restritas apenas ao ambiente doméstico. O receio da Igreja em perder a influência sobre a
sociedade foi a base para instaurar o tribunal denominado Inquisição. O clero usava
justificativas próprias para validar suas ações de genocídio que puniam mulheres acusadas
de bruxaria.

Quando presa sob acusação de bruxaria, a mulher era mantida acorrentada à parede
por meio de um método de tortura no qual é privada do sono por semanas. O carrasco
costumava ser um padre que detinha o direito de mantê-la acordada, o que causava
alucinações que se tornava o motivo para serem consideradas bruxas. Em última etapa havia
o julgamento e a condenação de morte nas fogueiras em praças públicas, para servir de
exemplo de como a Igreja lidava com heresias. A caça às bruxas foi um dos maiores
movimentos de perseguição religiosa, cerca de 13 milhões de mulheres morreram acusadas
de magia negra, a herança desse processo é uma marca na psique difícil de ser reparada e que
continua sendo reforçada em vários lugares do mundo mesmo após o fim da inquisição.

3. BRUXAS NA CONTEMPORANEIDADE: RELIGIÃO, IDENTIDADE E ESTILO


DE VIDA
“A bruxaria encoraja a abertura para a veneração do mundo natural e para a reverência
e amor pelo cosmos'' (RUSSELL, ALEXANDRE, 209, p.249). Este trecho do livro História
da Bruxaria é o prelúdio para a desconstrução das bruxas. Ao retirar os estigmas sociais
sustentados durante séculos por religiões de vertentes cristãs, é possível compreender que
para os praticantes a bruxaria é uma arte e não tem ligação com o diabólico.
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Falar sobre a origem da magia é retornar aos primórdios da humanidade, no momento


em que os seres humanos começaram a despertar uma percepção para os mistérios da vida e
da natureza. As práticas da bruxaria são sucessoras ao cristianismo, e através do renascimento
dos movimentos religiosos foi contextualizada no neopaganismo; termo utilizado para definir
correntes religiosas influenciadas por crenças pagãs, nas quais a veneração à natureza e
adoração aos deuses são as principais leis.

Pactos com demônios, magia negra e sacrifícios de crianças são elementos exclusivos
das produções cinematográficas inspirados nos aspectos diabólicos que a Igreja Católica
fomentou durante a inquisição, não foi mudada a índole das bruxas, mas sim a visão que o
mundo tem delas. Segundo o autor do artigo “Identidade e processos de identificação: um
apanhado teórico”:

A construção da identidade é simbólica e social. Estruturada a partir da construção


de símbolos, a identidade apresenta-se como um elemento configurador e
reconfigurador das práticas sociais (..) Uma das principais características da
identidade é a marcação da diferença, estabelecendo relações de pertencimento,
participação, igualdade, mas também de segregação e distanciamento. (MENEZES,
2014, p.69)
A bruxaria é repleta de símbolos e leis que buscam reconfigurar padrões sociais,
portanto, as praticantes se identificam com a filosofia da religião e reproduzem as crenças
aplicando-as em questões sociais do dia a dia. Superar as desigualdades de gênero é um dos
primeiros passos para o desenvolvimento da mulher. O patriarcado é justificado como:

Uma organização sexual hierárquica da sociedade necessária ao domínio político.


Alimenta-se do domínio masculino na estrutura familiar (esfera privada) e na lógica
organizacional das instituições políticas (esfera pública) construída a partir de um
modelo masculino de dominação (arquétipo viril). (ALICE, 2000)
Ao oferecer caminhos para a desvinculação dos padrões patriarcais, a bruxaria
concede à mulher um novo olhar sobre seu corpo e a sua importância na sociedade. Portanto,
o empoderamento das mulheres representa uma ameaça às relações patriarcais, ao poder
dominante do homem e à manutenção dos seus privilégios de gênero.

