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ATUALIDADES
Argentina:
crises econômica e política
ATUALIDADES Alessandra de Fatima Alves

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Argentina: crises econômica e política
A crise na Argentina tem sido um assunto recorrente nas mídias nacional e internacional, e diversas são
as notícias sobre as oscilações econômicas do país. Tudo isso acontece em meio a um governo que tomou posse,
em dezembro de 2015, e foi visto pelo mercado financeiro como uma nova esperança para a Argentina. Durante
sua campanha, o presidente Mauricio Macri defendeu uma política econômica voltada para o mercado, que daria
estabilidade ao país e pavimentaria o caminho para reverter um século de desempenho frustrante.

Entretanto, o que se apresenta hoje parece ter raízes bem mais profundas. Desde a década de 1990, ocor-
reram fortes oscilações cíclicas que têm levado o país a momentos de intensa euforia e crescimento e a períodos
de profunda crise, nos marcos de uma tendência de longo prazo que sugere sua perda relativa de importância
nos cenários geopolíticos regional e internacional. Tal característica não é estranha à realidade dos países em de-
senvolvimento, em geral, e dos latino-americanos, em particular. Para o bem ou para o mal, essas economias têm
se revelado particularmente sensíveis às flutuações nos preços das commodities e às condições de liquidez nos
mercados financeiros internacionais.
Quando se analisa a evolução da Argentina, chama a atenção o fato de o país ter experimentado um proces-
so de profunda desagregação do seu tecido social. Flagelos tão comuns nos seus vizinhos, como pobreza, desem-
prego, precarização das relações de trabalho, elevada desigualdade na distribuição de renda etc., e que pareciam
ser distantes da sua realidade socioeconômica tornaram-se partes constitutivas da Argentina liberal e globalizada,
que emergiu a partir das reformas estruturais dos anos 1990.

Entendendo a crise e suas origens


A Argentina está atravessando uma intensa crise econômica que já dura aproximadamente 30 anos. Essa
situação impulsionou, principalmente nos últimos anos, a desvalorização da moeda argentina, uma alta taxa de
inflação e pedidos de ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

