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Starcrossed

Livro 0.5

Starcrossed
City

Josephine Angelini
SINOPSE
Um spin-off irresistível da série Predestinados de
Josephine Angelini. A misteriosa semideusa Daphne
encontra o totalmente sexy Ajax pela primeira vez na
opressiva Cidade de Nova York. Isso é onde tudo
começa.
Starcrossed city
Eu sempre odiei o primeiro dia da escola. Ainda pior é o
primeiro dia de aula em uma nova cidade. Seria mais fácil se
nós não nos mexêssemos tanto. Se eu pudesse apenas ficar
parada em uma escola por tempo suficiente eu tenho certeza
que as outras crianças se acostumariam com o meu jeito,
talvez até mesmo começassem a me aceitar. Eu acho que isso
não importa mais. Eu sou uma sênior este ano. Tudo o que
tenho a fazer é sobreviver até a formatura.
Manhattan é uma grande mudança de Massachusetts. Eu
não exatamente me misturo aqui, mas pelo menos eu não me
sinto tão evidente como eu me sentia em Wellesley, ou
Duxbury antes disso, ou qualquer um dos vários lugares que
já vivemos ao longo dos anos. Isso é uma vantagem.
Desde que nos mudamos para cá há duas semanas eu fui
fazer caminhadas ao redor da cidade, enquanto usava
diferentes rostos — rostos que são mais simples do que o meu
e não irão causar quaisquer problemas. Eu tenho sido capaz
de passear, explorar e me misturar.
Eu amei aqui, na verdade, apesar de Nova York ser o lugar
mais perigoso para mim estar. Descobri um artista de grafite
renegado que tinha deixado marcas no lado de alguns imóveis
seriamente caros. As marcas são únicas. Especiais. Mais como
obras de arte de guerrilha do que vandalismo, e elas sempre
pareciam como se tivessem sido feitas apenas para mim. É
bobagem, eu sei, mas elas realmente falavam comigo. Fui
mudando meu rosto toda vez que eu andava ao redor para
procurar mais grafites, mas eu não posso usar um rosto
diferente na escola. Meu pai mortal não tem ideia do que eu
sou, e seria um choque para ele encontrar o rosto de uma
estranha pairando sobre o meu nome no anuário.
Hoje e todos os dias a partir de agora, eu tenho que usar
meu verdadeiro rosto na escola. O Rosto.
Eu vejo as outras crianças fluindo para a escola privada
exclusiva do outro lado da rua do Central Park e engulo em
seco, minha mão ainda na maçaneta da porta. Eu fico parada
aqui por um momento, relutante em abrir a porta, e desejando
como uma louca que dessa vez fosse diferente. Desejando que
eu fizesse ao menos um amigo dessa vez.
O meu motorista me olha no espelho retrovisor,
preocupado, e eu empurro a porta do carro preto aberta antes
que ele comece a ter problemas com o meu pai pelo meu atraso.
Eu olho para a minha blusa de botões de oxford, saia verde e
azul e meias brancas enquanto eu me apresso para o outro
lado da rua para a escola. Preocupa-me que a minha blusa não
esteja solta o suficiente e que a minha saia não seja longa o
suficiente para esconder o meu corpo. Eu arqueio meus
ombros e faço uma carranca.
Mantenha o seu rosto abaixado, eu me lembro. Não sorria
para nenhum dos meninos.
Quando eu começo a tecer o caminho através dos
corredores lotados eu posso sentir os olhos aterrarem em cima
de mim; olhos remanescentes, olhando mais de perto e
procurando algum tipo de imperfeição. Acho que a maioria das
vezes as pessoas olham porque eles não conseguem acreditar.
Eles olham porque eles querem ter certeza de que eu sou tão
perfeita como a sua primeira vista insinuou, e uma vez que
confirmam isso, eles podem deixar para lá a maior parte.
São apenas as pessoas que estão sentindo falta de algo em
si mesmas, as pessoas que são mais superficiais e
materialistas, que não podem deixar para lá. Elas vêm atrás de
mim, me cobiçam, como uma coisa. E não há ausência de
crianças superficiais nos tipos de escolas que meu pai me
envia. Eu implorei para ir para uma pública, mas ele nunca
permitiria isso. O que todos os seus parceiros de alto poder
pensariam sobre eu me misturando com os servos da classe
média? Eles provavelmente nunca desenvolveriam um outro
edifício de luxo com ele novamente.
