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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Seminário Internacional de Pós-doc


do Programa de Pós Graduação em
História Social da USP

RESUMOS

Documento provisório, apenas para os


componentes das mesas, favor não circular.

MESA 1
Dia 19.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 01 - História, Cultura e Poder
Auditório A
Mediador: Dr. Marcos Veiga

O horizonte latino-americano na gênese de O Cavaleiro da Esperança:


uma reflexão sobre o impacto das experiências hispano-americanas na
obra e na crítica de Jorge Amado
Carine Dalmás

Na segunda parte do livro “O Cavaleiro da Esperança: vida de Luís Carlos Prestes”,


dedicada a narrar a marcha da Coluna Prestes, Jorge Amado ressaltou: “… o capitão de
ontem era um gênio militar nascido em terras da América, herdeiro de Bolívar e San
Martín... (AMADO, 2011, p. 111). O trecho valoriza a visão estratégica de Prestes após
a decisão de sair em marcha pelo Brasil. No excerto retirado da biografia de Prestes
escrita por Jorge Amado chama atenção a preocupação em atribuir ao militar brasileiro
(“nascido em terras da América”) uma genialidade estratégica herdada dos líderes das
lutas pela independência da América Hispânica (Bolívar e San Martín). Em diferentes
momentos do texto esse esforço repete-se construindo uma representação de Prestes
como líder revolucionário capaz de mobilizar a América Latina em torno de propósitos
comuns. Esta proposta procura desvendar o aspecto latino-americanista da narrativa a
partir do estudo da gênese do livro “O Cavaleiro da Esperança: Vida de Luís Carlos
Prestes”. Parte-se do pressuposto de que para compreender tal nuance é fundamental
explorar o contexto político e cultural de planejamento e produção da obra, combinando
o estudo do biografado e do biógrafo, pois assim torna-se possível desvendar
compromissos, intercâmbios e vivências que proporcionaram um sentindo para a
existência narrada. A compreensão da biografia como uma narrativa parcial e artificial
sobre uma trajetória respalda-se na reflexão de Pierre Bourdieu em torno da ideia de
“ilusão biográfica”: “O sujeito e o objeto da biografia (o investigador e o investigado)
têm de certa forma o mesmo interesse em aceitar o postulado do sentido da existência
narrada (e, implicitamente, de qualquer existência)”. Tal condição pressupõe uma
criação artificial de sentido. (BOURDIEU, 2006, p. 184-185)

Metá Metá: o conhecimento sociocultural através da canção


contemporânea
Sheyla Castro Diniz

Participantes do que a imprensa e alguns pesquisadores batizaram de “nova cena


brasileira independente”, a cantora Juçara Marçal, o violonista e guitarrista Kiko
Dinucci e o saxofonista Thiago França formam, desde 2008, o trio paulistano Metá
Metá. Seus discos, trabalhos solos e em parcerias já renderam prêmios importantes e
uma série de críticas positivas, no Brasil e no exterior. Refratária ao considerado
mainstream e às grandes gravadoras, tal repercussão é fruto de novas dinâmicas de
produção e circulação de bens culturais viabilizadas pela internet, bem como de uma
postura renovada do artista ao gerenciar a própria carreira. Integrante dessa cena
independente também batizada de “Nova MPB”, o Metá Metá, desde a sua formação,
tem dispensado empresários, editais de incentivo à cultura e financiamentos coletivos
para a produção dos discos, modus operandi que, no escopo da pesquisa de pós-
doutorado que venho desenvolvendo com bolsa FAPESP no Programa de Pós-
graduação em História Social da FFLCH/USP, seria índice não só de certo
empreendedorismo musical como também de uma percepção apurada desses artistas em
relação ao encolhimento de um horizonte de expectativas que se acentuaria a partir de
2013 no Brasil. Esta proposta de comunicação pretende apresentar e discutir essa
hipótese observando igualmente a linguagem musical do conjunto, caracterizada por
experimentalismo, pesquisa sonora, fusão de referências locais e mundializadas e uma
por intensa releitura de tradições afro-diaspóricas, além de abordagens sensíveis às lutas
e reivindicações candentes das chamadas minorias na atualidade, sem resultar, contudo,
numa canção panfletária. A tentativa de enfrentar a exaustão das formas do cancioneiro
popular pelos músicos aqui realçados, sobretudo no que concerne ao disco do trio MM3
(2016), que destacarei para análise, parece estar intimamente relacionada com a crise
político-conjuntural pela qual passa a sociedade brasileira, uma questão a ser explorada
à luz de contribuições teóricas e metodológicas do materialismo cultural.

Da arte cinematográfica: estudo e levantamento documental acerca da


recepção do cinema brasileiro na Itália antes e depois dos festivais de
Veneza de 1980 e 1981.
Thiago Henrique Felício

O presente projeto propõe um estudo da recepção italiana do cinema brasileiro moderno


entre os anos de 1965 e 1986 com ênfase na crítica especializada, nos festivais
internacionais e na grande imprensa, sendo que este recorte temporal maior subdivide-se
em outros três menores: o primeiro entre os anos de 1965 e 1975, ou seja, da publicação
de “L’estetica della violenza” pela revista “Cinema 60” ao lançamento de “Claro”
(Glauber Rocha, 1975); o segundo entre 1980 e 1981, quer dizer, dos anos da indicação
de “A Idade da Terra” (Glauber Rocha, 1980) ao prêmio Leone d'Oro e da conquista do
“Grande Prêmio do Júri” por “Eles não usam Black-Tie” (Leon Hirzman, 1981); e, por
fim, de 1982 ao ano de 1986, quando a Mostra Internazionale d'Arte Cinematográfica da
bienal de Veneza dedicou uma homenagem ao cineasta Glauber Rocha. O trabalho será
feito em duas etapas. Previamente, farei a seleção e a análise fílmica de alguns filmes
cujas narrativas se apresentam relevantes para a compreensão do período estudado.
Após este trabalho, dedicar-me-ei a pesquisa em alguns acervos Italianos, dentre os
quais encontram-se a “Cinémathèque nationale italienne”, a “Arquivo Histórico do
Instituto Luce Cinecittà” e a “Biblioteca Nazionale Centrale di Roma”. O objetivo dessa
incursão é o de realizar um amplo levantamento documental, bem como sua análise
heurística e posterior publicação. Espera-se, com isso, apreender algumas conclusões
acerca da influência da crítica e da exposição midiática na própria feitura de filmes no
Brasil e a respeito de sua entrada na Europa em um país como a Itália, cuja recepção,
como ocorre em outros países muito mais estudados, como é o caso da França, foi de
grande relevância para o nosso cinema.

MESA 2
Dia 19.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 02 - História da Ciência e da Técnica e História, Cultura e Poder
Auditório B
Mediador: Dr. Rubens de Araújo Menezes

"Afinidades e diferenças sobre projeções de uma nova indústria


siderúrgica no Brasil: Pandiá Calógeras e Monteiro Lobato (1928-
1946)"
Cristiano José Pereira

Monteiro Lobato (1882-1948), após voltar dos Estados Unidos no início de 1931,
resolveu engajar-se na área industrial, no ramo da siderurgia. Como forma de divulgar
que uma nova indústria siderúrgica estaria disponível, o escritor lançou o livro "Ferro"
(1931). Algumas das ideias contidas em "Ferro" possuem pontos de apoio com ideias
anteriormente expressas por Pandiá Calógeras, metalurgista diplomado. Temos o
objetivo de discutir o discurso lobatiano sobre siderurgia contido no livro "Ferro", sendo
que o escritor desenvolveu a proposição de que o incremento econômico que seria
obtido por uma inovadora indústria siderúrgica geraria, necessariamente, um "derivativo
cultural", o qual deveria ser adotado com máxima urgência para o desenvolvimento
econômico e social brasileiro.

Uma visão comparada dos usos pacíficos da energia nuclear no Brasil e


Canadá através de arquivos pessoais de cientistas (1940-1960)
Elias da Silva Maia

A investigação gira em torno dos primeiros anos do desenvolvimento da energia nuclear


no Brasil e no Canadá. Pretende-se, com base em arquivos pessoais de cientistas
brasileiros e canadenses, um resgate dos principais eventos nesses países entre as
décadas de 1940 a 1960, tendo como foco, o uso pacífico da energia nuclear. Algumas
ações voltadas para o uso civil da energia nuclear, pretendiam garantir a infraestrutura,
o aprimoramento da qualificação e da produção, criando uma base técnica e
institucional. A abordagem histórica se concentra em questões relacionadas a energia
nuclear em âmbito internacional, contrastando as experiências vivenciadas por cada país
através de um estudo comparativo. Assim, a influência do contexto internacional é
analisada para entender as ações e consequências trazidas pelas decisões tomadas. Para
ambos países o estudo se fundamenta na complexidade do ambiente político interno e
externo para o desenvolvimento do setor nuclear, com medidas que influenciaram suas
trajetórias. A fonte principal para a pesquisa tem origem nos arquivos de indivíduos que
tiveram protagonismo no campo da energia nuclear naquele período. Os registros
inserem os cientistas em questões mais gerais, onde sua trajetória e inserção social
transcendem temas da sua vida pessoal. Fontes bibliográficas que expõem pontos da
história da energia nuclear são consideradas e visam acrescentar a investigação fatos
que problematize e compare os caminhos trilhados pelo Brasil e Canadá. Busca-se
explorar as informações sobre os distintos contextos e as justificativas para as decisões
tomadas. A pesquisa tem a pretensão de fornecer elementos que aumentem a visão
histórica sobre o tema e contribua para um melhor entendimento do nosso passado,
introduzindo conjuntos de fontes inéditas presentes em arquivos pessoais. Os registros
desses cientistas possibilitam a identificação de informações ainda não conhecidas,
contribuindo para o desenvolvimento da pesquisa histórica.
Materia Medica angolana: processos de circulação, construção e
reconfiguração de conhecimentos médicos em Angola na primeira
metade do século XVIII.
Gisele Cristina da Conceição

As conexões entre a África e o Brasil são tema recorrente na historiografia,


principalmente, aquela relacionada com as questões sociais, econômicas, logísticas e
políticas que envolviam o tráfico de escravos entre ambos os continentes. Um dos
aspectos de maior interesse para os pesquisadores da história das ciências é, nesse
sentido, a questão da saúde dos povos escravizados. Neste aspecto, a história da
Medicina e dos conhecimentos médicos e farmacêuticos retratam um cenário no qual os
contributos dos conhecimentos de origem africana são pouco verificados. Neste artigo,
pretendo reconhecer as práticas médicas aplicadas em território angolano através de
uma série de tratados médicos escritos por europeus que praticaram medicina em
Angola, mais precisamente em Luanda, pretendendo responder às seguintes questões:
Qual é o peso do conhecimento das populações locais na formação dos tratados médicos
angolanos? Havia circulação de conhecimentos médicos entre Angola e Brasil?

