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UNIVERSIDADE DE BELAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E ECONÓMICAS


CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O MULTIPARTIDARISMO EM ÁFRICA: CASO


PARTICULAR DE ANGOLA, NO PERÍODO DE 1991 A 2008

TRABALHO DE FIM DE CURSO

MARIA JOSÉ VAZ NETO ASSUNÇÃO

LUANDA, 2019
UNIVERSIDADE DE BELAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E ECONÓMICAS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

FOLHA DE ROSTO

O MULTIPARTIDARISMO EM ÁFRICA: CASO


PARTICULAR DE ANGOLA, NO PERÍODO DE 1991 A 2008

TRABALHO DE FIM DE CURSO

Elaborado por: Maria José Vaz Neto Assunção


Orientado por: Msc. Délcio Pedro Rodrigues

Trabalho de Fim de Curso apresentado à


Faculdade de Ciências Sociais e Económicas da
Universidade de Belas como requisito para a
obtenção do Grau de Licenciada em Relações
Internacionais

LUANDA, 2019 i
FICHA CATALOGRÁFICA

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou electrónico para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte.

Maria José Vaz Neto Assunção

DATA_________/_________/___________

ASSUNÇÃO, Maria José Vaz Neto

O MULTIPARTIDARISMO EM ÁFRICA: CASO PARTICULAR DE


ANGOLA, NO PERÍODO DE 1991 A 2008

Trabalho de Fim de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Sociais e Económicas da


Universidade de Belas como requisito para a obtenção do Grau de Licenciada em Relações
Internacionais

Orientador: Msc. Délcio Pedro Rodrigues

Nº de páginas: 51

Tipo de letra: Times New Roman

Palavras-chave: África. Angola. Democracia. Estado. Multipartidarismo.

ii
MARIA JOSÉ VAZ NETO ASSUNÇÃO

FOLHA DE APROVAÇÃO

O MULTIPARTIDARISMO EM ÁFRICA: CASO PARTICULAR DE


ANGOLA, NO PERÍODO DE 1991 A 2008

Trabalho de Fim de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Sociais e Económicas da


Universidade de Belas como requisito para a obtenção do Grau de Licenciada em Relações
Internacionais

Aprovado, ______/______/_______

BANCA EXAMINADORA

Presidente do Júri

____________________________

1º Vogal

_____________________________________

2º Vogal

_____________________________________

Secretário

___________________________

iii
DEDICATÓRIA

“Dedico esta monografia a Minha Querida Mãe”.

iv
AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e espírito de inteligência.


À minha família em geral, pelo apoio moral prestado incondicionalmente durante todos os
anos da minha formação académica.
Ao Professor Délcio Rodrigues, pela orientação e colaboração disponibilizada para a
realização deste trabalho.
À Direcção e ao colectivo de professores da Universidade de Belas, pelos ensinamentos e
conhecimentos adquiridos durante os anos da minha formação académica.
Finalmente, quero agradecer à todos que directa ou indirectamente contribuíram na
organização e preparação dos recursos didácticos que me permitiram consultar.

v
RESUMO

O tema em estudo desta Monografia, é o multipartidarismo em África, tomando o caso


particular de Angola, no período de 1991 a 2008. O tema surge pelo facto em África, os
limites das liberdades e os direitos de indivíduos na formação de partidos políticos, gerarem
grandes discussões e conflitos para a sua aceitação no seio de governos totalitários e
ditatórias. Do ponto de vista académico, o presente estudo permite fazer não só uma análise
sobre a evolução do processo democrático multipartidário em Angola, mais também para dar
a conhecer a geração vindoura sobre os acontecimentos históricos que sucederam no país
desde a assinatura dos acordos de Bicesse em 1991 que culminaram com as eleições de 1992
até a conquista da paz, consequentemente a realização das eleições de 2008 em Angola. O
objectivo é o de analisar o multipartidarismo em África de modo geral, particularmente, a
democracia multipartidária em Angola. Para a sua elaboração utilizou-se a metodologia que
abarca o método histórico-dedutivo, suportado pelas análises documentais e fontes
bibliográficas, seguido de contactos realizados com diversas personalidades com
conhecimentos dos assuntos abordados. Desta forma, a nivel de resultados foi possivel
perceber que o modelo de democracia participativa enfatizado pelos movimentos sociais e a
ampliação da ocupação do espaço político pela Sociedade Civil é uma verdadeira vitória do
multipartidarismo em Angola. Por esta razão, concluimos que a relação existente entre a razão
de Estado e a democracia, mas também a importância estratégica da participação da sociedade
civil em instâncias colegiadas de deliberação na esfera estatal é um sinal inequivoco da
afirmação dos diferentes principios democraticos na sociedade angolana, por esta razão
recomendamos que a diminuição das desigualdades sociais e económicas no seio da sociedade
angolana deve constituir a principal preocupação das forças politicas em Angola.

Palavras-chave: África. Angola. Democracia. Estado. Multipartidarismo.

vi
ABSTRACT

The theme under study in this Monograph is multipartyism in Africa, taking the particular
case of Angola, in the period 1991 to 2008. The theme arises from the fact that in Africa, the
limits of freedoms and rights of individuals in the formation of political parties, they generate
great discussions and conflicts for their acceptance within totalitarian and dictatorial
governments. From an academic point of view, this study allows us not only to analyze the
evolution of the multi-party democratic process in Angola, but also to inform the coming
generation about the historical events that have taken place in the country since the signing of
the Bicesse agreements in 1991 that culminated with the 1992 elections until the conquest of
peace, consequently the holding of the 2008 elections in Angola. The aim is to analyze
multipartyism in Africa in general, particularly multiparty democracy in Angola. For its
elaboration, the methodology that includes the historical-deductive method was used,
supported by documental analyzes and bibliographical sources, followed by contacts made
with several personalities with knowledge of the subjects covered. Thus, at the level of
results, it was possible to see that the model of participatory democracy emphasized by social
movements and the expansion of the occupation of political space by Civil Society is a true
victory for multipartyism in Angola. For this reason, we conclude that the relationship
between reason of State and democracy, but also the strategic importance of civil society
participation in collegiate deliberation instances in the state sphere, is an unmistakable sign of
the affirmation of different democratic principles in Angolan society, for this reason we
recommend that the reduction of social and economic inequalities within Angolan society
should be the main concern of political forces in Angola.

Keywords: Africa. Angola. Democracy. State. Multiparty.

vii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAKO – Aliança dos Bakongo

ADA – Aliança Democrática de Angola

CEAST – Conferencia Episcopal Angola/São Tomé

CONAKAT – Confederação das Associações do Katanga

CNE – Comissão Nacional Eleitoral

DTA – Aliança Democrática do Turnhalle

FAA – Forças Armadas Angolanas

FALA – Forças Armadas de Libertação de Angola

FNLA – Frente Nacional para a Libertação de Angola

FAPLA – Forças Armadas Populares de Libertação de Angola

FUA – Frente de Unidade Angolana

GURN – Governo de Unidade e Reconciliação Nacional

MDIA – Movimento de Defesa dos Interesses dos Angolanos

MLSTP – Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe

MNC – Movimento Nacional Congolês

MPD – Movimento para a Democracia

MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola

MPR – Movimento Popular da Revolução

PDP-ANA – Partido Democrático para o Progresso-Aliança Nacional Angolana

PAICV – Partido Africano para a Independência de Cabo-Verde

PAJOCA – Partido da Aliança da Juventude Operária-Camponesa de Angola

viii
PCD/GR – Partido da Convergência Democrática/Grupo de Reflexão

PDLA – Partido Democrático Liberal de Angola

PLD – Partido Liberal Democrático

PNDA – Partido Nacional Democrático Angolano

PR – Partido da Revelação

PRA – Partido do Reagrupamento Africano

PRA – Partido Reformista de Angola

PRD – Partido Renovador Democrático

PRP – Partido Republicano Português

PRS – Partido de Renovação Social

PSD – Partido Social-Democrata

RDA – Reunificação Democrática Africana

RDC – República Democrática do Congo

SWAPO – South West African People’s Organization/Organização dos Povos do Sudoeste


Africano

UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola

ix
ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ................................................................................................................. i

FICHA CATALOGRÁFICA................................................................................................... ii

FOLHA DE APROVAÇÃO ...................................................................................................iii

DEDICATÓRIA ...................................................................................................................... iv

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. v

RESUMO.................................................................................................................................. vi

ABSTRACT ............................................................................................................................ vii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..........................................................................viii

I. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1

1.1. Introdução ao tema....................................................................................................... 1

1.1.1. Delimitação do tema.................................................................................................. 1

1.1.2. Justificação do tema .................................................................................................. 2

1.2. Formulação do problema ............................................................................................. 2

1.3. Formulação de hipóteses .............................................................................................. 3

1.4. Objectivos .................................................................................................................... 3

1.4.1. Objectivo geral ..................................................................................................... 3

1.4.2. Objectivos especificos .......................................................................................... 3

II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................... 4

2.1. A Sociedade e o Estado ............................................................................................... 4

2.2. Etimologia e conceito da palavra democracia ............................................................. 4

2.3. Direito à liberdade política .......................................................................................... 9

x
2.4. Os partidos políticos e o multipartidarismo ............................................................... 10

2.4.1. Partidos políticos ................................................................................................ 10

2.4.2. O multipartidarismo............................................................................................ 16

2.4.3. Os modelos de sistemas eleitorais ...................................................................... 16

2.5. A caracterização do poder político em África após a luta de libertação .................... 21

2.6. O multipartidarismo em África .................................................................................. 22

2.6.1. Territórios francófonos ....................................................................................... 24

2.6.2. Territórios anglófonos ........................................................................................ 25

2.6.3. Territórios belgas ................................................................................................ 26

2.6.4. Territórios lusófonos 26

III. CARACTERIZAÇÃO DA AREA DE ESTUDO ......................................................... 29

3.1. Localização geográfica de Angola ............................................................................. 29

3.2. Hidrografia e recursos naturais de Angola ................................................................ 30

IV. METODOLOGIA ........................................................................................................... 31

4.1. Tipo de estudo ............................................................................................................ 31

4.2. População e amostra .................................................................................................. 31

4.2.1. Critério de inclusão............................................................................................. 32

4.2.2. Critério de exclusão ............................................................................................ 32

4.3. Métodos a utilizar ...................................................................................................... 32

4.4. Procedimentos e instrumentos ou técnicas para a colecta de dados .......................... 32

4.5. Processamento de dados ............................................................................................ 33

V. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................................... 34

xi
VI. CONCLUSÕES ............................................................................................................... 47

VII. RECOMENDAÇÕES ..................................................................................................... 49

VIII. BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 50

xii
I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema o seguinte: “O Multipartidarismo em África, tomando o


caso particular de Angola, no período de 1991 a 2008”.

1.1. Introdução ao tema

Desde muito tempo, os factores sócio-políticos e culturais assumem uma importância decisiva
no estudo das democracias contemporâneas, particularmente quando se tem em perspectiva a
necessidade de participação mais activa dos cidadãos organizados em partidos políticos e
associações nas decisões de políticas que afectam a sociedade como um todo.

1.1.1. Delimitação do tema

Angola é um Estado que, após um prolongado período de colonização portuguesa que durou
quase quinhentos anos, para além de guerra para a conquista de sua soberania como nação
independente, o país ainda viveu um momento de guerra civil e um atribulado processo de
paz, marcado por sucessivos avanços e recuos. Estes desafios impõem à jovem nação uma
necessidade imperiosa em encontrar uma solução que assegure a consolidação da paz e
estabilidade político-militar, indispensáveis para a construção de uma democracia
representativa das várias sensibilidades do povo angolano1.

O tema em análise surge pelo facto de que, em todas partes do mundo, particularmente em
África, os limites das liberdades e dos direitos de indivíduos na formação de partidos
políticos, geram grandes discussões e conflitos para a sua aceitação no seio de governos
totalitários e ditatoriais. Do ponto de vista académico, a importância deste estudo permite
fazer não só uma análise sobre a evolução do processo democrático multipartidário em África,
particularmente em Angola, mas também dar a conhecer à geração vindoura sobre os
acontecimentos históricos que sucederam no país desde a assinatura dos acordos de Bicesse
em 1991, culminando com as eleições de 1992 e a conquista da paz, com a consequente
realização das eleições de 2008 no país.

Nessa medida, o capital social diria respeito à característica da organização política e social,
como confiança e regra de participação cívica, que contribuiriam para aumentar a eficiência
da sociedade, facilitando as acções coordenadas.

1
GUEDES, Feijó et all. Pluralismo e legitimação jurídica pós-colonial de Angola. Editora Livraria Almedina, Lisboa, Junho de 2003, p. 175.
1
A sociedade moderna sustentada pelo direito e pela democracia gravita em torno dos limites
máximos da liberdade e dos direitos do indivíduo, não se desenvolve em meio de conflitos
entre os interesses da maioria garantida pela liberdade política e os direitos fundamentais dos
indivíduos instituídos pelas constituições.

1.1.2. Justificação do tema

Vários estudos, dos quais se ressaltam o de Noberto Bobbio (1980), apontam para a existência
de uma correlação positiva entre desempenho institucional e comunidade cívica (partidos
políticos e sociedade civil). Para esse autor, o desempenho institucional refere-se ao “bom
governo” – aquele governo democrático que não só é sensível às demandas de seus cidadãos,
mas também age com eficácia em relação a tais demandas –, nesse sentido, ele apresenta
vários indicadores para avaliar os governos do mundo2.

Quanto à ideia de partidos políticos, um dos fins para Noberto Bobbio reveste-se de especial
importância relativa ao potencial dos mesmos na criação de condições para o
desenvolvimento de um círculo político virtuoso que envolve a participação do cidadão, no
despertar da consciência política e cívica e no acúmulo de capital social, fomentando uma
espiral que realimenta a instauração de comunidades cívicas capazes de dar sustentabilidade à
democracia política e social. Parece que quanto mais política e cívica for uma comunidade,
mais abertos e democráticos tenderão a serem os processos de decisão pública e de controlo
social, afirmou.

Nestas comunidades, os cidadãos apresentariam maior interesse pelas questões políticas,


sociais e públicas, se manteriam unidos por relações horizontais de reciprocidade e
cooperação, e a cidadania política implicaria os direitos e deveres iguais para todos num
sentido de multipartiarismo.

1.2. Formulação do problema

A problemática levantada no presente trabalho consiste em saber o seguinte:

 Como a implementação do processo democrático em Angola permitiu ou não a


existência de um sistema político multipartidarismo no país?

