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Domingo, 27 de Dezembro de 2020 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 11.203 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

O ano
em que a
ciência
subiu ao
palco Ensaio de David Marçal sobre como a ciência
— essa desconhecida — se intrometeu em muito
do que aconteceu este ano P4 a 9

2020
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2 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020
Índice
É este ano que vou
mudar, prometo!
O que é meu é teu
Vítor Belanciano
F
inal do ano é altura de
rituais. Fazem-se balan-
ços. Renovam-se expec-
tativas. Projecta-se o fu-
turo próximo. À meia-
-noite do último dia do
ano pedem-se 12 desejos ao ritmo da
ingestão de outras tantas passas —
pelo menos, quem gosta delas, não
é o meu caso.
Fazem-se juras de metamorfose.
Algumas individuais. Outras colecti-
vas. Umas de ordem interna e outras
a pensar na realidade externa. Por
mais que se duvide de tais preceitos,
é quase inevitável, ao longo da vida,
envolvermo-nos neles. Talvez seja
uma forma de cada um tentar orga-
nizar o seu próprio caos.
Passamos, aliás, o tempo a criar
ritos desse género. A diferença é que
nesta altura assumimo-lo. Conheci
uma pessoa, aquilo que se pode dizer
alguém perfeitamente equilibrado,
metódico e racional, que tinha um
cisma: mudava os móveis de lugar.
Eu sei, toda a gente, de vez em quan-
do, faz isso. Acontece que no seu
caso era todas as segundas-feiras. Era
um protocolo. Dizia que precisava de
sentir que todas as semanas havia
mudança na sua vida.
Não valia a pena argumentar que
a mutação, pelo menos aquela que
é mesmo a sério, é um processo, não
um evento, que exige constância,
tempo, consciência de si e dos ou-
tros, dos avanços e retrocessos, de
maturação. EnÆm, dizia-lhe o vulgar,
mas em vão. É como se existissem
rituais em que todos Ængimos acre-
ditar, ou que temos necessidade de
acreditar, o que vai dar ao mesmo. A
passagem de ano é isso. É a forma de
desarrumar os móveis. Felizmente é
apenas uma vez por ano e não todas
as semanas.
Dito isto, acredito na mudança in-
dividual e na colectiva, interconec-
tadas. Admito que um dos atributos
dos seres humanos é a sua condição
de projecto, de possibilidade, de en-
tidade que se vai modelando ao lon-
go do tempo. Somos algo que está
4 10 14
Ensaio Dez razões Portfólio
A ciência entre
a ribalta e o estranhamento
para que 2020 não seja
um ano para esquecer
O espectáculo do circo
começa nos bastidores
Desalinho
Cristina Sampaio
sempre em construção, embora exis-
tam circunstâncias biológicas, ou da
realidade política, económica, social
ou cultural, que podemos gerir me-
lhor ou pior, mas que não domina-
mos por completo. Mas, ainda assim,
até certo ponto, do que depende de
nós, podemos ser arquitectos da nos-
sa vida, escolhendo, valorando e op-
tando. Ou seja, vivemos tanto na
possibilidade como na realidade.
E, no entanto, ninguém consegue
alcançar nada sozinho, porque so-
mos interdependentes. As nossas
acções e interesses redundam nas
dos demais, para lá do território
onde estejam. Infelizmente, como se
viu este ano, parece que só em situa-
ções de adversidade somos capazes
de perceber que o nosso bem-estar
depende também daqueles com
quem partilhamos o solo social co-
mum. Nesse sentido, desamparar
quem necessita de cuidados é des-
protegermo-nos a todos. As mudan-
ças colectivas são complexas. Às ve-
zes começam pelos motivos e nas
horas mais inesperadas, correspon-
dendo a um desejo latente que esta-
va lá antes de acontecer, mas que A seguir
ainda não tinha sido manifestado.
Claro que há mudanças benignas Saída do Reino Unido da União Europeia (com acordo)
e malignas. Quem já experimentou
as primeiras, do ponto de vista indi-
vidual, sentiu-as na mente e no cor- Sendo certo que o que importa depois da ceia, uma Von der
po. De repente, um dia, por qualquer no acordo que vai regular as Leyen resignada e fria falava
pretexto, percebemos que aquilo relações entre o Reino Unido e a numa separação carregada de
está a acontecer. Uma coisa sem ra- União Europeia a partir de 1 de “tristeza doce” e citava T. S.
zão de ser. Uma coisa que é, que não Janeiro é a substância, é Elliot: “Aquilo a que,
se justiÆca, que nos permite estar ali impossível não reparar no estilo. geralmente, chamamos começo
inteiros e não querer estar em mais Quem viu as declarações do é o fim. E terminar é começar. O
lado nenhum. Abandonarmo-nos, primeiro-ministro britânico, fim é de onde começamos”.
aceitando até os lugares comuns, Boris Johnson, as da presidente Barnier referia um acordo “que
numa espécie de reconciliação com da Comissão, Ursula von der enfraquece” os dois lados. Logo
qualquer coisa que se acomodou aos Leyen, ou as do negociador da após o acordo, Johnson já tinha
nossos mais profundos anseios. Algo UE, Michel Barnier, percebeu as puxado de toda a sua
de orgânico, mas que correspondeu diferenças. No dia 24, enquanto obstinação, e exibido a sua
a um longo processo que veio lá mui- um Johnson frenético e teatral atitude guerreira e nacionalista
to de trás, e que acaba por se mani-
festar em determinados períodos. E Adeus brandia um maço de folhas
desajeitado (o acordo) durante a
para enumerar várias
“vantagens” do “Brexit”. Quatro
para os quais nenhum imperativo de sua mensagem de Natal, “uma anos e meio depois do
calendário nos prepara. prenda para os britânicos” e referendo, é o quotidiano que
sugerindo-o como leitura vai dar as principais respostas a
Jornalista àqueles que tivessem insónias partir do dia 31 de Dezembro.
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16
Série Ciências Sociais
em Público (XXXIX)
À roda dos valores em Portugal:
os valores humanos durante
a infância e a adolescência
Q
ueridos netos,
Dependendo da
idade com que
lerem estas palavras
é possível que já
tenham estudado o
ano de 2020 na disciplina de
História. Imagino que os vossos
livros, ou qualquer que seja a
ferramenta que encontrarem para
os substituir, dediquem pelo
menos um capítulo à pandemia
que vivemos actualmente e que
palavras como conÆnamento e
covid-19 vos soem familiares, ainda
que, espero, distantes.
Neste exacto momento, os
vossos pais são apenas meninos de
dois e quatro anos aos saltos no
trampolim do quintal, e é provável
que não retenham memórias
signiÆcativas dos últimos doze
meses. É por isso que vos escrevo
esta carta. Mesmo sabendo que a
minha memória, pessoal e
subjectiva, jamais substituirá a
exactidão dos factos que vos forem
ensinados na escola.
Não me ocorre melhor maneira
de começar este relato do que
penitenciar-me pelo descaso que
Æz da passagem de ano de 2019
para 2020. Ninguém me tira da
cabeça que tê-la passado sozinha,
agarrada a um balde de pipocas
enquanto via pela vigésima vez um
Ælme do Harry Potter, acabou por
agoirar os doze meses vindouros.
Acontece que o vosso avô estava a
fazer noite no hospital e os vossos
pais dormiam ferrados desde antes
das 22h. Ora eu, totalmente imersa
na luta entre o Harry e o
Voldemort, não me apercebi das
doze badaladas e, quando olhei
para o relógio preparada para o
sacrifício das passas de uva,
percebi que levava mais de vinte
minutos de atraso.
O ano começou realmente mal,
sabem? E logo ao terceiro dia, o
mundo temeu o pior. Na sequência
de uma tensão crescente entre Irão
e Estados Unidos, estes últimos
ordenaram um ataque que acabou
por matar o comandante de uma
das principais forças de elite
iranianas. Sabem, meus queridos,
22
A esperança antes do medo
a avó não percebe nada de política
internacional, mas ver os iranianos
nas ruas a pedir vingança enquanto
os Estados Unidos da América
eram liderados por Donald Trump,
foi assustador até mesmo para uma
enfermeira a viver numa aldeia no
Alentejo profundo.
Foi também no início do ano em
que o mundo soube das primeiras
mortes pelo novo coronavírus, na
China. O problema é que a
distância nos deu uma falsa
sensação de segurança, achámos
que este era um problema só
“deles” e seguimos com a nossa
vida sem nos prepararmos para o
que aí vinha. E enquanto
chorávamos a morte e o
deslocamento de mais de três mil
milhões de animais nos gigantescos
incêndios Çorestais australianos, o
novo coronavírus foi-se
aproximando. Em Março, o
epicentro da doença estava na
Europa, em Itália.
E
foi quando aqui, em
Portugal, nos
começámos a
preocupar a sério.
Agora, a parte que
nenhum professor de
História vos saberá explicar, é por
que raio a preocupação do nosso
povo se traduziu num
açambarcamento sem precedentes
de papel higiénico. Não se riam, a
avó jura-vos que isto foi verdade.
Carrinhos com centenas de rolos
de papel higiénico e gente na ânsia
desenfreada de chegar ao último
rolo disponível. Já durante o
conÆnamento, o fenómeno
deslocou-se das prateleiras da
higiene pessoal para as da
pastelaria, e tudo o que eram
farinhas e fermentos desapareceu
para, depois, se transformar em
pães reluzentes nos Instagrams
desta vida. Foi como se a
pandemia tivesse soltado o
padeiro que todos temos cá
dentro. Outra coisa que a
pandemia trouxe, e que deixou a
avó presa entre a incredulidade e a
náusea, foi uma invasão de
arco-íris e de gente a repetir o
Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 3
23
Estar bem Crónica
Entre netos O que fazes
e avós pelo teu país?
A opinião publicada no jornal respeita a norma ortográfica escolhida pelos autores
chavão “vai Æcar tudo bem”.
Tanto faz Durante semanas senti que o
não é resposta planeta estava a ser controlado por
unicórnios coligados com a fada
Carmen Garcia dos dentes. É que não era preciso
ser genial para perceber que não ia
nada Æcar tudo bem. Um pouco
por todo o mundo, os mortos eram
tantos que os caixões eram
transportados em camiões do
Exército, os hospitais cheios
tinham de escolher quem era
ventilado e quem seguia para
paliação, o comércio, de portas
fechadas, dava os primeiros sinais
de alerta, o turismo e a restauração
agonizavam num prenúncio da
crise que estava para chegar, mas,
mesmo assim, a hashtag
Outra coisa que #vaiÆcartudobem era repetida até
ao expoente máximo da falta de
a pandemia noção. Os meses foram passando
com o mundo conÆnado. À janela
trouxe foi uma batiam-se palmas aos proÆssionais
de saúde e aos trabalhadores
invasão de essenciais. Vizinhos cantavam nas
varandas tentado animar os dias
arco-íris e de
que se sucediam sempre iguais. E
este conÆnamento acabou por
gente a repetir fazer com que o vírus desse uma
trégua e que, devagarinho, numa
coisa a que chamaram o “novo
o chavão “vai normal”, fôssemos recuperando as
nossas vidas que se tornaram
ficar tudo regidas por máscaras, anti-sépticos
cutâneos e distanciamento físico.
bem”. Durante Em Maio, com o calor, as ruas
voltaram a ter vida. E muita dessa
algumas vida fez-se ouvir quando gritou em
uníssono que “black lives matter”
semanas senti depois da horrível morte de George
Floyd às mãos de um polícia. E por
mesmo que o falar em mortes, este ano levou-nos
duas lendas do desporto (Kobe
planeta estava Bryant e Maradona) e foi arrasador
para a literatura. Um annus
a ser horribilis para quem, como a avó,
viaja nos livros. Rubem Fonseca,
controlado por Luís Sepúlveda, Carlos Ruiz
Zafón… Até o Quino da Mafalda da
unicórnios minha infância nos foi roubado.
E numa tarde de Junho, estava a
coligados com avó na sua milésima tentativa de
fazer um Molotof que não Æcasse
com menos de três centímetros de
a fada dos altura, o telemóvel apitou com a
chegada de uma notiÆcação num
dentes grupo de WhatsApp. Uma amiga da
Ficha técnica
Director Manuel Carvalho
Directora de Arte Sónia Matos
Editor Sérgio B. Gomes
Designers Marco Ferreira e Sandra
Silva Email sgomes@publico.pt
avó tinha partilhado uma notícia
que falava sobre uma nuvem de
gafanhotos gigante na Argentina. E
olhem, ainda hoje não sei o que
aconteceu, mas a ideia de uma
praga num ano tão terrível fez-me
começar a gargalhar de uma
maneira incontrolável. Pelo menos
até começar a chorar. E depois
chorei, chorei… Chorei um rio e
percebi que estava cansada. O
Molotof Æcou tão mau como
sempre e acabou no lixo.
C
om o Ænal do Verão e
dos caracóis nas
esplanadas, bastante
reduzidas na sua
lotação, a covid-19
voltou em força. O
Outono trouxe as folhas secas e um
brutal aumento nos números de
infectados, de internados e de
mortos. O Serviço Nacional de
Saúde, que espero que vocês ainda
conheçam, sofreu mais pressão do
que nunca, com o número de
“doentes covid-19” nas unidades
de cuidados intensivos a
ultrapassar os 500. E sabem o que
é mais assustador? Não sabermos
o que aí vem.
Meus queridos netos, não vos
escrevo estas palavras com a
sabedoria da idade porque tenho
34 anos neste momento em que só
vos imagino. Mas se me permitem
um conselho, nunca percam a
esperança. O ano que aí vem pode
vir a ser tão ou mais difícil do que
este que agora termina. Mas a avó
escolhe a esperança antes do
medo. E nesta passagem de ano
ninguém me vai apanhar
desprevenida. Estarei concentrada
na contagem, sincronizada com
um qualquer canal de televisão
generalista, com as doze passas à
espera da meia-noite. Talvez até
siga os conselhos da vossa bisavó e
use roupa interior azul. E em cada
passa colocarei um desejo. Um
deles será poder um dia
entregar-vos esta carta em mãos e
dizer que tinha razão, que no Ænal
venceu a esperança.
Enfermeira
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4 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

“Construímos uma sociedade baseada em
ciência e tecnologia, na qual ninguém entende
nada de ciência e tecnologia. E essa mistura
explosiva de ignorância e poder, mais cedo ou
mais tarde, irá explodir-nos na cara.”
Carl Sagan, em 1996
a Æcção frequentemente sugere, com a sua
profusão de cientistas loucos e perigosos, a
ciência não é produzida por despenteados
isolados em caves. A ciência é feita por uma
comunidade em contacto estreito.
A Revolução CientíÆca — o surgimento da
ciência moderna nos séculos XVI e XVII —
O processo cientíÆco é esta conversa entre
cientistas. A ciência não se baseia em não
cometer erros, mas sim em encontrá-los e
corrigi-los. É um processo que pode falhar —
e falha. Mas é suÆcientemente robusto para
que, se um número razoável de grupos
independentes se dedicar a investigar um
relação ao carácter colectivo e incremental
da ciência. Todo o conhecimento cientíÆco
está sujeito a revisão face a novas provas.
Isso é aproveitado por muitos para
relativizar a ciência. Mas convém dizer que
nem todo o conhecimento está em pé de
igualdade. Podemos ter nos dias de hoje

