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Temas transversais e o trabalho com projetos:

uma experiência nas séries iniciais do ensino fundamental


Cristina Satiê de Oliveira Pátaro* & Ricardo Fernandes Pátaro**

Resumo: Esse artigo discute uma experiência pautada na estratégia de projetos e nos
temas transversais, desenvolvida pelos autores junto a crianças das séries iniciais do
Ensino Fundamental. Baseada na perspectiva da complexidade, a prática relatada busca
integrar os conhecimentos escolares aos conhecimentos do cotidiano dos(as) alunos(as),
em um trabalho interdisciplinar que deixa de lado a hierarquização dos conteúdos e o
cumprimento de programas fechados e pré-determinados. Em seu lugar, a estratégia de
projetos permite encarar o conhecimento como uma rede de relações, ao mesmo tempo
em que abre espaço às incertezas do trabalho pedagógico. A ênfase nos temas transversais
– os quais subsidiam o projeto desenvolvido – objetiva a formação ética dos estudantes,
de modo que a intenção é apontar possibilidades de articulação dos conteúdos escolares a
diferentes práticas e vivências que, acima de tudo, priorizem o desenvolvimento de
princípios éticos, de cidadania, e a formação de sujeitos autônomos, críticos, capazes de
participar e conviver democraticamente em sociedade.
Palavras-chave: Escola básica; Transversalidade; Estratégia de projetos; Complexidade.

Transversal themes and education by projects: an experience in elementary school


Abstract: This paper reports an experience from practice with education by projects and
transversal themes, developed by the authors with children from initial series of
elementary school. Based on a perspective of complexity, the method proposes an
integration between school and everyday knowledge and an interdisciplinary work,
instead the prioritization of pre-determined school programs. Education by projects
considers the inter-relation of all knowledge as well as the uncertainty and randomness of
pedagogical work. The emphasis on transversal themes - which support the projects
developed – objectives ethical formation of students, so the intention is to indicate
possibilities for articulation of school knowledge and different practices that prioritize the
development of ethical, citizenship, and the formation of autonomous and critical
individuals, able to live and participate democratically in society.
Key words: Elementary school; Transversality; Projects. Complexity.

*
CRISTINA SATIÊ DE OLIVEIRA PÁTARO é Pedagoga, Mestre em Educação (Unicamp)
e Doutora em Educação (USP). Professora adjunta do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do
Paraná - (UNESPAR/Fecilcam - Campo Mourão).

**
RICARDO FERNANDES PÁTARO é Pedagogo, Mestre em Educação (Unicamp) e
Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Professor assistente do curso
de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR/Fecilcam - Campo Mourão).