2 BOBBIO, Noberto. A teoria das formas de governo. Ed. UnB. Brasília, 1980, p. 143.

2
1.3. Formulação de hipóteses

Com base no problema acima levantado, as hipóteses do presente trabalho são as seguintes:

 A implementação do processo demócratico em Angola permitiu a instauração de um


sistema político multipartidarismo no país;
 O surgimento do conflito pós eleitoral dificultou a construção de uma sociedade
demócratica e a normalização dos processos eleitorais em Angola;
 O processo de implementação do multipartidarismo, foi atribulado e dificultado
devido a necessidade do alcance do poder dos contendores políticos.

1.4. Objectivos

1.4.1. Objectivo geral

O objectivo geral do presente trabalho é:

 Analisar o multipartidarismo em África, concretamente a evolução do processo de


democracia multipartidária em Angola

1.4.2. Objectivos especificos

Os objectivos específicos são os seguintes:

 Fundamentar teórica e historicamente sobre os diferentes conceitos a volta do tema em


estudo no presente trabalho;
 Descrever o percurso do multipartidarismo em Angola;
 Realçar a evolução do processo de sistema político-multipartidarista em Angola.

3
II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. A Sociedade e o Estado

A Sociedade e o Estado são duas realidades inseparáveis, pois, nenhuma delas pode subsistir
sem outra; o homem é inconcebível instância do convívio social; não deve existir uma
sociedade sem certa organização, porque um ser assim tornar-se-ia numa tremenda confusão.

Na grande teoria de Marx, o Estado é aquele que controla bens e os distribuir; a comunidade
política é feita para tutelar, coordenar e integrar, os direitos essenciais da pessoa humana 3;
pode-se considerar um lar uma sociedade bem como uma família e, o Estado é um pai que é
obrigado a velar pelo bem-estar de todos os seus filhos, que neste caso, são os cidadãos. Pode
não haver um poder sem Estado. Por isso, o Estado exerce o poder para com dignidade como
suas funções.

O Estado tem uma grande função, mantendo certo equilíbrio entre cidadãos no seu
relacionamento interpessoal. Mas isto deve ser tudo como o caminho de bem dos cidadãos ao
qual se presta serviço e não uma satisfação dos interesses de pessoas quem se ocupa da carga
de tal. Isto é, do cidadão exige próprio uma cooperação, pois, é elemento social e a razão de
ser própria da Sociedade e do Estado.

2.2. Etimologia e conceito da palavra democracia

A palavra democracia, etimologicamente, é de origem grega. A mesma significa Raiz,


Governo, poder do povo4.

O conceito de democracia pode ser compreendido de diversas formas dependendo do olhar


que se lança sobre o signo; a concepção clássica decorrente da revolução francesa assentada
na base da doutrina de Jean Jacques Rousseau concebe a democracia como uma expressão da
maioria do voto popular5; Hans Kelsen afirma a concepção de democracia como uma técnica
de liberdade de continência, profissão, voto e participação de nenhum Governo 6; outros
pensadores influenciados pelas ideias de J. Stuart M consagram a democracia como os
direitos das minorias, pela via da representação.

3
GIORGIO, Lapira. Para Uma Estrutura do Estado. Editora Livraria Morais, Lisboa, 1965, p. 239.
4
MARTINS, da Silva Marques. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Editorial Verbo , 6 º vol , Lisboa , 1988, p. 178.
5
Jean Jacques Rousseau. Apud: ANTÓNIO, A.Vasco. Dicionário Prático de Filosofia, Terramar Editora, Lisboa, 1999, p. 234.
6
Ibidem, p. 239.
4
Tradicionalmente, a democracia significa uma actividade exercida em nome do povo e pelo
povo. Também a democracia pressupõe uma maioria da lei, a liberdade dos indivíduos
(respeitando os Direitos do Homem) e a igualdade dos cidadãos7.

O Estado democrático é por assim dizer, um sistema político, composto de muitas dimensões
que se desenvolvem em diferentes níveis de profundidade8.

Aristóteles9 afirmava que, a democracia em Governo domina o povo, ou seja, a maioria, e


realçava que a alma da democracia consiste na liberdade e igualdade; para ele o conceito de
liberdade está relacionado com o conceito de igualdade.

Com efeito, o conceito de democracia absorve integralmente todos estes conteúdos de


significação e outros mais que decorrem nele. Neste caso é justo concluir, portanto, que na
democracia pressupõe justiça social, distribuição equitativa dos bens, da vida pela superação
das diferenças desumanas das formas e padrões de das gentes. Como é obvio e evidentemente,
na era democrática que vivemos nenhum decurso do último século, o mundo foi marcado por
uma tendência singular: a democracia da ascensão. Em 1900 nenhum país se ajustava ao que
designamos por hoje democracia: um Governo constituído através de eleições, em que
participam todos os cidadãos com o direito adultos de votar.

A Democracia assenta em determinados valores e princípios considerados básicos para uma


sociedade tais como a defesa do bem jurídico supremo - a vida humana e a integridade física
da pessoa. A democracia opõe-se à ditadura e ao totalitarismo, reunindo princípios e práticas
que protegem a liberdade do ser-humano, ou seja, proteção dos direitos fundamentais, como
as liberdades de expressão, de religião, a proteção legal, e as oportunidades de participação na
vida política, económica, e cultural da sociedade. Para além de direitos, os cidadãos têm
igualmente deveres, nomeadamente de participar no sistema político que vai proteger os seus
direitos e a sua liberdade.

Do acima exposto podemos retirar, embora com pequenas diferenças nas várias democracias,
certos princípios e práticas que distinguem o governo democrático de outras formas de
governo:

7
Ibidem, p. 246.
8
ROSENFIELD, Denis L. O Que É uma democracia, Ed. Brasiliense, São Paulo, Brasil, 1984, p.33
9
Aristóteles (384-322 a.C): filosofo Grego, aluno de Platão e professor de Alexandre o Grande, considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos
e criador do pensamento Lógico
5
 É o governo no qual o poder é exercido por todos os cidadãos, diretamente ou através
dos seus representantes livremente eleitos;
 Assenta na base de um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade
humana e os direitos fundamentais, a igualdade e as diversas liberdades, tais como a
liberdade de religião, a liberdade de expressão e o pluralismo em geral (embora
respeita a vontade da maioria, protege os direitos fundamentais das minorias);
 A democracia reflete a diversidade da vida política, social e cultural de cada país;
 As sociedades democráticas estão baseadas em valores como a tolerância, a
cooperação e o compromisso - as democracias reconhecem que chegar a um consenso
requer compromisso;

Enquanto realidade histórica, a Democracia existiu em alguns momentos da Grécia antiga,


sobretudo em Atenas. A pequena dimensão de Atenas e das outras Cidades-estados, muito
mais pequenas do que as mais exíguas nações hoje levou alguns autores, incluindo o
Aristóteles a concluir que a melhor forma de Estado seria a Democracia. Era particularmente
importante para a plena realização da Democracia que as pessoas reunissem e discutissem os
assuntos da cidade. Assim era importante que a idade não fosse nem muito grande nem muito
pequena (de modo a não desvirtuar o regime). Tratava-se de uma democracia direta em que as
decisões eram tomadas na praça pública depois de uma discussão generalizada. Jorge Miranda
aponta para o facto, de a democracia ateniense ser a primeira democracia estruturada que se
conhece.

Distingue aquela democracia da atual com base na concepção de liberdade e da atribuição


restrita de direitos políticos. Distinção que também faz Benjamin Constant entre a “liberdade
dos antigos e a liberdade dos modernos”. Assim a liberdade dos antigos era “o exercer
coletivo, de modo direto da soberania, em deliberar na praça pública – votar leis, estabelecer
tratados, examinar contas, em geral a gestão dos assuntos públicos, pronunciar sentenças
(atividade jurisdicional), era “a sujeição completa do indivíduo às autoridades do conjunto” –
desde a dependência individual no que toca a religião (com referência ao antigo crime de
sacrilégio), até às relações domesticas, “destruí, condena, exila por vontade do corpo
coletivo”. Diz Constant: “soberano nos assuntos públicos, escravo nos assuntos privados”. Já
Aristóteles afirmava que o homem é essencialmente um animal político – “a cidade faz parte
das cosias da natureza, e o homem é naturalmente um animal político destinado a viver em
sociedade”. Segundo Aristóteles, como já referimos, a democracia é a organização social mais

6
estável e duradoura – benéfica para a maioria. O conjunto de valores que a democracia
proporciona à sociedade - garante a liberdade e a igualdade, é superior do que qualquer outro
regime. Aristóteles prova que a classe média é a base da democracia. Aristóteles também
descreveu as fraquezas da democracia, que são compensadas segundo o autor, pelos benéficos
que esta traz. O autor define três centros de poder: o chamado "Poder de Discussão e
Aprovação" - discutir e aprovar leis, "Gestão" – o executivo, e o "judicial".

Depois da queda do Império Romano, a República, como forma de governo na Europa é


totalmente substituída pelas Monarquias medievais. O pensamento político cristão da Europa
medieval, quase nenhum interesse demonstra na democracia. Uma nova ideia de democracia
surge após a Idade Média, ligada ao conceito de República. É neste contexto que nasce a
concepção de democracia moderna, estritamente ligada a noção de governo representativo. No
final do séc. XV início do século XVI, Maquiavel na sua classificação das formas de governo
coloca a democracia nas formas corretas, juntamente com a monarquia e a aristocracia.

O interesse pela democracia cresce rapidamente com o Iluminismo. No centro deste processo
está a nova força social - a burguesia. O pensamento político europeu do século XVII
revolucionou a tradição política democrática. Os pensadores iluministas desenvolveram
qualitativamente nova doutrina democrática chamada: “doutrina da democracia
representativa.". A teoria da separação de poderes de Montesquieu que formula e uma nova
estrutura e modelo de gestão de Estado, que separa e equilibra os três poderes - legislativo,
executivo e judicial. E Rousseau, com a soberania popular e a igualdade política representam
o próximo passo no desenvolvimento da teoria democrática. Rousseau vem demonstrar a
inadequação da democracia direta a sociedade moderna. Defende que nem o governante, nem
a monarquia deve colocar-se acima da lei. Esta disposição consubstancia a igualdade de todos
os homens perante a lei. A lei é o resultado de uma obra vontade geral maioritária, através da
qual se alcança a liberdade e a igualdade dos cidadãos.

A democracia representativa está fortemente ligada à eleição. Os representantes são eleitos


para desempenhar mandatos “em nome da comunidade política”. Há uma relação de
confiança política entre quem elege e quem é eleito.

No século XIX, na sua obra "Da Democracia na América" (1835) A. de Tocqueville, através
de uma análise da democracia americana, o autor procura responder a dois problemas: o
primeiro é a aplicação do princípio da igualdade no próprio processo de eleição. Defende por

7
isso - o sufrágio universal, a separação de poderes como condição necessária para assegurar o
equilíbrio das instituições. O segundo problema sobre o qual se debruça o autor está na
eficácia da aplicação do sistema de "check and balances" ou “pesos e contrapesos”, que regula
o equilíbrio de poderes. O autor analisa algumas manifestações negativas da democracia,
entre as quais se situa a tirania da maioria, entendida relativamente ao risco de aniquilamento
da liberdade de indivíduos e de grupos minoritários que podem ser submetidos à vontade
maioritária sem o quererem e por terem posição diferentes serão ostracizados. A democracia é
o regime de tolerância e discussão, que estimula a iniciativa individual, aumentando o
desenvolvimento da personalidade, através de garantias de equilíbrio e justiça sociais. A
democracia moderna pretende reunir um número limitado de membros, que por sua vez
representem interesses e aspirações sociais idênticos, de forma a constituir um órgão legítimo
da soberania. Desta forma, os métodos democráticos são os que melhor respondem às
necessidades sociais e as que contribuem para o progresso e desenvolvimento um país ou
sociedade.

A democracia moderna é fundamentalmente diferente de Atenas. É um sistema de instituições


através das quais a autoridade civil constitui um governo, isto é, democracia política moderna
é estabelecida e desenvolvida através da democracia indireta. O desenvolvimento deste tipo
de instituições sugere procedimentos que regem as relações entre os próprios cidadãos. A
limitação do poder aparece como uma condição necessária para a existência de um Estado de
Direito Democrático.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939- 1945), haverá que falar de democracia pós-moderna
e os problemas que a acompanham. As teorias modernas da democracia estão confrontadas
com o problema do aperfeiçoamento da democracia através do envolvimento de todos os
cidadãos na resolução dos problemas da sociedade. Foi uma época de grande
desenvolvimento da Democracia - desenvolvimento global e difusão de ideias democráticas,
das instituições e das práticas sociais. No século XX e, especialmente, na segunda metade do
século, a democracia torna-se mais exigente - além dos direitos e liberdades dos cidadãos,
impõe certas obrigações de modo que seja conseguido a efetiva realização do seu significado
e mais importante para o seu aperfeiçoamento.

8
Hoje, quase 119 países fazem-no, correspondendo a 62% de todos os países do mundo10. O
que era, então, prática peculiar de uma mão cheia de redor em países do Atlântico Norte,
tornou-se uma forma referente de Governo em todo o mundo. A democracia é uma única
fonte de legitimidade política que subsiste.

Tal como Churchill defendeu: “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as
demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos".

2.3. Direito à liberdade política

Política e Liberdade são expressões excessivamente vagas e amplas, motivo pelo qual suscita
um grande número de controvérsias e definições caracterizadas pelos parâmetros e variáveis
definidoras das correntes.

De acordo com Norberto Bobbio (1980), a liberdade política é uma da subcategoria social,
normalmente comunique a relação entre o governo e os cidadãos ou as associações. Nos
momentos em diferentes históricos, o interesse pela liberdade política, concentrou-se na
liberdade de religião, de palavra e de imprensa. Porém, uma ideia de liberdade política
ampliada passa de satisfazer os anseios de liberdade económica e de necessidade da liberdade,
de autodeterminação nacional11.

A importância da liberdade política como parte das potencialidades básicas que já foi debatida
para muitos autores às razões de estimar a liberdade política como a expressão das acções
livres nas vidas dos cidadãos. É irracional para os seres humanos – criaturas sociais –
valorizar uma participação qualquer sem restrições nas actividades políticas e sociais. Por
isso, a construção sem tutela dos novos valores exige transparência da comunicação e dos
argumentos, podendo como liberdades e os direitos cívicos serem essenciais nesse processo.

