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Starcrossed Book 3

(Deusa)

Josephine Angelini
“Ela deve subir, ou
eles cairão”
SINOPSE

Depois de acidentalmente libertar os Deuses


de seu cativeiro no Olimpo, Helen deve encontrar
uma maneira de prendê-los de volta, sem iniciar
uma guerra devastadora. Mas os deuses estão
zangados, e sua sede de sangue já começa a
acumular corpos pelo caminho.
Para piorar a situação, o Oráculo revela que
um Tirano diabólico está à espreita entre eles, o
que leva um distanciamento entre o grupo, outrora
sólido, de amigos. Então, enquanto os Deuses
usam os descendentes uns contra os outros, a
vida de Lucas corre perigo. Ainda sem ter certeza
se ama ele ou Orion, Helen é forçada a tomar uma
decisão terrível, pois a guerra está cada vez mais
próxima.
CAPÍTULO 1
Traduzido por I&E BookStore

H elen podia ver o que ela adivinhou que era o rio Styx bem à sua
esquerda. Era uma torrente que rugia, crivada de icebergs.
Nenhuma pessoa sã se atreveria a nadar através dele. Sentindo-se
encalhada, ela mancava ao redor em um círculo apertado. Um rápido
exame do horizonte mostrou que não havia mais ninguém na planície
árida.
— Droga — ela xingou para si mesma, com a voz embargada. Suas
cordas vocais não foram completamente curadas. Menos de uma hora
atrás, Ares tinha cortado sua garganta e, embora ainda doesse quando
ela falava, xingar a fez se sentir melhor. — Tão típico.
Ela tinha acabado de fazer uma promessa a seu amigo Zach. Ele
estava morrendo em seus braços, e ela jurou que ela iria se certificar de
que ele bebesse do rio da alegria na vida futura. Zach tinha se sacrificado
para ajudá-la, e em seus momentos finais, ele deu a ela a chave que lhe
permitiu matar Automedon e salvar Lucas e Orion.
Helen tinha intenção de cumprir sua promessa para Zach mesmo se
ela tivesse que levá-lo para os Campos Elísios e até às margens do Rio da
Alegria ela mesma — com as costelas quebradas, pernas cambaleantes e
tudo mais. Mas por alguma razão, sua maneira habitual de navegar no
Mundo Inferior não estava funcionando. Normalmente, tudo o que ela
tinha que fazer era dizer em voz alta o que ela queria e simplesmente
acontecia.
Ela era Aquela que Descia, o que significava que ela era uma das
pouquíssimas Descendentes que poderia ir até o Mundo Inferior em seu
corpo vivo e não apenas como um espírito. Ela poderia até mesmo
controlar a paisagem até certo ponto, mas, é claro, justo quando ela mais
precisava desse talento, ele encontrou uma maneira de parar de
funcionar. Isso era tão grego. Uma das coisas que Helen mais se ressentia
sobre ser uma Descendente era que isso significava que havia uma
quantidade terrível de ironia em sua vida.
Helen apertou os lábios machucados juntos em frustração e
levantou a voz rouca para o céu vazio. — Eu disse “Eu quero aparecer
perto do espírito de Zach!”
— Eu estou com a alma dele, sobrinha.
Helen virou-se e viu Hades, o senhor do Mundo Inferior, que estava
vários passos atrás dela. Alto e equilibrado, ele estava envolto em
sombras que dissipavam como dedos de nevoeiro relaxando seu controle.
O Elmo da Escuridão e os metros extras de tecido da toga preta que ele
usava obscurecia a maior parte de seu rosto, mas ela podia apenas
distinguir a sua boca exuberante e queixo quadrado. O resto de sua toga
foi estendida sobre seu corpo como um acréscimo decorativo. Metade do
seu peito liso e seus poderosos braços e pernas estavam nus. Helen
engoliu em seco e concentrou em focalizar seus olhos inchados.
— Sente-se, por favor. Antes que você caia — ele disse suavemente.
Duas cadeiras simples dobráveis e estofadas apareceram, e Helen relaxou
seu corpo machucado em uma delas, enquanto Hades pegou a outra. —
Você ainda está ferida. Por que você veio aqui quando você deveria estar
se curando?
— Eu tenho que orientar o meu amigo para o paraíso. Onde ele
pertence. — A voz de Helen tremia de medo, apesar de Hades nunca ter
machucado ela. Ao contrário de Ares, o deus que tinha acabado de
torturá-la, Hades sempre foi relativamente agradável. Mas ele ainda era
o senhor dos mortos, e as sombras em torno dele eram preenchidas com
os sussurros de fantasmas.
— O que faz você pensar que você sabe onde a alma de Zach
pertence? — ele perguntou.
— Ele foi um herói... talvez não no início, quando ele ainda estava
sendo um idiota, mas no final, e essa é a parte que conta, certo? E heróis
vão para os Campos Elísios.
— Eu não estava questionando o valor de Zach — Hades lembrou a
ela suavemente. — O que eu perguntei foi: O que faz você se encaixar
para julgar sua alma?
— Eu... hã? — Helen deixou escapar, confusa. Ela tinha levado
pancadas demais na cabeça naquela noite, e ela não estava preparada
para uma lição de semântica. — Olha, eu não vim aqui para julgar
ninguém. Eu fiz uma promessa, e eu só quero cumpri-la.
— E ainda assim eu sou a pessoa que toma as decisões aqui. Não
você.
Helen não tinha nenhum argumento para isso. Este era o mundo
dele. Tudo o que ela podia fazer era olhar para ele suplicantemente.
A boca macia de Hades se curvou em um sorriso distante, e ele
parecia considerar o que Helen tinha dito. — A forma como você lidou
com a libertação das Fúrias provou que você é compassiva. Um bom
começo, mas eu receio que compaixão não seja suficiente, Helen. Você
carece de entendimento.
— Isso foi um teste, então? As Fúrias? — Uma nota acusatória
penetrou em sua voz quando Helen lembrou o que ela e Orion tinham
passado em sua última missão no Mundo Inferior. Ela ficou ainda mais
irritada quando ela considerou o que as próprias Fúrias passaram. Se
aquelas três meninas foram atormentadas por milhares de anos só para
provar que Helen era uma pessoa compassiva, então havia algo
terrivelmente errado com o universo.
— Teste. — A boca adorável de Hades torceu amargamente em torno
da palavra, como se ele pudesse ler os pensamentos de Helen e
concordasse com ela. — Se a vida é um teste, então quem você acha que
dá as notas?
— Você? — ela adivinhou.
— Você ainda não entende. — Ele suspirou. — Você nem mesmo
entende o que é isso. — Ele apontou para a terra ao seu redor, indicando
o Mundo Inferior. — Ou o que você é. Chamam-lhe de Aquela que Desce
porque você pode vir aqui à vontade, mas a capacidade de entrar no
Mundo Inferior é a menor manifestação de seu poder. Você não entende
o que você é o suficiente para julgar os outros ainda.
— Ajude-me, então. — Ele parecia tão triste, tão abatido pelo seu
destino de vida. De repente, ela queria tanto ver seus olhos que inclinou-
se para Hades, tentando mergulhar a cabeça para baixo para ver sob o
tecido obscurecendo seu rosto. — Eu quero entender.
As sombras giraram para fora outra vez, escondendo ele e
murmurando os arrependimentos dos mortos. As entranhas de Helen
congelaram. As palavras da profecia do Tirano vieram para sua mente —
nascido da amargura. Ela se afastou de volta.
— Mestres das Sombras — Helen sussurrou. — Eles obtêm energia
a partir de você?
— Há muito tempo atrás, uma mulher conhecida como Morgan La
Fey da Casa de Tebas tinha o mesmo talento que você tem... o que lhe
permite chegar ao Mundo Inferior. Ela me deu à luz um filho chamado
Mordred, e desde então meu fardo tem assombrado a Casa de Tebas. —
Sua voz foi sumindo com pesar antes de ele se levantar e estender a mão
para ela. Ela enfiou a mão na sua e lhe permitiu ajudá-la a levantar. —
Você deve voltar agora. Venha a mim quantas vezes você quiser,
sobrinha, e eu vou tentar o meu melhor para fazê-la entender. — Hades
inclinou a cabeça para o lado e riu baixinho para si mesmo. Seus lábios
se separaram, revelando incisivos em forma de diamante. — É por isso
que eu permiti que você, e aqueles com o mesmo talento antes de você,
entrassem no meu reino, para aprenderem sobre si mesmos. Mas agora
você está ferida demais para estar aqui.
O mundo mudou, e Helen sentiu a mão dele com metros de largura
levantando-a para fora do Mundo Inferior e colocando-a gentilmente de
volta em sua cama.
— Espera! E quanto a Zach? — ela perguntou. Quando Hades a
soltou, Helen ouviu ele sussurrar em seu ouvido.
— Zach beberá do Rio da Alegria, eu juro. Agora descanse, sobrinha.
Helen estendeu a mão para mover as sombras de seu rosto, mas
Hades já havia ido. Ela caiu em um sono profundo, seu corpo quebrado
avidamente absorvendo o sono enquanto ele tentava curar a si mesmo.

***
Depois de Ares ser selado no Tártaro e a fenda no chão ser fechada,
Daphne tinha recolhido cuidadosamente o corpo machucado de sua filha
enquanto Castor carregava Lucas e Hector carregava Orion de volta para
a mansão Delos. Daphne só tinha estado correndo por alguns momentos
quando sua filha adormeceu em seus braços. Por um momento, Daphne
ficou preocupada. As lesões de Helen tinham estado horríveis — algumas
das piores que Daphne já tinha visto, mas quando ela ouviu o som do
coração de Helen, ela o ouviu batendo lento, mas firmemente.
Não era muito além do amanhecer na hora que elas conseguiram
voltar para Nantucket das cavernas em Massachusetts. Na luz do
amanhecer, Daphne levou Helen pela escada dos Delos e pelo corredor
até o primeiro quarto que ela pôde achar que parecia pertencer a uma
menina. Ela olhou com pesar para o edredom de seda bonito que sua
filha suja e encharcada de sangue estava prestes a arruinar. Não que isso
importasse. A Casa de Tebas tinha uma grande fortuna, o suficiente para
substituí-lo. Uma fortuna que tinha, em parte, uma vez pertencido à Casa
de Daphne e de Helen — a Casa de Atreu.
Tantalus poderia gritar “guerra santa” e falar sobre como era a
“chance dos Descendentes” de governar tanto quanto ele queria, mas ele
nunca tinha enganado os chefes das outras casas. A Purgação cerca de
vinte anos atrás era tanto uma garra para a riqueza das outras Casas
como era uma garra para a imortalidade.
A profecia que começou a Purgação dizia que, quando as Quatro
Casas fossem unidas em Uma Casa pelo derramamento de sangue, então
Atlântida subiria novamente. As palavras exatas que Daphne tinha
memorizado afirmava que na nova Atlântida, os Descendentes poderiam
encontrar a imortalidade. A profecia não chegou a dizer que os
Descendentes se tornariam imortais — apenas disse que eles poderiam
encontrar a imortalidade lá. Daphne não estava otimista o suficiente para
pensar que a imortalidade era uma coisa certa. Mas Tantalus estava, e
ele tinha usado essa profecia para reunir os Cem Primos de Tebas em
torno dele para matar todas as outras Casas.
A coisa toda era uma farsa, tanto quanto Daphne sabia, santificada
por um monte de superstições do último Oráculo — que todos sabiam
que tinha enlouquecido depois de fazer sua primeira profecia. Mas
funcionou.
Vários Descendentes deixaram suas vastas propriedades para trás
para serem saqueados pela Casa de Tebas, a fim de fingirem de mortos e
evitarem o abate — como Dédalo e Leda, os pais de Orion. Como a própria
Daphne. Mas Daphne nunca ligou para o dinheiro. Mas, no entanto, ela
nunca teve nenhum escrúpulo moral sobre tomar dinheiro quando ela
precisava. Outros Descendentes, como Orion e seus pais, não tinham
escrúpulos sobre roubar, e eles lutaram pelas duas últimas décadas,
enquanto a Casa de Tebas vivia no luxo. Lembrando isso, Daphne colocou
Helen na cama e destruiu o adorável edredom com um pequeno sorriso.
Antes que Daphne pudesse virar para pegar água e gaze para limpar
as feridas rapidamente se curando da sua filha, Helen desapareceu e um
frio de drenagem de vida tomou seu lugar. Daphne assumiu que Helen
tinha descido. O tempo passava. Daphne esperou, sua ansiedade
crescendo a cada momento. Ela tinha pensado que viagens para o Mundo
Inferior eram instantâneas — que o tempo não passava. Tanto tempo se
passou que Daphne começou a se perguntar se ela devia acordar o resto
da casa, mas antes que ela fizesse um movimento, Helen reapareceu. O
corpo dela cheirava ao ar estéril do Mundo Inferior.
Os dentes de Daphne batiam, não por causa do frio, mas pelas
memórias de medo que o cheiro do ar despertou nela. Ela tinha quase
morrido tantas vezes que agora ela podia adivinhar que parte do Mundo
Inferior Helen tinha visitado. O cheiro não era árido o suficiente para
serem as terras áridas, e havia um toque de umidade de lama nos pés de
Helen. Daphne adivinhou que significava que ela devia ter ido para as
margens do próprio rio Styx.
— Helen? — Daphne balbuciou. Ela alisou o cabelo de sua filha e
olhou para seu rosto gelado.
Helen tinha sido terrivelmente ferida em sua batalha com Ares, mas
se ela fosse morrer, Daphne sabia que ela já estaria morta. Helen deve
ter usado sua capacidade de descer ao Mundo Inferior de propósito,
provavelmente para procurar seu amigo morto recentemente — o invejoso
que tinha infelizmente sido escravizado por Automedon.
Mais de uma vez, Daphne tinha ido em uma viagem semelhante à
procura de Ajax, mas ela não tinha a capacidade de sua filha para ir e vir
no Mundo Inferior à vontade. Ela teve que praticamente morrer para
chegar lá. Depois que Ajax tinha sido assassinado, ela não tinha
nenhuma vontade de viver, mas ela sabia que se matar não iria reuni-la
com o marido perdido. Daphne teve que morrer no campo de batalha
como Ajax teve, ou ela nunca iria acabar na mesma parte do Mundo
Inferior. Os heróis iam para os Campos Elísios. Suicidas iam para... quem
sabe onde? Ela havia se jogado em cada luta honrosa que ela podia
encontrar. Ela procurou os outros Descendentes na clandestinidade e de
forma imprudente defendeu os fracos e os jovens justo como tinha feito
com Orion, quando ele era um garotinho. Muitas vezes, Daphne tinha
sido quase morta em batalha e fez a viagem até o Mundo Inferior, sempre
em busca de seu marido pelas margens do rio Styx.
Mas tudo o que ela tinha encontrado foi Hades. O implacável e
enigmático Hades, que não iria restaurar seu marido para a vida e levá-
la ao invés, não importa o quanto ela tinha implorado ou negociado. O
senhor dos mortos não fazia acordos. Ela esperava que Helen não tivesse
descido na esperança de que ela pudesse trazer seu amigo de volta à vida.
Era uma missão tola — por agora, de qualquer maneira. Mas Daphne
vinha trabalhando há quase duas décadas para mudar isso.
— Não consigo ver você — Helen murmurou, e os dedos flexionaram,
como se estivesse tentando pegar alguma coisa. Daphne compreendeu
imediatamente. Ela, também, queria desesperadamente ver Hades e
tentou puxar o Elmo da Escuridão da cabeça dele. Eventualmente, depois
de Daphne metade morrer vezes o suficiente para pagar todas as suas
dívidas de sangue e livrar-se das Fúrias, Hades tinha finalmente
mostrado seu rosto.
Foi ao reconhecer Hades que ela tinha colocado seu plano em
movimento. O plano que tinha partido o coração de sua única filha,
separando-a de quem ela amava.
— Oh. Desculpe — Matt disse da porta, tirando Daphne de seus
pensamentos em espiral. Ela limpou o rosto úmido e se virou para ver
que Matt tinha Ariadne envolta frouxamente através de seus braços. Ela
era uma sombra medonha de cinza e estava quase inconsciente, tendo
esgotado a si mesma tentando curar Jerry. — Ela queria dormir em seu
próprio quarto.
— Tenho certeza que as duas vão caber — ela disse, apontando para
a cama larga. — Eu não sabia mais para onde levar Helen.
— Parece que há uma pessoa ferida em cada peça de mobiliário na
casa — disse Matt. Ele carregou Ariadne e deitou-a gentilmente ao lado
de Helen.
Menino forte, Daphne pensou, olhando para o amigo de Helen.
— Vai ser mais fácil vigiá-las juntas, de qualquer maneira — disse
Daphne, ainda examinando Matt.
Ele tinha ficado em forma e conseguido um monte de músculos
desde a última vez que ela o viu, mas ainda assim. Ariadne era uma
garota rechonchuda, não esbelta como Helen, e Matt não estava sequer
respirando com dificuldade depois de carregá-la pelo longo corredor.
Ariadne murmurou alguma coisa ininteligível para Matt antes de ele
se afastar, seu rosto enrugando em protesto contra a sua partida. Ele
parou para ajeitar seu cabelo. Daphne poderia quase sentir o cheiro do
amor flutuando para fora dele e enchendo o quarto como algo doce e
delicioso cozinhando em um forno.
— Eu voltarei em breve — ele sussurrou. Os olhos de Ariadne
vibraram e depois se acalmaram quando ela caiu em um sono profundo.
Ele correu os lábios em sua bochecha, roubando o menor dos beijos. Ele
se virou para Daphne e olhou para Helen. — Você precisa de alguma
coisa?
— Eu dou conta disso. Vá. Faça o que você precisa fazer. — Ele deu-
lhe um olhar agradecido, e ela observou-o caminhar para fora do quarto
— com as costas retas e ombros elevados na nova luz da manhã.
Como um guerreiro.