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Esse texto discute os pressupostos compreensão por parte dos(as)
teóricos e o relato de uma experiência alunos(as). Ao mesmo tempo, o
relacionada ao trabalho escolar com conhecimento e as práticas escolares
temas transversais e a estratégia de são formalizados, vistos sob a ótica da
projetos. Tal proposta apresenta-se ordem e da certeza dos programas
como uma possibilidade de trabalho curriculares pré-determinados.
pedagógico junto a crianças das séries
iniciais do Ensino Fundamental, no Para Morin (1990), a complexidade do
sentido de contribuir com uma educação real, dos objetos e fenômenos da
que contemple tanto os conteúdos natureza, pode ser melhor
escolares quanto a formação ética dos compreendida a partir de uma
estudantes. perspectiva multidimensional e que
tenha em vista as incompletudes do
São apresentadas as premissas teóricas conhecimento. Seria esse o pensamento
que orientam a estratégia de projetos complexo. Ao compreender o mundo
enquanto prática pedagógica, bem como real, a perspectiva de complexidade
a ideia de transversalidade. Em seguida, considera a ordem, a certeza e a
discute-se um exemplo de projeto regularidade tanto quanto a desordem, a
desenvolvido, buscando ressaltar suas incerteza e a não-regularidade. Trata-se
contribuições para a formação em de conhecer as partes sem desvinculá-
valores éticos, que almeja o las da existência de um todo e vice-
desenvolvimento de sujeitos versa, levando em conta as grandes
autônomos, críticos e capazes de quantidades de interações e unidades
participar e conviver democraticamente existentes entre as partes que
em sociedade. constituem a realidade. Desse modo, as
determinações e previsões dão lugar às
Complexidade e escola
indeterminações, às possibilidades e aos
A Teoria da Complexidade, proposta fenômenos aleatórios.
por Morin (1990; 2002), é uma das
bases que fundamenta a prática Um trabalho pedagógico pautado nos
pedagógica aqui apresentada. O autor princípios de complexidade (MORIN,
parte da crítica ao modelo 2002) deve abrir-se às incertezas do
paradigmático da Ciência Moderna, ao conhecimento, às inúmeras inter-
qual denomina pensamento relações possíveis, em um trabalho
simplificador. Segundo Morin (1990), o interdisciplinar que contemple os
pensamento simplificador, na intenção saberes e interesses dos(as) alunos(as).
de controlar a natureza, acaba por É nesse contexto que se insere a
reduzir e tratar de maneira proposta de transversalidade articulada
unidimensional a complexidade do real. à estratégia de projetos, que veremos a
Orientado pelos princípios de redução, seguir.
disjunção e abstração, tende a Temas Transversais e formação ética
fragmentar, simplificar e formalizar o
real, compreendendo a natureza Entendemos que a escola, além de
unicamente a partir do funcionamento trabalhar os conhecimentos da
de suas partes. Tal pensamento tem humanidade, tem o papel de contribuir
reflexos na estrutura e no currículo para a construção de uma sociedade
escolares, uma vez que o conhecimento mais justa e igualitária, onde todos(as)
é reduzido, simplificado e fragmentado possam participar ativamente e conviver
em diferentes disciplinas, dificultando a de maneira democrática. Encontramos

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no trabalho de Araújo (2002, 2003) uma interesses da maioria dos(as) alunos(as),
possibilidade de organização da escola que não encontram significado para
que se faz coerente com tais ideias. De aquilo que aprendem.
acordo com esse autor – que se
fundamenta, entre outros, no trabalho de Para Araújo (2003), o estudo dos
Puig (2000) – o objetivo da educação conhecimentos historicamente
gira em torno de dois eixos: a instrução acumulados não é suficiente para, por si
e a formação. A instrução refere-se à só, garantir a formação de cidadãos e
transmissão dos conhecimentos cidadãs que se preocupem com o bem-
historicamente acumulados pela estar individual e coletivo. Sem deixar
humanidade – representados, na escola, de reconhecer a importância das
pelos conteúdos disciplinares – e a disciplinas, o autor acredita que encarar
formação volta-se para a ética e a o ensino escolar sob a ótica apenas da
cidadania, que pressupõe a construção instrução – colocando em segundo
de uma sociedade que garanta vida plano a formação ética – é desenvolver
digna para todos os seres humanos, e uma educação que pouco colabora com
compreende o desenvolvimento de a construção de uma sociedade mais
aspectos que dêem, a alunos(as), certas justa e igualitária (ARAÚJO, 2003). É a
“[...] condições físicas, psíquicas, partir dos eixos de instrução e formação
cognitivas e culturais necessárias para que Araújo apresenta uma proposta de
uma vida pessoal digna e saudável e trabalho pedagógico pautada nos
para poderem exercer e participar princípios da transversalidade e da
efetivamente da vida política e pública estratégia de projetos.
da sociedade, de forma crítica e
autônoma” (ARAÚJO, 2003, p.30). Para tratar de transversalidade, partimos
do trabalho de Moreno (1998), a qual
Para que a escola atinja tais objetivos é propõe a inserção de temas transversais
necessário articular o ensino dos na escola e, mais do que isso, defende
conteúdos escolares – o conhecimento uma mudança na forma de encarar as
histórico, social e cultural – a uma disciplinas. Segundo Moreno (1998), o
formação que prepare o sujeito para ensino escolar frequentemente coloca os
lidar com a diversidade, o conflito de conteúdos curriculares apenas como
ideias, os sentimentos e emoções finalidades em si mesmos, e, assim, a
presentes nas relações intra e escola deixa de cumprir o objetivo de
interpessoais, além de garantir a desenvolver, nos alunos e alunas, a
possibilidade e a capacidade de capacidade de compreender o mundo
indignação frente às injustiças da vida que os rodeia. Estudados como fim em
cotidiana. (ARAÚJO, 2002, p.39). si mesmos, os conteúdos transformam-
se, para muitos alunos e alunas “(...) em
Entretanto, para o autor, o papel que a algo absolutamente carente de interesse
escola vem em geral exercendo ou totalmente incompreensível.”
contempla apenas a instrução. Assim, as (MORENO, 1998, p.38). Assim, “(...)
crianças vão à escola somente para as aprendizagens escolares são vividas
aprender conteúdos como matemática, por alunos e alunas como algo gratuito,
língua, história, artes e outros, de modo cuja única finalidade consiste em passar
que esses conhecimentos escolarizados nos exames.” (idem, p.45). Esta
passam a ser vistos como um fim em si mentalidade deve-se ao fato de que,
mesmos. Além disso, são trabalhados de para as crianças, é difícil entender a
modo distante da realidade e dos utilidade das aprendizagens