O
ano 2020 foi um ano em
que a ciência ganhou
protagonismo e
reconhecimento
acrescidos, que também
expuseram os profundos
distanciamento e
incompreensão social da
ciência. O problema dessa incompreensão
não é tanto técnico — poucas pessoas,
incluindo muitos cientistas, estarão em
condições de compreender cabalmente as
ideias da genética, virologia, bioquímica e
medicina que concorrem para o
entendimento da covid-19. O problema
reside sobretudo na incompreensão
conceptual, profunda e estrutural, do que é
a ciência, designadamente da natureza do
processo cientíÆco.
A ciência não é só um corpo de
conhecimento. É também, e acima de tudo,
o método para o obter, ou seja, o modo
como se acrescenta novo conhecimento ao
que já existe. O processo cientíÆco depende
da interacção, tanto colaborativa como
competitiva, entre cientistas. Não há ciência
sem comunicação, que, numa primeira
instância, é entre pares. Ao contrário do que
só foi possível após a invenção da prensa
tipográÆca por volta de 1450, que permitiu a
circulação de milhões de livros pela Europa
nos séculos seguintes. No mundo dos
manuscritos, laboriosamente reproduzidos
um de cada vez, não era possível uma
conversa entre cientistas.
Com a prensa tipográÆca e com a
tecnologia de reprodução de gravuras (as
ilustrações copiadas à mão eram
praticamente inúteis como meio de
transmissão de conhecimento), muitas
pessoas na Europa passaram a ter acesso aos
dados, à sua racionalização e às conclusões
propostas. Essa comunidade de especialistas
com uma base de conhecimento comum
começou a escrutinar os trabalhos
publicados, a apontar erros, a propor
interpretações alternativas e a continuar o
caminho onde outros tinham parado.
Publicaram-se livros que são compilações de
erros, como, por exemplo, Erreurs
Populaires, uma obra do médico francês
Laurent Joubert saída em 1578. O
Dictionanaire Historique et Critique, do
Ælósofo e escritor francês Pierre Bayle, um
texto do Iluminismo, visava, na sua origem,
ser um mero compêndio de erros.
assunto, se obtenha um conhecimento cada
vez maior e mais consistente acerca desse
assunto. O processo cientíÆco, largamente
incompreendido por quase todas as pessoas
no planeta, assenta neste diálogo
continuado. Há uma aceitação tácita da
ciência, mas que não é verdadeira, pois ela
não corresponde à compreensão do
processo cientíÆco, que a maioria
desconhece. Com a covid-19, a ciência saltou
para a ribalta, mas com um efeito de
estranhamento, patente na sua
incompreensão generalizada e na
desconÆança de muitos.
O dramaturgo alemão Bertolt Brecht
teorizou sobre o “efeito de estranhamento”,
também apelidado “de distanciamento”, um
estilo de encenação que visa tornar claro ao
espectador que a representação teatral é
uma ilusão e que está perante uma obra de
arte. No caso do “teatro da ciência”, o
estranhamento diz respeito a aspectos
decisivos e bem reais das nossas vidas.
A mistura explosiva de ignorância e poder,
a que o astrofísico e exímio divulgador
cientíÆco norte-americano Carl Sagan aludiu
em 1996, está-nos hoje, de facto, a explodir
na cara. Um exemplo é a incompreensão em
dúvidas legítimas sobre as sequelas de longo
prazo da covid-19, mas estamos bastante
certos quanto à forma da Terra.
Não há ciência sem a referida conversa
entre cientistas. Mas o papel da ciência no
mundo depende da sua divulgação numa
audiência mais ampla. Galileu escreveu em
1632 o seu Diálogo sobre os Dois Maiores
Sistemas do Mundo, uma discussão em defesa
do sistema helicocêntrico, em italiano e
numa linguagem acessível a não
especialistas. O sábio quis que as pessoas
comuns compreendessem como funcionava
o sistema solar. A obra de Galileu é
simultaneamente um meio de comunicação
entre pares e um livro de divulgação
cientíÆca. O sábio italiano não foi só um
grande cientista, mas também um grande
divulgador, como enfatiza Brecht na sua
peça A Vida de Galileu. Mas essa
sobreposição é singular. Habitualmente, o
conhecimento só é comunicado ao público
quando se encontra numa fase
razoavelmente amadurecida. É que
acontece, por exemplo, com a ciência das
alterações climáticas, não havendo há várias
décadas qualquer controvérsia
verdadeiramente cientíÆca acerca dos c

A ciência entre a ribalta

e o estranhamento

Ensaio A ciência subiu ao palco e, tal como acontece num espectáculo,

ficou bem à vista de todos, mas a alguma distância. A incompreensão
pública do processo científico e a descontinuidade entre as ciências
naturais e o resto dos saberes criam equívocos e desconfiança. Em 2020,
com a covid-19, tudo isto foi particularmente visível
Por David Marçal
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Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 5

IMAGNO/GETTY IMAGES

A força de Hygieia
Ao lado, pormenor
da pintura de tecto
Medicina (1901), de
Gustav Klimt, onde a
deusa grega
Hygieia, uma das
filhas do deus da
medicina e da cura,
Esculápio, assume
protagonismo.
Hygieia era a deusa/
personificação da
saúde, limpeza e
higiene, palavras
muito repetidas ao
longo deste ano
pandémico
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6 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

seus factos fundamentais.
Um dos problemas da representação da
ciência é o de ela ser divulgada apenas pelos
seus resultados, em particular pelos
artefactos tecnológicos que origina. Visíveis
no espaço público são os resultados da
ciência, sendo invisível o processo para os
obter. É obliterado, por exemplo, o papel da
sorte, que foi essencial para a descoberta da
penicilina, pelo médico escocês Alexander
Fleming em 1927. Também no caso da vacina
para a covid-19 da Universidade de Oxford e
da empresa AstraZeneca, a sorte teve um
papel determinante. Por causa de um erro
no cálculo da concentração da vacina, com
origem em diferentes métodos de fazer essa
quantiÆcação, por parte dos cientistas de
Oxford e de um fornecedor italiano, alguns
voluntários do ensaio clínico tomaram “meia
dose” da primeira toma da vacina. Veio a
revelar-se que, no grupo que tomou as duas
doses inteiras, a eÆcácia da vacina foi de
62%, ao passo que no grupo da meia dose a
eÆcácia foi de 90%. É certo que a sorte tem
um papel, mas o químico francês Louis
Pasteur tinha avisado no século XIX que não
bastava: “Nos campos da observação, o
acaso favorece apenas a mente preparada.”
A ciência é habitualmente representada
como uma espécie de caixa negra de onde
saem conclusões mirabolantes. Mas, dadas
as elevadas expectativas da sociedade, a
pandemia de covid-19 obrigou os cientistas a
comunicar a ciência em
directo. Não tinham coelhos para tirar de
uma cartola. Tiveram de abrir a caixa negra
aos olhos do público: os avanços, os recuos,
os becos sem saída e até o papel da sorte. E
essa abertura da caixa esbarrou na profunda
e estrutural incompreensão do processo
cientíÆco por parte do público.
PCR7
Cristiano Ronaldo à varanda do seu quarto
na “Cidade do Futebol”, em Caxias, nos
arredores de Lisboa, assinala com o polegar
que está tudo bem. CR7 andava a braços (ou
melhor, a exsudados nasofaríngeos) com o
PCR. Tinha tido resultado positivo num teste
de PCR à covid-19. Semanas depois, no
Twitter, e impaciente com a persistência dos
resultados positivos, comprovando a
presença do vírus, haveria de desabafar:
“PCR is bullshit”, ou seja, o PCR é uma treta.
CR7 estava a opinar acerca da técnica que
valeu o Prémio Nobel da Química ao
bioquímico norte-americano Kary Mullis em
1993. Os testes de PCR bem podiam
chamar-se PCR7, pois são os melhores do
mundo naquilo que fazem. E até falham
muito menos diagnósticos do que CR7 falha
golos.
PCR são as iniciais de Polymerase Chain
Reaction, em português “reacção em cadeia
da polimerase”. A polimerase é uma
pequena máquina biológica que faz cópias
de ADN, o material genético que contém a
informação para construir seres vivos. A
técnica assegura que apenas é copiada uma
parte muito especíÆca, caso ela exista.
Vamos imaginar que, quando enÆamos uma
zaragatoa pelo nariz abaixo, retiramos de lá
páginas e páginas cheias de palavras e que o
vírus que causa a covid-19 tem no seu
material genético a palavra “estrambólico” (e
sabemos isso porque conhecemos a
sequência genética do vírus). O que um teste
de PCR faz é “fotocopiar” a palavra
estrambólico vezes sem conta, caso ela se
encontre no emaranhado de páginas
raspadas do exsudado nasofaríngeo de um
indivíduo. E apenas nesse caso. E consegue
fazê-lo de uma forma muito selectiva, pois
sabe qual é o início e Ænal da palavra
“estrambólico” (através de sequências
artiÆciais de letras que são introduzidas na
reacção). Caso a palavra não exista, não
fotocopia nada. E tira partido de um muito
engenhoso ciclo de aquecimentos e
arrefecimentos, repetido umas dezenas de
vezes, para “fotocopiar” incontáveis vezes a
palavra “estrambólico”. No Ænal, se
encontrarmos um caixote cheio de
“estrambólico”, é porque o material genético
do vírus estava mesmo presente na amostra.
A sigla PCR entrou no léxico dos
portugueses. Tal como CR7, especialistas de
outras áreas sentiram-se tão familiarizados
com estas três letras que se acharam
habilitados para dar opinião sobre elas. Com
o cancelamento dos jogos de futebol, os
comentadores desportivos Æcaram
subitamente sem assunto e no seu lugar
apareceram alguns “treinadores de
bancada” da pandemia.
Nas semanas após o surgimento dos
primeiros casos de covid-19 em Portugal
assistimos a uma profusão de obras
“excelianas” (com base no programa
informático Excel) sobre a epidemia que não
eram necessariamente excelentes. Eram por
vezes feitas por curiosos, que procuravam
prever o número de casos dos dias seguintes,
com base no crescimento de casos
conÆrmados nos dias anteriores. Há uma
probabilidade razoável de assim se obter um
valor aproximado ao que irá efectivamente
veriÆcar-se amanhã, mas as previsões a uma
semana ou duas são bem mais incertas. A

