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Parte I Biodiversidade e o desenvolvimento de fármacos e medicamentos

1
Biodiversidade no Brasil
João Renato Stehmann, Marcos Sobral

Introdução 1 A grande preocupação da época decor-


Quantas espécies existem no planeta? 2 ria das discussões sobre extinções causadas
pelo homem e da necessidade de se docu-
Quantas espécies existem no Brasil? 3
mentar a vida na Terra, ainda incompleta-
Lacunas de conhecimento – o exemplo das mente conhecida. Extinções são processos
angiospermas 5 naturais, e o planeta já vivenciou pelo menos
Espécies ameaçadas de extinção 6 cinco eventos de grande magnitude – o últi-
Pontos-chave deste capítulo 7 mo no final do Cretáceo, há cerca de 65 mi-
Referências 8
lhões de anos, extinguindo, entre outros gru-
pos, os dinossauros. Centenas de milhares de
espécies já foram extintas e hoje são conhe-
cidas apenas por meio de registros fósseis.
Introdução Contudo, estimativas indicam que a perda
Biodiversidade é entendida como a “[...] de espécies resultante de ações humanas é,
variabilidade de organismos vivos de to- atualmente, de 100 a 1.000 vezes maior do
das as origens, incluindo, entre outros, os que a natural, já tendo causado a extinção
ecossistemas terrestres, marinhos e outros (silenciosa) de milhares delas.5
ecossistemas aquáticos, e os complexos Alguns cientistas acreditam que um sex-
ecológicos de que fazem parte; compreen- to evento de extinção esteja em curso no
dendo, ainda, a diversidade dentro de es- período denominado informalmente como
pécies, entre espécies e ecossistemas”. 1 Antropoceno, que corresponde ao período
O termo foi cunhado por Walter G. Rosen relacionado às atividades da nossa espécie,
quando organizou o Fórum Nacional so- Homo sapiens. Essa perda de Biodiversida-
bre Biodiversidade, ocorrido nos Estados de implica não somente o empobrecimento
Unidos em 1986. Seu uso consolidou-se genético, levando, em última consequência, à
anos mais tarde com a publicação do livro extinção de espécies, mas também apresenta
Biodiversity, que continha os resultados do uma dimensão muito maior, afetando dire-
evento.2 Um segundo volume denominado ta ou indiretamente a economia, a saúde e o
Biodiversity II foi publicado em seguida, bem-estar do ser humano.6
ampliando as abordagens sobre o tema.3 Nesse contexto, um marco importan-
A partir da utilização por diferentes áreas te foi a realização da Conferência das Na-
da ciência, a expressão adquiriu complexi- ções Unidas sobre o Meio Ambiente e o
dade e múltiplas dimensões.4 Desenvolvimento, também conhecida como

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2 Farmacognosia

Eco-92, realizada no Rio de Janeiro em na morfologia e batizadas pela nomenclatu-


1992. No evento, foi aprovada a Convenção ra lineana) aproximadamente 1,5 milhão de
sobre a Diversidade Biológica (CDB), ratifi- espécies de um total de cerca de 11 milhões
cada por 168 países, propondo regras para estimadas. Esse montante significa apenas
assegurar a conservação da Biodiversidade, 13% do conjunto de espécies com as quais
seu uso sustentável e a justa repartição dos compartilhamos a vida no planeta. As maio-
benefícios provenientes do uso econômico res lacunas entre os eucariontes (Eukaryota)
dos recursos genéticos, respeitada a sobera- encontram-se associadas aos fungos e aos
nia de cada nação sobre o patrimônio exis- animais, cujo número de espécies a ser des-
tente em seu território.1 Esse marco foi im- crito é ainda muito grande. Já em relação
portante devido à questão da Biodiversidade aos procariontes (Prokaryota), as estimativas
ter entrado, a partir dele, na agenda oficial atuais são totalmente inconsistentes, tendo
dos países signatários, responsáveis pela ges- em vista o grande número de taxa não des-
tão do patrimônio natural biológico presen- crito,9 além das incertezas quanto à validade
te em seus territórios. Metas são propostas da aplicabilidade do conceito de espécie uti-
a cada década na tentativa de assegurar o lizado para eucariontes no estudo do mundo
cumprimento da convenção e avançar efeti- microbiológico.10 Assim, discute-se a seguir a
vamente nas estratégias de conservação e uso diversidade centrada apenas nos fungos (Fun-
sustentável da Biodiversidade. O inventário gi), animais (Animalia) e plantas (Plantae),
das espécies ocorrentes no planeta é uma das principais representantes dos eucariontes.
metas assumidas na década passada e uma Os fungos são tradicionalmente estuda-
questão primordial ainda não respondida. dos pelos micologistas e englobam diversas
linhagens, algumas tratadas como perten-
centes a reinos distintos. Os cogumelos, re-
Quantas espécies existem presentantes dos Basidiomycota, são os mais
no planeta? bem estudados, enquanto os endofíticos e
os fungos liquenizados (Ascomycota) são
O primeiro problema a ser resolvido para se menos conhecidos (estes últimos associados
responder à pergunta de quantas espécies há a algas ou cianobactérias). As estimativas
no planeta está na classificação dos organis- de riqueza para fungos são muito díspares,
mos a ser utilizada. Atualmente, as classifica- variando de cerca de 600 mil até mais de 5
ções se norteiam pelas análises filogenéticas, milhões de espécies.11
hierarquizando os taxa de acordo com seu Para os animais, estimativas conserva-
parentesco. Ainda não há, contudo, uma ár- doras indicam a possível existência de qua-
vore filogenética completa que inclua todos se 10 milhões de espécies, das quais apenas
os organismos conhecidos, consolidando cerca de 10% já estariam catalogadas.12
uma classificação estável.7 Apesar de não ha- A maior riqueza é encontrada nos artrópodes
ver um consenso, utiliza-se aqui a proposta (Arthropoda), com quase 900 mil espécies
de reconhecimento de dois super-reinos: os descritas. Algumas projeções estimam que
procariontes e os eucariontes. O primeiro o grupo possa ter entre 2,4 e 20 milhões de
grupo abriga os reinos Archaea e Bacteria, espécies, o que indicaria que se conhece, na
ao passo que o segundo, os reinos Protozoa, melhor das hipóteses, apenas cerca de 37%
Chromista, Plantae, Animalia e Fungi.8 das espécies.13,14 Dentro dele, destacam-se
Para se ter uma dimensão do problema os insetos, que são extremamente diversifica-
de documentar a Biodiversidade, é necessário dos, sobretudo nas florestas das regiões tro-
pensar que hoje se conhece de forma elemen- picais. Os cordados (Chordata), que incluem,
tar (espécies descritas e catalogadas com base entre outros, os peixes, répteis, anfíbios, aves

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Capítulo 1 Biodiversidade no Brasil 3

e mamíferos, têm uma riqueza global catalo- fósseis. Restaram três ou quatro linhagens,
gada de 62 mil espécies, podendo ser consi- sendo o grupo das coníferas, que inclui os
derados um dos grupos mais bem estudados. pinheiros e os ciprestes, o mais diversificado,
Os peixes abarcam metade da diversidade do abarcando cerca de 600 espécies. As angios-
grupo, com mais de 31 mil espécies descri- permas têm como caracteres únicos flores e
tas, seguidos das aves, com 10 mil espécies. frutos, inovações evolutivas que ajudaram
Ainda em relação aos cordados, projeções a garantir o sucesso do grupo. Duas linha-
indicam que se conhece apenas um terço da gens, as eudicotiledôneas e as monocotiledô-
riqueza dos anfíbios, grupo que precisa ser neas, são as mais diversificadas e dominam
mais bem investigado.15 a cobertura vegetal terrestre. Em termos de
Para plantas (excluindo algas), há um riqueza, são destaques as famílias Asterace-
catálogo global que registra mais de um mi- ae (23.000 espécies), Orchidaceae (19.500
lhão de nomes e cerca de 350 mil espécies espécies), Fabaceae (18.000 espécies) e
aceitas, sendo a maior riqueza encontrada Poaceae (9.700 espécies). O último grupo,
nas angiospermas (304.000), seguida das também conhecido como gramíneas, é extre-
briófitas (20.000), pteridófitas (13.000) e gi- mamente importante na alimentação huma-
mnospermas (1.000).16 Parte da lista não foi na, pois está presente em 70% da superfície
ainda conferida por taxonomistas, podendo cultivada do planeta e fornece metade das
haver diversos sinônimos passíveis de serem calorias consumidas.18
excluídos. Entender como a Biodiversidade se dis-
As briófitas são plantas avasculares (i.e., tribui no planeta tem sido o objeto de estudo
sem tecidos vasculares condutores de líqui- da área da ciência chamada de Biogeografia.
dos e nutrientes) que costumam crescer em Sabe-se que a riqueza não se distribui uni-
locais úmidos e originadas provavelmente há formemente como consequência de padrões
mais de 400 milhões de anos, representando e processos evolutivos dos seres vivos e de
o grupo-irmão do restante das plantas terres- cada região. Também se sabe que a Biodi-
tres, do qual é provável que as linhagens de versidade terrestre é mais bem documentada
plantas vasculares derivaram. Três linhagens do que a marinha, que espécies maiores são
de briófitas são reconhecidas: os musgos, as
mais bem conhecidas do que as menores e
hepáticas e os antóceros, sendo os primeiros
que muitas das espécies novas descritas em
os mais ricos, com cerca de 12,7 mil espé-
geral possuem distribuição restrita (endêmi-
cies.17 Os demais grupos de plantas terres-
cas), “nascendo” já em risco de extinção.14
tres, as pteridófitas, gimnospermas e angios-
permas, diferem das briófitas pela presença
de tecidos vasculares em sua estrutura, sen- Quantas espécies existem
do chamados coletivamente de plantas vas- no Brasil?
culares. As pteridófitas têm duas linhagens
distintas: as licófitas e as monilófitas, estas O Brasil é considerado um país megadiverso,
últimas correspondendo em grande parte com uma biota estimada entre 170 e 210 mil
às samambaias, o grupo mais diversificado, espécies, o que corresponde a cerca de 13%
com cerca de 12 mil espécies. As pteridófitas da riqueza mundial.19 Esses números devem
não produzem sementes, o que as distingue ser analisados com cautela, tendo em vista a
primariamente das gimnospermas e angios- dimensão do território nacional (mais de 8,5
permas. milhões de quilômetros quadrados), a com-
As gimnospermas tiveram seu apogeu no plexidade dos ecossistemas e a desigual do-
passado, mas muitos grupos foram extintos e cumentação científica existente, concentrada
são conhecidos somente a partir de registros nas Regiões Sudeste e Sul.