De acordo com a autora de Laurie Cabot: "a religião é sobre criação e, por esse
motivo, a religião deve ser a respeito da terra" (O poder da bruxa, 1992, p.32). Na bruxaria,
a terra é representada pela Deusa e as duas são consideradas a Mãe Divina de todas as coisas,
outra interpretação é a semelhança entre a mulher e a terra; é um fato biológico que as duas
repartem entre si o grande papel da maternidade. O corpo feminino é um instrumento de
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transformação e possui a capacidade de gerar e conceber uma nova vida humana, além de
produzir leite e sangrar de acordo com ciclos da lua.

O cotidiano dos praticantes de bruxaria é composto por elementos simples como:


ervas, incensos, velas, amuletos, pedras, cristais, óleos essenciais e muitos livros sobre o
tema. Para as bruxas, a verdadeira magia é caminhar lado a lado com a natureza, elas utilizam
os quatro elementos para realizar seus rituais: a terra, o fogo, a água e o ar, alinhados as fases
da lua e aos dias da semana. Os rituais e vivências do cotidiano são direcionados para o
reencontro com a Deusa e a reconexão com o sagrado feminino. Uma dessas práticas é o
ritual de plantar a lua; um ato no qual o sangue menstrual é devolvido para a terra e plantas.
As mulheres da antiguidade faziam isto naturalmente ao exercer funções cotidianas ao ar
livre, como não existia absorventes o sangue escorria por suas pernas, indo direto ao solo.
Ao perceber que sangue significava fertilidade, elas passaram a fazer rituais em homenagem
aos ciclos e às Deusas. Na atualidade, as mulheres resgataram o ritual de plantar a lua como
um agradecimento à terra e fortalecimento de poder interior. De acordo com o livro Lua
vermelha:

Uma mulher que se torna consciente do seu ciclo e das suas energias adquire também
a consciência de um nível de vida além do visível. Ela desenvolve uma ligação
intuitiva com as energias da vida, do nascimento e da morte, e percebe a Divindade
na própria Terra e dentro dela mesma. (MIRANDA, 2017, p.108)
A bruxaria é sobre saberes ancestrais e rituais de cuidado pessoal, é uma arte
terapêutica que usa a magia para proteção e purificação, focada no estudo da força dos
elementos naturais e reconexão com o espírito divino que reside dentro dos seres humanos.
A religião é um resgate de tradições que busca alcançar a conexão espiritual e fortalecer o
poder intuitivo. Todos esses objetivos são impulsionados pelo autoconhecimento e a
reconexão com o poder interior do sagrado feminino. Dentro da bruxaria, o empoderamento
está ligado a uma consciência unificada: as mulheres recuperam sua autonomia através de
mudanças individuais que reverberam em ações coletivas.

A bruxaria tem um papel necessário no mundo contemporâneo por oferecer à mulher


a capacidade de se enxergar sob uma ótica diferente das religiões patriarcais. A caça às bruxas
foi um movimento social de perseguição religiosa e a magia reivindica papel nas lutas
políticas e sociais por incentivar mulheres a reconhecerem seu poder e sua importância no
universo. A união entre feminismo e a visão dessa “Mãe Terra” é essencial para fortalecer a
subjetividade das mulheres e diminuir o desequilíbrio social dos gêneros.
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4. “CAÇA ÀS BRUXAS” E AS LUTAS FEMINISTAS

Bruxas são mulheres de poder e são consideradas precursoras do feminismo, afinal,


bruxaria também é política. É sobre a desvinculação com um sistema capitalista, patriarcal e
colonizador, que afasta as mulheres dos conhecimentos mais profundos acerca do poder
feminino. As maneiras como as bruxas encontraram para reintegrar esses saberes numa
sociedade patriarcal é símbolo universal de força e perseverança.

“Basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres
sejam questionados”, (BEAUVOIR, 1949, SEGUNDO SEXO). Beauvoir é um dos símbolos
de alguns segmentos dos movimentos feministas, a francesa era ativista política, filósofa
existencialista, teórica social e feminista, e utilizava seus escritos para manifestar a
desigualdade de gêneros na sociedade. O que Simone Beauvoir ressalta na frase acima é
reflexo dos acontecimentos na época da caça às bruxas. Os clérigos buscavam responsabilizar
alguém pelas consequências que a peste negra tinha causado, dentre elas as ameaças de
descentralização do poder da Igreja.