Eu tento me concentrar no mapa que eu tenho no meu
pacote de orientação. Eu ouço as conversas dos outros alunos
em volta de mim arrefecerem quando eu passo, e os sussurros
que se levantam como uma maré de assobios nas minhas
costas. Tentando ignorá-los, eu leio os números sobre os
armários à minha direita, contando em sequência, e
percebendo que meu armário está enterrado atrás de um grupo
de meninos grandes e ruidosos. Atletas, com certeza, cada um
deles inundado com testosterona. Eu posso sentir um
formigamento de estática em meus dedos, e eu suprimo a
resposta de luta ou fuga. A última coisa que eu preciso fazer é
acidentalmente eletrocutar alguém no corredor no meu
primeiro dia de escola. Como eu poderia explicar isso? Eu paro
e quase me viro para fugir quando os atletas me veem e se
separam.
— Esse é o seu? — um menino alto com cabelos cor de
areia pergunta. Ele dá um passo para trás e gesticula para o
meu armário.
Eu aceno e aprofundo a minha carranca, minha cabeça
curvada. Eu me lanço entre o menino ruivo alto e um menino
mais baixo e mais largo com cabelo escuro. Outro garoto se
junta a eles, se aproximando de mim.
— Você é nova aqui — o menino ruivo diz com confiança.
Eu já posso dizer que ele é o alfa, apostando sua reivindicação.
Há um dele em todas as escolas. — Qual é o seu nome?
— Daphne — eu digo, me atrapalhando com a combinação
da fechadura. Minhas mãos estão tremendo.
— Eu sou Flynn — ele responde, com voz vacilante. Ele
está se movendo mais perto de mim, mas eu duvido que ele
esteja ciente disso. Eu duvido que qualquer um deles estejam
cientes do fato de que eles me cercaram. Eles estão avançando
por instinto agora.
Minhas emoções acendem sob a minha pele, respondendo
à ameaça masculina. Tento me acalmar. Eu me lembro que
eles não podem evitar. Eles querem ver o meu rosto — eles
precisam vê-lo — então eles estão se aproximando. Eu me
pergunto se eu deveria tentar algo diferente desta vez. Talvez
se eu os deixar me ver eles vão conseguir o que querem e me
dariam algum espaço. Enfio meu cabelo atrás da minha orelha
com meu dedo mindinho, me endireitando à minha altura total
de um metro e setenta e cinco de altura, e olho Flynn
diretamente no rosto. Seus olhos cinzentos ficam nebulosos e
ele oscila mais perto de mim, alcançando, querendo, sua
autocontenção espiralando para nenhuma. Má ideia. Eu
deveria ter mantido minha cabeça abaixada.
— Flynn!
Seus ombros tencionaram e ele se virou. Atrás dele, eu vejo
uma morena bonita olhando para nós. Um grupo de It Girls
bem vestidas e enfeitadas com coisas muito caras a rodeava,
cada uma delas vestindo looks de vários tons de ciúme e
indignação. Exceto por uma menina corajosa na parte de trás
com um rosto cheio de sardas, que parecia se divertir. Ela não
tinha passado por uma lavagem cerebral pelas restrições
idiotas de hierarquia do ensino médio. Esperança lampejou
dentro de mim.
— Oi, Kayla — Flynn diz, movendo-se rapidamente para o
lado da abelha-rainha.
— Quem é essa? — Kayla pergunta a ele. Como se eu nem
estivesse aqui. Ela pega a mão dele possessivamente.
— Eu sou Daphne — eu respondo. Eu não me incomodo
em tentar sorrir para Kayla. Nós não vamos ser amigas. Eu
espero que ela não tente fazer toda a coisa de “anfitriã da
escola” — me mostrando ao redor, fingindo ser útil e
acolhedora até que ela encontre um bom lugar para enfiar sua
faca.
Kayla me olha de cima a baixo e se afasta sem dizer uma
palavra. Ótimo. Ela não vai nem mesmo fingir ser gentil. Sua
honestidade é refrescante. O sinal toca e as It Girls
transportam o resto dos meninos para longe de mim como se
elas estivessem salvando-os de uma praga.