De acordo com Isaiah Berlin (1984 citado no livro de Zakaria, 2003), há dois tipos de
liberdade política: uma é positiva, consiste na participação directa e contínua dos cidadãos na
vida política e a da negativa, consiste nos cidadãos que se dedicam nos assuntos particulares,
delegando uma responsabilidade pelos assuntos políticos12. Mais recentemente, Phillip Pettit
definiu um terceiro tipo de liberdade, nomeado de não-aceitação ou não arbitrariedade.

10
ROSENFIELD, Denis L. O Que É uma democracia, Ed. Brasiliense, São Paulo, Brasil, 1984, p. 65
11
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Editora UnB. 13ª edição. São Paulo, Brasil, 2007, p. 87.
12
Isaiah Berlin. Apud: ZAKARIA, Fareed. O Futuro da Liberdade. Editora Gradiva, São Paulo, 2003, p. 128.
9
Uma liberdade política para um cidadão é uma tranquilidade de espírito que provém da
opinião que cada um faz da sua segurança; para que se tenha esta liberdade é preciso que o
Governo, de tal modo que seja o cidadão não tenha por tremer outro cidadão. Este governo
deseja a liberdade política segundo a fórmula da estrutura de separação de poderes. Assinala-
se também que uma expressão liberdade política é mais usada com frequência pelos estadistas
ingleses que a caracterizam como uma qualidade dos povos livres, aqueles que têm o direito
de adiar ou não os seus representantes no governo através do voto ou na formação do governo
do país ou na administração pública.

Os direitos e garantias dos indivíduos são chamados pelos estudiosos anglo-americanos de


direitos civis ou direitos fundamentais do Homem, pelo facto de serem considerados como
membro da Sociedade Humana. Portanto, a importância da liberdade política, parágrafo do
seu papel, sendo como instrumento da participação dos cidadãos na vida política e social do
Estado, tendo em consideração que os incentivos políticos são eficazes sobre os governos,
sobre as pessoas e grupos que estão em funções na governação13.

2.4. Os partidos políticos e o multipartidarismo

2.4.1. Partidos políticos

A origem de partido político partiu-se na Grécia e Roma antigas, quando dava-se o nome de
partido há um grupo de seguidores de uma ideia, doutrina ou pessoa, mas foi só na Inglaterra,
no século XVIII, que se criaram pela primeira vez, instituições de direito privado, com o
objectivo de congregar partidários de uma ideia política.

De facto, a ideia de organizar e dividir os políticos em partidos se alastrou muito no mundo


todo, a partir da segunda metade do século XVIII e sobretudo, depois da Revolução Francesa
e da independência dos Estados Unidos. Até porque, a partir daí, a própria percepção da
natureza da comunidade política se transformou dramaticamente.

Montesquieu descreve os partidos como: “O que se chama de união do corpo político é algo
muito ambíguo, a verdadeira união é uma união de harmonia, em consequência da qual todas
as partes, mesmo que parecem opor-se, concorrem para o bem geral da sociedade, tal como
algumas dissonâncias na música concorrem para a harmonia geral.

13
ZAKARIA, Fareed. O Futuro da Liberdade. Editora Gradiva, São Paulo, 2003, p. 135.
10
Em Inglaterra, o conflito de interesses originado entre os Tories (com ideias conservadoras,
remanescências dos regimes feudais) e os Whigs (monárquicos que defendem ideias de
vanguarda) deram origem os partidos políticos ingleses Conservador e Liberal nos séculos
XVIII- XIX. Os partidos norte- americanos afirmaram-se com a independência. O primeiro
partido foi criado e precisamente com a Convenção de Filadelfia (1787) e a criação das treze
colonias sob a denominação Partido Democrático e com as ideias transformadoras da
comunidade política trazidas com a Revolução Francesa.

Segundo a teoria dos partidos, o surgimento de um partido politico comporta dois momentos
– um processo interno e um processo externo. Para a teoria do processo interno, o nascimento
dos partidos políticos está ligado ao surgimento de grupos parlamentares e de comités
eleitorais, que por afinidades de pensamento se unem. Os grupos parlamentares teriam por
função organizar, propostas, enquanto os comités eleitorais ficariam encarregados de procurar
apoio popular. Desta forma surgiriam os partidos já no exercício de funções dentro do
Parlamento. Para a teoria do processo externo, os partidos não estão vinculados à existência
de um Parlamento. Segundo Radbruch: “O conceito de partido encerra em si, uma contradição
curiosa.

Partido quer dizer o mesmo que parte, parte ou fracção de um todo; e contudo é da essência
dessa parte aspirar a dominar toda a vida do Estado. Por outro lado, se o partido deixa de ser
apenas parte e se transforma no todo, corre o perigo de se converter na pior de todas as formas
– no despotismo. É indubitável que o cidadão costuma pensar só dentro de um único partido,
que é naturalmente o seu. Mas o homem de Estado é que não pode pensar só pela cabeça dum
partido. Tem que pensar por partes, adoptando a visão de vários, porquanto apenas através da
pluralidade e da riqueza das diferentes e entre si contraditórias exigências dos partidos pode o
espirito colectivo achar a sua genuína e completa expressão. Todo o partido carece de outro
partido para achar o equilíbrio, sob a pena de recairmos em todos os perigos do partido
único.”

Charlot define partido político como, primeiro, uma “organização durável, o que quer dizer,
uma organização em que a esperança de vida política seja maior e superior à dos dirigentes no
executivo”; segundo, como “uma organização local bem estabelecida e aparentemente durável
mantendo relações regulares e variadas com o escalão nacional”; terceiro, “a vontade
deliberada dos dirigentes nacionais e locais da organização de tomar o poder e exercê-lo, só

11
ou com outros, e não simplesmente de influenciar o poder”; e quarto, “a preocupação de
procurar um apoio popular através de eleições ou de qualquer outro modo”.

Segue elencando critérios, que surgem com o desmembramento do conceito por ele
formulado. Como primeiro critério, “os partidos são organizações duráveis pois espera-se que
a sua vida política seja superior à de seus dirigentes”. Este critério implica a eliminação de
aventureiros, simpatizantes que se dissolvem após a saída de seus líderes e que, na
eventualidade da não perpetuação ou duração, ter-se-iam um número inimaginável de partidos
que só participariam do poder político enquanto seus idealizadores fossem vivos. O segundo
critério trata da tipificação do partido como “uma organização completa até o escalão
local”40. Envolve o estreitamento de relações entre uma matriz, de alcance nacional, às suas
correspondentes unidades ou grupos locais. Não é difícil entender que a formação de uma
vontade nacional origina-se em parcelas de vontades locais. Por isso, a relação de
continuidade nas acções e direccionamento de vontades deve partir da unidade local,
mantendo consonância até atingir o âmbito nacional. No que se refere ao terceiro critério
apontado pelo autor, “os partidos tencionam a construir uma vontade deliberada de exercer
directamente o poder, só ou com outros, a nível local ou nacional, no sistema político presente
ou num sistema político novo”. Este terceiro critério implica no conhecimento de grupos que
lutam pelo exercício do poder político, quer seja na incessante busca pela sua tomada, quer
seja fazendo oposição ao grupo que o detém. Frise-se que a oposição se revela muito mais do
que um grupo que busca a tomada do exercício do poder político; assume, também, as vestes
do grupo fiscalizador das acções de quem exerce directamente o poder.

Jorge Miranda, salienta que “política é decisão, é combate, luta pelo poder e pelo exercício do
poder. Por isso, ela provoca constantemente divisão, distinção de posições, atitudes
diferenciadas”. Prossegue afirmando que “não tem que ser luta violenta mas, em sociedades
minimamente complexas envolve sempre mais de uma atitude e mais de um grupo”. Por seu
turno, Bacelar Gouveia afirma que os partidos políticos se integram num ” ideal de status
político, de cidadania activa na participação do espaço público, de construção da opinião
pública”.

Um partido político é um grupo organizado formal e legalmente constituído, com base de


formas voluntárias de participação em uma associação orientada para influenciar ou ocupar o

12
poder político em um determinado país politicamente organizado, em que se faz presente, ou
necessário como objecto de mudança, ou transformação social14.

Segundo Michels, em seu livro intitulado “Sociologia dos Partidos Políticos”, os partidos
estão sempre sociologicamente ligados à uma ideologia, porém, nem sempre essa ideologia é
pragmática15.

Uma organização de direito privado que, no sentido moderno da palavra, pode ser definido
como uma “união voluntária de cidadãos com afinidades ideológicas e políticas, organizada e
com disciplina, visando a disputa do poder político”16.

Segundo Nildo Viana, os partidos políticos actuais são organizações onde predomina a
burocracia na sua estrutura e que se fundamentam na ideologia da representação política, não
no acesso de directo do povo às decisões políticas, tendo como objectivo, conquistar o poder
político estatal, além de serem expressões políticas de alguma oligarquia económica ou
tradicional17.

A diferença entre Michels e Nildo Viana está no facto de que Michels, influenciado por
Weber, considera que o predomínio da burocracia nos partidos políticos, especialmente nos
partidos fascistas, nazistas, socialistas e comunistas, ocorre por uma necessidade técnica. Em
Nildo Viana, a burocratização dos partidos é derivada de um complexo processo social e
político que dá origem a expansão de uma nova classe social, a “burocracia”. Assim, Nildo
Viana e Robert Michels coincidem em afirmar que a burocracia partidária é uma fracção
daquela nova classe social. Essa burocracia partidária, frequentemente ultrapassa a sua função
de assessoria do político e passa a ditar regras nos partidos políticos.

Podemos concluir que os partidos políticos são organizações voluntárias, com carácter é
permanente e durável, cujo objectivo é lutar pela obtenção e exercício do Poder, através de
meios legítimos e democráticos.

2.4.1.1. As funções dos partidos

Os partidos políticos desenvolvem um papel essencial no seio dos sistemas políticos


democráticos. Marcelo Rebelo de Sousa identifica dois fins fundamentais dos partidos

14
VIANA, Nildo. O que são Partidos Políticos. Goiânia, Edições Germinal, 2003, p. 165.
15
MICHELS, R. Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília, UnB, 1982, p. 102.
16
Ibidem, p. 132.
17
VIANA, Nildo. O que são Partidos Políticos. Goiânia, Edições Germinal, 2003, p. 109.
13
políticos: a representação política global da colectividade e a participação no funcionamento
do sistema de governo constitucionalmente instituído, agrupando as funções em políticas e
administrativas. No modelo proposto por Rebelo de Sousa teríamos:

 Funções Politicas (funções de primeiro grau – função representativa e função de


titularidade e exercício do poder politico); funções que se relacionam com o
funcionamento dos sistemas de governo – função criação e apoio de estruturas
paralelas; função pedagógica, função de relações externas; funções respeitantes à
actividade partidária – função de definição da política interna; função disciplinar.
 Funções Administrativas – função administrativa stricu sensu; função financeira.

O autor estabelece uma clara distinção entre as funções políticas e administrativas – as


primeiras são directamente relacionadas com o exercício do poder politico, abrangendo quer
as situações relacionadas com a participação activa no poder, quer as situações de preparação,
como a preparação de tomadas de posição sobre questões programáticas, estratégicas ou
tácitas, a eleição de dirigentes partidários, relações desempenhadas com entidades externas e
ainda a função disciplinar.

Apesar de consideradas instrumentais, as relações administrativas, têm vindo a ganhar peso


“as funções administrativas andam a par do partido como máquina, (…), a dependência das
fontes de financiamento, e ainda a importância real burocratas nos centros de decisão
partidária”.

Jorge Bacelar Gouveia, de uma outra perspectiva aponta funções pedagógicas, eleitorais e
parlamentares aos partidos políticos. A primeira refere- se à sua actuação como canal de
comunicação entre o povo e o poder. O segundo aspecto é o mais visível e diz respeito à
própria eleição, no fim de contas o objectivo último dos partidos.

Finalmente, a função parlamentar assenta no apoio ou oposição ao poder executivo. Os


partidos políticos são os aglomeradores das variadas expressões do que é a vontade popular,
nas suas diversas feições, bem como os esteios da organização do poder político democrático,
pois são eles o canal de comunicação por excelência na democracia representativa. As
eleições são feitas com e através dos partidos políticos.

14
Os partidos políticos prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades
públicas, salvo os controlos jurisdicionais previstos na Constituição e na lei.

2.4.1.2. Classificação dos partidos

A teoria clássica sobre tipos de partidos é de autoria de Maurice Duverger, que partindo da
evolução dos partidos políticos, fruto de transformações no contexto social em que se
inserem, formula uma dicotomia entre partidos, distinguindo os partidos de quadros e os
partidos de massas. Os partidos de quadros são a primeira modalidade institucional do
projecto partidário, a que não é alheia as restrições do sufrágio censitário e de falta de
participação na vida politica. Nas últimas décadas do séc. XIX, em virtude, da instituição do
sufrágio universal, os partidos de quadros, em vez de se converterem em verdadeiros partidos
de massa, vão procurar, segundo Duverger, uma maior flexibilidade organizativa, tendo em
vista uma maior abertura a população. Esta reformulação permite-lhes actuar na cena política
das democracias ocidentais.

As mudanças sociais, tais como a Revolução Industrial, a atribuição de voto às mulheres, o


surgimento da “classe operária”, permitem o aparecimento de um novo tipo de partidos – o
Partido de classes. Tendo por base uma ideologia socialista ou social-democrata, os partidos
de massa apresentam-se como a resposta à classe menos favorecida da sociedade.

Nos anos 60 do Séc. XX, Duverger avança com uma distinção entre os partidos de massa em
comunistas, socialistas, e fascistas, atendendo ao tipo de chefia, à modalidade e grau de
disciplina, à forma de organização. Em 1960 foram introduzidas novas categorias, tais como
os partidos rígidos e os partidos flexíveis e mais tarde os partidos de reunião, os partidos de
reacção, e os partidos de integração. Os partidos políticos têm origem na sociedade civil, mas
tendencialmente se afastam dela, aproximando-se ao Estado. A perda do seu papel de
representação tem vindo a ser acompanhada por um fortalecimento do seu papel institucional.
Por outro lado, a transformação dos contextos sociopolíticos obrigou os partidos a
flexibilização ideológica necessária a sobrevivência dos partidos, numa sociedade em que a
complefixação das estruturas sociais e o progressivo individualismo das pessoas obriga os
partidos a procurar uma base alargada de eleitorado, em prejuízo da sua identidade.