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apresentadas como algo que justifica a sentido de aproximar as disciplinas
si mesmo. trabalhadas na escola aos temas
transversais – assuntos da realidade
Diante dessa situação, a proposta é que
social vivida por alunos e alunas e que
nossas preocupações sociais mais
efetivamente contribuam para a
intensas (como as questões ambientais,
formação ética.
de saúde, orientação sexual, por
exemplo), transformem-se no que a Dessa maneira, a partir do estudo de um
autora denomina “temas transversais”, tema transversal relativo à realidade
ou seja, o próprio eixo em torno do qual social dos estudantes, disciplinas como
devem girar as disciplinas trabalhadas matemática, língua, história, geografia
pela escola. passam a ter um valor importante para a
aquisição dos objetivos almejados com
Assim, as preocupações sociais passam o estudo do tema transversal. A
a ser “assunto de estudo nas escolas”. intenção de Moreno é trazer a
As matérias curriculares, por sua vez, aprendizagem escolar para:
servem de apoio para o estudo dos
temas transversais, que pretendem “[...] contextos reais nos quais as
transformar o aprendizado escolar no noções a ensinar adquiram um
estudo de temáticas relevantes a significado, contextos que não
sejam absurdos, mas que tenham
alunos(as) e que possam contribuir para
um sentido não só para os adultos,
uma formação em valores. mas também para a criança que
Essa é, portanto, a ideia da queremos que maneje os
transversalidade: ao serem estruturados conceitos.” (MORENO, 1998,
em torno dos temas transversais, os p.48)
conhecimentos trabalhados na escola Diante do que foi exposto, os princípios
têm sua finalidade transformada; da transversalidade pressupõem uma
alunos(as) estabelecem uma relação mudança metodológica, mas também
diferente com tais conhecimentos, que epistemológica, pois propõem repensar
passam a dar suporte para o estudo dos o objetivo da escola, que deixa de se
temas transversais e adquirem preocupar apenas com os conteúdos
significado. culturalmente herdados e passa a
enfatizar também a formação de sujeitos
Partindo do pressuposto de que
preparados para viver em uma
aprender requer sempre um esforço
sociedade que possui necessidades
do(a) estudante, Moreno afirma que
muito particulares – como a paz,
“Nada desanima mais que realizar um
afetividade, uma vida saudável – as
trabalho que requer esforço sem que se
quais podem ser apreendidas pela escola
saiba para que serve.” (MORENO,
a partir do estudo dos problemas sociais
1998, p.45). Dessa maneira, a autora
e do cotidiano das crianças que ali
defende a ideia de que, quando um
determinado conhecimento se relaciona convivem.
à curiosidade própria do ser humano ou O ensino transversal e a estratégia de
é percebido como alguma coisa útil para projetos
sua vida, pode transformar-se em algo
Tendo como referência a ideia de
que será vivido com maior satisfação.
transversalidade (MORENO, 1998),
É neste aspecto que a ideia de Araújo (2003) propõe a estratégia de
transversalidade propõe uma articulação projetos como forma de colocar em
entre o científico e o cotidiano, no prática tais princípios. Fundamentado