Eu sei que no final do dia Kayla e sua máfia Prada vão
espalhar algum rumor vicioso sobre mim tentando fazer sexo
com seus namorados contra os armários ou algo igualmente
absurdo e toda a escola vai se voltar contra mim. Isso deve ser
algum tipo de recorde. Normalmente eu passo uma semana
inteira antes das mentiras sobre mim dormir com os
professores, o pai de alguém, ou metade do time de futebol.
Tento me lembrar que eu só tenho mais um ano dessa merda
e eu estou livre, mas minha garganta fecha com lágrimas de
qualquer maneira. Eu me contenho. Eu chorei sobre isso
bastante vezes e eu me recuso a fazer isso de novo. Eu olho
para o meu mapa para encontrar minha sala de aula.
É uma escola pequena. Eu acho que existem apenas cerca
de setenta ou oitenta crianças da minha série, mas mesmo
assim eu não vejo qualquer um dos atletas ou das It Girls em
minhas primeiras três classes. Eu estou na faixa de aulas
avançadas com todos os geeks. Sinto-me confortável em torno
dos geeks, especialmente dos tipos de matemática e ciências.
As meninas estão muito ocupadas tendo pensamentos
profundos para pensar em como eu pareço e os meninos são
muito assustados por qualquer coisa feminina até mesmo para
me reconhecer. Eu gostaria de tentar ser amigo de qualquer
um deles, mas eu sei que tão logo eles descobrissem que a
minha média de notas esmaga a deles, todos eles iriam me
odiar também. Atletas e It Girls não são nada perto dos geeks
quando se trata de competitividade.
Chego cedo para o quarto período. Estudos Sociais
Avançado. Eu estou com o meu livro na minha mesa, fingindo
ler, enquanto o resto dos alunos tomam os seus lugares. Sinto
alguém de pé em cima de mim. É a It Girl com as sardas. Ela
muda de pé para pé. Parece que ela quer dizer algo para mim.
— Oi — eu digo cautelosamente. Há algo em seus olhos.
Algo quase cauteloso.
Ela abre a boca, mas de repente para a si mesma. Ela
passa por mim e toma seu assento, com uma expressão
preocupada no rosto. A aula começa. A aula é curta e a mesa-
redonda de discussão é longa, mais como um debate, na
verdade. Há doze crianças nesta classe, e elas atiram-se ao
tema com prazer. Eu fico de fora e apenas ouço. Eu aprendo
que o nome da Sardas é Harlow. Ela é inteligente. Brilhante. E
que boca tem essa garota. Sabichona não começa nem sequer
a retratá-la. Eu não posso evitar de gostar dela.
Vejo Harlow novamente no almoço e eu sorrio para ela. Ela
quase sorri de volta, mas fica a meio caminho preso em seus
lábios. Seus olhos desfocam com pensamentos conflitantes e
seu quase-sorriso afunda de volta para baixo em uma careta
impaciente.
Sento-me sozinha. Vários garotos perguntam se eles
podem almoçar comigo e eu lhes digo que não. Eu não digo
isso muito gentilmente, também. Na minha última escola eu
tentei namorar uma vez. Um garoto doce. Ele me chamou para
ir ao baile de formatura e por alguma razão idiota eu disse que
sim. Até o final do dia, ele já tinha estado em três brigas. Eu
disse a ele para esquecer. Enquanto eu disser não a todos, não
haverá brigas por minha causa. Guerras suficientes foram
iniciadas por conta deste rosto. Meu rosto. Minha maldição —
e a maldição da minha mãe, e a maldição da mãe dela, e assim
por diante até a primeira mulher a usar este rosto. Helena de
Tróia.
O almoço termina e eu olho para o meu plano de estudos.
Educação Física. Oh, maravilha. Eu caminho para o vestiário
das meninas, me perguntando se as pessoas que decidiram
sobre a ordem das classes estão propositadamente tentando
fazer os alunos vomitarem. Quem programaria a Educação
Física logo depois do almoço? Não que a aula de ginástica seja
algum tipo de trabalho para mim. Na verdade, é insuportável.
Eu fico sempre tão paranoica que eu vou me mover um pouco
rápido demais, ou levantar algo que é um pouco pesado demais
para uma garota da minha idade, e eu vou ser descoberta.
Regra número um para a minha espécie: NUNCA deixe
mortais completos descobrirem que semideuses — nós nos
chamamos de descendentes — existem.