15
2.4.2. O multipartidarismo

O multipartidarismo também conhecido como sistema pluripartidário, é um sistema político


no qual três ou mais partidos políticos podem assumir o controlo de um governo de maneira
independente ou numa coalizão.

Muitos regimes admitem legalmente a participação plena de todas as correntes políticas.


Entretanto, ao longo do tempo, diversas formas de pensamento político sofreram restrições a
fim de se evitar que determinados grupos – considerados nocivos ao sistema vigente – possam
vir a tomar o poder. Mesmo aceitando muitos partidos, a maioria das nações democráticas
impõe limites à inscrição de alguns partidos, como por exemplo, o comunista ou partidos de
linha monarquista.

O período que se seguia após a queda do murro de Berlim e o subsequente colapso do bloco
soviético, os sistemas políticos liberais (Democracias) e as economias de mercado
(Capitalismo) seriam as linguagens políticas e económicas predominantes na vida política
internacional. A universalização dos valores democráticos ocidentais seria, no entanto, a
última forma de governação humana. Era o fim da guerra de ideias.

2.4.3. Os modelos de sistemas eleitorais

Para Jorge Miranda, o sistema eleitoral é o conjunto de regras, de procedimentos e de práticas,


que com a sua coerência, e a sua lógica interna, sujeitam a eleição em qualquer país e que
condicionam (juntamente com elementos de ordem social, cultural económica e política) o
exercício do direito de sufrágio. Os sistemas eleitorais podem ser de vários tipos, variando de
acordo com a história política do país em que é praticado. Por outro lado há uma correlação
entre o sistema eleitoral e o sistema político, identificando-se com facilidade que os sistemas
maioritários tendem a ser bipartidários, enquanto os sistemas proporcionais tendem ao
pluripartidarismo.

O sistema eleitoral abrange a capacidade eleitoral ativa (quem pode ser eleitor) e passiva
(quem pode ser candidato), o regime de recenseamento eleitoral (obrigatório ou facultativo), a
natureza do sufrágio (universal/restrito, igualitário/ou não, direto/indireto, fechado/aberto,
individual/lista, plurinominal/uninominal), a dimensão dos círculos eleitorais (nacional/único,
regional, provincial, distrital), as condições de propositura das candidaturas (quem pode
apresentar as candidaturas: partidos, grupos de cidadãos, indivíduos); controlo e

16
financiamento das campanhas (público/privado), a regulação, segurança e garantias eleitorais;
o processo de votação (voto presencial/não presencial, liberdade de voto, número de voto a
que cada eleitor tem direito), o modo de apuramento (regularidade, transparência e
apuramento de votos – a sua demora ou rapidez); o contencioso eleitoral (controlo da
regularidade do processo eleitoral).

As regras de um sistema eleitoral são consideradas complexas, tendo sido propostos diferentes
esquemas de classificação para reduzir este mesmo problema. A divisão clássica feita por
Duverger é entre Sistemas Eleitorais Maioritário, Proporcional ou de Representação
Proporcional e um terceiro Sistema Misto.

2.4.3.1. O sistema maioritário

Segundo o sistema Maioritário é eleito o candidato que obtiver a maioria dos votos. Tende a
gerar sistemas bipartidários, que eliminam-se os grupos partidários de pequenos eleitores, por
nunca chegarem a ser eleitos. O sistema maioritário poderá ser de uma volta – “first past the
post – segundo o qual haverá uma votação e aquele que obtiver a maioria será considerado
eleito. Ou poderá ser um sistema de duas voltas, neste caso, haverá uma segunda votação caso
não haja uma maioria necessária. O sistema de duas voltas pode ser ainda aberto: em que
todos os candidatos inscritos na primeira volta podem candidatar-se novamente a segunda; ou
fechado, em que apenas os dois mais votados poderão candidatar-se segundo, de modo a que
seja obtida maioria absoluta, contando-se os votos nos dois candidatos mais votados.

Quanto à maioria alcançada:

- Poderá ser de maioria simples – nos termos da qual é considerado eleito aquele que
obtiver a maioria dos votos (mais votos a favor do que votos contra).

- Maioria absoluta – em que se exige que o candidato obtenha mais de metade dos votos
validamente expressos para ser eleito.

Na Austrália está consagrado o sistema eleitoral maioritário de uma volta em que o eleitor terá
votar num candidato, mas pode simultaneamente indicar outros candidatos - é o chamado voto
preferencial. Caso o candidato preferencial obtenha maioria absoluta é eleito, caso contrário
elimina-se o candidato que tem menor número de primeiras preferências, tendo em
consideração as segundas preferências. Se ainda assim nenhum candidato obter a maioria,
passa-se às terceiras e assim por diante.
17
Os municípios espanhóis mais pequenos têm, um sistema de maioria relativa com círculos
plurinominais, em que os eleitores têm até 4 votos, sendo eleitos os cinco candidatos com o
maior número de votos. Este sistema permite isolar imediatamente o eleito da maioria,
possibilitando aos eleitores variantes de escolha.

O sistema maioritário é utilizado mais na sua variante de uma só votação. Tem aplicação nos
países com tradições anglo-saxónicas – Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Foi utilizado na
França a partir da Segunda República e até 1945 – salvo o período de 1919-1927 (sistema de
duas voltas).

Até a aprovação da Constituição da República de 2010 em Angola era usado o sistema


maioritário de duas voltas para as eleições presidenciais.

No Brasil, o sistema maioritário é utilizado para a escolha do Presidente e do Vice-presidente


da República, Governadores e Vice-governadores, Prefeitos e Senadores. Em Cabo Verde,
Portugal e Moçambique, apenas no caso das eleições Presidenciais.

2.4.3.2. O sistema de representação proporcional

Como o nome indica, visa a obtenção de uma representação proporcional à força numérica da
vontade manifestada pelo voto. O objetivo é a representação das minorias, na proporção dos
votos que tenham obtido. É uma expressão do pluralismo existente dentro das fronteiras do
Estado. A eleição no sistema de representação proporcional é feita através de listas nas quais
os partidos apresentam os seus candidatos.

O sistema de representação proporcional favorece o multipartidarismo. É favorável para os


pequenos partidos que não conseguem o voto da maioria – condenados num sistema
maioritário, têm possibilidade de obter representação num sistema proporcional. É
preferencialmente usado para a eleição das Assembleias Parlamentares, que representam o
povo em todo o seu pluralismo.

Funciona da seguinte forma:

 Divide-se em cada círculo eleitoral, o número total de votos expressos de forma válida
pelo número de mandatos a atribuir.
 Depois, divide-se o número de votos obtido por cada lista pelo quociente eleitoral. O
resultado mostrará o número de vezes que o quociente eleitoral está contido no

18
número de votos obtido por cada lista. Esse número é o que confere os mandatos a
cada lista.
 No entanto, estas divisões deixam restos. Esses restos dizem respeito a mandatos não
atribuídos. Estes restos podem ter várias soluções. A solução mais linear consiste em
agrupar os restos num quadro nacional, para o que se somam os restos obtidos por
cada lista em cada círculo eleitoral.
 Obtido o total dos restos de cada lista deverá este ser dividido pelo número quociente
utilizado. Desta divisão resultará o número de lugares ainda a atribuir a cada uma.
 O agrupamento dos restos no quadro nacional apresenta, todavia, o perigo da expansão
de partidos extremistas que, não obtendo relevo nos círculos eleitorais, podem vir a ter
os seus representantes no quadro nacional, graças ao somatório de todos os restos de
votos recebidos no conjunto dos círculos eleitorais.

Por isso, o problema do agrupamento dos restos resolve- se, habitualmente, no seio de cada
círculo eleitoral.

O método de Hondt é um dos métodos utilizados para a conversão de votos que se utiliza em
Portugal. É um método belga e que permite apurar numa única etapa os deputados atribuídos
a cada lista. Funciona assim:

1. Apura-se em separado, o número de votos recebidos por cada lista em cada círculo
eleitoral;
2. Divide-se o número de votos obtido por cada lista por 1, 2, (…), “n”, em que “n”
representa o número de deputados a eleger;
3. Ordena-se de seguida os quocientes obtidos por ordem decrescente até que o número
de quocientes seja igual ao número de deputados a eleger;
4. Os mandatos pertencem às listas a que correspondem os quocientes mais elevados da
série estabelecida pela regra anterior;

Em Angola, o sistema é usado nas eleições gerais para a distribuição dos 220 assentos na
Assembleia Nacional (nos termos dos artigos 143 e 144 da CRA) e no art.º 24 da LOEG,
obedecendo a listas plurinominais de partidos políticos ou de coligações de partidos.

Em Portugal o sistema eleitoral utilizado para a Assembleia da República, Autarquias Locais


e Parlamento Europeu é o da representação proporcional pelo método de Hondt.

19
2.4.3.3. Sistemas mistos

Os sistemas mistos combinam uma perspectiva maioritária com um resultado proporcional. O


sistema surgiu como uma reação ao sistema proporcional, que se traduziu, quer por um
regresso ao sistema maioritário (França), quer pela adoção de regimes mistos, semi-
maioritários.

Implantado na República da Alemanha, o sistema misto é também utilizado no Eire, Ulster e


Áustria (o chamado sistema de Hare).

a) O sistema alemão:

Neste sistema cada eleitor vota duas vezes. O primeiro voto serve para eleger, através de
escrutínio uninominal de uma só volta, a metade dos deputados (328) do Bundestag (a câmara
mais importante do Parlamento que representa o povo da federação, designado por sufrágio
universal e secreto). Portanto, através do primeiro voto escolhe-se um candidato individual.
Os segundos boletins permitem eleger outros 328 deputados com base nas listas apresentadas
pelos partidos. Depois destas duas operações, calcula-se proporcionalmente (sistema de
Hondt) o número total de lugares que obteve cada partido no conjunto dos membros do
Bundestag, por aplicação da representação proporcional, acrescentando-se eventualmente
lugares para assegurar uma repartição proporcional. Evita-se assim a despersonalização
completa do escrutínio, que é o grande inconveniente dos escrutínios de lista. Os eleitores
votam (com o primeiro boletim) em favor de uma individualidade que não pode pertencer ao
partido no qual o eleitor votará no segundo boletim. Por outro lado permite aos partidos
escolher especialistas que não seriam eleitos diretamente pelos eleitores, devido ao fato de
serem pouco conhecidos ou mesmo pela sua impopularidade

b) O sistema de hare

No Eire, no Ulster, em vários Estados de federação Australiana e na Áustria, a partir de 1971,


vigora o sistema criado em 1857 por Hare e também conhecido por sistema de voto único
transferível (single transferable vote). O sistema é relativamente complexo no que toca às
regras da contagem dos votos. Cada eleitor dispõe de um único voto no quadro de
circunscrições eleitorais com três lugares no mínimo (quer dizer que pode eleger três
deputados no mínimo), mas o eleitor indica também várias preferências por ordem
decrescente para outros candidatos sendo o seu voto atribuído apenas a um deles. São eleitos

20
os candidatos que assim obtenham um número de voto igual ou superior ao quociente
necessário para ser eleito (quociente resultante da divisão dos sufrágios exprimidos pelo
número de lugares a preencher mais um).

Estamos perante o sistema da representação proporcional sem listas, pois cada candidato
apresenta-se individualmente.

2.4.3.4. Sistemas mistos com predominância maioritária

Praticado em Japão, por inspiração no sistema inglês – consiste na eleição de vários deputados
por cada circunscrição, sendo que cada eleitor só pode votar num candidato: são eleitos os
candidatos “cabeça de lista”. Os partidos não são obrigados a apresentarem tantos candidatos
quantos lugares a preencher o que pode colocar problemas: caso um partido apresentar
demasiados candidatos, pode haver uma repartição dos votos entre eles, sem que haja um
eleito único. No caso de um partido não apresentar o número suficiente de candidatos, os que
são eleitos arriscam-se a disporem de um excesso de votos que talvez tivesse permitido a
eleição de mais um.

2.4.3.5. Os sistemas mistos de predominância proporcional

Tem por finalidade de eliminar as tendências extremistas, favorecendo os centristas. Foi


praticado no sistema francês de 1951, o sistema atribui prioridade à maioria absoluta: sempre
que uma lista, ou grupo de listas apresentado ultrapassa a maioria absoluta dos sufrágios
obtém a totalidade dos lugares. Estes últimos são atribuídos à média maior retirada das listas
apresentadas, quando se dá este caso.

2.5. A caracterização do poder político em África após a luta de libertação

O poder político em África após a luta de libertação foi caracterizado e constituído por uma
classe de elites africanas de formação ocidental. “Os nacionalistas” reclamaram a
independência sem reclamar a democracia. Esta era encarada como uma sequela burguesa,
passível de ser manipulada pelos sentimentos de pertença étnica, que seriam tanto perigosa
quanto mais centralizada a definição de pertença do poder.

Como consequência, o mosaico sócio-antropológico africano foi visto como inimigo da


consolidação nacional e a expressão democrática das vontades individuais não tiveram lugar

21
nos novos Estados independentes, como não teve no período colonial. Apesar das lutas de
libertação, ninguém ousou fazer neste campo uma verdadeira ruptura com o passado colonial.

No período da Guerra-Fria alguns dirigentes africanos utilizaram o seu posicionamento no


teatro geoestratégico para capitalizar benefícios e mascarar as suas insuficiências gestionários.
O contexto geoestratégico manteve no poder ditadores como Idi Amin, Mobutu, Bokassa,
Sekou Touré e outros só para falar dos mais emblemáticos e as potências ocidentais
entendiam que a abertura à democracia poderia conduzir a que os ditadores amigos fossem
substituídos por ditadores inimigos, ficando a democracia pelo caminho.

Assim, se foi contemporizando com as ditaduras civis ou militares, com simulacros de


democracia, com a corrupção e a impunidade das elites, com a desarticulação e
desmantelamento do Estado, com a depredação da coisa pública resultado de um
patrimonialismo excessivo.

Por isso, apesar dos consideráveis fundos financeiros destinados ao desenvolvimento dos
países do continente africano, sobretudo a África Subsaariana, o arranque não passou de uma
miragem. Boa parte do insucesso deve ser assacada, precisamente, aos políticos locais que
não souberam, não quiseram, ou não conseguiram capitalizar os apoios em prol de um
desenvolvimento autossustentado e baseado em regras transparentes e democráticas. Mas
outra parte do desencanto deverá ser assacada a quem contemporizou com a apropriação
privada de fundos públicos ocidentais, ainda que em nome de uma compreensão baseada em
relativismos culturais. Daí surgiu a obrigação da comunidade internacional, pressionando os
dirigentes africanos de programar a cultura democrática nos seus respectivos países, com vista
a experimentar os princípios de boa governação e de Direitos do Homem.