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Com relação aos fungos ocorrentes no nhece-se a ocorrência de 34.916 espécies,


Brasil, foram catalogados até o momento sendo 19.187 (55%) endêmicas do Brasil
1.246 gêneros e 5.719 espécies, distribuídos (Quadro 1.1).24-26 Além disso, foram regis-
em 13 filos e 102 ordens, grandeza que está tradas 4.747 espécies de algas e cianobac-
longe da real diversidade existente e que térias (grupos modernamente incluídos em
foi estimada em 13 a 14 mil espécies.19,20 outros reinos) como esforço para inventário
Os grupos mais representativos foram os de grupos predominantemente associados a
Basidiomycota e os Ascomycota, com 2.741 ambientes aquáticos. A maior riqueza de es-
e 1.881 espécies, respectivamente. Recente- pécies está centrada nas angiospermas, com
mente foram descritas 75 novas espécies de cerca de 32 mil espécies, das quais 19 mil
fungos liquenizados (Ascomycota) somen- (57%) crescem de forma exclusiva no terri-
te para o estado de Rondônia, mostrando tório brasileiro. Em termos de riqueza, des-
a lacuna de conhecimento que representa a tacam-se as famílias Fabaceae, Orchidaceae,
Amazônia.21 Asteraceae, Rubiaceae, Melastomataceae,
O Catálogo taxonômico da flora do Bromeliaceae, Poaceae, Myrtaceae, Euphor-
Brasil, uma iniciativa para reunir informa- biaceae e Malvaceae, que, juntas, agregam
ções sobre a biota animal ocorrente no país quase metade da riqueza do conjunto das
e que contou com a participação de mais de angiospermas.24
500 pesquisadores, registrou 116 mil espécies O sucesso da família Fabaceae, também
de animais, com a maior riqueza encontrada conhecida como Leguminosae, está asso-
nos artrópodes (com quase 94 mil espécies) e ciado à estratégia de fixação biológica de
cordados (com mais de 9 mil espécies). Entre nitrogênio, realizada nos nódulos presentes
os grupos de destaque, podem-se mencionar nas raízes. Isso permitiu que o grupo ocu-
os peixes ósseos (cerca de 4.400), os molus- passe e se diversificasse na região tropical,
cos (com quase 3.100 espécies), as aves (qua- em especial nas áreas com solos pobres e li-
se 3.000), os anelídeos (com cerca de 1.600 xiviados. No Brasil, é bem representada em
espécies) e os anfíbios (pouco mais de 1.000 praticamente todas as formações vegetais,
espécies).22 Em termos gerais, os dados coin- mas sobretudo na Amazônia e na Caatin-
cidem com as estimativas prévias de riqueza ga.  A  família Orchidaceae possui riqueza
realizadas para a fauna brasileira.17 centrada nas áreas florestais, onde é predo-
As plantas estão entre os grupos mais minantemente epifítica, com uma infinidade
bem estudados no Brasil, graças aos esfor- de espécies ornamentais. Suas estratégias
ços iniciados na última década para o seu reprodutivas e ecológicas permitiram uma
inventário que culminaram na produção grande diversificação, sobremaneira na
de listagens bastante completas.23-27 Reco- Mata Atlântica.28

Quadro 1.1  Número de espécies de plantas registradas para o Brasil, com indicação do
número e percentual de endêmicas e ameaçadas de extinção24-26
Grupos Espécies Espécies endêmicas Espécies ameaçadas
Briófitas 1.554 304 (19,6%) 17 (1,1%)
Licófitas e samambaias 1.253 460 (36,7%) 94 (7,5%)
Gimnospermas 23 2 (8,7%) 4 (17,4%)
Angiospermas 32.086 18.421 (57,4%) 1.998 (6,2%)
TOTAL 34.916 19.187 (55%) 2.113 (6,0%)

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Capítulo 1 Biodiversidade no Brasil 5

Lacunas de conhecimento – suficiência amostral, que são a relação entre


o número de coletas realizadas e a área estu-
o exemplo das angiospermas dada. Há na literatura botânica referência a
Ainda que as plantas estejam entre os gru- dois índices de suficiência amostral: o índice
pos mais bem estudados no Brasil – ou talvez de Campbell30 e o de Shepherd.31
especialmente por isso –, há razões para se O índice de Campbell considera satisfa-
acreditar que, pelo menos no caso específico tório, para regiões tropicais, a existência de
das angiospermas, seu conhecimento ainda uma coleta por quilômetro quadrado; já o
tem lacunas importantes a serem destacadas. índice de Shepherd aumenta essa proporção
A condição mais básica para um ade- para três coletas por quilômetro quadrado.
quado conhecimento da Biodiversidade é O uso dos índices de suficiência permite o
uma amostragem satisfatória dela – isto é, diagnóstico de áreas escassamente explora-
a existência de boas coleções científicas dos das e a consequente elaboração de estraté-
organismos que são o objeto de estudo das gias para preencher essas lacunas de conhe-
ciências biológicas: os acervos de instituições cimento. Tal avaliação, porém, tem de ser
como museus, herbários, jardins botânicos e cuidadosa, pois, em certas situações, áreas
zoológicos. A qualidade desses acervos tem com elevados índices de coletas/km2 são o
consequências diretas sobre a qualidade do resultado de superamostragens extremamen-
conhecimento da diversidade biológica. te localizadas – como coletas feitas em estra-
Os acervos de plantas especificamente das planas que cruzam regiões montanhosas
utilizados na sua descrição nomenclatural – de acesso mais difícil – cujo índice de sufi-
como já dito, o primeiro passo para o conhe- ciência mascara o escasso conhecimento da
cimento de uma espécie – estão em museus diversidade local.
e herbários, que guardam amostras de plan- No caso do Brasil, os 6 milhões de
tas adequadamente desidratadas (chamadas amostras divididos pela área do país, de
tecnicamente de exsicatas) e organizadas de aproximadamente 8.516.000 km2, resultam
acordo com suas relações filogenéticas. Essas em um valor em torno de 0,7 coleta/km2, in-
coleções variam em tamanho e representati- ferior ao índice de Campbell.32 Para fins de
vidade; instituições antigas como o Museu comparação, é interessante confrontar esses
de História Natural de Paris, com amostras resultados com a quantidade planetária de
de plantas de diversos continentes, abrigam coletas.29 Os 350 milhões de amostras divi-
acervos de mais de 9 milhões de exsicatas. Em didos pela área dos continentes do planeta,
termos de comparação, o maior herbário do de cerca de 149.000.000 km2, resultam em
Brasil, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, uma quantidade de 2,3 coletas/km2, compa-
tem um acervo de pouco mais de 600 mil ex- rativamente mais elevada.33 Ainda que esse
sicatas. Existem hoje cerca de 3 mil coleções resultado deva ser considerado com reser-
científicas de plantas no mundo, guardando va, ele é sugestivo da escassez de coletas no
um total de 350 milhões de exsicatas reunidas Brasil. Independentemente da quantidade
ao longo de 400 anos de trabalho botânico.29 de coletas – já em si indicativa de lacunas
Como uma amostragem adequada da de conhecimento –, o trabalho de identifi-
Biodiversidade é fundamental para sua cor- cação botânica desse material levado a cabo
reta avaliação, instrumentos que possibilitem pela comunidade científica é também uma
a avaliação da qualidade dessa amostragem eloquente demonstração da ainda limitada
são ferramentas importantes. No que diz compreensão que se tem da Biodiversidade
respeito ao conhecimento botânico de uma brasileira, pelo menos no que diz respeito às
região, a quantidade de material ali coletada plantas com flores, exatamente o grupo com
pode ser avaliada pelos chamados índices de maior número de representantes.

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A identificação até o nível específi- do território brasileiro, e a Mata Atlântica,


co dos milhões de exsicatas guardadas nos 13%, a disparidade entre as descobertas nos
herbários brasileiros é uma tarefa lenta que dois biomas é evidente. Como é improvável
atualmente mobiliza algumas centenas de que a Mata Atlântica seja tão mais diversa
profissionais. Ao longo desse trabalho, não do que a Floresta Amazônica conforme es-
apenas a distribuição das diferentes espécies ses dados parecem sugerir, pode-se supor que
nos vários biomas brasileiros é mais bem co- essa diferença reflita a desigual amostragem
nhecida e mapeada, mas também são dadas de tais biomas. Dos 6 milhões de exsicatas
a conhecer numerosas espécies até então des- nos herbários brasileiros, em torno de 700
conhecidas para a ciência, as assim chama- mil coletas são provenientes dos estados da
das espécies novas (nova, não custa salientar, Região Norte do Brasil, o que equivale a
é um termo técnico referente ao advento de cerca de 0,17 coleta/km2.35 Considerando-
sua descrição – nova porque, até então, não -se essa escassez de material coletado, é
se sabia de sua existência, mas sem qualquer plausível imaginar que coletas intensivas na
tipo de alusão ao evento de especiação que a Amazônia aumentem consideravelmente as
originou). Nunca é demais ressaltar o gran- informações sobre a diversidade biológica
de valor dessas descobertas, que ampliam a na região.
compreensão que se tem dos ambientes onde Se, por um lado, esses resultados in-
foram encontradas e demonstram que sua dicam que há, no Brasil, imensas regiões
real diversidade biológica ainda não foi to- inexploradas, por outro lado mostram cla-
talmente apreendida. ramente que até mesmo áreas intensamente
No caso específico das angiospermas, há amostradas ainda estão longe de ser devida-
dados que mostram que, entre 1990 e 2006, mente conhecidas em sua diversidade. Ainda
foram descritas para o Brasil 2.875 novas que os dados apresentados sejam restritos às
espécies, ao ritmo aproximado de uma espé- angiospermas, não é descabido supor que a
cie nova dada a conhecer a cada dois dias.34 mesma situação se reflita nos outros grupos
Esses dados são significativos no que diz res- de plantas terrestres – em outras palavras, o
peito à extensão do conhecimento da flora conhecimento da Biodiversidade no Brasil
brasileira. Dados posteriores (Sobral & Steh- ainda é um trabalho que está longe de ser
mann, dados não publicados) revelam que, concluído.
no período entre 2007 e 2015, foram adi-
cionadas a essas mais de 1.900 outras novas
espécies, em um ritmo de produção equiva-
Espécies ameaçadas de extinção
lente àquele observado no período anterior. A biologia da conservação é uma disciplina
Uma análise da distribuição geográfica que estuda estratégias para conservação da
dessas espécies novas aponta lacunas inte- diversidade biológica, envolvendo diferentes
ressantes de conhecimento.34 O Brasil pos- atores, como pesquisadores, tomadores de
sui cinco biomas: Floresta Amazônica (ocu- decisão e comunidades. As iniciativas, em
pando 49% do território brasileiro), Mata geral, são focadas em áreas ou nas espécies.
Atlântica (13%), Caatinga (9%), Cerrado No caso de áreas, algumas têm busca-
(24%), Pampa (3%) e Pantanal (2%). Com- do reconhecer aquelas insubstituíveis para
parando-se os dois grandes biomas florestais conservação, como os chamados Hotspots
– a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica –, de Biodiversidade. Essas áreas possuem ele-
582 espécies (20% do total) foram descritas vada riqueza, endemismos e encontram-se
para a Floresta Amazônica e 1.194 (41%) extremamente ameaçadas, com mais de 70%
para a Mata Atlântica. Como a Floresta de sua cobertura original destruída. São re-
Amazônica ocupa aproximadamente 49% conhecidos hoje 34 Hotspots de Biodiversi-