MESA 3
Dia 19.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 03 - História Política
Auditório C
Mediador: Dr. Wanderson Chaves

Guerras culturais: um estudo de jornalismo, política e revolução


digital
Celbi Vagner Melo Pegoraro
Esta pesquisa propõe analisar o jornalismo e a política do ponto de vista das chamadas
“Guerras Culturais”, intenso confronto de ideias que encontrou inicialmente seu
ambiente mais extremo no espaço virtual. Embora o senso comum afirme que vivemos
na era da Pós-Verdade, a questão da manipulação das informações é antiga e ganhou
potência recente devido as novas ferramentas de comunicação como as mídias sociais.
As fontes produtoras de notícias não são mais somente as tradicionais empresas
jornalísticas, mas as corporações de tecnologia, as produtoras independentes e
militantes, influenciadores digitais e atores políticos, alguns com intenção de
desinformar ou confundir leitores. O usuário, por sua vez, encontra os poderosos
algoritmos que lhes apresentam as informações de acordo com o seu mundo
preconcebido. As constantes crises de ordem econômica e as incertezas do mundo
resultaram em conflitos entre grupos progressistas e conservadores. Os progressistas
lutam por maior inclusão e presença das minorias nos espaços de poder. Os
conservadores defendem valores tradicionais e morais, criticam o politicamente correto
e preservam a narrativa histórica consagrada. Contra os extremistas que costumam
polarizar as discussões, o jornalismo enfrenta descrédito, crise no modelo empresarial,
precarização e problemas na formação de profissionais que atuam enfrentando a
situação. Pretende-se analisar as questões referentes a apuração, ética e repercussão
crítica no jornalismo. A partir de análises comparativas de coberturas jornalísticas,
buscamos relacionar os impactos da política e da revolução digital para compreender as
causas e efeitos das Guerras Culturais.

Retórica entre Direito e Economia: O princípio do equilíbrio e o


impeachment de Dilma Rousseff
Daniela Olimpio de Oliveira

A linguagem econômica, enquanto composta de campos em descoberto, é condutora da


praxis, e por ela influenciada. Há um hiato já identificado pelos economistas na ciência
econômica e que escapa às previsões teóricas, informado por um certo “mundo da vida”
a descoberto. Conjunturas, episódios políticos, não-políticos, às vezes da ordem da vida
pública, às vezes de esferas privadas, narrativas, boatos, especulações, compõem,
também, a metafísica da ciência econômica. De acréscimo, da interpenetração entre
Economia e Direito, surgem princípios que desenham a propriedade privada, as trocas
de mercado e a lógica da racionalidade, princípios como a praticidade tributária, a
simplificação, o equilíbrio das contas. A presente pesquisa busca analisar as relações
entre Direito e Economia através de narrativas extra científicas, tomando por objeto
específico o escopo retórico do princípio jurídico do equilíbrio fiscal especialmente
elaborado na praxis do julgamento de impeachment de Dilma Rousseff. O
impeachment da presidente Dilma Rousseff torna-se paradigmático sob vários aspectos.
Governabilidade, confiança, tecnologia contábil, responsabilidade pessoal da chefe de
governo, acirramento da polarização partidária, democracia, golpe. A ocasião legou um
acervo jornalístico com notícias, entendimentos, opiniões sobre a responsabilidade da
Presidente, escudados em ideologias de francas posições acerca da política adotada pelo
governo. As análises de Direito foram postas a partir de clara opinião, onde o
relativismo jurídico desnudou-se em fundamentos de polarização partidária. Do estudo
do julgamento de Dilma Rousseff, poderemos observar o encaminhamento dessas
especulações teóricas da austeridade, e os impasses entre desenvolvimentistas e
fiscalistas, bem assim narrativas e pragmatismo de resoluções fáticas, abrindo novos
cenários jurídicos. Antes que discursos, estamos a enfrentar uma fenomenologia dos
discursos, por entre Política, Direito e Economia.

Quando o velho mundo agoniza e o novo tarda a nascer: crise


capitalista e recrudescimento do autoritarismo político no Brasil (uma
análise sócio-histórica do tempo presente)
Rodrigo Medina Zagni

Desde uma abordagem de História do tempo Presente, buscaremos analisar de que


forma a crise econômica agravada na realidade brasileira possibilitou à extrema direita
representada pelo bolsonarismo ascender às mais altas estruturas de poder, não apenas
acomodando-se à maquinaria administrativa do Estado, mas assentando-se sobre uma
complexa base social que propomos aqui identificar, sobretudo os estratos que podemos
identificar como sua mais consistente base de apoio. Demonstrar a correlação entre crise
capitalista e novas direitas não implica em dizer da mera adequação dos elementos da
superestrutura política às contradições que se avolumam na infraestrutura econômica de
sistemas sociais; mas em explicitar que a ação das contradições do capital é mais ampla,
forte e complexa do que os esquemas políticos em curso podem apreender e que,
notadamente, a crise estrutural deste ciclo de acumulação não contempla, na
institucionalidade vigente, saída política. Com isso, o fio condutor da análise aqui
proposta é a correlação entre político e econômico no nexo de causalidades que
viabilizaram a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, esta por sua vez compreendida como
expressão da capilaridade alcançada pelas defesas políticas do bolsonarismo nas bases
sociais que lhe conferiram apoio. Portanto, agiganta-se como tarefa preliminar, para o
estabelecimento dos nexos entre crise capitalista e escalada autoritária na realidade
brasileira, o caráter de classe, nas contradições capital/trabalho, que constitui sua
tessitura social.

MESA 4
Dia 20.10.2021: início 10h00 / término 12h00
Mesa 04 - Escravidão e História Atlântica
Auditório A
Mediadora: Dra. Natália Tammone

Entre o local e o global: a abolição da escravidão no Império do Brasil,


1880-1888
Alain El Youssef

A apresentação visa repensar o papel da economia – isto é, das relações sociais de


produção, circulação e consumo – no conjunto das lutas sociais que se deram nas
décadas finais da escravidão. Tomando como objeto a inserção da economia brasileira
na economia-mundo durante a década de 1870, a apresentação visa demonstrar como os
movimentos econômicos desse decênio abriram parte do campo de possibilidades sobre
o qual se desenvolveram os conflitos travados nos últimos anos do cativeiro. Com isso,
pretende-se revisar um importante postulado historiográfico, que preconiza, desde a
década de 1980, a inexistência de qualquer relação entre as lutas abolicionistas e os
movimentos econômicos transcorridos no Império do Brasil.

Mulheres, maternidade e políticas pró-natalistas nas colônias francesas


e britânicas do Caribe e no Brasil: uma história transnacional da
escravidão sob uma perspectiva de gênero (séculos XVIII e XIX).
Letícia Gregório Canelas

Em sua obra Pelo prisma da Escravidão, Dale W. Tomich analisa, no capítulo intitulado
“Uma Petite Guinée”, as roças de subsistências dos escravizados nas plantations da
Martinica. Uma versão desse texto de Tomich foi publicada também na coletânea
fundamental sobre o tema, organizada por Ira Berlin e Philip Morgan. Tema fulcral nos
estudos sobre escravidão nas Américas, sobretudo no Brasil e no Caribe, em torno desse
fenômeno – as roças de subsistência –, giram importantes debates historiográficos sobre
adaptação, resistência, autonomia, dependência e paternalismo. Como afirma Tomich, o
cultivo de subsistência e as atividades a ele associadas desenvolveram-se na e através da
relação antagônica entre senhor e escravo.
O objetivo dessa comunicação não é divergir das conclusões apresentadas no trabalho
de Dale Tomich, mas destacar um elemento que foi preterido em suas análises: o papel
das mulheres escravizadas nessa experiência histórica das roças de subsistência.
Pretendo demonstrar, através da análise de diferentes fontes e de pesquisas
historiográficas sobre a Guadalupe e Martinica, a centralidade das mulheres na
experiência de apropriação dos terrenos de cultivo próprio pelas famílias de
escravizados. A afirmação dos direitos dos escravos às roças de subsistência, ao tempo
livre e ao uso autônomo desses recursos são as questões centrais do argumento de
Tomich sobre a redução da dependência em relação à dominação senhorial e a
desestruturação das relações escravistas nas décadas finais da escravidão nas Antilhas
Francesas. Nesse sentido, essa comunicação busca destacar que as mulheres tiveram um
papel fundamental nesse processo. Também procuro observar como questões
relacionadas à maternidade e às políticas pró-natalistas, que visavam o problema da
reprodução da população escravizada entre o final do século XVIII e início do XIX,
também se relacionam com a experiência histórica das roças de subsistência no Caribe
Francês.

Liberdades precarizadas: a condição legal das pessoas foragidas em


direção à Bolívia (1826-1840)
Newman Di Carlo Caldeira

Por meio da reunião de informações contidas nas correspondências diplomáticas, troca


de avisos entre as autoridades brasileiras, orientações dos governantes bolivianos aos
seus subordinados e fontes legislativas de ambos os Estados, este artigo se propõe a
discutir a precariedade de uma possível forma de alforria, ou, ao menos, as implicações
das movimentações internacionais de fuga na condição legal dos indivíduos
escravizados após cruzarem as linhas de fronteira da província de Mato Grosso em
direção à Bolívia. O exame das múltiplas experiências decorrentes do cruzamento entre
o trabalho escravizado e as ideias e práticas de liberdade, presentes no imaginário dos
prófugos oriundos do lado brasileiro, demonstrarão a importância da mobilidade
espacial para a modificação dos campos de possibilidade dos diversos agentes sociais
envolvidos diretamente ou indiretamente nas práticas de fuga. Nos casos analisados, as
evasões, travessias e fugas não asseguraram necessariamente a aquisição da liberdade
para os envolvidos, mas, sim, espaços de autonomia que muitas vezes levavam os
fugitivos a viverem sob um limbo jurídico em função do desrespeito em relação às
legislações existentes em ambos os lados da fronteira.