2.6. O multipartidarismo em África

Os eventos internacionais que se seguiram na América Latina, partes da Ásia e, sobretudo a


onda de democratização que tiveram lugar em diversos países da África na década de 90; os
avanços no multipartidarismo, as eleições, a criação de partidos políticos, a transição na
África do Sul, pareceram de facto, terem confirmado o vaticínio de Francis Fukuyuma na qual
o sistema internacional da era pós-Guerra Fria seria, na verdade, um sistema de paz relativa,

22
de expansão das economias de mercado e de grandes avanços democráticos em todo o
mundo18.

Segundo Eugénio Costa Almeida citado no livro de Francis Fukuyama argumenta que, nos
últimos tempos a África tem feito referência à democratização, com consequente proliferação
de movimentos políticos no continente. Como exemplos, foram às eleições na Namíbia, que
permitiram o fim da sua subordinação face à República da África do Sul, com a vitória do
movimento pró-marxista SWAPO (Organização dos Povos do Sudoeste Africano), relegando
para segundo plano a conservadora e pró-sul africana DTA (Aliança Democrática do
Turnhalle); foram as eleições em Cabo Verde, onde o MPD (Movimento para a Democracia),
quase fez esquecer o anterior partido único, o PAICV; as legislativas e presidenciais de São
Tomé e Príncipe, onde os apoiantes do partido no poder e até então o único desde a
independência, o MLSTP (Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe), viram-no ser
duramente derrotado pelo PCD/GR (Partido da Convergência Democrática/Grupo de
Reflexão); as eleições na Zâmbia, onde o histórico Kenneth Kaunda, o pai da independência e
líder do partido único, foi copiosamente derrotado por Frederick Chiluba. Esses exemplos têm
sido no Congo, no Ghana, no Mali e na Nigéria, entre outros países19.

Até aqui, a África tem mostrado ser um continente onde o pluralismo ideológico e a
democracia pluripartidária de tipo Ocidental tem estado arredios, excepção feita ao Senegal e
à África Austral, embora segundo parâmetros muito nacionais.

Note-se que esse tipo de democracia, também conhecida por demo liberalismo, hoje em dia
tanto em voga nos países do Leste europeu, mas que, no entanto, não tem conseguido evitar a
proliferação dos sangrentos neonacionalismos como os que, a cada passo, se verificam no
Cáucaso e nos Balcãs, pondo, assim, em causa as eventuais mudanças que previsivelmente
estão a surgir no ancien régime. Por outro lado, se analisar factualmente a História político-
institucional do Continente, constata-se que o pluripartidarismo é um sistema desconhecido
das novas gerações, mas não das de Léopold Senghor, Houphouet-Boigny, ou ainda do Sekou
Touré.

Daí que, entre os países da África Subsaariana, somente o Senegal tenha adoptado a
pluralidade ideológica, se bem que contestada nos seus limites pelas correntes políticas
internas. O actual académico e ex-presidente senegalês, Senghor fundamentou o sistema
18
FUKUYAMA, Francis. Democracia em África: Sonho ou Realidade. Editora Almedina, São Paulo, 1999, p. 75.
19
Ibidem, p. 105.
23
político do país na Constituição francesa de 1958. Somente o Senegal foi o único a enveredar
por esse sistema político, embora intercalado por períodos de crise institucional, e a conseguir
mantê-lo. Os demais, ou impuseram o sistema monopartidário aos respectivos Estados, ou,
simplesmente, aboliram o próprio sistema e implantaram tiranias, normalmente alicerçadas na
única força realmente organizada, o exército20.

No entanto, paradoxalmente, quase todos os territórios coloniais ingleses, franceses ou belgas


estiveram imbuídos do sistema pluripartidário. Também, nos territórios portugueses,
nomeadamente em Angola, existiram grupos de interesses e movimentos mais ou menos
legalizados, ou, pelo menos, tacitamente aceites, casos do PRA (Partido Reformista de
Angola), a ramificação colonial do PRP (Partido Republicano Português), entre 1910 e 1912
ou ainda a FUA (Frente de Unidade Angolana).

Resumindo-se, então um pouco nas páginas a seguir, a evolução político-multipartidária em


África, em especial, o período do pós-guerra.

2.6.1. Territórios francófonos

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os partidos franceses estenderam os seus tentáculos
aos territórios ultramarinos, através de secções regionais, na linha do iniciado em Angola pelo
PRP (Partido Republicano Português), em 1910. Mais tarde, a consciência política africana
deve-se referir que esses territórios tinham representantes na Assembleia Nacional, levou-os a
criarem organizações políticas africanas, das quais se destacam o PRA (Partido do
Reagrupamento Africano), e a RDA (Reunificação Democrática Africana). Enquanto o
primeiro era, essencialmente, nacionalista, já a RDA, definia-se, por excelência,
progressista21.

Após as independências coloniais, estes agrupamentos políticos desmembraram-se,


transformando-se em grupos e organizações nacionais, a maioria de características étnicas.
Aos poucos, porém, estas novas e emergentes organizações acabaram por se fundirem, umas
vezes por associação, outras por integração no partido de maior implantação e, algumas vezes
ainda, por eliminação física dos dirigentes opositores.

20
FUKUYAMA, Francis, Democracia em África: Sonho ou Realidade, editora Almedina, São Paulo, 1999, p. 107.
21
FUKUYAMA, Francis, Democracia em África: Sonho ou Realidade, editora Almedina, São Paulo, 1999, p. 122.
24
2.6.2. Territórios anglófonos

Se, com a independência dos novos Estados africanos, estes adoptaram, ou pelo menos
aceitaram manter, o modelo pluripartidário britânico, progressivamente abandonaram-no
aliciados pelo sistema de partido único consagrado por actuais dirigentes, onde se destacam
Daniel Arap Moi, no Quénia, Ali Mwinyi, da Tanzânia ou ainda, Robert Mugabe, no
Zimbabwé.

As transformações políticas foram, na maior parte, idênticas às que se observaram nos países
francófonos. Daí que, citando Lavroffi “... compatível com o socialismo africano, só o partido
único. A grande maioria dos dirigentes dos novos Estados africanos optou pelo socialismo...”
– que tem tanto de indefinido como de carência de conteúdo. Todos eles, quando jovens,
tinham militado nos movimentos próximo do partido comunista francês, ou passado pelas
escolas ideológicas da Europa do Leste. Justificavam, assim, a contumácia do
monopartidarismo. Para eles o socialismo tem todos os méritos.

Para compreender melhor o período colonial e outorga uma esperança susceptível de


mobilizar as classes pobres e descontentes, só que o nacionalismo de Nyerere, de Kaunda ou
de Krumah “... é um sincretismo”. Tratava-se de uma tentativa de conciliação das teorias
marxistas, do cristianismo e das teorias económicas modernas com o mito dos valores
africanos22.

Note-se que estes valores são, também, equacionáveis por notáveis francófonos, como
Senghor, Touré ou Modibo Keita, que sustentavam ser o conceito de lutas de classes
inaplicáveis à África contemporânea, porque todos os africanos são igualmente explorados.
Nada mais verdadeiro. Porém, quem os explora, ou permite a sua exploração? Quem permite
a entrada de multinacionais nesses Estados e, em vez de procurarem desenvolver os países
receptores, exploram, por nome sem um mínimo de critério, a mão-de-obra barata, deixando
esses Estados quase sem nada? Quem lucra com isso?

Ora, é precisamente a existência desse modelo ideológico e da inaplicabilidade de qualquer


tipo de luta de classes, que serviu para justificar o aparecimento do monopartidarismo. Mas,
paradoxalmente, face à disparidade de conceitos que existia entre o socialismo europeu e
africano, foi precisamente a ruptura do sistema socialista na Europa que conduziu ao

22
FUKUYAMA, Francis, Democracia em África: Sonho ou Realidade, editora Almedina, São Paulo, 1999, p. 132.
25
movimento político contestatório que tem, de uma maneira geral, alastrado nos países
anglófonos e francófonos. São exemplos recentes a Zâmbia e o Mali.

2.6.3. Territórios belgas

Devem-se realçar os casos da RDC (ex-Congo Belga), do Ruanda e do Burundi que, desde
sempre, se vincularam a problemas étnicos, ainda hoje, por demais evidentes. Veja-se o
problema ruandês que após 20 meses de conflitos entre as forças governamentais apoiadas na
etnia hutu e os rebeldes da minoria tutsi, registou já a assinatura de um cessar-fogo. Logo
seguido de sérias violações ao mesmo, consequentemente, o genocídio ruandês de 1994.

A situação na RDC foi, talvez, nos últimos tempos, a mais complexa. Assistiu-se desde o
início, em 1960, as incidências étnicas no país, dos quais resultaram dois sangrentos conflitos.
O primeiro deles seguiu-se à divisão do partido ABAKO (Aliança dos Bakongo) em duas
organizações rivais lideradas por Thomas Kanza e Joseph Kasa-buvu que, simultaneamente,
eram opositores do MNC (Movimento Nacional Congolês) de Patrice Lumbumba, mais tarde
assassinado. O segundo conflito verificou-se quando surgiu a CONAKAT (Confederação das
Associações do Katanga), lideradas por Moisés Tchombé e, fazendo fé em alguns
observadores políticos da altura, suportada por capitalistas belgas e sul-africanos. Este último
conflito visava à secessão do riquíssimo Katanga (província do Shaba, da então República do
Zaíre, já na altura governada pelo Marechal Mobutu Sese Seku, principal líder do MPR
(Movimento Popular da Revolução, no poder desde 1965-1997). De notar que em 1977 e
1978 houve duas tentativas seccionistas, ambas rechaçadas com auxílio de forças franco-
belgas e marroquinas.

A situação actual da RDC faz supor um desenvolvimento positivo na tímida abertura política
encetada por Mobutu, independentemente das divergências políticas ocorridas com o então
chefe do governo de transição, Tshisekedi. O caos económico e social do país assim o fazem
prever. Mesmo com o advento de Kabila, situação da democracia multipartidária naquele país
cria sempre uma confusão quanto à sua aplicação.

2.6.4. Territórios lusófonos

Se, desde sempre, Angola teve, quer no período colonial, quer no período imediato à
independência, um proto-sistema multipartidário, já os restantes PALOP's não conheceram
qualquer modelo de multipartidarismo. Porém, mesmo em Angola e com o advento da

26
independência, as organizações políticas existentes ou, entretanto criadas, reduziram-se aos
três movimentos de libertação, a FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola),
chefiada por Holden Roberto, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola),
liderado por Agostinho Neto, e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de
Angola), dirigido pelo Jonas Savimbi. Destes só os dois últimos, de conceitos ideológicos
diferentes, se mantiveram activos, com o consequente sangrento conflito, que quase desvatou
o país durante três décadas de conflito.

Dos Acordos de Gbadolite e de Bicesse saíram os genes que, actualmente, fazem esperar a
consolidação da democracia pluripartidária, já consagrada na Lei Constitucional de 1992, a
qual trouxe de novo à ribalta a FNLA e permitiu o despontar de diversos partidos políticos.

Face aos movimentos políticos contestatórios por quase toda a África, foi legítimo questionar
se se trata de um sintoma de que o monopartidarismo estava em regressão e, como tal, a ser
progressivamente substituído pelo pluralismo ideológico, e até que ponto esse pluralismo se
conseguiu impor no continente.

Para responder, recorreu-se à tese sustentada por F.Chambino, nesse domínio. Segundo ele,
em função do modelo de implantação do colonizador europeu, existiram no que se poderia
chamar de duas Áfricas. Uma a do contacto e da mudança cultural, geralmente identificada
com o urbanismo litorâneo, onde a pedagogia e a massificação social superaram as
condicionantes da transição, e outra, em que o contacto de culturas foi escasso ou, mesmo,
inexistente, sede do conservadorismo e do privilégio costumeiro, representado pelos chefes
tradicionais, cujo poder foi suportado pela complexa questão da legitimidade de origem e que,
de facto, se opõem aos adeptos da mudança23.

Qualquer das duas Áfricas não abdica do direito que reinvidica da manutenção e do exercício
do poder e, simultaneamente, com a ênfase egocêntrica. Por sua vez, também Lavroffi refere à
existência de grandes obstáculos para a consagração do pluripartidarismo. A tentativa dos
novos líderes se definirem como dirigentes de todos os povos, daí não havendo lugar para
outros partidos políticos, de modo a serem congregados à volta do partido único todos os que
têm qualidades para "bem governar". O Presidente do Zimbabwé, Robert Mugabe é um dos
principais defensores desta tese24.

23
FUKUYAMA, Francis, Democracia em África: Sonho ou Realidade, editora Almedina, São Paulo, 1999, p. 137.
24
Ibidem, p. 138.
27
O estatismo e o facto do Estado de ser, é ainda hoje, o principal patrão, o distribuidor de
rendimentos (que na maior parte dos países não existe), o garante e fonte de promoções (o que
ainda hoje se verifica em alguns sectores económicos de Angola e na República Democrática
do Congo – RDC).

Não se esqueceu que a maior parte dos países africanos é uma “amálgama” de etnias,
diferentes entre si, que, na época colonial, foram incentivadas ao etnocentrismo. O conceito
de Nação só em poucos países começou a estar implantado, como por exemplo, em Cabo
Verde, Lesotho, Senegal e Swazilândia. De resto existem, apenas, projectos nacionais. Ora
estes obstáculos, bem assim como a conjugação com a tese das duas Áfricas, não são, de “per
si”, suficientes que permitam manter o monopartidarismo ou os regimes totalitários que ainda
persistem.

Segundo a tese de Erik Wright – embora contextualizada para uma situação diferente, – a
implantação de um regime realmente democrático do tipo Ocidental só acontecerá quando
existir uma “sabotagem económica eficaz organizada pela burguesia capitalista” de modo que,
uma insurreição seja vitoriosa perante um aparelho repressivo25. E esta insurreição só cobrará
dividenda quando “...esse aparelho se dividir ou se desintegrar...”. Ora, foi precisamente isso
que se verificou na defunta da União Soviética, nos antigos Estados do Leste europeu, nos
países jugoslavos e, é o que se tem verificado recentemente, embora em muito menor escala
em Madagáscar, no Benim, no Burkina-Faso ou no Zimbabwé.