Quando eu puxo a porta para o vestiário das meninas
aberta ouço um sussurrou de é ela, e meu coração cai. Eu
subestimei Kayla. Eu não achei que ela iria recorrer a um
ataque físico, não ainda, de qualquer maneira. Eu deveria ter
suspeitado isso pelo jeito que ela nem sequer tentou bancar a
“anfitriã da escola” pela rota agressiva-passiva. Esta menina
não é passiva sobre nada. Ela é apenas agressiva. Meu tio
Deuce vai me matar por deixar um bando de mortais me
derrubarem.
Kayla e as It Girls não sabem disso, mas eu posso vê-las
se movendo até mim. Elas são tão lentas que é patético. Antes
que elas possam me pegar eu já sei qual a minha escolha tem
que ser. Eu tenho que deixá-las me pegar ou elas vão ver o
quão rápido eu posso me mover e elas saberão que há algo
seriamente estranho sobre mim. E Kayla é do tipo de cavar.
Ela não vai deixá-la em paz até ela descobrir o que eu sou.
E então eu vou ter que matá-la.
Elas me agarram e me puxam para o chuveiro. Eu luto
com o instinto de eletrocutá-las. Não é fácil. Eu fico mole em
seus braços, sabendo que se eu não lutar eu não vou calcular
mal a minha força e acidentalmente quebrar o braço de
alguém.
Há uma cadeira pronta, esperando. Kayla pensou muito
sobre isso. Elas me jogam para baixo na cadeira e ela está na
minha frente. Presunçosa. Há um brilho nos olhos dela que me
diz que ela gosta disso um pouco demais. Eu vi esse olhar
antes. Aquele garoto anormal na minha turma da sexta série
que tinha o mesmo olhar em seus olhos quando ele enfiou uma
bombinha na boca de um sapo e o assistiu explodir. Ele era
um daqueles valentões magros e palermas — do tipo que se
virava não pelo tamanho, mas por pura crueldade. Kayla era
como ele, eu percebo. Ela não é a mais bonita ou a mais
inteligente (essa seria Harlow), ela está apenas disposta a fazer
coisas que as outras garotas não estão.
Ela está com uma tesoura em sua mão. Estou preocupada
agora. Eu não tenho medo da dor, mas e se ela me cortar e elas
verem a ferida cicatrizar bem diante de seus olhos?
— Por favor, pare — eu digo, meu lábio inferior tremendo.
Não é uma atuação. Eu não quero ter que matar. De novo não.
— Eu ainda nem sequer comecei — Kayla diz. — Harlow
— ela chama por cima do ombro.
Harlow vem para frente, os lábios contraídos juntos com
ressentimento. Eu olho para ela, implorando. Ela não quer
fazer isso, e posso dizer a partir dos olhares nos rostos que
cerca de metade das It Girls não querem também, mas Harlow
é a única com força para levantar-se por Kayla. Eu balanço a
cabeça para ela, esperando que a verdadeira Harlow apareça e
diga a Kayla para ir para o inferno. Harlow pega uma mecha
do meu cabelo comprido e Kayla entrega-lhe a tesoura. Elas
vão cortar o meu cabelo.
— Não, Harlow — eu imploro, lágrimas borrando meus
olhos. Elas não entendem. Sem o meu cabelo, eu não vou ter
nenhuma maneira de esconder o meu rosto. Eu vou ser
exposta e isso só vai piorar.
A testa de Harlow enruga, puxando seu rosto junto com
desesperança. Eu percebo que ela queria me dizer em Estudos
Sociais que isso ia acontecer, mas ela se conteve. Eu me
pergunto o que Kayla tinha sobre ela.
— Faça — Kayla rosna.
Um olhar sombrio atravessa o rosto de Harlow, uma
pequena centelha de rebelião, e depois desaparece. Ela
obedece. Quando Harlow corta meu cabelo eu olho para Kayla.
Lágrimas de raiva estão derramando pelo meu rosto, embora
eu tente piscá-las de volta. É tão humilhante chorar na frente
delas, mas eu não posso evitar. Eu odeio Kayla. Eu a odeio
porque ela está tomando o meu cabelo e me deixando exposta,
sim, mas eu a odeio ainda mais por Harlow. Por um segundo
eu pensei que talvez, eventualmente, Harlow e eu poderíamos
ter sido algo como amigas.