Os testes de PCR bem podiam chamar-se PCR7, pois

são os melhores do mundo naquilo que fazem
DIOGO PINTO/FPF
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epidemiologia não é uma ciência para
amadores, embora as suas previsões sejam
inegavelmente de interesse para todos.
“Pela verdade”?
Em 1995, McArthur Wheeler assaltou dois
bancos na cidade de Pittsburgh, nos Estados
Unidos, à luz do dia e sem fazer qualquer
tentativa para se disfarçar de modo a não ser
reconhecido. Foi preso menos de uma hora
depois de as imagens das câmaras de
vigilância terem sido divulgadas nos
noticiários televisivos. Quando a polícia lhe
mostrou as gravações, Wheeler revelou-se
incrédulo e murmurou: “Mas eu pus o
sumo.” Aparentemente, o senhor Wheeler
estava convencido de que esfregar a cara
com sumo de limão o tornava invisível para
as câmaras de vídeo.
Esta história é contada, à laia de
introdução, num artigo dos psicólogos
norte-americanos Justin Kruger e David
Dunning publicado em 2009 na revista
cientíÆca Journal of Personality and Social
Psychology. Os dois investigadores pediram a
vários voluntários para realizarem testes que
avaliavam a sua competência em diversos
domínios, tais como a gramática e a lógica.
Foi-lhes ainda requerido que tentassem
estimar a classiÆcação que contavam obter
em cada um dos testes. Aqueles que
obtinham piores classiÆcações foram
precisamente os que mais sobrestimavam os
seus resultados. Quando as pessoas são
demasiado incompetentes, não conseguem
sequer reconhecer a sua própria
incompetência. Ou, por outras palavras, a
ignorância é muito atrevida. Tal
enviesamento cognitivo é conhecido como
efeito Dunning-Kruger.
Muitas teorias emergentes a propósito da
covid-19 ilustram tragicamente o efeito
Dunning-Kruger. A ideia de que o
SARS-CoV-2 surgiu por causa da tecnologia
5G de comunicações móveis sem Æos é
absurda, mas circulou graças a gente que
nela acreditava piamente. Ou uma outra
ideia, defendida até por gente respeitável,
segundo a qual seria possível atingir a
imunidade de grupo sem uma vacina, o que
não tem fundamento nem precedentes,
também circulou. Que o vírus não existe e
ninguém morre de covid-19, tudo não
passando de uma artimanha de Bill Gates
para nos implantar um microchip através das
vacinas e controlar-nos como quem joga
Xbox. Estas conjecturas são propaladas por
quem claramente sobrestima a sua própria
competência.
Os países que têm qualquer declinação da
palavra democracia no seu nome, em geral,
não são democráticos. Os movimentos “pela
verdade” revelaram padecer da mesma sina.
Em Portugal surgiram os médicos “pela
verdade”, como franchising de movimentos
homónimos noutros países. Não são só os
médicos “pela verdade”, mas também os
jornalistas “pela verdade” e até os juristas
“pela verdade”.
Pela especial autoridade da proÆssão
médica, atentemos nos médicos “pela
verdade”, um grupo de médicos de várias
especialidades, como a anestesiologia,
neurorradiologia, medicina do trabalho,
ortopedia, medicina dentária, etc., e de
psicólogos. No seu manifesto, entre outras
coisas, defendem que o “teste RT-PCR, que
não foi de modo algum criado para fazer este
tipo de diagnóstico [de covid-19], leva a um
elevado número de falsos positivos, o que
Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 7
FACEBOOK “MÉDICOS PELA VERDADE”
Verdade e mentira
Ao lado, manifestação em Lisboa
no dia 29 de Agosto do
movimento negacionista da
covid-19 Verdade Inconveniente,
no qual participaram médicos do
grupo Médicos pela Verdade,
que, entre outras coisas, defende
o fim do uso obrigatório de
máscaras; no meio, ensaio da
peça Fake, que esteve em cena no
Teatro Nacional D. Maria II; em
baixo, habitante de Nowra,
Austrália, durante os grandes
incêndios naquele país, no início
deste ano
PEDRO MACEDO/TEATRO NACIONAL D. MARIA II
está de acordo com a elevadíssima
percentagem de casos assintomáticos”. Para
estes proÆssionais de saúde, há, portanto,
uma pandemia de falsos positivos. AÆrmam
ainda que as máscaras faciais “são altamente
nocivas, podendo levar a diversos sintomas
de hipercapnia [aumento da concentração
de dióxido de carbono no sangue], desde os
mais ligeiros, cansaço, sonolência, náuseas,
até perda súbita de consciência e convulsões
se houver uma predisposição epiléptica”.
Não é aqui o sítio adequado para rebater em
pormenor estes dois absurdos. Acima já
aludi aos testes de PCR. E, se o segundo
absurdo fosse verdade, os cirurgiões
estariam constantemente envenenados com
dióxido de carbono. Também, de acordo
com um estudo publicado na prestigiada
revista JAMA (Journal of the American Medical
Association), realizado com uma pequena
amostra de pessoas idosas, o uso de máscara
facial não baixa os níveis de oxigénio no
sangue. É a ciência a responder em directo
TRACEY NEARMY/REUTERS às redes sociais...
Os conselhos dados por médicos no
espaço público são, de facto, uma forma de
medicina. Subscrevo a posição recentemente
defendida pelo psiquiatra Richard A.
Friedman num artigo de opinião publicado
no New York Times: se nas suas intervenções
públicas os médicos violam os padrões
aceites para a prática da medicina, devem
ser responsabilizados. Não se trata de uma
questão de liberdade de expressão. Trata-se
da usurpação do prestígio da proÆssão numa
tentativa de credibilizar disparates. E isso é
grave, pois tem sérias implicações na saúde
pública.
Fake
Contava assistir à estreia do espectáculo
Fake, criado pela companhia Formiga
Atómica, acerca das tensões entre a
verdade e a mentira, a informação e
desinformação, que deveria ter estreado a
19 de Março no Teatro Nacional D. c
Os negacionistas da covid-19 e das
alterações climáticas não têm
fundamento científico que os apoie
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8 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020
Maria II, em Lisboa. Mas aÆnal era uma
ilusão, não se estreou, face à eclosão da
epidemia. O mesmo aconteceu com
espectáculos anunciados para teatros e
salas de concerto por todo o país. A cultura
foi uma das maiores vítimas da crise
sanitária.
Quando Ænalmente assisti ao Fake, no dia
10 de Dezembro às sete da tarde, com as
cadeiras ao meu lado bloqueadas de modo
que ninguém se sentasse nelas, percebi como
a pandemia tinha tornado o espectáculo
ainda mais actual. No Fake, os espectadores
são confrontados com uma falsiÆcação da
realidade que é feita usando câmaras de
televisão. Claro que todos sabemos que isso
acontece no dia-a-dia. Mas vê-lo a ser feito à
nossa frente, em directo, debaixo dos nossos
mascarados narizes, é epifânico.
Lembrei-me de um vídeo que circulou
pelas redes sociais no qual Kary Mullis, o
inventor do PCR, dizia que o PCR não servia
para diagnosticar a covid-19. Tudo muito
certo, excepto o facto de Kary Mullis ter
morrido em Agosto de 2019, vários meses
antes de ter sido realizado o primeiro teste
de PCR para diagnosticar a covid-19. E
mesmo que o vídeo fosse verdadeiro, isso
pouco importava. A ciência baseia-se em
provas e não na autoridade de ninguém.
Depois da brilhante ideia para a técnica do
PCR, que teve no decurso da sua carreira
cientíÆca, Mullis abraçou uma variedade de
convicções pseudocientíÆcas, tornando-se
um negacionista das alterações climáticas e
do facto de o vírus HIV causar a sida,
chegando até a mostrar-se crente na
astrologia. Não é o primeiro Nobel a abraçar
convicções pseudocientíÆcas, fenómeno que
talvez represente a mais exclusiva
manifestação do efeito Dunning-Kruger. Mas
isso não descredibiliza a boa ciência feita por
Mullis, extensamente conÆrmada por outros
cientistas.
A covid-19 apanhou-nos num momento
em que todas as ferramentas de
desinformação de massas, com a ajuda das
redes sociais, estavam em pleno estado de
maturidade, bem testadas e com provas
dadas. Elas tiveram papel de relevo na
eleição de Trump e no “Brexit”, por
exemplo.
À pandemia veio-se juntar uma
“infodemia”. Como eu e Carlos Fiolhais
contamos no nosso recente livro Apanhados
pelo Vírus (Gradiva, 2020), essa palavra
surgiu em 2003, tendo sido pela primeira
vez usada pelo cientista político
norte-americano David J. Rothkopf num
artigo que escreveu para o Washington Post
na esteira da epidemia da SARS: “O que
quero dizer exactamente com ‘infodemia’?
Alguns factos, misturados com medo,
especulação e boatos, ampliÆcados e
retransmitidos rapidamente em todo o
mundo pelas modernas tecnologias da
informação, afectaram as economias
nacionais e internacionais, a política e até a
segurança de maneiras totalmente
desproporcionais às realidades básicas. É um
fenómeno que vimos com maior frequência
nos últimos anos — não apenas na nossa
reacção à SARS, por exemplo, mas também
na nossa resposta ao terrorismo e até mesmo
a ocorrências relativamente menores, como
avistamentos de tubarões.”
Segundo uma análise da Reuters,
divulgada em Abril, a desinformação
relacionada com a covid-19 envolve várias
formas de reconÆguração. A maioria das
notícias falsas (59%) baseia-se em informação
verdadeira que é recontextualizada e
distorcida. Apenas uma pequena parte é
completamente inventada. A grande maioria
das notícias falsas tem origem em pessoas
anónimas, mas estas têm um alcance muito
limitado. São as poucas fake news originadas
por políticos e celebridades que chegam
muito longe nas redes sociais. A análise da
Reuters refere também que os “fact-checkers”
souberam responder, tendo-se multiplicado
por nove entre Janeiro e Março os sites que
veriÆcam factos.
Um dos anos mais quentes
O ano começou com a Austrália a arder. A
vaga de fogos iniciada em 2019 foi a pior das
últimas décadas na Austrália. No Ænal de
Janeiro, o balanço seria de 11,2 milhões de
hectares ardidos. Em Julho, incêndios
Çorestais de grandes proporções nos Estados
Unidos atingiram os estados da Califórnia,
Oregon e Washington. Em Setembro,
assistimos a novas ignições na Costa Oeste. O
ano 2020 está taco a taco com 2016 na
conquista do título do ano mais quente de
que há registo.
O clima está inegavelmente a mudar.
Prevê-se que o aquecimento seja maior na
Europa do que a média global e no Sul da
Europa ainda maior. Portugal irá ser
particularmente atingido. Não se sabe
exactamente qual será o aumento médio da
temperatura (que deverá ser mais
pronunciado no Verão) e do nível do mar
(que irá prejudicar alguns locais costeiros)
ou como Æcará a distribuição da precipitação
ao longo do ano (esperam-se maiores
períodos de seca). Há vários cenários, que
dependem das medidas que forem
adoptadas para reduzir as emissões de gases
com efeito de estufa, responsáveis pelo
aquecimento global. Mesmo com essas
medidas, enunciadas no Acordo de Paris,
uma parte do aquecimento já é inevitável.
Quando Greta Thunberg nasceu, em 2003,
já há muito que o consenso cientíÆco à volta
das alterações climáticas era avassalador.
O vírus do racismo
Em baixo, Pierre-Achille Webo,
adjunto do Basaksehir, que
acusou o quarto árbitro de se ter
referido a ele como “negro”; ao
lado, caixas com a vacina da
Pfizer-BioNTech contra a covid-19
Desde 1990 que o Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla
inglesa) das Nações Unidas tem publicado
relatórios que se baseiam em toda a
literatura cientíÆca publicada acerca de
alterações climáticas. O sexto relatório está
previsto para 2021.
Em 2004, a historiadora de ciência
norte-americana Naomi Oreskes publicou
um estudo pioneiro que quantiÆcava o
consenso cientíÆco acerca das alterações
climáticas: em 923 artigos cientíÆcos sobre
alterações climáticas publicados entre 1993 e
2003, zero eram contrários à aÆrmação “o
clima da Terra está a ser afectado pelas
actividades humanas”. Revisões da literatura
cientíÆca, uma após a outra, têm conÆrmado
este consenso cientíÆco. Há décadas que a
controvérsia social não tem qualquer
correspondência no plano cientíÆco. Se
Greta induziu uma epifania global,
especialmente entre os jovens, acerca do que
já era óbvio antes de ela nascer, noutros
temas de base cientíÆca persistem
controvérsias sem qualquer sentido. Os
negacionistas da covid-19, tal como os das
alterações climáticas, não têm qualquer
fundamento cientíÆco que os apoie.
Numa conversa que tive recentemente
com Oreskes, perguntei-lhe se a estratégia de
quantiÆcar o consenso cientíÆco sobre
outras questões, como acerca da segurança
das vacinas, poderia ajudar o público a
entender melhor quando há ou não uma
verdadeira controvérsia cientíÆca. Ela
respondeu que provavelmente ajudaria. Esse
tipo de quantiÆcação poderá ser útil para
muitas pessoas compreenderem melhor o
processo cientíÆco. Que não depende do que
diz nenhum cientista em particular, nem de
um ou outro artigo cientíÆco escolhido a
dedo. Não basta um postal ilustrado para
escolher um destino de férias...
Uma “moda”?
“Não sei o que aconteceu, o que se falou, o
que se disse, mas hoje está muito na moda
isso do racismo”, resumiu Jorge Jesus, o
vencedor em título da Taça Libertadores da
América, quando instado a comentar uma
acusação de racismo no jogo entre o Paris
Sant-Germain e Basaksehir, disputado a 8 de
Dezembro. O camaronês Webó, da equipa
técnica do Basaksehir de Istambul, acusou o
quarto árbitro de se ter referido a ele como
“o negro”. Na sequência do incidente todos
IAN LANGSDON/EPA
os atletas abandonaram o campo. Também a
16 de Fevereiro, o maliano Marega, do
Futebol Clube do Porto, foi alvo de insultos
racistas, num jogo em Guimarães, tendo
abandonado o jogo. Marega foi alvo de um
processo disciplinar pela Federação
Portuguesa de Futebol, por ter criticado os
árbitros pela sua passividade em relação ao
racismo, mas acabou por ser absolvido.
Em 2020, o racismo esteve em foco. A 25
de Maio, George Floyd, cidadão negro, foi
assassinado pela polícia em Mineápolis, no
Estados Unidos. Seguiram-se manifestações
e confrontos em várias cidades, tendo o
movimento Black Lives Matter ganho uma
escala global. No dia 1 de Setembro outro
negro foi morto a tiro pela polícia de Los
Angeles, acendendo novos protestos.
O racismo é uma questão que se cruza
com a ciência. Não há raças humanas, pois o
conceito de raça implica uma
homogeneidade populacional de longo
prazo, que pura e simplesmente não existe.
Sabemos isso graças à genética populacional.
A história das populações é de grandes
misturas e migrações — a maioria das
populações actuais não descende
exclusivamente das pessoas que viviam nos
mesmos locais há 10.000 anos. Somos todos
o resultado de misturas, na maior parte
ocorridas nos últimos 5000 anos.
A genética populacional trouxe-nos o
conceito de agrupamentos populacionais.
Não, não é um eufemismo para raças, pois
não apoia uma homogeneidade de longo
prazo dos vários agrupamentos. Essa ideia é
útil do ponto de vista médico, pois há
doenças que são mais prevalentes em certas
populações do que noutras. Mas há quem
receie que os estudos de genética
populacional possam contribuir para
reabilitar ideias racistas. O receio
compreende-se, pois, mesmo não havendo
raças humanas, há certamente racismo. É
necessário um diálogo entre vários saberes,
os da biologia, das ciências sociais e das
humanidades, para que possamos tirar
partido dos conhecimentos de genética
populacional sem com isso abrir espaço a
aproveitamentos indevidos para reabilitar
ideias racistas.
O melhor de 2020
No ano passado, por esta altura, os
astrólogos previam na televisão que 2020
seria um ano bestial. Uma compilação dessas
patéticas previsões foi apresentada pelo
humorista Ricardo Araújo Pereira, no seu
programa da SIC Isto É Gozar com Quem
Trabalha. Nenhuma astróloga previu as
vacinas contra a covid-19. Nem sequer a
covid-19, claro! Quem goza realmente com
quem trabalha são, obviamente, os
astrólogos.
As vacinas para a covid-19 são um marco
extraordinário. Pelo tempo recorde em que
foram desenvolvidas, o que só foi possível
graças aos extraordinários recursos nelas
investidos, e pelo uso de conhecimento e
tecnologias preexistentes. Algumas são
vacinas inovadoras, que se baseiam em
conhecimento muito avançado acerca da
forma como funcionam os seres vivos.
A primeira vacina de material genético
aprovada para uso humano foi a da PÆzer
para a covid-19, autorizada no Reino Unido a
3 de Dezembro. Estas vacinas induzem as
nossas células a produzirem uma proteína
do vírus, que é reconhecida pelo nosso
sistema imunitário, que desencadeia uma
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Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 9

GETTY IMAGES

A discussão acerca da covid-19 e das vacinas corre o

risco de derivar para uma espécie de debate tóxico
resposta. Os vírus fazem o mesmo quando
nos infectam, com a diferença que colocam
as nossas células a produzirem vírus inteiros
e não apenas uma proteína. Esta alteração
nas nossas células não signiÆca de modo
algum uma mutação genética. É o tipo de
coisa que nos acontece sempre que
apanhamos uma constipação, mas muito
mais limitada, pois apenas é produzida uma
proteína e não o vírus inteiro.
As vacinas foram testadas e continuarão —
como acontece com qualquer medicamento
— a ser vigiadas pelas autoridades que
regulam o uso de medicamentos, à medida
que são administradas a milhões de pessoas.
Essa vigilância, registando as eventuais
reacções adversas que forem encontradas, é
uma das razões pelas quais podemos conÆar
na medicina baseada na ciência. Ao contrário
do que acontece com as terapias alternativas,
tais como a homeopatia ou a acupunctura,
que não têm de apresentar nenhuma prova
de eÆcácia e segurança para estarem no
mercado. Se as vacinas para a covid-19
fossem terapias alternativas, escusávamo-nos
de nos incomodar com ensaios clínicos e
com vigilância epidemiológica. Todos os
casos adversos Æcariam envoltos numa
bruma de onde emergiriam os habituais
gurus, garantindo que a magia funciona,
usando aqui e ali uma ou outra palavra do
jargão cientíÆco para parecer bem.
Nenhuma vacina é 100% eÆcaz. E todos os
tratamentos médicos têm riscos. A medicina
baseada na ciência consiste nessa avaliação
muito rigorosa dos riscos e benefícios. Face à
incompreensão generalizada do processo
cientíÆco, o debate público acerca da
covid-19, e das vacinas em particular, corre o
risco de derivar para uma espécie de debate
tóxico, ao estilo do futebol, em que cada
lance é discutido tendenciosamente,
segundo convicções predeÆnidas.
A ciência não é uma ilha
A ciência deve dialogar com outros saberes,
mas isto não signiÆca que faça sentido uma
conversa de igual para igual entre
especialistas e curiosos com demasiado
tempo livre e acesso à Internet. Os cientistas
devem dialogar com as comunidades nas
quais os resultados da sua investigação serão
aplicados, pois essas comunidades terão
saberes que os investigadores desconhecem.
Devem dialogar com o poder político, com
papéis claramente demarcados (não se deve
confundir a motivação política e a
fundamentação cientíÆca, embora ambas
façam legitimamente parte da nossa vida em
comum). A ciência deve dialogar com a ética,
um ramo da ÆlosoÆa, pois, parafraseando
Peter Parker, o Homem-Aranha, “com
grandes poderes vêm grandes
responsabilidades”.
Também os vários saberes cientíÆcos
devem dialogar entre si. Não faz sentido a
persistente clivagem entre a cultura das
ciências exactas e naturais e a cultura das
humanidades, tão bem descrita pelo
cientista e escritor britânico C.P. Snow, em
1959, no seu discurso sobre “As Duas
Culturas”, proferido na Universidade de
Cambridge. Snow aÆrmou que a
incompreensão mútua entre a cultura dos
cientistas e a dos “intelectuais literários”
tinha consequências danosas na perspectiva
do uso da tecnologia para aliviar os
problemas do mundo. Esse problema,
passados 60 anos, persiste.
A resposta ao problema da incompreensão
da ciência e do processo cientíÆco terá de
passar pelo diálogo da ciência e da
tecnologia que ela origina com outras áreas
do saber. Não em pé de igualdade no que
respeita à discussão cientíÆco-técnica (para
isso há especialistas), mas numa relação de
diálogo com outros saberes que devem ser
valorizados pelos cientistas. A ciência está
longe de ser a única dimensão humana.
A ciência não deve continuar a ser
representada no espaço público quase
exclusivamente pelos seus resultados. Tem
de se envolver o público no processo
cientíÆco — as pessoas têm vantagem em
saber como se acrescenta novo
conhecimento ao que já existe, o que hoje
claramente não acontece. Isso implica
aumentar a transparência, comunicar a
incerteza e assumir o papel da sorte. Dito de
um modo mais geral, signiÆca humanizar a
ciência, que é feita por seres humanos, que
podem falhar. Errar é humano. Mas persistir
no erro é diabólico, como já se dizia na
antiga Roma. É a robustez do processo
cientíÆco, praticado por uma comunidade
global, que nos permite não persistir no erro.
Para que a ciência e a tecnologia sejam
compreendidas, é necessário um diálogo
abrangente de saberes. É necessária uma
cultura, da qual a ciência faça parte. É
preciso quebrar o estranhamento que a
ciência causa e abraçá-la na nossa cultura,
ansiando por uma continuidade e comunhão
de conhecimento. A cultura é o cimento da
humanidade e tanto a ciência como outros
saberes devem coligar-se em favor do nosso
bem-estar.
Bioquímico e comunicador de ciência
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10 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