A epidemia da peste negra abalou a economia, e consequentemente, a política que


possuía a Igreja como uma grande aliada. Além da queda do índice demográfico, a natalidade
também caiu porque a sociedade estava economicamente abatida e as mulheres camponesas
evitavam ter filhos. A Igreja Católica temendo a escassez da mão de obra e a crise social,
encontrou o elo mais fácil de ser quebrado: o direito das mulheres sobre o próprio corpo,
desejos e conhecimentos. Outrora, o clero reconhecia que as mulheres possuíam o direito de
limitar suas gestações por questões de sobrevivência, porém, acabou tornando-se uma
questão política e todas aquelas que interromperam a gravidez foram acusadas de bruxaria.

A marginalização das mulheres acusadas de bruxaria interferiu também nos direitos


sociais da figura feminina dentro da sociedade, portanto, se tornou necessário uma renovação
de ideologias e relações de poder. A desigualdade é fruto das construções de gênero que
antecedem a idade média e se perpetuam até hoje de forma cultural nas sociedades:

Quando falamos relações de Gênero, estamos falando de poder. Na medida


em que as relações existentes entre masculino e feminino são relações
desiguais, assimétricas, mantém a mulher subjugada ao homem e ao domínio
patriarcal. (COSTA, 2000, p.4)
De acordo com o artigo “Conceituando Empoderamento na Perspectiva Feminista”:
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O empoderamento das mulheres implicava uma transformação das estruturas


de subordinação através de mudanças radicais na legislação, direitos de
propriedade, e outras instituições que reforçam e reproduzem a dominação
masculina(...) A característica mais conspícua do termo empoderamento está
na palavra “poder”, definida como “controle sobre recursos materiais,
intelectuais e ideologia''. (SARDENBERG, 2006, p.5)
A historiadora Vânia Souza, expõe o vínculo entre bruxaria e empoderamento
feminino. De acordo com ela, as bruxas da Idade Média foram uma das primeiras
manifestações do descontentamento das desigualdades de gênero, (SOUZA, 2020). Essas
mulheres decretaram luta pelo direito dos seus corpos e conhecimento numa época na qual o
feminino era submisso à sociedade. A partir dos movimentos feministas ocorridos no Brasil
no final da década de 1960, a narrativa das bruxas saiu da clandestinidade e tornou-se objeto
de estudo para historiadores e sociólogos. A luta feminista começou no Brasil na década de
1920, com os movimentos sufragistas e a entrada da mulher no mercado de trabalho. Com o
tempo, o movimento feminista criou uma identificação com as bruxas da antiguidade, pois
ambas desafiam as estruturas de poder do patriarcado e levantam discussões sobre
sexualidade, legalização do aborto, desigualdade de gênero e uma imagem social
inferiorizada.

Nos dias atuais, mulheres continuam lutando para obter autonomia sobre seus corpos,
igualdade salarial, e principalmente, a diminuição da violência sexual e física.

A verdade é que mulheres sempre foram vetadas do seu poder total. Em todos
os momentos que dispuseram mostrar sua participação na sociedade ou
empoderamento, foram recriminadas, repudiadas e punidas. Antigamente,
eram mortas nas fogueiras da inquisição, hoje são xingadas como loucas.
(VITÓRIA, 2020)
A obra “A bruxa não vai para fogueira nesse livro”, ( LOVELACE, 2018) é um
exemplo de como a imagem da bruxa vem ocupando espaço na modernidade. Diversas frases
da obra ganharam espaço nas redes sociais e em blusas comercializadas por lojas
personalizadas, como a frase: “Bruxas são mulheres que venceram o preconceito e opressão,
e deixaram sua raiva-fogo incendiarem o mundo.” (LOVELACE, 2018, p.34). Contas no
Instagram juntamente focaram no tema, o perfil “Somos as netas das bruxas” é administrado
por uma mulher intitulada negra, feminista, nordestina e bruxa. Ela fala como a luta
transcende de uma influência para uma questão de identidade, pois não pratica a bruxaria
como religião mas se identifica como bruxa por todas as suas características políticas estarem
em um campo de minoria; como a imagem da bruxa esteve durante séculos.
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As bruxas eram mulheres livres, inteligentes e com o pensamento à frente da sua


