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A Psicanálise tem-se mostrado, pelo exame do que até agora foi possível

verificar ao longo destes mais de cem anos de sobrevivência, como disciplina,


prática ou modo terapêutico do cuidar da mente humana de gigantesco espectro
— daí a dificuldade de defini-la de modo último, derradeiro, em verdade
coexistindo muitos significados e explicações a ela pertinentes.
E ao se debruçar sobre seus possíveis (ou já bem-delimitados) contornos
a resolver justamente acerca de sua significação, parece mais interessante deles
se afastar (até pela importância relativizada que a síntese em diversas
discussões pode possuir), suscitando ser mais prazeroso refletir sobre seu
exercício em si. E que prática está-se falando? Analisar como? Para qual fim? E
mais, a interessar a estas poucas linhas: sob qual técnica ou técnicas a ela
(Psicanálise) incidentes?
Crê-se aqui na relevância de se destacar dois aspectos que denotam
serem bem próprios da Psicanálise e de sua composição — sem prejuízo de
outras lidas terapêuticas que também de tais subsídios se valem —: o escutar
psicanalítico (tendo por técnica aquela pautada em muito escutar do analisando
toda sorte de sensações e pensamentos que livremente dele provêm e, também,
a tarefa da análise em si (esta consistente na decomposição, no fracionamento
daquilo que é exposto pelo paciente, fazendo abrolhar o que no indivíduo está
contido, mesmo que no denominado inconsciente — parcela do ideário mental a
mais trazer implicações positivas para o avançar psicanalítico).
Importa, destarte, nestas breves considerações, registrar estes dois
elementos que exsurgem como muito essenciais para esta prática: saber o
profissional da Psicanálise criar um ambiente confortável para que o analisando
ali exponha sua história sob o método da chamada associação livre (seja ela sob
qual forma e origem se mostre), marcadamente falando de si e, repete-se, a
habilidade que o analista deve construir em seccionar tais informações, estas
que devem retornar para o analisando como a revelar-lhe seu inconsciente ou,
enfim, a revelar-lhe o fundo causal deste ou daquele sentimento a mais assinalar,
em determinado instante, sua vida.
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É claro que o encadeamento de ideias, percepções, reflexões, histórias
pessoais e respectivas dissecações, vão, a partir da técnica psicanalítica
(verdadeiro espelhamento do que cada um essencialmente é, possibilitar novas
demandas, novas análises, e, salienta-se, maior compreensão do que vem a ser
cada eu em si contido...
(...) Conhecer a si mesmo e entender-se, transformar-se... Suportar-se
até...
Nota-se que, vale igualmente ponderar, algo que talvez suscite ser
profundamente revelador para quem não tenha ainda tido a oportunidade de
tomar parte de sessões de Psicanálise, que o tratamento é a cura — oração esta
que representa novamente a importância da técnica consistente no permitir que
o analisando exponha com profusão o que sente, possibilitando que ele de tudo
fale na já referida associação livre. Um tema a fazer rememorar certas
sensações, determinadas lembranças, estas por vezes por longos tempos nunca
ou quase nunca revistas — por vezes demasiado adormecidas.
O psicanalista, assim, assumiria este papel de espelho, permitindo que
o paciente veja a si mesmo de modo diverso, abrigando a possibilidade de
aperceber-se mais intenso do que pensara ser, mais amargurado do que pensara
ser, caminhando por de fato no futuro sentir-se mais pleno (mesmo que
encarando feridas no passado não curadas propriamente, mesmo que
aprendendo a conviver de modo mais harmônico ou mais inteligente, por assim
dizer, com suas falhas, seus vazios, intempéries pretéritas ou cotidianas etc.).
Fazer com que sejam evidenciados tais registros, percepções e
sensações em um mesmo indivíduo denota ser a prática psicanalítica, pautada
pela aludida arte de decompor cada temática colocada pelo paciente.
A par desses dois elementos sob destaque, o falar de modo livre e
profícuo (no sentido de sua abrangência e abundância) e o fracionamento do que
à tona é possível fazer emergir, toma-se a liberdade de ponderar rápida e talvez
poeticamente, sobre uma constatação demasiado importante no caminho
terapêutico da Psicanálise e que importa para a própria existência humana: o
vazio.

Instituto Oráculo de Psicanálise, 2019. Artigo


escrito por Márcio Marastoni.

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Não obstante a riqueza que é a oportunidade de ouvir a si próprio, e do
conjunto de análises passíveis de serem vivenciadas no ambiente psicanalítico,
análises estas sob regência, diga-se, do psicanalista, o vazio interior, algo que
se crê quase óbvia e conclusivamente existir em múltiplos momentos de todo ser
humano, é perene, no sentido de ocupar infindavelmente a existência de cada
um. O vazio como parte a ser revelada, conquanto dele já se saiba; mas
revelado, sentido, suportado, reconhecido...
Não significando, à evidência, que este vazio se mostre algo patológico
(pelo contrário, desejando-o como algo saudável e a todos inerente, uma vez
identificado e, como se disse, suportado), ele passa a ser visto como elemento
impossível de ser extirpado. O vazio (já se ousando fazer referência também, em
peculiar, ao objeto perdido) é aqui, no findar desta brevíssima discussão,
pontuado como um dos exemplos do que a prática psicanalítica é capaz: fazer
com que se reconheça ser o que somos, experimentando-se e aceitando-se
como somos: não só para curar feridas, mas para transformar-se e aprender a
viver, melhor, é claro.

Instituto Oráculo de Psicanálise, 2019.

Artigo escrito por Márcio Marastoni.

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