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Capítulo 1  Biodiversidade no Brasil   7

dade, cobrindo apenas 2,5% da superfície mente em Perigo e 9 Extintas na Natureza


do planeta, mas contendo cerca de 50% das (outras cinco são consideradas extintas no
espécies de plantas e 42% das de vertebra- território brasileiro). O Livro vermelho da
dos.36,37 São considerados Hotspots a Mata flora do Brasil, contendo as espécies ameaçada
Atlântica e o Cerrado, formações que estão de extinção, publicado em 2013, inclui dados
distribuídas em sua maior parte no território detalhados sobre cada espécie.43 A maioria
brasileiro. das espécies ameaçadas encontra-se na Mata
No caso de espécies, elas são avaliadas Atlântica (1.544), seguidas pelo Cerrado (645),
e classificadas quanto ao grau de ameaça, Caatinga (253), Pampa (120), Amazônia (87) e
em geral seguindo critérios da União Inter- Pantanal (21). A maior riqueza de endemismos
nacional para a Conservação da Natureza e de destruição ambiental a que foram subme-
(IUCN), podendo ser consideradas extintas tidas as duas primeiras formações explicam o
(EW), ameaçadas [Criticamente em Perigo número absoluto de espécies ameaçadas.
(CR), Em Perigo (EN) ou Vulnerável (VU)], Projeções de quantas espécies ameaçadas
quase ameaçadas ou não ameaçadas.38 As ainda estão para ser descobertas no Brasil
espécies ameaçadas fazem parte dos livros têm sido realizadas e indicam que o número
vermelhos, tendo restrições de uso e sen- de espécies de anfíbios ameaçadas pode cres-
do objeto de planos de ação que objetivam cer 15%, e o de plantas endêmicas, de 10 a
diminuir as pressões sobre as populações, 50%, dependendo da região.44 É importante
evitando, assim, o processo de extinção. As lembrar que esses dados estão longe de repre-
maiores ameaças à Biodiversidade global sentar efetivamente a Biodiversidade amea-
têm sido atribuídas a exploração excessiva çada, uma vez que não incluem indicadores
(37%), degradação e mudança do habitat de perda de diversidade genética ao nível po-
(31%), perda de habitat (13%), mudanças pulacional, sabidamente promotor de proces-
climáticas (7%), espécies invasoras (5%), sos silenciosos de extinção. Muitas espécies
poluição (4%) e doenças (2%). ainda não foram sequer descritas, e diversas
A lista das espécies da fauna brasileira possivelmente já devem ter sido extintas.
ameaçada de extinção vigente inclui 1.173 O século XXI tem sido caracterizado
espécies,39,40 sendo 110 mamíferos, 234 pelo acelerado desenvolvimento científico
aves, 80 répteis, 41 anfíbios, 353 peixes ós- e tecnológico, pelas mudanças globais que
seos, 55 peixes cartilaginosos, 1 peixe-bruxa afetam o planeta em diferentes escalas e pela
e 299 invertebrados. No total, são 448 espé- perda iminente de Biodiversidade. Nesse
cies Vulneráveis, 406 Em Perigo, 318 Criti- contexto, possuir uma das biotas mais ricas
camente em Perigo e 5 Extintas na Natureza do planeta é, antes de tudo, uma fonte de
(outras cinco são consideradas extintas no oportunidades para o Brasil, em especial na
território brasileiro). Ela é uma atualização pesquisa científica e tecnológica dos produ-
da lista apresentada no livro vermelho publi- tos naturais. O grande desafio posto a cada
cado em 2008.41 Para alguns grupos, como nação é a gestão de seu patrimônio natural
os artrópodes, a escassez de dados não per- mediante práticas sustentáveis que não acar-
mite que as espécies sejam adequadamente retem perda de Biodiversidade, o que priva-
avaliadas. ria as futuras gerações de conhecê-las.
Para plantas, a lista das espécies da
flora brasileira ameaçada de extinção in-
clui 2.113 espécies,42 sendo 1.998 angios-
Pontos-chave deste capítulo
permas, 4 gimnospermas, 94 pteridófitas Biodiversidade é o conjunto de organismos
e 17 briófitas. Ao todo, são 495 espécies vivos de todas as origens, incluindo, entre
Vulneráveis, 1.142 Em Perigo, 467 Critica- outros, os ecossistemas terrestres, marinhos

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8 Farmacognosia

e outros ecossistemas aquáticos, e os com- relação é de 0,17 coleta/km2, o que indica


plexos ecológicos de que fazem parte, com- uma imensa deficiência de dados.
preendendo ainda a diversidade dentro de São reconhecidas oficialmente 3.286 es-
espécies, entre espécies e ecossistemas. pécies ameaçadas de extinção para a biota
O número de espécies descritas é de brasileira, das quais 1.173 são animais e 2.113
aproximadamente 1,5 milhão dentro de um são plantas. Esses dados estão longe de repre-
universo estimado em cerca de 11 milhões, o sentar efetivamente a Biodiversidade amea-
que significa que se conhece apenas 13% do çada, uma vez que não incluem indicadores de
conjunto de espécies com as quais comparti- perda de diversidade genética ao nível popu-
lhamos a vida no planeta. Os eucariontes são lacional, sabidamente promotor de processos
mais bem conhecidos do que os procarion- silenciosos de extinção. Muitas espécies ainda
tes; entre os eucariontes, a maior riqueza é não foram sequer descritas, e diversas possi-
encontrada nos animais, seguidos pelas plan- velmente já devem ter sido extintas.
tas e fungos. Os grupos menos conhecidos de Possuir uma das biotas mais ricas do
animais são os insetos; de plantas, as angios- planeta é uma fonte de oportunidades para
permas; e de fungos, aqueles liquenizados e o Brasil, em especial na pesquisa científica e
endofíticos. tecnológica dos produtos naturais. O gran-
O Brasil é considerado um país megadi- de desafio é crescer economicamente tendo
verso, com uma biota estimada entre 170 e como pilares práticas sustentáveis que não
210 mil espécies, o que corresponde a cer- acarretem perda de Biodiversidade, o que
ca de 13,1% da riqueza mundial conhecida. privaria as futuras gerações do seu usufruto.
Para a fauna, foram registradas 116 mil es-
pécies, com a riqueza concentrada nos artró-
podes, com 94 mil espécies, seguidos pelos
Referências
cordados, com 9 mil espécies. Com relação 1. Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Con-
aos fungos, foram catalogadas 5.719 espé- venção sobre diversidade biológica [Internet].
cies, grandeza que está longe da real diver- Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente;
sidade existente, estimada em 13 a 14 mil 2000 [capturado em 30 mar. 2016]. Dispo-
nível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/
espécies. As plantas estão entre os grupos
sbf_chm_rbbio/_arquivos/cdbport_72.pdf.
mais bem estudados no Brasil, com 34.916
2. Wilson EO. Biodiversity. Washington: Natio-
espécies catalogadas, incluindo briófitas, sa- nal Academic; 1988.
mambaias, licófitas, gimnospermas e angios- 3. Reaka-Kudla ML, Wilson DE, Wilson EO.
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Biodiversidade brasileira são enormes. Aná- 4. Maclaurin J, Sterelny K. What is biodiversity?
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que, nas últimas décadas, têm sido descritas 5. Barnosky AD, Matzke N, Tomiya S, Wogan
cerca de 200 espécies novas a cada ano para GOU, Swartz B, Quental TB, et al. Has the
Earth’s sixth mass extinction already arrived?
a flora brasileira, o que demonstra que o
Nature. 2011;471(7336):51-7.
grupo está incompletamente inventariado.
6. Clark NE, Clark NE, Lovell R, Wheeler BW,
A documentação da Biodiversidade junto
Higgins SL, Depledge MH, et al. Biodiversity,
às coleções taxonômicas evidenciaria uma cultural pathways, and human health: a fra-
insuficiência amostral, com uma relação de mework. Trends Ecol Evol. 2014;29(4):198-
0,7 coleta/km2, bem abaixo das 2,3 coletas/ 204.
km2 calculadas para as áreas continentais 7. Tree of Life Web Project [Internet]. [local
do planeta. Para a Floresta Amazônica, essa não identificado]: Tree of Life Web Project;

Simoes_01.indd 8 24/08/2016 11:27:14


Capítulo 1 Biodiversidade no Brasil 9

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10 Farmacognosia

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2
Nomenclatura e identificação de
plantas e outros organismos
Sérgio Augusto de Loreto Bordignon, Lilian Auler Mentz

Introdução 11 nidas em gêneros, estes em subtribos, tribos,


Histórico 12 subfamílias ou famílias, e as famílias em gru-
pos taxonômicos de maior ordem.
Nomes científicos para organismos vivos 12
A identificação de um organismo, na
Tipificação de nomes científicos 14 maioria das vezes, é realizada até espécie e
Sinônimos 14 consiste na comparação com uma espécie
Coleta, preparação, registro e identificação já descrita, devendo ser feita a cada vez que
de organismos vivos 15 se deseja conhecer o nome científico de um
Pontos-chave deste capítulo 19 organismo coletado ou encontrado na na-
tureza. Portanto, todos os organismos vivos
Referências 20
conhecidos possuem nomes científicos, os
quais são aceitos internacionalmente por
pesquisadores, estudiosos e pessoas interes-
Introdução sadas no assunto.
A imensa diversidade de organismos vivos é Denominam-se espécies os grupos de
responsável pelas dificuldades em reconhecê- populações que têm semelhanças relativa-
-los. Alguns procedimentos precisam ser uti- mente grandes entre si, diferindo de outros
lizados para facilitar a identificação de um grupos de populações menos semelhantes.
organismo vivo e sua inclusão em um siste- No entanto, o conceito e o emprego desse
ma de classificação. A classificação coloca termo difere grandemente entre os sistema-
ou agrupa um determinado organismo vivo tas, existindo muitos conceitos de espécie,
em uma categoria específica dentro de uma sendo o conceito biológico de espécie o mais
hierarquia, sendo feita apenas uma vez para conhecido.1,2 Esse conceito define espécie
cada ser vivo – ou poucas vezes, quando evi- como “[...] um grupo de populações naturais
dências posteriores obrigam sua realocação cujos membros podem cruzar entre si, mas
em outra categoria taxonômica. não podem (ou pelo menos não é usual) cru-
Taxon (plural taxa) é um termo estabele- zar com membros de outros grupos [...]”.2
cido para designar uma unidade taxonômica O critério para essa definição é o isolamento
de qualquer hierarquia. As unidades taxonô- genético, que não funciona bem para todas
micas podem ser amplas, como as famílias e as situações, sendo “[...] difícil aplicá-lo às
tribos, ou mais restritas, como gêneros, se- condições reais da natureza [...]”.2 Esse con-
ções ou espécies. Assim, as espécies são reu- ceito em geral tem sido abandonado pelos

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12 Farmacognosia

sistematas vegetais, mas tem dominado a li- Lineu tem nomes científicos dados por ele.
teratura zoológica.1 Dentre os diversos con- Muitos animais conhecidos na época tam-
ceitos de espécie (ver Judd e colaboradores1), bém receberam nomes de Lineu.
pode-se destacar o conceito morfológico de
espécie, baseado em critérios anatômicos e
morfológicos, e o conceito filogenético de es- Nomes científicos para
pécie, com base na reconstrução da história organismos vivos
evolutiva das populações.2
Os nomes científicos para algas, fungos (in-
cluindo líquens), plantas avasculares e vascu-
Histórico lares são regidos pelo Código Internacional
de Nomenclatura para algas, fungos e plan-
Ao longo da história, cada grupo humano tas.5 Para os nomes científicos de animais,
deu aos organismos vivos nomes que pu- são observadas as regras descritas no Código
dessem ser utilizados por todos dentro do Internacional de Nomenclatura Zoológica.6
grupo, facilitando a convivência. Esses no- Para os demais organismos vivos, os proca-
mes são considerados populares e variam riontes, são considerados atualmente dois
entre os grupos étnicos, que podem até ter grupos distintos, Bacteria e Archaea. O Co-
diferentes línguas ou dialetos. Cada grupo mitê Internacional de Sistemática de Proca-
tem uma vivência com os organismos encon- riotes, responsável pelo Código Internacio-
trados no seu ambiente, podendo chamar a nal de Nomenclatura de Bactérias,7 indica
mesma espécie por diferentes nomes. Nomes as regras de nomeação desses organismos,
populares, comuns, vulgares ou vernaculares bastante semelhantes às normas do Código
são regionais e não recebem importância, Internacional de Nomenclatura Zoológica.
de modo geral, nos trabalhos taxonômicos.
Os três códigos de nomenclatura bio-
Contudo, eles são úteis e importantes em
lógica mencionados têm em comum, com
trabalhos etnobiológicos como fonte de in-
exceção da citação de autores, os seguintes
formações sobre a cultura ou vocabulário de
princípios básicos:
uma população, podendo dar indícios sobre
a utilização popular das espécies. • O nome científico é sempre um binômio
Apenas em 1753, Carl von Linné – mé- escrito em latim ou em palavras ou no-
dico e naturalista sueco, cujo nome foi la- mes latinizados.
tinizado para Carolus Linnaeus, também • A primeira palavra do binômio científico
conhecido como Carl Linnaeus e, no Brasil, corresponde ao gênero e deve ser escrita
como Lineu – publicou, em dois volumes, a com letra inicial maiúscula; a segunda
obra Species Plantarum,3 a qual é o ponto palavra corresponde ao epíteto específi-
de partida para a validação dos nomes cien- co para uma espécie determinada, a qual
tíficos para espécies de plantas. Em 1758, deve concordar gramaticalmente com o
Lineu publicou a décima edição do Systema nome do gênero e ser escrita com letra
Naturae,4 ano considerado como inicial na inicial minúscula.
nomenclatura zoológica. Desde então, todos • O binômio científico de algas, fungos e
os nomes de organismos vivos publicados, plantas deve ser acompanhado do nome
obedecendo ao formato iniciado por Lineu, do seu autor, isto é, da pessoa que descre-
tornaram-se nomes conhecidos internacio- veu a espécie e nomeou o epíteto especí-
nalmente, facilitando a comunicação entre fico; quando há dois nomes de autores,
os pesquisadores. É interessante notar que eles são mencionados com um “et” ou
a grande maioria das plantas comestíveis e “&” entre eles, e, no caso de mais auto-
medicinais utilizadas na Europa na época de res, é permitido o uso de “et al.”. Nomes