A chegada de uma pandemia ensombrou o virar da década e fez com que

o mundo enfrentasse um período negro. Mas também houve uns
vislumbres de luz: no mesmo ano em que ouvimos falar pela primeira vez
do SARS-CoV-2, desenvolveu-se uma vacina em tempo recorde. Foi um
ano de conquistas no desporto português e um ano de intensa produção
cientíÄca. O P2 seleccionou dez momentos positivos de 2020

2020
Por Claudia Carvalho Silva

Dez
razões
para
que

não seja
O
s avisos existiam, mas qua- falar pela primeira vez deste coronavírus. 1. A vacina mais rápida da história
se ninguém esperaria que Foi o ano em que Æcou a descoberto a boa
2020 se tornasse o ano em vontade e a generosidade de quem saiu das É uma das boas notícias que vêm agarradas ao
que um pequeno vírus per- suas casas para enfrentar o desconhecido e lado nocivo da pandemia: como a covid-19 é

um ano
correria o mundo e nos ajudar os outros — fosse a trabalhar na linha causada por um vírus que se transmite tão fa-
trocaria as voltas, impedin- da frente ou em serviços essenciais, fosse cilmente e resulta numa doença que pode ser
do-nos de estar próximos para estender as mãos aos vizinhos ou a perigosa e letal, a necessidade de uma vacina
de quem gostamos e de quem sofreu na pele os danos colaterais da para travar a sua propagação foi evidente des-

para
fazermos a nossa vida “normal” — um adjec- pandemia. Houve menos poluição e os cien- de cedo. Muitas vezes foi até encarada como a
tivo gasto pelo desejo de o recuperarmos. tistas alertaram-nos que era assim que deve- solução para a pandemia, ainda que os cien-
Começou por se manifestar na imprevisibili- ria ser sempre. O ano Æcou marcado por tistas tenham reiterado que não será uma cha-
dade de uma pandemia que foi paralisando fenómenos no céu — desde o cometa Neowi- ve milagrosa e que o vírus não desaparecerá

esquecer
as economias de meio mundo, que nos fez se à “estrela de Belém” causada pela aproxi- logo. É importante, sim — mas não uma solução
Æcar fechados em casa para não causar o co- mação de Júpiter e Saturno. Foi um ano de imediata.
lapso dos sistemas de saúde, com cuidados conquistas no desporto português. Foi o ano A vacina da BioNTech/PÆzer foi a primeira
redobrados e com as máscaras e os desinfec- da vitória de Joe Biden. a ser aprovada pela Comissão Europeia, a 21
tantes a serem essenciais, quando Ænalmente Mesmo que tenham existido anos “piores” de Dezembro, e dá luz verde para que a imu-
se pôde sair de casa. Este coronavírus tirou — com guerras, recessões económicas e outras nização comece em simultâneo nos 27 Estados-
(directamente) a vida a mais de 1,6 milhões pandemias —, a maior parte de nós não esta- -membros da União Europeia. Porém, tal não
de pessoas em todo o mundo, mais de 6000 va viva para os testemunhar e, para muitos, signiÆca que nos veremos livres das máscaras,
delas em Portugal. Ao medo do vírus e da dor este foi um ano para esquecer. Numa altura do distanciamento e dos desinfectantes assim
de ver alguém infectado juntou-se outro lado em que ser “negativo” passou a ser algo po- tão cedo, porque não se sabe ainda se pessoas
negro desta pandemia: o desemprego, a an- sitivo, decidimos reunir alguns motivos para infectadas que foram vacinadas poderão trans-
siedade, o isolamento, as teorias da conspi- que 2020 não seja “para esquecer” (por in- mitir o vírus a outras, explicava um dos res-
ração, a pobreza. Houve famílias que se sepa- teiro, pelo menos). Estes dez temas seleccio- ponsáveis da Agência Europeia do Medicamen-
raram para que se pudessem proteger, abra- nados pelo P2 não pretendem ser levianos, to (EMA). Antes da vacina da PÆzer, a candida-
ços que Æcaram por dar. A história é conhecida nem eclipsar o lado negro do que se passou ta russa Sputnik V tinha sido aprovada pelas
e continua a desenrolar-se à nossa frente. em 2020; também não correspondem a uma autoridades do país, mas gerou desconÆança
Foi um ano conturbado. Mas também teve lista exaustiva de tudo o que de positivo acon- na comunidade cientíÆca por ter sido autori-
boas notícias, mesmo que algumas delas se- teceu nos últimos meses. São tão-somente zada antes de serem feitos testes em milhares
jam apenas o reverso dessa realidade mais alguns dos momentos que cunharam um lado de voluntários. À frente na “corrida” estão tam-
negra. Foi o ano em que se desenvolveu a menos negativo de 2020, para nos lembrar bém as vacinas da Universidade de Oxford e
vacina mais rápida da história, um recorde que também existiram coisas boas num ano da Astrazeneca, assim como a da Moderna —
conseguido no mesmo ano em que se ouviu que virou o mundo do avesso. todas com níveis de eÆcácia promissores.
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Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Esta foi uma batalha urgente. “Nunca pro-
gredimos tão depressa com qualquer outro
agente infeccioso”, dizia à revista Nature a vi-
rologista Theodora Hatziioannou, da Univer-
sidade nova-iorquina Rockefeller. Como expli-
cou em Setembro ao PÚBLICO o investigador
Miguel Castanho (cientista no Instituto de Me-
dicina Molecular, em Lisboa), “em média, de-
senvolver uma vacina demora 15 anos e nem
sempre se conseguiu vacina”. “O recorde que
temos até agora é de quatro anos”, recorda.
Era o da vacina da papeira, uma das muitas
desenvolvidas pelo cientista norte-americano
Maurice Hilleman.
A revista Science considerou que o “desen-
volvimento rápido de vacinas eÆcazes” contra
a covid-19 era o grande avanço de 2020. “Nun-
ca antes tantos concorrentes colaboraram de
forma tão aberta e frequente, nunca antes tan-
tos candidatos avançaram para testes de eÆcá-
cia em grande escala, nunca antes governos,
indústria, academia e organizações sem Æns
lucrativos gastaram tanto dinheiro, músculo e
inteligência na mesma doença infecciosa em
tão curto prazo”, escrevia um dos colaborado-
res da revista, Jon Cohen.
Segundo uma lista da Organização Mundial
da Saúde (OMS) actualizada em 17 de Dezem-
bro, são 223 as vacinas experimentais que fo-
ram e que estão a ser desenvolvidas ou testadas
por todo o mundo, 11 delas na última fase dos
ensaios clínicos. Entre elas, são vários os me-
canismos usados para garantir imunidade con-
tra este coronavírus, usando técnicas mais
Levar a pica
As revistas de ciência rejubilam com o
“desenvolvimento rápido de vacinas
eficazes” contra a covid-19. A Science
chamou-lhe o grande avanço de 2020. No
topo, campanha de vacinação contra a
gripe no Missouri, em 1976. Em cima,
fábrica da Órbita, em Águeda; este ano,
Portugal foi o campeão na exportação de
bicicletas
Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 11
SERGIO AZENHA
tradicionais ou outras mais inovadoras. Como
escreve a Nature, foi “um ano extraordinário
para a ciência”.
O Reino Unido começou já o seu programa
de vacinação a 8 de Dezembro e uma britânica
de 90 anos foi a primeira pessoa a receber a
vacina (fora de ensaios clínicos) desenvolvida
pela farmacêutica PÆzer e pela empresa BioN-
Tech; a vacinação contra a covid-19 também já
começou nos EUA e Canadá — e arranca hoje
em Portugal.
BETTMANN/BETTMANN ARCHIVE
2. Portugal tornou-se o maior
produtor europeu de bicicletas
Ainda que o ano não tenha andado sobre rodas,
o mesmo não se pode dizer do negócio das
bicicletas. Em 2020, foi anunciado que Portu-
gal foi o principal produtor de bicicletas da
União Europeia no ano passado: foram 2,7 mi-
lhões de bicicletas que saíram das fábricas por-
tuguesas, praticamente um quarto de toda a
produção nos 27 Estados-membros (ao todo,
foram fabricadas 11,5 milhões), segundo dados
do Eurostat.
Portugal Æcou à frente de Itália — que era
antes o principal produtor de bicicletas —, Ale-
manha, Polónia e Países Baixos. Estes cinco
países foram responsáveis pela produção de
70% de todos os velocípedes fabricados na UE
em 2019. Portugal tinha sido já considerado o
maior exportador de bicicletas da UE em 2016,
mas foi a primeira vez que encabeçou a lista
dos países que mais bicicletas produzem.
3. De olhos no céu
Num ano em que podia custar estar com os
pés em terra, olhar para o céu pode ter sido
uma boa escapatória da pandemia que assolou
o planeta. Não é todos os anos que se pode ver
um cometa, mas 2020 reservava uma agradá-
vel surpresa: o cometa gelado Neowise rasgou
os céus em Julho e pôde ser visto a olho nu,
ainda que de forma ténue — e fotograÆas do
acontecimento não faltaram. Tal como c
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12 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

este coronavírus, foi descoberto este ano. E,

ao contrário do coronavírus, que deverá con-
tinuar presente, só voltará dos conÆns do nos-
so sistema solar para “visitar” a Terra daqui a
uns 6800 anos. Em Julho e Agosto houve tam-
bém chuvas de meteoros a sarapintar as noites
de Verão.
Foi neste ano que os Estados Unidos recor-
reram pela primeira vez a uma empresa priva-
da — a SpaceX, de Elon Musk — para pôr astro-
nautas em órbita, levando-os até à Estação
Espacial Internacional (ISS, que este ano cele-
brou 20 anos de presença humana contínua
no espaço). Esta foi também a primeira vez em
dez anos que um foguetão saiu de solo norte-
-americano rumo à ISS, dispensando as boleias
da Rússia. Os dois astronautas convidados para
a primeira experiência regressaram à Terra
após dois meses em órbita e, em Novembro, a
cápsula Dragon levaria quatro astronautas a
bordo para uma missão oÆcial na estação es-
pacial. A Dragon é o segundo aparelho capaz
de levar humanos para a ISS, depois da cápsu-
la russa Soiuz — utilizada ainda hoje, desde os
tempos de exploração espacial soviética.
Em Outubro, a sonda Osiris-Rex da NASA
conseguiu tocar no asteróide Benu para reco-
lher amostras numa manobra “de toca e foge”
— o contacto foi conÆrmado por sinais de rádio
a cerca de 330 milhões de quilómetros de dis-
tância. “Escrevemos uma página da história”,
reagia Dante Lauretta, chefe da missão. Como
se trata de um asteróide primitivo com cerca
de 500 metros de diâmetro, a sua poeira e areia
na superfície podem dar pistas sobre a origem
do nosso sistema solar há mais de 4500 mi-
lhões de anos.
Também a sonda chinesa Chang’e 5 regressou
à Terra em Dezembro com amostras da super-
fície lunar — foram as primeiras desde a déca-
da de 1970 e a China tornou-se assim o terceiro
país a conseguir amostras lunares, depois dos douradas. Realizado pelo sul-coreano Bong medidas mais agressivas para combater as
Estados Unidos e da União Soviética. A partir Joon-Ho, a longa-metragem põe lado a lado emissões de CO2 e proteger o ambiente. Joe
dos fragmentos recolhidos pelo veículo espa- uma família no limiar na pobreza e outra rica Biden prometeu também que a luta contra a
cial lançado em Novembro, os cientistas pre- e privilegiada, evidenciando de forma negra pandemia de covid-19 seria feita com base na
tendem saber mais sobre a Lua, incluindo a as desigualdades entre classes sociais. Foi a ciência e que acabaria com a proibição de via-
sua idade precisa e aumentar o conhecimento segunda vez que o vencedor da Palma de Ouro gens para facilitar que cientistas estrangeiros
sobre outros astros do nosso sistema solar. A em Cannes recebeu também a estatueta mais e outras pessoas qualiÆcadas possam Æcar per-
missão poderá também ajudar a responder a cobiçada de Hollywood. manentemente nos Estados Unidos. No dia 4
questões sobre o campo magnético da Lua ou Na senda do movimento de 2016, os Óscares de Novembro, um dia depois das eleições, foi
sobre a geologia do satélite natural. Este foi o estavam novamente a ser alvo de acusações formalizada a decisão de Trump de retirar os
mais recente empreendimento do programa por falta de diversidade étnica e de género, Estados Unidos do Acordo de Paris — decisão
espacial chinês, que enviou o seu primeiro as- visível nos discursos da noite e também na ha- que deverá ser revertida por Joe Biden.
tronauta para o espaço em 2003 e que tem shtag #OscarsSoWhite. Este ano, não havia Ao lado de Biden foi eleita Kamala Harris
uma nave a caminho de Marte. realizadoras nomeadas para a categoria de rea- como vice-presidente. Por si só uma boa notí-
A meio de Dezembro houve mais um “pre- lização de longa-metragem de Æcção e entre cia e reÇexo de mudança: é a primeira mulher
sente” nos céus: os planetas Júpiter e Saturno os actores nomeados só Cynthia Erivo não era a ser eleita para o segundo cargo mais impor-
puderam ser vistos “pertinho” um do outro branca. A vitória de Parasitas conseguiu dar tante nos Estados Unidos, a primeira mulher
— o mais próximo que estiveram desde 1623. novo fôlego à competição. negra, a primeira pessoa de origem indiana, a
A partir da Terra, foi possível observar os dois primeira aluna de uma universidade negra
astros alinhados num único ponto brilhante 5. A eleição de Joe Biden neste cargo.
— naquilo que o Observatório Astronómico de Numa América dividida, o mandato de Joe
Lisboa (OAL) disse ser um “acontecimento as- É certo que a derrota de Donald Trump foi uma Biden será de esperança, mas também de de-
tronomicamente muito especial” que parecia má notícia para os seus apoiantes, mas foi tam- saÆos. No seu primeiro discurso como Presi-
uma nova “Estrela de Belém”, por acontecer bém tida em vários pontos do globo como um dente eleito, Biden disse que queria unir o país
tão perto do dia de Natal. Ainda que as posições Æo de esperança num ano caótico — mais ainda e prometeu “não ser um Presidente que divide,
de Júpiter e Saturno se alinhem no céu de 20 num dos países mais afectados pela pandemia, mas um que une”. “Vamos ser a nação que
em 20 anos, continuam com grande distância com mais de 18 milhões de casos conÆrmados sabemos que podemos ser. Uma nação unida,
entre si; agora, foi “a passagem mais próxima e mais de 320 mil mortes por covid-19. Os títu- uma nação fortalecida, uma nação curada.”
dos últimos 400 anos”. Para ser ainda mais
especial — se teve a sorte de não se deparar
O futuro dos los foram-se ouvindo: que a eleição de Joe Bi-
den era uma “boa notícia para o ambiente”,
Nos seis estados em que Trump alegava frau-
de e tentava inverter o resultado dos votos,
com o céu nublado —, a conjunção planetária
coincidiu com o solstício de Inverno.
espectáculos passa uma lufada de ar fresco para as minorias e para
quem precisa de acesso a cuidados de saúde,
todos os eleitores do Colégio Eleitoral conÆr-
maram que Biden fora o vencedor da eleição