António de Oliveria de Cadornega como mercador de escravos: redes


de comércio entre o Rio de la Plata e Angola
Priscila Maria Weber

António de Oliveira de Cadornega foi um cristão-novo que embarcou em Lisboa rumo a


Angola com um ofício de soldado comprado junto a casa dos Bragança. Com 15 anos de
idade, e pouco mais que a roupa do corpo, visto que seus proventos foram utilizados
para a compra da patente, Cadornega viveu entre Massangano, entreposto de compra e
venda de escravaria, e Luanda, onde a administração portuguesa acontecia com alguma
maior efetividade. Escreveu três tomos manuscritos intitulados como História Geral das
Guerras Angolanas, considerados na atualidade uma fonte indispensável para os estudos
de História de Angola nos seiscentos. Dentro dessa obra, encontramos um autor que se
inseriu em uma elite rapidamente, angariando cargos e títulos, como juiz, vereador e,
para sobreviver, fazia como toda a gente lá estabelecida: comerciava escravos. O que
não se sabe, e esse trabalho busca investigar através de fontes manuscritas oriundas de
arquivos portugueses, espanhóis e argentinos, é como Cadornega rapidamente se insere
nessa elite, tornando-se um influente conquistador. Essa documentação manuscrita
carrega pistas do paradeiro do pai de Cadornega, que serviu em Buenos Ayres, circulou
pelo Rio de la Plata, e era um mercador acostumado a costurar o atlântico. Objetivamos
com essa pesquisa observar se os pontos feitos pelo pai de Cadornega costurava o Plata
a Angola, garantindo acesso as redes do comércio negreiro já estabelecidas nessa região
para Cadornega.

MESA 5
Dia 20.10.2021: início 10h00 / término 12h00
Mesa 05 - História, Cultura e Poder
Auditório B
Mediador: Dr. Júlio Cattai

Religião, Política e História: O Grupo Emaús e as redes de intelectuais


cristãos no Brasil Contemporâneo
Americo Oscar Guichard Freire

Redes da Teologia da Libertação: CESEEP e Movimento Fé e Política


No âmbito da expressiva produção sobre a Teologia da Libertação (TdL) no Brasil,
destacam-se estudos que tiveram como propósito estudar, em perspectiva ampla e
integrada, as bases constitutivas da “Igreja Popular’ no país. São dessa lavra trabalhos
de autores como Bruneau, Mainwaring e Löwy.
Nossas investigações objetivam, em interlocução direta com vertente fundadora acima
apontada, construir uma interpretação acerca dos processos que alimentam teórica,
política e espiritualmente uma teia formada por grupos e entidades e que permanece
espraiada pelo território do país, a despeito do evidente recuo da TdL nas últimas
décadas. Essa teia engloba entidades da Pastoral Social da CNBB, as CEBS articuladas
nos Intereclesiais e uma rede de órgãos voltados para a Educação Popular e a formação
política.
Para abrir uma fenda nesse campo, optamos por estudar um importante nó dessa teia – o
Grupo Emaús – uma articulação da esquerda cristã que reuniu dominicanos, teólogos,
agentes de pastoral e cientistas sociais em torno de um projeto de fundamentar e dar
sentido a uma práxis libertadora. Para tal, Emaús criou o Centro de Estudos Bíblicos
(CEBI) e o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular
(CESEEP).
Outra vertente de atuação do grupo diz respeito ao trabalho desenvolvido no Movimento
Fé e Política (MF&P) – uma articulação em nível nacional voltada para formar
militantes cristãos diretamente envolvidos na vida político-partidária. Para divulgar as
diretrizes do movimento, a coordenação do MF&P criou os Cadernos Fé e Política que
circularam nas décadas de 1980 e 1990. No novo milênio, o MF&P tem se voltado
exclusivamente para a realização de grandes encontros nacionais.
No atual estágio da investigação, o foco tem recaído no CESEEP e no MF&P. O estudo
dessas entidades seguirá o seguinte roteiro. 1) Criação, projeto fundacional, lideranças e
principais iniciativas; 2) Estudos dos processos de formação política; 3) Abertura do
objeto no sentido de melhor situá-las na teia acima mencionada.

Movimentos sociais e a Assembleia Nacional Constituinte: uma análise


sobre as memórias e os temores no pós-ditadura (1985-1988)
Ozias Paese Neves

A apresentação de pesquisa em tela é um recorte do estágio de pesquisa pós-doutoral em


andamento na Universidade de São Paulo, relaciona-se com a investigação sobre a
construção de significados dos afetos políticos e da memória na passagem entre a
ditadura de 1964 e a Constituinte de 1988. O corpo documental utilizado combina dois
acervos, de um lado, a base de dados “Memória da Constituinte”, oriunda de pesquisa
produzida pelo Cendro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e, de outro,
documentos do Centro de Pesquisa Vergueiro (CPV). Procurei inventariar o constante
tensionamento entre grupos oriundos das forças do Regime Militar e da oposição civil
durante o Momento Constituinte (1985-1988). Para tanto, analiso depoimentos colhidos
na pesquisa do CEDEC e os cotejo com registros coevos de movimentos sociais, tudo
para problematizar o campo da memória da transição e seus afetos. Noutras palavras,
trata-se de construir um quadro interpretativo sobre as afirmações de posição, disputas e
colaboração entre atores políticos institucionais e de movimentos sociais. Tal pesquisa
se insere no campo dos debates sobre a memória do regime e da transição, terreno
marcado pela opacidade, em que se mesclam relações entre apoio, resistência e
acomodação dos atores sociais (Rollemberg; Motta; Napolitano). Procuro inventariar
lógicas democratizantes e autoritárias que persistem no regime em democratização,
assim como, utopias e temores acionados como ferramentas de imaginários sociais
acionados nas disputas. As discussões teórico-metodológicas fizeram-se a partir do
diálogo com a leitura sobre os afetos na política, de Pierre Ansart, e de memória, via
Paul Ricouer. O resultado do presente recorte de pesquisa visa caracterizar que tipo de
lógicas de exceção e expectativas liberalizantes coexistem a experiência da Nova
República, suas ambições e seus limites.

Cristianismo, direitos humanos e as forças de esquerda no Brasil: a


formação do Instituto de Estudos da Religião (ISER) (1970-1995)
Renata Meirelles

Este trabalho propõe investigar a atuação do Instituto de Estudos da Religião (ISER)


desde a sua fundação, em 1970, até o ano de 1995. Com o apoio do Conselho Mundial
de Igrejas, o ISER foi fundado por um grupo de religiosos e acadêmicos com o intuito
de promover pesquisas e estudos sobre religiões. O ISER ocupou um lugar central entre
as instituições de Ciências Sociais dedicadas aos estudos das religiões, de modo que
figurou como um instituto dinâmico de pesquisa, uma referência para essa área de
estudos, e também uma organização não governamental (ONG) conhecida por sua
atuação em prol dos direitos humanos, da tolerância e da cidadania. A partir da análise
da atuação do ISER, que defende os valores de tolerância desde o período da Ditadura
até o presente, espera-se compreender melhor como os direitos humanos foram
apropriados por setores progressistas das Igrejas Católica e Presbiteriana, e por forças
de esquerda com atuação junto aos movimentos sociais.
A história do ISER está relacionada à emergência de um conjunto mais amplo de
organizações não governamentais, de cunho assistencialista e de apoio a movimentos
populares que surgiram nos anos 1950 e proliferaram nos anos 1970, frequentemente
financiadas com verbas de fundações e organizações internacionais. Muitos dos quadros
dessas organizações têm origem em universidades, organizações ou partidos de
esquerda e igrejas. A gênese das ONGs no Brasil, portanto, remonta aos anos 1950 e
está diretamente relacionada a organizações de cunho assistencialista ligadas a igrejas.
Propõe-se aqui compreender a história do ISER a partir da trajetória de seus integrantes
e de suas ligações com agências de cooperação internacional, universidades,
organizações ou partidos de esquerda e igrejas. Acredita-se que, a partir da compreensão
da história do ISER e da trajetória de seus integrantes, será possível lançar luz sobre as
associações, alianças e estratégias de cooperação entre as forças de esquerda e igrejas no
Brasil entre as décadas de 1970 e 1990.

MESA 6
Dia 20.10.2021: início 10h00 / término 12h00
Mesa 06 - História da Cultura e Cultura Material
Auditório C
Mediador: Dr. Fernando Victor de Aguiar Ribeiro

A estética dos sabores e do poder: os cardápios da Coleção Washington


Luís Pereira de Sousa
Eliane Morelli Abrahão

Culinária e diplomacia. A visita da família real Belga ao Brasil (1920).


Considerando que a linguagem alimentar serve como um léxico político, nesta
comunicação apresento o quanto suas dimensões simbólicas e identitárias são
importantes na formação das relações diplomáticas. Tratarei da visita dos monarcas
belgas ao Brasil em 1920 e das práticas alimentares em torno das reuniões políticas e o
quanto a culinária diplomática é uma expressão importante de uma sociedade e auxilia
os governantes na criação de uma identidade nacional, nos primeiros anos da República.
A mesa brasileira, nesse período, ainda estava para ser estabelecida, mas é visível em
muitos momentos os cozinheiros elaborarem pratos com ingredientes da nossa fauna e
flora, buscando estabelecer uma nacionalidade em contraposição à gastronomia
francesa. Nada melhor como uma ocasião como esta, que mobilizou a população das
cidades visitadas pela família Real. As pessoas estavam tão interessadas na rotina dos
visitantes, que todos os dias na mansão Guanabara, que serviu como residência oficial
dos monarcas, os menus eram afixados no portão da residência, revelando o que seria
servido no almoço.
Com a intenção de incluir o Brasil no contexto econômico internacional, o recém-eleito
Presidente da República, Epitácio Pessoa, convidou o rei Alberto I para uma visita ao
Brasil. O objetivo desse convite era o de estreitar as relações comerciais entre os dois
países. Festas pública, jantares e visitas foram programadas para o entretenimento
oficial de Alberto I, servindo como vitrine do Brasil.
Na ocasião os visitantes conheceram não apenas o Distrito Federal, mas seguiram
acompanhados pelo presidente da República para Minas Gerais e São Paulo. Os
presidentes de Estado Arthur Bernardes e Washington Luís Pereira de Sousa
desdobraram-se na recepção de vossas majestades e seus acompanhantes. E o intuito de
atrair investimentos para o Brasil foi atingido com a criação da Companhia Belgo
Mineira, em 1921.