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na proposta teórico-metodológica das temáticas abordadas – visto que o
abordada pelo autor, o trabalho com tema é selecionado pelo(a) professor(a).
projetos – segundo a perspectiva de
transversalidade – vem sendo Em seguida, a partir da temática
desenvolvido em diferentes escolas e transversal definida pelo(a) docente e
vem, igualmente, sendo foco de estudos contando com a participação de
e pesquisas na área de educação alunos(as), as disciplinas escolares que
(PÁTARO, 2008). vão sendo contempladas ao longo do
projeto passam a oferecer suporte na
A partir do que propõe Araújo (2003), busca por respostas às questões
esse trabalho junto às crianças gira em levantadas pelo grupo.
torno de projetos que são desenvolvidos
a partir de temáticas transversais. Desse O planejamento dos conteúdos
modo, o foco dos projetos é sempre um disciplinares a serem ensinados e
tema que tenha como objetivo a aprendidos – assim como as estratégias
formação ética, relacionada, por metodológicas das aulas – são
exemplo, aos direitos humanos, à elaborados pelo(a) docente, levando em
afetividade, aos problemas sociais, à conta o currículo referente à idade/série.
resolução de conflitos etc. Tal temática Os estudos são registrados coletiva e
articula-se aos conteúdos escolares, os individualmente pelos estudantes, com
quais são estudados no intuito de o auxílio do(a) professor(a),
auxiliar alunos(as) na compreensão das evidenciando a autoria dos(as)
questões abordadas. alunos(as) no que diz respeito ao
projeto desenvolvido e aos
A articulação entre a transversalidade e conhecimentos construídos.
a estratégia de projetos pauta-se em um
trabalho interdisciplinar, na qual os Ao longo do projeto, as questões das
conhecimentos são vistos como uma crianças vão sendo respondidas e a
rede de relações, em um percurso não temática transversal vai sendo
linear, permeado por incertezas. Isso relacionada, simultaneamente, com as
confere à prática desenvolvida uma vivências dos estudantes e com os
coerência com os princípios de conteúdos escolares.
complexidade expostos anteriormente e
fundamentados no trabalho de Morin O trabalho com projetos nas séries
(1990, 2002). iniciais do Ensino Fundamental

Para a construção de um projeto, na Com o objetivo de exemplificar de que


perspectiva aqui apresentada, a temática forma o trabalho com projetos pode se
a ser desenvolvida é inicialmente dar na prática, discutimos a seguir uma
proposta pelo(a) docente e discutida experiência vivenciada junto a crianças
com os alunos(as) para que, em seguida, de 9 a 10 anos de idade. Buscaremos
as crianças levantem questões que enfatizar de que forma os conteúdos
representem suas dúvidas, curiosidades escolares trabalhados no Ensino
e interesses a respeito do tema a ser Fundamental passaram a servir de base
abordado. Esta é uma forma de para a discussão de questões
possibilitar que os estudos se iniciem a relacionadas à ética e voltadas para a
partir do cotidiano e dos interesses formação moral.
manifestados pelos estudantes e, ao
mesmo tempo, garantir a natureza ética