Em suma, o processo de definição do papel do Estado democrático reserva um lugar de


destaque especial à sociedade. As estruturas de uma sociedade caracterizam-se por
constituírem-se voluntariamente para promover preocupações, interesses e identidades
próprios comuns; organizarem-se para prosseguir interesses de um segmento particular da
sociedade e serem autónomas em relação ao Estado.

Em Angola, o processo democrático que culminou com o multipartidarimo no país, conforme


será abordado no terceiro capítulo foi fruto de grande sacrifício consentido pelos angolanos
através da disputa, consequente do conflito interno angolano entre os movimentos de
libertação que teve o seu início com os acordos de Bicesse de 1991, consequentemente com as
primeiras eleições de 1992, seguida as de 2008.

25
ERIK Wright. A problemática da democracia em África. Edição Porto Alegre, Brasil, 1995, p. 127.
28
III. CARACTERIZAÇÃO DA AREA DE ESTUDO

3.1. Localização geográfica de Angola

A República de Angola, situa-se na costa ocidental do continente africano, na sua parte


austral. É um país com uma superfície terrestre de 1.246.700 km2 quilómetros quadrados,
uma fronteira terrestre de 4.837 quilómetros e a Oeste, uma fronteira marítima de 1.650
quilómetros.

Em termos de superfície e linha costeira, Angola localiza-se nas bacias hidrográficas de um


dos rios mais influentes da África, concretamente, o rio Congo. A longa linha costeira de
Angola de 1.650 km e os seus portos tornam o país num ponto de partida para as restantes
regiões central e austral de África. Também faz fronteira a Norte com a República
Democrática do Congo e República do Congo; a Leste, com a República Democrática do
Congo e a República da Zâmbia; a Sul com a República da Namíbia e a Oeste com o Oceano
Atlântico. Obviamente, o país está dividido entre uma faixa costeira árida, que se estende
desde a Namíbia até Luanda, um planalto interior húmido, uma savana seca no interior sul e
sudeste, e floresta tropical no norte e em Cabinda. O rio Zambeze e vários afluentes do rio
Congo têm as suas nascentes em Angola. A faixa costeira é temperada pela corrente fria de
Benguela.

Mas para o docente Mateus (2005), no seu (Angola nosso país), assegura que o termo Angola
– Assim se chama porque um dos seus reis, do Reino do Ndongo, no séculos I dos chamou-se
Ngola e dele se notabilizou uma sucessão de reis que afamaram em Angola a dinastia Ngola.

Geomorfologicamente, Angola divide-se em quatro partes, nomeadamente Zona Sedimentar;


Zona de transição; Zona montanhosa (esta zona começa no município da Humpata, província
da Huila e segue até em Kassongue, província do Kwanza Sul); Zona Planáltica, também
conhecida de Zona maciça ou maciço antigo.

Quanto ao clima, o autor aponta na sua obra que, é equatorial em Cabinda (província mais a
norte), tropical seco e por vezes temperado nas restantes províncias do Norte e, desértico e
Semidesértico no sul.

29
3.2. Hidrografia e recursos naturais de Angola

Segundo Mateus (2005), Angola possui 47 bacias hidrográficas Longas, com belas quedas,
cascatas e outras surpreendentes características, enquanto atravessam paisagens em todo o seu
curso.

Dois desses rios dão a maior alegria aos angolanos e aos turistas estrangeiros pela sua larga
extensão de navegabilidade, que são os rios Kwanza e Zaire. Segundo consta, o rio Kwanza,
nome adoptado à moeda nacional - tem um percurso de 240 quilómetros navegáveis, enquanto
o rio Zaire é navegável em todos os 150 quilómetros que atravessam o nosso país, uma vez
que outra parte se prolonga para o território da República Democrática do Congo ex. Zaire.

Por outro lado, Angola é um país eminentemente rico em recursos minerais. Estima-se que o
seu subsolo alberga 35 dos 45 minerais mais importantes do comércio mundial. Entre os quais
se destacam o petróleo, gás natural, diamantes, fosfatos, substâncias betuminosas, ferro,
cobre, manganésio, ouro e rochas ornamentais.

Com os depósitos substanciais de ouro, minério de ferro, fosfatos, manganês, cobre, quartzo,
gesso, mármore, granito negro, berílio, zinco e numerosos metais estratégicos. Contudo,
Angola tem sido descrita como um dos maiores e menos desenvolvidos dos paraísos minerais
ainda existentes.

30
IV. METODOLOGIA

Segundo Marconi e Lakatos (2009), a metodologia é o processo de pesquisa utilizada para a


elaboração de um determinado assunto26.

A realização de qualquer pesquisa requer um procedimento racional e sistemático que tem


como objectivo proporcionar as respostas às perguntas que são propostas. Fazer a
investigação não é o privilégio de alguns poucos génios. Precisa-se ter o conhecimento da
realidade, algumas noções básicas da metodologia e as técnicas de investigação.

Os procedimentos metodológicos constituem a fase final de apresentação de um trabalho de


investigação. Para a realização deste trabalho, implicou-se o seguimento de um processo
metodológico de investigação composto de várias etapas, nomeadamente, a definição de um
conjunto de métodos, instrumentos de recolha e tratamento de dados obtidos.

4.1. Tipo de estudo

O modelo de pesquisa escolhido para a elaboração do presente trabalho foi o de tipo


exploratório, cujo objectivo era a formulação de uma questão ou de um problema, com tripla
finalidade: desenvolver hipótese, aumentar a familiaridade da pesquisadora com um ambiente,
facto ou fenómeno27.

4.2. População e amostra

Perante esta abrangência a amostra do presente estudo foi elaborada com recurso ao método
de amostragem por conveniência, ou seja, foram seleccionados os elementos que se
consideraram dariam um melhor contributo “em função da disponibilidade e acessibilidade
dos elementos que constituem a população-alvo” (Reis, 1997).

Deste modo, a nossa população foi o multipartidarismo em África.

- Amostra não probabilística: fontes bibliográficas e documentais.

- Amostra por derivação nossa: A consolidação do Multipartidarismo em Angola desde


1992.

26
MARCONI, de Andrade Marina e LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa. Editora Atlas, 7ª edição, São Paulo, 2009, p. 4.
27
Ibidem, p. 4.
31
4.2.1. Critério de inclusão

- O percurso do multipartidarismo em Angola, no período de 1991 a 2008.

4.2.2. Critério de exclusão

- O mono partidarismo adoptado depois de 1975 e que vigorou até 1991.

4.3. Métodos a utilizar

Conforme Marconi e Lakatos (2009), o método é o conjunto de actividades sistemáticas e


racionais que, com maior segurança e economia permite alcançar o objectivo – conhecimentos
válidos e verdadeiros, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as
decisões do investigador.

Partindo do princípio de que um método é uma forma escolhida para se chegar a um


determinado resultado, utilizou-se o método histórico-dedutivo. Este método consiste enfocar
os factos ocorridos no passado sobre o tema em estudo.

A análise documental e fontes bibliográficas foram feitas de modo geral sobre alguns
trabalhos já realizados, revestidos de importância por serem capazes de fornecer dados actuais
e relevantes relacionados com o tema. O estudo pertinente da literatura ajudou a planificação
do presente trabalho, evitando duplicações e certos erros.

4.4. Procedimentos e instrumentos ou técnicas para a colecta de dados

Fez-se uma observação ao processo democrático em Angola, com objectivo de obter


informações acerca do problema levantado para o qual se procurou uma resposta provisória
que foi comprovada pelo conteúdo do presente trabalho. Avaliação dos conteúdos
bibliográficos e análise de documentos que serviram de base teórica para o tema.

Com base a técnica acima apresentada, os instrumentos utilizados foram aquisições dos livros,
jornais e revistas encontrados nas diversas bibliotecas na província de Luanda.

Conforme destaca Koche (1997), o estudo bibliográfico possui as funções de conhecer e


analisar as principais contribuições teóricas acerca de um tema ou problema específico,
tornando-se um instrumento indispensável, com o qual se fundamentará a fase seguinte, a
pesquisa de campo.

32
Segundo o modelo de pesquisa efectuado para a realização do presente trabalho, empregou-se
geralmente, procedimentos sistemáticos para a análise de dados e frequentemente, descrições
qualitativas do objecto em estudo.

Após a selecção do suporte bibliográfico, uma variedade de procedimentos foi utilizada, como
a realização de contactos dirigidos às personalidades diversas com conhecimento profundo
dos assuntos abordados no trabalho e análise de conteúdo das informações obtidas.

4.5. Processamento de dados

O Processamento de dados foi efectuado por meio da operação com computadores, através do
Microsoft Word, pois permitiu guardar os dados de maneira acessível, organizando e
analisando tanto descritiva quanto inferencialmente, facilitando o uso de técnicas de análise
variadas.

33
V. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 A razão de implementação do sistema monopartidario em Angola

Após a independência do país, o Movimento Popular para Libertação de Angola (MPLA)


conseguiu a liderança política em uma situação prévia de equilíbrio frente aos demais
partidos. O papel dirigente das elites coloniais no debate público de Angola se fez premente
de fins do século XIX até meados dos anos cinquenta28.

Devido ao estabelecimento da Guerra-Fria, essas elites perderam espaço internacional e


nacional para o mundo bipolarizado. As articulações entre lideranças locais no sentido de se
organizar a resistência à colonização se enfraqueceram, não obstante a luta armada ter início
em fins da mesma década, mas pronunciadamente interpelada pelas potências mundiais29.

Nesse contexto de fraqueza e decadência das elites locais, os grupos políticos se firmam numa
dimensão facciosa das elites formadoras dos partidos. Estes, nascidos em um ambiente de
convulsão social e conflitos armados, não poderiam se institucionalizar sem que ocorresse
intensa participação em âmbito estatal30, ou seja, por estarem fora das disputas pelo Estado,
rapidamente a unidade em torno da resistência à colonização se transformou em uma disputa
fratricida entre os grupos em suas próprias formações31.

O lugar e papel do sistema partidário único em relação ao Estado caracterizavam o próprio


regime autoritário instaurado em Angola, em que o único partido político (MPLA) era legal,
confundindo-se com o próprio Estado, sendo que legalmente, a título de exemplo, o primeiro
secretário provincial do partido, também exercia obrigatoriamente o cargo de governador
provincial.

Em Angola, este sistema unipartidário foi utilizado para descrever um sistema de partido
dominante, embora que existiam outros partidos, mas a lei do partido único por àquela altura
impediam a oposição obter legalmente o poder. Este regime confundiu-se com uma
democracia não-partidária que proibiu o exercício dos partidos políticos. Este sistema surgiu
de ideologias comunistas, fascistas ou nacionalistas.

28
LÁZARO, Gilson José Simão. Angola: Discursos e Práticas Dominantes de Reconciliação e Construção da Nação. Dissertação de Mestrado,
Instituto Universitário de Lisboa: Departamento de Sociologia, Lisboa, 2010, p. 13.
29
Ibidem, p. 14.
30
Ibidem, p. 14.
31
Ibidem, p. 15.
34
O MPLA foi o principal foco de resistência durante a guerra anticolonial (1961-1974).
Alinhado às forças soviéticas, o grupo assumiu a ideologia socialista durante décadas.
Instituído em formato partidário, após a independência. Em sua formação inicial, a União
Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) foi apoiada pela China, entre os anos
de 1966 até 1974. Depois da independência, o partido se coloca ao lado do bloco ocidental e
passa a receber apoio dos Estados Unidos e da África do Sul. Também na oposição, a Frente
Nacional de Libertação de Angola (FNLA) esteve presente na guerra contra Portugal e, depois
de 1975, combateu o MPLA ao lado da UNITA.

Logo após firmado o Acordo de Alvor, que definia a independência de Angola entre
autoridades portuguesas e os partidos de Angola, as três principais forças políticas do país –
MPLA, FNLA e UNITA – declaram, quase simultaneamente e em províncias diferentes, a
independência do país sem qualquer entendimento prévio. Surgia, assim, o primeiro momento
de tensão entre as lideranças colonizadas.

Essa complexa relação entre as forças políticas deixam claro que o único ponto em comum
era a luta pela independência32. Sem qualquer expectativa do que aconteceria após a
independência, ou mesmo acordos prévios para a fundação do regime, os grupos partiram para
uma luta entre si.

Ao contrário do que se poderia imaginar, foi o processo de enfraquecimento dos grupos


políticos que permitiu o surgimento de um sistema de partido único. Durante todo esse
período, o lugar das oposições se restringia à guerra e não participava de qualquer nível da
actuação política33. Até os anos noventa, Angola viveu um regime de partido único com
pouca capilaridade social e marcadamente violento.

Em 1991, nos bojos dos acontecimentos do fim da Guerra-Fria e da derrocada da União


Soviética, um conjunto de leis foi aprovado em Angola e o país assumiu as instituições
ocidentais. A liberdade de imprensa, funcionamento livre de partidos políticos, economia de
mercado e direitos de movimentos sociais independentes foram os principais marcos dessa
transformação do regime político angolano34.

32
LÁZARO, Gilson José Simão. Angola: Discursos e Práticas Dominantes de Reconciliação e Construção da Nação. Dissertação de Mestrado,
Instituto Universitário de Lisboa: Departamento de Sociologia, Lisboa, 2010, p. 18.
33
PACHECO, Fernando. Política e cidadania: o estado da democracia. Caminhos para a cidadania e para a construção da democracia em Angola:
obstáculos e avanços. A questão social no novo milênio: Coimbra, 2004, p. 3.
34
LÁZARO, Gilson José Simão. Angola: Discursos e Práticas Dominantes de Reconciliação e Construção da Nação. Dissertação de Mestrado,
Instituto Universitário de Lisboa: Departamento de Sociologia, Lisboa, 2010, p. 21.
35
 Acordos de Bicesse de 1991

Os últimos anos da década de 90 presenciaram uma ligeira abertura do sistema político


angolano, mas a mudança significativa ocorreu apenas como resultado das negociações de paz
com base dos Acordos de Bicesse os quais testemunharam a mudança de Angola para uma
instauração da democracia multipartidária.

Em termos gerais desses acordos, previam um cessar-fogo, o aquartelamento das tropas da


UNITA, a formação de novas FAA (Forças Armadas Angolanas) únicas, a desmobilização
das tropas de Savimbi, a restauração da administração do Estado em áreas controladas pela
UNITA, o agendamento de um processo político de reconciliação nacional35.

Os riscos graves, logo percebidos, para a eficácia dos Acordos de Bicesse estavam no
desarmamento irregular e incompleto da UNITA bem como a não passagem para o controlo
do Estado angolano de importantes áreas do território que permaneceram sob o controlo da
UNITA.