Açúcar, consumo e gênero: Um estudo comparativo sobre livros de


receita em Portugal e no Brasil Séculos XVIII-XIX
Joana de Moraes Monteleone

Durante o período imperial, mulheres negras escravizadas eram responsáveis pela


produção caseira de doces das famílias proprietárias. Dominar a arte de fazer doces era
complexo, pois era preciso saber controlar a temperatura dos fogões a lenha, o manejo
dos utensílios de cobre, como tacho e as panelas, e uma série de cuidados intensivos,
como mexer as panelas de maneira correta, dosar as quantidades e controlar os
diferentes pontos do açúcar. Nesta comunicação, pretendo mostrar que o domínio de tais
técnicas passou a figurar entre as qualidades que podiam ampliar ou reduzir o preço de
uma mulher escravizada, como atestam inúmeros anúncios nos jornais da época.
O algodão na Capitania de São Paulo no século XVIII: da produção
aos usos
Luciana da Silva

Esta comunicação busca apresentar uma pesquisa em estágio inicial de desenvolvimento


e que tem por finalidade estudar o algodão e os artefatos têxteis desta fibra nos
domicílios da capitania de São Paulo no século XVIII, na perspectiva da cultura
material e do consumo. Serão analisadas as etapas produtivas, desde o cultivo do
algodão cru, a fiação e a tecelagem (abarcando as ferramentas e os equipamentos
produtivos), bem como os artefatos empregados no interior dos espaços domiciliares.
Duas questões fundamentam a pesquisa: a que busca compreender a existência de traços
indígenas nas técnicas produtivas de fios e tecidos e a importância dos artefatos têxteis
de algodão no processo do avanço da intimidade, que se delimitava de maneira mais
clara em relação aos domínios do público.
Como base para a investigação selecionamos fontes variadas. Correspondências de
governadores da capitania de São Paulo, relatos de viajantes e memórias possibilitam
observar a disponibilidade do algodão na América portuguesa. Para além da
documentação textual, os indícios da participação indígena nos processos de fiação e
fabrico de tecidos e redes podem ser analisados por meio do estudo de fontes
tridimensionais relacionadas a técnicas produtivas de diferentes etnias, sob a guarda do
Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Os inventários post mortem e testamentos
produzidos ao longo do período, por sua vez, revelam o cultivo e armazenamento do
algodão, dos fios e panos feitos dele, bem como a presença de artefatos têxteis da fibra
integrando a composição dos interiores domésticos, exercendo funções relacionadas à
limpeza, ornamentação e amenização dos ambientes, ou seja, tais fontes permitem
alcançar a posse e pensar sobre o uso desses artigos, ponderando sobre diferentes níveis
de consumo presentes no cotidiano.

MESA 7
Dia 20.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 07 - Cultura Material e História da Cultura
Auditório A
Mediador: Dr. Cássio de Araújo Duarte

Gestos e sentidos corporais nos relevos palacianos assírios (séculos IX-


VII AEC)
Leandro Penna Ranieri

“'Fazer resplandecer sua grande divindade'”: notas sobre sentidos corporais, nuances
verbais e materialidade do divino'. Este estudo de caso é parte do projeto de pós-
doutorado que tem como objeto as evocações de sentidos corporais na Assíria, entre os
séculos IX e VII antes de nossa era. Especificamente, apresenta os resultados
preliminares de um mapeamento de ocorrências de uma raiz da língua acadiana que tem
sua principal acepção dentro do campo semântico do esplendor e magnificência. Ao
longo de ocorrências dispersas, nas inscrições reais assírias, de palavras relativas à
percepção e aos sentidos corporais, essa raiz traz implicações com a luminosidade e a
experiência visual e veicula, assim defendemos, um significado material – daí a
associação entre o seu pertencimento ao campo semântico do esplendor, portando
conotações relativas a luz, brilho, irradiância etc. Além disso, o campo semântico da
palavra comporta a interface entre materialidade e religião, o que também é debatido na
literatura especializada. Então, o estudo pretende contribuir não somente em termos de
abordagem teórico-metodológica, especialmente sobre os sentidos corporais e sobre a
concepção de divino nas fontes assírias, mas também em termos semânticos e
filológicos.

Animais das terras de lá: um catálogo das espécies descritas pelos


viajantes entre os séculos XIII e XV
Rafael Afonso Gonçalves

A proposta da pesquisa é examinar as descrições de animais não humanos presentes em


relatos de viagens à Ásia e à África escritos entre meados do século XIII e o início do
XVI. Nesse período, um número significativo de cristãos europeus se lançou em
incursões cujos destinos se localizavam em lugares muito além dos limites da
Cristandade, como a Índia, a China, a Mongólia, assim como as costas do sul e do leste
da África. Entre as diversas anotações vinculadas por esses relatos, chama a atenção o
espaço reservado aos animais que habitavam aquelas terras – alguns até então
incógnitos, outros já familiares. O que se pretende com esta pesquisa é, pois, realizar
uma catalogação das espécies mencionadas pelos viajantes, procurando saber, entre
outras coisas, como eram denominadas, em quais lugares eram comumente encontradas,
quais suas principais características e comportamentos e como eram utilizadas pelos
nativos.

Espaço doméstico no Egito Antigo: aspectos sensoriais e negociações


em território estrangeiro
Thais Rocha da Silva

A pesquisa tem como objetivo compreender o espaço doméstico no Egito durante o


Reinos Médio e Novo (c. 1975-1069 AEC). Pretende-se identificar os principais
elementos arquitetônicos e atividades domésticas presentes nos assentamentos que
abrigavam força de trabalho especializada, em geral planejados e alocados pelo estado
egípcio, os quais apontam para vários tipos de interação entre o governo e os moradores
das residências. Ao mapear essas interações, é preciso também verificar o tipo de
experiência doméstica dos habitantes levando em conta aspectos sensoriais das casas,
tais como incidência de luz, ventilação, manutenção e controle da temperatura,
visibilidade, odores e sons. Estes elementos podem ser entendidos como respostas
criativas dessas comunidades a um modelo de habitação estatal. A pesquisa explora um
campo novo, pouco discutido pela arqueologia sensorial e a história dos sentidos que
negligenciou o ambiente doméstico. Essas experiências sensoriais são fundamentais
para compreender os modos de habitar e da relação que as pessoas estabeleceram com a
paisagem em que viveram. Esse mapeamento inicial será feito a partir de dois sítios
arqueológicos, Tell el-Dab’a e Amara West, duas regiões do território egípcio que
tiveram forte presença estrangeira em períodos distintos, o Reino Médio (c. 1975–1650)
e o Reino Novo (c. 1650–1069). A combinação dos elementos egípcios das residências
com elementos estrangeiros permite verificar as diversas respostas dessas populações à
paisagem e à presença do estado egípcio que determinava a disposição inicial dos
assentamentos.

MESA 8
Dia 20.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 08 - Escravidão e História Atlântica Apresentação
Auditório B
Mediador: Dr. Marcos Veiga

Produção de linho cânhamo na América Portuguesa (1716-1822)


Lilian da Rosa

Breve análise da mão de obra escravizada na Real Feitoria do Linho Cânhamo (1783-
1824)
Nas duas últimas décadas, o cânhamo tem ganhado algum espaço na historiografia
brasileira. Sua importância está atrelada à expansão ultramarina moderna, que ocorreu
em parte graças ao desenvolvimento do poder naval dos Estados europeus, os quais
utilizavam essa matéria-prima para produzir velas e cordoarias destinadas às
embarcações marítimas (MENZ, 2005, ROSA, 2020).
Nesse contexto, a Coroa portuguesa investiu na produção de cânhamo como na Real
Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC). Fundada em Canguçu, em 1783, e transferida para
o Faxinal do Courita, em 1789, a organização produtiva da RFLC se assentava na mão
de obra escravizada. Inicialmente, o Vice-Rei enviou 20 casais de escravos pertencentes
à Coroa. Já no Faxinal do Courita, a Feitoria recebeu o aporte de mais 41 escravos
confiscados de contrabandistas.
Como típico de um empreendimento colonial, havia a divisão da mão de obra para
cumprir as diferentes tarefas, como o preparo da terra, o plantio e a colheita de
cânhamo, a pecuária, a economia de subsistência, a carpintaria, a tecelagem, a ferraria, a
olaria e mesmo o aluguel destes trabalhadores para terceiros; em geral, um conjunto de
atividades e funções que extrapolavam o sistema produtivo do cânhamo.
Até certo ponto, a importância da mão de obra escravizada vai além do próprio sistema
produtivo da RFLC, uma vez que a organização social dos escravizados pode ter
contribuído para a decadência dessa produção e mesmo para a decadência da própria
Feitoria.

A cachaça "espíritos fortes" em Ilhéus, 1862-1889


Marcelo Loyola de Andrade

Os estudos sobre a cachaça na História do Brasil cresceram nas últimas décadas,


ampliando-se as linhas de investigação com uso de metodologias renovadas. O Livro de
imposto sobre a cachaça “espíritos fortes” de Ilhéus é um documento inédito, que
contém informações sistemáticas a respeito do abastecimento interno da bebida,
compreendendo o período que vai do ano de 1862 até 1889, quando a lavoura cacaueira
estava em plena expansão na localidade. A investigação desta fonte permite conhecer o
volume do fornecimento interno de cachaça e as oscilações no tempo, os nomes dos
fornecedores e os impostos pagos ao longo dos anos. Nesta comunicação pretendemos
apresentar as potencialidades deste documento e alguns resultados da pesquisa de pós-
doutorado, que envolve o confronto com outras fontes, a saber: inventários post
mortem, Livro de classificação dos escravos, Livros de cobrança de impostos da
Câmara Municipal e o Recenseamento de 1872. Os objetivos consistem em avaliar a
importância da cachaça no contexto das transformações da economia de Ilhéus, tentando
perceber a dinâmica do abastecimento interno, o perfil dos fornecedores/consumidores e
a relação com o processo de desenvolvimento da lavoura cacaueira.

MESA 9
Mesa 09 - História, Cultura e Poder e História Política
Auditório C
Medidor: Dr. Wanderson Chaves

Extermínio versus civilização: índios e fronteiras nas cartas de Miguel


Malarin para Julio Argentino Roca (Argentina, 1876 - 1879)
Ana Carollina Gutierrez Pompeu
A expansão territorial sobre as áreas indígenas, foi uma situação recorrente no século
XIX. Visando o fechamento das fronteiras internacionais, os Estados pretendiam ocupar
esses territórios vistos como “vazios” desde uma ótica civilizacional, destituindo as
populações originárias de suas moradas. Na Argentina, as terras do Pampa e da
Patagônia, permaneceram fora dos domínios estatais até a década de 1880. Antes,
diversos cacicados de diferentes etnias resistiam aos projetos de avanço do Estado, até
que a Campanha do Deserto, 1879, levou a fronteira interna para o norte da Patagônia,
colocando fim a era dos caciques. O planejamento dessa expedição militar, que marcou
o início da efetiva dominação do Estado sobre esse território, contou com o trabalho de
militares, viajantes e entusiastas da chamada “questão de índios”. Em particular, essa
pesquisa se ocupa em analisar a documentação epistolar de um militar argentino,
Miguel Malarin, que foi encarregado de viajar para os Estados Unidos em busca de
informações mais precisas sobre o destino que estava sendo dado aos índios daquele
país, durante a expansão das fronteiras internas para os chamados “desertos”. Malarin
colocou em comparação as análogas realidades na Argentina e nos Estados Unidos, no
tocante à expansão territorial para as áreas indígenas pela “civilização”, além dos seus
entendimentos sobre como poderia ser solucionado o secular “problema” indígena.
Discursos sobre “raça” e a necessidade de padronizar a cultura e o corpo étnico da
nação, estão presentes nesse conjunto epistolar e nos atentam as consequências drásticas
desses pensamentos no destino dos povos indígenas, que sofrem suas consequências até
a atualidade. Serão, portanto, apresentadas as ideias desse militar, assim como, a relação
com eventos em curso nos Estados Unidos, conectando, dessa forma, situações
semelhantes que combinavam expansão territorial com a submissão violenta dos
nativos, legitimadas por ideais de civilização e progresso.