***
Helen se viu correndo para baixo de uma praia em direção ao maior
farol que já tinha visto.
Foi estranho no começo. Como ela poderia estar vendo a si mesma
como se estivesse assistindo a um filme? Não parecia como um sonho.
Nenhum sonho nunca pareceria tão real ou seria tão lógico. Ainda sem
entender o que estava acontecendo, ela rapidamente ficou envolvida no
drama e só seguiu com ele.
A Helen do Sonho estava usando um vestido branco diáfano longo,
envolto por um cinto ricamente decorado. Seu enorme véu tinha se
soltado dos grampos em seu cabelo, e voava por trás dela enquanto ela
corria. Ela parecia assustada. Quando o farol gigante apareceu mais
perto, Helen viu seu eu do sonho reconhecer uma figura de pé em um
dos pontos da base octogonal. Ela viu um flash de bronze quando uma
figura desfez as fivelas em seu pescoço e cintura, e permitiu que sua
armadura caísse na areia. Ela se viu gritar de felicidade e pegar
velocidade.
Depois de tirar metade de sua armadura, o jovem alto e moreno virou
ao som da voz dela e correu em sua direção, encontrando-a no meio do
caminho. Os dois amantes se aproximaram. Ele pegou-a contra o peito e
beijou-a. Helen observou-se jogar seus braços em volta do pescoço dele e
beijá-lo de volta, em seguida, se afastar para que ela pudesse beijar seu
rosto repetidamente em uma dúzia de diferentes lugares — como se ela
quisesse cobrir cada pedacinho dele. A mente de Helen flutuou mais perto
do par entrelaçado, já sabendo quem a outra Helen estava beijando.
Lucas. Ele estava vestido estranhamente e usando uma espada na
cintura. Ele tinha sandálias nos pés e suas mãos estavam envoltas com
tiras de couro desgastado e cobertas com luvas de bronze, mas era
realmente ele. Até mesmo a risada que ele deu quando a outra Helen
sufocou-o de beijos era a mesma.
— Eu senti sua falta! — gritou a outra Helen.
— Uma semana é muito tempo — ele concordou baixinho.
As palavras não eram em inglês, mas Helen compreendeu-as da
mesma forma. O significado ecoou em sua cabeça, assim como o alívio
de se reencontrar com seu amor ecoou através dela — como se fosse seu
corpo que estivesse pressionado contra o dele. De repente, Helen sabia
que era seu corpo, ou tinha sido, uma vez. Ela tinha falado esta língua,
e ela tinha sentido aquele beijo antes. Isso não era um sonho. Parecia
mais como uma memória.
— Então você vem comigo? — ele disse com urgência, pegando seu
rosto em suas mãos e forçando-a a olhar para ele. Seus olhos brilhavam
com esperança. — Você vai fazer isso?
O rosto da outra Helen murchou. — Por que você sempre fala do
amanhã? Não podemos apenas desfrutar do agora?
— Meu navio parte amanhã. — Ele a soltou e se afastou, ferido.
— Paris...
— Você é minha mulher! — ele gritou, andando em círculo e
arrastando a mão pelo cabelo exatamente como Lucas fazia quando ele
estava frustrado. — Eu dei a Afrodite a maçã de ouro. Eu escolhi o amor...
eu escolhi você ao invés de tudo o que foi oferecido para mim. E você
disse que me queria, também.
— Eu quero. Eu ainda quero. Mas minha irmã não tem cabeça para
a política. Afrodite não achou que era importante mencionar que, embora
você pudesse ter estado cuidando de ovelhas naquele dia, você não era
um pastor como eu acreditava, mas sim um príncipe de Troia. — A outra
Helen cedeu um suspiro exasperado para sua irmã e, em seguida,
sacudiu a cabeça, desistindo. — Maçãs douradas e tardes roubadas não
importam. Eu não posso ir com você para Troia.
Ela estendeu a mão para ele novamente. Por um momento, parecia
que ele queria resistir, mas ele não o fez. Ele pegou a mão dela e puxou-
a para ele como se ele não pudesse se fazer rejeitá-la, mesmo quando ele
estava com raiva.
— Então vamos fugir. Deixar tudo para trás. Vamos parar de ser da
realeza e nos tornar pastores.
— Não há nada que eu queira mais — ela disse ansiosamente. —
Mas não importa onde vamos, eu ainda seria uma filha de Zeus e você
um filho de Apolo.
— E se tivéssemos filhos, eles teriam o sangue de dois olimpianos —
ele disse, a impaciência tornando sua voz áspera. Aparentemente, ele já
tinha ouvido esse argumento muitas vezes. — Você realmente acredita
que é suficiente para criar o Tirano? A profecia diz algo sobre a mistura
do sangue de quatro casas que são descendentes dos deuses. Seja lá o
que isso signifique.
— Eu não entendo nenhuma das profecias, mas as pessoas temem
qualquer mistura do sangue dos deuses — ela disse. Sua voz abaixou de
repente. — Eles nos perseguiriam até os confins da Terra.
Ele passou as mãos sobre sua barriga, tocando-a possessivamente.
— Você já poderia estar grávida, sabia.
Ela parou as mãos dele. Seu rosto estava triste e — só por um
momento — desesperado. — Essa é a pior coisa que poderia acontecer
para nós.
— Ou a melhor.
— Paris, pare — disse Helen com firmeza. — Dói em mim sequer
pensar nisso.
Paris assentiu com a cabeça e tocou a testa dela. — E se o seu pai
adotivo, o rei de Esparta, tentar casar você com um desses bárbaros
gregos como Menelau? Quantos reis estão pedindo sua mão agora? Dez
ou vinte?
— Eu não me importo. Vou recusar todos eles — disse a outra Helen.
Então ela abriu um sorriso. — Não é como se alguém pudesse me forçar.
Paris riu e olhou em seus olhos. — Não. Embora, eu gostaria de ver
um ou dois deles tentar. Eu me pergunto se os gregos cheiram melhor
depois de terem sido atingidos por um raio. Eles certamente não podem
ficar com um cheiro pior.
— Eu não mataria ninguém com o meu relâmpago — ela disse com
uma risada, entrelaçando os braços em volta do pescoço dele e moldando
seu corpo mais perto do seu. — Talvez apenas os chamuscaria um pouco.
— Oh, por favor, não faça isso! Chamuscar gregos soa como se
fossem cheirar muito pior do que completamente fritos — disse Paris, sua
voz ficando mais forte quando ele sorriu para ela. De repente, o humor
saiu de seu olhar compartilhado e tristeza o substituiu. — Como é que
eu vou navegar para longe sem você de manhã?
A outra Helen não tinha uma resposta. Seus lábios encontraram os
dela, e ele enfiou os dedos pelos seus cabelos, inclinando sua cabeça para
trás e tomando o seu peso quando ela entregou-se a ele. Assim como
Lucas fazia.
Helen sentia tanta falta dele que doía, mesmo durante o sono. Doía
tanto que ela acordou e rolou gemendo quando ela acidentalmente
colocou muita pressão sobre os ossos se curando.
— Helen? — perguntou Daphne suavemente, sua voz a centímetros
de distância de Helen na escuridão. — Precisa de alguma coisa?
— Não — respondeu Helen, e deixou os olhos inchados derivarem e
fecharem novamente. O sonho que a saudou fez ela desejar que ela
permanecesse acordada, apesar de seus ferimentos.

***
Uma mulher aterrorizada estava lutando contra uma garra enorme
que estava em volta de sua cintura. Asas enormes, adornadas com penas
maiores do que uma pessoa, bateram no ar quando o pássaro gigante
arrastou-a para o céu noturno. A linha do horizonte da Cidade de Nova
York passou enquanto a mulher lutava.
Helen viu o pássaro inclinar sua cabeça bicuda para olhar para a
mulher em suas garras. Por um breve momento, o olho ameaçador da
águia arredondou até que ele tinha o formato do de um homem. Ele tinha
olhos cor de âmbar. Um relâmpago azul brilhou no meio preto de suas
pupilas. A águia gritou, congelando o sangue de Helen e enviando
calafrios por seu corpo dormindo.
O Empire State Building se elevou na frente deles, e, em seguida,
Helen não viu mais nada.

***
Orion estava gritando muito alto.
Helen se levantou ao som, empurrou a mãe de lado e começou a
correr. Ela caminhou pelo corredor escuro e através do quarto, Lucas um
borrão ao seu lado, antes de os dois de repente processarem a situação e
congelarem.
— Que diabos? — Hector rugiu da cama desdobrável que foi
colocada ao lado da de Orion. Ele acendeu uma luz.
Orion estava de pé em seu colchão, usando um par de calções
curtos, apontando para uma pequena figura escura agachada na
abertura estreita entre as duas camas. Era Cassandra, encolhida no chão
de madeira com apenas um travesseiro e um cobertor fino para dormir.
— O que você está fazendo aí? — várias vozes clamavam para
Cassandra. Castor, Pallas e Daphne tinham vindo atrás de Helen e Lucas
na porta.
— Você me mordeu! — Orion uivou, ainda dançando em cima da
cama, assustando. Noel, Kate e Claire, correndo em um ritmo humano,
chegaram em seguida e encheram o quarto.
— Me desculpe! — Cassandra lamentou. — Mas você pisou em mim!
— Eu pensei que você fosse um gato até que eu... eu quase arranquei
sua cabeça! Eu poderia ter te matado! — Orion gritou enfurecido de volta
para ela, ignorando o grande público. — Nunca se esgueire sobre mim!
Orion de repente apertou o peito e se dobrou de dor. Hector saltou
para agarrá-lo antes que ele caísse — mas não antes de todo mundo ver.
Orion tinha duas feridas frescas em seu peito e estômago de sua luta com
Automedon. Eles eram um vermelho irritado, mas estava curando rápido
e em poucos dias elas iriam desaparecer completamente e deixá-lo sem
marcas. Mas o que chamou a atenção de todos não foram as novas
feridas, foram as longas cicatrizes que marcavam seu físico antes
perfeito.
Um corte em seu peito e outro em sua coxa esquerda. Quando ele
caiu contra Hector, sua força exaurida, todos eles viram o pior em suas
costas. Helen olhou para a medonha cicatriz branca como osso que corria
paralela à sua espinha. Parecia que alguém tinha tentado cortá-lo em
dois, de cima para baixo. Ela sentiu Lucas pegar a mão dela e ela se
agarrou a ele, apertando de volta.
— Todo mundo para fora! — Hector gritou quando percebeu o
silêncio chocado e os olhares. Inclinando os ombros, ele tentou esconder
Orion com seu corpo. — Você também, pestinha — ele disse baixinho
para Cassandra, ainda agachada no chão.
— Não — ela protestou. A trança grossa preta que serpenteava pelas
costas dela foi se desfazendo e ficando despenteada, e seu rosto era uma
máscara teimosa de pele de alabastro, olhos selvagens e lábios vermelhos
brilhantes. — Eu vou ficar aqui. Ele pode precisar de mim.
Hector acenou com a cabeça, dando a Cassandra seu assentimento
relutante, e colocando o corpo desmaiado de Orion de volta na cama. —
Saiam — ele disse por cima do ombro para o resto deles, silenciosamente
desta vez. Todo mundo virou de uma vez.
Passando pela porta, Helen e Lucas inclinaram-se em direção um do
outro, ambos sentindo seus ferimentos novamente e precisando de apoio
agora que a adrenalina tinha passado. Mas em vez de deixar os dois
ajudarem um ao outro, Pallas pegou Lucas, e Daphne apoiou Helen,
separando-os.
— Você sabia sobre isso? — Lucas perguntou, antes de serem
levados em direções opostas.
— Não. Eu nunca o vi sem suas roupas — ela respondeu, chocada
demais para ser outra coisa além de rude. Ela tinha visto Morfeu como
Orion seminu, ela recordou-se, mas não o próprio Orion. Lucas acenou
com a cabeça, seu rosto sombreado com preocupação.
— Volte para a cama, Helen — disse sua mãe com firmeza, e pediu
a ela para se virar.
Helen deixou sua mãe deitá-la ao lado do corpo mole de Ariadne.
Quando ela fechou os olhos e tentou voltar a dormir, ela ouviu Noel e
Castor falando um com o outro no quarto ao lado. Por um momento,
Helen tentou bloqueá-los e dar-lhes um pouco de privacidade, mas a
urgência de suas vozes não permitiria até mesmo para um mortal com
audição normal ignorá-los.
— Como ele conseguiu essas cicatrizes, Caz? — Noel perguntou com
a voz trêmula. — Eu nunca vi nada parecido. E eu já vi muitas.
— A única maneira de um Descendente ter cicatrizes como essa é se
isso acontecer antes que ele ou ela seja maior de idade — disse Castor,
tentando manter a voz baixa.
— Mas nossos meninos brigavam o tempo todo quando eles eram
pequenos. Lembra quando Jason fixou Lucas com uma lança no teto
naquela época? Eles não têm cicatrizes — Noel estalou, muito chateada
para tomar a sugestão de Castor para ficar quieta.
— Nossos meninos sempre tiveram muita comida e um lugar limpo
para se curar depois de bater uns nos outros.
— E Orion não tinha? É isso que você está dizendo? — A voz de Noel
falhou.
— Não. Ele provavelmente não tinha.
Helen ouviu o som de tecido farfalhando, seguido de suspiros
profundos, como se Castor estivesse puxando Noel para perto contra seu
peito.
— Essas cicatrizes significam que Orion era muito jovem quando
isso foi feito com ele. E depois disso, ele deve ter tido fome durante sua
cura, sem nada para comer, beber ou alguém para cuidar dele. Você
nunca viu essas cicatrizes em um Descendente antes porque a maioria
não iria sobreviver ao que é preciso para obtê-las.
Helen cerrou os dentes e virou o rosto em seu travesseiro, sabendo
que todos no piso superior tinham ouvido o intercâmbio entre Noel e
Castor. Seu rosto ficou quente quando ela pensou sobre como todos eles
estavam, provavelmente, julgando Orion — com pena do garotinho
abusado e abandonado que ele já foi.
Ele merecia mais do que isso. Ele merecia amor, não pena. Helen
também sabia que sua mãe estava olhando para ela enquanto ela
tentava, e falhava, não chorar com pena desse garotinho ela mesma. Ela
puxou as cobertas sobre a cabeça.
Daphne deixou-a chorar e voltar para um sono profundo.

***
Helen viu seu outro eu ser chutado por uma rua empoeirada por
uma multidão enfurecida.
O vestido da outra Helen estava rasgado, coberto de sujeira, e
manchado com manchas de comida podre que haviam sido jogadas nela.
Sangue vazava de um corte enorme na sua cabeça, de sua boca e das
palmas das mãos, onde ela as tinha roçado no chão quando ela caiu
várias vezes. A multidão estava reunida em torno dela, pegando pedras
do lado da estrada enquanto eles se aproximavam.
Um homem loiro, do dobro de sua idade e duas vezes o tamanho
dela, correu para a frente para bater nela com os punhos — como se sua
raiva precisasse de um escape mais imediato do que apenas arremessar
uma pedra. Parecia que ele tinha que usar seu próprio corpo para
machucá-la, a fim de se sentir satisfeito.
— Eu amei você mais do que ninguém! Seu pai adotivo lhe deu para
mim! — ele gritou meio enlouquecido enquanto ele batia nela. Seus olhos
se arregalaram e saliva voou de sua boca em um salpico branco. — Eu
vou tirar essa criança para fora de você e ainda vou te amar!
Helen podia ouvir o murmúrio da multidão: — Mate ela, Menelau! —
e — Ela pode carregar o Tirano! Você não deve tentar poupá-la!
A outra Helen não revidou ou usou seu relâmpago para se defender
contra Menelau. Helen observava seu outro eu sendo golpeada tantas
vezes que ela perdeu a conta, mas cada vez a outra Helen voltava a ficar
de pé novamente. Helen podia ouvir o bater dos punhos dele contra suas
costas e ouvir o homem grunhindo com o esforço, mas a outra Helen não
gritou ou implorou para ele parar. Ela não fez nenhum som, exceto o
bufar de sua respiração, uma vez que saiu de seus pulmões pelos golpes
que ele dava.
Helen sabia como aqueles punhos eram, ela até sabia como Menelau
cheirava enquanto ele batia nela. Ela lembrava.
Finalmente, Menelau caiu de joelhos, incapaz de vencê-la por mais
tempo. A outra Helen era simplesmente forte demais para morrer por
suas mãos, embora estivesse claro para Helen que morrer era o que a
outra Helen tinha a intenção de fazer desde o princípio.
Quando a primeira pedra a atingiu, ela não se acovardou ou tentou
cobrir-se. Mais pedras se seguiram, golpeando-a de todos os lados, até
que a multidão correu para pegar mais pedras para atirar. Mas ainda
assim a outra Helen não morreu. Assustada agora, a multidão começou
a se afastar.
Um silêncio caiu sobre a multidão enquanto eles observavam o
espetáculo macabro que haviam criado. Ainda viva, a outra Helen se
contraiu e se debateu em meio às pedras empilhadas, sua pele polposa e
irregular sobre seus ossos quebrados. Ela começou a cantarolar baixinho
uma música para si mesma — gemendo em desespero para manter sua
mente longe da dor insuportável em que estava. Ela balançava para frente
e para trás, instável como uma bêbada. Ela foi incapaz de encontrar alívio
em qualquer posição, mas ela balançava enquanto ela cantarolava para
consolar-se do melhor jeito que pôde. Helen lembrou-se da dor. Ela
desejou que ela não tivesse lembrado.
A multidão começou a sussurrar: — Decapitem ela. É o único jeito.
Ela não vai morrer a menos que a decapitemos.
— Sim, peguem uma espada — a outra Helen gritou fracamente, as
palavras ilegíveis em sua boca arruinada. — Eu imploro.
— Alguém tenha misericórdia e matem ela! — gritou uma mulher
desesperadamente, e a multidão cedeu ao grito. — Uma espada!
Precisamos de uma espada!
Um jovem, pouco mais que um menino, saiu da multidão, com
lágrimas escorrendo pelo seu rosto pálido com a visão da outra Helen.
Ele desembainhou sua espada, levantou acima da cabeça e trouxe-a para
baixo na bagunça ensanguentada a seus pés.
Um braço fino lançou a lâmina para fora do caminho antes que
pudesse golpear.
Uma mulher apareceu, banhada em uma luz dourada, sua forma
mudando repetidamente. Ela era jovem e velha, gorda e magra, de pele
escura e clara. Em um instante, ela era toda mulher no mundo, e todas
elas eram bonitas. Por escolha, ao que parecia, sua forma se estabeleceu
em uma que parecia muito semelhante à de Helen.
— Minha irmã! — ela gritou pateticamente, pegando a menina ferida
dos escombros. Soluçando, Afrodite embalou a outra Helen nos braços,
limpando o sangue de seu rosto com o véu cintilante.
A multidão se encolheu quando a deusa chorou, suas emoções
capturadas pela sua magia. Helen podia ver seus rostos se
transformando em máscaras de tristeza enquanto seus corações partiam
junto com Afrodite.
— Deixe-me ir — a outra Helen pediu a deusa.
— Nunca — Afrodite prometeu. — Eu preferiria ver uma cidade
queimar até o chão do que perdê-la. — A outra Helen tentou argumentar,
mas Afrodite a silenciou e levantou, embalando-a perto, como faria com
um bebê.
A deusa do amor enfrentou a multidão, olhando para eles. Seus
olhos e boca brilhavam quando ela amaldiçoou a todos em uma voz de
trovão:
— Eu abandono este lugar. Nenhum homem deve sentir desejo, e
nenhuma mulher deve dar frutos. Todos vocês vão morrer mal-amados e
sem filhos.
Helen ouviu os apelos da multidão embaixo dela enquanto ela se
sentiu voando no ar junto com a deusa. Eles estavam hesitantes e
confusos no início. Logo os apelos se transformaram em prantos,
enquanto a multidão entendia o quão obscuro o seu futuro se tornou com
algumas palavras de uma deusa com raiva. Afrodite voou para longe
sobre a água com sua querida irmã em seus braços, deixando o lugar
amaldiçoado para trás.
Distante no horizonte estava o mastro de um grande navio — um
navio de Troia, Helen lembrou. A deusa voou direto para ele, levando
ambas as Helens com ela.

***
Matt olhou para o horizonte escuro. O vento fora da água estava frio,
e o céu estava tão cheio de estrelas que parecia uma cidade de cabeça
para baixo pendurada no ar. Ele tinha acabado de sobreviver aos dois
dias mais longos de sua vida, mas Matt não estava cansado. Não
fisicamente, pelo menos. Seus músculos não doíam, e suas pernas não
se arrastavam. Na verdade, ele nunca tinha se sentido melhor em sua
vida.
Matt olhou para a antiga adaga em sua mão. Ela era feita de bronze,
e apesar de ser assustadoramente velha, ela ainda estava afiada e
perfeitamente equilibrada da lâmina ao cabo. Matt segurou a coisa bonita
através de sua palma da mão e observou ela acomodar-se nos músculos
da sua mão como se um tivesse sido feito para o outro. Mas para o que,
ele pensou amargamente.
O sangue de Zach tinha sido lavado de suas bordas, mas Matt ainda
imaginava que ele pudesse vê-lo. Alguém que Matt tinha conhecido toda
a sua vida tinha morrido com esta adaga em seu coração antes de legá-
la para Matt. Mas há muito tempo tinha pertencido a outra pessoa, um
mestre muito mais famoso.
Os gregos acreditavam que a alma de um herói estava em sua
armadura. A Ilíada e A Odisseia diziam que guerreiros eram os que
lutaram até a morte além da armadura. Alguns até tinham se desonrado
para colocar as mãos sobre as espadas e armaduras dos maiores heróis,
a fim de absorver a alma e habilidade daquele herói. Ajax o Grande, um
dos lutadores mais reverenciados no lado grego da Guerra de Troia, tinha
ido em um tumulto para possuir a armadura de Hector. Quando Ajax
acordou de sua loucura, ele estava tão horrorizado com a forma como ele
tinha manchado o seu bom nome que ele caiu sobre sua própria espada
e se matou. Matt sempre ficava intrigado com essa parte da Ilíada. Ele
nunca teria lutado além da armadura, nem mesmo se isso significasse
que ele poderia se tornar o maior guerreiro do mundo já conhecido. Ele
não estava interessado em glória.
Matt jogou a adaga tão longe na água agitada quanto podia. Ela
voou, sobre a extremidade final, por um tempo muito longo. Ele observou-
a afastando-se dele impossivelmente longe e rápido. Muitos segundos
depois, Matt pôde ouvir o barulho dos salpicos fracos que a adaga fez
quando bateu na água, apesar do barulho das ondas.
Era humanamente impossível jogar algo tão longe, e duplamente
impossível ouvi-lo salpicar para baixo. Matt sempre se baseou na lógica
para resolver seus problemas, e a lógica estava dizendo a ele que para
algo tão inacreditável a lógica já não se aplicava.
Ele havia secretamente desejado isso. Mas não desse jeito. Não se
esse for o papel que ele estava destinado a atuar. Matt nem sequer
entendia... Por que ele? Ele tinha aprendido a lutar porque ele queria
ajudar seus amigos, não porque ele queria machucar alguém. Matt só
tinha querido proteger as pessoas que não podiam proteger-se. Ele não
era um assassino. Ele não era nada como o primeiro homem a possuir a
adaga.
Uma onda jorrou aos pés de Matt, deixando algo brilhante e
reluzente para trás na areia. Ele não teve que pegá-lo para saber o que
era. Ele tinha jogado a adaga para o oceano três vezes, e as três vezes ela
havia retornado para ele incrivelmente rápido.
As Moiras estavam de olho nele agora, e não havia lugar para Matt
se esconder.