4. Parasitas nos Óscares

pela hibridez, entre “boa notícia” para os países que negoceiam
com os Estados Unidos. Em suma, sinal de es-
presidencial. Depois disso, o Presidente russo,
Vladimir Putin, deu os parabéns a Joe Biden

Em 92 anos de Óscares, o Ælme Parasitas foi o a presença e a tabilidade.

primeiro numa língua que não o inglês a ganhar
o galardão de Melhor Filme, na cerimónia de
Fevereiro deste ano — e foi também o Ælme
mais premiado da noite, com quatro estatuetas
A vitória de Joe Biden foi aclamada pela co-
pela vitória, seguindo-se o Presidente do Bra-
sil, Jair Bolsonaro, e do México, Andrés Manuel
transmissão em munidade cientíÆca, que defende a necessida-
de de se lutar contra as alterações climáticas
López Obrador — o reconhecimento dos três
presidentes deu-se após uma hesitação de seis
directo — Biden não só reverterá algumas das decisões
da Administração Trump, como poderá tomar
semanas.
Durante os quatro anos de governação
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ETIENNE LAURENT/EPA
Trump, as relações dos Estados Unidos com o
mundo mudaram drasticamente. Por cá, o pri-
meiro-ministro, António Costa, dizia que “cada
nova Administração dos Estados Unidos é uma
oportunidade de recomeço e a visão de apoio
do multilateralismo expressa pelo Presidente
eleito augura um incremento e estreitamento
das relações entre a União Europeia e os EUA”.
O Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, mos-
trou “renovada esperança” na futura Adminis-
tração Biden.
6. Um dos anos com mais
produção científica
O número de estudos submetidos a revistas
cientíÆcas aumentou “a pique” em 2020, re-
fere a revista Nature, “talvez porque muitos
investigadores tiveram de Æcar em casa e aca-
baram por se centrar em escrever artigos, em
vez de fazer ciência em laboratório”. De todo
o material de investigação divulgado este ano,
cerca de 4% foi dedicado ao coronavírus SARS-
CoV-2 — foram mais de 100 mil artigos publi-
cados sobre a pandemia em 2020. Numa fase
inicial, os artigos eram dedicados sobretudo
à propagação da doença, análises das hospi-
talizações ou métodos de diagnóstico. A par-
tir de Maio abrandou o número de publicações
sobre a disseminação da doença e começaram
a surgir mais artigos sobre saúde mental e
saúde pública.
Só nas revistas publicadas pela Elsevier fo-
ram submetidos mais 270 mil artigos do que
no ano anterior (mais 58%), entre os meses de
Fevereiro e Março. Essa subida foi ainda maior
quando se atenta nos artigos sobre saúde e
medicina: 92%.
A pandemia mudou também a forma como
se divulgou ciência. Houve um aumento de
artigos difundidos antes de ser feita a revisão
por pares (sobre a covid-19 foram mais de 30
mil) e, nos casos em que eram revistos, essas
revisões foram mais rápidas, sobretudo quan-
do o tema era covid-19. Ainda segundo a Na-
ture, um estudo sobre 11 revistas cientíÆcas
editadas na primeira metade deste ano mos-
trou que as investigações sobre covid-19 eram
publicadas muito mais depressa do que o ha-
bitual, mas à custa do atraso de artigos sobre
outros temas, cuja publicação demorava mais
do que antes.
7. Desporto português nas alturas
Foi um ano de vitórias para o desporto por-
tuguês, a começar pelo ciclismo. O ciclista
João Almeida liderou a classiÆcação geral do
Giro de Itália durante 15 dias e terminou a
prova em quarto lugar, a melhor classiÆcação
de sempre de um ciclista português. O ciclis-
ta alcançou o recorde português de dias na
liderança de uma “grande volta” e tornou-se
o ciclista sub-23 que mais dias consecutivos
vestiu de rosa na história do Giro: passou 15
das 21 etapas com a camisola rosa no corpo.
Já Rúben Guerreiro Æcou conhecido como
rei da categoria de montanha do Giro, um fei-
to inédito no ciclismo português (nunca ne-
nhum português o tinha conseguido em qual-
quer uma das grandes voltas) e triunfou na
nona das 21 etapas. Terminou no 33.º lugar da
geral. “Já não tinha nada nas pernas”, dizia
então o ciclista de 26 anos, campeão português
de estrada (2017), após a sua estreia no Giro.
A 22 de Novembro deste ano, Miguel Olivei-
ra liderou do princípio ao Æm uma corrida “so-
litária” e voou para a vitória “em casa” do GP
de Portugal, terminando o Mundial de MotoGP
em nono lugar. Antes disso, já tinha conquis-
tado a pole position, recorde da pista e a volta
mais rápida.
O piloto português António Félix da Costa
sagrou-se também
mbém campeão mundial de Fór-
mula E, competição
etição dedicada aos monolugares
100% eléctricos os da FIA. Com um percurso de
mais de duas décadas ligado ao automobilis-
mo, o piloto acredita que Portugal é um país
“pequeno, mas as cheio de talento” — e “não só
no futebol”.
Este ano foii também marcado pela melhor
participação de Portugal em Europeus de judo
da última década,
cada, com três medalhas con-
quistadas. A judoca
udoca portuguesa Telma Mon-
erto de conquistar o sexto títu-
teiro esteve perto
lo europeu de e judo e conseguiu a medalha
de prata nos Europeus de Praga de No-
vembro. Na mesma competição, os ju-
onseca e Rochele Nunes
docas Jorge Fonseca
ganharam cada ada um uma medalha
de bronze, uma ma estreia para os
dois nos pódiosios europeus.
O canoísta a português
Fernando Pimenta
menta atin-
giu em Setembroembro o
marco das 100 0 meda-
lhas conquistadas
adas a
nível internacio-
acio-
adar
nal ao arrecadar
uma medalha ha de
ouro na provaa de K1
5000 metros na Hun-
gria — esta foii a tercei-
ra medalha de Pimenta
nesta taça do mundo,
após vencer o ouro em K1
1000 e K1 500.00. Também a
canoísta Joana na Vasconcelos
conquistou a medalha de ouro
do K1 500 metros
etros no campeo-
gria, depois de ter
nato da Hungria,
Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 13
conquistado uma medalha de bronze em K1
200.
8. Menos poluição, mais animais
À medida que o coronavírus SARS-CoV-2 se
espalhava pelo mundo, ia paralisando econo-
mias e rotinas: milhões de pessoas foram obri-
gadas a Æcar em casa sem poderem sair de
carro, o teletrabalho atingiu níveis nunca antes
vistos, fecharam-se lojas, negócios e serviços
públicos e foram proibidas aglomerações de
pessoas. A mudança era visível: nas cidades
que antes fervilhavam com gente, as ruas es-
tavam desertas. Já em Maio se notava que o
pico do conÆnamento da primeira vaga tinha
gerado um efeito “extremo” nas emissões diá-
rias globais de dióxido de carbono (CO2): che-
garam a cair 17%. Ainda assim, os cientistas
avisavam que se tratava de uma situação tem-
porária e que eram necessárias medidas estru-
turais para evitar que se voltasse aos níveis de
poluição pré-pandemia.
Também o Instituto Nacional de Estatística
(INE) conÆrmou que o travão a fundo na eco-
nomia e a mudança de hábitos forçada pela
pandemia resultaram numa “menor pressão
sobre o ambiente”. Tudo isto levou a uma re-
dução de emissões e a uma melhoria da qua-
lidade do ar.
Com menos humanos nas ruas durante o
primeiro conÆnamento, os animais sentiram
permissão para passear nelas, em busca de
comida ou a explorar o espaço: foram avistados
patos nas fontes de Roma, peixes nos canais
de Veneza, javalis nos passeios de Barcelona
ou pavões no centro de Madrid. “Este silêncio
geral que reina nas nossas cidades põe os ani-
mais mais à vontade. E eles andam em busca
de alimento”, explicava ao PÚBLICO o presi-
dente do Fundo para a Protecção dos Animais
Selvagens (FAPAS), Nuno Oliveira, asseguran-
do que o fenómeno não era novo e que não
Celebrações
No topo, o cometa
Neowise, que rasgou
os céus em Julho. Em
baixo, o humorista
Bruno Nogueira
durante um dos seus
directos no Instagram;
ao lado, o piloto
Miguel Oliveira celebra
a vitória em Portugal
no Mundial de MotoGP
havia “qualquer risco nem para os animais,
nem para as pessoas”. Com os humanos con-
Ænados, até o canto das aves melhorou, segun-
do um estudo publicado na revista Science.
9. Cultura em directo, mas não ao
vivo
Outra das consequências da pandemia foi o
cancelamento de peças de teatro, exposições,
concertos, cinemas, apresentações e todo o
tipo de espectáculos ao vivo — afectando gra-
vemente todo o sector da cultura e os que dela
dependem. Para colmatar a falta de cultura
que antes chegava em doses regulares, muitos
foram os artistas que procuraram formas de a
contornar. Um exemplo é o do humorista Bru-
no Nogueira, que começou a fazer directos no
Instagram para fazer companhia aos seus se-
guidores em tempo de conÆnamento — convi-
dando outras Æguras públicas a cada emissão
e conseguindo 100 mil seguidores na despedi-
da do programa Como É Que o Bicho Mexe
(entretanto, “o Bicho” voltou).
Houve apresentações e conferências que
migraram para plataformas online e os con-
certos começaram a ser feitos em directo para
as redes sociais, incluindo na página dos ar-
tistas ou através do Festival Eu Fico em Casa.
Os serviços de streaming ganharam terreno
durante o conÆnamento e houve também
quem disponibilizasse online Ælmes e peças
de teatro, como a Medeia Filmes e o Teatro
D. Maria II. Agora, há quem defenda que o
futuro dos espectáculos ao vivo passa por um
fenómeno híbrido, combinando a presença
física e a transmissão em directo para quem
queira ver a partir de casa.
10. Uma pandemia de bondade
Enquanto se pedia a todos os cidadãos que
Æcassem em casa e se redobravam os cuidados
para grupos de risco (incluindo idosos e pes-
soas com outras complicações de saúde), havia
também quem se voluntariasse para sair à rua
— não por si, mas pelos outros. Foram-se mul-
tiplicando os grupos de empatia entre vizinhos
e associações e surgiram mensagens de pessoas
que estavam dispostas a fazer compras aos vi-
zinhos ou a quem precisasse, para que estes
não tivessem de sair de casa. Em vez de bilhe-
tes a pedir para deixar a porta do prédio fecha-
da, começaram a surgir bilhetes a oferecer
ajuda. Ofereciam-se para ir à farmácia ou ao
supermercado por eles, levando os bens a casa,
ou ofereciam tão-somente uma palavra amiga
para combater o isolamento.
Também as freguesias e os municípios se
uniram para prestar auxílio aos grupos mais
vulneráveis. Quando havia escassez de equi-
pamentos de protecção, foram distribuídas
máscaras fabricadas em casa e até fabricantes
de cerveja passaram a produzir álcool-gel. Hou-
ve quem preparasse refeições para quem não
as tivesse e as escolas públicas continuaram a
servir refeições a alunos carenciados.
Em Novembro, a União Audiovisual — um
grupo informal criado para ajudar os traba-
lhadores do sector da cultura afectados pela
paralisação imposta pela pandemia — infor-
mava que estava a dar apoio mensal a cerca
de 250 famílias, incluindo técnicos de som,
trabalhadores de espectáculo, artistas de tea-
tro ou cabeleireiras de programas de televisão
e de cinema. Os grupos de voluntariado tam-
bém se foram adaptando à realidade pandé-
mica e houve até uma campanha de volunta-
riado para dar apoio aos idosos que vivem em
lares para reforçar as equipas das instituições
de idosos.
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14 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

O espectáculo do circo
começa nos bastidores

Portfólio Em ano de pandemia,

cumpriu-se uma tradição com quase
80 anos. O Circo de Natal do Coliseu do
Porto está em palco até 3 de Janeiro. O
espectáculo começa antes das luzes do
palco se ligarem, começa nos bastidores