De distrito da capitania do Espírito Santo à província dos Goytacazes


Culturas políticas na vila de São Salvador/ cidade de Campos dos
Goytacazes entre os anos de 1820 e 1855
Carlos Eugênio Soares de Lemos

A pesquisa em curso tem como objetivo analisar as disputas existentes entre a elite
política da vila de São Salvador/ cidade de Campos dos Goytacazes (da extinta
Capitania da Paraíba do Sul) e a elite dirigente da província do Espírito Santo, entre os
anos de 1820-1855, período de redefinição política-administrativa-territorial do Império
brasileiro. Nesse contexto, ocorreram importantes mudanças históricas interprovinciais,
dentre as quais podemos destacar aquelas em que, tendo como cabeça o deputado José
Bernardino Baptista Pereira D’Almeida, a elite política da extinta Capitania da Paraíba
do Sul levou a cabo o seu projeto de se desmembrar do Espírito Santo e de se anexar ao
Rio de Janeiro (1832), o que de fato aconteceu. Algumas décadas depois (1855),
insatisfeita com a posição secundária que dizia ocupar na nova província e explorando
suas conexões com o parlamento, ela reivindicou o seu desmembramento do Rio de
Janeiro para se tornar a capital de uma nova província, a Província dos Goytacazes, que,
por sua vez, anexaria parte dos territórios do Espírito Santo (Itapemirim), Minas Gerais
e Rio de Janeiro. Nesses termos, com base na triangulação de diferentes fontes
históricas (ofícios, jornais, requerimentos, abaixo-assinados, legislação, literatura de
época etc...), baseados na Nova História Política e auxiliados pela Análise materialista
do discurso, problematizamos a cultura política, os ideários e as aspirações das elites
envolvidas nessas disputas interprovinciais, evidenciando nos seus ditos, não-ditos,
silêncios e “esquecimentos” as estratégias para lidar com as resistências internas e o
Parlamento do Estado Imperial.

A construção a partir do outro: a formação da ideia de fronteira no


Paraguai colonial baseado na ideia do estrangeiro, século XVII
Fernando Victor Aguiar Ribeiro

Pretendemos contribuir com o debate acerca dos processos de formação de fronteiras na


América durante o período colonial. Partindo da premissa de que no século XVI e XVII
as fronteiras foram construídas pelos agentes locais, esboçamos um estudo sobre a
identidade do estrangeiro no Paraguai de meados do século XVII. Isso porque a
delimitação de uma localidade passa pela identidade e pela exclusão dos demais
indivíduos. Assim, por meio do estudo de dois casos, o processo de expulsão de um
carpinteiro francês de Assunção e da Junta de Guerra de 1676, estabelecemos como se
gestou no Paraguai a formação da ideia de alteridade e, portanto, de uma fronteira. Tal
delimitação, que assume características de plasticidade e fluidez, é gestada pelos
agentes locais conforme suas necessidades e demandas.

MESA 10
Dia 21.10.2021: início 10h00 / término 12h00
Mesa 10 - História, Cultura e Poder
Auditório A
Mediador: Dr. Wanderson Chaves

Signal (Berlim, 1940-1945), Em Guarda (Washington, 1941-1945),


Victory (Washington, 1943-1945): uma guerra de papel
João Arthur Ciciliato Franzolin

Esta apresentação de trabalho visa explorar as relações entre imprensa e propaganda


utilizando-se de duas revistas ilustradas publicadas para venda em países estrangeiros
durante a Segunda Guerra Mundial. Do lado alemão, Signal (Berlim, 1940-1945) foi
criada pelo Departamento de Propaganda da Wehrmacht e impressa em 25 línguas
diferentes. A revista tornou-se rapidamente um sucesso editorial, com quase 2,5 milhões
de exemplares por edição, vendidos em toda a Europa ocupada e nos países neutros. Já a
norte-americana Em Guarda (Washington, 1941-1945) foi criada pelo Office of the
Coordinator of Inter-American Affairs chefiado por Nelson Rockfeller e possuía edições
em português, espanhol (En Guardia) e em francês (En Garde), chegando a vender por
edição quase 550.000 exemplares em 1943 nas Américas. Victory (Washington, 1943-
1945) foi criada exatamente como um contraponto à Signal pelo Office of War
Information (OWI) e também contava com um sistema de publicação em vários
idiomas, como inglês, espanhol, português, afrikaner, etc. Serão discutidas aqui não
apenas o uso dessas publicações como fontes e objetos de pesquisa, mas ainda as
estratégias elaboradas pelas redações das duas revistas em seu conteúdo propagandístico
visual e textual de forma a convencer leitores a apoiar um dos lados da contenda. O que
oferecia Signal, Victory e Em Guarda? Como apresentavam os EUA e a Alemanha e de
que forma atacavam ou enalteciam aliados e inimigos? Abordavam outros temas que
não apenas os simplesmente bélicos? Cumpre ainda delinear de forma conectada como
funcionaram os aparatos de propaganda presentes por trás das duas publicações durante
o período em que circularam.

De José Honório a Francisco Iglésias: história e historiografia do


Brasil nas coleções "History of Mankind" (1960) e "History of
Humanity" (2000), da Unesco
Raphael Guilherme de Carvalho

O trabalho a ser apresentado consiste em uma análise dos trabalhos de José Honório
Rodrigues e de Francisco iglésias sobre a história do Brasil publicados,
respectivamente, nas coleções da Unesco "History of Mankind" (1969, vol. V) e
"History of Humanity" (2000, vol. VI). Considerando a segunda coleção se tratar de
uma revisão da primeira, o objetivo é verificar o que muda entre um texto e outro
quanto à escrita da história e quanto à interpretação do novecentos brasileiro efetuadas
pelos diferentes autores. Para isso, além dos textos em si, procuramos situá-los na
trajetória dos autores e na história das coleções, através das correspondências entre
ambos e dos materiais de arquivo (Unesco Archives) referentes à história e à construção
de tais coleções.

MESA 11
Dia 21.10.2021: início 10h00 / término 14h00
Mesa 11 - História, Cultura e Poder
Auditório B
Mediador: Dr. Marcos Veiga

Cidades Medievais no Cinema


Carlos Mário Paes Camacho

Temas do ensino de História Medieval no Brasil: Cidades Medievais no Cinema


Esta comunicação parte das seguintes questões: Como compreender a difusão de temas
medievais, antes restritos aos meios acadêmicos e aos livros didáticos nos filmes? Como
compreender o crescente interesse do cinema por temas concernentes ao medievo?
Quais são as possibilidades e os limites dos filmes para o ensino de História Medieval
no Brasil? A escolha do tema deve-se em primeiro lugar pela importância e afirmação
do cinema de uma série de temas a respeito da Idade Média. Em segundo lugar,
contribuir com as discussões que estão em torno das possibilidades e os limites do
cinema para o ensino da Idade Média no Brasil. Como hipótese central defende-se que
as obras cinematográficas representam a cidade como uma extensão do mundo , e além
disso, reproduzem muitas vezes de forma velada e até explícita o mito historiográfico
Idade Média como "idade das trevas.

O pobre e a pobreza na Alta Idade Média (séculos VI-IX): estudo


linguístico e histórico
Thiago Juarez Ribeiro Da Silva

A pesquisa “O pobre e a pobreza na Alta Idade Média (séculos VI-IX)” busca


compreender quem seriam os pobres e como era determinada a pobreza no período
recortado. Ciente de que métodos modernos de mensuração da pobreza não são
diretamente aplicáveis aos séculos VI e IX, optou-se por favorecer um estudo de
semântica histórica, observando como linguagem e documentação compõem o quadro
representativo da pobreza naquele momento. Quem é o pobre? Que termos são
utilizados para designá-lo? Em que número isto ocorre? Ele tem uma função particular a
cada documento em que aparece? Qual ou quais?
Aliando recursos tecnológicos de busca a uma quantidade massiva de dados,
disponíveis graças à digitalização dos documentos selecionados, temos a intenção de
responder estas questões para além dos parâmetros definidos até então pela
historiografia.

Filii carnis-filii spiritus: a questão da pobreza e a história da Ordem


Franciscana nas obras de Angelo Clareno (ca. 1255-1337)
Veronica Aparecida Silveira Aguiar
O objetivo desta comunicação é apresentar os princípios norteadores que envolveram
Frei Angelo Clareno (1255-1337) ou Pietro da Fossombrone na polêmica interpretação
da pobreza da Ordem franciscana entre os séculos XIII e XIV, e a sua história da Ordem
dos menores. Para fazer este exercício de análise, lembramos que Frei Clareno integrava
o conjunto de Fraticelli ou “espirituais franciscanos” considerados como "herdeiros" de
Frei Leão, grupo ligado mais diretamente à Francisco de Assis (1182-1226). Ele propõe
aos seus discípulos um instrumento adequado para uma "correta" interpretação da
história da Ordem franciscana através da obra Liber chronicarum sive tribulationum
Ordinis Minorum que mescla a sua própria trajetória pessoal (destacando os sofrimentos
e perseguições) e a de um movimento franciscano específico na região da Úmbria.
Nesta obra, o texto segue uma tradição martirológica (as tribulações), tendo como fio
condutor a discussão da interpretação da Regra de 1223, o Testamento de Francisco, as
polêmicas interpretações dos papas sobre a pobreza da Regra e o questionamento em
torno da institucionalização do movimento franciscano. Ao retomar o problema das
origens do franciscanismo ou a primeira geração minorítica, Clareno estabeleceu um
diálogo entre os conceitos de história e memória, que dentre as muitas controvérsias,
assinala as disputas dos frades menores sobre a história das origens do franciscanismo
no século XIV. Muitas vezes as adjetivações da historiografia italiana gravita em
polarizações, de um lado são ressaltados a ortodoxia e santidade de Clareno, e por outro
lado, a sua heterodoxia e seu fanatismo. Enfim, nesta pesquisa de pós-doutorado foi
imprescindível a releitura da obra Expositio super Regulam Fratrum minorum de
Clareno para refletir o debate historiográfico sobre este personagem controverso de
testemunho categórico na História da Ordem franciscana.