***
O navio tinha velas quadradas e brancas. Acima delas, balançando
no vento e pendurada no mastro mais alto, estava uma flâmula triangular
vermelha gravada com um sol dourado. Fila após fila de remos estavam
presos para fora dos lados do navio. Mesmo a partir do ar, Helen podia
ouvir o bater rítmico de um timbale, soando com o ritmo das remadas.
A água não era o azul marinho sinistro do Atlântico, mas um azul
claro impressionante — o mesmo azul-joia dos olhos de Lucas. Azul-
celeste, Helen pensou. Ainda agarrada à consciência, a outra Helen gemia
nos braços de Afrodite quando a deusa levou-a para o convés do navio.
Quando Afrodite pousou, vozes assustadas gritaram. A partir do
local de comando por trás do leme, um homem grande deu um passo à
frente. Helen o reconheceu instantaneamente.
Hector. Ele parecia exatamente o mesmo, exceto pelo cabelo e o
estilo de vestir. Este Hector manteve seu cabelo mais longo do que o que
Helen conhecia em Nantucket, e ele usava uma veste curta de linho
amarrada na cintura com um cinto de couro. Tiras de couro estavam
envolvidas em torno de suas mãos, e havia um ornamento de ouro grosso
em volta de seu pescoço. Mesmo seminu ele parecia da realeza.
— Eneias — Hector chamou por cima do ombro enquanto ele olhava
sem acreditar na confusão sangrenta nos braços de Afrodite. Uma cópia
carbono de Orion, menos a cicatriz desfigurante sobre o seu peito nu e
costas, se adiantou e ficou em posição no ombro direito de Hector. — Vá
lá em baixo e acorde meus irmãos.
— Depressa, meu filho — Afrodite sussurrou para Eneias. — E traga
mel. — Ele assentiu respeitosamente à sua mãe e se afastou, mas seu
olhar permaneceu na outra Helen enquanto ele se movia. Seu rosto
estava cheio de tristeza.
— Água! — Hector gritou, e muitos pés marcharam para longe de
uma só vez para obedecê-lo. Meio minuto depois, Paris correu de debaixo,
com Jason um passo atrás. Como as outras versões antigas dos homens
que ela conhecia, Jason parecia exatamente o mesmo, exceto pelas
roupas que ele usava.
Um grito estranho e engasgado explodiu de Paris quando ele
percebeu quem ele estava olhando, e ele correu para a outra Helen com
as pernas bambas. Suas mãos tremiam quando ele a pegou de Afrodite,
seu rosto ficando branco sob seu bronzeado.
— Troilus — disse Hector para Jason, indicando com o queixo para
o seu irmão mais jovem para pegar o balde de água que tinha acabado
de chegar. A outra Helen empurrou fracamente no peito de Paris, quando
ele tentou levar água aos seus lábios.
— O que aconteceu, Lady? — Troilus perguntou a Afrodite quando
ficou claro que Paris não iria, ou não podia, falar.
— Menelau e sua cidade se voltou contra ela quando eles
descobriram sobre o bebê — disse a deusa simplesmente.
A cabeça de Paris se levantou rapidamente, com o rosto congelado
com descrença. Hector e Eneias compartilharam um breve olhar
desesperado e, em seguida, ambos olharam para Paris.
— Você sabia, irmão? — perguntou Hector suavemente.
— Eu esperava — ele admitiu, com a voz abafada pela emoção. —
Ela mentiu para mim.
Todos os homens menos Paris assentiram com a cabeça, como se
pudessem compreender a escolha de Helena.
— O Tirano. — Eneias mal sussurrou a palavra, mas era óbvio que
todos estavam pensando isso. — Mãe. Como Menelau descobriu que
Helena estava grávida?
Afrodite carinhosamente roçou a ponta dos dedos ao longo dos
ombros da sua meia-irmã. — Helena esperou que o seu navio
desaparecesse do horizonte e, em seguida, ela mesma disse a Menelau.
Paris começou a tremer todo. — Por quê? — ele perguntou a outra
Helen, sua voz alta com o esforço para conter as lágrimas. A outra Helen
passou a mão sobre o peito ensanguentado de Paris, tentando acalmá-lo.
— Eu sinto muito — ela sussurrou, e colocou a mão em sua barriga.
— Eu tentei, mas eu não pude fazê-lo. Eu não pude nos matar.
Troilus inclinou-se contra o seu irmão, apoiando-o, enquanto todos
eles observavam Helen com uma mistura de espanto e consternação.
— Não chore, Paris. Seu bebê vive — disse Afrodite. — Ela vai crescer
para parecer com a nossa bela Helena, e sua filha vai crescer para parecer
com sua mãe e assim por diante e assim por diante, enquanto a linhagem
durar. Eu vi isso, de modo que mesmo depois que minha irmã meia-
mortal se for, eu sempre posso olhar para o rosto que eu mais amo neste
mundo.
O brilho dourado da deusa iluminou, e ela observou os homens de
Troia um de cada vez, sua voz assumindo o timbre de um trovão à
distância.
— Vocês todos devem jurar para mim que vocês vão proteger a
minha irmã e seu filho. Se Helena e sua linhagem de filhas morrer, não
haverá nada na Terra que eu ame — ela disse, seus olhos caindo em tom
de desculpa em seu filho, Eneias, por um momento antes deles
endurecerem contra ele. Ele baixou a cabeça com um olhar ferido, e
Afrodite virou para Hector. — Enquanto minha irmã e sua linhagem de
filhas durar, haverá amor no mundo. Juro sobre o rio Styx. Mas se vocês
deixarem a minha irmã morrer, Hector de Troia, filho de Apolo, vou deixar
este mundo e levar o próprio amor comigo.
Os olhos de Hector fecharam por um momento quando a enormidade
do decreto da deusa entrou em sua cabeça. Quando os abriu de novo o
olhar que ele deu foi um de derrota. Que escolha eles tinham? Ele olhou
em volta para seus irmãos e para Eneias, todos eles silenciosamente
concordando que eles não poderiam dizer não, apesar das consequências
que com certeza se seguiriam.
— Nós juramos, Lady — disse Hector pesadamente.
— Não, irmã. Não. Menelau e Agamenon juraram um pacto com os
outros reis gregos. Eles virão para Troia com todos os seus exércitos — a
outra Helen gemeu com urgência.
— Sim, eles vão. E vamos enfrentá-los — disse Paris obscuramente,
como se ele já estivesse enfrentando os navios de guerra que
inevitavelmente navegavam às suas margens. Ele levantou-a, e ela lutou
desajeitadamente em seus braços.
— Jogue-me para o lado e deixe-me afogar — ela implorou. — Por
favor. Acabe com isso antes que comece.
Paris não lhe respondeu. Segurando-a para o alto em seus braços
para mantê-la perto, ele a levou para baixo do deque para seu beliche. A
outra Helen finalmente perdeu a consciência, e a visita de Helen a este
terrível sonho, visão ou seja lá o que for, foi interrompida bruscamente
quando ela caiu em um sono natural.
CAPÍTULO 2
Traduzido por Polly

A ndy olhou para o metrônomo no topo do órgão que ela estava


tocando e desejou que isso explodisse. Ela respirou fundo,
esperou um compasso, e mergulhou de volta em Bach. Dez balanços do
metrônomo mais tarde e ela estava rosnando entre dentes cerrados e
agitando os punhos no ar, em vez de batê-los nas teclas. Abusar de
instrumentos era uma ofensa imperdoável na mente de Andy. Mas
metrônomos, por outro lado...
— Você tem sorte de ser uma antiguidade — ela disse a ele, apenas
para deixá-lo saber o quão perto que tinha chegado de ser estilhaçado.
Ela esvaziou sua mente e começou novamente.
Desta vez, ela deixou Bach fazer o trabalho, e por vários compassos
ela encontrou a arte dentro da matemática complicada da fuga.
Felicidade. Até que ela foi interrompida pelos tilintares de um
temporizador em formato de ovo. Os dedos de Andy deslizaram das teclas
com um barulho ensurdecedor trombeteando que apenas um órgão
gigante de cem anos poderia fazer.
— Sério? — Andy disse para o brilho celeste da janela Tiffany que
estava acima de sua cabeça. Até mesmo a beleza das cores dos retalhos,
aquecendo seu rosto como uma colcha brilhante feita de luz, não foi
suficiente para acalmá-la. Justamente quando ela estava conseguindo,
ela teve que parar.
Ela reprimiu o impulso de xingar na igreja e olhou para o relógio. Já
era 8:00h. Droga. Seu tempo de ensaio acabou, e ela tinha que ir andando
até chegar na sua primeira aula.
Estava frio. Lá fora, o sol estava começando a espreitar por cima da
borda mais distante do campus. Andy se agachou dentro das camadas
da blusa xadrez que usava para esconder sua figura impressionante e fez
seu caminho através do matagal enrijecido e frio para o seu “atalho”.
Verdade seja dita, era um longo atalho. O que importava era que ela
estava fora do caminho e mais distante de todos os outros. Andy não
estava à procura de amigos na escola. Ela gostava da sua solidão. Na
verdade, isso não era bem verdade. Ela odiava a sua solidão, mas ela
confiava mais nisso do que ela confiava nas pessoas.
— Eu vi você tocando — um jovem disse com uma voz musical.
Andy gritou e se virou. Ela viu um belo jovem alto, coroado com
cachos dourados. As bordas dele brilhavam à luz fina do sol da manhã
fria de novembro.
— O que você está fazendo aqui? — Andy disse calmamente. Ela
piscou os olhos ofuscados pelo sol e olhou ao redor procurando outra
pessoa. A Faculdade Wellesley era só para meninas da área mais sangue
azul, mais alta classe e completamente tradicional de Massachusetts. A
menos que esse menino fosse um professor ou um guarda da segurança,
ele não era autorizado a estar dentro do campus sem um crachá de
visitante.
— Você é muito talentosa — ele disse, movendo-se em direção a ela.
— Você disse que me viu, não é? — Andy deu um passo para trás,
não gostando desta situação. — Como você pôde me ver na capela? Eu
estava sozinha.
Ele riu, sua voz dançando em torno das notas como um carrilhão de
vento. — Eu não estava na capela, é claro. Eu vi você através daquela
grande janela.
— Você me viu através de uma janela com vitrais? Como você fez
isso?
— Eu posso encontrar alguém tão bonita como você, não importa
onde você se esconda. Você é tão radiante, eu aposto que você até mesmo
brilha no escuro.
A maneira como ele disse isso não soou falso. Ele não estava olhando
de soslaio para ela ou sendo rude de qualquer maneira, mas ele ainda
estava se movendo em direção a ela, embora ela obviamente não quisesse
que ele o fizesse. Quando ele se aproximou, Andy viu algo errado em seus
olhos — algo distintamente animal e não humano. Ela se lembrou da luz
solar que atingiu seu rosto através da janela com vitrais e descobriu como
ele a viu. Ela sabia com quem, ou melhor, com o que ela estava lidando
agora. Andy se afastou rapidamente, sua respiração começando a raspar
com medo real.
— Você vai correr de mim? — o jovem perguntou pungentemente,
como tinha acontecido para ele muitas vezes antes.
— Você vai me perseguir? — ela perguntou, acrescentando a sua voz
uma borda hipnótica de sedução que poderia conduzir os homens
mortais à sua morte. Ela precisava ganhar tempo, talvez levá-lo a segui-
la de volta pelo caminho principal. Com certeza teria alguém lá para
ajudá-la.
— Claro que sim — ele disse, seus olhos ardentes e sua voz baixa.
Ele estava excitado, mas não hipnotizado — infelizmente para Andy. —
Só as que correm são dignas de serem pegas.
Não é engraçado? Ela pensou com aquela hilaridade desesperada
que só acontece nas circunstâncias mais desesperadoras. Eu passei a
minha vida inteira morrendo de medo de incitar um menino, e eu acabo
sendo atacada em uma escola só para meninas.
A luz brilhou sobre ele novamente, pegando suas bordas e fazendo-
o parecer mais real do que verdadeiro, como se ele fosse em 4-D. Andy
sabia que isso não era um truque do sol do outono em ascensão. Ela
também sabia que isso não era um garoto. Sua mãe tinha advertido da
possibilidade de algo como isso, mas Andy nunca pensou que viria a
acontecer.
— Ei, Andy! — chamou uma garota intensamente tagarela que Andy
tinha encontrado a mais de um mês atrás na orientação dos calouros e
evitado desde então. Ela olhou para Andy e o menino duvidoso. O
aglomerado barulhento de meninas atrás dela ficou em silêncio quando
viram que Andy estava com um menino. — Você vem para a aula?
— Oi... Susan! — Andy gritou de volta freneticamente, lembrando o
nome da menina no último momento. — Eu quero ir com você!
O belo jovem sorriu tristemente para Andy quando o grupo das
jovens tagarelas se aproximaram para pegá-la. Então ele se virou e saiu
correndo em direção ao Lago Waban.
— Onde o seu amigo vai? — Susan perguntou, perplexa.
— Ele não é meu amigo — Andy disse, agarrando a mão coberta por
luva de Susan com alívio. — Nós precisamos ir para a segurança do
campus agora.

***
— Eu posso descrevê-lo! — gritou uma menina do bando de Susan
que tinha o cabelo preto brilhante e a pele cor de canela. Ela disse ao
guarda da segurança, — Ele deve estar congelando porque ele estava
vestindo apenas jeans e uma camisa apertada!
— Ele tinha cabelos loiros encaracolados, e ele era realmente
bronzeado. Como um surfista de Malibu — uma garota gordinha com um
cabelo loiro liso que se soltava, como se ela não pudesse conter sua
exuberância.
— Ele tinha a pele muito suave também. Como um golfinho! — riu
a menina cor de canela de volta para a loira, e as duas caíram em um
ataque de risadinhas, babando pelo quase-estuprador de Andy.
Andy deixou cair seu rosto em sua mão e esfregou os olhos enquanto
ela ouvia mais do mesmo do resto das testemunhas — ou “fãs” como ela
estava começando a pensar nelas. Ela lembrou a si mesma que elas não
poderiam conter a sua reação. Elas eram apenas humanas.
Depois de passar as próximas duas horas com a segurança,
contando toda a experiência e levando os guardas para o local exato onde
ela tinha sido abordada, Andy tinha aceito com gratidão um novo
dispositivo de segurança para o seu chaveiro. Ela tinha um perseguidor
oficial, que tinha feito isso dentro do campus, sem um passe, e os
guardas não iriam deixá-la passear em torno sem tomar algumas
precauções. O dispositivo de segurança era um botão de pânico que lhes
traria a ela em um instante. Se ela sequer avistasse o garoto novamente,
ela chamaria eles. Andy se perguntou se ela realmente iria pressioná-lo
e pôr em perigo todos eles, ou se ela iria enfrentá-lo sozinha.
Embora Susan e seu bando houvessem intensificado e confirmado
a história de Andy, todas elas fizeram isso com um toque de confusão.
Andy tinha relatado palavra por palavra o que o menino tinha dito a ela,
e qualquer uma delas teria dado a ela algo em troca para ter as mesmas
coisas ditas a elas por um cara gostoso.
Andy não conseguia explicar que isto não era um romance. Os
homens sempre tinham dito coisas assim para ela, mas não tinha nada
a ver com amor. Ela estudou em escolas católicas só para garotas por
toda a sua vida e tinha fugido de cada homem que a perseguia, mas isso
não os impediu de persegui-la. Ela fugiu das garotas que haviam
perseguido ela, também, e tinha havido muitas delas. Depois de uma
experiência horrível na sétima série, quando sua melhor amiga tinha
tentado beijá-la na frente da aula de história da Irmã Mary Francis, ela
nunca se permitiu ser amiga de meninas.
Andy ficou longe de pessoas como uma regra. Era para o seu próprio
bem. Seu tipo é muito perigoso para os mortais estarem ao redor.
De alguma forma, depois de várias aulas, ela conseguiu se livrar de
Susan e sua comitiva. Susan tinha olhado para ela com uma mistura de
preocupação e anseio quando Andy deixou bem claro que ela estava
deixando o grupo. Andy se sentiu mal por isso. Susan era bonita e
popular e parecia ser uma pessoa genuinamente boa. Era exatamente por
isso que Andy tinha que cortar essa relação pela raiz. Ela não queria
machucar alguém tão impressionante como Susan apenas para que ela
pudesse ter uma amiga. Susan merecia coisa melhor do que isso.
Era depois das 21:00h quando a classe de astronomia de Andy
terminou, e ela fez seu caminho passando pelo Lago Paramecium para o
seu dormitório. Seu nariz coçava. Ela colocou a mão no bolso, soltando o
dispositivo por um momento, e sentiu um forte aperto de braços
musculosos sobre o seu peito por trás.
— Corra — ele sussurrou em seu ouvido. — Eu amo perseguir.