época, ameaçando a Igreja Católica que sustentava leis patriarcais escritas por um clérigo
exclusivamente masculino. Em outubro de 2019, a revista Capricho lançou uma matéria na
edição online com o título: “Por que as bruxas são consideradas ícones do movimento
feminista? ”. A reportagem assinada por Amanda Oliveira aborda os porquês do aumento da
popularidade do tema nos meios de comunicação, uma vez que a caça às bruxas foi um
genocídio de gênero contra o sexo feminino, as bruxas retornaram anos depois como um
símbolo em prol da justiça e harmonia, seja em âmbito religioso, social, ambiental ou
político.

Desse modo, é evidente que o vínculo entre feminismo e bruxaria não é coincidência,
ocasionalmente, mulheres feministas podem carregar outras vulnerabilidades como;
orientação sexual, classe social, raça e/ou etnia. As bruxas, sejam elas da Idade Média ou da
modernidade, representam coragem, força e rebeldia, são mulheres que buscam o resgate do
poder feminino e a igualdade entre os gêneros, agindo em conjunto com movimentos ativistas
e ampliando lutas sociais.

5. BRUXARIA EM FILMES E SÉRIES: REPRESENTAÇÕES DO FEMININO

O uso da magia para propagação do mal e rituais de invocação a demônios são alguns
dos estereótipos relacionados a religião da bruxaria, a relação foi fortalecida através da
figuração das bruxas disseminada pelas mídias, principalmente filmes e séries. Contudo, ao
entender que a doutrina está ligada ao autoconhecimento, celebração da natureza e adoração
de Deusas, o interesse do público pelas particularidades da bruxaria aumentou. Esse foi o
caso das praticantes Emily Correia, Maria Vitoria e a Influencer Digital Fernanda Medeiros,
que veem a bruxaria como ligação direta para o empoderamento feminino na
contemporaneidade.

O cinema é uma forma comum de obter informações sobre bruxaria, visto que a
temática é popular em filmes de suspense e terror. Hereditário, lançado em 2018, dirigido
por Ari Aster e protagonizado por Toni Collette e Gabriel Bryne, apresenta as bruxas como
antagonistas dos seus familiares, reforçando que o público alimente a imagem da bruxaria
como maléfica e demoníaca. Entretanto, existem longas que retratam a bruxaria de uma
maneira mais fiel, e hoje em dia são utilizados como referencial. As Bruxas de Salém (1996)
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é um filme inspirado em um fato ocorrido em 1662, na cidade de Massachusset. Neste


acontecimento, cerca de 150 mulheres foram acusadas de bruxaria e executadas. No longa,
mulheres solteiras, independentes, que viviam sozinhas, ou que tinham uma opinião contrária
e revolucionárias, eram consideradas os “corpos ideais” para serem possuídas pelo diabo, ou
seja, a sociedade julgava tais mulheres como bruxas.

O filme A Bruxa, lançado em 2015, dirigido por Robert Eggers e protagonizado por
Anya Taylor Joy, é outro exemplo que evidencia a imagem das bruxas perante a sociedade
da época. A protagonista é a filha mais velha de uma família extremamente religiosa,
Thomasin, é acusada de bruxaria no momento que começa a se impor contra as vontades dos
pais e a expor suas opiniões. Tanto em A Bruxa de Salém quanto em A Bruxa, as mulheres
acusadas de bruxaria são solteiras, independentes e possuem conhecimentos medicinais.