MESA 12
Dia 21.10.2021: início 10h00 / término 14h00
Mesa 12 - História Política e História dos Movimentos e das Relações
Sociais
Auditório C
Mediadora: Dra. Helena Wakim Moreno

Valor, capital e crise econômica em Marx


Alessandro de Moura
Partimos das definições do valor e capital nos três volumes de O capital, considerando
sua formação até os diferentes condicionantes que compõem o nexo explicativo das
crises econômicas sistêmicas. Nos primeiros quatro capítulos do livro I d’O capital
Marx chegou às definições de valor, dinheiro e capital. No livro II temos o
desdobramento da circulação dos valores e suas diferentes formas de manifestação, no
livro III e no Teorias da mais-valia aprofundou a análise sobre o fenômeno das crises
sistêmicas. O objeto do trabalho como mercadoria é fruto de trabalho útil, mas ao
mesmo tempo assume forma abstrata, por que a mercadoria é portadora de valor. O
valor é a forma abstrata da mercadoria, sua face incorpórea. Então, o produto do
trabalho é tomado tanto materialmente (como mercadoria), como abstratamente (como
valor). O trabalho a substância do valor, mas é o tempo de trabalho que determina a
grandeza desse valor. O valor, como forma abstrata, nas trocas, é representado pelo
dinheiro. O dinheiro, além de ser intermediário universal das trocas e expressar o valor
contido nas mercadorias é, sobretudo, meio de acumulação de capital.
A acumulação de capital exige que se lance novas mercadorias constantemente no
mercado para que se realizem novos valores e possibilite acumular mais riquezas. Daí
deriva um dos problemas centrais desse mecanismo: diversos capitais, em concorrência,
ampliam constantemente a produção em um mercado que é finito. Com isso gestam-se
crises periódicas de realização dos valores acarretando crises gerais no sistema
capitalista. As crises são momentos de queima de excesso de capitais (de valores-
mercadorias excedentes) e de reequilíbrio sistêmico. Com isso temos uma dinâmica de
reprodução composta por crises econômicas de variadas intensidades, rupturas de
equilíbrios e reconstrução de novos equilíbrios. As crises, como consequência da
concorrência entre múltiplos capitais, redistribuem lucros e prejuízos, queimando
capitais supérfluos e determinando novas etapas de estabilidade, crescimento e
dominação econômica entre os diversos capitais.

Crise e Convergência na África: Padrões de Acumulação em Transição


Paris Yeros
Este projeto de pesquisa tem como foco as trajetórias econômicas do continente africano
no período pós-colonial. O objetivo é analisar o novo padrão de acumulação após a crise
dos anos 1970. A hipótese é que as três macrorregiões coloniais da África – a África
Ocidental dos monopólios comerciais agrícolas, a África Central das economias
concessionárias extrativistas e a África Austral das reservas de trabalho – têm exibido
tendências à convergência em suas estruturas econômicas, em função dos ajustes
realizados após a crise. Tal convergência tem sido impulsionada por três processos: (a) a
escalada da espoliação da terra desde os anos 1980, levando à difusão continental de
uma estrutura agrária ‘tri-modal’ constituída por uma hierarquia de pequenos, médios e
grandes produtores; (b) a expansão geral de atividades extrativistas em novas
modalidades; e (c) o crescimento das reservas de trabalho em todas as regiões,
decorrente da desindustrialização, da crise agrária, da migração rural-urbana e da
delongada transição demográfica. Destes três processos, o último é o fator
preponderante da convergência no novo padrão de acumulação, configurando uma
situação de semiproletarização generalizada. Além do mais, a contradição entre o novo
padrão de acumulação, por um lado, e a reprodução social e o uso sustentável dos
recursos naturais, por outro, vem se apoiando em uma nova divisão do trabalho por
gênero; central a ela é a disputa pela terra, rural e urbana, para fins tanto reprodutivos
como produtivos. A pesquisa buscará verificar com mais precisão o caráter e o grau da
convergência.

MESA 13
Dia 21.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 13 - História da Cultura e Cultura Material
Auditório A
Mediador: Dr. Ozias Paese Neves

Os meios de comunicação, seu lugar de memória e na história: um


olhar historiográfico-midiático sobre a ditadura militar brasileira e
seus acontecimentos no tempo
André Bonsanto Dias
A presente pesquisa tem como objetivo problematizar de que forma os meios de
comunicação, pensados aqui em suas mais variadas narrativas, formatos e linguagens -
sejam eles discursos jornalísticos, de entretenimento, narrativas impressas, televisivas,
filmes e documentários - vêm se inserido de maneira cada vez mais incisiva nos
embates sobre a legitimação de determinadas verdades sobre os acontecimentos no
tempo. Partindo do pressuposto de que a história está sempre em disputa, sendo
constantemente “vigiada” pelos atores que a constroem e reproduzem (Ferro, 1989),
queremos pensar como a “ditadura militar” no Brasil tem sido construída e
re(a)presentada por estas narrativas, inserindo seus discursos não apenas como um
importante “lugar de memória” (Nora, 1984), que cristaliza e armazena estratos de
tempo à posteridade, mas que, acima de tudo, tem se firmado como um reconhecido
"lugar na história" (Barbosa, 2016). Configurando uma amálgama de versões
heterogêneas e bastante complexas sobre aquilo que nos chega como as versões mais
“corretas” e legítimas sobre os acontecimentos, estas narrativas dialogam, mas também
conflituam com uma série de outros discursos, - incluindo a própria historiografia
acadêmica -, nos possibilitando analisar de forma mais comprometida, e sob um olhar
interdisciplinar, o cenário desinformativo e revisionista/negacionista contemporâneo.

Nada cordiais: as revistas O Malho e Careta na crise política de 1930


Rogério Souza Silva

A presente comunicação pretende discutir as posições antagônicas das revistas "O


Malho" e "Careta" no contexto da crise política de 1930. "O Malho", que circulava
desde 1902 e que, tendo passado por diferentes fases e tendências editoriais, tinha, no
contexto citado, uma postura claramente governista, aprovando, por meio de charges,
caricaturas e editoriais, as medidas do governo Washington Luís na área política e
econômica; nas eleições para presidência apoiou claramente Júlio Prestes e, ao mesmo
tempo, transformou Getúlio Vargas, candidato da oposição, em alvo de desenhos e
textos de humor; no restante do ano continuou a utilizar o humor para atacar os
derrotados da Aliança Liberal; e por fim, em outubro foi empastelada por uma multidão
durante a Revolução de 1930. Já a revista "Careta", que circulava desde 1908, vinha
aderindo ao discurso de contestação à ordem política do país que passou a ter muita
força no início dos anos de 1920. Ela fazia críticas ao modelo federativo, ao sistema
eleitoral e tinha um posicionamento atento quanto à necessidade do voto secreto. No
último ano do governo de Washington Luís, sua oposição se acentuou nas charges,
caricaturas e editoriais. A revista supracitada apoiou a Aliança Liberal, discutiu as
denúncias de fraude propalada pelos derrotados no pleito de março e, no começo do
processo revolucionário/golpista, foi vitimada pela censura, a qual atingiu os órgãos de
imprensa, particularmente na então capital do país. Com a queda do governo, abraçou a
nova conjuntura política e transformou, pelo menos nas primeiras semanas, Vargas em
herói nacional por meio de charges e caricaturas claramente laudatórias.
Em todas essas construções humorísticas há um nível elevado de agressividade
simbólica. Tudo isso, vai de encontro à ideia defendida por alguns autores sobre a
natureza mais cordial do humor brasileiro quando comparado ao europeu, tendo este o
que Peter Gay denominou de “cultivo do ódio”.

Fazer rir não é gesto de pluma: moralidade e costumes nas


representações humoristicas de Chico Anysio (1970-1990)
Thaís Leão Vieira

Em seus mais de duzentos personagens criados no rádio, televisão ou teatro, Chico


Anysio compôs uma galeria de tipos humanos nacionais. Bozó, Alberto Roberto,
Roberval Taylor, Nazareno, Professor Raimundo, Haroldo, Pantaleão, Deputado Justo
Veríssimo, dentre tantos outros, dos quais, pela competência humorística Chico constrói
biografias de uma realidade fictícia. O objetivo do presente trabalho é discutir
representações do ser brasileiro na obra de Chico Anysio por meio do debate entre
ficção, humor e história. Algumas características são muito importantes em seu humor:
o apoio em fatos, o uso do nonsense, a capacidade de rir de si. Embora o efeito cômico
advenha do recurso retórico, é na composição vocal que Chico Anysio sustenta um
repertório próprio do humor radiofônico: a valorização da palavra; as pausas; os
silêncios; as intensidades das entradas das falas; os agudos e graves; os fonemas
sibilados, articulados com a ação sonora própria da cena radiofônica. Constitui elemento
central a dominação da voz como instrumento de performatividades, a voz como foco
da ação dramática: ritmo mais relaxado, ritmo acelerado, velocidade do falar, o tom:
tudo são ferramentas que ultrapassam o campo do puramente verbal. Com efeito, parte
da reação humorística presente em Chico Anysio está na vocalidade e sonoridade. Em
outras palavras, o cômico é não apenas o dito, mas a forma do dito. E essa forma
reforça, por meio das personagens, uma desordem nacional, uma ideia de identidade
brasileira que passa pela valorização do brasileiro que se caracteriza como sistema
composto de uma ordem cuja via de comunicação é uma desordem. Se o humor pode
ser a arte de ser vários se distanciando de si mesmo para olhar uma situação de um
ponto de vista diferente, Chico Anysio conheceu profundamente seus “outros eus”.
Compreender suas formas de fazer rir, zombando de traços que constitui uma identidade
brasileira significa pensar sobre o riso do ridículo em suas tantas personagens.