***
Helen sonhou com golfinhos, mas não era nenhum pequeno sonho
feliz em visitar o SeaWorld. Helen não viu eles fazendo piruetas ou
truques. O golfinho no sonho estava caçando uma menina da idade de
Helen. A menina tentou nadar para longe dele, mas o golfinho continuou
empurrando-a para abaixo da superfície, atingindo-a com suas
nadadeiras e cauda até que ela sangrou.
A menina nadou para uma boia, balançando no meio do nada,
ofegante e chorando enquanto ela lutava através das ondas. O golfinho
atacou, mas desta vez, em vez de nadadeiras, braços de um homem se
envolveram em torno da menina e apertaram.
Os olhos de Helen se abriram e ela engasgou por ar, sentindo como
se um torno estivesse apertando o seu peito. Ela acordou no escuro.
Quantos dias ela tinha estado acordando e dormindo? ela se
perguntou. Ela se lembrou da sua mãe limpando o pior do sangue e
sujeira com uma esponja molhada, Kate dando colherada de sopa para
ela, e Claire dividindo uma laranja entre ela e uma Ariadne vermelha. Ela
lembrou das cicatrizes de Orion, e seu coração apertou-se dolorosamente
por ele de novo.
Helen lembrou outras coisas, também — coisas que nunca tinham
acontecido com ela, como amarrar uma toga (Túnica, ela lembrou-se. Os
Gregos usavam túnicas, e os Romanos usavam togas) e fazer cardagem de
lã. Helen Hamilton tinha muita certeza que ela nunca tinha amarrado
uma túnica ou feito lã em toda sua vida, mas ela se lembrou de fazer
ambos.
Estas “visões” de Helena de Troia sempre parecia como memórias, e
agora que ela estava completamente acordada, Helen tinha certeza de que
era exatamente isso o que eram. Mas como ela conseguia se lembrar de
memórias de outra pessoa? Era impossível. E considerando o quão
horrível essas memórias emprestadas eram, o que Helen realmente
queria saber era como ela poderia fazê-las parar.
— Lennie? — o sussurro de Claire veio de algum lugar aos pés de
Helen.
Helen olhou e viu Claire levantando sua cabeça do encosto do sofá
que Ariadne tinha no pé da cama. Normalmente, Ariadne só jogava suas
roupas sobre ele, então Helen pensou nisso mais como um lugar para
empilhar roupas do que algo para sentar.
— Você está acordada de verdade ou apenas visitando por um
segundo? — Claire perguntou. Mesmo sob a luz branqueada da
madrugada entrando pela janela, Helen podia ver a preocupação nos
olhos de Claire.
— Eu estou acordada, Risadinha. — Helen sentou-se
dolorosamente. — Quanto tempo eu estive fora?
— Dois dias.
Foi só isso? Para Helen, parecia semanas. Ela olhou para Ariadne,
ainda dormindo. — Ela vai ficar bem? — Helen perguntou.
— Sim — Claire respondeu, se sentando. — Ela e Jason vão ficar
bem.
— Orion? Lucas?
— Eles estão bem, machucados, mas ficando melhor. — Claire olhou
para longe, com a sobrancelha franzida.
— Meu pai?
— Ele tem acordado algumas vezes, mas apenas por alguns
segundos. Ari e Jason estão fazendo o seu melhor.
Essa não era a resposta que Helen tinha estado esperando. Ela
concordou e engoliu o nó na garganta. Seu pai não era um Descendente,
e ele ficou mais perto da morte do que qualquer um deles. Ele iria levar
muito mais tempo para se recuperar. Helen empurrou o pensamento de
que ele poderia nunca se recuperar totalmente para fora de sua mente e
olhou para Claire.
— Como você está? — perguntou Helen, vendo o olhar triste no rosto
de sua melhor amiga.
— Cansada. Você?
— Morrendo de fome. — Helen balançou as pernas para fora da
cama, e Claire levantou-se para ajudá-la. As duas amigas cambalearam
para o andar de baixo juntas e atacaram a geladeira. Embora Helen
soubesse que tinha que comer o quanto ela pudesse empurrar para baixo
a fim de ajudar seu corpo se reconstruir enquanto ela curava, ela não
conseguia tirar os olhos de Claire.
— O que foi, Risadinha? — Helen perguntou em voz baixa depois de
engolir apenas uma ou duas colheres de sopa de frango. — É Jason?
— São todos vocês. Todo mundo está ferido neste momento. E eu sei
que isso não é o fim de tudo — Claire respondeu, ainda estranhamente
triste. — Há uma guerra chegando, não é?
Helen colocou a colher para baixo. — Eu não sei, mas os deuses
estão livres para deixar o Olimpo e vir para a Terra novamente. Por minha
causa.
— Não é culpa sua — Claire começou defensivamente. — Você foi
enganada.
— E daí? Enganada ou não, eu falhei — Helen disse de uma maneira
simples. — Eu deixei Ares me encurralar, mesmo eu sendo avisada de
que algo estava para acontecer.
Ela se sentia horrível, mas ela sabia que não podia permitir-se
chafurdar na culpa, então ela manteve a autopiedade longe de sua voz.
O Mundo Inferior lhe ensinou que se entregar a negatividade, não importa
quão justificada, nunca resolve nenhum dos seus problemas. Ela deixou
essa revelação guardada para alguma outra conversa com Hades e voltou
ao tema. — Algum deus já apareceu em algum lugar? Eles fizeram alguma
coisa?
A imagem de um garanhão grande e bonito correndo em uma praia
brilhou na cabeça de Helen. Havia sangue em suas patas dianteiras. A
imagem a fez estremecer com repulsa.
— Nós não ouvimos nada — Claire disse com um encolher de
ombros. — Pelo menos, não há nada da ira dos deuses.
— O que Cassandra tem previsto?
— Nada. Ela não fez nenhuma profecia desde que vocês três foram
trazidos de volta para cá.
Helen franziu os lábios juntos, perdida em pensamentos. Justo
quando os Descendentes precisavam mais de um Oráculo, é claro, que
ela ficaria em silêncio. Essa é a maneira que o drama Grego funcionava.
Ainda assim, isso preocupou Helen. Grego ou não, tinha que haver uma
razão para Cassandra não poder ver o futuro. “Porque é irônico”
simplesmente não era mais uma resposta boa o suficiente para Helen.
— Len? — Claire perguntou, sua voz um sussurro assustado. —
Você pode parar os deuses?
— Eu não sei, Risadinha. — Helen olhou para sua melhor amiga.
Claire estava pálida de medo e falta de sono. — Mas se algum deles tentar
ferir qualquer um de nós, eu vou lutar contra eles com tudo o que eu
tenho.
Claire sorriu, finalmente relaxando um pouco. — Tome sua sopa —
ela repreendeu de repente, como se isso tivesse acabado de ocorrer a ela.
Helen riu e obedeceu. Ela sabia que essa era a maneira de Claire de
reassumir seu papel usual como a chefe, e ela obedientemente pegou a
colher enquanto pensava sobre os deuses. Eles podem não estar movendo
nenhuma montanha ainda, mas isso não significa que eles não estarão
em breve. Depois de milhares de anos em uma prisão, eles tinham que
estar de volta na Terra, mas onde estavam? Os Descendentes estavam
fracos e dispersos. Se os deuses querem lutar com eles, agora seria o
momento de atacar. O que eles estavam esperando? Helen tomou alguns
goles de sopa antes de notar os olhos arregalados de Claire.
— O que foi? — Helen perguntou em torno de sua comida.
— Você nunca pegou sua colher — Claire respondeu, seus olhos sem
piscar quando ela olhou para a mão de Helen. — Você estendeu sua mão,
e ela simplesmente voou para você.
Helen olhou para a colher e tentou se lembrar de pegá-la. Ela se
lembrou de estender a mão para ela, mas só isso. Ela colocou a colher
para baixo e segurou a mão dela sobre ela. Nada aconteceu.
— Eu acho que você precisa ir dormir, Risadinha — Helen disse com
um sorriso duvidoso.
— Sim. Talvez você esteja certa — Claire disse, mas ela não parecia
convencida.
Quando Helen terminou o seu grande café da manhã, Claire a
ajudou de volta para cima e para o chuveiro. Enquanto Helen esfregava
o restante do sangue e sujeira, Claire sentou em cima da pia esfregando
loção distraidamente nas pernas e pés, mantendo-se próxima no caso de
Helen ficar tonta.
— Tem certeza que você não precisa de ajuda? — Claire perguntou
pela décima vez.
— Eu tenho certeza. — Helen riu enquanto se enxugava. —
Honestamente, eu me sinto muito bem.
— Você realmente é a mais forte, não é?
Helen olhou para longe. Embora ela e Claire tivessem tomado banho
juntas depois das corridas um milhão de vezes e não eram nem um pouco
tímidas em torno uma da outra, Helen de repente se sentiu nua. Ela não
gostava de Claire pensando que ela era algum tipo de... bem, semideusa.
Elas eram mais do que melhores amigas. Elas eram irmãs, na verdade, e
Helen detestava ser lembrada de que havia algo desigual entre elas.
— O que te faz dizer isso? — ela perguntou em uma voz tensa. Claire
franziu os lábios.
— Você devia ver os caras assim que tiver acabado.
— Meu pai primeiro — Helen disse com um aceno definitivo.
Claire ajudou Helen a se vestir e, em seguida, deixou Helen se
inclinar sobre ela quando elas fizeram o seu caminho pelo corredor. A
porta estava aberta para que ela pudesse ver Jerry deitado na cama, e
Kate sentada em uma cadeira ao lado dele. Ambos estavam dormindo.
Jerry estava tão magro e abatido que Helen não queria acreditar que era
o pai dela. Ela teve que lembrar a si mesma que deveria estar grata, mas
era difícil sentir qualquer coisa além de medo quando ele parecia tão
doente.
Caminharam alguns passos até o quarto de Hector. Helen podia
ouvir vozes profundas e masculinas atrás da porta. Parecia que todos os
caras estavam lá. Elas bateram na porta e entraram para descobrir que
Hector tinha movido Jason e Lucas com Orion.
Helen teve outra visão ou memória, ou seja lá o que fosse. Todos os
homens estavam jogando juntos em uma tenda no meio de um grande
campo empoeirado — o campo cercado logo abaixo da grande muralha
de Troia. Ela balançou a cabeça, e a visão clareou.
— Vocês não estão um pouco velhos para uma festa do pijama? —
Claire brincou.
Os caras riram da piada cautelosa de Claire.
— Eu fiquei cansado de correr para cima e para baixo pelo corredor
para checá-los, então eu simplesmente carreguei todas as camas para cá
— Hector admitiu timidamente.
Hector o Protetor, Helen pensou. Ele nunca poderia suportar ficar
longe de qualquer um de seus homens quando eles estavam feridos —
fossem generais indispensáveis como Eneias, ou simples soldados de
infantaria. É por isso que cada um no seu exército o amava e o seguiu até
a morte certa.
Helen balançou a cabeça e tentou piscar para afastar as memórias
indesejadas. Elas não eram sequer dela.
— Eu não posso acreditar que você está andando — Orion disse para
Helen. Ela podia ver que, apesar da adrenalina da explosão de energia
quando Orion acordou eles com o seu grito, ele e Lucas ainda estavam
acamados. Eles não estavam nem perto de se curar como ela estava, e
Jason estava completamente retorcido por salvar Jerry. Os três mal
conseguiam sentar-se sem pestanejar de dor, muito menos ficar em pé.
— Só estou tentando superar vocês. Fazer vocês parecerem mal —
Helen brincou, tentando esconder o quanto estava preocupada com todos
eles.
Claire foi para Jason, e Helen automaticamente foi sentar na beirada
da cama de Lucas. Ela percebeu o que ela estava fazendo no último
minuto e mudou de direção para se juntar a Orion. Lucas olhou para ela,
uma expressão tensa em seu rosto para esconder seus sentimentos.
Helen engoliu em seco e se forçou a evitar os olhos dele. Nesta vida eles
eram primos, ela lembrou a si mesma, independentemente do que ela
tinha visto em seus sonhos.
Ela pegou a mão de Orion e se sentiu melhor. Ele sorriu ternamente
para ela, e seu coração vibrou. Ela ama Orion, ela pensou quando ela se
encheu de um calor agradável. Então, o que era essa tontura que ela
sentia em torno de Lucas? Talvez “tontura” não fosse a melhor maneira
de passar a vida, de qualquer maneira.
— O que vocês estão falando? — Helen perguntou levemente,
tentando dizer a si mesma que iria ficar mais fácil um dia ver Lucas
usando o olhar vazio que ele adotou conforme ele assistia ela segurando
a mão de Orion. Por um momento, Helen pensou ter visto uma cor tóxica
e verde-ácido piscando debaixo da pele de Lucas. Ela piscou e olhou para
longe, esperando que sua visão não estivesse totalmente confusa por
causa de seu olho danificado.
— Nós estávamos falando de estratégia. Os Descendentes precisam
de um plano, e rápido — Hector respondeu, seu rosto endurecendo. —
Nós estamos fracos. Divididos. Esse é momento para nos atacar.
Helen deu um riso sem alegria. — Eu estava pensando a mesma
coisa. — Hector olhou para ela com aprovação, e Helen considerou a
possibilidade de que ele poderia ter sido um soldado afinal.
— Mas não ouvimos nada. Tanto quanto nós sabemos, os deuses
ainda estão no Olimpo — Claire disse, franzindo a testa de preocupação.
Jason puxou-a para mais perto dele.
— Matt descobriu algumas coisas. Ele está vindo agora explicar —
ele disse para ela. Jason olhou para o irmão. — Onde ele está, afinal?
— Com Ariadne — Hector respondeu, irritado no início, e depois seu
tom mudou. — Ele verifica ela cerca de uma dúzia de vezes por dia.
— Não é uma dúzia de vezes — Matt protestou quando ele entrou
pela porta, sustentando Ariadne com uma mão e carregando o seu iPad
na outra. — Dez. No máximo.
Helen quase olhou duas vezes quando ela viu Matt. Ela tinha visto
seu amigo ficar mais forte ao longo dos últimos meses. Ela havia notado
que ele estava se transformando completamente em um pedaço de mal
caminho, embora o pensamento de Matt como um interesse amoroso era
nojento para ela. Mas isso era diferente. Ele parecia elétrico.
— Como está se sentindo, irmãzinha? — Hector perguntou para
Ariadne, mas seus olhos olharam Matt de cima a baixo, avaliando-o. O
que quer que tivesse mudado, Hector viu, também, Helen tinha certeza
disso.
— Ugh — ela gemeu comicamente quando ela se sentou ao lado de
seu irmão mais velho. — Mastigada.
— Mastigada? — Orion perguntou como se ele devesse ter ouvido
errado.
— Mastigada, engolida, vomitada e mastigada novamente — ela
disse a ele com um sorriso.
— Como você está? — Matt perguntou a Helen enquanto todos riam
da analogia bruta de Ariadne. E de repente ele era apenas Matt
novamente, seu velho amigo, e não havia nada de estranho com ele.
— Eu estou bem — ela disse, batendo na mão que ele colocou em
seu braço.
— Você tem certeza? — ele pressionou, olhando profundamente em
seu olho danificado. Helen lembrou que o seu confronto com Ares tinha
deixado uma cicatriz azul correndo pela íris do seu olho direito. Foi dito
para ela que parecia um raio, mas ela não tinha visto ainda. Havia coisas
mais importantes para ela fazer do que se olhar em um espelho.
— Sim, eu estou bem — ela disse, e então ela sorriu. — Eu ficaria
melhor se eu conseguisse fazer Ari parar de chutar em seu sono.
— Ei, pelo menos eu não ronco — Ariadne brincou de volta com
Helen.
— Vocês duas roncam — Claire entrou na conversa, sorrindo. — É
como dormir com dois caras.
Todos eles começaram a rir às custas de Helen e Ariadne. Helen ficou
impressionada com o quão feliz todos eles estavam em apenas estar
juntos — seguros e confortáveis na companhia uns dos outros como se
tivessem ficado juntos assim mil vezes. Mas nenhum deles podia ignorar
por que estavam ali por muito tempo, e a sensação fácil rapidamente
dissipou.
— Então, o que você descobriu sobre os deuses, Matt? — Orion
perguntou, sensível como sempre para a sutil mudança de humor. —
Você ouviu alguma coisa?
— Sim. Houveram alguns... ataques — Matt disse relutantemente.
— O que isso significa? — Claire perguntou.
Matt mexeu no seu iPad e começou a folhear as manchetes dos
jornais, e todos se amontoaram.
— Dois dias atrás, uma mulher em Nova York foi encontrada no topo
do Empire State Building golpeada até a morte pelo que pareciam garras
gigantes. E esta manhã, o corpo de uma menina foi encontrado pisoteado
até a morte por um cavalo em uma praia de Cape Cod. Ambas as
mulheres foram estupradas antes de serem mortas.
Hector pegou o iPad e olhou para ele. — Isto é uma manchete
sensacionalista — ele disse em dúvida. — Aqui diz que as testemunhas
de Nova York afirmaram terem visto uma mulher sendo levada por um
pássaro gigante.
— Águia. Era uma águia — Helen disse suavemente, reprimindo um
arrepio. Todo mundo olhou para ela por um momento, esperando uma
explicação. — É só um palpite, mas eu tenho tido sonhos estranhos e
lampejos estranhos, eu acho que você pode chamar eles assim — ela
admitiu com um encolher de ombros, tentando minimizar as memórias
desabrochando que ela estava experimentando até que ela entendesse
um pouco melhor.
— Quando eles começaram? — perguntou Lucas, preocupado. Helen
franziu o rosto, tentando pensar de volta na primeira vez que ela viu ele
e os outros caras em armaduras.
— Halloween — ela disse, percebendo enquanto falava. Ela olhou
para Orion. — Lembra de como eu esqueci de tudo por um segundo
depois de tocar na água do rio? — ela perguntou. Ela evitou dizer o nome
do rio Lete quase supersticiosamente, apenas no caso de fazer ela
esquecer tudo de novo.
— Hum-hum — Orion respondeu com um pequeno sorriso. Helen
sorriu nervosamente para ele, se lembrando de como eles tinham pulado
em cima um do outro logo que eles se esqueceram quem eles eram. Pelo
olhar quente que ele estava dando a ela, Helen tinha certeza que ele
estava se lembrando disso também. Então seu rosto escureceu. — Você
não conseguia sequer lembrar seu próprio nome por um instante. Isso foi
ruim.
— Bem, quando eu me lembrei de novo, era como se houvesse muito
na minha cabeça ou algo assim. — Helen suspirou com frustração. — Eu
não posso explicar isso ainda, mas agora eu estou recebendo várias
imagens estranhas quando eu sonho.
— E uma delas era de uma águia? — Matt perguntou.
— Sim. Por que? O que você está pensando, Matt? — Helen
perguntou, apontando para o seu iPad e os artigos sobre as meninas
assassinadas.
— Eu sei que esse tabloide parece um absurdo, mas mitos gregos
falam sobre mulheres sendo carregadas por deuses disfarçados de
animais o tempo todo. Eu acho que a águia é Zeus e o cavalo é Poseidon
— Matt disse.
— Matt, eu posso me transformar em um cavalo — Orion disse com
um olhar de desculpas. — Todos da Casa de Atenas podem.
— Fala sério — disse Helen, girando para Orion com os olhos
arregalados.
— O quê? Eu posso me transformar em um golfinho — Jason disse
como se ele estivesse dizendo a elas a hora.
— Cala a boca! — Claire e Helen gritaram em uníssono. Jason riu.
— Alguns Descendentes podem mudar de forma para avatares
animais do seu deus — Hector disse, dando a Helen um olhar estranho.
— Como você pode não saber disso?
— Ninguém me disse, e eu nunca fui capaz de fazer isso! — Helen
gritou de volta. Ela virou para Orion novamente. — Por que você não me
contou?
— Não é como se isso fosse útil ou algo assim — ele disse com um
encolher de ombros. — Pense nisso. Quantos cavalos trotando você vê
em torno da cidade nos dias de hoje?
— Sim. — Jason riu. — E então, quando você muda de volta, você
está totalmente nu. Tente explicar isso. É divertidamente louco ser um
animal, não me interpretem mal, mas é pouco prático.
— Sim, mas... — Claire gaguejou. — Oh meu Deus!
— Isso é tão injusto. Eu recebo todos os talentos miseráveis como
ser Aquela que Desce e ter sonhos esquisitos, e você pode se transformar
em um golfinho. — Helen fez beicinho, jogando um travesseiro para
Jason.
— Tudo bem, tudo bem — Matt interrompeu, levantando as mãos
para ter todos de volta ao assunto. — Mas quantos Descendentes podem
se transformar em uma águia grande o suficiente para carregar uma
mulher?
— Nenhum. — Hector inclinou a cabeça para o lado. — Ok, Matt. O
que você acha que está acontecendo?
— Eu acho que os deuses estão fazendo exatamente o que eles
costumavam fazer antes que deles serem trancados no Olimpo...
correndo por aí e estuprando mulheres mortais. Mas desta vez, eles não
estão deixando suas vítimas vivas.
— Hum. — Hector ficou orgulhoso. — Eles não estão se arriscando.
— Não. Não desta vez — Matt respondeu.
— O que você quer dizer? — Ariadne perguntou.
— Em cada uma das histórias sobre um deus que aparece para uma
mulher como um touro, um cisne ou uma chuva de ouro, nove meses
depois um Descendente nasceu — Hector disse, abrindo os braços para
indicar todos eles. — É como se eles nunca falhassem.
Lucas diplomaticamente ignorou o comentário de mau gosto de
Hector e olhou para Helen. — O que mais você viu nestes lampejos?
— Que outros animais, você quer dizer? — Helen disse
pausadamente. Ela quase deixou escapar, — Eu continuo nos vendo, e
estamos casados! — mas se conteve a tempo.
Lucas estreitou os olhos para ela, sentindo o atrapalhar estranho de
Helen, e abriu a boca para começar o que ela tinha certeza de que seria
um interrogatório embaraçoso.
— Eu vi uma águia, um golfinho e um garanhão — ela continuou
antes que ele pudesse começar. Conhecendo Lucas do jeito que ela
conhecia, Helen estava certa de que ela só tinha atrasado as suas
perguntas. Ele não iria esquecer, e já que ele era um Detector de Mentiras
ela teria a escolha de dizer a verdade ou permanecer em silêncio. Mentir
para Lucas não era uma opção — o que era uma grande chatice.
— E o golfinho é Apolo, certo? — Claire perguntou abruptamente,
olhando para cima a partir do iPad.
— O golfinho, o lobo, o rato e o corvo são todos avatares animais de
Apolo — Ariadne respondeu.
Claire mostrou a eles um artigo que ela tinha lido sobre um ataque
estranho na Faculdade Wellesley. Todos eles inclinaram suas cabeças
juntas para ler. Uma menina, cujo nome foi deixado de fora da notícia,
tinha sido terrivelmente ferida por um homem louro na noite anterior.
Ela lutou com o seu atacante selvagem tempo o suficiente para que a
segurança do campus respondesse ao alarme silencioso que ela
conseguiu ativar. O jovem fugiu sob circunstâncias “suspeitas”. A polícia
de Wellesley estava procurando pistas com o público. Eles consideraram
o atacante dela extremamente perigoso.
Aparentemente, mais de uma testemunha ocular da equipe de
segurança responderam relatar terem visto o jovem voar para longe
quando ele percebeu que estava cercado. A menina estava se
recuperando de seus ferimentos em um hospital local.
— E agora para o verdadeiro problema. — Claire rolou para baixo
para mostrar um desenho de lápis de alguém que parecia quase
exatamente como Hector.
— Oh. Isso é ótimo — Hector brincou.
— O que isto significa? — Ariadne perguntou, o medo arregalando
os seus olhos quando ela olhou para todos. — Eles não estão procurando
Hector, estão?
Ninguém tinha uma resposta.
— Eu conheço alguns lugares onde você pode se esconder por um
tempo — Orion ofereceu calmamente. — Eles não são exatamente bons,
mas as pessoas neles têm dificuldade em lembrar rostos.
Momentaneamente atordoada, Helen estudou Orion, se
perguntando que tipo de lugar que ele estava falando. Todos os tipos de
imagens miseráveis passaram pela sua cabeça. Pela vida dela, Helen não
podia imaginar Orion em algum cortiço decadente ou covil de ladrões.
Mas ela teve que admitir para si mesma que ele era muito mais
familiarizado com esse mundo do que qualquer um que ela tinha entrado
em contato antes. Mais uma vez, ela se perguntou sobre a terrível infância
de Orion e se ele nunca iria contar a ela sobre isso — e sobre como ele
conseguiu essas cicatrizes.
— Obrigado, cara. Mas eu não vou deixar a minha família de novo
— Hector disse, dando a Orion um olhar agradecido.
Orion concordou, mas Ariadne começou a sacudir a cabeça com
veemência. — Não, Hector, não — ela disse, sua voz ficando em pânico.
— Acabamos de ter você de volta. Eu não quero que alguém venha aqui
e arraste você para a prisão.
— Está tudo bem — ele disse, puxando sua irmã para perto e
acariciando seu ombro com uma das suas mãos grossas. — Ninguém
sabe que eu estou na ilha. Todos pensam que eu ainda estou estudando
na Europa. Eu vou me esconder aqui na casa. Eu vou ficar bem.
Acreditando nele, Ariadne se acalmou e apertou o peito de seu irmão
em um abraço apertado. Sobre sua cabeça Matt e Hector trocaram um
olhar, Matt silenciosamente prometendo cuidar de Ariadne se algo
acontecesse com Hector. De alguma forma, Helen podia ver essas
emoções passarem entre os dois jovens tão claramente quanto ela podia
ver as cores pintadas em uma tela. Ela piscou os olhos furiosamente,
esperando como louca que isso parasse.
— O que... — Orion exclamou de repente, se empurrando para cima
e quebrando a linha de pensamento de Helen. Ele se virou para revelar
Cassandra, que tinha subido atrás dele na cama. Ele relaxou assim que
ele a reconheceu.
— Você estava aqui o tempo todo? — Claire perguntou, incrédula.
Cassandra deu de ombros de maneira evasiva, mas ela não disse
nada.
— Ela me assusta pra caramba, tipo, cinco vezes por dia. Eu juro,
ela não faz barulho quando ela se move — Orion disse a Claire. Ele se
virou para Cassandra. — Continue assim e eu vou colocar um sino em
você. Como uma gatinha má — ele ameaçou com um olhar severo em seu
rosto, mas ele não afastou ela. Em vez disso, ele a pegou e a colocou em
cima de seu travesseiro, a trazendo para dentro do círculo da conversa.
— Então, todos nós sabemos que alguém precisa encontrar aquela
garota e trazê-la para cá o mais rápido possível — Orion disse, apontando
para o artigo. Todos os caras concordaram.
— Espera. Por que? — Helen perguntou, surpresa.
— Ela não está mais segura no mundo mortal. Apolo ainda não
desistiu dela — Jason respondeu, com a voz sumindo no final. Helen
olhou para Claire por uma resposta, mas Claire deu de ombros, perplexa.
— Apolo nunca deixa uma menina escapar — Lucas disse, como se
ele odiasse admitir que ele era descendente de alguém tão repugnante. —
Quando ele quer uma mortal ele a persegue, mesmo que ela não queira
que ele volte. Para qualquer lugar que ela corra, ele a segue. Ele não vai
desistir.
— A menos que ela implore para uma deusa transformá-la em uma
árvore, ou um corpo de água ou algo que ele não possa violar — Matt
disse, irritado. — Vocês nunca se perguntaram por que a Casa de Tebas,
os descendentes de Apolo, tem tantos membros?
— Todos os deuses são miseráveis, estupradores, bastardos
belicistas. Não apenas Apolo — Hector disse com uma careta. — É por
isso que nós temos que encontrar uma maneira de se livrar deles. Mais
uma vez.
Orion, Lucas e Helen trocaram um olhar de dor, cada um deles
profundamente consciente de que foi culpa deles. Os três haviam
acidentalmente se tornado irmãos de sangue quando eles lutaram com
Ares, e tinham juntado as quatro Casas e soltaram os deuses sobre o
mundo novamente.
— Espera. Eu não estava culpando vocês três — Hector começou em
tom de desculpa, mas Orion sorriu e colocou a mão no ombro do amigo.
— Nós sabemos que você não quis dizer isso — Orion disse.
— Mas ainda assim é culpa nossa — Helen lembrou todos eles. —
Os deuses sempre apoiaram os Descendentes em um canto e nos
obrigaram a fazer uma escolha entre ruim e pior, mas nós somos os
únicos que sempre caímos em suas armadilhas. Eu não vou deixar isso
acontecer novamente.
Lucas deu a Helen um olhar preocupado, mas antes que ele pudesse
dar uma palestra para ela sobre os perigos do excesso de confiança pela
décima vez, ela mudou de assunto. — Então, quem quer vir comigo para
pegar essa garota?
— Você não vai — Lucas e Orion disseram em uníssono.
— Sim, eu vou — Helen respondeu a ambos. — Vocês dois estão
uma bagunça, e Hector não pode mostrar o rosto em público. Quem mais
vai?
— Eu vou com você, Len — disse Claire, cortando Lucas e Orion
antes que eles pudessem discutir mais. — Não se preocupem, pessoal,
eu vou observar ela. Se ela cair, ela pode pousar sobre mim, tudo bem?
— E eu — Ariadne disse.
— Você ainda está muito drenada — Jason disse, balançando a
cabeça para sua gêmea.
— E aquela pobre garota acabou de ser atacada por um deus na
noite passada. Ela está provavelmente muito ferida para se mover sem
um curador. Eu também estou supondo que agora a última coisa que ela
quer é que um homem coloque as mãos sobre ela, de modo que você está
fora dessa — Ariadne respondeu com firmeza para Jason.
— Então, é Larry, Moe e Curly1 para o resgate? — Hector disse,
esfregando a testa como se o seu cérebro doesse.
— Muito engraçado — Helen disse, insultada.
Ele olhou para Helen, seus olhos sérios. — Como estão os seus
raios?
Ela ergueu um globo cantarolando de poder e segurou na palma da
sua mão. Ele chiou com energia comprimida e jogou calor no quarto em
ondas. — Melhor do que nunca — ela respondeu com uma sobrancelha
levantada. — É quase sem esforço, agora. Como se ele não estivesse mais
me drenando.
— Ótimo — Hector disse, visivelmente relaxando agora que sabia
que Helen poderia defender as três. — Apolo está provavelmente à
espreita em algum lugar perto do hospital, então mantenham os seus
olhos abertos.
— Eu vou. Mas ele provavelmente não vai chegar muito perto de mim
depois do que eu fiz ao seu meio-irmão — ela disse sombriamente.
Helen olhou para a bola de energia na mão, lembrando-se de como
ela eletrocutou Ares e prendeu ele no Tártaro depois que ele a torturou.
Era bom saber que ela tinha derrotado um deus. Quando ela olhou para
cima, todo mundo estava olhando para ela.
Ela fechou a mão e apagou o raio.