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A crise teve origem na década de 1990, quan- argentino) se torne muito suscetível à desvalorização.
do se iniciou o histórico deficit fiscal no país, ou seja, Isso porque se o valor do dólar aumenta muito, o go-
os gastos do governo eram maiores que a arrecada- verno não possui uma quantidade de moeda suficiente
ção. Isso significa que o dinheiro recebido pelo go- para fornecer aos compradores de dólares e, por isso,
verno a partir dos impostos não era suficiente para deve obter mais moeda para estabelecer a equivalên-
custear as despesas de administração e dos investi- cia do aumento, gastando mais dinheiro.
mentos do governo. Além disso, o país tem passado por uma estia-
gem (período longo sem chuvas) e, nos últimos anos,
o setor agrícola apresentou queda em sua produção.
Como boa parte das exportações da Argentina são
do setor agrícola, há uma dependência da economia
nesse setor. Assim, quando a exportação de produtos
agrícolas cai, a entrada de dólares no país diminuiu em
grande medida.
Em 2015, o presidente Mauricio Macri assumiu
o governo e, desde então, tem aplicado um plano de
ajuste fiscal baseado nos cortes de gastos como uma
tentativa de reduzir a dívida pública e alcançar um
superavit primário. Para compreender os cortes que
o governo argentino tem realizado com o objetivo de
Para amenizar a situação, foram emitidos títulos combater a crise, precisamos entender no que consiste
da dívida pública, que são, basicamente, como emprés- um ajuste fiscal.
timos que a população faz ao governo para financiar a
dívida. As pessoas que compram esses títulos estão fazen-
Os ajustes fiscais
do uma espécie de investimento no governo para que ele
possa arrecadar recursos e pagar suas contas. Em datas Esse termo tão presente no dia a dia dos jornais
determinadas, as pessoas resgatam o dinheiro que elas é mais simples do que parece e diz muito à respeito da
investiram nesse título com o objetivo de obter lucros, pois situação da Argentina. Ajuste fiscal é, basicamente, o
o valor pode ter aumentado (ou não) devido, principal- corte de gastos do governo e o aumento de tributação,
mente, às taxas de juros, ou seja, esse investimento tam- mas, normalmente, o segundo é menos utilizado nesta
bém apresenta o risco de não haver retorno total do valor. fórmula por ser impopular.
Em 2013, a economia argentina entrou em um O governo argentino realizou o ajuste fiscal por
período de estagnação, apresentando um crescimen- meio do corte de subsídios, como o auxílio na energia
to econômico muito lento que, aliado à altas taxas de elétrica, gás e transporte público, da criação de imposto
desemprego, agravou cada vez mais a crise fiscal, pois direto sobre exportações e do corte de verbas ministe-
os gastos do governo se mantiveram mais altos que a riais. O objetivo de Macri com essas medidas é reduzir a
arrecadação. Em outras palavras, essa estagnação, em participação do Estado na economia, de forma a reduzir
conjunto com o desemprego, faz com que as pessoas os gastos do governo e o deficit fiscal. Com esse dinhei-
consumam menos porque elas não têm dinheiro ou ro economizado, o governo visa a pagar a dívida pública
porque preferem guardá-lo devido às expectativas de argentina, freando seu crescimento, ano após ano.
inflação. Isso gera uma menor movimentação da eco- Outro conceito importante para se entender
nomia e, portanto, uma menor arrecadação do gover- uma crise é taxa de juros, que corresponde ao lucro
no, o que intensifica a crise fiscal. que se recebe por emprestar dinheiro ou que se paga
Outro agravante da crise é o fato de que, his- por tomá-lo emprestado. A maioria das pessoas está
toricamente, a Argentina possui uma baixa reserva de habituada com esse termo quando se trata da relação
dólares, o que faz com que a moeda nacional (peso entre pessoas e bancos, mas também é possível que

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ocorra entre o Estado e pessoas. Por exemplo: quando 1,75% e, no Brasil, mesmo com uma crise econômica,
o governo precisa de dinheiro para pagar suas contas, é de 6,5%. A lógica é de que, com um “prêmio” tão
uma de suas opções é colocar à venda títulos da dívida alto, valeria a pena para os investidores correr o risco
pública. Eles são papéis emitidos pelo Banco Central do calote. Porém, essa medida foi pouca efetiva, pois a
garantindo que, em um tempo determinado, aquele desvalorização do peso argentino continuou a crescer,
título valerá o que foi pago com o acréscimo de um apontando que a saída de capitais se manteve.
percentual – esse percentual é a taxa de juros. Por outro lado, esse aumento da taxa de juros
gera recessão na atividade industrial e econômica do
país, pois essa mesma taxa é usada como base para
se tomar empréstimos e, portanto, fica inviável para os
industriais realizarem investimentos. Então, por exem-
plo, se o industrial desejar investir em seu maquinário
e para isso precisa pegar um empréstimo, ele deixará
de fazê-lo, pois os juros tão altos aumentarão muito o
custo desse investimento. Sem investimentos, a econo-
mia não cresce, o que tem como consequência mais
desemprego e diminuição da renda da população, que
acaba consumindo menos. Assim, agrava-se a crise do
país como um todo. Esse é o efeito dominó.
Protestos contra aumento de tarifas básicas
A alta inflação
A taxa de juros do país depende de dois fatores:
da taxa de juros que está em vigor nos Estados Unidos A inflação é um percentual que mede o aumen-
(já que o dólar é a moeda de referência); e do cha- to geral de preços numa economia e é um importante
mado “risco país”, baseado em um ranking feito por fator de intensificação da crise econômica, pois com o
agências especializadas, que mede o risco que aquele aumento dos preços, há uma queda no consumo, que
país possui em não pagar sua dívida, ou seja, de “dar é, por sua vez, um importante gerador de emprego e
o calote”. No caso argentino, a dívida pública já é tão de renda.
grande que as agências de risco temem que o governo Existem muitos fatores que podem gerar inflação
não consiga mais pagar, o que aumenta em muito o em um país e, no caso argentino, são dois os mais rele-
“risco país” – aumentando, assim, os juros que o go- vantes: a fuga de capitais e a pouca oferta de produtos
verno precisa pagar a quem detém o título da dívida. no mercado interno. A baixa disponibilidade de produtos
Afinal, para o comprador, só compensa adquirir o título no mercado faz com que os preços subam, pois eles pas-
e se expor a um risco de não receber seu dinheiro de sam a ser mais procurados – e quanto mais desejados,
volta, se a “recompensa” (o juro) for alta. maior o preço – gerando um aumento da inflação. Além
Essa instabilidade econômica causa descrença disso, frente à instabilidade econômica, muitos inves-
na capacidade do governo de pagar a sua dívida, fa- tidores e produtores passam a retirar suas empresas e
zendo com que os investidores internacionais vendam fábricas de um país, levando consigo o dinheiro. Esse
seus títulos da dívida argentina, com medo de não re- fenômeno é conhecido como fuga de capitais e faz com
ceberem o valor que lhes é devido. Esse movimento é que muitos produtos e serviços deixem de existir, con-
chamado de “fuga de capitais”, o que diminui mais tribuindo também para que os preços do comércio e do
ainda a disposição de dinheiro para o governo argenti- mercado financeiro tornem-se mais altos.
no poder fazer sua economia voltar a funcionar. Conforme já visto, quando o Estado toma em-
Para evitar essa “fuga de capitais”, o Banco préstimos da sociedade, esta pode ser agente nacional
Central Argentino, elevou a taxa de juros para 60%. ou internacional. Em primeiro lugar, porque, com a fuga
Para ter uma referência, nos EUA, a mesma taxa é de de capitais e a baixa reserva de dólares, o peso argen-