Por André Borges Vieira texto e Paulo Pimenta fotografia

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N
o palco, em segundo pla-
no, mas com o mesmo
nível de importância num
contexto maior, uma or-
questra toca para uma
sala quase vazia. Em pou-
cos minutos, à frente dos
músicos, numa área re-
servada para acrobacias, malabarismos, tru-
ques de magia ou equilibrismo, limar-se-ão
as últimas arestas de números ensaiados ao
longo de semanas. É Dezembro e cumpre-se
uma tradição com quase 80 anos — o Circo
de Natal do Coliseu do Porto, anunciado ape-
nas 15 dias antes de se realizar, não vai parar
em ano de pandemia. Seria a primeira vez
que aconteceria desde a primeira edição, em
1941. Para não defraudar expectativas, op-
tou-se por anunciar o cartaz apenas quando
existia a certeza de que seria possível subir
ao placo.
O espectáculo de estreia acontecerá dali a
poucas horas. Este é o último ensaio geral
antes do arranque — até 3 de Janeiro, dentro
das limitações impostas por força da pande-
mia, a sala encher-se-á todas as noites, Æns
de tarde ou manhãs, dependendo do que for
decidido pelas autoridades competentes ao
longo dos próximos dias.
A orquestra vai passando a pente Æno a
banda sonora composta por Filipe Raposo
exclusivamente para a ocasião. É a primeira
vez que arrisca numa composição para circo.
Preparou-a como se estivesse a “compor para
um épico”, marcando os picos de entusias-
mo, de expectativa, mas também os momen-
tos de menor tensão. Criou-a também a pen-
Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 15
sar na forma como se sonoriza um Ælme
mudo. Para isso foi beber inspiração ao Ælme
O Circo, de Charlie Chaplin.
Mas até àquele momento ainda não há mais
do que música a sair do palco. Faltam os ar-
tistas que vão entrar em acção em poucos
minutos para dar cor às notas musicais toca-
das pela orquestra e conferir-lhes um senti-
do. É em zona longe da vista de algum públi-
co que apareceu para este último teste antes
da estreia que se escondem — nos bastidores
da cena, nos corredores ou nos camarins.
Para a maior parte dos artistas, foram mui-
tos os meses de paragem forçada. Para al-
guns, este é o primeiro espectáculo de 2020.
Do desânimo de um ano duro para todas as
formas de expressão cultural e artística par-
tem agora para aquele que esperam ser o
início da recuperação de quase dez meses
perdidos — depositam em 2021, que aí vem,
toda a esperança que foi esmorecendo à me-
dida que o calendário de trabalho foi Æcando
com cada vez mais espaços em branco.
Nos bastidores faz-se o aquecimento para
números arriscados, dão-se os últimos reto-
ques na pintura, ajusta-se o guarda-roupa e
dá-se vida a personagens.
Depois de alguns minutos de silêncio, a
orquestra volta a tocar. Está na hora de co-
meçar. Ao longo de hora e meia, cada um
entrará na sua vez. Sobe o primeiro número
ao palco e sabe-se naquele momento que a
tradição do Circo do Coliseu vai mesmo acon-
tecer. Esquecem-se as angústias vividas fora
de personagem e longe dos holofotes. O ano
não foi meigo com os artistas, mas o espec-
táculo tem de continuar.
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16 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

O Instituto de Ciências Sociais (ICS) é uma escola da Universidade de Lisboa e um

laboratório associado do Sistema Científico Nacional dedicado à investigação, aos
estudos pós-graduados e à divulgação de ciência nas áreas de Antropologia, Ciência
Política, Economia, Geografia, História, Psicologia Social e Sociologia (www.ics.ulisboa.
pt). Durante um ano, todos os domingos, investigadoras e investigadores com diferentes
formações, idades e percursos académicos partilham o seu trabalho com os leitores do P2

À roda dos valores

em Portugal
Os valores humanos
durante a infância
e a adolescência
Ciências Sociais em Público (XXXIX)
Análise Este artigo é sobre um projeto de
investigação centrado nos valores das crianças
e dos adolescentes, bem como nos fatores que
os inÅuenciam e que são por eles
inÅuenciados. Esta é a história de um projeto
marcado pela pandemia de covid-19 e no qual
participaram já mais de 4000 pessoas
Por Iva Tendais

O
que nos move? A justiça
social ou o prestígio
pessoal? O risco ou a
segurança? A busca de
prazer ou o cumprimento
das normas sociais? Estas
informação através de jogos, que são Estrutura e organização dos valores humanos
adaptados às suas capacidades e formas de
captar a realidade social. Isto tem permitido AUTOTRANSCENDÊNCIA
saber a partir de que idade se deÆnem os
valores, como se organizam entre si e como
mudam ao longo da vida.
ia
Un

são algumas motivações Em Portugal, uma equipa de

nc
ive

lê

que estão na base dos investigadores — na qual me integro — do

r

vo
sa

valores — objetivos desejáveis que servem ICS-ULisboa e do Iscte-Instituto Universitário

ne
lis

como princípios orientadores da vida para a de Lisboa, responsáveis pelo projeto Clave, Aut
mo

Be

o nom Tradição
generalidade das situações. Por isso, os está a estudar a formação, o ia
valores assumem um papel central, desenvolvimento, a organização e a Conformismo
ABERTURA
inÇuenciando uma grande variedade de hierarquização dos valores humanos CONSERVAÇÃO
À MUDANÇA
esferas da vida como relações sociais, durante a infância e a adolescência (dos seis ão Se
laç gu
pertença a grupos, comportamento moral, aos 14 anos) e o seu impacto, imu ran
orientações políticas, religiosidade, hábitos nomeadamente, no bem-estar pessoal. Est o ça
m
nis
ão

de consumo ou educação dos Ælhos. Ou seja, A tipologia de valores do Clave tem por o
ed
zaç

os valores tanto inÇuenciam as atitudes e os base o modelo de Shalom Schwartz (1992). H

Po
li

comportamentos presentes como os seus Dez valores básicos organizam-se numa

d
Rea

er

efeitos se projetam no futuro através da estrutura circular (ver gráÆco) em quatro

socialização das crianças e dos jovens.
Muito recentemente, a investigação
cientíÆca fez importantes avanços no estudo
dos valores das crianças com o
desenvolvimento de métodos de recolha de
valores “macro”, numa lógica de maior ou
menor compatibilidade entre si e com
diferentes motivações subjacentes: 1) AUTOPROMOÇÃO
Autotranscendência — preocupação com o
bem-estar dos outros; 2) Autopromoção — Fonte: Schwartz, 1992 PÚBLICO
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ENRIC VIVES-RUBIO
Avanços
A ciência fez importantes avanços
no estudo dos valores das crianças
preocupação com o sucesso individual; 3)
Abertura à mudança — recetividade ao
imprevisto, independência na maneira de
pensar e de agir; 4) Conservação —
preservação das tradições, da ordem e da
estabilidade pessoal e social. Por exemplo, as
motivações que estão na base dos princípios
do universalismo, valor que se inscreve na
categoria da “autotranscendência”, são
contrárias às motivações que estão na base
do valor “poder”, que se situa no valor
“macro” da “autopromoção”. SigniÆca isto
que, quanto mais importante for para uma
pessoa o valor do universalismo, menos
importante será o valor do poder. Por
exemplo, se o bem-estar da generalidade das
pessoas na sociedade for muito importante
para uma pessoa, ela tenderá a dar pouca
importância ao exercício do poder e do
controlo sobre as outras pessoas.
O Clave noutras regiões e países
Poucos meses antes do surgimento da
pandemia de covid-19, o trabalho que
realizámos com 218 alunos do 1.º ciclo de
escolas públicas de Lisboa (entre os seis e os
dez anos) permitiu-nos tirar três conclusões
fundamentais: 1) é possível medir os valores
das crianças portuguesas de forma Ædedigna
e válida recorrendo a instrumentos
desenvolvidos e testados com crianças de
outros países; 2) a estrutura circular de
valores das crianças portuguesas é
semelhante à de crianças de outros países; 3)
as crianças portuguesas apresentam uma
estrutura e hierarquização de valores
semelhante à dos adultos, sendo os valores
da autotranscendência os mais importantes
e os da autopromoção os menos
importantes.
Com o estado de emergência e o
encerramento das escolas, foi necessário
encontrar uma alternativa ao contacto
presencial, mantendo o objetivo de ter uma
participação superior a 1000 crianças,
adolescentes e pais. Recolher os dados
online foi a solução encontrada e, apesar de
se tratar de um plano de recurso, permitiu
chegar a um maior e mais diversiÆcado
número de pessoas. Graças ao envolvimento
de diretores de estabelecimentos de ensino
público e privado em Portugal continental e
nas regiões autónomas dos Açores e da
Madeira, responderam ao inquérito do Clave
1744 crianças e adolescentes dos seis aos 14
anos e 2385 encarregados de educação, na
sua maioria, mães.
A decorrer também em Espanha e no
Brasil, os próximos resultados vão permitir
comparar os valores de crianças e pais em
três contextos culturais diversos, bem como
identiÆcar diferenças e semelhanças na
forma como viveram (e continuam a viver) a
pandemia.
A pandemia mudou os
valores das crianças?
Apesar de o grupo de crianças que
participou no Clave antes e durante a
pandemia não ser o mesmo, a
hierarquização dos valores das crianças nos
dois momentos foi comparada. Para as
crianças entre os seis e os dez anos, os
valores considerados como mais
importantes são os mesmos antes e durante
a pandemia. Em primeiro lugar, surge a
benevolência, valor que indica a
preocupação com o bem-estar das pessoas
mais próximas (família, amigos e colegas).
Em segundo lugar, o universalismo, que
traduz a preocupação com o bem-estar da
Humanidade, bem como com a preservação
do meio ambiente. E em terceiro lugar a
segurança, um valor central para quem
aprecia a estabilidade nas relações pessoais e
na sociedade. O que também não mudou
com a pandemia foi o valor menos
importante — o poder. Este valor reÇete a
motivação para alcançar prestígio pessoal e
um estatuto social facilitador do controlo de
pessoas e recursos materiais.
Foi nos valores considerados como
moderadamente importantes que se
registaram mudanças, ainda que pouco
expressivas. Os valores do hedonismo
(procura de prazer e gratiÆcação individual),
da autonomia (independência na maneira de
pensar e de agir), do conformismo
Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 17
(cumprimento das normas sociais) e da
estimulação (abertura à novidade e aos
desaÆos da vida) ganharam importância no
contexto da pandemia. Isto ao contrário do
valor da realização (valorização pessoal
através da demonstração pública das
capacidades pessoais), que perdeu
importância. A excepção a este padrão de
pequenas mudanças foi a tradição (respeito
pelos costumes e pelas tradições culturais e
religiosas da família de origem), que passou a
ter uma relevância muito menor no actual
contexto que vivemos (passou da quarta
para a sétima posição).
A benevolência, o universalismo e a
segurança são também os valores
prioritários para os pais que participaram no
Clave durante a pandemia. Crianças e pais
concordam que o poder é o valor menos
importante. Apesar das crianças/
adolescentes e dos adultos, enquanto
grupos, estarem de acordo sobre os valores
mais e menos importantes, dentro da
mesma família o grau de acordo não é tão
grande como se poderia esperar. Isto é, não
é pelo facto de os pais darem muita
importância, por exemplo, à realização,
valorizando a demonstração social das suas
As dificuldades
durante a pandemia
em números
Das crianças e adolescentes:
— 22% consideraram que foi mau ou
muito mau estar em casa devido ao
encerramento da escola e para 46% não
foi bom, nem mau;
— 51% a 65% acharam que os contactos
sociais foram piores ou muito piores
quando comparados com o período
antes da pandemia (51% avós; 54%
outros familiares próximos; 65%
amigos);
— 80% dos pais indicaram as saudades
dos amigos como uma das maiores
dificuldades sentidas pelas crianças/
adolescentes.
Dos pais:
— 61% acharam muito difícil conciliar
trabalho, ensino, cuidado das crianças e
tarefas domésticas;
— 58% apontaram a preocupação com
pessoas idosas da família como uma das
maiores dificuldades;
— 54% indicaram a falta de contacto
com outras pessoas como uma das
maiores dificuldades que sentiram.
O bem-estar das
crianças e adolescentes
durante a pandemia
em números
— 84% sentiram-se saudáveis sempre ou
muitas vezes;
— 82% acharam que as coisas corriam
sempre ou muitas vezes bem nas aulas;
— 73% acharam que as coisas corriam
sempre ou muitas vezes bem em casa;
— 66% acharam que as coisas corriam
sempre ou muitas vezes bem com os
amigos.
capacidades individuais, que os Ælhos irão
atribuir o mesmo grau de importância a este
valor.
Pandemia, bem-estar e valores
Com a pandemia, também o âmbito do Clave
teve de ser adaptado. Para além dos valores
e do bem-estar, o inquérito passou a incluir
questões sobre o impacto do conÆnamento
na atividade escolar das crianças e dos
adolescentes, na atividade proÆssional dos
pais e nos relacionamentos sociais.
Como indicador adicional de bem-estar
quisemos saber se as crianças e os
adolescentes tinham medo do coronavírus.
A maioria (63%) disse ter “algum” ou “muito
medo”, tendo os mais novos (seis a dez
anos) mais medo do coronavírus do que os
mais velhos (11 a 14 anos).
E será que os valores se relacionam de
algum modo com a percepção de risco face
ao coronavírus? No caso das crianças e dos
adolescentes, os resultados do inquérito
indicam que, independentemente da idade,
as crianças e os adolescentes que
consideram a segurança o valor mais
importante têm uma probabilidade duas
vezes maior de ter muito medo do novo
coronavírus do que as que valorizam mais a
estimulação.
O contributo do Clave nas escolas
O conhecimento produzido pelo Clave pode
ser muito relevante para as escolas,
facilitando-lhes o mapeamento dos valores
na sua comunidade educativa. Este
contributo é particularmente importante
num momento em que as escolas são
desaÆadas a organizarem o seu currículo e as
práticas pedagógicas com vista ao
desenvolvimento do PerÆl dos Alunos à
Saída da Escolaridade Obrigatória. Neste
perÆl, os valores constituem uma dimensão
central a promover e a desenvolver, onde se
incluem os valores da liberdade,
curiosidade, reÇexão e inovação (valores
com motivações muito próximas aos valores
da abertura à mudança do modelo de
Schwartz), responsabilidade, integridade,
cidadania e participação (valores próximos
da autotranscendência) e, Ænalmente, a
excelência e exigência (valores próximos da
autopromoção).
O Clave tem previsto um novo inquérito,
aberto a novas participações. Para quem
participou no primeiro e aceitou ser
novamente contactado, os dados recolhidos
irão permitir identiÆcar mudanças (ou
estabilidade) nos valores, na vida quotidiana
de crianças, adolescentes e pais, e perceber
em que medida essas tendências poderão
estar relacionadas com a evolução da
pandemia.
A equipa do Clave agradece a
participação entusiasta e generosa de
todos os intervenientes no primeiro
inquérito (escolas, alunos e pais) bem
como daqueles que venham a participar
nos futuros inquéritos. Agradeço à
equipa do projeto Clave, designadamente
à Alice Ramos, à Evelia Alvarez e ao
Ricardo Borges Rodrigues pelos valiosos
contributos para este artigo
O Clave é financiado pela Fundação para
a Ciência e Tecnologia
Psicóloga, ICS-ULisboa
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18 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

Semana de lazer
Por Sílvia Pereira
lazer@publico.pt

Música LISBOA
Palácio de Xabregas
Bandas sonoras à luz das velas Dia 30 de Dezembro,
Num momento em que os festejos se querem contidos, é possível trocar o às 19h30 e 21h15.
fogo-de-artifício e as grandes multidões por uma celebração antecipada, em PORTO
ambiente intimista, num Palácio de Xabregas iluminado por velas e animado pelo Ateneu Comercial do Porto
piano e trompete do Simant Duo a tocarem bandas sonoras. A sugestão vem dos Dia 29 de Janeiro, à
concertos Candlelight, que têm feito sucesso Europa fora (Portugal incluído). Desta s 19h30 e 21h15.
vez, as pautas lembram música escrita para o cinema por Morricone, Hans Zimmer
ou John Williams. Daqui a umas semanas, será a vez do Ateneu Comercial do Porto.