1
Larry, Moe e Curly: Os Três Patetas (1922-1970).
CAPÍTULO 3
Traduzido por I&E BookStore

A s ruas não ficaram ruins até chegarem ao centro da cidade. Helen


olhou para fora da janela do Mini de Ariadne com um nó na
garganta quando passaram pelas lojas vandalizadas. Os danos causados
durante os tumultos do Halloween estavam localizados em torno da
escola e da News Store, mas isso incluía uma grande área da cidade.
Janelas de lojas foram quebradas, carros demolidos ainda estavam
na beira da estrada e alguns lugares estavam até mesmo mostrando os
sinais de dano de fogo. Casas que pertenceram aos colegas de classe de
Helen e seus vizinhos — casas que eram mais velhas do que a própria
região — tinham sido assoladas, cobertas de pichações e queimadas. Ela
se perguntou quantas pessoas com quem ela se preocupava tinham sido
feridas ou mesmo mortas. Quantos de seus amigos ainda estavam
terrivelmente feridos como seu pai?
— Claire? Alguém que conhecemos... além de Zach? — Helen
começou, sem saber como completar. Ela não teve que soletrar. Claire
sabia o que ela queria dizer e assentiu.
— Hergie — disse Claire, sua voz falhando. — Inalação de fumaça.
Ele estava tentando salvar os livros da biblioteca do incêndio na escola.
Não havia nada a dizer. O Sr. Hergesheimer não era um parente ou
mesmo um amigo, mas ainda assim Helen tinha amado aquele velho
ranzinza. Agora que ele se foi, foi como se uma porta tivesse se fechado.
Nantucket nunca mais seria a mesma.
Ela engoliu em seco e reorientou-se para o que precisava fazer. Agora
ela sabia que precisava ficar com raiva, não histérica. Eris e Terror, os
pequenos deuses que haviam criado os motins, ainda estavam lá fora em
algum lugar. Helen cerrou os punhos e lembrou-se de ser paciente. Ela
teria chance de encontrar com eles em breve.
Durante o longo passeio na balsa de Nantucket para o porto
continental em Hyannis as três meninas aproveitaram a oportunidade
para planejar que hospitais deveriam tentar. Sentando em uma mesa
perto do posto de concessão no centro da balsa, elas rondaram através
do iPad de Matt, checando os mapas na internet. No momento em que a
balsa atracou, Helen sentiu que elas tinham uma lista bastante sólida de
possibilidades.
Os dois primeiros hospitais, embora mais próximos da Faculdade
Wellesley, provaram serem becos sem saída. No momento em que
chegaram ao terceiro, a maior parte do dia foi gasto. Quando elas
entraram na estrutura do estacionamento, Claire apontou para um carro
da polícia estacionado perto da entrada.
— Ela está aqui — disse Claire com um aceno de cabeça firme. —
Eles estão de olho nela para ver se o perseguidor volta.
Ariadne estacionou e elas entraram, dividindo-se para economizar
tempo. Helen foi direto para a enfermaria de traumas. Ela viu um policial
uniformizado de guarda em uma porta no final do corredor, e mandou
uma mensagem para Ariadne e Claire se encontrarem com ela.
O oficial era um homem, e Helen precisava dele para deixá-la entrar
no quarto. Ela caminhou até ele e sorriu.
— Oi — ela disse calorosamente, e observou o rosto do policial ficar
nebuloso.
Helen tinha visto um monte de homens olharem para ela desse jeito
— como se estivessem olhando para um anel de bronze brilhante que era
brilhante demais para eles olharem diretamente e alto demais para que
eles pudessem alcançar. Ela sempre tinha odiado este olhar, mesmo
sabendo que ele dava a ela um tipo de poder de manipulação. Ela jurou
que ela nunca iria usá-lo, mas agora o jogo mudou. Helen precisava de
todo o poder que ela poderia ter nas mãos para proteger sua família. Ela
tinha que parar de ser melindrosa, ou os Descendentes não teriam a
menor chance contra os deuses.
— Um rapaz atacou uma amiga minha na noite passada — disse
Helen. — Acho que ela precisa de mim. Posso entrar?
— Não devemos deixar ninguém entrar, mocinha — disse o oficial,
mudando de um pé para o outro como se ele realmente sentisse muito
por dizer não para ela.
Helen podia ver que ele queria ajudar, tão claramente quanto ela
podia ver o emblema da polícia em seu peito. Ela podia ver sua raiva e
compaixão como uma bola de cores vivas rodando em torno de suas
costelas. Helen notou que ele usava um anel de casamento, afundado
profundamente na pele do dedo há muito tempo, e ela simplesmente
soube.
— Está tudo bem, sabe — Helen cantarolou. Ela ouviu e sentiu
Claire e Ariadne se juntarem a ela. Ambas hesitaram, mas Helen acenou-
lhes para irem em frente até que elas estavam de pé em cada lado dela.
— Você pode deixar nós três entrarmos. Nós vamos cuidar dela. Você tem
uma filha da nossa idade, certo?
O policial olhou para Helen bruscamente, se perguntando como ela
poderia ter adivinhado isso, em seguida, balançou a cabeça lentamente
quando ele afundou mais profundamente em seu olhar.
— Então você sabe que ela realmente precisa de nós. Em seu
coração, você sabe que é a coisa certa a fazer. — Helen sorriu seu sorriso
deslumbrante. O oficial sorriu, acenando com a cabeça de uma maneira
obscura.
— É a coisa certa a fazer — ele disse com um aceno definitivo de sua
cabeça, e imediatamente abriu a porta para elas.
— Obrigada — disse Helen gentilmente, puxando Claire e Ariadne
com ela.
— Como você...? — Claire começou, mas Helen a cortou com um
gesto de impaciência e se virou para a menina na cama.
Ela estava acordada e olhando para elas. Seu rosto bonito estava
cortado em alguns lugares, o braço esquerdo estava engessado, e seu
lábio estava inchado e roxo. Helen leu o boletim médico no final de sua
cama rapidamente e encontrou o nome dela. Andy Faiakes.
— Ah, merda — Andy gemeu, olhando para Helen com um olhar
farto em seu rosto machucado. — Então, qual deusa é você?
— Eu não sou uma... espera. — Helen olhou para Andy com os olhos
apertados. — O que você é?
— Você primeiro — Andy disse com a voz mais melodiosa que Helen
já tinha ouvido. Helen abriu a boca para responder e teve que deter-se à
força para impedir-se de contar tudo.
— Você tem uma baita voz — disse Helen, rangendo os dentes contra
a tentação de responder à pergunta.
— Você tem um baita rosto — disse Andy de volta, sua voz soando
dentro da cabeça de Helen. — O que você é? — ela repetiu, amplificando
a qualidade sedutora de sua voz.
— Descendente — Claire deixou escapar, e, em seguida, bateu com
a mão sobre sua boca. Seus olhos se arregalaram, e ela murmurou atrás
de seus dedos. — Eu sinto muito, gente. Eu não sei por que eu disse isso.
— Porque você é completamente humana — disse Andy para Claire
com um pequeno sorriso. Então ela olhou para Helen e Ariadne uma de
cada vez. — Mas elas não são.
— E o que você é? — perguntou Ariadne cautelosamente.
— Humana — disse Andy. Mesmo que ela tenha usado sua bela voz
hipnótica, a palavra estalou fora de sintonia dentro da cabeça de Helen.
— Mentirosa — declarou Helen, balançando a cabeça uma vez. Andy
olhou para ela por um momento antes de continuar.
— E metade sereia. Infelizmente — ela admitiu relutantemente. Era
óbvio que Andy não gostava de pensar que metade dela era uma criatura
que cantava para as pessoas até sua desgraça.
— Então, o que vocês três estão fazendo aqui? — perguntou Andy
com cautela.
— Você sabe quem, ou melhor, o que, atacou você ontem à noite,
certo? — perguntou Ariadne sem rodeios. Os ombros de Andy ficaram
tensos com medo. Ela assentiu com a cabeça. Ariadne suavizou seu tom
e foi colocar-se ao lado da cama de Andy, seus grandes olhos castanhos
cheios de compaixão. — Então você sabe que ele voltará até você. Viemos
levá-la para casa conosco, para nossa família, para que possamos
protegê-la.
— Vocês não podem me proteger — disse Andy, sua encantadora voz
embargada enquanto as lágrimas ameaçavam romper através de sua
atuação de garota durona. — Não de um deus. Nenhum Descendente é
forte o suficiente para detê-los.
Helen podia sentir o desespero de Andy, sua fé absoluta de que,
eventualmente, ela iria sofrer e morrer nas mãos de algum sobrenatural
bruto. Assim como Helen tinha certeza que Ares ia matá-la quando ele a
tinha amarrado na caverna. Ela se lembrava de como Ares tinha abusado
dela. Como ele se divertia com seu desamparo. Helen sabia só de olhar
em seus olhos que Andy tinha sofrido algo similar.
Furiosa, Helen ficou quente por toda parte, e os cabelos minúsculos
em seus braços se arrepiaram. A sala encheu-se com o brilho azul-gelo
do relâmpago enquanto corria sobre sua pele em uma teia de fluxo de
faíscas.
— Diga isso a Ares. Oh, é mesmo, você não pode. Porque eu acabei
com ele e o mandei para o Tártaro — disse Helen. As faíscas caíram de
seus dedos, saltaram e se separaram como bolas de glitter quebrando
silenciosamente enquanto elas deslizavam pelo chão. Ela estava
consciente de que sua voz tinha aumentado um pouco quando ela falou,
mas ela não conseguia se conter. Tudo no que ela podia pensar era em
Hergie morrendo em um incêndio para salvar seus amados livros. E era
tudo culpa dos deuses.
— Hum... Len? — Claire interrompeu com uma voz baixa.
Helen notou as três meninas olhando para ela de boca aberta, e ela
parou. Ela apagou a última das faíscas de suas mãos com um olhar
tímido no rosto, limpou a garganta e tentou falar novamente.
— Olha, eu vou ser honesta. Não podemos prometer que você vai
estar completamente segura — ela disse. — Mas podemos prometer que,
se Apolo vier até você, ele vai ter que lutar contra todos nós para levá-la.
Agora. Não é melhor do que ficar deitada aqui, esperando que ele apareça
e a leve como uma donzela indefesa em um mito grego?
— Uh. Sim — Andy disse, com os olhos arregalados.
Helen percebeu que ela estava assustando a menina e forçou uma
risada. Olhando para Claire, Helen pegou uma pitada de medo na
expressão de sua melhor amiga antes de ela desviar o olhar.

***
Uma vez que elas conseguiram levar Andy para fora do hospital e
através da garagem, ela estava tão exausta que ela adormeceu durante a
viagem para Hyannis. Helen dirigia. Ariadne tinha esgotado a si mesma
curando a perna quebrada de Andy antes que elas houvessem deixado o
hospital, e, em seguida, tinha feito um pouco mais de cura durante a
estrada enquanto elas cruzavam pela Rota 495. O empenho dela a deixou
tão pálida e de aparência doentia como Andy no momento que elas
embarcaram na balsa.
Helen não podia evitar de achar que foi uma coisa boa que nem Andy
nem Ariadne tinham forças para saírem do carro. Mesmo que fosse noite
e a escuridão teria oferecido um pouco de cobertura, as lesões de Andy
eram ainda óbvias demais para ela estar perambulando. Helen e Claire
deixaram as duas no banco de trás e foram pegar um pouco de comida
para todas elas.
— Ele realmente a machucou, não foi? — Claire disse em uma voz
frágil quando elas fizeram o caminho para o posto de concessão. Helen
pôde apenas acenar, pressionando os lábios juntos. Ela olhou para o
rosto preocupado de Claire e desejou que ela pudesse dizer algo para
consolá-la, mas nada veio.
Ela podia sentir Claire roubar pequenos olhares para ela enquanto
elas colocavam moedas na máquina de venda automática, procurando o
rosto de Helen por algum tipo de explicação. Mas Helen não tinha as
palavras para explicar o que estava acontecendo.
— O que foi? — Helen perguntou defensivamente quando ela não
podia mais aguentar os olhares de Claire.
— Nada — disse Claire, apertando os lábios. Um momento tenso
passou entre elas, e a frustração de Helen cresceu.
— Apenas diga, Claire.
— Você está diferente. — Claire reuniu sua refeição improvisada da
parte inferior da máquina e se virou, mas Helen estendeu a mão e a
parou.
— Eu estou diferente porque eu tenho que ser — disse Helen, sua
voz áspera. — A maneira que eu costumava ser não era suficiente. Não
para isso.
— E quanto mais você vai mudar?
— O quanto eu tiver para poder ganhar.
— E isso inclui a manipulação da polícia? — disse Claire com
veemência. — O que você fez com ele, afinal?
Helen se sentiu culpada sobre o policial, apesar de ela não entender
completamente o que ela tinha feito. Havia algo de errado em ser capaz
de manipular a vontade de alguém desse jeito. Helen sabia disso, mas ela
não estava disposta a admitir isso a Claire.
— Eu fiz o que tinha que fazer. Ou você acha que eu deveria tê-lo
matado para chegar no quarto?
Claire abriu a boca para dizer algo, mas rapidamente fechou
novamente, andando longe dela enquanto caminhavam de volta para o
carro. Helen percebeu que Claire estava realmente com medo dela, não
apenas medo de algumas faíscas e uma voz forte. Helen sabia que ela
deveria ter dito algo para fazê-la se sentir melhor. Mas ela não o fez. Uma
grande parte de Helen estava zangada com Claire por ela não ser mais
compreensiva. Mesmo que não fizesse nenhum sentido, Helen se
ressentia por sua melhor amiga temer ela.
— Eu não sei se você percebeu isso ou não, mas isso não é mais
apenas sobre nossos amigos e familiares — disse Helen amargamente. —
E eu não preciso explicar minhas ações para você. Ou pedir sua
permissão para usar os meus poderes.
— Você está certa — Claire respondeu. — Você não tem que explicar
nada para mim. Apenas certifique-se de que você possa explicar suas
ações para a sua consciência.
Elas não falaram muito depois disso. Helen e Claire acordaram
Ariadne e a fizeram comer uma barra de granola da máquina de vendas
e beber uma garrafa de água antes de Helen levar todas de volta para
casa. Ela deixou Claire na casa de seus pais com alguns planos
murmurados sobre se encontrar bem cedo de amanhã, e em seguida,
continuou para a mansão Delos.
Já era tarde quando elas chegaram, e Helen estava tão exausta que
mal tinha energia para carregar as outras duas garotas para a cama de
Ariadne antes de ela desabar no sofá.