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Capítulo 2 Nomenclatura e identificação de plantas e outros organismos 13

de autores podem ser abreviados, mas é do com as regras de nomenclatura, como o


recomendado que as abreviaturas não exemplo da melissa: Melissa officinalis L.
sejam aleatórias, sugerindo-se que, para Quando uma espécie é transferida de um gê-
algas, fungos e plantas, sejam obedeci- nero para outro, o nome do autor do epíteto
das as abreviaturas de autores propostas específico deve vir entre parênteses antes do
por Brummit e Powell.8 O Código Inter- nome do autor que estabeleceu a nova com-
nacional de Nomenclatura Zoológica e binação. Assim, o baicuru, de nome científi-
o Código Internacional de Nomenclatu- co Limonium brasiliense (Boiss.) Kuntze, foi
ra de Bactérias permitem que o nome do descrito inicialmente como Statice brasilien-
autor seja dispensado, mas indicam que, sis Boiss., e quando Carl Kuntze, botânico
nas publicações científicas, ele seja men- alemão, concluiu que o gênero correto para
cionado pelo menos uma vez no texto. a espécie deveria ser Limonium, o epíteto
O sobrenome do autor (ou dos autores) específico dado por Pierre Boissier, botâni-
é escrito por extenso e é separado por co suíço, obrigatoriamente ficou ligado ao
uma vírgula do ano da publicação do nome de seu autor entre parênteses.
nome científico. Algumas espécies receberam nomes de-
• Sempre que houver mais de um epíteto sacompanhados de descrição. Nesses casos,
específico para nominar uma espécie, o nome do autor da descrição deve ser men-
vale o princípio da prioridade, devendo cionado após o nome do autor do epíteto es-
ser utilizado o nome mais antigo, sendo pecífico, como em Maytenus ilicifolia Mart.
os demais considerados sinônimos. Tal ex Reissek. Dessa forma, fica claro que Carl
regra vale para todos os nomes publi- von Martius, botânico alemão, deu nome à
cados a partir de 1753 para algas, fun- espécie, mas o responsável pela descrição
gos e plantas e de 1758 para os nomes foi Siegfried Reissek, botânico austríaco.
publicados para animais. Exceções são Algumas espécies foram descritas por mais
explicitadas e justificadas nos Códigos de um autor, sendo necessário mencioná-los
anteriormente referidos. utilizando-se “et” ou “&” entre seus nomes.
• O binômio científico de qualquer or- Assim, Crataegus nigra Waldst. & Kit. foi
ganismo vivo deve ser grifado no texto descrita por dois autores, ambos naturalis-
(o grifo em itálico é o usual; quando ma- tas, Franz von Waldstein, austríaco, e Pál
nuscrito, deve ser sublinhado). (Paul) Kitaibel, húngaro. No caso de uma
publicação feita por mais autores, a citação
Os diferentes códigos de nomenclatura deve ser restrita ao primeiro autor seguida de
podem sofrer modificações por decisão dos “et al.” ou “& al.”.5
respectivos Comitês. Todos são indepen- Existem gêneros que agrupam nume-
dentes, portanto um nome genérico de uma rosas espécies, como Maytenus, no qual se
alga, fungo ou planta pode ser igual a um inclui a espinheira-santa, Maytenus ilicifo-
nome genérico de um animal ou procarionte. lia Mart. ex Reissek, sendo constituído por
Porém, em nenhum caso nomes genéricos e mais de 200 espécies diferentes,1 das quais
específicos de animais podem ser iguais en- pelo menos 49 de ocorrência no Brasil.9 Já o
tre si, isto é, homônimos; em caso de dois ou gênero Ginkgo é monotípico, isto é, consti-
mais autores coincidirem na descrição de gê- tuído por uma única espécie, Ginkgo biloba
neros ou espécies utilizando o mesmo nome, L., de nome popular ginco. Fenotipicamente
prevalece o nome mais antigo, devendo o ou- não existe outra planta que poderia ser in-
tro taxon ser renomeado. cluída no mesmo gênero.
Um nome científico de uma alga, fungo Um nome científico de um animal é cor-
ou planta é corretamente escrito, de acor- retamente escrito, de acordo com as regras de

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14 Farmacognosia

nomenclatura, como o exemplo da abelha: além da dificuldade de obtenção de biblio-


Apis melifera Linnaeus, 1758. O Código zoo- grafia e de comunicação entre os naturalis-
lógico permite, diferentemente do Código bo- tas, entre outros fatores.
tânico, que o epíteto específico possa repetir Já no século XIX, especialistas em de-
o nome do gênero. Assim, o nome do quati terminadas famílias ou grupos menores de
é corretamente redigido como Nasua nasua organismos vivos sinonimizaram um núme-
(Linnaeus, 1766). Quando, como no exemplo ro muito elevado de nomes, os quais, para
do quati, o nome do autor da espécie e a res- plantas, foram sendo incluídos em publica-
pectiva data de publicação estão entre parên- ções editadas a partir de 1895 e atualizadas
teses, significa que essa espécie foi realocada a cada cinco anos na obra intitulada Index
em um gênero diferente daquele em que ela Kewensis,10 em que são listados nomes acei-
foi originalmente descrita. Por isso, o nome tos e seus sinônimos. Monografias de famí-
científico da onça também é corretamente lias, tribos, gêneros ou seções foram e são, em
escrito como Panthera onca (Linnaeus, 1758) regra, a fonte mais confiável para a obtenção
por ter sido originalmente descrito como Felis de uma listagem de sinônimos. Além dessas
onca Linnaeus, 1758. Portanto, no Código obras, outras publicações contribuíram e
Zoológico o nome do autor que fez a transfe- contribuem para isso – por exemplo, as das
rência de gênero não é mencionado. floras e faunas de regiões, estados ou países.
Os nomes científicos de plantas vasculares
que constam no Index Kewensis, no Gray
Tipificação de nomes científicos Card Index e no Australian Plant Names In-
Todas as descrições de organismos novos dex, a partir de 1990, foram catalogados em
devem estar baseadas em materiais-tipo, uma base de dados eletrônica disponível on-
considerados como materiais testemunho, -line, denominada International Plant Names
os quais devem estar depositados em insti- Index,11 a qual é muito útil para a verifica-
tuições de pesquisa e disponíveis a todos os ção da aceitação dos nomes, tornando-se um
pesquisadores. Esses materiais são chamados grande facilitador. Essa base foi desenvolvi-
de tipos e servem para comparação sempre da por meio de uma colaboração entre três
que houver dúvida sobre a identidade de instituições de pesquisa: The Royal Botanic
uma espécie. Para epítetos específicos mui- Gardens (Kew), The Harvard University Her-
to antigos, cujos espécimes-tipo foram per- baria e Australian National Herbarium.
didos, são aceitas estampas com ilustrações. Ao mesmo tempo, outra base de dados
Os tipos dão confiabilidade aos nomes, sinô- eletrônica foi desenvolvida pelo Missouri Bo-
nimos e descrições de cada espécie. tanical Garden,12 visando inicialmente a es-
pécies das Américas, mas que hoje conta com
um número maior de nomes de diversas par-
Sinônimos tes do mundo. Reunindo tais bases de dados
Muitos nomes de espécies de organismos a outras menores existentes, surgiu, em 2010,
vivos têm um ou mais sinônimos, que são outra base denominada The Plant List,13 a
nomes dados por botânicos, zoólogos ou ou- qual tem por objetivo relacionar todos os no-
tros pesquisadores, que posteriormente, em mes citados nas listas já existentes e incluir
revisões taxonômicas, foram identificados nomes de briófitas, além das plantas vascula-
como sendo atribuídos a um mesmo taxon, res, mencionando quais nomes são até a data
utilizando o princípio da prioridade de pu- da atualização aceitos e quais são sinônimos.
blicação.5,6 Tal fato ocorreu por vários moti- Em 2010, o Brasil disponibilizou a Lista
vos, como a ampla distribuição geográfica e de Espécies da Flora do Brasil9 em versão
a variabilidade morfológica dos organismos, on-line, recentemente atualizada em 2015,

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Capítulo 2 Nomenclatura e identificação de plantas e outros organismos 15

elucidando os nomes aceitos para as espécies As coletas para estudos fitoquímicos


nativas, além de fornecer informações sobre ou farmacognósticos, na maioria das vezes,
ocorrência geográfica. Ao mesmo tempo, buscam espécies vegetais orientadas pelo
a versão on-line de 2010 foi publicada em conhecimento quimiotaxonômico ou filo-
versão impressa.14 Para os animais, existem genético, dirigindo a coleta para espécies de
diversos catálogos on-line com nomes de gru- determinados gêneros, famílias ou categorias
pos, como o que lista apenas os insetos da taxonômicas superiores. Em todos esses ca-
ordem Diptera,15 enquanto o principal catá- sos, são necessários cuidados antes de cada
logo lista, no ano de 2016, nomes de mais de coleta. Em primeiro lugar, é necessário ob-
1.600.000 organismos vivos. Esse catálogo16 servar se a planta-alvo da coleta é o único
é um esforço conjunto de numerosas institui- exemplar na região. Apesar da ideia, bas-
ções científicas de todo o mundo sob o pro- tante difundida, de que o Brasil é um celeiro
jeto Species 2000,17 que pretende reunir os de Biodiversidade, deve-se ter em mente que
nomes publicados para todos os organismos, existem espécies em risco de extinção,19 e
informando se os nomes são aceitos ou se que sua coleta indiscriminada poderia acen-
correspondem a sinônimos. Todas essas bases tuar esse risco. A Portaria MMA no 443, de
citadas são periodicamente atualizadas. 17 de dezembro de 2014, estipula que plan-
tas incluídas na Lista Oficial de Espécies da
Flora Ameaçadas de Extinção são protegidas
Coleta, preparação, de maneira integral, apenas podendo ser co-
registro e identificação letadas, excepcionalmente para pesquisa,
de organismos vivos quando autorizado pelo ICMBio.18
Quando se coletam plantas não ameaça-
A coleta de material biológico para estudos das com o intuito de identificar uma espécie
científicos ou trabalhos didáticos requer e incluí-la em uma coleção, pode-se retirar
autorizações do Sistema de Autorização e da natureza pouco material, mas quando o
Informação em Biodiversidade (SISBio), objetivo é obter extratos ou substâncias ati-
vinculado ao Instituto Chico Mendes de vas, é necessária uma quantidade maior, e é
Conservação da Biodiversidade (ICMBio). então que cuidados devem ser tomados. Um
A Instrução Normativa no 3 do ICMBio, de exemplo clássico, no Brasil, foi o da coleta
1o de setembro de 2014, publicada no Diário extrativa, com fins industriais, de espécies
Oficial da União (DOU) em 2 de setembro de Pilocarpus nas Regiões Nordeste e Norte
de 2014,18 regulamenta a coleta de material do país para a obtenção de pilocarpina.
biológico para fins científicos e didáticos no Populações de plantas de diversas áreas de-
âmbito do ensino superior. sapareceram,20 colocando em risco de extin-
A coleta de plantas é o processo de se re- ção as espécies mais importantes: Pilocarpus
tirar um ou mais indivíduos inteiros ou parte microphyllus Stapf ex Wardlew. (Norte do
deles da natureza. Antes da coleta de qual- Pará, Maranhão e Piauí) e Pilocarpus jabo-
quer espécie, são necessárias algumas con- randi Holmes (Bahia, Ceará e Pernambuco).
siderações. Levantamentos etnobotânicos O cultivo racional dessas espécies parece ser
e etnofarmacológicos, em regra, têm como a única alternativa para que o processo de
preocupação reunir o maior número de es- extinção seja revertido.
pécies utilizadas como medicinais por uma Um exemplo com outro enfoque, o do
população; os primeiros, com um objetivo modismo, foi o risco da extinção de Han-
mais amplo, e os segundos, frequentemente droanthus heptaphyllus (Vell.) Mattos
buscando plantas com uma determinada ati- (= Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo), co-
vidade (analgésica, anti-inflamatória, etc.). nhecida como ipê-roxo, que foi objeto de