— Você não é corajosa o suficiente para fazer isso sozinha,
Kayla? Tem que ter alguma outra garota para fazer isso por
você no caso de eu falar? — eu digo a ela. Sua expressão
satisfeita murcha por um momento. Ela sabe que todo mundo
ouviu isso, e que vai ficar com elas por muito tempo depois de
hoje. O ressentimento vai amadurecer em suas subordinadas.
Kayla não tem escolha a não ser tomar a tesoura de Harlow e
fazer ela mesma. Ótimo. Suje as mãos, eu digo a ela com os
meus olhos. Mostre-lhes o que você é.
— Você não vai falar — Kayla diz entre dentes. Ela pega a
mecha dianteira do meu cabelo, a que está sobre meus olhos,
e eu sinto ela cortá-la praticamente no couro cabeludo. — Ou
da próxima vez, eu vou cortar mais do que o seu belo cabelo
loiro.
Kayla borrifa o meu cabelo no azulejo sujo do chuveiro. Ele
brilha quando cai, como se ela estivesse fazendo chover fios de
ouro de sua mão.
— Fique longe do meu namorado — ela diz.
Meu peito está tão apertado com lágrimas que eu não
confio em mim mesma para falar em voz alta. Como se Flynn,
o garoto propaganda dos superprivilegiados e com excesso de
confiança, fosse qualquer tipo de tentação para mim. Eu
aceno, contrita, como se ela tivesse me quebrado, apenas para
acabar com isso.
Kayla sorri e movimenta a cabeça para que todas possam
sair. Elas caminham para fora silenciosamente, algumas delas
oprimidas pelo que elas testemunharam. Eu baixo meus olhos
molhados. Eu não quero ver suas expressões. Estou muito
envergonhada por estar chorando.
Quando elas se foram, eu levanto e vou para o espelho. Eu
posso ouvir as meninas em seus armários na sala ao lado, se
preparando para a aula de ginástica. Eu olho no espelho. Uma
grande parte do cabelo está faltando do lado da minha cabeça
e, é claro, há a parte raspada sobre a minha testa.
Eu não posso voltar para a aula com o meu cabelo assim.
Os professores vão saber que algo de ruim aconteceu comigo,
mesmo que eu negue, e, eventualmente, eles vão descobrir o
que aconteceu nos chuveiros do vestiário das meninas. Kayla
não vai ficar em apuros. Garotas más nunca ficam. Mas as
outras vão, e eu vou ter feito todas as It Girls de inimigas,
mesmo as mais legais que foram junto com isso, mas
realmente não queriam. Então Kayla vai ter o que ela
realmente queria — um exército de monstrinhas rancorosas,
todas elas procurando alguma maneira de tornar a minha vida
ainda mais miserável. Kayla pode não ser inteligente o
suficiente para estar nas aulas avançadas, mas eu percebo
algumas horas tarde demais que ela é uma gênia quando se
trata de malícia.
Eu tenho que sair daqui. Ir para casa. Tentar arrumar meu
cabelo antes que alguém veja. Vou ficar em apuros amanhã
por faltar as aulas — eu tenho certeza que Kayla estava ciente
disso — mas não há nenhum conserto para isso.
Eu corro.
Eu sou rápida o suficiente para que ninguém possa me
ver, embora eles seriam capazes de sentir a adrenalina no ar
enquanto eu passo voando por eles. Felizmente todo mundo
está dentro de suas salas de aula e eu não causo uma
perturbação. Eu corro pelos corredores vazios, salto sobre o
detector de metais na entrada para a escola, e eu estou fora
nas ruas.
Esta é a parte complicada. O Central Park West não é o
lugar mais fácil de navegar na velocidade de descendente; há
também muitas pessoas e uma colisão é quase inevitável. Se
eu colidisse com os mortais completos nesta velocidade eu
poderia matá-los. Eu só tenho algumas quadras para ir da
escola para casa. Eu me atiro sobre o tráfego de para-choque
a para-choque, meus braços e pernas se esticando e
caminhando como se eu estivesse correndo no ar, antes de
pousar na calçada oposta. Eu salto sobre os pedestres e a
parede de pedra diante de seus olhos pode se concentrar em
mim, e corro pela terra batida do Central Park.
Árvores passam apressadas, borradas. Em segundos eu
corto diagonalmente pelo parque e estou na Oeste 59ª na parte
inferior do Central Park. Eu vejo meu prédio e desacelero para
uma caminhada. Eu posso percorrer o último bloco em um
ritmo normal.