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tino fica desvalorizado, elevando o preço dos produtos produtos no exterior, em dólar, que no mercado inter-
importados, o que gera inflação. Isso ocorre porque se no, pois, com a mesma quantidade de dólares recebi-
um produto possui algum insumo de origem estrangei- dos, ele poderá obter mais pesos argentinos. Ou seja,
ra, por exemplo, ele precisará de um maior investimen- as indústrias argentinas começaram a exportar mais
to para ser fabricado, já que a moeda argentina está e a vender menos dentro do país. Assim, pela lei da
desvalorizada e o dólar mais caro, elevando o preço oferta e da demanda, o preço dos produtos no mer-
final do produto e agravando ainda mais a inflação e o cado interno aumenta, porque há menos produtos em
consumo. Como consequência, o investimento no país oferta, mas a demanda é a mesma.
diminui porque a produção torna-se muito mais cara e
não há expectativas de aumento do consumo, fazendo
A atuação do FMI na crise argentina
com que o desemprego cresça e intensifique a crise.

Economistas afirmam que o governo argentino


deve estabelecer medidas que estabilizem o câmbio do
país para que possam, posteriormente, recuperar a credi-
bilidade argentina no cenário econômico internacional.

É bem verdade, contudo, que quase todas as


moedas de países em desenvolvimento têm sofrido
uma pressão de desvalorização em relação ao dólar,
por conta do aumento da taxa de juros dos EUA, que
tem atraído muitos investidores em busca da seguran-
ça de pagamento que os títulos dos EUA possuem. A queda do peso argentino em relação ao dólar
Em segundo lugar, a baixa oferta de produtos foi a maior entre todos os países emergentes desde
no mercado interno está entrelaçada aos motivos que o início deste ano. Diante de todos esses problemas
já citamos. Com o aumento do preço do dólar na Ar- econômicos e sociais, a Argentina decidiu pedir ajuda
gentina, vale mais a pena para o industrial vender seus ao Fundo Monetário Internacional.
FMI e Argentina: um longo histórico de crédito
Acordos de crédito desde 1958

Nota: valores em US$ convertidos a partir dos direitos especiais de saque (SDR)
1 SDR = US$ 1,39 em 03 set. 2018
Fonte: Fundo Monetário Internacional. Disponível em: BBC.