Segundo Pezarat Correia, “aceitou-se um limite rígido e demasiadamente curto para o período
de transição”. A componente política subalternizou a militar. As antigas FAPLA (Forças
Armadas Populares de Libertação de Angola) haviam sido desmobilizadas e as novas Forças
Armadas Angolanas não contavam, até as eleições, com mais de 60% dos efectivos
previstos36.

Fez-se necessário lembrar neste trabalho que o período que medeia à assinatura dos Acordos
de Bicesse, em 31 de Maio de 1991, e o retorno à guerra, na segunda metade de Outubro de
1992, corresponderam a uma época de paz, com a curta duração de 17 meses, que Angola não
vivia desde o início da luta de libertação nacional em 1961, isto foi, há mais de 30 anos.

Foi importante sublinhar também que os Acordos de Bicesse de 1991 alcançaram a


pacificação e não chegaram a possibilitar a democratização do país, embora tenham
consagrado o multipartidário e o processo eleitoral. Dois dos seus objectivos básicos não
foram concluídos: a retomada pela administração central de parcelas significativas dos
territórios ocupados pela UNITA e a formação real, não só simbólica, do exército único – as
Forças Armadas Angolanas (FAA), formadas a partir das extintas FAPLA e das FALA

35
CONCEIÇÃO, J. Angola: Uma política externa em contexto de crise (1975-1994) – Revisão da literatura, São Paulo, 1999, p. 176.
36
PEZARAT, Correia. Descolonização de Angola: A joia da Coroa do Império Português. Edição Ler e Escrever. Luanda, 1991, p. 43.
36
(Forças Armadas de Libertação de Angola)37. Mesmo assim, um dos frutos de sucesso dos
acordos de Bicesse de 1991 foi a realização em Angola das primeiras eleições livres e
democráticas em 1992 nas quais participaram vários partidos políticos, desde que o país
conquistou a sua independência a 11 de Novembro de 1975.

 As eleições de 1992

As eleições realizadas em Angola, em 29 e 30 de Setembro de 1992 conferiram legitimidade


democrática ao poder político do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e
deram lugar ao eclodir da guerra com pelo menos, dois efeitos: por um lado, a interrupção do
processo de pacificação por quem perdeu as eleições (UNITA); e por outro,
consequentemente a interrupção da normalidade da transição constitucional para a democracia
multipartidária38.

Daí, o processo de democratização foi seriamente afectado, tornando-se impossível concluir o


processo eleitoral, dificultando-se o funcionamento do parlamento, inviabilizando-se a
imediata aprovação da futura Constituição e condicionando-se a vida democrática da
sociedade.

Carvalho (1996, citado por Conceição, 1999, pág. 1881) argumenta que “a ausência de paz
após as eleições de 1992 trouxe o adiamento da transição e agravou a sistemática violação dos
direitos e liberdades fundamentais em Angola”39.

Por outras palavras, “o que sucedeu em Angola não foi o colapso da democracia e da
transição constitucional, mas sim o fracasso de um processo de pacificação, que vem influir
na dinâmica e vitalidade da transição democrática e não no seu mérito e continuidade”. Essa
circunstância influi, dificultando o funcionamento das instituições e o seu âmbito territorial de
acção e comprimindo o grau de expressão democrática da sociedade.

A dicotomia segurança nacional/segurança jurídica, interesses da defesa nacional/liberdades


individuais, gerou dilemas, zonas cinzentas e dificuldades interpretativas e de ponderação dos
interesses de todos merecedores de tutela constitucional e de gestão política e mesmo de
actuação administrativa por parte das autoridades e, até, das próprias organizações e cidadãos,

37
CONCEIÇÃO, J. Angola: Uma política externa em contexto de crise (1975-1994) – Revisão da literatura, São Paulo, 1999, p. 181.
38
Ibidem, p. 183.
39
Ibidem, p. 185.
37
receosos de que o exercício dos seus direitos possa ser interpretado como acto de
favorecimento de quem atenta contra as instituições.

Uma vez que as eleições de 1992 não obtiveram o sucesso esperado, o conflito redundou e o
país mergulhou desta vez numa guerra mais intolerável. Dois anos depois, um novo processo
de paz recomeçou entre as partes em conflito (MPLA e UNITA), onde saiu o Protocolo de
Lusaka de 1994, na qual foi decidida a criação do GURN (Governo de Unidade e
Reconciliação Nacional) e a repartição de postos ministeriais e outros postos de governação
provincial.

 Protocolo de Lusaka de 1994

O protocolo de Lusaka assinado em Novembro de 1994 foi largamente baseado no «Protocolo


de Abidjan», com o qual quase se tinha conseguido um acordo, cerca de um ano e meio antes.
Mas naquela altura, as conversações de paz tinham uma importância secundária aos eventos
nos campos de batalha. Os primeiros avanços da UNITA fizeram com que ela controlasse
cerca de 70% do território incluindo áreas urbanas importantes como Huambo e Uige.
Quando o governo conseguiu reorganizar-se militarmente, tendo muitas posições, como por
exemplo, o Huambo, com a UNITA a recuar depois da queda do Huambo, e as tropas
governamentais a ganhar uma ascendência, o Protocolo de Lusaka foi assinado40.

Com a assinatura dos acordos de Lusaka, o governo de Angola e a UNITA se entenderam


com a criação de um Governo da Unidade e Reconciliação Nacional (GURN), cujo um dos
preceitos era a integração de personalidades políticas de outros partidos. Mesmo assim a
Direcção da UNITA, negando a proposta feita pelo Governo, do seu presidente ser o Vice-
presidente da República de Angola, viu-se forçada a permanecer nas matas do interior do
planalto central. Em face de esta recusa, os acordos de paz foram violados com a retomada
das hostilidades em quase todo o território nacional. Enfraquecida com a morte em combate
do seu líder, Jonas Savimbi em Fevereiro de 2002, a UNITA teve de se render e em Abril do
mesmo ano houve a assinatura dos acordos de paz do Luena, celebrados entre a UNITA e o
Governo angolano, pondo fim a um longo período de guerra civil que ceifou milhares de vida
e destruiu milhares de infra-estruturas. Com este advento da paz, Angola começou novamente
a trilhar os caminhos para a democracia multipartidária e os direitos humanos com vista a
desenvolver os seus desafios nos domínios: político, social, económico, cultural, etc.

40
CONCEIÇÃO, J. Angola: Uma política externa em contexto de crise (1975-1994) – Revisão da literatura, São Paulo, 1999, p. 190.
38
 Formas de participação política e democrática em Angola

Chama-se de participação política, qualquer tipo de acção que o povo exerce para o seu bem-
estar a nível nacional, controlando os governantes na formação dos programas e políticas
decisivas e apoio na avaliação das situações, acçoes e práticas governativas.

São várias condições para a participação política; Como por exemplo, temos: O exercício das
liberdades indivíduos41. O direito à associação42; E uma politica de igualdade43; Isto é, o povo
deve sentir em condições iguais políticas, económicas, culturas e religiosas do seu país e
aspiração cada vez mais para uma democracia.

Em Angola, muitos sabem como uma eficiente participação política se consegue tão numa
democracia, isto porque, a democracia como sistema sócio-político, estimula e garante o
exercício da luta sem manipulações políticas; e tão assim que a participação política pode ser
autêntica e humanista. E com esse tipo de sociedade, uma democracia autêntica é aquela que,
embora imperfeita para superar a procuração bem como as suas deficiências através de três
princípios: o princípio da eficácia; o principio da participação; e por fim o principio do
multipartidarismo.

Todos os cidadãos angolanos podem e devem participar na política; há diversas maneiras de


participação política, mas sempre exigindo uma igualdade social e politica de todos os
cidadãos; toda o que quer dizer que o povo angolano tem o direito e dever de participar na
politica, independentemente das diferenças de classes, raça, tribo, sexo e religiao44.

A participaçao dos cidadaos deve ser em vários níveis, porque em democracia, só tem o
privilegio de se expressar livremente e participar activamente na vida pública do país são os
cidadãos em participarem activamente na vida pública do país. Existem varias formas de
Fazê-lo, uma delas é a participação partidária política, ou sendo militantes simpatizantes, de
um partido político livremente escolhido por cada um de cidadaos.

Em Angola, durante o período em análise no presente trabalho, existiam vários partidos


políticos, com assentos parlamentares:

 Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA)

41
Ver: Declaração Universal. Dos Direitos Humanos Ver também os Artigos 18º e 20º. Lei Constitucional de Angola, Luanda, 2010.
42
Ver: Artigo 19º, Constituição da República de Angola, Luanda, 2010.
43
Ver: Artigo 21º, Constituição da República de Angola, Luanda, 2010.
44
Ver: Revista CEAST. O Cristão é uma política, Luanda, 1991, p. 7.

39
 União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA)
 Partido de Renovação Social (PRS)
 Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA)
 Partido Liberal Democrático (PLD)
 Partido da Aliança da Juventude Operária-Camponesa de Angola (PAJOCA)
 Partido Social-Democrata (PSD)
 Partido Renovador Democrático (PRD)
 Aliança Democrática de Angola (ADA)
 Partido Democrático para o Progresso - Aliança Nacional Angolana (PDP-ANA)
 Partido Nacional Democrático Angolano (PNDA)
 Partido Democrático Liberal de Angola (PDLA)
 Movimento de Defesa dos Interesses dos Angolanos (MDIA)
 Partido da Revelação (PR-fundado em Londres, aos 7 de Julho de 2007)

 Processo eleitoral de 2008

As eleições constituem uma arma importante disponível aos cidadãos, no combate pela justiça
social, participação política e pela inclusão económica, em busca da liberdade, dignidade e
prosperidade. Através de processos eleitorais, os governos são forçados a responder aos
interesses dos eleitores e prestar contas periodicamente, no fim dos seus mandatos.

As eleições legislativas de 2008 em Angola foram realizadas nos dias 5 e 6 de Setembro de


2008. Neste acto eleitoral, os angolanos votaram, mas uma vez, desde 1992, para escolher
entre 14 formações políticas, o seu segundo parlamento desde que o país se tornou
independente de Portugal, em 1975. Para isso a União Africana foi convidada a enviar
observadores para o processo de votação e apuração dos votos. A União Europeia mandou
uma equipa de observadores.

Concorreram às eleições legislativas em Angola 10 partidos políticos e quatro coligações.


Estavam registados 8,3 milhões de eleitores45 para eleger os 220 deputados à Assembleia
Nacional e o novo Governo. Os partidos PDA, PSD, PREA (entre dezenas de outros partidos
sem assentos parlamentares) não reuniram as pré-condições exigidas pela Comissão Nacional
Eleitoral.

45
CNE – Comissão Nacional Eleitoral. Cadernos de Registro Eleitoral, 2008.
40
A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) divulgou em 10 de Setembro os últimos resultados
parciais das legislativas angolanas, os quais confirmaram a vitória do Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA) com 81,76% dos votos emitidos. Segundo ainda a CNE, o
MPLA teve 4.520.453 votos, contra 572.523 da União Nacional para a Independência Total
de Angola (Unita), que correspondem a 10,36% e colocam o principal partido opositor em
segundo lugar na preferência do eleitorado angolano. Em terceiro lugar ficou o Partido de
Renovação Social (PRS), com 173.546 votos, que representam 3,14% do total46.

Com a realização das eleições legislativas ocorridas em 2008, Angola conseguiu até aqui o
que parece ser essencial, ou seja, preservar a paz política, mantendo a sua integridade
territorial e lançar as novas bases de um Estado democrático e de direito.

 O papel da sociedade civil em Angola

Em Angola, a Sociedade Civil é constituida pelos Grupos, Organizações, Associações e


entidades que fazem uma ligação entre os cidadãos e o Estado, procurando fundamentalmente
o desenvolvimento político, económico, cultural e social do país, sobretudo das populações
angolanas mais carentes. São Também Agentes Eleitorais e desempenham um papel muito
importante no esclarecimento dos cidadãos sobre vários assuntos em actualidade, através de
campanhas de educação cívica e de educação eleitoral.

No acto eleitoral, tal como realizado em 2008, a participaçao da Sociedade Civil angolano foi
de forma consciente e esclarecida, mantendo a sua imparcialidade e não beneficiou e nem
prejudicou qualquer partido concorrente. O facto de ser não partidária, tendo em conta da fase
inicial da jovem democracia angolana, uma das características da Sociedade Civil angolana é
a de não prejudicar na sua actuação, o desenvolvimento harmonioso da sociedade angolana47.

Promover uma democracia exige mais o estabelecimento de procedimentos formais de apoios


às instituições democráticas do Estado, com o objectivo de fomentar uma inclusão activa dos
actores políticos e da Sociedade Civil.

 Os partidos políticos em Angola

Os partidos políticos, no quadro da presente Constituição da República de Angola e da lei dos


Partidos Políticos, concorrem, em torno de um projecto de sociedade e de um programa

46
CNE – Comissão Nacional Eleitoral. Arquivos das eleições legislativas de 2008.
47
CNE. Código de Conduta Eleitoral - Artigos 28º e 29º. Luanda, 2008.
41
político, para a organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, participando na vida
política e na expressão do sufrágio universal, por meios democráticos e pacíficos, com
respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade nacional e da democracia
política.

O poder político é exercido por quem obtenha legitimidade por processo eleitoral livre e
democraticamente exercido nos termos da Constituição e da lei. É ilegítima e criminalmente
punível a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras
formas não previstas nem conformes com a Constituição.

A constituição e o funcionamento dos partidos devem, nos termos da lei, respeitar os


seguintes princípios fundamentais:

 Carácter e âmbito nacional;


 Livre constituição;
 Liberdade de filiação e filiação única;
 Utilização exclusiva de meios pacíficos na prossecução dos seus fins e interdição da
criação ou utilização de organização militar, paramilitar ou militarizada;
 Organização e funcionamento democrático;
 Proibição de recebimento de contribuições de valor pecuniário e económico
provenientes de governos e instituições governamentais estrangeiras.

Os partidos políticos angolanos devem, nos seus objectivos, programa e prática, contribuir
para a consolidação da Nação Angolana, da independência nacional e o reforço da unidade
nacional, a salvaguarda da integridade territorial, a defesa da soberania nacional e da
democracia, a proteção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana e a
defesa da forma republicana de governo e do carácter unitário e laico do Estado.

Os partidos políticos a luz da Constituição e da lei têm o direito à igualdade de tratamento por
parte das entidades que exercem o poder público, assim como a um tratamento de igualdade
pela imprensa, nas condições fixadas pela lei vigente na República de Angola.