***
Helen sentou-se de frente para si mesma dentro de uma carruagem
coberta puxada por cavalos. Estava escuro no compartimento fechado. A
única luz vinha de entre as ripas de uma pequena janela com venezianas.
Helen se perguntou como ela iria entrar e sair da carruagem, porque ela
não conseguia ver uma porta. Ela adivinhou que a janela podia ser
grande o suficiente para deixá-la se espremer através... se não houvesse
barras sobre ela.
A outra Helen que estava sentada em frente a ela não era a espartana
de antes. Esta estava usando um vestido feito de algum tipo de material
áspero feito em casa. Havia cordões de tecido tingidos de azul em seu
cabelo longo e louro e ela sentava-se sobre uma pilha de peles curtidas.
As costas das mãos foram pintadas com mais corante azul em arabescos
intrincados que Helen vagamente reconhecia como irlandês. A palavra
Celta borbulhava em sua mente e ela sabia que a descrição, mesmo que
talvez não totalmente precisa, estava mais perto da verdadeira.
Na cintura da outra Helen havia um punhal. Sua mão o agarrava
desesperadamente a cada som que ela ouvia do lado de fora da janela
fechada e barrada de sua carruagem estilo prisão. Esta outra Helen
parecia uma selvagem e estava sendo tratada como um animal enjaulado.
Helen se perguntou se essa “outra ela” era perigosa.
— Minha senhora Guinevere! — gritou uma voz familiar do lado de
fora da janela.
A voz de Lucas.
Guinevere abriu a veneziana sobre a janela, e Helen imediatamente
viu por que esta versão de si mesma estava tão aterrorizada. As Fúrias
começaram a chorar no canto da carruagem logo que Guinevere e o outro
Lucas fizeram contato visual.
Ele estava sentado no enorme cavalo preto que estava trotando ao
lado da carruagem. Ele estava vestindo roupas de couro escuro, um
casaco preto de lã grossa e no cinto na cintura havia uma longa espada.
Ele parecia grande, feroz e bonito.
— Você precisa se aliviar? — ele perguntou em uma estranha
linguagem ritmada que Helen compreendeu, embora ela nunca tivesse
ouvido antes.
— Minha mãe me ensinou a falar latim perfeitamente, como você
bem sabe — Guinevere rosnou para ele em um idioma diferente que Helen
também entendia sem nunca ter ouvido antes. Ela assumiu que era
latim. — Ela não era uma romana imunda como você, mas ela era do
leste.
— Eu não sou romano. Não me chame assim — o outro Lucas disse
com um brilho perigoso nos olhos. — Senhor Lancelot é bem melhor.
Seus olhares cheios de ódio se encontraram e se mantiveram assim.
As Fúrias lamentaram, fazendo tanto Guinevere quanto Lancelot se
encolherem enquanto tentavam se controlar. Helen sabia que, se as
barras da janela não os separasse eles teriam atacado um ao outro.
Lancelot olhou para cima e para baixo da longa fila de guerreiros
que os acompanhavam, como se lembrando-se que havia testemunhas
que iriam impedi-lo de fazer qualquer coisa estúpida.
— Por que você não me mata agora? — Guinevere sibilou para ele
em voz baixa. Seu tom de voz baixo disse a Helen que Guinevere também
estava ciente de que havia outras pessoas observando, pessoas que não
entenderiam seu ódio irracional por Lancelot ou o seu ódio por ela.
— Esse prazer eu deixo para Arthur, meu primo e rei — Lancelot
respondeu secamente, quase com relutância, como se algo sobre isso o
incomodasse. — Depois que você se casar com ele e garantir a lealdade
de seu clã, é claro. Então, eu tenho certeza que ele vai matá-la com
alegria.
— E você nos chama de bárbaros — Guinevere estalou para ele.
Ela fechou a janela e se jogou de volta na pilha de peles. Helen sabia
— ela se lembrava — que as peles eram parte do grande dote do pai de
Guinevere. Ele era o chefe do seu clã, e ele tinha enviado muitos
presentes com sua filha neste comboio de casamento. Todos os presentes
caros eram uma oferta de paz aos invasores invencíveis do leste, e
Guinevere era o despojo final da guerra. A garota mais bonita da ilha
oferecida como um presente para o grande invasor de cabelos dourados
de uma terra distante. E eles desesperadamente esperavam que ele
gostasse do presente — porque se não gostasse, o Rei Arthur
simplesmente poderia matar todos eles.
Guinevere sabia que seu pai a amava em sua maneira rude. Ele não
podia saber que ele estava enviando a sua filha favorita para a morte. Ele
não era como esses homens do leste ou como sua falecida mãe tinha sido.
Líder do clã ou não, seu pai era apenas um mortal normal, e ele
acreditava que ele estava honrando sua filha acima de todos os outros,
dando-a para o Alto Rei novo, jovem, e, segundo a opinião geral, bonito.
Guinevere não tinha nenhuma razão defensável para se opor. Seu pai
tinha todo o direito de casá-la com quem ele escolheu, e, a menos que ela
estivesse pronta para revelar seu segredo, e o segredo de sua falecida
mãe, ela teria que ir em frente com isso.
Lágrimas de raiva e frustração encheram os olhos de Guinevere.
Helen lembrou do sentimento de desespero de Guinevere nesta situação
impossível distintamente, porque um dia tinha sido ela própria.
— Você não respondeu minha pergunta — Lancelot gritou
teimosamente na janela fechada. — Você está trancada aí por mais de
um dia agora. Você precisa aliviar-se, princesa?
Guinevere orgulhosamente limpou as lágrimas de seus olhos, alisou
seu cabelo despenteado, e abriu a janela. — Não! — ela gritou, e fechou
a janela novamente.
Lancelot deu uma risada de surpresa. Alguns momentos de
indecisão tensa se passaram. Seu cavalo preto empinou ansiosamente
fora da janela gradeada de Guinevere como se ele estivesse relutante em
deixá-la. Finalmente, ele estalou a língua para seu Golias de montaria e
trovejou à distância.
Guinevere deixou cair a cabeça sobre os braços cruzados e tentou
não pensar no quanto ela precisava se aliviar.
Momentos depois, ela levantou a cabeça em alarme. Gritos vinham
da parte de trás do comboio de casamento — gritos e uivos estranhos.
Alguém gritou em agonia. Guinevere saltou para seus pés e tirou sua
adaga, rosnando como a bárbara que ela era.
Sua carruagem balançou em uma parada, e Helen podia ouvir
homens gritando por toda parte. Algo sacudiu o lado da carruagem
parada, enviando Guinevere contra a parede de sua prisão. Ela firmou-
se sobre os joelhos quando outro grande empurrão virou a carruagem de
lado — o lado da janela virado para baixo. O interior da carruagem ficou
completamente escuro quando a única saída foi empurrada para dentro
da terra.
— Para a princesa! — ordenou a voz de Lancelot à distância. —
Cerquem a carruagem!
Houve um grande farfalhar de folhas, e o som de muitos homens se
deslocando para a posição em torno dela. Guinevere ouviu o barulho de
metal contra metal, e as batidas de pés correndo sobre sua carruagem.
Havia homens grunhindo, gritando, berrando e morrendo em todas as
direções. O baque surdo de corpos batendo na carruagem e no chão
estava acoplado com os últimos suspiros de homens morrendo.
Guinevere bateu repetidamente seu ombro no lado da carruagem,
tentando virá-la e expor a janela, mas ela fez pouco mais do que balançar
o enorme recinto de ferro e carvalho de um lado para o outro. Ela deixou
escapar um gemido de frustração.
— Senhora Guinevere! Você está ferida? — Lancelot disse em uma
voz estridente de fora da parede de sua derrubada prisão.
— Não — disse Guinevere de volta firmemente. — Deixe-me sair para
que eu possa lutar.
Lancelot fez um som frustrado. — Eles correram para as árvores.
— Pictos? — Guinevere adivinhou. Não houve nenhum som de
Lancelot, provavelmente porque ele não sabia quem eram seus atacantes
e não poderia responder a ela. — Eles vão estar de volta com mais
guerreiros após o anoitecer — ela prometeu a ele. — Por favor, acredite
em mim, você pode ter derrotado eles agora, mas eles não se foram.
— Eu sei. Eu não consigo vê-los nas árvores, mas eu ainda posso
sentir o cheiro deles.
— Você tem que me deixar sair daqui! — Guinevere implorou. — Eles
me querem, não as riquezas que levamos nesta festa.
— Como você sabe disso? — perguntou Lancelot, como se ele
suspeitasse que ela estivesse dizendo a verdade.
— Os pictos são um dos clãs mais antigos. Eles proferem histórias
antigas sobre a nossa espécie — a sua e a minha, Senhor Lancelot. Eles
sabem que não vale a pena lutar contra mim, ou você, de cabeça erguida.
Em vez disso, eles vão tentar atraí-lo para longe, e eles vão me deixar
nesta prisão para morrer de fome. Eles vão esperar até que eu esteja
muito fraca, com fome e sede para detê-los. Eles não querem me matar.
Eles querem... — ela parou e lutou por um momento. — Eles querem uma
criança de mim. Para fortalecer seu clã.
Lancelot soltou um xingamento grosseiro. Ela podia ouvir sua
respiração elevada enquanto lutava com ele mesmo. — Mas se eu deixá-
la sair... Eu não sei o que eu vou fazer com você. Você tem certeza que
não é pior?
— Eu prefiro morrer em uma luta honrosa com você do que ser
usada como uma égua de cria. Pelo menos deixe-me lutar — ela disse
com a voz estrangulada. — Não me deixe para enfrentar isso.
— Se eu te libertar, você pode tentar me matar.
— Por favor — Guinevere engasgou, tentando desesperadamente
não chorar. — Por favor, não me deixe trancada aqui. Eu sei que você me
odeia, mas não me abandone a um destino tão terrível.
Lancelot exalou bruscamente. — Vá para trás — ele ordenou.
As paredes da carruagem estremeceram com golpes maciços quando
Lancelot cortou um caminho através da parte inferior do assoalho de
metal reforçado com uma espada. Quando a primeira lâmina estava
arruinada, ele pegou mais uma de um homem caído e começou a cortar
novamente.
Três, quatro, cinco espadas foram quebradas em pedaços, mas,
finalmente, um corte grande o suficiente foi aberto para Guinevere se
espremer para fora. Quando ela foi libertada, eles olharam um para o
outro, ambos sem fôlego com medo e raiva e algum outro sentimento que
não tinha nome ainda.
— Você salvou a minha vida — sussurrou Guinevere, sobrepujada
pelo risco que ele correu, libertando-a. — Agora eu vou salvar a sua.
Ela olhou em volta para as dezenas de corpos que cobriam o chão.
Homens com armaduras do leste estavam empilhados em cima dos pictos
pequenos e pintados de azul que usavam apenas peles de animais
básicas e carregavam armas de pedra.
Tantos morreram ou fugiram. Lancelot foi o único homem a ficar
para trás para defendê-la, Helen notou.
Guinevere tomou a mão de Lancelot e levou-o para longe do
desperdício sem sentido de vida e para as árvores.
— Uma armadilha — Lancelot rosnou, puxando-se para longe dela.
— Você vai me levar direto para eles!
— Não. Eles não vão chegar perto de você enquanto você estiver
comigo — ela explicou, tentando manter a calma. — Veja.
Guinevere ergueu a outra mão. Um globo de luz apareceu na sua
palma da mão. Lancelot pulou para trás momentaneamente e, em
seguida, aproximou-se, encantado com o poder nu que ele viu dançar na
ponta dos dedos dela.
— Por que você não usou isso para sair da carruagem? — ele
perguntou, sempre curioso, assim como Lucas.
— O metal soldado à madeira da carruagem me cercava em arcos.
Meu poder teria morrido no chão — ela disse, e depois balançou a cabeça.
— Eu vou explicar algum dia, eu prometo. Por agora, eu preciso lidar com
eles.
Guinevere segurou sua mão no ar e gritou para os ramos grossos.
— Vocês veem isso? — ela disse em uma terceira língua estranha
que Helen também pareceu entender, embora por pouco. — Se eu ver
sequer uma flecha atirada no meu companheiro ou em mim, vou queimar
sua floresta sagrada completamente. Vocês escutaram? Eu vou queimar
sua deusa mãe como palha seca, e os deuses do céu vão governar esta
ilha para sempre!
Os sons de casca raspando e galhos farfalhando se juntaram com
suas vozes sussurrantes ao vento enquanto os pictos iam à uma
distância enevoada. Lancelot levantou a cabeça e a manteve muito quieta
por um longo tempo, ouvindo, cheirando e olhando tão cuidadosamente
quanto pôde.
— Eles foram embora — ele disse, finalmente, exalando com alívio.
— Sim — Guinevere arfava. — Todos eles se foram.
— Você salvou minha vida.
Lancelot e Guinevere se entreolharam com espanto, tanto os pictos
quanto as Fúrias finalmente saíram do seu caminho. Naquele instante,
toda a raiva queimando que eles sentiram um pelo outro foi substituída
por outro tipo de fogo — um mais tenro que ardia mais do que consumia.
Folhas caíam na floresta. O sol se moveu no céu e inclinou-se
perfeitamente para iluminar os olhos de safira de Lancelot. O vento pegou
mechas do cabelo longo e dourado de Guinevere e enviou-o flutuando em
direção a Lancelot como fios de seda de aroma doce. Eles deram um passo
em direção ao outro, ambos abertos e prontos para o presente enorme
que eles viram oferecidos no outro.
Eles pararam abruptamente.
— Oh, não — Lancelot sussurrou, com mais medo agora do que
tinha tido no calor da batalha.
— Seu rei... — disse Guinevere, seus olhos cor de âmbar correndo
freneticamente como se estivesse procurando uma saída. — Hector...
Arthur — ela disse tateando, quando sua boca multilíngue tentou dizer o
nome em latim tradicional para o novo Alto Rei do leste, e a aproximação
britânica desse nome.
— Os clãs nunca vão aceitar o seu governo, a menos que ele tome
uma esposa entre eles. Eles precisam saber que seus filhos serão, pelo
menos, parte britânicos — disse Lancelot, balançando a cabeça. — Eles
nunca vão parar de lutar a menos que você se case com ele. Muitos
morrerão.
Eles olharam um para o outro. Guinevere ainda estava com os olhos
arregalados com descrença.
— Eu tenho uma irmã mais nova, uma meia-irmã por parte do meu
pai. Ela tem apenas dez anos agora, mas em poucos anos...
— Em poucos anos, milhares já estarão mortos — disse Lancelot
calmamente. Ele virou a cabeça, forçando-se a não olhar para ela. — Você
deve se casar com Arthur, ou haverá guerra.
CAPÍTULO 4
Traduzido por I&E BookStore

H elen bateu no chão com um baque alto.


