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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CATALÃO

INSTITUTO DE HISTÓRIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

SEBASTIÃO PINTO RIBEIRO COSTA

Calibã e a Bruxa: Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva

Catalão - Go

2022
A filósofa italiana Silvia Federici formou-se na Universidade de Buflalo nos Estados
Unidos. A ativista feminista nasceu no ano de 1942 em Parma, e em 1970 foi uma das pioneiras
a realizar campanhas que reivindicaram o salário para o trabalho doméstico. Autora do livro
“Calibã e a Bruxa: Mulheres, Corpos e Acumulação Primitiva”, lançado em 15 de setembro de
2004 pela editora Elefante, livro o qual a escrita estabelecida aqui, será de um trecho da página
336 a 374, de uma obra com o total de 460 páginas.

A caça às bruxas teve o fundamento mais relevante a respeito da relação entre a bruxa
e o diabo. A mulher era a subordinada, submissa de seu senhor, no caso, o diabo. O período
santificou a supremacia masculina, fez com que fosse estabelecido um medo dos homens para
com as mulheres, por serem vistas como destruidoras do sexo masculino. A insatisfazível
luxúria das mulheres era o que trazia a bruxaria, visto que, por exemplo, ao responder seus
crimes, tinham que afirmar não ser prazeroso ter relações sexuais com o diabo. Acreditavam
que as bruxas podiam castrar ou deixar impotente os homens, algumas escondiam os pênis dos
homens sendo obrigadas a devolver depois.

A visão da mulher foi transformada com os anos em temor, sua sexualidade não só
incapacitavam os homens, mas também era algo perigoso e demoníaco. Uma vez em contato
com os homens uma bruxa os faria escravos de suas vontades. Uma das acusações que caiam
sobre as ditas bruxas é o envolvimento em práticas sexuais degenerativas, com um foco no sexo
com o diabo, e a participação em orgias, que acreditava-se ocorrer no sabá. A partir da
propaganda misógina da Igreja, todos os medos que se naturalizam nos homens, nutrem-se em
relação as mulheres.

A mulher era um perigo a ordem social, a paixão sexual destruía a autoridade do homem
sobre as mulheres e sua capacidade de governar a si mesmo. A sexualidade feminina deveria
ser extinguida, e alguns métodos foram utilizados para que a necessidade acontecesse, como
tortura, morte na fogueira e interrogatórios que correspondiam a um exorcismo sexual e estupro
psicológico. Analogias foram criadas e mantidas no tempo, como exemplo a mulher velha, que
de sábia passou a ser um símbolo de esterilidade e de hostilidade a vida.

A relação com a sexualidade feminina e a bestialidade intensificou-se tanto que os


animais passaram a ter uma ligação com as bruxas, foram criadas representações do diabo como
o deus-cabra. Até mesmo os animais foram julgados, e práticas bestiais começam a ter presença,
como a copulação com bestas, a acusação de que as bruxas também mudavam de forma e
tomavam a aparência animal, principalmente o sapo, que continha muitos símbolos a seu
respeito.

Qualquer relação que seja “não produtivas” eram proibidas, entre elas a
homossexualidade, sexo entre os mais novos e idosos, sexo entre diferentes classes, sexo anal,
nudez, danças, entre outros. A elite europeia, posteriormente, começou a debater se as bruxas
podiam ou não serem fecundadas pelo diabo, e até mesmo no século XVIII, alguns pensadores
interessavam-se pelo tema. Investigação essa que levou a morte de centenas de milhares de
mulheres.

Como forma de justificativa para a colonização e o tráfico de escravos, a caça às bruxas,


e as acusações de adoração ao demônio foram levadas para América. A ideologia da bruxaria
começa a se interligar com o racismo, representando cada vez mais o diabo como homem negro.
Como a elite dos homens brancos estavam sempre em um autocontrole e raciocínio prudente,
sentiam uma certa inveja em relação aos que escravizavam, por terem uma relação mais
próxima a natureza.

Com a chegada da ciência moderna, o Iluminismo, a caça às bruxas perdeu a força,


haviam declarações de que nem mesmo existiam. Depois que o plano que a elite europeia seguiu
para erradicar todo um modo de existência que ameaçava o poder político e econômico, a
disciplina social foi estabelecida e a classe dominante consolidada, os julgamentos as bruxas
acabaram. E foi fácil levar a ideia a algo ridículo, superstição e então apagado da memória.

Silvia Federici mostra como a ideia criada e associada as mulheres foi extremamente
violenta. E como essas construções passadas se instauraram na sociedade, acompanhando até o
século XXI. A vertente da Federici é marxista, e é possível perceber em diversas partes de sua
escrita a relação das classes com o contexto da caça às bruxas, como avançou o conceito das
bruxas com o capitalismo e como a burguesia se aproveitou de todo o momento para estabelecer
sua dominância sobre os proletários.

A obra da Silvia Federici é fantástica, extremamente instrutiva e provocadora. O texto


carrega com si um conhecimento importantíssimo para quem o lê, abordando questões de
injustiça, sofrimento, discriminação, desumanização, dor e diversas outras barbáries cometidas
com o corpo, a mente e a imagem, principalmente da mulher. As violências foram tão grandes,
que a marca deixada no tempo e na sociedade caem sobre as mulheres de formas impensáveis
dia a dia.
O que é muito interessante são as analogias e tudo que acompanhou o homem na
sociedade. A bruxa velha, a vassoura, o diabo ser representado em alguns lugares como sendo
negro, a história da sexualidade, a mulher passando a ser considerada como objeto e como a
questão da homossexualidade foi atingida também. E o que mais causa angústia é ler todo o
texto imergindo no profundo sofrimento das mulheres e pensar a quanto tempo carregam essa
dor, e por quanto tempo ainda terão que suportar e lutar para que se cesse.

REFERÊNCIAS

FEDERICI, Silvia. “Calibã e a Bruxa: Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva”. São


Paulo: Editora Elefante, 2017, pp. 336 – 374.

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