As pessoas olham. Elas inclinam a cabeça para baixo
quando eu passo, tentando ver o meu rosto sob a cortina do
meu cabelo restante, como sempre fazem. E elas percebem o
corte no cabelo. Algumas até notam os traços de lágrimas
vermelhas no meu rosto. Eu me empurro passando por todas
elas, mesmo as mais amáveis que só querem ajudar. Sei por
experiência própria que, se eu ceder e aceitar a compaixão de
alguém, eu vou ter um perseguidor no dia seguinte. Essa é a
pior parte da minha maldição. Precisar agir como uma vadia o
tempo todo.
Rich, o porteiro do meu prédio, me viu e acenou. Agora eu
não posso alterar o meu rosto para evitar os olhares. Eu
deveria ter pensado em mudar meu rosto antes que eu
desacelerasse para uma caminhada, mas tudo bem. Vivendo e
aprendendo. Quando eu entro pela porta da frente Rich nota
meu cabelo. Seu rosto está horrorizado. Eu coloco meu dedo
em meus lábios enquanto eu corro para o elevador, meus olhos
grandes de corça implorando-lhe para não contar. É injusto,
na verdade. Eu não gosto de manipular as pessoas, mas agora
eu não tenho escolha.
Entro no nosso enorme apartamento de cobertura e passo
pelos móveis bregas dourados da minha madrasta, lustres de
cristal e estofados de seda. Eu juro, minha madrasta acha que
ela é Maria Antonieta ou algo assim — Maria Antonieta tinha
um sotaque do Texas e seios obscenamente óbvios. Eu
costumava me sentir mal por ela. Não é fácil seguir a minha
mãe que, como eu, tinha O Rosto. E, em seguida, Rebecca,
minha madrasta, me enviou para terminar a escola. Qualquer
boa vontade que eu tinha por ela se foi para fora da janela com
essa proeza.
Eu chego ao meu quarto e corro direto para o banheiro. Eu
tenho uma tesoura sob a minha pia e a pego. Eu não tenho
muitas opções com o meu cabelo tão curto na frente. Eu tenho
que cortar tudo quase até o couro cabeludo. Eu penso em
raspá-lo, mas, em seguida, paro. Uma menina careca vai atrair
ainda mais atenção do que uma com cabelo severamente curto.
Quando eu termino eu percebo que estou com o mesmo corte
de cabelo de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary.
Isso parece bom. Ótimo, até. Na verdade, eu provavelmente
pareço melhor com o cabelo curto porque pode-se ver todo o
meu rosto e a curva de aparência frágil do meu pescoço. Eu
pareço etérea.
Eu estou tão ferrada.
Frustração me estrangula. Eu não posso ficar longe de
mim. É como se eu estivesse presa dentro de um filme que eu
estive totalmente em um papel errado. Eu não sou uma boneca
frágil, ou uma ladra, ou uma vadia, ou uma mulher sedutora,
ou qualquer um dos personagens unidimensionais que as
pessoas pensam que eu sou quando elas olham para mim.
Olho para o amuleto em forma de coração em volta do meu
pescoço. É uma relíquia poderosa que passou através de
gerações de uma linha ininterrupta de mães e filhas por 3.300
anos. Pode alterar a minha aparência à vontade e me fazer
parecer como qualquer mulher no mundo, mas não pode me
deixar confortável na minha própria pele.
Eu procuro o kit de maquiagem que minha madrasta me
deu três natais atrás. Eu descasco o plástico e abro. Eu uso o
delineador preto, rímel e sombra. Eu nunca usei maquiagem
antes, então eu só improviso. Quando eu termino de cobrir
meus olhos e pintar meus lábios de vermelho, eu me volto para
o meu armário. Está recheado com roupas muito discretas nos
melhores tecidos — várias saias de lã merino, suéteres de
cashmere, e blazers de alta costura sob medida da escola
particular em Massachusetts.
Eu corto a bainha de uma das minhas saias, corto o
pescoço de uma camiseta macia e rasgo buracos em um par de
meias pretas. Minha madrasta tem um par de botas de couro
preto de aspecto resistente com fivelas de prata sobre elas. Eu
me visto e tiro as botas de seu armário. Eu pego uma jaqueta
de couro preto enquanto eu estou nele, e volto para olhar para
mim mesma no espelho de corpo inteiro. Eu ainda sou bonita,
mas pelo menos agora eu pareço tão irritada como eu me sinto.