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16 Farmacognosia

estudo por parte do U.S. National Cancer tados devem ser colocados entre duas lâminas
Institute, tendo sido alguns dos resultados de material resistente e duro, como, por exem-
divulgados nos meios de comunicação. Tal plo, madeira. A essas lâminas dá-se o nome de
divulgação fez com que cascas dos troncos prensa, cuja função é manter o material cole-
das árvores dessa espécie fossem arrancadas tado apertado entre os papéis e papelões, de
indiscriminadamente, provocando a morte modo que, quando os ramos secarem, folhas
de numerosos indivíduos na Mata Atlântica, e flores permaneçam perfeitamente distendi-
nas matas adjacentes ao Rio Paraná e mesmo das. A prensa, quando colocada em uma estu-
nas cultivadas em parques ou em arboriza- fa para acelerar o processo de secagem, deve
ção urbana (Bordignon, observação pessoal). ser bem amarrada com uma corda ou cinta
A herborização do material destinado à resistente. Se o processo de secagem escolhido
identificação e conservação como material for o natural, o papel-jornal deve ser trocado
testemunho é o processo de preparação do todos os dias, e a prensa deve ficar em local
material coletado para preservá-lo em uma arejado.
coleção de plantas denominada herbário. Cada espécie vegetal tem um tempo de
O nome que se dá à planta herborizada e secagem diferente que depende da quanti-
acondicionada em uma pasta ou folha de pa- dade de água existente na planta. Plantas
pel é exsicata. Essa palavra deriva da palavra suculentas (crassas, carnosas), como cactá-
latina exsicco, que quer dizer “secar”. ceas, crassuláceas e algumas euforbiáceas e
A preparação das exsicatas inicia-se com a asteráceas, entre outras, exigem um preparo
coleta, tomando-se o cuidado de coletar plan- diferenciado devido à grande quantidade de
tas que contenham estruturas reprodutivas, água que existe em seus tecidos. Além do
como flores ou frutos, o que facilita a identifi- cuidado com o tempo de secagem, é impor-
cação. Plantas de pequeno porte, como ervas, tante etiquetar cada planta com um núme-
são coletadas inteiras, inclusive com raízes. ro de referência ou com os dados de coleta,
Plantas maiores do que cerca de 40 cm, mas anexados em uma etiqueta ou registrados em
não mais do que 80 cm, podem ser coletadas um caderno de coleta, constando, no papel-
inteiras, sendo dobradas ou divididas em duas -jornal, apenas o número correspondente.
ou três porções menores, que serão mantidas Quando o material estiver seco, procede-
na mesma exsicata. De arbustos e árvores cor- -se ao preparo da exsicata. A folha ou pasta
tam-se porções terminais dos ramos, com cer- com que se faz uma exsicata tem, em regra,
ca de 30 cm, onde se encontram as flores e/ou o tamanho de um jornal tabloide (aproxima-
frutos. Se a parte da planta utilizada não for damente 30 x 40 cm), devendo ter uma tex-
aquela da coleta para identificação, mas sim tura similar a do papel-cartolina. O material
a casca do caule, por exemplo, é importante coletado e secado é preso nesse papel espe-
anexar uma amostra dela na exsicata. cial com fita adesiva, cola ou linha e agulha,
Os ramos ou plantas inteiras são então dependendo das normas do herbário em que
colocados entre várias folhas de papel absor- será depositado. Fungos e algas macroscópi-
vente, como, por exemplo, jornal, procuran- cas podem ser preservados em exsicatas, en-
do-se estender as folhas e flores para que não velopes, pequenas caixas ou em via líquida,
fiquem dobradas ou enrugadas. Dois ou três dependendo do porte e das características de
conjuntos de papel-jornal contendo ramos de cada espécie. Já fungos e algas microscópi-
plantas devem ser separados por cartões de cas são preservados em lâminas permanentes
papelão, os quais também podem ser separa- perfeitamente identificadas e acondicionadas
dos por folhas de alumínio fino e ondulado, em coleções separadas nos herbários, assim
que facilitam a passagem de ar quente entre como grãos de pólen, esporos e outras estru-
os conjuntos. Todos os conjuntos assim mon- turas muito pequenas.

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Capítulo 2  Nomenclatura e identificação de plantas e outros organismos   17

O registro é parte importante de uma duplicatas. Elas podem ser distribuídas para
coleta. Inicia-se no campo, quando se ano- outros herbários, garantindo a perpetuação
tam os dados necessários em uma caderneta do material-testemunho.
de campo, e continua no herbário, quando as A identificação deve ser confiável, per-
anotações são anexadas à exsicata. À direita mitindo a reprodução de novas investiga-
e na porção inferior da pasta é colada a eti- ções com a mesma espécie mediante novas
queta de coleta, a qual deve conter todas as coletas e comparação com o material tes-
informações referentes à planta, como nome temunho. Plantas de regiões onde a Biodi-
científico, família botânica, nome popular versidade é muito grande, como a Mata
(quando conhecido), local exato da coleta Atlântica, o Cerrado Brasileiro e a Flores-
com coordenadas geográficas (utilizando-se ta Amazônica, são mais difíceis de identi-
GPS, Global Position System), bem como ficar do que plantas onde a vegetação tem
data da coleta, nome do coletor e seu nú- um número pequeno de espécies diferentes,
mero de coleta. Esses dados são necessários situação em que a consulta à bibliografia e
para que se possa coletar a mesma espécie no a comparação com material de herbário ge-
mesmo local e em data aproximada, quando ralmente são mais fáceis. Espécies oriundas
desejado. Também é importante que seja re- de outros países ou continentes, cultivadas
gistrado o nome do botânico que identificou como medicinais ou ornamentais – bem
a espécie, além de dados não mais visíveis como aquelas que ocorrem de forma espon-
na planta seca, como cor das folhas e flores, tânea e que sofreram hibridizações, como as
aroma, entre outros. do gênero Mentha –, são, com frequência,
Dados referentes ao ambiente, tipo de difíceis de identificar.
vegetação, hábito, porte da planta, altitude Para a identificação correta de uma es-
e outros devem ser acrescentados. Quando pécie, além da comparação com material já
o objetivo da coleta é um levantamento et- determinado por especialistas em herbário, é
nobotânico ou etnofarmacológico, todos os necessária uma ampla revisão bibliográfica.
dados obtidos referentes ao uso popular da A literatura mais confiável é a monografia
espécie devem ser registrados. Se o objetivo do gênero, tribo ou família. Quando não
é o de estudos em farmacologia, farmacog- existente, pode-se recorrer a floras da região,
nosia, fitoquímica, agronomia ou biotecno- Estado ou outras unidades, como parques
logia, deve-se referir na etiqueta que aquele e reservas biológicas. Em uma monografia
material é testemunho para o trabalho ou ou em uma flora são encontradas chaves de
projeto específico. Também é obrigatório identificação das espécies, que facilitam a de-
que, nas publicações científicas, o número terminação do material coletado. Além disso,
do coletor e/ou herbário, além da sigla do tais publicações contêm descrições e quase
herbário onde o material testemunho (vou- sempre ilustrações das espécies. Nem sempre
cher) foi depositado, sejam mencionados; todas as espécies de uma família constam nas
esse herbário deve ser indexado no Index monografias, pois às vezes o autor não teve
Herbariorum,21 devendo fazer parte das acesso a todas as coletas da região estudada
instituições denominadas Fiéis Depositárias ou, frequentemente, a monografia foi elabo-
do Patrimônio Genético, que são institui- rada sem que o autor tivesse oportunidade
ções credenciadas pelo Conselho de Gestão de conhecer a flora da região, trabalhando
do Patrimônio Genético (CGEN), um órgão apenas com plantas herborizadas coletadas
do Ministério do Meio Ambiente. Quando por outras pessoas. Por isso, a identificação
é possível preparar mais de uma exsicata de feita por botânicos que tenham profundo co-
uma mesma espécie, de ramos retirados da nhecimento sobre a flora da região é de fun-
mesma planta, as exsicatas são consideradas damental importância.

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18  Farmacognosia

A coleta, preparação, registro e identi- taxonômico. As coletas de animais para pes-


ficação de animais e procariontes são reali- quisa química, bioquímica ou farmacológica
zadas conforme o grupo taxonômico a que devem respeitar a legislação mencionada, ou
pertencem. Animais em risco de extinção22 a mais atual no momento, e ser realizadas
não podem ser objeto de coleta. Cada grupo de acordo com técnicas encontradas para o
de animais tem uma regulamentação espe- grupo na literatura ou desenvolvidas pelo
cífica para procedimentos de pesquisa, cuja pesquisador.
coleta e preparação, para qualquer finalida- Para preservação, os espécimes podem
de, devem respeitar a legislação vigente do ser conservados em via líquida, na qual co-
país. Pesquisas que envolvem experimenta- mumente é utilizado o álcool a 70%, em
ção animal devem ser submetidas aos Co- recipientes de vidro ou plástico, nas quais
mitês de Ética das instituições às quais os são preservados vertebrados menores (mor-
pesquisadores estejam vinculados. A Lei nº cegos, répteis, anfíbios e peixes) e a maio-
11.794, de 8 de outubro de 2008, regula- ria dos invertebrados.25 Outra maneira
menta o inciso VII do § 1º do art. 225 da de conservação é por via seca, em animais
Constituição Federal, estabelecendo proce- maiores, na forma de esqueletos montados
dimentos para o uso científico de animais; ou taxidermizados. A taxidermia (preparo
e revoga a Lei nº 6.638, de 8 de maio de da pele para exposição ou estudo) costuma
1979. De acordo com o Art. 2º, o dispositi- ser empregada para preparação de cole-
vo nessa Lei aplica-se aos animais das espé- ções de mamíferos e aves.25 Peixes devem
cies classificadas como pertencentes ao filo ser conservados em álcool a 70 ºGL, mas os
Chordata, subfilo Vertebrata, observada a autores também relatam que em alguns mu-
legislação ambiental.23 seus eles são conservados em formol a 10%,
As técnicas de coleta são muito diferen- neutro, podendo também ser utilizado o
tes entre si, dependendo dos grupos taxo- álcool isopropílico ou até mesmo álcool
nômicos e da finalidade a que se destinam, a 75 ºGL.24 Para invertebrados marinhos
seja na conservação em coleções ou em ati- (como esponjas e corais), são utilizados pro-
vidades de pesquisa. Essas técnicas podem tocolos de coleta estabelecidos para grupos
ser encontradas em manuais referentes a determinados, sendo que grande parte dos
cada grupo ou em periódicos científicos. espécimes deve ser preservada e mantida em
Por exemplo, para insetos noturnos são uti- via úmida, o que dificulta sua manutenção
lizadas armadilhas luminosas; para insetos e exige espaço adequado, além de pessoal
diurnos e outros artrópodes, redes ou ou- técnico especializado.26
tras armadilhas como o guarda-chuva en- Animais microscópicos e organismos
tomológico; para aves e morcegos, redes de procariontes, para identificação e registro,
neblina; para mamíferos, diferentes tipos de por meio de comparação, podem ser mon-
armadilhas, dependendo de serem pequenos, tados em lâminas permanentes, devendo ser
médios ou grandes, de hábitos diurnos ou conservados em coleções disponíveis aos
noturnos. Peixes também são coletados de pesquisadores. Os métodos de manutenção
diferentes formas, como com linhas de mão, de microrganismos,27 como fungos e bac-
vara de pescar, espinhel, peneiras diversas, térias, são diversos, visando à preservação
redes de diversos tipos, toxinas naturais, en- deles, sem alterações genéticas, pelo tempo
tre outras.24 adequado à pesquisa em desenvolvimento,
A preparação de espécimes de animais, ou por maior tempo, se o objetivo é mantê-
ou partes deles, para inclusão em coleções -los em bancos genéticos.
como material testemunho, é realizada de Os registros das coletas são anotados
diferentes maneiras, dependendo do grupo primeiramente em cadernos de campo, nos