Música visibilidade a quem não as LISBOA Coliseu dos Recreios

tem. Nesta sua Utopia!? são Dia 29 de Dezembro, às 18h.

Concerto em exibidas narrativas visuais que

produziu desde 1969 (na
imagem, In Search of
Bilhetes a 20€

transição Vanished Blood, de 2012).

PORTO Museu de Serralves
De 19 de Dezembro a 6 de
Junho. Segunda a sexta, das
A soprano Elisabete Matos (na imagem) 10h às 18h (dia 31 de
torna a juntar-se à Orquestra Sinfónica Dezembro, até às 16h; a partir
de Abril, até às 19h); sábado,
Portuguesa para o Concerto de Ano domingo e feriados, das 10h
Novo, desta vez sob a direcção do às 19h (a partir de Abril, até às
maestro Antonio Pirolli. Para o brinde 20h). Encerra a 25 de
musical a 2021, o Teatro Nacional de São Dezembro e 1 de Janeiro.
Carlos alinhou um programa “que nos Arte Bilhetes a 12€
remete para o período de transição entre Malani numa
ciclos”. Matos canta Il Tramonto de Utopia!?
Ottorino Respighi, duas peças de Serralves está a acolher a Fotografia
Ruggero Leoncavallo — La Bohème e primeira exposição em Portugal Sombras
Mattinata — e Waldgespräch, de de Nalini Malani (n. 1946), a
pioneira artista indiana que, no
com 40 anos
Alexander Zemlinsky. Schubert,
ano passado, foi distinguida Coimbra, Ao Espelho da Sereia
Mascagni e Haydn também entram nas com o Prémio Joan Miró e que e Coração da Ciência são os
partituras. tem incorporado no seu núcleos em que se organiza
trabalho temas sociais como Coimbra — A Cidade e as
racismo, feminismo ou Sombras, uma exposição
pós-colonialismo, bem montada para celebrar o 40.º
como a necessidade aniversário da primeira edição
LISBOA Teatro Nacional de dar voz e dos Encontros de Fotografia.
de São Carlos Estão representadas as visões
Dia 2 de Janeiro, às 11h. de 19 fotógrafos, entre eles
Bilhetes de 15€ a 25€ Música António Júlio Duarte (na
ALMADA Teatro Com Amália (e imagem, um pormenor de
Municipal Joaquim Coimbra), Augusto Brázio,
Benite
público) em palco François Méchain, Inês
Dia 3 de Janeiro, às 11h. Antes da despedida de 2020, Gonçalves, Nils-Üdo, Paulo
Bilhetes a 17€ o Coliseu dos Recreios recebe Brighenti e Rui Chafes. A mostra
uma homenagem especial à tem curadoria de Albano Silva
fadista que ali deu o seu Pereira e resulta de uma
primeiro grande concerto a parceria entre o Centro de Artes
solo em Lisboa, em 1985. Não Visuais e a autarquia.
é só a música que está em COIMBRA Sala da Cidade -
palco; o público também. Refeitório de Santa Cruz
Fado no Palco permite ouvir De 18 de Dezembro a 27 de
de perto (mas com as devidas Fevereiro. Terça a sábado, das
distâncias) canções 13h às 18h.
celebrizadas por Amália, Grátis
nas vozes de Ana
Sofia Varela, Célia
Leiria e Sandra
Correia,
acompanhadas
por Pedro
Amendoeira
na guitarra
portuguesa e
Pedro
Soares na
viola de
fado.
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SAMBA NO PÉ
E ARMA NA MÃO
RIO, A COLECÇÃO DE BD
COM ARGUMENTO DE LOUISE GARCIA E CORENTIN ROUGE
E DESENHOS E COR DE CORENTIN ROUGE

VOL. 3 – CARNAVAL SELVAGEM

Rúben tenta recuperar da morte da irmã enquanto
gere a ONG do pai adoptivo, distribuindo alimentos
aos mais desfavorecidos. Mas vai descobrir que
Periodicidade quinzenal à Quinta-feira, entre 10 de Dezembro de 2020 e 21 de Janeiro de 2021. Stock limitado.

a fronteira entre política, ajuda humanitária

e criminalidade é muito ténue. Os seus amigos
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de infância são agora traficantes e até o director

da escola com quem ele colabora está ligado ao
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20 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020
Dia de Äcar
CINEMA
Jojo Rabbit
TVCine Top, 10h20
Alemanha, II Guerra Mundial. Jojo
(Roman Griên Davis), de dez anos,
é adepto do nazismo e tem Adolf
Hitler como ídolo e amigo
imaginário. Um dia, conhece uma
rapariga judia (Thomasin
McKenzie) cuja mãe (Scarlett
Johansson) a mantém escondida no
sótão. Jojo Rabbit é uma comédia
nos limites do absurdo, realizada
por Taika Waititi, numa oscarizada
adaptação do livro O Céu Numa
Gaiola, de Christine Leunens.
Um Mal Nunca Vem Só
AXN Movies, 15h32
Quatro rapazes estão prestes a
perder os dedos se não pagarem
ao “Rei da porno” local as
100.000 libras que lhe devem por
causa de um jogo. Não vêem outra
saída senão roubar o dinheiro aos
vizinhos, que por acaso são um
perigoso gangue londrino,
perseguido por tráÆco de droga.
Guy Ritchie escreve e realiza esta
comédia de crime e acção
nomeada para um BAFTA, com
Jason Flemyng, Dexter Fletcher,
Nick Moran e Jason Statham.
Platoon - Os Bravos do Pelotão
AMC, 22h10
Oliver Stone usou a sua
experiência como veterano do
Vietname para criar um dos Ælmes
mais realistas alguma vez feitos
sobre o tema. Bombardeando o
espectador com detalhes visuais e
sonoros, passou para a tela o
calor, a humidade, os insectos da
selva — e, acima de tudo, o medo.
A luta entre o bem e o mal é
personiÆcada por dois sargentos,
Barnes (Tom Berenger) e Elias
(Willem Dafoe), entre os quais o
soldado Chris (Charlie Sheen) se
sente encurralado. O Ælme ganhou
quatro dos oito Óscares para que
foi nomeado, incluindo melhor
Ælme e realizador.
A Casa Torta
TVCine Action, 22h30
Um imigrante que fez fortuna em
Inglaterra é encontrado morto na
sua mansão. Sophia, uma das
netas, procura Charles Hayward,
um detective (e ex-amante), para
investigar. Ele rapidamente
percebe que qualquer pessoa da
família teria motivos para
assassinar o patriarca. Baseado no
romance de Agatha Christie, o
Ælme é realizado por Gilles
Paquet-Brenner e conta com
interpretações de Max Irons,
Glenn Close, Terence Stamp, Max
Irons, Stefanie Martini, Gillian
Anderson e Christina Hendricks.
Televisão
RTP1
6.09 Todas as Palavras 6.30 Espaço
Zig Zag 8.00 Bom Dia Portugal Fim de
Semana 10.30 Eucaristia Dominical
11.32 Romaria do Meu Coração 13.00
Jornal da Tarde 14.21 Faz Faísca 15.26
Hoje É Domingo!
19.59 Telejornal
21.21 The Voice Portugal
al
0.23 Na Praia de Chesil
2.18 Faz Faísca
SIC
6.20 Camilo, o Presidente 6.45 Etnias
7.25 Blinky Bill 9.10 Domingão Festa na
Rua 12.15 Vida Selvagem 13.00
Primeiro Jornal 14.05 Smallfoot 15.50
Power Rangers 17.55 Liga da Justiça
19.57 Jornal da Noite
21.40 Isto É Gozar Com Quem
Trabalha - O Melhorzinho
22.20 44.º Festivall
Internacional do Circo
irco
de Monte Carlo
0.40 Papillon
Na Praia de Chesil
Os mais vistos da TV
Sexta-feira, 25
RTP1 13,8%
% RTP1, 00h23
Um melodrama sobre pressão
Jornal da Noite
% Aud. Share
SIC 11,1 20,7
RTP2 1,1 social e emancipação sexual, a
Bem Me Quer TVI 10,7 19,9 SIC 17,8 partir do romance de Ian McEwan,
com realização do estreante
TVI
Natal Sempre... SIC 10,0 20,3
Jornal Das 8 TVI 9,9 18,5 14,5 Dominic Cooke e actuações de
Cabo Billy Howle, Saoirse Ronan, Emily
Natal Sempre... SIC 9,9 24,7
FONTE: CAEM
37,2 Watson e Anne-Marie Duè. No
Verão de 1962, dois jovens
decidem casar-se. Na noite de
RTP2 TVCINE TOP núpcias, vão descobrir tanto a
18.25 Domino - A Hora da Vingança intimidade como o passado e os
7.00 Euronews 8.00 Espaço Zig Zag 19.55 Calafrio 21.30 Clemência 23.25 segredos de cada um.
14.55 Pietro Mennea, a Flecha do Sul Inner Ghosts - Fantasmas Interiores 1.00
16.39 Voz do Cidadão 17.11 Caminhos Luce 2.50 Teia de Corrupção
17.37 70x7 18.04 Encontra-me em
Paris 18.53 Degrassi: A Turma
DOCUMENTÁRIO
Seguinte 19.41 Vamos à Descoberta FOX MOVIES Atlas dos Locais Amaldiçoados
20.07 Corrida Ecológica 17.18 Trinitá - Cowboy Insolente 19.15 National Geographic, 22h30
Continuaram a Chamar-lhe Trinitá 21.15 Estreia. De Vlad, “o Empalador”
Deus Perdoa... Eu Não! 23.09 Vamos a ao mistérios do triângulo das
Isto, Rapazes 0.45 A Vingança de Bull Bermudas, passando pelo lendário
20.31 Chegou a Felicidade Kiowa 2.18 A Colina dos Sarilhos continente perdido de Atlântida e
por superstições e maldições que
integram o folclore dos EUA, esta
HOLLYWOOD série documental mapeia locais
21.30 Jornal 2 18.25 O Primeiro Encontro 20.20 que têm fama de amaldiçoados,
Vestido a Rigor 22.00 Sherlock Holmes: um pouco por todo o mundo, para
Jogo de Sombras 0.10 Annabelle 1.50 propor análises e explicações
Doomsday - Juízo Final sobre essas histórias e as suas
21.49 Folha de Sala origens. O anÆtrião é Sam
Sheridan, que além de viajante
AXN inveterado é autor de best-sellers
17.53 Assalto ao Arranha-Céus 20.10 como A Fighter’s Heart.
21.53 Made in Italy Vida Inteligente 21.55 A Torre Negra
23.40 Blood Work - Dívida de Sangue
22.56 John Williams ao Vivo em Viena
1.37 Os Bad Boys MÚSICA
1.08 A Rede 1.38 Um Raio de Sol na John Williams ao Vivo em Viena
Terra 2.41 Euronews FOX RTP2, 22h56
18.36 Velocidade Furiosa 8 21.30 Começa com notas de Hook e
Convergente 23.49 Blitz - Sem termina, já em encore, com a
Remorsos 1.32 Wolverine Marcha Imperial de Star Wars,
passando por Harry Potter, E.T. —
TVI DISNEY
O Extraterrestre, Tubarão, Indiana
Jones, Parque Jurássico e A Lista de
6.15 Todos Iguais 6.42 Campeões e 17.28 Mickey Mouse - Edição Especial Schindler. Estas bandas sonoras,
Detectives 7.30 O Bando dos Quatro 17.40 Gravity Falls 18.29 Anfibilândia que são apenas um punhado entre
9.15 Inspector Max 10.15 Querido, 19.15 Os Green na Cidade Grande 20.05 o vasto e galardoado currículo de
Mudei a Casa! 11.12 Missa Lab Rats 20.54 Gabby Duran Alien Total John Williams, fazem parte do
alinhamento do concerto que teve
lugar no Musikverein, em Janeiro
DISCOVERY de 2019, com o próprio
17.20 A Febre do Ouro 2.15 A História do compositor à frente da Orquestra
12.32 Querido, Comprei Uma Casa Universo Filarmónica de Viena. Algumas
das obras foram rearranjadas por
Williams especialmente para a
HISTÓRIA solista convidada: a violinista
13.00 Jornal da Uma 18.05 O Primeiro Apocalipse 19.29 As alemã Anne-Sophie Mutter.
Guerras dos Videojogos 20.52 Não
Identificados 23.37 A Maldição de
14.25
14 Somos Portugal
Skinwalker 0.58 Os Enigmas da Roma
Antiga 2.28 Grandes Descobertas
INFANTIL
Angry Birds, o Filme (V. Port.)
AXN, 14h17
ODISSEIA Red, Chuck e Bomb são três
19.57
19 Jornal das 8 17.38 As Maiores Montanhas do Mundo passarocos com graves problemas
18.23 Escola de Orangotangos 19.10 de autocontrolo, que iniciam uma
Por Amor aos Cães 20.02 Engenharia rebelião quando uns porcos
Letal 21.33 Fora de Controlo 22.23 invadem a sua ilha para roubar
21.37 Big Brother - A Revolução: Cretinos: A Teoria 23.45 O Porta-Aviões ovos. Clay Kaytis e Fergal Reilly
Gala 1.00 Big Brother - A Revolução: do Futuro 0.41 Fora de Controlo 1.32 realizam, segundo um argumento
Ligação à casa 2.37 A Outra Cretinos: A Teoria de Jon Vitti, esta adaptação do
famoso jogo homónimo.
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Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 21

Jogue também online.