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Em junho de 2018, o país recebeu do FMI 50 bilhões de dólares em um acordo de financiamento com
duração de 36 meses. Apesar de aparentemente essa ser uma boa notícia, o acordo gerou diversas manifestações
contrárias por parte da população, por todo o país. Isso aconteceu porque, quando um acordo com o FMI é firma-
do, a instituição exige que certas políticas sejam adotadas para que o país em crise volte a ter uma estabilidade
econômica e recupere a credibilidade no mercado internacional.
Todavia, essas políticas são medidas de austeridade para reduzir o deficit fiscal do país, ou seja, medidas
que possuem objetivo de reduzir gastos públicos e, como geralmente impactam em áreas sociais, tais como educa-
ção, saúde e previdência, geram descontentamento por parte da população.
Com a alta da inflação, o poder de compra da população argentina já havia diminuído, trazendo um índice
alto de pobreza para o país. Acrescentando ainda as novas políticas adotadas, indicadas pelo FMI, a população se
encontra em um novo estado de vulnerabilidade social, com o acesso a serviços básicos de direito sofrendo cortes
de gastos.

A queda das moedas dos mercados emergentes


O peso argentino é a moeda com o pior desempenho frente ao dólar, em 2018

Fonte: Bloomberg. Última atualização: 06 set. 2018. Disponível em: BBC.

Eleições argentinas em 2019


As eleições presidenciais da Argentina ocorrerão em 2019 e a popularidade de Macri cai cada vez mais, o
que demonstra que um governo de continuidade não está garantido e o plano de ajuste exige mais tempo para
que sejam obtidos resultados na economia.
Como prevê uma grande oposição, Macri começa a contar com o apoio de governadores das províncias para que
suas políticas continuem sendo postas em ação. Apesar das medidas instauradas por ele, como os cortes de gastos para
reduzir a dívida pública, a crise argentina ainda enfrenta uma alta inflação e uma taxa de desemprego enorme.

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O atual cenário mostra que, na disputa pelo
centro político, os dois grandes blocos asfixiam a ter-
ceira via e põem em evidência a força do peronismo.
A fratura que marcou a política argentina na última
década aproxima seus polos.
Depois de meses de polarizar a discussão políti-
ca entre peronismo e não peronismo, Macri concordou
em fazer uma concessão e pactuar com Pichetto, que,
embora tenha defendido as posições do kirchnerismo
durante treze anos, representa a ala mais conservadora
Alberto Fernández e Cristina Kirshner
do peronismo. O veterano senador garante a governa-
bilidade em um potencial segundo mandato.
Mauricio Macri e Cristina Fernández de Kirch-
ner, os dois opostos que hoje captam toda a atenção
política na Argentina, não teriam apoio suficiente
para vencer sozinhos. Sua fraqueza, no caso de Ma-
cri, pela crise econômica e, no caso de Kirchner, pelos
casos judiciais de corrupção – resultou em alianças
impensáveis, em maio de 2019. Primeiro, Cristina Kir-
chner surpreendeu ao anunciar que estava concorren-
do como vice-presidente de Alberto Fernández, que,
antes da reconciliação, tinha passado de ex-chefe de Mauricio Macri e Miguel Ángel Pichetto
gabinete de seu governo a um de seus maiores críti-
cos. Em 12 de junho, Macri deu uma cartada ousada, Mais determinante, no entanto, será a econo-
quando escolheu como vice o peronista Miguel Ángel mia. Uma parte importante do eleitorado votará por ra-
Pichetto, a espada do kirchnerismo no senado, antes zões econômicas, o que representa um grande desafio
de se afastar rumo a um peronismo moderado. para o governo porque há grande descontentamento.

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