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Capítulo 2 Nomenclatura e identificação de plantas e outros organismos 19

quais devem constar todos os dados am- • A coleta de organismos vivos (definidos
bientais e de localização, como descrito para como organismos ou partes destes, en-
plantas. Além disso, é importante registrar globando plantas, algas, fungos, animais
características próprias de cada organismo. e microrganismos) deve respeitar a legis-
Esses dados são posteriormente repassados a lação vigente. Qualquer coleta no Brasil
etiquetas anexadas aos espécimes conserva- requer autorização do SISBio por um
dos em coleções científicas. prazo amplo ou definido, que depende
A identificação é feita por meio de con- do projeto de pesquisa ou da finalidade
sulta à bibliografia com chaves taxonômicas, didática.
descrições e ilustrações, comparação com • A preparação de materiais coletados é
material de coleções ou consulta a especia- diferente para cada grupo de organismos
listas. vivos. Para plantas e determinados fun-
Muitas coleções biológicas já estão com gos e algas, são feitas exsicatas deposita-
os dados de seus acervos digitalizados e dis- das em coleções chamadas de herbários.
poníveis para consulta na rede speciesLink,28 Nas mesmas coleções são depositados
que tem por princípio disponibilizar dados fungos e algas sob outras formas de pre-
de coleta tanto para algas, fungos e plantas paração, dependendo de sua estrutura
quanto para animais e procariontes – incluí- e tamanho. Animais macroscópicos são
dos nas diferentes coleções. Atualmente 54% mantidos em coleções científicas, prepa-
dos herbários ativos do Brasil participam da rados de diferentes maneiras. Animais
rede INCT – Herbário Virtual da Flora e dos microscópicos, algas microscópicas,
Fungos.29
fungos microscópicos e procariontes são
preservados em lâminas e mantidos em
Pontos-chave deste capítulo coleções correspondentes.
• O registro é uma fase importante da
• Todos os organismos vivos conhecidos
coleta que preserva todos os dados
até o momento têm nomes científicos re-
referentes a localização geográfica e
gidos por regras de nomenclatura, que,
ambiente, além dos dados do coletor
em seus princípios básicos, são iguais
e data de coleta. A localização geográ-
nos diferentes códigos – com algumas di-
fica permite que as espécies detectadas
ferenças relacionadas à citação do nome
como pouco coletadas sejam avalia-
do autor ou dos autores das espécies.
das sob o aspecto da sua extinção nos
• Distintas bases de dados eletrônicas fo-
biomas.
ram desenvolvidas por instituições de
pesquisa em todo o mundo. Em relação • A identificação é realizada conforme o
às plantas, encontram-se listagens atuali- grupo taxonômico a que pertencem os
zadas no The Plant List* e, para espécies organismos coletados. Para a identifi-
nativas, na Lista de Espécies da Flora do cação correta de uma espécie, além da
Brasil.** Quanto aos animais, há diver- comparação com material já determi-
sos catálogos on-line, sendo o principal nado por especialistas em herbários ou
deles o www.catalogueoflife.org, vincu- em coleções de animais, é necessária
lado ao projeto Species2000.*** uma ampla revisão bibliográfica. Entre
as fontes bibliográficas mais confiáveis
para a identificação de organismos vi-
* Disponível em: www.theplantlist.org.
** Para mais informações, acesse: www.floradobrasil. vos, estão as monografias de famílias,
jbrj.gov.br. tribos, gêneros ou seções e as floras e
*** Disponível em: www.sp2000.org. faunas de regiões, estados ou países.

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20  Farmacognosia

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3
A quimiotaxonomia na sistemática
dos seres vivos
Gilsane Lino von Poser

Introdução 23 res vivos é dado o nome de quimiotaxonomia.


Quimiotaxonomia vegetal – um breve histórico 24 Essa técnica tem sido bastante empregada
como auxiliar na interpretação de relações
Aplicações da quimiotaxonomia 25
entre diversos organismos vivos como bacté-
Limitações da aplicação de dados químicos rias, fungos e artrópodes, mas especialmente
em sistemática 26 de taxa do reino vegetal. A presença de cer-
Pontos-chave deste capítulo 27 tas substâncias em determinados grupos de
Referências 27 plantas tem fornecido dados que auxiliam
Leituras sugeridas 28 o taxonomista na construção de sistemas de
classificação. Considerando que numerosos
estudos quimiotaxonômicos têm sido desen-
volvidos com base na ocorrência de substân-
Introdução
cias do chamado metabolismo secundário,
Desde os primórdios da civilização, o ser hu- é dada ênfase a compostos encontrados no
mano começou a categorizar os seres vivos, Reino Plantae (i.e., reino vegetal).
permitindo que eles pudessem ser referidos.
No entanto, a grande Biodiversidade encon-
O metabolismo vegetal
trada no planeta tornou necessária uma sis-
tematização com base em critérios de mais Os produtos químicos produzidos pelos ve-
fácil utilização, agrupando aquelas formas getais podem ser divididos em dois grandes
com maior semelhança externa e interna em grupos. Os primeiros, essenciais a todos os
níveis hierárquicos, dependentes do grau de seres vivos, são os metabólitos primários –
uniformidade de suas características. A hie- ou macromoléculas, como também são de-
rarquização e a caracterização dos diferentes nominados. Nesse grupo estão incluídos os
grupos de seres vivos originaram os sistemas lipídeos, protídeos e glicídeos com funções
de classificação. Com a evolução do conhe- vitais bem definidas. Os produtos do meta-
cimento, outros sistemas de classificação fo- bolismo primário, por meio de rotas biossin-
ram surgindo, utilizando não apenas carac- téticas diversas e frequentemente desconheci-
teres morfológicos, mas também incluindo das, originam, à custa de energia, o segundo
relações evolutivas (filogenia), características grupo de compostos químicos – os metabó-
fisiológicas, ecológicas e químicas. litos secundários ou micromoléculas –, que
Ao estudo da significância da ocorrência em geral apresenta estrutura complexa, bai-
de determinados compostos químicos em se- xa massa molecular, atividades biológicas

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24 Farmacognosia

marcantes e, diferentemente daqueles do também uma interação planta/planta, cha-


metabolismo primário, são encontrados em mada de alelopatia, na qual um vegetal com-
concentrações relativamente baixas e em de- pete com outro, provavelmente para garantir
terminados grupos de plantas. o acesso a água, luz e nutrientes. De maneira
No passado, alguns autores lançaram a surpreendente, esses efeitos alelopáticos po-
hipótese de que os metabólitos secundários dem ocorrer entre indivíduos da mesma es-
nada mais eram do que subprodutos do me- pécie, sobretudo quando a falta de água e/ou
tabolismo primário. Entretanto, o fato de o nutrientes limita o crescimento. Esse fenô-
vegetal utilizar rotas biossintéticas elabora- meno é chamado de autotoxicidade ou au-
das, com elevados gastos de energia, conduz topatia. Nesses processos, vários metabólitos
à hipótese mais aceita hoje de que os vege- secundários podem estar envolvidos.5
tais consomem essa energia para sintetizar Entre outros produtos do metabolismo
compostos necessários à sua sobrevivência secundário, encontram-se poliacetilenos,
e preservação. Esses produtos atuam primei- quinonas e aminoácidos não proteicos. Para
ramente na defesa do vegetal, agindo como muitos deles, ainda não se conhece a real fun-
dissuasórios alimentares e como toxinas. Os ção, mas o estudo desses compostos químicos
melhores exemplos de dissuasórios alimen- de origem vegetal tem permitido a compreen-
tares são os taninos, frequentes em frutos são de muitos fenômenos da natureza.
verdes. Esses produtos adstringentes são Se o estudo da função desses produtos nos
responsáveis pela preservação do fruto até o vegetais e da forma como certos animais utili-
pleno desenvolvimento da semente, quando, zam os vegetais no tratamento de suas doenças
então, desaparecem. Substâncias de outras deu origem a novas áreas da ciência como a
classes como saponinas, cumarinas, limonoi- ecologia bioquímica e a zoofarmacognosia, a
des, quassinoides, lactonas sesquiterpênicas e observação de que a ocorrência deles é restri-
iridoides, devido ao sabor amargo que costu- ta a determinados grupos de plantas abriu um
mam apresentar, também podem atuar como amplo campo de estudos: a quimiotaxonomia.
desestimulantes de herbívoros.1
Muitas toxinas, como, por exemplo, os
alcaloides, têm sabor amargo e desagradável, Quimiotaxonomia vegetal –
levando os herbívoros, em algumas situa- um breve histórico
ções, a reconhecerem e evitarem as plantas
que as contêm. Por outro lado, alguns meta- A quimiotaxonomia teve seus fundamentos
bólitos secundários atuam de maneira opos- na observação de propriedades alimentares,
ta, atraindo insetos, pássaros, morcegos e até medicinais, olfatórias, etc. apresentadas pe-
mesmo ratos, responsáveis pela polinização las plantas; aqueles vegetais que apresenta-
de muitas plantas. Nesse grupo, incluem-se vam propriedades similares eram classifica-
os pigmentos (flavonoides, antocianinas e dos juntos.
betalaínas) e os óleos voláteis (monoterpe- Os primeiros trabalhos publicados da-
nos, sesquiterpenos e fenilpropanoides).2-4 tam do final do século XVII. Grew, em 1673,
Informações complementares a esse respeito relacionou certos grupos de plantas com os
podem ser encontradas nos capítulos corres- respectivos usos terapêuticos. Petiver, em
pondentes a tais grupos de substâncias do 1699, e Camerarius, em 1699, relacionaram
metabolismo secundário. morfologia e características organolépticas
A sobrevivência de uma determinada (odor e sabor) a propriedades medicinais.
espécie, contudo, não está assegurada unica- No início do século XIX, em 1816, De
mente pelo fato de ela se defender de pre- Candolle introduziu outra questão: ele ob-
dadores e garantir sua reprodução. Ocorre servou que plantas diferentes nascidas em