Eu quero ver algum grafite. Eu quero algo inteligente e
perigoso na minha vida. Algo que paire no limite do sujo. Deixo
meu apartamento e vou para fora, com a minha cabeça
erguida. Bem, mais elevada, pelo menos.
Da última vez que vi uma dessas grafitagens especiais, foi
no centro em torno de Greenwich Village. Eu sigo para o oeste
e pego o trem, planejando sair na Spring Street. Eu não gosto
do metrô. Alguém sempre tenta bater papo comigo, ou pior, se
esfregar contra mim. Eu estou com minhas costas contra a
extremidade do vagão, olhando para qualquer um que chegue
muito perto. Eu acho que o delineador e as botas estão
funcionando. As pessoas realmente me deixaram em paz por
uma vez.
Com o canto do meu olho, eu vejo uma daquelas
grafitagens especiais no final deserto da estação Washington
Square. Corro para sair do trem antes das portas se fecharem.
Meu coração começa a bater forte quando eu caminho em
direção a ela. É linda.
Grande e ousado, é um mural de uma bela jovem. Eu
abrando quando eu chego mais perto. Suas mãos estão juntas
e sua cabeça está raspada como uma mártir medieval. Ela está
até mesmo usando uma coroa de espinhos, furando
cruelmente sua testa outrora lisa. Ela está chorando lágrimas
negras. O estêncil estilizado sob o retrato diz “Inocência
Perdida” em letras recortadas e eletrificadas. Eu fico olhando
para o rosto dela.
Sou eu.
Isso é impossível. Não há nenhuma maneira do artista ter
tido tempo para fazer este mural desde que eu cortei o meu
cabelo e pintei os olhos. Eu só saí do meu apartamento há dez
minutos. Quem fez isso? Eu olho no canto inferior direito do
mural para uma assinatura e vejo a letra A. Após o A está um
desenho em 3-D de uma pilha de fichas (jacks). A-jacks.
Ajax.
Esse é um nome grego. Um nome de um descendente. Não
há nenhum Ajax na minha Casa, a Casa de Atreu. Ele é meu
inimigo.
A tinta ainda está molhada. Eu tenho que sair daqui agora.
O mural está na plataforma baixa. Eu corro para a escada
para contornar para o lado da área residencial da cidade, e
quando eu estou caminhando até os degraus eu ouço
sussurros. Soluços. Minha visão borra de raiva. Não raiva ou
frustração, mas um ódio incandescente que me tira o fôlego.
As Fúrias estão aqui.
Eu cambaleio cegamente pela catraca com os gritos das
Fúrias por vingança em meus ouvidos. Oh, deuses, não. As
outras Casas não sabem que a minha Casa ainda existe. Elas
acham que foram extintas. Minha única esperança é que eu
não fui pega. Eu não posso ser pega — ou morta.
Dois trens estão parando na estação, lado a lado em pistas
opostas. Um trem está indo para a área residencial e o outro
está indo ao centro. Lanço-me para o trem da área residencial
e observo as portas, desejando que se apressem e fechem. No
limite da minha visão eu posso ver as Fúrias. Elas piscam
dentro e fora de vista quando me viro para olhar para elas.
Seus cabelos pretos e longos são emaranhados com cinzas e
os seus rostos estão listrados de sangue enquanto elas choram
lágrimas de sangue. Elas sussurram os nomes dos mortos e
me chamam, implorando para eu matar meu inimigo e vingar
a minha Casa. Eu me apoio contra as janelas de frente para a
porta e giro ao redor.
No outro trem, olhando para mim através da janela, está o
garoto mais bonito que eu já vi. Ele tem cabelos dourados e
olhos azuis brilhantes. Sua pele parece brilhar suavemente,
como se ele carregasse o sol dentro dele. Uma de suas mãos
manchadas de tinta está apertando o peito, como se ele tivesse
acabado de levar um soco, e a outra está pressionada contra o
vidro da janela. Eu levanto minha mão e a pressiono contra a
minha janela, espelhando-o. Ele parece tão confuso.
Atordoado. Como se ele tivesse acabado de ver um fantasma.
Meu inimigo. Ajax.
Os gritos das Fúrias se elevam mais ainda e os dois trens
saem da estação, nos separando.

CONTINUA...?

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