— O-que-foi-isso? — Ariadne engasgou, levantando na cama.
— Eu — Helen gemeu no chão, esfregando o galo na sua testa. —
Eu caí.
— Você caiu do sofá? — Andy perguntou, incrédula. — Eu pensei
que vocês semideusas devessem ser graciosas. Feitas de gotas de orvalho,
botões de rosa e porcarias.
— Não, isso são as fadas — disse Ariadne. — Menos as porcarias, é
claro. — Então ela riu, e Andy riu de volta. Helen espiou por cima da
borda do colchão sacudindo e viu as outras duas meninas dando
risadinhas.
— Está bem, está bem. Não foi tão engraçado — lamentou Helen
quando ela se levantou e se arrastou até Andy. — Estou faminta. Vamos
comer.
Helen ficou entre Andy e Ariadne, apoiando as duas meninas
enquanto elas mancavam e as arrastou no caminho em direção ao
glorioso cheiro de bacon e muffins vindo da cozinha.
— Você é nova — disse Kate alegremente, logo que as três meninas
entraram.
— Hum... sim — Andy respondeu, baixando os olhos. — Elas foram
me pegar — ela murmurou, apontando para Helen e Ariadne.
— Esta é a garota que foi atacada — disse Ariadne. — O nome dela
é Andy.
— Deixe-me olhar para você — disse Noel gentilmente. Ela pousou
a fôrma de muffins de farelo de trigo que ela tinha acabado de retirar do
forno e olhou profundamente para Andy. Seus olhos se suavizaram com
tristeza, e ela balançou a cabeça uma vez. — Você está realmente
machucada. Mas mesmo assim, eu sou boa em reconhecer os tipos, e eu
não consigo saber o seu.
— Ela não é uma Descendente, tia Noel — disse Ariadne. — Ela é
metade sereia.
Andy encolheu ligeiramente contra Helen, seus olhos correndo ao
redor como se ela esperasse que algo terrível acontecesse.
— Uh-oh! — disse Noel com fingido horror e apertou o peito. — Não
é uma daquelas sereias assassinas! — Então ela riu e se virou para
recuperar os muffins. — Sentem-se, meninas. Antes que vocês desabem.
Helen podia sentir Andy endurecer com a confusão. Helen ajudou-a
a fugir para o banco de madeira longo entre ela e Ariadne.
— Está realmente tudo bem? — Andy perguntou quando Ariadne
colocou ovos no prato dela. — Eu simplesmente apareci do nada. Vocês
não têm que me alimentar nem nada.
— Há! Tente não comer por aqui — disse Helen. Então ela olhou para
Andy com olhos grandes e sérios e balançou a cabeça enfaticamente, em
silêncio, murmurando a palavra “Não.” Ariadne balançou a cabeça em
concordância com Helen, e as três meninas caíram na gargalhada
tranquila.
— Helen. Seu pai acordou por alguns segundos, esta manhã — Kate
disse quando ela pegou uma panela escaldante de bacon fora do alcance
e trouxe-a para a mesa.
A boca de Helen de repente ficou seca. — Eu verifiquei ele antes de
eu sair ontem...
— Está tudo bem — Kate interrompeu suavemente. — Eu não estava
te acusando de nada. Eu só queria que você soubesse o que está
acontecendo com ele.
— Alguém já disse a ele alguma coisa? — Helen não tinha ideia de
como abordar o assunto. Será que ele sabia que ela era uma
Descendente? Ela deveria simplesmente chegar e perguntar se Jerry
sabia que ele não era o pai dela, ou Kate ainda estava no escuro sobre
esse ponto também? — Daphne já...?
— Eles trocaram algumas palavras. Eu não sei sobre o que, no
entanto — disse Kate rigidamente, girando para longe da mesa
abruptamente. — Ele não ficou acordado tempo suficiente para ter uma
conversa, mas ele sabe que Beth está de volta.
Helen assentiu. “Beth” era o apelido que Daphne tinha usado
quando ela enganou Jerry, deixando Helen com ele quando ela era bebê
antes dela fugir. Helen se perguntou como seu pai tinha lidado com vê-
la. — Daphne está por aí? — perguntou Helen. — Eu gostaria de falar
com ela.
— Não. Ela saiu há poucos minutos. Disse que tinha algumas coisas
para cuidar — disse Kate com os lábios apertados.
Helen podia ver uma dúzia de formas diferentes girando dentro de
Kate. Raiva, tristeza, preocupação e ressentimento — um caleidoscópio
ofuscante de emoções que continuou se movendo e mudando até que
Helen teve que apertar os olhos e olhar para longe por um momento. Isso
não era normal, e isso realmente estava assustando-a.
— Helen? — Os olhos sempre vigilantes de Noel observaram Helen
intensamente. — Está se sentindo bem?
— Sim — respondeu Helen, agitando-se. Quando ela olhou para Kate
novamente, as cores tinham diminuído e Helen descobriu que podia
ignorá-las. — Apenas tonta. O que há com esses muffins?
Noel terminou de transferir os muffins com melaço e passas para
uma cesta e os trouxe para a mesa. — Não se queimem — ela alertou
inutilmente quando todas as três meninas pegaram um.
Ariadne e Andy começaram a fazer malabarismos com os muffins
escaldantes de mão para mão até que ambos os muffins quentes demais
caíram em seus pratos. Helen simplesmente mordeu o dela e começou a
mastigar presunçosamente. Andy olhou para ela, de boca aberta.
— Eu sou a prova de fogo — Helen murmurou em torno de sua boca
propositadamente bem cheia, mastigando-o. — Eu pensei que sereias
tinham asas.
— Algumas tem — Andy admitiu timidamente. — Minha mãe não
tinha, no entanto. Nós somos mais do tipo cantoras e aquáticas.
— Você pode respirar debaixo d’água? — perguntou Kate
animadamente. Andy corou e acenou com a cabeça. — Incrível.
— E onde está sua mãe, Andy? — Noel perguntou delicadamente.
— Eu não tenho certeza. — Andy olhou para o seu prato. Um silêncio
desconfortável se seguiu.
— Então. Você já sentiu o desejo de afogar alguém? — perguntou
Ariadne.
— Não! — Andy respondeu, horrorizada.
— Ela está apenas brincando com você — Helen assegurou. O rosto
dela murchou. — Agora é sério. Qual é a sua posição sobre
estrangulamento?
— Você quer dizer além de querer estrangular vocês duas agora? —
perguntou Andy, um sorriso puxando seus lábios enquanto ela brincava
junto.
— Você vai se encaixar muito bem por aqui, Andy — Noel disse
quando todas elas riram.
— Mulheres rindo — Hector falou lentamente quando ele caminhou
pela cozinha. — Meu som favorito.
A reação de Andy foi imediata e frenética. Ela jogou o garfo na cabeça
de Hector com um suspiro assustado. Hector pegou o garfo facilmente e
colocou-o de volta na mesa com um olhar chocado em seu rosto. Em
seguida, ele pegou o muffin, o copo de água vazio e o guardanapo que se
seguiu imediatamente. Andy pegou tudo e qualquer coisa ao alcance e
atirou nele com toda sua força enquanto ela se esforçava para se levantar
da mesa.
— Que diabos? — disse Hector, colocando tudo o que ele tinha pego
de volta na mesa e, em seguida, segurando as mãos em um gesto
apaziguador em direção a Andy.
Fixada pelo banco, ela bateu as costas de suas pernas contra a
madeira, tombou sobre ele, e, em seguida, engatinhou nas mãos e joelhos
no chão da cozinha para ficar longe dele. Hector estendeu a mão para
tentar ajudá-la.
— Não, não, não, oh, por favor, não, de novo não! — ela murmurou
histericamente enquanto ela caminhava pelo chão.
— Hector, pare — disse Helen, girando em torno no banco e ficando
em pé entre os dois. Ainda confuso, Hector continuou se movendo em
direção a Andy. Helen colocou as mãos em seus ombros e empurrou-o de
volta. — Ela acha que você é Apolo, seu grande idiota! — Helen gritou na
cara dele. — Você está assustando ela pra caramba!
Hector de repente pareceu registrar o que Helen estava dizendo,
endureceu, e parou de se mover para frente. Ariadne ajudou Andy a
levantar do chão e, em seguida, lutou para impedi-la de fugir pela porta
lateral enquanto Hector observava com um olhar congelado no rosto.
— Você tem que se acalmar, Andy! Você ainda está se curando, e
seu corpo não pode aguentar isso — disse Ariadne quando ela capturou
os pulsos de Andy para impedi-la de ferir seus membros abusados.
Ofegante e de olhos arregalados, Andy finalmente parou de lutar e
ficou imóvel nos braços de Ariadne.
— Está tudo bem! Esse não é Apolo. É apenas o meu irmão, Hector.
Ele não vai te machucar — Ariadne prometeu. Andy olhou sobre o ombro
de Ariadne para Hector, seus lados ainda inchados com respirações
aterrorizadas.
— Sinto muito — Hector falou suavemente através da cozinha para
Andy. — Eu não queria assustá-la.
O latejante vermelho escuro dentro do peito de Hector capturou o
olhar de Helen e ela olhou para ele, estupefata, quando uma teia
vermelho-dourada de luz iluminou Hector de dentro para fora. Foi a coisa
mais encantadora que Helen já tinha visto.
— Fique longe de mim, Hector — Andy rosnou, quase como se ela
estivesse zombando dele. — Entendeu?
O brilho da luz de Hector vacilou. Helen olhou para o rosto de
Hector.
O Hector que Helen conhecia — e, geralmente, queria dar um soco
no rim — teria dito algo hilariante enquanto ele saía da cozinha, sorrindo
para Andy de uma forma que faria com que ela não tivesse certeza se ela
queria chutá-lo ou beijá-lo. Mas este novo e brilhante Hector apenas
acenou para a demanda de Andy. Ele tomou mais um momento para
olhar para os cortes e contusões escuros em seu rosto machucado, sua
testa franzindo com tristeza. Ele virou-se para sair da cozinha sem dizer
uma palavra.
Quando Hector chegou à porta, Orion e Lucas estavam vindo através
dela. Helen viu o olhar de Orion ir imediatamente para baixo do peito de
Hector, em seguida, voltar para o rosto de Hector, os olhos arregalados
com o choque.
— Nós ouvimos gritos — Orion disse, confuso.
Hector empurrou Orion e Lucas. Procurando na cozinha, Orion
rapidamente encontrou Andy, que ainda estava lançando olhares
fulminantes nas costas de Hector. O peito de Andy era um ninho
carrancudo de medo e raiva. Helen viu a expressão triste de Orion, e ela
sabia que ele entendia a situação tão claramente quanto ela.
— Ei, raio de sol! Qual é o problema com você? — Lucas gritou para
a figura recuando de Hector. A única resposta de seu primo foi a batida
da porta da frente. Lucas olhou para todo mundo por uma resposta.
— Eu te conto mais tarde — Orion disse baixinho para Lucas, com
a voz tensa com preocupação. Helen sabia que Lucas estava prestes a
dizer algo impaciente como: — Não, me diga agora — então ela interviu.
— Pessoal. Esta é Andy — disse Helen.
Lucas e Orion sorriram para Andy e se apresentaram. Andy
sutilmente olhou de um lado para o outro entre os dois jovens de tirar o
fôlego — incerta quanto a quem ela queria olhar mais. Helen riu,
simpatizando completamente com a situação difícil de Andy — os olhos
de Lucas ou os lábios de Orion? Ela tinha problemas para decidir isso ela
mesma. Helen colocou a mão sobre a boca, mas não antes que ela
realmente bufasse. A explosão estranha lhe rendeu um par de olhares
cautelosos.
Ocorreu a Helen que todas as emoções com as quais ela estava tão
sintonizada não eram evidentes para nenhuma outra pessoa, exceto
Orion. Olhando para cima, ela o viu estudando-a com cuidado, e seu
medo voltou. Ela murmurou as palavras: — Nós precisamos conversar.
— Orion assentiu em resposta.
— O café da manhã está ficando frio — disse Noel com firmeza.
— Talvez esta seja uma má ideia — disse Andy, sacudindo a cabeça.
— Eu não deveria estar aqui.
— Sua família pode protegê-la? — perguntou Lucas diretamente.
Andy olhou para seus pés. — Não — respondeu ela. — Eu não tenho
família, como vocês. Eu tenho um advogado e uma conta bancária.
Sereias não são exatamente do tipo carinhosas.
— Então você vai ficar aqui com a gente. Agora sente e coma — disse
Noel no tipo de tom que termina discussões.
Todo mundo fugiu para o banco ou puxou cadeiras e começou a
passar em torno os pratos. Helen encontrou-se entre Orion e Lucas, mas
não foi estranho ou embaraçoso. Parecia a coisa certa, como se todos eles
pertencessem aqui a esta mesa juntos.
Helen percebeu que os três foram amarrados uns aos outros por
mais do que apenas respeito e atração mútua. Ela, Lucas e Orion eram
irmãos de sangue agora, e cada um deles sentia o vínculo com o outro
tão profundamente como se tivesse estado lá desde o dia em que
nasceram.
Helen sentiu Lucas pressionar a perna contra a dela debaixo da
mesa. Ela não se atreveu a olhar para ele quando ela sentiu o calor de
sua coxa escoar através de suas calças jeans e para sua pele. Ela apertou
de volta contra sua coxa e sentiu ele chegar um pouquinho mais perto
dela enquanto ele comia.
Certo ou errado, Helen sabia que ela sempre procuraria uma
maneira de tocar Lucas debaixo da mesa, ou esbarrar de encontro a ele
enquanto ela passava por ele no corredor. Ela não estava superando ele.
Na verdade, ela queria Lucas ainda mais agora do que ela queria semanas
atrás, quando ela quase o beijou em sua cama na primeira noite depois
que eles caíram.
Seu cérebro encheu com algumas outras memórias de Helena
sofrendo por causa de sua união. Elas eram horríveis, mas nem mesmo
aquelas memórias emprestadas de destruição e fogo poderiam fazer
Helen quebrar o contato entre sua perna e a dele.
Mais memórias brilharam dentro de sua cabeça, como um rolo de
filme passando em avanço rápido. Helen e Lucas foram casados por
décadas. Eles tinham se conhecido há dois meses. Eles tinham
compartilhando seu primeiro beijo. Ele a fez rir. Ele a fez chorar. Eles
conversaram com ternura. Eles argumentaram amargamente. Mais e
mais as imagens rolaram por trás dos olhos de Helen como ondas
gigantes. Quando pararam, Helen podia ver tudo claramente como uma
praia limpa depois de uma tempestade.
Ela e Lucas foram tecidos do mesmo tecido, cortados e depois
costurados de novo juntos de um ciclo para outro. As circunstâncias
mudaram, mas eles sempre estiveram entrelaçados, não importa o quê.
A diferença agora era que nesta vida eles eram primos. Isso nunca
tinha sido parte do acordo antes, e isso não parecia bom para Helen.
Lucas, ou Paris, ou Lancelot, ou qualquer um dos variados nomes que
ela o chamou ao longo dos séculos nunca tinha sido antes seu primo.
Eles sempre tinham compartilhado um amor predestinado e condenado,
mas eles nunca haviam sido relacionados. O que tinha acontecido desta
vez para tudo ser diferente?
Eu realmente não me importo mais se ele é meu primo.
Assim que Helen pensou nisso, ela se lembrou da maldição de
Afrodite. Se Helen não tivesse uma filha, o amor em si seria retirado do
mundo. E Ariadne tinha dito a Helen uma vez que parentes próximos
como primos quase sempre tinham filhos insanos. Já que Helen tinha
certeza de que Afrodite não iria esquecer de sua maldição de 3.300 anos,
e já que Helen nunca poderia suportar a ideia de amaldiçoar uma criança
inocente à insanidade, não havia opções para ela e Lucas. Ela empurrou
sua perna para longe e inclinou os joelhos contra o outro lado, em direção
a Orion. Sentindo sua inquietação, Orion olhou para Helen com olhos
preocupados.
Deixando de lado sua propensão para Lucas, Helen teve que admitir
que Orion era o homem mais bonito que ela já vira. Ela sorriu para ele, e
ele cutucou o cotovelo dela de brincadeira com o seu antes que ambos
voltassem a devorar a sua comida.
Algum tempo depois, Helen mudou sua atenção de seu prato tempo
suficiente para perceber que Jason e Claire se juntaram a eles na mesa.
Claire tinha um jornal com ela.
— Ela encontrou algo — disse Jason, sério.
— Não é bom — alertou Claire. Ela abriu o jornal e mostrou-lhes um
artigo. — Três vulcões entraram em erupção na noite passada na Europa.
— Isso não soa normal — disse Kate.
— Não é — respondeu Jason. — Especialmente já que um dos
vulcões tinha estado extinto há milhares de anos.
— Hefesto? — perguntou Andy.
— Nós achamos que sim — disse Claire, olhando para Jason.
— Mas por que ele faria vulcões entrarem em erupção? Só porque
ele pode? — Andy pressionou.
— Não. Assim, ele pode forjar armas para o Olimpo — respondeu
Lucas. Várias pessoas começaram a falar ao mesmo tempo. No tumulto,
Helen viu a oportunidade de conversar em particular com Orion. Ela
passou as pernas em volta e levantou do banco, fazendo um gesto com o
queixo para que ele a seguisse para o corredor.
Quando ela passou, ela viu Lucas olhar para ela. Ele olhou para ela
como se ela fosse o grande céu azul e ele estivesse assistindo-o cair.
Algo brilhante e bonito dentro dele parecia queimar-se e voltar a ser
fuligem. Cinzas obscureceram em torno de Lucas como um nevoeiro,
escurecendo o ar e ardendo os olhos de Helen.
Helen apertou sua mandíbula e se obrigou a continuar indo, indo às
cegas para a porta da frente. Ela sentiu Orion atar os dedos em torno de
seu braço. Eles estavam perto dos casacos pendurados no corredor da
frente quando ele finalmente a virou para encará-lo.
— O que está acontecendo com você? — ele sussurrou. — Eu podia
jurar que você acabou de ver...
— Partes do interior de Lucas queimar-se e sair de sua pele? Ou você
está falando sobre Hector literalmente ficar brilhante quando ele se
apaixonou loucamente por uma garota que odeia ele? Porque eu acabei
de ver ambas as coisas acontecerem — disse Helen em um sussurro
maníaco. — É como se tudo o que todo mundo está sentindo estivesse
estampado em suas entranhas, e eu posso vê-lo! Eu tenho certeza que eu
não deveria ser capaz de ver dentro das pessoas!
Orion deu um passo atrás, momentaneamente desconcertado, e
depois balançou a cabeça em aceitação. Helen olhou para ele suplicante.
— O que diabos está acontecendo comigo? — ela chiou. — Eu posso
ver o amor, Orion, e isso está me deixando totalmente agitada.
— Sim, o amor faz isso — ele disse distraidamente. Helen saltou
sobre seus dedos do pé, ansiosa por algum tipo de explicação ou garantia
de... qualquer coisa, na verdade. Ele colocou as mãos nos ombros dela e
apertou confortavelmente. — Você está vendo emoções. É perfeitamente
normal. Para os membros da Casa de Roma, de qualquer maneira.
— Novidades de última hora. Eu não sou da Casa de Roma.
— E esse é o grande problema, não é?
— Lucas me disse uma vez que Descendentes nascem com todos os
seus talentos. Alguma vez você já ouviu falar disso antes?
— O quê? Um Descendente levando uma enorme surra e acordando
com um novo talento? Não, eu não ouvi. — Ele esfregou os braços com
as palmas das mãos algumas vezes e, em seguida, se reuniram para um
abraço. — Tem que haver uma explicação. Nós vamos descobrir isso.
— Eu não quero descobrir isso — resmungou Helen, suas palavras
abafadas no seu peito. — Eu quero que ele vá embora. — Ela se afastou
um pouco para que ela pudesse olhar para ele. — Como você aguenta?
Eu costumo ter dificuldade o suficiente de lidar com minhas próprias
emoções. O que diabos eu deveria fazer com a de todos os demais?
— Você se acostuma com isso — ele respondeu com um encolher de
ombros. Helen deu a ele um olhar de dúvida e ele riu. — Ok, você não se
acostuma com isso — ele admitiu. — Mas você fica melhor para bloqueá-
las.
— Sabe de uma coisa? Isso é uma droga. Eu estava acabando de
pegar o jeito de todas as outras coisas que posso fazer — ela disse,
levantando as mãos. — E é como se eu tivesse acordado no outro dia com
todo este novo grupo de truques de mágica para lidar, mas não há
instruções para colocar o coelho de volta na cartola.
— O que você quer dizer? O que mais está acontecendo aí dentro?
— perguntou Orion, batendo em Helen levemente na ponta do nariz com
o dedo indicador.
— Eu não sei — disse Helen com um suspiro de frustração. —
Honestamente? Eu estou tão confusa agora que eu não sei se quero
vomitar ou ir velejar.
Orion sorriu e recostou-se contra a parede, deixando seu olhar
derivar em pensamentos. Helen olhou para ele por alguns momentos,
apenas desfrutando de sua companhia e do fato de que ele estava lá com
ela. Não. Melhor do que isso. Ele estava lá por ela.
Orion tinha salvado ela tantas vezes agora, ouviu-a lamentar quando
ela não conseguia pensar em algo. Ele a seguiu ao inferno e voltou, e ele
ainda não parecia de saco cheio dela. A gratidão que ela sentia por ele, e
por qualquer força que o colocou em sua vida, era esmagadora. Ele sentiu
sua torrente de sentimentos e olhou para cima, assustada.
— Há algo que eu preciso te mostrar — Orion disse calmamente.
— Claro — respondeu Helen, preocupada. O olhar meio com medo
meio triste no rosto dele a preocupava.
Ainda mais confuso do que o olhar que ele deu a ela eram as cores
que ela viu em ebulição dentro dele. Elas torciam e mudavam antes que
Helen pudesse defini-las. Ele estava escondendo seus sentimentos dela,
ela percebeu com um sobressalto.
Ela sabia que Orion tinha passado por muita coisa em sua vida, e
às vezes Helen teve que passar por toda a confusão em sua cabeça apenas
para continuar a seguir em frente. Orion era um Descendente Vadio.
Seus pais eram os chefes das duas Casas opostas, a Casa de Roma e a
Casa de Atenas. Ele tinha sido reivindicado pela Casa de Atenas, quando
ele nasceu, então a Casa de Roma o odiava e queria vê-lo morto, mesmo
que ele tivesse herdado o título de Chefe da Casa de Roma. A Casa de
Atenas o odiava também, porque ele nasceu com o talento para causar
terremotos. Criadores de Terremotos deveriam ser deixados para morrer
no nascimento, mas o pai de Orion tinha ido contra esta regra.
Quando outros membros da Casa de Atenas descobriram que Orion
ainda estava vivo, eles haviam tentado matá-lo quando ele ainda era
apenas um garotinho. Para defender o seu filho, o pai de Orion — Dédalo
— matou um dos membros de sua família e se tornou um Banido, o que
significava que, durante anos antes de as Fúrias serem finalmente
libertadas, Orion não poderia estar em qualquer lugar perto de Dédalo
sem sentir a influência das Fúrias e querer matar seu próprio pai. E seu
pai querer matá-lo.
Como se isso não bastasse, todo mundo estava apavorado que Orion
ia se transformar em um cara super ruim, o Tirano. A profecia dizia que
o Tirano viria se o sangue das Casas se misturassem, e Orion era filho de
duas Casas diferentes. O Tirano também deveria ser capaz de reduzir
todas as cidades mortais a escombros. Como um Criador de Terremotos,
Orion se encaixava nessa descrição também.
Todos os Descendentes temiam o Tirano antes da Guerra de Troia.
Como Helen lembrava, a Guerra de Troia tinha começado, não por causa
de uma esposa infiel com um rosto bonito que fugiu com um belo
príncipe, mas porque o resto do mundo acreditava que Helena e Paris
tinham criado o Tirano. Os Descendentes não parariam por nada até
matarem o tirano, antes e agora. A única razão de Orion ainda estar vivo
era porque não sabiam com certeza que ele realmente era o Tirano.
E isso é o que mais incomodava Helen. As Moiras eram cruéis para
os Descendentes em geral, mas Orion tinha sido caçado, negligenciado,
evitado e temido desde que era um menininho e ele nunca tinha feito
nada para ninguém. Foi como se no momento em que ele nasceu, ele
tivesse tirado o palito menor e as Moiras tivessem virado o mundo inteiro
contra ele. Essa quantidade de adversidade era para Helen não-natural,
mesmo para um Descendente. O que ele fez para merecer a tortura que
ele viveu? E Helen tinha certeza de que Orion tinha sido literalmente
torturado. Ela imaginou as cicatrizes horríveis no corpo lindo dele, e seu
coração se partiu mais uma vez.
Orion olhou para o peito de Helen quando a ternura por ele brotou
dentro dela. Era incrivelmente intimista, Helen teve que admitir, uma
emoção ser exposta a alguém.
— Hoje à noite — ele disse em uma voz grave, desviando os olhos
com muito tato como se Helen estivesse de repente sem blusa. De certa
forma ela estava, e ambos sabiam disso. Helen cruzou os braços sobre o
peito timidamente. Ele empurrou-se da parede e endireitou-se até que ele
estava em sua altura total sobre ela. Ocorreu a Helen novamente o quão
grande Orion era. Talvez essa fosse outra razão pela qual todos o temiam.
O cara era enorme. — Eu quero te levar lá hoje à noite. Antes que eu
tenha que voltar para a escola amanhã.
Helen quase riu, e então se conteve quando se lembrou que a escola
dela tinha sido demolida nos tumultos do Halloween, não a dele. Depois
de tudo, Orion ainda tinha que fingir que ele era um cara normal, que ia
para a escola preparatória, fazia sua lição de casa, e não dava a mínima
para o que as outras pessoas pensavam dele. Parecia tão ridículo, mas
ninguém podia dizer ao certo o que iria acontecer no futuro. Ele estava
apenas cobrindo todas as suas bases.
Depois da grande reunião das Casas que deveria acontecer em
algum momento ao longo dos próximos dias, Orion poderia ter que voltar
a se esconder novamente. Talvez Helen e Lucas tivessem que se esconder
também. Os três foram responsáveis pela quebra da trégua, e havia uma
possibilidade de que eles pudessem ter que correr por suas vidas se os
outros Descendentes se voltassem contra eles. Ou eles poderiam ter de
enfrentar os deuses.
— Onde você vai?
Ambos Orion e Helen pularam ao som inesperado. Cassandra
apareceu das sombras, esgueirando silenciosamente para a frente, sem
piscar os olhos enquanto ela olhava de Orion para Helen e depois para a
porta da frente que eles estavam diante.
— Você está indo embora? — ela perguntou a Orion gravemente.
Os olhos de Cassandra estavam grandes e brilhantes no corredor
escuro, como duas piscinas tranquilas de águas profundas em uma
floresta sombria. Distraída com um brilho estranho, Helen olhou para o
peito de Cassandra. A única esfera prateada capturou os olhos de Helen.
Como uma lua cheia no inverno, ela ficava pendurada dentro da gaiola
escura como a meia-noite e minúscula nas costelas de Cassandra e
brilhava uma cor azul-fantasma dançando em seu rosto pálido.
Tão solitária como uma rocha no espaço, Helen pensou, olhando para
a esfera. Esse é o coração dela.
Quando Helen olhou para Orion, esperando vê-lo fixado no brilho
prateado no coração de Cassandra, ela ficou chocada ao vê-lo sorrindo
alegremente — tão ensolarado e brilhante como ele poderia ser. Era como
se o frio que Helen viu dentro de Cassandra fosse invisível para Orion.
— Ei, Kitty — Orion disse, sorrindo para baixo para Cassandra.
Cassandra não se opôs ao apelido que ele lhe dera. Na verdade, ela
parecia gostar, o que era absolutamente desconcertante. Ela sorriu para
Orion, enviando a luz prateada no peito para fora em uma dança em
ondas em seu rosto, para os braços e para fora para as pontas de seu
cabelo trançado.
— Você disse que ia ficar por um tempo. — O olhar de Cassandra
estava colado em Orion. — Você disse que ia me fazer um sino.
Orion jogou a cabeça para trás e riu, seus dentes brilhantes
piscando na entrada escura. — Eu já fiz. Mas eu não vou forçá-la a usá-
lo se você não gostar dele.
Ele puxou uma fita longa e cintilante de fio de seda roxo do bolso.
Ela estava cravejada com sinos em miniatura que eram menores do que
sementes de girassol. Os olhos de Cassandra se iluminaram.
— Eu gostei — ela disse com entusiasmo.
— Nunca ouvi falar de uma gatinha que realmente queria usar um
sino antes — disse Orion com uma careta cômica. Ele fez sinal para
Cassandra estender seu pulso, e quando ela o fez, ele começou a envolver
o longo fio ao redor e ao redor, formando uma multicamada, tilintando
enquanto ele fazia isso.
— Isso é realmente bonito — exclamou Helen quando Orion começou
a atar a pulseira ao pulso de Cassandra. Os materiais eram simples, mas
o resultado final foi surpreendentemente elegante. Helen queria uma
para ela mesma. — Quando você teve a chance de fazer isso?
— Oh, você sabe. Aqui e ali — ele respondeu com um sorriso
misterioso, com os olhos em sua tarefa. — Eu costumava fazer joias para
os turistas quando eu estava andando em torno da Índia e do Tibete. Só
para fazer um dinheirinho. Eu sou bom em fazer pequenas coisas como
essa rapidamente. — Ele terminou de amarrá-la e soltou o pulso de
Cassandra.
— Quando você esteve no Tibete? — perguntou Helen, surpresa e
um pouco com inveja. Ela sempre quis ir para lá.
Ele encontrou os olhos dela, com os lábios selados. Helen olhou para
o peito de Orion, mas ele estava fazendo aquela coisa onde ele escondia
as cores antes que Helen pudesse realmente vê-las.
— Falaremos sobre isso quando sairmos esta noite — ele disse
finalmente.
— Ok. Mas você tem que me ensinar como fazer essa coisa de
encobrimento, ou eu não vou a lugar nenhum com você — ela disse,
apontando primeiro o peito dele, em seguida, o dela. — Estou em uma
séria desvantagem aqui.
— Então, você está saindo — disse Cassandra ansiosamente,
voltando-se para Orion. — Vocês dois estão saindo em um encontro?
— Não exatamente — disse Orion, olhando para Helen com um
sorriso enigmático. Helen não tinha ideia do que ele tinha em mente,
então ela apenas deu de ombros.
— Você não vai ficar longe por muito tempo, não é? — Cassandra
persistiu, uma nota desesperada rastejando em sua voz.
— De jeito nenhum — disse Orion. Ele pegou a mão dela de
brincadeira e apertou-a, fazendo com que os sinos em sua nova pulseira
tilintassem por um momento. — Eu vou estar de volta antes que você
perceba.
— Que bom — disse Cassandra, suspirando a palavra com alívio.
Ela notou Helen observando-a cuidadosamente e endireitou os ombros.
— Hector disse que n... nós todos devemos ficar juntos. E... Eu acho que
ele está certo.
Pelo tempo que passou com ela, Helen não conseguia se lembrar de
Cassandra ter gagueira antes, e ela se perguntou se Cassandra havia
previsto algo sobre ela e Orion sair. Talvez que fosse muito perigoso eles
saírem da mansão Delos? Então Helen lembrou que Cassandra não tinha
feito uma única profecia há dias. Desde o Halloween, Helen pensou.
Antes de Helen poder perguntar-lhe se isso era normal, Cassandra
girou e deslizou pelo corredor.
— Falando de Hector — disse Orion, completamente imperturbável
pelo comportamento estranho de Cassandra. — Eu provavelmente
deveria ir buscá-lo. Ele não pode ficar vagando agora quando ele deveria
ficar quieto, não importa o quão apaixonado ele esteja.
— Sim — Helen murmurou, ainda pensando em Cassandra. Se
Orion podia ver corações, como ele poderia não ver quão diferente ela
estava ao seu redor? Helen decidiu que ela tinha que estar imaginando.
— Você está bem? — perguntou Orion, tocando seu braço
gentilmente. Sua preocupação por ela só provou seu ponto. Se Orion não
notou, então não poderia haver algo acontecendo dentro de Cassandra,
ela era apenas uma garota estranha, e Helen devia ter interpretado mal
o que viu.
— Sim. Eu acho — ela acenou com a mão, dispensando seus
pensamentos e sorrindo para ele. — Vá pegar Hector. Arraste aquele
idiota de volta se tiver que fazer.
— Ele provavelmente está no oceano. Ele gosta de nadar quando ele
está chateado. Não deve levar muito tempo — ele disse, e, em seguida,
estudou-a de perto. — Tem certeza que você vai ficar bem?
— Sim. Não se preocupe comigo.
Os cantos da boca de Orion transformaram-se no mais fraco dos
sorrisos. — Mais fácil falar do que fazer. — Ele se inclinou sobre os
poucos centímetros separando-os e roçou os lábios nos dela. — Eu estarei
de volta em breve — ele sussurrou, e se virou para sair antes de Helen
ter a chance de beijá-lo de volta.