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Projeto “Relacionamento entre discriminado e o entre homens e
homens e mulheres – O machismo e o mulheres não?
feminismo”
Durante os dois meses seguintes, o
O projeto aqui relatado foi desenvolvido professor planejou e desenvolveu
ao longo de um bimestre com uma atividades que tinham por objetivo
turma de 4ª série do Ensino responder às perguntas das crianças e
Fundamental, composta por 33 crianças. também trabalhar com os conteúdos
Desde o início do ano, dois fatos disciplinares da série. Dentro da
chamavam a atenção: a grande perspectiva com a qual trabalhamos,
quantidade de crianças que entravam na todas as atividades desenvolvidas ao
puberdade e as características machistas longo do projeto têm por finalidade a
presentes nas atitudes dos meninos. Era formação ética e moral dos futuros(as)
comum, por exemplo, que, ao exporem cidadãos(as), trabalho que encontra
suas opiniões, as meninas fossem alvo auxílio nas diversas áreas do currículo
de zombaria por parte dos meninos, que escolar. A seguir exemplificamos
reprimiam e desqualificavam suas algumas das atividades desse projeto:
ideias. Também ocorriam humilhações
 Investigando os motivos das
mútuas durante jogos esportivos,
brigas entre homens e mulheres,
quando os meninos não deixavam as
(pergunta 1) foram lidos dois textos
meninas jogarem futebol ou quando
que narravam um conflito vivido
meninos choravam e eram reprimidos.
por um casal de namorados,
Diante da necessidade de se trabalhar Antonio e Maria. Nos textos, os
uma visão equilibrada das relações de personagens expressam, em forma
convivência entre homens e mulheres, de diário, seus pontos de vista e
foi desenvolvido um projeto articulando sentimentos sobre o conflito. A
os conteúdos disciplinares a temáticas partir da leitura, organizou-se um
relativas à discriminação nas relações debate: cada metade da turma
de gênero. defendeu os argumentos de um dos
personagens. Nesse momento, as
Para começar a pensar no assunto as crianças notaram que ambos os
crianças leram, sob orientação do personagens estavam certos e
professor, o livro “Faca sem ponta, também errados, percebendo que a
galinha sem pé...”, de Ruth Rocha, convivência entre as pessoas
história na qual dois irmãos brigam por depende dos dois lados. Também
serem de sexos diferentes. A partir foram produzidas narrativas em
dessa leitura, foi escolhido o tema discurso direto (conteúdo da série)
“Relacionamento entre homens e propondo formas amigáveis de
mulheres: o machismo e o feminismo” e resolução do conflito vivido, além
as crianças levantaram suas dúvidas e de tabelas e gráficos organizando as
questões: (1) Por que existem tantas opiniões da turma sobre a briga
brigas entre homens e mulheres? Como relatada nos diários.
acontecem? (2) Por que a conversa
sobre sexualidade é tão evitada por  Já para abordar o tabu em torno
algumas pessoas? (3) Por que nos da sexualidade (pergunta 2), foi
nossos jogos existe o machismo e o trabalhado o texto “Sexa”, que
feminismo? Como começou? Como surgiu de um imprevisto. Recheado
podemos combatê-los? (4) Por que o de entrelinhas, o texto de Luís
relacionamento homossexual é Fernando Veríssimo foi trazido por