Palavras-cruzadas, Totoloto 10 19 21 30 43 12 Jogos
bridge e sudoku em 1.º Prémio 5.000.000€
www.publico.pt/jogos Esta informação não dispensa a consulta da lista oficial de prémios

CRUZADAS 11.203 TEMPO PARA HOJE

HORIZONTAIS: 1. Já estão a
recolher, enviar dados e a PORTUGAL PRÓXIMOS DIAS LISBOA
acautelar consentimentos para a
vacinação contra a covid-19. Viana do Castelo Segunda-feira, 28 Terça-feira, 29
Copo alto e estreito, usado
geralmente para beber
champanhe ou espumante. 2.
7º
11º
Braga
Bragança
6º
7º 14º 6º 12º
Pátria de Abraão. União Europeia 10º 1º
(sigla). Aqui está. 3. Qualidade do 6º
que é prático. 4. Vento brando e Vila Real
aprazível. Larva que se cria nas Porto Índice UV Baixo Índice UV Baixo
14º 8º Vento Fraco Vento Fraco
feridas dos animais (Bras.). 2º
Numeração romana (4). 5. Lugar, 3,0m 11º Humidade 72% Humidade 69%
8º
em estabelecimento comercial, Viseu
onde se expõem artigos à venda. Guarda
10º Quarta-feira, 30 Quinta-feira, 31
Organização das Nações Unidas Aveiro 7º 8º
para a Alimentação e a
Agricultura. 6. Autores (abrev.). 8º
12º
2º
7º 12º 9º 14º
Irritar. 7. Louça de mesa. Dividir ao
meio. 8. Rui (...), presidente do
Instituto da Segurança Social. 9. Coimbra
Antiga vestimenta grosseira para Índice UV Baixo Índice UV Baixo
os dois sexos. Érbio (s. q.). 12º
7º Vento Fraco Vento Fraco
Parlamento Europeu. 10. Agência
Castelo Branco Humidade 72% Humidade 77%
Portuguesa do Ambiente. Mirante
que dá para o mar. 11. Parte Leiria
11º
carnuda pegada aos lados da 14º 6º
espinha dorsal. Levantara. 9º
VERTICAIS: 1. Lente de aumento. MEDIDOR DE CO2
Unidade de medida antiga Santarém Portalegre
equivalente a dois arráteis. 2. Mauna Loa, Havai
Colocar no lugar. Haste horizontal
13º 10º
11º 6º Partes por milhão
da charrua. 3. Argola. Amolam. 4.
A conclusão da votação para este (ppm) na atmosfera
assunto foi adiada para princípio Valores por semana
de Janeiro. 5. Estou informado. Lisboa
Palha. 6. Relativo à cúria. 7. 12º Semana de 13 Dez. 413,92
Comprar ou vender em feira. 11º Évora
Planta trepadeira da família das Setúbal 12º Última semana 413,39
araliáceas. 8. Azáfama. Maria Solução do problema anterior: 6º
HORIZONTAIS: 1. Positivo. Ta. 2. Ovi. EP. Crer. 3. Lalar. Teose. 4. Prol. Crase. 5. 12º Há um ano 411,74
Lúcia (...), provedora de Justiça. 9. 11º
Gasta. Frade. Símbolo de China. 6. Mirei. Opar. 7. Jusante. Ali. 8. Meta. Anis. 9. Adore. Bioma. 10. NE. Nuca. Há dez anos 389,35
miliampere. 10. Data. Meter entre PR. 11. Aio. Oferta.
aspas (Gram.). 11. Cobrir de
névoa. Época. VERTICAIS: 1. Polpa. Joana. 2. Ovar. Mu. Dei. 3. Silogismo. 4. AL. Raer. 5. Ter. Sines Beja Nível de segurança 350
Centeno. 6. IP. Chita. Uf. 7. Tri. BCE. 8. Oceano. Aiar. 9. RosaPano. 10. Tese. Nível pré-industrial 280
15º 11º
Alimpa. 11. Are. Frisar. 14º 6º
1,2m 10º

SUDOKU QUALIDADE DO AR
Solução do problema 10.179 Portugal
Sagres 14º
8º
15º Porto Muito Bom
12º Faro 17º
0,8m Coimbra Bom

Açores Lisboa Médio

Corvo
Graciosa Évora Fraco
16º
Flores
São Jorge 15º Terceira 1,8m Faro Mau
18º 16º 12º
14º
2,2m Faial
Pico São SOL
Miguel
Problema 10.181 16º 15º
12º
Dificuldade: Muito difícil 1,8m
Ponta Delgada
Sta Maria Nascente Poente

Madeira 7h54 17h22

Porto Santo
Problema 10.180 18º
Dificuldade: Fácil 20º Madeira 14º
19º
LUA
1,5m 19º
14º 1,0m Cheia 30 Dez. 03h28

Solução do problema 10.178 Funchal Minguante 6 Jan. 10h38

Nova 13 Jan. 05h00

Crescente 20 Jan. 21h01

MARÉS Preia-mar Baixa-mar *de amanhã

Leixões m Cascais m Faro m

07h11 1,1 06h48 1,2 06h39 1,1

13h18 2,9 12h53 2,9 12h54 2,9

19h23 1,0 18h58 1,1 18h50 1,0 Nascente Poente

15h27 06h21
01h39* 3,1 01h15* 3,1 01h17* 3,0
© Alastair Chisholm 2008 and www.indigopuzzles.com Fontes: AccuWeather; Instituto Hidrográfico; QualAR/Agência Portuguesa do Ambiente; NOAA-ESRL
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22 • Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020

Estar bem

Entre netos e avós

dade física entre ambos permite ao
neto observar, ouvir, intervir e até
contrariar o avô” (avô Henrique). Os
avós asseguram a estabilidade: “A
estabilidade dos avós transmite aos
netos um sentimento de segurança”;
ou “os avós são um porto de abrigo
A qualidade do tempo com os netos é um ingrediente essencial para a vida dos avós onde os netos se acolhem nos seus
momentos de crise” (avô José).
Ser avô, ser avó é dar e receber
Eva Delgado-Martins um amor sem Æm: “É sentir os abra-
ços dos netos crescendo, sabendo
A relação entre os avós e os netos é
essencial na harmonia da família.
Ser avô ou avó ópera, ir ao museu, ir à Zara, levá-
los a Paris” (avó Raquel). Os avós
que no baú das suas recordações
estarão sempre aqueles avós que os
Quem melhor do que os avós para
falar disso? no fim da precisam de lembrar e de deixar
esse legado para os netos para fazer
confortam e os ajudam a crescer e a
enfrentar o mundo com todos e os
Hoje falamos sobre a relação entre
avós e netos a partir do testemunho caminhada perdurar essa memória; o avô “é um
personagem que, com a moldura da
bons momentos” (avô Artur e avó
Sílvia). Mas os avós também apren-
vivido de sete avós e avôs com um
intenso vínculo aos seus netos. é colher no velhice, com as suas rugas, valida,
certifica histórias da existência dos
dem com os ensinamentos dos ne-
tos, partilhando as experiências do
Ser avó (ô) é uma paixão, um pra- netos e dos pais destes” (avó Henri- presente: “Quando estamos juntos,
zer: “Quando os netos nasceram, ar uma que); ou “pensamos que avô e avó eu e o meu neto, somos como se fôs-
jamais poderia pensar o quanto os são as doces recordações que os ne- semos um só. Simultaneamente edu-
iria amar. Eles fazem parte das pes-
soas que mais amo. Vivo este amor
notícia boa, tos vão sempre lembrar, como a
compreensão e a bondade e o exem-
cadores e educandos de nós pró-
prios, numa empatia inÆnita. Cons-
com imensa alegria e vivo a recom-
pensa de existirem” (avó Rosário).
uma pequena plo” (avô Artur e avó Sílvia); ou “os
avós transmitem aos netos os seus
truímos, nestes dois anos, uma
relação de liberdade incondicional”
Ser avó (ô) é gratidão: “Eu (quase)
não tenho palavras para agradecer
vitória na vida saberes e experiências como forma
de perpetuar a sua memória” (avô
(avô Marcos).
Os netos trazem conforto aos avós,
ao meu neto. Ele é muito impor- José), reÇetidos em valores, compor- numa relação próxima de afetos e
tante na minha vida.” (avô sobrepõem aos da nossa infância e tamentos e atitudes perante a vida: emoção: “‘Avó, está bem? Avó, pre-
Marcos). adolescência, turvos, riscados, como “Para os netinhos foram todos estes cisa de alguma coisa? Olhe que nós
A qualidade do a nossa memória” (avó Raquel). princípios, valores e exemplos que estamos aqui para tudo o que a avó
tempo com os ne- Estar com os netos é uma hoje tanto apreciam e fazem saber precisar.’ Este viver mútuo faz-me
tos é um ingre- oportunidade de lembrar e que os reconhecem” (avô Artur e sentir que tenho muito mais a agra-
diente essencial contar as histórias para per- avó Sílvia). decer do que a pedir. Não há pala-
para a vida dos durarem: “Os avós querem Os avós transmitem afetos que vras que exprimam esta vivência”
avós: “Os netos en- com muita força que os transportam um sentimento de se- (avó Rosário). Ser avô é uma cum-
grandecem o precá- netos se lembrem deles gurança na experiência: “O afeto e plicidade: “Com o meu neto não
rio tempo dos avós” depois da morte. Para a amizade transmitidos pelo avô, preciso de falar muito. Vamo-nos
(avô José), através de isso, têm de ter tem- associados ao sentimento de segu- cruzando, consagrando a conivên-
um sentimento de reno- po a sós com eles. rança que este pode representar, cia, num olhar e um abraço com
vação pessoal porque, “ao Inventam ir à potencializam-se quando a proximi- palmadinhas” (avô Marcos).
projetarem-se na vida dos Sermos avós e netos é um prazer
netos, os avós esquecem o de parceria: “Quando o meu neto
tempo que lhes resta” (avô Jo- está em minha casa, ela deixa de
sé). Os netos trazem a esperan- existir e transforma-se num parque-
ça, o ânimo e alento para os avós: aventura, onde os dois, indiferentes
“Ser avô é o preencher da última ao que se passa lá fora, nos deixa-
prateleira do nosso armário de mos encantar pela invenção de um
emoções, e são as recordações mais novo mundo” (avô Marcos). Num
doces da vida já em declínio” (avô mundo imaginativo e mágico “a nos-
Artur). sa casa é o que nós queremos agora,
Os avós geram com os netos afe- mas continuamos a reinventar(-
tos com tempo: “Reclamamos ain- nos). As cadeiras transformam-se
da aos netos consideração, o tem- em escadotes para subirmos e Æcar
po da intimidade e dos afetos e que mais altos, com os braços no ar,
não olhem para a fealdade da nos- como se fôssemos maiores do
sa velhice!” (avó Raquel). Uma que todos os outros” (avô
relação em que os avós se empe- Marcos). Uma parceria
nham no sucesso dos netos: ao toque é uma vari-
“Ser avô ou avó para nós no fim nha mágica que aproxi-
da caminhada é colher no ar ma gerações: “Pode assim estabe-
uma notícia boa, uma peque- lecer-se um passatempo entre o
na vitória na vida de um ne- neto-aprendiz e o avô-feiticeiro”
tinho toca-nos profunda- (avó Henrique), porque o “avô é pai
mente, mas se, ao contrário, ‘sem licença de condução’” (avô
não é boa, sofremos a du- José), ou pai-avô: “‘Pai-avô é que
plicar, (...) porque não es- sabe!’, dizia a minha avó aos netos”
tivemos lá para evitar” (avô Henrique).
(avô Artur e avó Sílvia). Os Avós e netos — um porto de abrigo
netos são sempre uma re- recíproco, venham de onde vierem
novação: “A existência as tempestades e as bonanças.
dos netos é como aqueles
Ælmes restaurados que se Psicóloga e terapeuta familiar
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E
las são mulheres
bonitas, elegantes,
de bem com a vida,
aliás, bem na vida.
Para elas o dinheiro
não é problema.
Estão na casa dos 50 e muitos,
talvez, 60. Glamorosas, Ælhas e
mulheres de homens bem
posicionados. Africanas com um
pé na Europa e outro na
América do Norte. Estudaram
no estrangeiro, são
cosmopolitas. E com todas estas
características podiam ser
mulheres bibelot. Em vez disso
têm um discurso político activo
e actual.
Falam da importância das
mulheres na sociedade
tunisina, como é fulcral
estudarem, trabalharem, serem
autónomas, mesmo que
casadas e com Ælhos, serem
livres, terem os seus negócios,
terem uma voz e participação
activa. Irritam-nas aqueles que
acham que têm tudo garantido,
que os direitos são adquiridos e
que não correm o risco de lhos
tirarem. Os que não votam
merecem-lhes desprezo. Há
que votar para fazer ouvir a sua
voz, dizem.
Estamos numa vernissage,
num espaço elegante em Tunes,
e falamos de política. Tão
diferente de Lisboa, onde se
dirão frivolidades em ambientes
como este. Talvez tenha sido
diferente nos primeiros anos
depois da revolução de 1974,
não sei, era uma criança, não
frequentava estes meios. A
revolução delas é mais recente,
celebram-se dez anos em
Janeiro. A Revolução de Jasmin
trouxe-lhes a esperança num
país melhor, mais próspero,
mais desenvolvido. Em vez
disso, há um sentimento de
desilusão. As clientelas políticas
e a corrupção continuam, só
mudaram as personagens,
lamentam. Ainda assim, o
discurso destas mulheres é
comum quando falam sobre o
seu trabalho: “Faço o que faço
pelo meu país.”
O que fazes pelo teu país?
Olhando para os seus rostos
cuidadosamente maquilhados,
as suas jóias e roupas de alta
costura, acredito que
passavam bem sem as agruras
das burocracias alfandegárias,
A Revolução de
das leis que não mudam e
diÆcultam a vida de quem quer
continuar a pagar ordenados e
rendas; de quem quer apostar
nas artes e nos artistas locais e
dá-los a conhecer ao mundo.
esperança num
Bebem o seu chá de jasmim
em chávenas Villeroy & Bosh.
Sorvem o vinho local em copos
de cristal e voltam à carga com
o discurso de que tudo o que
fazem é pelo desenvolvimento
do país. Pergunto-me: “O que
fazes pelo teu país?” (Gosto de
me tratar na terceira pessoa do
singular.) O que fazem as
Público • Domingo, 27 de Dezembro de 2020 • 23
mulheres da elite portuguesa?
Bárbara Wong Será que têm este espírito de
serviço, este sentido de dever,
ou continuam a ter os seus
pobres, como as suas avós?
Será que estas mulheres
Jasmin lindíssimas têm um complexo
de Miss Mundo e, por isso,
trouxe-lhes a encarnaram o discurso de
querer mudá-lo e fazer dele um
sítio melhor?
Dias depois, à mesa com
país melhor, quatro jovens com cerca de 25
anos, que cresceram no
mas em vez período pós-revolucionário,
conto-lhes como aquelas
disso há um mulheres me impressionaram
ao falarem com entusiasmo do
sentimento de seu trabalho, como aquele
parecia ser a sua missão em
nome de algo maior, e
desilusão pergunto-lhes se sentem esse
NURPHOTO/GETTY IMAGES
Crónica
mesmo ímpeto. Tento
perceber se é um traço comum
à sociedade tunisina. Eles, três
raparigas e um rapaz,
entreolham-se. Ele responde
de imediato que não sente
qualquer obrigação por um
país onde a corrupção grassa.
Elas são mais ponderadas.
Concordam, mas acrescentam
que só fazendo primeiro algo
por si poderão pensar nos
outros e têm ideias de como
contribuir, que medidas
políticas deveriam ser
adoptadas, dando exemplos
concretos. Pelo caminho,
lamentam os amigos que
desistiram do seu país e
emigraram para França,
Canadá, Qatar... Mas não os
condenam. Condenam os
políticos.
Estes jovens não são Ælhos das
senhoras da vernissage, os delas
estudam nos EUA ou em França,
Ciência Política ou Relações
Internacionais em universidades
de renome, provavelmente
reÇectem sobre as palavras de
Kennedy: “Não perguntes o que
o teu país pode fazer por ti.
Pergunta o que podes fazer por
ele.” Estes jovens são de uma
classe média que estudou — são
quadros em empresas
internacionais, gostam de viajar,
de se divertir, defendem a
liberdade de as mulheres
usarem hijabe (nenhuma delas o
enverga, mas respeitam quem o
faz) —, que fuma, que bebe, mas
que cumpre o Ramadão. São
jovens iguais aos portugueses,
com os mesmos sonhos e
aspirações, mas com um desejo
de mudança urgente, porque
lhes foi dada a esperança de um
mundo melhor com uma
revolução que se revelou uma
ilusão. “First the money to have
the power to change”, resume,
prática, uma delas.
Oxalá não se esqueçam de
contribuir para a mudança
quando forem mulheres
soÆsticadas e beberem chá em
Æna porcelana durante um
evento social. Insha’Allah.
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