 Análise sobre a democracia multipartidária em Angola

Afirmar que a reforma do sistema política em Angola foi uma proposta democratizante ao
vincular a democracia por meio de sua prática teórica e social levantada pela questão de

42
fundo, que vem preocupando os actores políticos e sociais angolanos, na qual seja, a relação
entre democracia política e participação social.

O multipartidarismo, sendo o sistema político representativo imprescindível em sociedades


tão complexas e populosas como as de Angola, o problema se configura na maneira como
tornar as instituições democráticas do país mais abertas à participação do cidadão nas decisões
de políticas destinadas a processar a enorme pluralidade de objetivos presentes na sociedade
sem comprometer a eficácia do governo.

Isto pressupõe, naturalmente, um processo demorado de elaboração colectiva - bem como,


aliás, a adopção de procedimentos que assegurem esses mecanismos, os quais comportam
complexos procedimentos de negociação entre contendores que têm interesses concepções e,
sobretudo, expectativas distintas sobre a ordem democrática multipartidária.

Além disso, mesmo após o estabelecimento de instituições e procedimentos democráticos,


eles nem sempre têm significado equivalente para todos os atores intervenientes do processo.
É por isso que a formação de consenso normativo, que permita minimamente o
desenvolvimento da democracia sem interrupções a cada conflito fundamental que emerja, se
torna tão importante quanto a formação de um sistema partidário eficiente ou a instituição de
mecanismos adequados de representação política.

Esse consenso, ou pacto entre elites, envolve, entre outros factores, a generalização de um
conjunto de valores, orientações e atitudes políticas em meio aos diferentes segmentos em que
se divide o mercado político e resulta tanto dos processos de socialização como da
experiência política concreta dos membros da comunidade política.

Sinteticamente, podem-se considerar os regimes políticos liberais atuais como democracias


formais, isto é, democracias cujas constituições garantem a todos os cidadãos legalmente
qualificados um conjunto de direitos e liberdades, tais como liberdade de expressão, de ir e
vir, de formar organizações, direito à informação, de votar e ser votado para o exercício de
cargos eletivos. Essas garantias são complementadas por um sistema pluripartidário e por
eleições livres e periódicas.

Em Angola, o sistema político formal, entretanto, não vem dando conta da densa diversidade
de problemas que afectam as sociedades angolanas, e observa-se o surgimento do clamor por
maior participação nas decisões políticas por intermédio de organizações sociais não

43
partidárias, nomeadamente as associações de interesses, que vêm ocupando espaços antes
exclusivos dos partidos políticos.

De facto, a desilusão em relação às democracias liberais consolidadas, por um lado, e os


estímulos ao aprofundamento da democratização em países de recente liberalização, por
outro, têm vindo ao encontro da ressurreição da sociedade civil, da reestruturação do espaço
público e da intensa mobilização dos grupos independentes.

Tais imagens de mobilização popular têm sido difundidas contemporaneamente a partir das
mudanças democratizantes que vêm ocorrendo na África, particularmente. Em muitos países,
grandes movimentos societários foram cruciais para o encerramento de autoritarismos de
diversas origens. Os cidadãos pressionam e enfrentam as autocracias não como indivíduos,
mas como membros de movimentos estudantis, igrejas, associações profissionais, imprensa,
associações cívicas, etc.

Compreender o papel da sociedade civil em Angola no actual processo de construção e


consolidação da democracia requer uma conceptualização que ultrapasse a simples antinomia
entre Estado e Sociedade, vista como um esforço de soma zero. Para efeitos deste trabalho, a
sociedade civil angolano é concebida como um campo de organização da vida social,
simultaneamente voluntário, auto regenerativo, largamente autossustentado, autônomo com
relação ao Estado e só limitado pela ordem legal estabelecida ou pelo compartilhar das regras
do jogo. É distinta da sociedade em geral no sentido de que envolve cidadãos angolanos,
agindo colectivamente na esfera pública para expressar seus interesses, paixões e ideias, para
trocar informações, buscar objetivos comuns, efectuar demandas ao Estado e fortalecer a
responsabilidade dos gestores públicos.

De modo geral, a Sociedade Civil é, assim, uma entidade intermediária, situada entre a esfera
privada e o Estado, que não apenas restringe o poder do Estado como legitima sua autoridade
quando baseada no cumprimento das leis. Comporta um vasto conjunto de organizações
formais e de grupos informais de natureza variada: económicos (associações comerciais e
produtivas); culturais (religiosos, étnicos, comunitários, defensores de direitos coletivos,
valores, credos e símbolos); de informação e educação; profissionais; de desenvolvimento
(que visam à melhoria da qualidade de vida); orientados por problemas (meio ambiente, de
gênero, consumidores); cívicos (promotores da cidadania). Tais constelações comportam

44
ainda mídia independente e organizações vocacionadas para a produção cultural e intelectual -
universidades, teatros, institutos publicitários, produtoras de filmes, etc.

Em Angola, a Sociedade Civil relaciona-se com o Estado de várias formas, mas não almeja o
exercício do poder formal ou sua inclusão no aparelho estatal. Antes, espera do Estado
concessões, benefícios, mudanças políticas, ajuda, reparação ou responsabilidade.

Outro aspecto que a caracteriza diz respeito a sua diversidade e pluralidade, posto que, com
algumas exceções, em geral nenhum grupo da sociedade civil representa todos os interesses,
quer individuais, quer comunitários.

Por último, a sociedade civil se distingue e, é autônoma não só em relação ao Estado, mas
também em relação ao sistema partidário. Organizações e redes da sociedade civil podem
formar alianças com os partidos políticos.

Contudo, Sociedade Civil angolana não é uma mera categoria residual, sinônimo de
“sociedade” ou de qualquer coisa que não seja Estado ou parte do sistema político formal.

As democracias actuais convivem, no entanto, com enormes desigualdades sociais, de género,


de raça e, indiscutivelmente, de classe na participação política. De facto, os regimes
democráticos não representam o apanágio para a resolução dos problemas que afectam a
sociedade. As novas democracias (como, em medida diferente, as já consolidadas) se revelam
profundamente por distribuição desigual não só dos bens materiais, mas também dos bens
simbólicos e dos recursos de poder, com os quais são enfrentados os problemas da ordem
social. Em consequência, o entusiasmo democrático, que normalmente caracteriza a fase
inicial do processo, cede lugar, muitas vezes, ao desencanto, à apatia e, mesmo, à hostilidade
em face da democracia.

Posto isso, a consolidação do processo democrático passa, a nosso ver, por uma nova
concepção a respeito do sistema de governo que permita maior participação da sociedade civil
nas decisões políticas. Não porque um sistema com mais participação, por si só, elimine as
iniquidades sociais, mas porque a baixa participação e a iniquidade estão de tal modo
interligado, que uma sociedade mais equânime e mais humana exige um sistema de
participação política mais intensa.

A esse tipo de democracia, em que se destaca o conteúdo ético humanitário baseado na


solidariedade e no desenvolvimento integral da comunidade, que assegura a participação mais
45
ampla possível do cidadão tanto na esfera política como na esfera econômica e social,
resgatando, assim, a importância da sociedade civil, Macpherson chama de democracia
participativa.

Norberto Bobbio (2007) contribui para essa análise quando afirma que, “historicamente, a
democracia tem dois sentidos prevalecentes, ao menos na origem, conforme se ponha em
maior evidência o conjunto das regras cuja observância é necessária para que o poder político
seja efetivamente distribuído entre a maior parte dos cidadãos, as chamadas regras do jogo
(formal), ou o ideal em que um governo democrático deveria se inspirar, que é o da igualdade
(substantiva)”48.

Assim, o modelo de democracia participativa enfatizando os movimentos sociais e a


ampliação da ocupação do espaço político pela Sociedade Civil. Este modelo procura
combinar os mecanismos da democracia representativa com formato piramidal de
participação directa e indirectamente dos cidadãos, por meio de conselhos, sem excluir, no
entanto, o sistema partidário.

Para finalizar, se essas mudanças são pré-requisitos da democracia participativa, podem


constituir-se em um círculo vicioso, na medida em que é improvável que sejam atingidos sem
participação muito maior do que aquela que se tem hoje. Além disso, a redução da
desigualdade social e econômica, sem uma forte ação democrática, é improvável.

O rompimento desse círculo vicioso impõe que as mudanças preconizadas caminhem em


paralelo, isto é, que políticas que visem à diminuição das desigualdades existentes sejam
acompanhadas de mudanças na consciência popular mediante a socialização de valores morais
humanistas, de modo que o cidadão não mais se veja e aja como consumidor, mas como
executor e desfrutador de suas capacidades. Tornam-se, assim, fundamentais o
desenvolvimento de ações e a institucionalização de práticas visando à socialização de uma
cultura participativa na sociedade.

48
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Editora UnB. 13ª edição. São Paulo, Brasil, 2007, p 145.

46
VI. CONCLUSÕES

A análise desenvolvida no presente trabalho realçou a forma que a relação existente entre a
razão de Estado e a democracia, mas também a importância estratégica da participação da
sociedade civil em instâncias colegiadas de deliberação na esfera estatal nas democracias
contemporâneas.

A referência à experiência histórica da razão de Estado na primeira modernidade, e às


relações teóricas e históricas que ela mantém com os percursos de afirmação da soberania e da
estabilidade moderna, para compreender o que se entende hoje por razão de Estado, é um
instrumento necessário para definir os percursos de afirmação de dois paradigmas diferentes –
o da soberania e o da conservação política. A razão de Estado atravessa ainda, e torna, em
parte, conforme a uma lógica conservativa, o exercício da soberania política ao intervir sobre
os processos de mudança que se activam entre o soberano, o indivíduo e os grupos que
compõem de tempos a tempos a “nação”, o “povo”, a “cidadania”.

A relação existente entre democracia participativa e o desenvolvimento de uma consciência


cívica - cujo avanço, porém, depende não só do desenvolvimento económico e da
modernização política formal, mas essencialmente da democracia substantiva, em termos de
crescentes graus de igualdade social entre os cidadãos - foi o que nos propusemos.

Tradicionalmente, a democracia significa uma actividade exercida em nome do povo e pelo


povo. O Estado democrático é por assim dizer, um sistema político, composto de muitas
dimensões que se desenvolvem em diferentes níveis de profundidade. Neste âmbito, o Estado
tem uma grande função de evitar os extremos dos instintos e das pessoas, mantendo certo
equilíbrio entre cidadãos no seu relacionamento interpessoal.

Um partido político é um grupo organizado formal e legalmente constituído, com base em


formas voluntárias de participação em uma associação orientada para influenciar ou ocupar o
poder político em um determinado país politicamente organizado e/ou Estado, em que se faz
presente e/ou necessário como objecto de mudança e/ou transformação social. Nas regras
democráticas, o multipartidarismo também conhecido como sistema pluripartidário, é um
sistema político no qual três ou mais partidos políticos podem assumir o controlo de um
governo de maneira independente ou numa coligação.

47
Em Angola, o processo democrático que culminou com o multipartidarismo foi fruto de
grande sacrifício consentido pelos angolanos através da disputa, consequente do conflito
interno angolano entre os movimentos de libertação e, teve o seu início com os acordos de
Bicesse de 1991, a partir dos quais foi adoptada uma Constituição de um Estado democrático
e de direito. Estado que, além da limitação do poder político, postula a legitimação do título e
do exercício desse poder mediante o princípio da soberania popular garantia do direito à igual
participação na formação democrática da vontade popular.

As cláusulas do Protocolo de Lusaka, em 1994, essencialmente a supremacia da partilha do


poder e com o fim de fazer face à conflitualidade político-militar e atingir a paz e a
reconciliação nacional fizeram com que as inconstitucionalidades e ilegalidades em matérias
de exercício de Direitos Humanos, liberdades e garantias fundamentais fossem igualmente
invocadas.

Desde as primeiras eleições de 1992, seguidas pelas segundas, em 2008, a democracia


convivida no país, no entanto, com enormes dificuldades sociais, indiscutivelmente de classe
na participação política. Mesmo que de facto, o regime democrático angolano não representa
o apanágio para a resolução dos problemas que afectam a sociedade angolana no seu
conjunto, a sociedade civil angolana não é uma mera categoria residual, sinônimo de
“sociedade” ou de qualquer coisa que não seja Estado ou parte do sistema político formal.
Estas análises consideraram que, apesar do quadro de atraso social do país, foi possível
instituir a participação do cidadão nas esferas de decisão pública.

É inegável o papel preponderante dos actores políticos angolanos nos processos históricos
para a libertação do povo e para a construção do Estado angolano. Os vários processos
negociais com vista ao alcance da democracia no país que deram lugar às primeiras eleições,
seguidas das segundas, assinalaram a presença dos partidos políticos. A proposta de reforço
do papel e função dos partidos políticos no contexto de sistema político angolano colocam aos
partidos vários desafios, nomeadamente de organização interna, disciplina partidária, reforço
da educação patriótica e de formação político-partidária e promoção dos militantes e quadros
dos partidos com base no mérito profissional, político e académico.

48
VII. RECOMENDAÇÕES

Com base nas análises feitas ao longo do presente trabalho, permitiram-nos recomendar de
forma que a democracia participativa instaurada em Angola possa ser efectiva, o seguinte:

1. Que a democracia em Angola se assente na base dos limites máximos da liberdade e


dos direitos do indivíduo e não se desenvolve em meio à conflitos entre os interesses
da maioria garantida pela liberdade política e os direitos fundamentais dos angolanos
instituídos pela Constituição;

2. Que haja a diminuição da desigualdade social e económica no seio da sociedade


angolana, para que a mesma experimenta um sistema político que não limite a
participação do cidadão, mantendo a sociedade coesa;

3. Que depois do importante papel já assumido na História Política e na História


Constitucional angolanas, os actores políticos angolanos considerem importante a
adopção de um modelo político capaz de garantir a preservação das grandes
conquistas do povo angolano, nomeadamente a independência nacional e a paz. Para
tal, é preciso que o respeito pela Constituição e a Democracia não sejam vistos como
fins em si mesmo, mas sim como instrumentos eficazes para a promoção da paz social
e da estabilidade política;

4. Que se crie um quadro político para evitar aquilo que tem ocorrido com alguma
frequência nalguns Estados em todo mundo, em que os processos eleitorais conduzem
à instabilidade política, ou então os resultados eleitorais dão lugar a um quadro
político de bloqueio institucional.

49
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