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um aluno e descreve a situação de  Ao trabalhar com o preconceito
uma criança que tenta conversar existente para com relacionamentos
com o pai sobre por que não existe o homossexuais (pergunta 4), as
feminino da palavra “sexo”. Aqui as crianças observaram fotos e obras
crianças refletiram sobre como pode de arte que retratavam o beijo como
ser difícil para adultos conversarem demonstração de carinho e amor.
com filhos(as) sobre sexualidade. A Ao refletirem sobre o beijo
partir da reflexão, foram produzidos homossexual com ajuda de fotos, o
textos e charges a respeito do tabu e incômodo, desconforto e
da convivência entre pais e filhos. estranhamento que as crianças
Também foram estudadas as manifestavam começou a dar lugar
mudanças decorrentes da puberdade ao respeito. Além disso, puderam
no corpo de meninos e meninas e conscientizar-se de que o
produzidas cartas em que as preconceito também é aprendido, e,
crianças abordavam tal assunto com como tal, pode ser desconstruído.
seus pais, aproximando-se da Em resumo, as questões foram
convivência familiar. A surpresa respondidas trabalhando, de modo
aqui foi que as crianças também interdisciplinar, aspectos da
manifestaram dificuldades em convivência entre meninos/homens e
abordar o assunto em suas cartas. meninas/mulheres com ajuda de
 Ao conversarmos sobre como o diferentes conteúdos. Algumas
machismo começou em nossas vidas atividades foram exemplificadas acima,
(pergunta 3) percebemos que a mas é importante lembrar que muitas
turma considerava a palavra outras foram desenvolvidas com o
“feminismo” como sendo o objetivo de auxiliar as crianças a
contrário de “machismo”. Partimos refletirem sobre a discriminação
então em busca de dados históricos presente nas relações de gênero e as
para definir os dois conceitos. O formas de resolução de conflitos que
resultado desse trabalho de pesquisa podem ser utilizadas em nossa
foi a produção de textos convivência, ao mesmo tempo em que
informativos com o objetivo de eram trabalhados os conteúdos
traçar uma análise histórica dos curriculares da série.
comportamentos machistas e do
Considerações finais
início do movimento feminista. Esse
conhecimento possibilitou às O artigo teve como objetivo discutir um
crianças um maior envolvimento na relato de experiência acerca da
luta contra os pequenos gestos de estratégia de projetos na perspectiva da
discriminação de gênero que transversalidade, vista como
ocorriam em seu cotidiano, possibilidade de trabalho junto às
melhorando a convivência entre crianças das séries iniciais do Ensino
meninos e meninas. Os meninos já Fundamental. Essa metodologia propõe
não desconsideravam as opiniões que o papel da escola seja o de trabalhar
das meninas e passaram a entender os conteúdos curriculares articulados à
que o choro também é uma forma de formação ética dos(as) alunos(as),
manifestação masculina. Já as buscando contemplar os valores morais
meninas passaram a exigir mais e a formação de sujeitos críticos,
respeito dos meninos e também autônomos e que saibam conviver
respeitá-los. democraticamente.

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Foram apresentados os pressupostos de novas perspectivas. Consideramos,
teóricos da prática em discussão, entretanto, que a discussão abre novas
discorrendo-se sobre a teoria da portas para que possamos (re)pensar o
complexidade (MORIN, 1990; 2002), a trabalho que vem sendo desenvolvido
ideia de transversalidade (MORENO, nas escolas, em busca de novos rumos
1998) e a metodologia de projetos para a educação e o ensino.
(ARAÚJO, 2002; 2003). Por fim,
discutiu-se o relato de um projeto
realizado junto a uma turma das séries Referências
iniciais, buscando demonstrar de que ARAÚJO, U. F. A construção de escolas
forma é possível um trabalho que democráticas. São Paulo: Moderna, 2002.
articule conteúdos disciplinares e ______. Temas transversais e a estratégia de
transversais, a partir de um projetos. São Paulo: Moderna, 2003.
planejamento que – por abrir-se às MORENO, M. Temas transversais: um ensino
incertezas – possibilita a inserção de voltado para o futuro. In: BUSQUETS, M. et
conteúdos não inicialmente previstos, ali. Temas transversais em educação. São
de acordo com as necessidades dos(as) Paulo: Ática, 1998.
alunos(as) e com a intencionalidade do MORIN, E. Introdução ao Pensamento
docente. Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.

Com esse percurso, buscou-se a ______. Os sete saberes necessários à


educação do futuro. São Paulo: Cortez;
reflexão acerca de possibilidades de Brasília, DF: UNESCO, 2002.
trabalho voltadas à formação para a
PÁTARO, R. F. O trabalho com projetos na
cidadania e ao ensino de qualidade, que escola: um estudo a partir de teorias de
contemple uma maior aprendizagem complexidade, interdisciplinaridade e
dos conteúdos por parte dos estudantes. transversalidade. Dissertação (Mestrado em
Tem-se consciência de que a proposta Educação). Faculdade de Educação,
apresentada não é única, e que as UNICAMP, Campinas, 2008.
experiências aqui discutidas seriam PUIG, Josep. Democracia e participação
passíveis de questionamentos, a partir escolar. São Paulo: Moderna, 2000.

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