Apesar do silenciamento e dos estereótipos criados por uma sociedade patriarcal, seja
na Idade Média ou nos dias atuais, bruxaria é sinônimo de empoderamento e fortalecimento
do poder feminino. De acordo com o artigo Conceituando Empoderamento na Perspectiva
Feminista, de Cecília M.B Sardenberg:

Para nós, feministas, o empoderamento das mulheres é o processo da


conquista da autonomia, da autodeterminação (..) O empoderamento
implica, para nós, na libertação das mulheres das amarras da opressão de
gênero e opressão patriarcal. O objetivo maior do empoderamento das
mulheres é questionar, desestabilizar e, por fim, acabar com a ordem
patriarcal que sustenta a opressão de gênero. (SARDENBERG, 2012, p.2)

As leis da bruxaria contribuem para o fortalecimento dos movimentos sociais pois


buscam a autonomia sobre o corpo feminino e a igualdade entre os gêneros. A praticante da
religião, Emily Correia, acredita que bruxas são consideradas um símbolo do movimento
feminista pois são seres livres que lutam pelos seus direitos. Ela complementa:

Quando houve a inquisição, mulheres foram injustiçadas e assassinadas


apenas por serem mulheres. Toda bruxa luta por si mesma e age pelo
feminino. Eu acredito que o mundo bruxo é sagrado e glorioso porque as
mulheres se sentem realmente bem em mostrar do que são capazes.
(CORREIA, 2020)
Além dos filmes, existem séries que retratam a bruxaria. Sempre Bruxa, O Mundo
Sombrio de Sabrina e Luna Nera são exemplos de seriados atuais que exploram o tema. Essas
produções investem no protagonismo feminino com personagens fortes e autênticas,
influenciando e inspirando mulheres. Apresentar personagens femininas que transmitem
poder é uma importante representatividade dentro de uma sociedade patriarcal e machista. A
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Influencer Digital Fernanda Medeiros, denominada no Instagram como Februxa, acredita


que com a popularização da bruxaria, mulheres tem alcançado mais locais de fala e tem
incentivo para explorar a si mesma.

Na entrevista realizada com Maria Vitória, praticante de bruxaria, ela conta: “Séries
como Sabrina são importantes para pessoas que não possuem um contato com a religião e
querem conhecer mais. ” Para ela, o enredo conseguiu explorar características essenciais dos
rituais de bruxaria. Emily Correia, conta sobre a sua percepção do filme As Bruxas de Salém:
“Ele expressa em detalhes as injustiças sofridas pelas bruxas, isso incentiva as pessoas a
buscarem entender melhor e defender a causa. ”

Emily Correia recomenda a série “Luna Nera (2020)'' por possuir uma boa
representatividade acerca das mulheres bruxas. Luna Nera foi inteiramente escrita, dirigida
e protagonizada por mulheres. Uma das criadoras, Tiziana Triana, falou sobre a série numa
entrevista concedida ao Notícias da TV, por e-mail.

Nos últimos anos, há um evidente foco feminino nas produções. As bruxas


nada mais são do que a oportunidade de falar sobre mulheres rebeldes,
capazes de lutar por independência e contra superpotências como o
patriarcado, a igreja, o estado e a cultura machista. (TRIANA, 2020)

Em gerações passadas, a Igreja e o patriarcado motivaram a condenação das bruxas na


sociedade, a partir do momento que a bruxaria, seja em filmes ou seriados, é representada
como uma busca por autoconhecimento e redescoberta do poder feminino, o público
enxerga a religião sobre outra perspectiva e descobre que pode utilizar a doutrina em debates
sobre lutas sociais, igualdade entre gêneros, machismo e empoderamento feminino.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao estudar a história da bruxaria, é possível entender que como religião medieval, ela
correspondeu às necessidades da sua época. Suas bases foram construídas sob uma visão
campestre; plantio, caça e ciclos da natureza como plano de fundo para a sua espiritualidade.
Entretanto, o preconceito com a religião começou com a perseguição da Igreja Católica
contra todos aqueles que se opunham às suas leis. Eram consideradas bruxas mulheres idosas
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e/ou pobres com comportamentos considerados fora do padrão, aquelas que possuíam
conhecimentos medicinais ou que exerciam as funções de parteira e/ou curandeira.