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Capítulo 3  A quimiotaxonomia na sistemática dos seres vivos   25

solos idênticos continham produtos diferen- Aplicações da quimiotaxonomia


tes, enquanto plantas análogas nascidas em
solos completamente diferentes formavam O interesse na utilização da química (quimio
produtos análogos. Isso significa que esse au- taxonomia ou quimiossistemática) e da bio-
tor considerou a composição química como química (filogenia) em sistemática vegetal foi
um caráter taxonômico. De Candolle per- favorecido pelo desenvolvimento de métodos
cebeu, também, que alguns insetos podiam analíticos aprimorados que possibilitaram
detectar diferenças entre grupos de plantas e, a análise de um grande número de plantas
em 1832, verificou a interação entre plantas com maior rapidez e relativa facilidade. Os
superiores (alelopatia), propondo as bases da processos são selecionados de acordo com a
moderna ecologia bioquímica.6 natureza dos compostos em estudo.
A seguir, muitos autores contribuíram Embora estudos filogenéticos que utili-
para o desenvolvimento desses conceitos. En- zam sequenciamento de DNA estejam se tor-
tre eles, destacam-se Helen Abbott, em 1886 nando cada vez mais numerosos,15,16 os pro-
e 1887, que previu a importância da química dutos do metabolismo secundário continuam
na taxonomia; Eykman, em 1888, que publi- sendo utilizados em estudos visando ao esta-
cou sobre a ocorrência de alcaloides em deter- belecimento de relações filogenéticas. A pre-
minadas famílias; Van Romburgh, em 1890, sença de certos metabólitos secundários indica
com trabalhos sobre a ocorrência de substân- claramente que as espécies que os sintetizam
cias como salicilato de metila e ácido cianídri- possuem uma rota biossintética específica e
co em vegetais; Greshoff, em 1909, com pes- um gene ou conjunto de genes específicos con-
quisas sobre taninos, alcaloides, heterosídeos trolando essa rota, estando os produtos pre-
cianogenéticos e saponinas; e Mcnair, entre sentes em alta ou baixa concentração.
1917-1945, com numerosos trabalhos que as- Assim, a presença de certos compostos
sociam a química à taxonomia, estudando es- em determinados grupos de plantas é de
pecialmente ácidos graxos. A partir de 1935,
grande importância nos estudos sobre evo-
a atenção voltou-se para a ocorrência de al-
lução. Os processos evolutivos dependem
caloides com os trabalhos de Manske. Todos
da combinação de fatores internos e exter-
os trabalhos citados nesse breve histórico são
nos como mutação, recombinação gênica e
referenciados por Gibbs.6
seleção. Durante a evolução, pode ocorrer
Na sequência, o conhecimento químico
que grupos não relacionados apresentem si-
sobre as plantas foi sistematizado, surgindo
milaridades morfológicas. Isso é chamado de
trabalhos completos como Chemotaxono-
mie der Pflanzen, de Hegnauer, em 1962- convergência ou paralelismo. Por outro lado,
1994,7 e os trabalhos de R. Dahlgren, em pode ocorrer divergência, em que plantas
1975 e 1980,8,9 e G. Dahlgren, em 1989,10 intimamente relacionadas originam descen-
que relacionam a química com vários outros dentes diferenciados. Tais fenômenos podem
caracteres. Estes últimos autores realmente causar consideráveis dificuldades nos estu-
utilizaram a ocorrência de determinados dos taxonômicos. Nesses casos, o conheci-
metabólitos secundários para propor modi- mento da química de tais grupos pode ser de
ficações nos sistemas de classificação vegetal. grande importância. Segundo alguns autores,
No Brasil, um dos pioneiros nessa área foi o a existência de um padrão comum no meta-
Professor Otto R. Gottlieb, que liderou um bolismo secundário pode fornecer evidências
grande grupo de pesquisadores e destaca-se mais corretas de parentesco do que similari-
pelas numerosas publicações sobre o tema, dades morfológicas, que podem tanto ser de-
abordando, em especial, aspectos evolutivos vidas a ancestrais comuns quanto à evolução
dos vegetais.11-14 convergente.17-19

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26 Farmacognosia

Entre os vários sistemas de classifica- são menos interessantes, do ponto de vista


ção dos vegetais já propostos, raros levam taxonômico, do que as de estrutura mais sim-
em consideração as características químicas. ples provenientes de uma rota biossintética
Cronquist20 cita a ocorrência de metabólitos complexa. Os produtos do metabolismo se-
secundários de cada ordem e família. Entre- cundário considerados mais apropriados aos
tanto, esse autor não atribui grande relevân- estudos quimiotaxonômicos são alcaloides,
cia a tais dados. Por outro lado, R. Dahl- poliacetilenos, iridoides e alguns compostos
gren8,9 e G. Dahlgren,10 atribuindo elevada fenólicos, como certos derivados de floroglu-
importância aos metabólitos secundários, cinol e flavonoides, em especial as isoflavo-
utilizaram o padrão de distribuição de vários nas. Todos esses compostos são de ocorrência
produtos (alcaloides provenientes de dife- restrita, sendo amplamente utilizados como
rentes rotas biossintéticas, iridoides, poliace- marcadores quimiotaxonômicos.21-24
tilenos, etc.) para elaborar e, posteriormente, Diferentes plantas podem conter subs-
modificar seus sistemas de classificação dos tâncias pertencentes a diferentes classes quí-
vegetais. micas, mas que se originam de um mesmo
precursor. Tais plantas provavelmente con-
têm sistemas enzimáticos similares, e os com-
Limitações da aplicação de postos formados, embora diferentes, podem
dados químicos em sistemática indicar uma relação filogenética entre elas.
Na utilização de dados químicos em taxo- Algumas modificações, provocadas por
nomia, vários fatores devem ser levados em mutação, podem causar grandes diferenças
consideração. O primeiro deles é que, em- na produção de metabólitos secundários em
bora cada vez mais aumente o número de razão, por exemplo, do bloqueio de alguma
trabalhos de pesquisa, apenas uma pequena rota biossintética. Esse fenômeno, chamado
proporção das plantas foi investigada quimi- de divergência química, é análogo à diver-
camente e, como consequência, as informa- gência morfológica e também provoca gran-
ções disponíveis nem sempre são suficientes. des dificuldades nos estudos quimiotaxo-
Em segundo lugar, existe uma tendência em nômicos. Muitas vezes observa-se, também,
buscar determinados produtos nos taxa em que plantas absolutamente não relacionadas
que há maior probabilidade de eles serem en- produzem as mesmas substâncias. Esse fato,
contrados. Exemplificando: um pesquisador na grande maioria das vezes, indica que tais
que estuda alcaloides indólicos monoterpê- produtos não devem ser usados como mar-
nicos trabalhará com espécies das famílias cadores quimiotaxonômicos.
Apocynaceae, Rubiaceae ou Loganiaceae, Nos estudos quimiotaxonômicos, deve-
nas quais eles são abundantes. A ocorrência -se levar em conta, também, que a compo-
fora dessas famílias, que teria grande im- sição química de um vegetal varia de órgão
portância em taxonomia e em estudos sobre para órgão. É necessária a investigação da
evolução, dificilmente seria investigada. planta como um todo para inferir sobre o
Outro fator consiste na decisão sobre parentesco de determinado grupo; a análise
a relevância da presença de determinados de apenas um órgão pode levar a conclusões
produtos. Existe uma íntima relação entre a taxonômicas errôneas.
complexidade biossintética de uma substân- Além disso, podem acontecer varia-
cia e sua significância taxonômica. Muitos ções individuais. Certas substâncias podem
produtos apresentam estrutura complexa, ocorrer em quantidades não detectáveis em
mas são formados por processos biossinté- função de condições edáficas e climáticas e,
ticos relativamente simples. Tais substâncias como os compostos apresentam uma função

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Capítulo 3 A quimiotaxonomia na sistemática dos seres vivos 27

ecológica, verificam-se variações de acordo Referências


com o período vegetativo do vegetal. Mo-
dificações no metabolismo causadas por 1. Mason PA, Bernardo MA, Singer MS. A
mixed diet of toxic plants enables increased
infecções também devem ser mencionadas.
feeding and anti-predator defense by an insect
Nesses casos, o vegetal pode produzir fito-
herbivore. Oecologia. 2014;176(2):477-86.
alexinas, objeto de crescente interesse em fi- 2. Harborne JB, Williams CA. Anthocyanins
topatologia. and other flavonoids. Nat Prod Rep. 1995;
Outros problemas relacionados aos es- 12(6):639-57.
tudos quimiotaxonômicos são o custo refe- 3. Lucas-Barbosa D, Sun P, Hakman A, van
rente aos processos de isolamento e identi- Beck TA, van Loon JJA, Dicke M. Visual and
ficação, a dificuldade em isolar produtos odour cues: plant responses to pollination
presentes em diminutas concentrações e, em and herbivory affect the behaviour of flower
alguns casos, a necessidade de grandes quan- visitors. Funct Ecol. 2016;30(3):431-41.
tidades de material vegetal, muitas vezes im- 4. Zidorn C. Secondary metabolites of sea-
praticável em função do seu porte. grasses (Alismatales and Potamogetonales;
Alismatidae): chemical diversity, bioactivi-
Apesar dessas limitações, pode-se con-
ty, and ecological function. Phytochemistry.
cluir que a quimiotaxonomia fornece da- 2016;124:5-28.
dos de grande validade para a reestrutu- 5. Jessing KK, Duke SO, Cedergreeen N. Po-
ração de sistemas de classificação. Além tential ecological roles of artemisinin pro-
disso, é importante salientar a importância da duced by Artemisia annua L. J Chem Ecol.
quimiotaxonomia na área farmacêutica. Esse 2014;40:100-17.
conhecimento, aliado à etnofarmacologia, 6. Gibbs RD. History of chemical taxonomy. In:
vem permitindo a descoberta de novos fárma- Swain T, editor. Chemical plant taxonomy.
cos de origem natural, que têm sido utilizados London: Academic; 1963. p. 41-88.
sem alterações estruturais ou como modelo 7. Hegnauer R. Chemotaxonomie der Pflanzen.
para a síntese de novas substâncias ativas. Basel: Birkhauser; 1962-1994.
8. Dahlgren R. A system of classification of the
angiosperms to be used to demonstrate the
Pontos-chave deste capítulo distribution of characters. Botaniska Notiser.
1975;128:181-97.
Diferentes caracteres podem ser utilizados 9. Dahlgren R. A revised system of classifi-
na construção de sistemas taxonômicos. O cation of the angiosperms. Bot J Linn Soc.
uso de dados referentes à ocorrência de cer- 1980;80:91-124.
tos metabólitos secundários é denominado 10. Dahlgren G. The last Dahlgrenogram, a sys-
quimiotaxonomia. Essa técnica tem sido bas- tem of classification of the dicotyledons. In:
tante empregada como auxiliar na interpre- Tan K, editor. Plant taxonomy, phytogeogra-
tação de relações entre diversos organismos phy and related subjects. Edinburg: Edinburg
vivos, especialmente vegetais, utilizando in- University; 1989. p. 249-60.
11. Gottlieb OR. Micromolecular evolution, sys-
formações acerca da ocorrência de compos-
tematics and ecology. Berlin: Springer; 1982.
tos do metabolismo secundário, como alca-
12. Gottlieb OR. Ethnopharmacology versus
loides, cumarinas, limonoides, quassinoides,
chemosystematics in search for biologycally
lactonas sesquiterpênicas e iridoides, flavo- active principles in plants. J Etnopharmacol.
noides, entre outros. A ocorrência de alguns 1982;6:227-38.
desses compostos em determinados taxa tem 13. Gottlieb OR, Borin MRMB, Bosisio BM.
permitido a revisão de sistemas de classifica- Chemosystematic clues for the choice of me-
ção de vários gêneros de plantas, assim como dicinal and food plants in Amazonia. Biotro-
de diversas famílias. pica. 1995;27(3):401-6.

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28 Farmacognosia

14. Gottlieb OR, Kaplan MAC, Borin MMB. 21. Edwards JE, Brown PN, Talent N, Dickinson
Biodiversidade, um enfoque químico-biológi- TA, Shipley PR. A review of the chemistry
co. Rio de Janeiro: UFRJ; 1996. of the genus Crataegus. Phytochemistry.
15. Albach DC, Soltis PS, Soltis DE, Olmstead 2012;79:5-26.
RG. Phylogenetic analysis of the Asteridae s. 22. Konovalov DA. Polyacetylene compounds
l. based on sequences of four genes. Ann Mo of plants of the Asteraceae family (review).
Bot Gard. 2001;88:163-212. Pharmaceut Chem J. 2014;48(9):615-33.
16. Chen Y-P, Li B, Olmstead RG, Cantino PD, 23. Ccana-Ccapatinta GV, de Barros FMC, Bri-
Liu E-D, Xiang C-L. Phylogenetic placement di H, von Poser GL. Dimeric acylphloroglu-
of the enigmatic genus Holocheila (Lamia- cinols in Hypericum species from sections
ceae) inferred from plastid DNA sequences. Brathys and Trigynobrathys. Phytochem Rev.
Taxon. 2014;63(2):355-66. 2015;14:25-50.
17. Swain T. Chemical plant taxonomy. London: 24. Gousiadou C, Li H-Q, Gotfredsen C, Jensen
Academic; 1963. SR. Iridoids in Hydrangeaceae. Biochem Syst
Ecol. 2016;64:122-30.
18. Gershenzon J, Mabry TJ. Secondary metabo-
lites and the higher classification of angios-
perms. Nord J Bot. 1983;3(1):5-34.
Leituras sugeridas
19. Hegnauer R. Phytochemistry and plant
taxonomy: an essay on the chemotaxonomy Cronquist A. The evolution and classifica-
of higher plants. Phytochemistry. 1986;25(7): tion of flowering plants. New York: The New
1519-35. York Botanical Garden; 1988.
20. Cronquist A. An integrated system of classi- Hao DC, Gu XJ, Xiao PG. Medicinal plants:
fication of flowering plants. New York: Co- chemistry, biology and omics. Amsterdam:
lumbia University; 1981. Elsevier/Woodhead; 2015.