MESA 14
Dia 21.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 14 - História dos Movimentos e das Relações Sociais, História da
Cultura e História, Cultura e Poder
Auditório B
Mediador: Dr. Wanderson Chaves

Integralismo e Teoria Política: Miguel Reale e sua análise sobre o


estado, poder, direito e sociedade (1931-1960)
Cícero João da Costa Filho

Miguel Reale aparece no cenário político brasileiro ligado ao fecundo movimento do


Integralismo, criado por Plínio Salgado, em 1932. De curta duração, o integralismo tem
seu fim como a implantação do Estado Novo de Vargas. Formado por valores cristãos,
como o sentimento, a alteridade e comunhão (“Deus, Pátria e Família”), e com uma das
máximas de que “Deus rege o destino dos Povos”, uma verdadeira revolução ideológica
e espiritual surgia no Brasil na década 1930. Uma verdadeira “revolução espiritual”
brotava da mente dos intelectuais integralistas, guiados pelo chefe Plínio Salgado. O
integralismo combatia principalmente as ideologias de esquerda, o capitalismo e o
liberalismo num momento de crise política, econômica e social, donde o sentido de seu
forte apelo nacional, oferecendo um projeto político brasileiro.
Miguel Reale é estudado por várias áreas do conhecimento, primeiramente por sua
contribuição na área do direito, interpretando principalmente as teorias do direito, sendo
este segundo o jus-filósofo um ângulo de análise do estado. Daí é que emerge a erudição
de Reale por clássicos nacional e internacional, das mais variadas áreas, buscando situar
o Direito (leia-se Estado), ferramenta indispensável do Poder, o que para o autor não
significa uso ou abuso deste, mas tão somente o meio onde as relações sociais possam
ser estabelecidas de maneira democrática. No campo historiográfico, Reale é mais visto
como um dos integrantes – autores e políticos – formadores do “pensamento autoritário”
composto por figuras como Alberto Torres, Azevedo Amaral, Oliveira Viana, Francisco
Campos, escritores cujas ideias influenciaram a política de Vargas.
Chefe teórico do Integralismo, o pensamento jurídico-político de Reale surge num
momento de descrença das democracias liberais, momento de extremo nacionalismo,
que respalda historicamente a simpatia das elites brasileiras com as ideologias
autoritárias. Somam-se a este quadro as alternativas políticas (ainda que saibamos a
falta de ideologia política dos partidos políticos brasileiros), que iam do enrijecimento
do Estado, até a contestação deste, chegando aos pequenos números daqueles que
defendiam a existência de uma sociedade sem a presença deste.
O pensamento de Miguel Reale nos faz pensar a “transição-superação” de um Brasil
marcado pela presença de um Estado regido politicamente pelas tradicionais
oligarquias, com práticas bem conhecidas de autoritarismo e violência, pela corrupção e
pela miséria da população em geral. Desde a segunda metade do século XIX se formava
uma incipiente classe médias nos incipientes centros urbanos, que com na década 1920
formaria profissionais liberais, industriais não ligados à economia rural, um importante
número de intelectuais, figuras importantes da Igreja, um operariado nacional e
estrangeiro, todos esses setores envolvidos na formação de um novo Brasil, ou seja, da
melhor proposta ideológica de Brasil.
Nosso objetivo é problematizar a teoria política de Reale, que para o jurista ligava-se ao
campo do Direito, donde sua visão tridimensional, em que os valores apareciam como
de fundamental importância. Nossas análises partirão das Obras Políticas e de três
fundamentais obras do autor, que são respectivamente: Teoria do Direito e do Estado,
Teoria Tridimensional do Direito e Direito como experiência.

Heróis de Farda e Farsa: capital, trabalho e cultura na guerra


paulista
Marcio Luiz Carreri
Levante dos caipiras, segundo o comunista Oswald de Andrade, o movimento bélico da
Revolução Constitucionalista foi marcado por disputas sócio-políticas pela
representação da memória. O vencedor nas trincheiras investiu, antes e durante, em um
discurso que apregoava aos paulistas o caráter separatista, conservador e oligárquico.
Na sua contraparte, as elites e memorialistas de São Paulo, amparadas em uma
monumental memória e historiografia em Frente Única, somaram esforços após a
derrota na contenda, na produção de uma outra narrativa, e entronizou na memória
social a celebração cívica ao 24 de julho, feriado estadual, como um marco de
resistência a um poder central autoritário e inconstitucional. Capital e trabalho
participaram, cada um ao seu modo, com suas representações. O texto destaca a
participação de partidos políticos no movimento, como PRP e PD, e a análise sobre o
momento e as razões da decisão do PCB da não participação direta no conflito, presente
com suas lutas e contradições, em outras frentes. Apresenta, do mesmo modo,
estratégias de construção da memória oficial sobre o evento, da produção da memória
histórica e os limites da crítica historiográfica, além das diversas perspectivas políticas
sobre o conflito, de autoridades, empresários, imprensa, sociólogo e literatos, entre eles
Mário e Oswald de Andrade, Dividido em três partes, a primeira trabalha o momento e
as apropriações, usos e abusos do conceito de revolução, tão largamente utilizado nas
primeiras décadas do século XX; em seguida destacamos as interpretações sobre o
levante paulista, análise sociológica e participação dos literatos modernistas e,
finalmente, discutimos o usos da memória sobre o ocorrido, além de situar a renovada
historiografia sobre o movimento de 1932 e seus personagens, segundo Mario de
Andrade, heróis de farda e farsa.

O conservadorismo político como estratégia de negros para inclusão econômica e


social – Brasil 1888 a 1964
Ramatis Jacino

Frente Negra Brasileira: Integralismo ou comunismo?


As escolhas dos negros na década de 1930
Nesta apresentação procuro discutir as razões que levaram parte das lideranças negras
da década de 1930, congregados na Frente Negra Brasileira, a aderir a ação Integralista
Brasileira, organização de extrema direita, com semelhanças e interfaces com o
nazifascismo. Busco, ainda, compreender porquê não houve proximidade significativa
com a entidade mais importante do espectro político oposto, o Partido comunista do
Brasil que, em tese, teria mais proximidade política e histórica com a luta dos ex
escravizados.
Foram analisados os documentos fundantes da FNB, do PCB e da AIB e confrontados
com a literatura sobre o tema. Foi possível identificar indícios que a AIB possuía certas
singularidades que a diferenciavam de suas congêneres europeias ao defenderem que
negros e indígenas deveriam ser valorizados e integrados à sociedade, na perspectiva de
construção da nacionalidade. Por outro lado, o discurso generalista do PCB e o
silenciamento sobre a questão racial justificariam o distanciamento percebido nas
formulações e atuação daquelas lideranças negras.

MESA 15
Dia 21.10.2021: início 14h00 / término 16h00
Mesa 15 - História, Cultura e Poder
Auditório C
Mediador: Dr. Fernando Victor de Aguiar Ribeiro

O trânsito de ideias e saberes numa academia luso-americana


setecentista: a Sociedade Literária do Rio de Janeiro
Gustavo Henrique Tuna

Tensões e contradições numa academia lusoamericana setecentista - um estudo sobre a


Sociedade Literária do Rio de Janeiro
A presente comunicação, por meio de um olhar que procura conjugar o uso das
ferramentas conceituais proporcionadas pela prosopografia e pela micro-história,
tenciona explorar as conexões entre as trajetórias dos membros da Sociedade Literária
do Rio de Janeiro, agremiação de cariz científico fundada em 1786 na capital do vice-
reino do Estado do Brasil. Composta majoritariamente por letrados formados em
universidades europeias, a academia tinha como meta o compartilhamento dos saberes –
mais especificamente matérias ligadas à ciência – num movimento que, em certa
medida, procurou replicar na colônia um fenômeno já naquela altura bastante
consolidado no continente europeu e também nos territórios de domínio espanhol.
A Sociedade Literária do Rio de Janeiro abrigaria em seus quadros mentes que
integraram o funcionalismo régio, alguns deles figuras proeminentes em suas áreas de
atuação. Professores régios, advogados, homens de ciência que, cada um a seu modo,
buscaram produzir conhecimento em consonância com o que era produzido na Europa.
No entanto, o alcance de tal meta nem sempre se revelaria de forma uníssona por parte
de seus membros, seja por conta das aspirações profissionais de cada um, seja pelas
condições sociais e políticas que modulavam suas ações no espaço colonial. Levando
em conta que os letrados ultramarinos, além de estarem inseridos em seu cotidiano em
suas realidades locais, circularam por espaços fora da colônia e também tiveram
constante acesso a saberes que migraram para seu universo cultural por meio da
circulação transnacional de impressos e manuscritos, a comunicação busca construir um
retrato de grupo que complexifique as trajetórias e produções de seus integrantes.

O negreiro à frente do teatro: José Bernardino de Sá na direção do


Theatro Imperial São Pedro de Alcântara (1845-1851)
Mariana França Soutto Mayor

O trabalho pretende investigar as relações entre as práticas teatrais e escravismo na


primeira metade do século XIX, a partir da ascensão do negreiro José Bernardino de Sá,
como presidente da Sociedade Administrativa responsável pelo principal teatro da Corte
do Rio de Janeiro, o Imperial Theatro São Pedro de Alcântara. Sá, considerado um dos
principais traficantes do período, galgou o cargo de enorme prestígio social num
período chave da história do país definido pelo contrabando ilegal de escravizados
(1830-1850). O que marca a direção do negreiro no teatro em termos de repertório,
trabalho teatral, decisões administrativas? Que imagem pública o homem do "infame
comércio" queria construir nesse momento diante da sociedade imperial? A partir dessas
questões, o trabalho perseguirá também aspectos da recepção do público da casa de
espetáculos, pensando em novos ângulos de análise da história do teatro oitocentista.

MESA 16
Dia 22.10.2021: início 10h00 / término 12h00
Mesa 16 - História da Cultura e Cultura Material
Auditório A
Mediador: Dr. Marcos Veiga

História natural e geografias médicas no Ministério da Marinha e das


Colônias francês (c. 1815 - c. 1848): circulação, comunicação e
mediação editorial de conhecimento
Daniel Dutra Coelho Braga

A comunicação analisa textos publicados sob os auspícios do Ministério da Marinha e


das Colônias francês, no intuito de identificar formas por meio das quais esse vetor do
Estado francês atualizou suas condições de acumular e centralizar conhecimento
cartográfico ao longo da primeira metade do século XIX. A principal fonte analisada
são os Annales maritimes et coloniales, pois esse periódico, editado regularmente pela
Marinha francesa a partir de 1815, apresentou diferentes tipos de informação referente a
essas condições de acumulação e centralização de conhecimento. Seu tomo anual
dedicado a “ciências e artes” registrou não apenas os deslocamentos de oficiais da
instituição, mediante expedições e estações navais, mas também, muitas vezes, a forma
como muitos desses atores, em momento posterior, articularam a produção e a
circulação de representações hidrográficas e cartográficas produzidas no âmbito da
Marinha francesa, estabelecendo inclusive a crítica de tal produção na própria atividade
editorial do periódico.Tendo esse quadro em vista, a comunicação trabalha com a
hipótese de que, por meio da análise desses materiais, em contraposição a demais
materiais cartográficos e hidrográficos publicados pela Marinha francesa – entre os
quais, por exemplo, tomos de relatos de viagem publicados e dedicados especificamente
a esses saberes -, é possível identificar estratégias de articulação de tal cumulatividade
científica.