A caça às bruxas foi considerada um movimento social de perseguição religiosa


contra o gênero feminino, aquelas consideradas bruxas foram marginalizadas, julgadas e
assassinadas diante de cidadãos que assistiam ao espetáculo em silêncio. Com o passar dos
séculos, mulheres se uniram em busca da reconfiguração dos padrões coletivos dentro de
uma sociedade patriarcal. Movimentos sociais foram iniciados, dentre eles, o
empoderamento feminino; que busca conceder o poder de participação social às mulheres,
garantindo que possam estar cientes sobre a luta pelos seus direitos, igualdade entre os
gêneros, protagonismo e lugar de fala.

Os praticantes de bruxaria detêm de filosofias próprias, que abrangem discussões


políticas, sociais, religiosas e ambientais. Por conta da trajetória marcada pelo sofrimento, as
bruxas da Idade Média foram transformadas em símbolos de resistência contra leis impostas
pela igreja, estado e sociedade. O “ser bruxa” se converte numa questão de identidade ligada
ao feminismo, política e empoderamento feminino. A identidade é uma construção social
mutável pelos quais os significados são produzidos que constantemente cria e recria as
posições sociais dos sujeitos, portanto, bruxaria também é sobre política. Ao estimular a
desvinculação com um sistema capitalista, patriarcal e colonizador, a bruxaria aponta
caminhos sustentáveis para a construção de um mundo melhor.

Ao analisar a bruxaria na contemporaneidade, como religião e filosofia, percebe-se


que o cotidiano das mulheres que se denominam bruxas é repleto de rituais de reconexão
com o poder feminino através do contato com deusas e com elementos da natureza. A religião
não reforça nenhum dogma cristão que limita ou inferioriza as mulheres em relação aos
homens, pelo contrário, na bruxaria as deusas são figuras femininas e o corpo é considerado
um instrumento sagrado. Essas leis proporcionam à mulher um profundo autoconhecimento
e valorização da sua própria natureza, abrindo portas para o empoderamento através da
consciência do seu corpo no mundo.

Como exemplo, analisamos produções cinematográficas atuais para contextualizar a


representação da bruxaria em filmes e séries na sociedade contemporânea. É perceptível a
renovação da figuração das bruxas; desviando da imagem de vilãs e apresentando-as como
personagens fortes, autênticas e corajosas. Todos os filmes e séries observados apresentam
uma protagonista feminina ou possuem diretoras à frente da produção, estimulando uma
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curiosidade positiva acerca do universo da magia, e consequentemente, transformando a


visão da sociedade a respeito da índole das bruxas.

Concluímos, que o processo de vinculação entre bruxaria e empoderamento feminino


começou com a caça às bruxas e a herança desse período é a perseverança das mulheres em
preservar seus saberes ancestrais, descobertos séculos após a inquisição e discutidos na
sociedade contemporânea. As doutrinas da bruxaria são vinculadas aos movimentos sociais
porque os dois agem em prol da mulher, da preservação da natureza e da busca pela igualdade
de gênero. As bruxas foram transformadas em símbolos de força e resistência, persuadindo
a destruição do patriarcado e a recuperação do poder interior. Aquelas queimadas na fogueira
desejavam apenas desfrutar da liberdade dos seus corpos em comunhão com a magia da
natureza. Como legado, seus saberes ancestrais transcendem de mulher para mulher na busca
por um mundo regido pelo amor do poder feminino.

REFERÊNCIAS

ALICE, Ana. GÊNERO, PODER E EMPODERAMENTO DAS MULHERES. Tese de


doutorado aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Salvador, UFBA, 2000.

ASTER, Ari. Hereditário. [filme]. Produção Diamond Films, EUA, 2018, Google Play Filmes.

CABOT, Laurie; COWAN, Tom. O Poder da Bruxa: A Terra, a Lua e o Caminho Mágico
Feminino. Rio de Janeiro: Editora Carnpu Ltda, 1991.

D' ASSUNÇÃO, José. Cristianismo e política na Idade Média: as relações entre o papado e o
império. Rio de Janeiro: Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião,2009.

EGGERS, Robert. A Bruxa. [filme]. Produção Universal Pictures.EUA,2015, Netflix.

FEDERICI, Silva. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Editora
Elefante, 2017.

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