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4
Importância dos registros históricos na
investigação e utilização de produtos naturais
Maria das Graças Lins Brandão

Introdução 29 principais fontes de alimentação no mundo


Registros históricos das plantas medicinais 30 hoje são espécies domesticadas a partir da sua
cultura. Além disso, várias substâncias bioa-
Importância dos registros históricos 35
tivas utilizadas em medicamentos – como a
Conclusão 37 pilocarpina, obtida das folhas de espécies de
Pontos-chave deste capítulo 37 Pilocarpus e usada no tratamento do glauco-
Referências 37 ma, o quinino, obtido das cascas de espécies
Leituras sugeridas 38
de Cinchona e usado como antimalárico, e
os curares de espécies de Chondrodendron
– também foram descobertas a partir do co-
nhecimento ameríndio.
Introdução A despeito de todo o potencial já reve-
O uso das plantas nativas das Américas, quer lado, a vegetação nativa do Brasil vem so-
como alimento ou remédio, é muito antigo. frendo um intenso processo de destruição
Registros arqueológicos demonstram que os devido a uma sequência de ciclos econômicos
ameríndios já usavam algumas espécies há iniciados já no século XVI.1,2 O primeiro ci-
mais de dez mil anos. Exemplos dessas plan- clo ocorreu com a exploração do pau-brasil
tas são o abacate (Persea americana Mill.), a (Caesalpinia echinata Lam.) pelos portugue-
batata-doce (Ipomoea batatas (L.) Lam.), o ses, que levou ao completo desaparecimen-
mate (Ilex paraguariensis A.St.-Hil.), o cacau to da espécie ao longo da costa brasileira.
(Theobroma cacao L.) e o milho (Zea mays Caesalpinia echinata contém um pigmento
L.). Os espanhóis e os portugueses começa- vermelho (brasilina e brasilidina) que possuía
ram a introduzir as plantas americanas na elevado valor comercial na época para o tin-
Europa logo no início da colonização do gimento de tecidos. Na segunda metade desse
continente, e grandes quantidades delas fo- mesmo século, foi iniciado o cultivo extensi-
ram transportadas para lá. As raízes da sal- vo de cana-de-açúcar, e tal atividade respon-
saparrilha (Smilax spp.) e do guáiaco (Guaia- deu por toda a economia da colônia por mais
cum officinale L.), nativas do Caribe, são de 150 anos. Na metade do século XVII, o
exemplos, pois ganharam grande reputação Brasil era o maior produtor de açúcar do
na época para o tratamento da sífilis. Pode- mundo, até ser ultrapassado pela crescente
-se dizer que a humanidade tem uma dívida produção da América Central e do Caribe.
contraída com os povos ameríndios pelo uso O terceiro ciclo econômico aconteceu
do seu conhecimento etnobotânico, já que as de forma quase simultânea ao anterior, e é

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30 Farmacognosia

caracterizado pela pecuária. Tal prática cau- nativa, em especial na Amazônia, no Cerra-
sou a destruição de vastas regiões de vege- do e na Caatinga.
tação nativa, usadas para a preparação de Em um estudo realizado em 2004 junto
pastagens. O ouro deu origem ao quarto da população da região mineradora em Minas
ciclo econômico, iniciado após a descoberta Gerais,3 conhecida como Estrada Real, por
do metal em Minas Gerais. Para alguns au- exemplo, foram avaliadas as consequências
tores, a descoberta de diamantes em 1729, do desmatamento sobre o conhecimento de
também em Minas Gerais, foi responsável plantas medicinais nativas da região. A 152
pelo quinto ciclo econômico, que durou 140 homens e 54 mulheres, com idades entre 65
anos, até que a África do Sul surgisse como e 95 anos, foi perguntado se conheciam e usa-
o maior produtor de diamantes. Considera- vam espécies medicinais que haviam sido co-
-se que, durante os séculos XVII e XVIII, o letadas na mesma região no século XIX. Essas
Brasil tenha contribuído com cerca de 50% pessoas nasceram antes da década de 1940, ou
de todo o ouro e diamantes do mundo, tra- seja, antes do início do processo de urbaniza-
zendo prosperidade e luxúria para a coroa ção e industrialização da região. A pesquisa
portuguesa. Essa situação perdurou até o es- demonstrou que, mesmo entre tal população,
gotamento do ouro no final do século XVIII. idosa e moradora do campo, o conhecimen-
O cultivo do café foi o responsável pelo to sobre as plantas medicinais nativas e suas
sexto ciclo econômico, tendo as primeiras aplicações encontra-se comprometido. Os en-
plantações sido iniciadas logo após a inde- trevistados relataram que aprenderam sobre
pendência do Brasil de Portugal, em 1822. as plantas junto de seus familiares e in loco,
Por fim, no final do século XIX, a produ- mas hoje aquelas plantas não mais existem.
ção da borracha emergiu na Amazônia, Um exemplo de espécie medicinal não mais
dando origem ao sétimo ciclo econômico. conhecida é a tinguaciba (Zanthoxylum tin-
Após esse ciclo, a economia do país passou goassuiba A.St.-Hil., Rutaceae), coletada e
a ser muito diversificada devido à industria- descrita no século XIX pelo botânico francês
lização, e não há mais como definir ciclos Auguste de Saint-Hilaire. Essa planta teve
específicos. Um intenso processo de urba- grande importância no passado, sendo, in-
nização e industrialização foi observado clusive, incluída na 1ª edição da Farmacopeia
na Região Sudeste do país a partir de 1940, Brasileira (Pharm.Bras. I), em 1926. Os infor-
tendo São Paulo como foco de forte migra- mantes relataram também que seus descen-
ção de pessoas. Em 1950, iniciou-se também dentes não se interessam em aprender sobre as
a introdução maciça de medicamentos in- plantas medicinais. Essa pesquisa revela que o
dustrializados, produzidos pelas empresas processo de erosão genética das plantas medi-
farmacêuticas internacionais recém-insta- cinais é acompanhado de uma intensa erosão
ladas. É importante destacar que, com ex- cultural. A pesquisa histórica representa um
ceção da borracha, cuja exploração é feita importante instrumento para a recuperação
por manejo florestal, todos os demais ciclos de informações sobre as plantas medicinais
econômicos levaram a uma intensa ero- nativas do Brasil.4
são genética da vegetação nativa do Brasil.
Como consequência, apenas 7% da Mata
Atlântica encontra-se preservada, e muitas Registros históricos das plantas
espécies de plantas medicinais foram perdi- medicinais
das. Atualmente, projetos como a expansão
da produção de etanol, soja, mineração, ou Informações estratégicas sobre as plantas da
a construção de grandes hidrelétricas, vêm Biodiversidade brasileira encontram-se regis-
comprometendo o que restou da vegetação tradas em bibliografia e outros documentos

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Capítulo 4 Importância dos registros históricos na investigação... 31

preparados nos séculos passados. Essas in- Alguns outros europeus que viajaram
formações são importantes porque são pri- pelo Brasil no início da colonização tam-
márias, ou seja, foram recolhidas em uma bém descreveram o uso das plantas pelos
época na qual a vegetação nativa era conser- ameríndios, entre eles os franceses André
vada e na qual a população fazia uso, qua- Thevet e Jean de Lery e o português Gabriel
se exclusivamente, de plantas medicinais da Soares de Souza. No século XVII, o Nordes-
Biodiversidade brasileira. A situação é muito te do Brasil foi invadido pelos holandeses.
diferente hoje, e grande parte das plantas O médico Guilielmi Pisonis viveu por oito
usadas na medicina caseira, ou mesmo como anos naquela região, e em sua obra Historia
fitoterápicos, corresponde a espécies exóti- Naturalis Brasiliae, publicada na Holanda
cas ou importadas. em 1648, descreveu o uso de diversas plantas
medicinais indígenas. Nessa obra é possível
conhecer, por exemplo, os usos primários
Primeiros séculos de plantas da medicina tradicional brasilei-
A maior parte das informações disponíveis ra como o bálsamo de copaíba (de espécies
sobre o uso de plantas nativas durante o pe- de Copaifera).7 Essa foi a principal fonte de
ríodo da colonização do Brasil foi compilada informação sobre a Biodiversidade brasileira
pelos padres jesuítas, os primeiros a fazer um até o final do século XVIII, quando surgiram
novos trabalhos de autores brasileiros e por-
contato direto com os ameríndios. Os jesu-
tugueses. Entre os mais importantes está a
ítas logo incorporaram plantas americanas
Flora Fluminesis, preparada pelo naturalista
nos remédios originários da Europa, como
brasileiro Frei José Mariano da Conceição
é o caso da Triaga Brasílica. Nessa prepara-
Velloso (Frei Velloso).8 Em sua obra, foram
ção, original da Roma antiga, foram grada-
registradas dezenas de espécies da Mata
tivamente incluídas plantas nativas do Brasil
Atlântica, inclusive várias de uso medicinal.
da cultura ameríndia, entre elas espécies de
Outro autor que descreveu o uso de plantas
Chondrodendron, Cocculus e Cissampelos
medicinais nativas naquela época foi o mé-
(Menispermaceae), de Aristolochia (Aristo-
dico português Bernardino A. Gomes. Ele
lochiaceae), Piper umbellatum L. (Piperace- também descreveu o uso de plantas medici-
ae), Solanum paniculatum L. (Solanaceae) ou nais importantes como a caroba (Jacaranda
espécies de Pilocarpus (Rutaceae), além de caroba (Vell.) DC.) e o barbatimão (Stryph-
muitas outras. A Triaga Brasílica, como ficou nodendron adstringens (Mart.) Coville).9
conhecida, era indicada para vários fins, so- No entanto, até o início do século XIX,
bretudo para tratar febres e como antídoto o Brasil vivia sob um rígido controle da co-
de venenos de serpentes.5 Os jesuítas repeti- roa portuguesa. O objetivo dessa política
damente atraíram a atenção dos portugueses era manter em segredo dos outros países
para a potencialidade das plantas brasileiras. os recursos naturais e as potencialidades de
No entanto, no projeto colonial português sua exploração. A não concessão da licença
não havia espaço para avaliar os produtos à expedição do cientista alemão Alexander
nativos. Pelo contrário, já no século XVI eles von Humboldt para visitar a Amazônia bra-
comemoravam o sucesso do cultivo no Bra- sileira é um claro exemplo dessa política.
sil da canela-do-ceilão Cinnamomum verum Esse naturalista alemão, acompanhado do
J.Presl (= Cinnamomum zeylanicum Blume), botânico francês Aimé Bompland, percorreu
do gengibre-da-china (Zingiber officinale extensas regiões do Norte da América do
Roscoe), da pimenta de Malagar, do coco da Sul, a serviço de vários reinos europeus, e fez
Malásia, das mangas do Sudoeste da Ásia, da um pioneiro e importante trabalho sobre a
jaca da Índia e do cacau da América Central.6 Biodiversidade americana. Em compensação,

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