Horizontes intelectuais da cultura joanina: o acervo real revisitado


pela atuação do bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos.
Juliana G Meirelles
Em âmbito mais geral, o projeto se propôs a problematizar as redes de
interlocução de Luís Joaquim dos Santos Marrocos, tendo como foco as seguintes
balizas: os sentidos da preservação de sua documentação (o conjunto de cartas e o
Índice geral dos Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa disposto alfabeticamente) e a
busca pelo mapeamento da trajetória de sua correspondência, tendo em perspectiva o
cenário da constituição e vigência da Real Biblioteca Pública da Corte do Rio de Janeiro
como locus de cultura fundamental para a sustentação política do Império português na
América no raiar do século XIX (1808-1821) em um momento de intensas
transformações sociopolíticas e culturais. Neste cenário, a atuação do ajudante de
bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos tanto no processo de estruturação e
consolidação desse locus de cultura (biblioteca) como também outro espaço privado e
reservado à leitura - a sala de manuscritos da realeza – em que o tratamento e
preservação dos papeis escritos à mão são fundamentais para a conservação da memória
oficial - aparece como o centro das nossas preocupações de pesquisa, uma vez que tal
atividade tem sido ofuscada por sua presença constante na Real Biblioteca.
Neste sentido, visamos compreender a historicidade do Índice geral dos
Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa disposto alfabeticamente produzido pelo súdito
português Luís Joaquim dos Santos Marrocos em 1813, documentação ainda
pouquíssimo explorada pela historiografia especializada. Para tanto, vinculo-me com as
questões teórico-metodológicas da História Social da Cultura Escrita também tendo
como viés de diálogo a História Conectada e a História Atlântica. Nesse sentido, busco
analisar as conexões atlânticas que permearam a constituição desse documento – da
concepção desde a chegada de Marrocos no Rio de Janeiro até a salvaguarda
documental na Biblioteca d’Ajuda – quando do retorno de D. João VI, em 1821.
Ressaltar as especificidades do documento na sua dimensão material e simbólica
para a Coroa e para a História luso-brasileira do raiar do século XIX, tendo como baliza
desvendar as interferências a bico de pena de, pelo menos, dois outros sujeitos para
além do já citado Marrocos na constituição do Índice é o objetivo principal desse
projeto de pesquisa. Investigar a natureza das obras presente no Índice geral dos
Manuscriptos da Bibliotheca da Coroa disposto alfabeticamente (1813) e a
historicidade atlântica desse corpus documental assim como do acervo de manuscritos
A Casa Literária Arco do Cego e o processo de escrita e edição de O
Fazendeiro do Brasil (1798-1806)
Nívia Pombo

Entre o tempo e o vento: percursos da Coleção frei José Mariano da Conceição Veloso
na Biblioteca Nacional
Em meio aos resultados da pesquisa que desenvolvo no Programa de Pós-Doutorado da
FFLCH-USP, encontra-se a possibilidade de reconstrução do percurso singular trilhado
pela Coleção Frei José Mariano da Conceição Veloso na Biblioteca Nacional. De 1811,
momento em que passou a integrar o acervo da Real Biblioteca, até 2011, quando 498
matrizes originais de cobre foram reconhecidas como patrimônio cultural da
humanidade no programa Memória do Mundo da UNESCO, os manuscritos, os
impressos e os artefatos que a compõe receberam tratamentos e olhares distintos dos
bibliotecários da instituição.
A presente comunicação tem como principal propósito refletir sobre a construção da
memória deste acervo a partir das ações da própria Biblioteca Nacional. No decorrer dos
séculos XIX e XX, é possível identificar esforços que contribuíram para vivificar Frei
Veloso e estimular a circulação dos saberes inscritos nos seus mais variados trabalhos,
como atestam as cartas de Frei Camilo de Monserrate em torno das permutas dos
exemplares da Flora Fluminense; os estudos botânicos de Francisco Freire Alemão,
fundador da Sociedade Velosiana de Ciências Naturais; e as viagens de Lygia da
Fonseca Cunha para os estudos de calcografia, fundamentais à compreensão das
técnicas usadas na tipografia do Arco do Cego; apenas para citar alguns exemplos.
A Coleção atraiu uma rede de intelectuais que circulavam por outros espaços de
produção de saber, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Museu
Nacional. Tal aspecto revela tanto os bastidores da formação da identidade nacional,
quanto o papel desempenhado nesse processo por obras como a Flora Fluminense e o
Fazendeiro do Brasil. De acervo de uma tipografia do século XVIII a sua transformação
em coleção, tais documentos atravessaram o tempo, mantendo-se descobertos pelos
ventos soprados pelas variadas concepções de história.
MESA 17
Dia 22.10.2021: início 10h00 / término 12h00
Mesa 17 - História Política e História, Cultura e Poder
Auditório B
Mediador: Dr. Ozias Paese Neves

O Instituto do Estado de Sítio na América do Sul: elaboração e prática


de ideias jurídicas em perspectiva comparada (séculos XIX e XX).
Antonio Gasparetto Júnior

A América do Sul foi um terreno fértil para a exceção constitucional, com grande
repercussão do estado de sítio francês. Desde as primeiras Constituições, havia
regulamentações para situações de emergência. As Constituições da América do Sul
autorizavam os líderes eleitos a declarar o estado de sítio em emergências no decorrer
do século XIX. No final do século, houve uma contenção do poder militar pelas
autoridades civis, porém os estados de exceção continuaram presentes com um caráter
de legitimidade. A instabilidade política da região teria determinado uma repressão
extra constitucional, trocando a conservação da ordem por regimes autoritários. A
profusão dos estados de exceção ocasionou uma derrogação do regime constitucional,
considerando a excepcionalidade como situação normal. O uso ordinário de poderes
extraordinários ocorreu na América Latina não apenas em ditaduras, mas também
durante governos intitulados democráticos, trazendo a questão para debates políticos e
jurídicos.

Os Pereira de Vasconcelos, o regresso e a construção do Estado


nacional brasileiro (1837-1840)
Kelly Eleutério Machado Oliveira

O objetivo desta comunicação é discutir algumas considerações sobre meu projeto de


pós-doutorado, intitulado: “Os Pereira de Vasconcelos, o regresso e a construção do
Estado nacional brasileiro”, supervisionado pelo professor doutor João Paulo Garrido
Pimenta. Trata-se, de forma geral, de uma pesquisa que pretende aprofundar o estudo
sobre o regresso conservador no Brasil buscando distingui-lo da contrarrevolução
miguelista em Portugal. O projeto também reforça a persistência de vínculos que uniam
os dois países avançado o século XIX. Nesta comunicação daremos destaque às
trajetórias dos irmãos Vasconcelos, Bernardo, Francisco Diogo e Jerônimo, uma vez
que elas nos auxiliam na compreensão do longo e conflituoso processo de construção do
Estado nacional brasileiro, bem como das diferentes construções narrativas acerca de
Pedro I. Em Portugal, em 1828, Jerônimo Pereira de Vasconcelos foi preso acusado de
conspirar contra D. Miguel e defender a legitimidade de Pedro IV e da Carta
Constitucional. Juntaram-se a ele estudantes de várias províncias do Brasil. A ação
resultou na expulsão e no exilio de muitos deles. Neste mesmo ano (1828) crescia, no
Brasil, a oposição ao primeiro imperador encabeçada pelo outro irmão, Bernardo
Pereira de Vasconcelos. O terceiro irmão, Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, teve
ação destacada em Minas Gerais: deputado, juiz de direito e chefe de polícia. Em
Minas, Francisco defendeu e reforçou a política do regresso levada a cabo por Bernardo
na capital do Império. Ambos foram importantes lideranças na defesa da escravidão e
do tráfico de escravizados. O estudo da trajetória dos irmãos Vasconcelos, um estudo
que não se pretende linear e cronológico, articula e conecta as histórias do Brasil e de
Portugal na primeira metade do século XIX.

Negócios, Impressos e política no Exilio: A Experiência hispano-


americana de João Soares Lisboa em Buenos Aires (1822-1823)
Paula Botafogo Caricchio Ferreira

A presente investigação é desdobramento e continuação do tema analisado na tese de


doutoramento. Apesar de o negociante e redator João Soares Lisboa ter sido
protagonista nos debates de independência e construção do Estado e da nação do Brasil,
sua trajetória pública foi pouco explorada na historiografia, sobretudo o período de seu
exílio em Buenos Aires (1822-1823). Procura-se, agora, preencher esta lacuna por meio
de uma análise de sua experiência hispano-americana, sobretudo à luz de referenciais da
História dos Conceitos e inspirada nas definições de modernidade e da categoria de
experiência nas obras de R. Koselleck. Pretende-se examinar conceitos, mas também
aprendizados e vivências políticas que foram fundamentais tanto para a radicalização
das ideias publicadas no Correio do Rio de Janeiro, redigido na prisão, quanto para sua
adesão aos princípios republicanos da Confederação do Equador, pela qual faleceu em
combate (1824). Portanto, o exílio será investigado, principalmente, por meio de
periódicos, memórias, proclamações, biografias e cartas produzidos em Buenos Aires de
1810 até e especialmente os primeiros anos da década de 1820. João Soares Lisboa,
considerado um personagem atlântico, era representante de um grupo da cultura política
liberal e de toda uma época na construção do primeiro liberalismo na América.

Carlos Lacerda nas terras portuguesas: seu posicionamento nas


Guerras coloniais (1961-1974).
Fernanda Gallinari Machado Sathler Mussi

A proposta dessa comunicação, é apresentar os resultados de pesquisa da tese intitulada,


provisoriamente, Carlos Lacerda em Portugal: autoexílio, salazarismo e as guerras
coloniais (1956-1977). A pesquisa prioriza investigar, as proximidades que Carlos
Frederico Werneck Lacerda possuía com Portugal no contexto do Estado Novo de
Salazar, bem como na transição democrática no contexto do 25 de abril de 1974.
Personagem de ativa participação na política brasileira e portuguesa, iniciou suas
atividades no Partido Comunista Brasileiro (PCB) que foi interrompida pelo Ato
Institucional n. 2, em 1965, quando renunciou à candidatura presidencial, levando ao
enfraquecimento da União Democrática Nacional (UDN). De 1956 a 1977, as relações
de Lacerda com Portugal foram intensas. Essas conexões foram iniciadas no contexto
do autoexílio, em 1956, e percorreu a vida do Lacerda até a morte. Iniciaremos esta
análise em 1956 quando Lacerda definiu o autoexílio em Portugal; e por encerrá-la no
ano de 1977, quando sofreu um ataque cardíaco levando-o o óbito. Durante esses 22
anos, Lacerda viajou para Portugal com frequência, levando seus familiares inúmeras
dessas vezes e criando uma forte rede política, além de se posicionar, midiaticamente,
um convicto defensor de Portugal nas Guerras coloniais, exigindo esse posicionamento
dos ex-presidentes do Brasil: JK, Jânio Quadros, João Goulart e os militares. Lacerda
estava disposto a fazer campanhas para que o Tratado de amizade e comércio; os laços
econômicos e sociais, e também a construção sólida da Comunidade Luso-brasileira,
homenageada e respaldada durante seu governo de Guanabara, fossem concretizados.
Concluindo, a proposta dessa comunicação se resume em construir uma análise dos
motivos desse posicionamento e o que Lacerda esperava dessa relação. Além da
construção da história transnacional desse período.

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