***
Matt podia sentir seus guerreiros se aproximando. Eles foram atados
uns aos outros por juramentos de sangue e podiam sentir o outro, como
se fossem todos membros diferentes do mesmo corpo.
Em algum momento ao longo dos próximos dias suas tropas
chegariam nesta praia em navios, ecoando a viagem que tinham feito
milhares de anos antes para reivindicar Helena de Troia. Matt olhou para
o seu mastro se aproximando da praia. Os restos deste outrora grande
exército tinham começado sua jornada no momento em que o punhal
tinha caído na mão escolhida, mas espalhados como estavam por todas
as partes do globo, levaria tempo para eles chegarem a esta praia.
Finalmente, depois de tantos milênios, eles iam se reunir com seu
mestre recém-renascido. E com a adaga em que todos tinham
comprometido suas vidas.
Foi por causa da adaga, o dom mágico de prata de Thetis para seu
único filho, que eles foram todos fadados a viver até que morreram em
batalha por sua honra e glória.
Eles haviam tido azar.
Seu mestre quase indestrutível tinha morrido antes de terem tido a
chance de morrerem por ele, mas seus juramentos ainda os unia. Eles
não podiam morrer de velhice ou de doença, ou de corações partidos, não
importa o quão terrivelmente o mundo os tratasse. Eles só poderiam
morrer na batalha, e a maioria deles tinha. Nenhum além dos mais fortes
foram deixados — os mais comprometidos com seu mestre e com a
promessa para seu mestre de matar o Tirano.
Apenas trinta e três ao todo.
Mas Matt sabia que trinta e três Myrmidons de 3.300 anos de idade
eram suficientes para colocar o mundo em chamas.
CAPÍTULO 5
Traduzido por I&E BookStore

H elen estava sobre seu pai e assistindo-o respirar. Cada ascensão


e queda do seu peito era longa e difícil. Os gêmeos asseguraram-
lhe que ele não tinha nenhum ferimento deixado para eles curarem, mas,
por algum motivo Jerry simplesmente não era capaz de ficar consciente.
Era como se ele estivesse muito cansado. Pode ser que ele só precisasse
descansar, eles disseram, mas se fosse esse o caso, não fazia sentido para
Helen que seu pai não fosse fisicamente capaz de ficar acordado por mais
do que alguns momentos de cada vez.
Helen tentou reprimir o que estava sentindo, mas quando ela se
perguntou como se sentia sobre o fato de que seu pai ainda estava em
tão mau estado, e que ninguém sabia o que fazer sobre isso, sua mente
começou a vagar.
Pensamentos perturbadores continuaram aparecendo — como Luis
e seus filhos estavam indo depois de terem sido feridos por Automedon,
como a loja havia se mantido desde o motim, e se alguém tinha ou não
verificado a casa de seu pai para se certificar de que não foi vandalizada.
Todos esses pensamentos eram bastante lógicos, mas não eram as coisas
que ela deveria estar pensando quando seu pai mal estava se apegando
à vida.
Ela sentou-se na poltrona que foi puxada para o lado da cama de
seu pai e se perguntou o que havia de errado com ela. Como ela podia
estar tão distraída em um momento como este? Ela notou que a perna
dela estava saltando para cima e para baixo e colocou a mão em seu
joelho para mantê-la quieta, mas não funcionou. Prestes a saltar de sua
pele, Helen se levantou e começou a andar.
— Mais alguns passos e você vai cavar um buraco no chão — Lucas
disse suavemente da porta. Helen girou e o encarou, cerrando os punhos.
Ela não estava com disposição para um encontro emocional, e pela
primeira vez Helen desejou que Lucas simplesmente fosse embora.
Encostado na moldura, os olhos de Lucas saltaram sobre ela. Ele
deu um meio sorriso, apontando por cima do ombro com a cabeça.
— Vamos lá — ele disse, com a voz entrecortada.
— Aonde? — Helen desafiou. Ela cruzou os braços e olhou para ele.
— Para a gaiola — ele disparou de volta, nem um pouco intimidado
pelo olhar que ela lhe deu. Lucas se empurrou para fora da moldura da
porta e caminhou para Helen lentamente. Quando ele chegou a ela,
pegou-lhe os pulsos, desenrolou os braços apertados e os separou. Ele
chegou mais perto, até que ele estava quase contra ela. — Você precisa
bater em alguma coisa.
Helen abriu a boca para discutir e imediatamente a fechou. Lucas
estava certo. Ver seu pai tão mal fez ela sentir-se impotente e inútil. Ela
havia se acostumado a ser a única que tinha que lutar contra todas as
lutas difíceis, mas ela não era a única pega nesta batalha. Seu pai era, e
não havia nada que ela pudesse fazer para ajudá-lo.
Ela precisava bater em algo ou alguém — qualquer coisa para liberar
a tensão exasperante que ela sentia sentada nas arquibancadas,
enquanto seu pai lutava. E Lucas sabia disso porque ele conhecia ela.
Helen deixou seus braços relaxarem. Seus quadris balançaram
ligeiramente em direção a ele, como um desafio.
— Vamos — ela disse, sua voz cantarolando profundamente em seu
peito.
Um músculo em sua mandíbula bombeou quando Lucas apertou os
dentes. Calor saiu de sua pele como se o seu sangue estivesse fervendo.
Helen podia sentir o cheiro dele — pão assado e neve nova, quente e frio,
sol e escuridão — todos os opostos que deviam se anular mutuamente,
mas que de alguma forma conseguiam viver ao lado do outro dentro de
Lucas. Helen fechou os olhos e respirou ele descaradamente.
Lucas se afastou. Ele puxou com força o seu braço e tirou-a do
feitiço. Realmente a irritava quando ele ficava dando ordens assim, e ela
não tinha dúvidas de que ele sabia disso também. Ela torceu o pulso de
seu aperto e empurrou-o em direção às escadas. Suas costas ficaram
rígidas na frente dela, e Helen andou atrás de Lucas enquanto ele a levava
através da casa e até a gaiola de lutas.
Assim que chegaram aos degraus para o nível da gaiola, começaram
tirando a roupa. Nem sapatos, nem joias, nem cintos, objetos duros ou
cortantes de qualquer tipo eram autorizados na gaiola, mas eles não se
importaram de colocarem equipamentos mais suaves para substituir o
que eles tiraram tão freneticamente. Toda vez que Helen removia outra
peça de roupa, tudo o que podia pensar era o quanto ela queria rasgar a
dele.
O amontoado de “outras” Helens dentro de sua cabeça tornava isso
pior. Na maior parte de suas lembranças, ele tinha sido proibido para ela,
fora de seu alcance uma e outra vez. Ela estava tão frustrada, que ela
não precisava mais das Fúrias para querer matá-lo. E ela podia dizer pelo
som de tecido rasgando enquanto ele arrancava sua camisa, e o barulho
de couro enquanto ele arrancava o cinto dos cóses do seu jeans, que
Lucas estava tão farto de sua situação impossível quanto ela.
No momento em que chegaram até o ringue, eles estavam tão
excitados que mal fecharam a porta da gaiola antes de eles começarem a
rondar o outro.
Helen começou. Ela partiu à direita e deu um soco na cara de Lucas.
No último segundo, ele desviou a maior parte do golpe e atingiu as pernas
dela, tentando trazer a luta imediatamente para o chão, que era sua
especialidade.
Ela virou e pulou antes que ele pudesse capturá-la debaixo dele,
dando mais um impulso para ele quando ela fazia isso. Ele levou os
braços para cima para bloquear, levou mais alguns golpes enquanto ele
a puxava em um corpo-a-corpo, e, em seguida, empurrou Helen para trás
contra a cerca de arame. Ele inclinou o ombro em seu esterno,
pressionando o ar para fora de seus pulmões enquanto segurava suas
mãos.
— O que você e Orion conversaram no corredor depois do café da
manhã? — ele sussurrou em seu ouvido.
— Quem disse que nós estávamos conversando? — Ela disse isso de
propósito para atingir ele, e funcionou. Uma expressão de dor cruzou seu
rosto, e Helen teve a oportunidade de soltar um de seus pulsos de seu
aperto e bater em seu estômago.
Lucas grunhiu e se lançou para baixo para atingir sua perna. Ele
derrubou Helen na esteira e, separando suas coxas, ele tomou a posição
entre elas. Ela ficou em posição de defesa sob ele, envolvendo suas pernas
firmemente em torno de sua cintura e apertando forte para cortar o seu
ar.
— Eu ouvi vocês conversando — ele rosnou com os dentes cerrados.
Ele estava usando toda a sua força para tentar fixar seus braços para
baixo. — E é meio difícil falar quando sua língua está na boca de outra
pessoa.
Ela olhou para ele, sem responder a sua pergunta.
— Diga-me o que você disse a ele, Helen! — ele gritou em seu rosto.
Se esta fosse uma luta de MMA, o cara no topo iria começar a bater
no cara sob ele em um movimento chamado “ground and pound”. Mas
Lucas não bateu nela. Na verdade, Helen percebeu que, embora seu rosto
estivesse machucado, e ele estivesse sangrando de um corte sobre seu
olho, ele não tinha avançado para ela. Ele estava fazendo isso por ela,
para que ela pudesse se livrar de sua frustração. Ele estava tentando
ajudá-la.
Quando ela percebeu isso, a raiva de Helen evaporou e ela ficou
quieta. Ela não precisava ser capaz de ver através de seu peito para saber
o quanto ele a amava. Ele estava constantemente provando isso pelo
quanto de sua porcaria que ele estava disposto a aguentar.
— Eu posso ver emoções, como alguém da Casa de Roma pode, e eu
não tenho ideia por que — ela admitiu com um suspiro exasperado. Lucas
olhou para ela com um olhar assustado enquanto ela lutava para
continuar. — E eu não disse isso a Orion, mas eu acho que eu posso
controlar os corações das pessoas, também.
— Continue — ele disse quando ela parou de novo.
— Eu fiz o policial que estava de guarda para Andy nos deixar entrar
no quarto dela, e ele nem sequer perguntou os nossos nomes. No início,
eu pensei que era por causa da coisa do “rosto que lançou mil navios”.
Isso acontece às vezes com os homens. Mas quanto mais eu penso sobre
isso, mais eu estou convencida de que não foi isso. Eu fiz alguma coisa
com o coração dele. Parece errado fazer isso com alguém.
— Hum. — Lucas a soltou lentamente e sentou-se nos calcanhares,
franzindo a testa.
Helen sentou-se e esfregou seus pulsos doloridos, esperando que ele
estivesse pronto para compartilhar o que estava acontecendo em sua
cabeça.
— Olhe para mim — ele disse, de repente, inclinando-se e travando
os olhos nos ela. — Você é a única garota que eu já beijei.
— Mentiroso — Helen disse tão rápido que ela praticamente o cortou.
Ele deu um sorriso para ela e rapidamente ficou sério de novo, olhando-
a fixamente.
— Como você sabe que eu estou mentindo?
— Além do fato de que eu tenho certeza que você tenha feito um
pouco mais do que apenas beijar outras meninas? Algo estava errado em
sua voz, eu acho. E também uma sensação, como...
— Como se você tivesse perdido alguma coisa. E você precisava
encontrar. — Ela balançou a cabeça, concordando com ele. Ele olhou
para ela por um momento, com o rosto em branco. — Você é uma
Detectora de Mentiras, Helen. Você pode ouvir mentiras.
— Mas como?
— Nosso sangue — ele disse, balançando a cabeça como se pudesse
ouvir a verdade em suas próprias palavras. — Quando você, Orion e eu
nos tornamos irmãos de sangue, você absorveu alguns de nossos talentos
através de nosso sangue. Eu não tenho notado quaisquer novos talentos
em mim, e eu não acho que Orion tenha um ou ele teria mencionado isso
enquanto estávamos curando juntos. Mas, aparentemente, você tem algo
de nós dois. Você pegou o talento de Orion para controlar corações, e o
meu talento para reconhecer mentiras. — Ele inclinou a cabeça para o
lado. — Talvez você tenha pego ainda mais do que isso — ele murmurou
para si mesmo, ainda ponderando sobre isso. Helen olhou para ele.
— Por quê? Por que isso está acontecendo comigo? — ela perguntou
com medo. — A última coisa que eu preciso é de mais poderes.
— Eu não sei ainda. Mas eu vou descobrir — ele prometeu.
— Você descobre tudo — ela murmurou, adorando ele.
— Você descobriu qual o rio que as Fúrias precisavam beber. Não
eu.
— Sim, mas você ajudou. Você sempre ajuda. — Odiando os
centímetros de ar frio entre eles, ela deslizou para mais perto dele,
dolorosamente consciente de que ambos estavam em suas roupas
íntimas.
Seus ombros nus curvaram em direção a ela, e seu queixo inclinou
para baixo para vir ao nível da boca dela. Com seu novo talento, Helen
podia ver nuvens douradas saindo para fora de sua pele em rajadas
inchadas e uma aconchegante lareira bruxuleante em sua barriga. Lucas
estendeu a mão para ela, seus lábios se separando, fechando os olhos.
Ele parou. A névoa dourada gloriosa que foi envolvendo-se congelou
no meio do ar, solidificando e caindo no chão em cacos. Os olhos azuis
brilhantes de Lucas escureceram quando a sombra avançou e apagou
sua luz interior.
— É por isso que você deve vir falar comigo quando você estiver
confusa, Helen — Lucas disse pesadamente, e se afastou. — Não importa
o que acontece entre você e Orion, eu sempre estarei aqui para ajudá-la
com seus problemas. Mesmo que isso signifique que eu tenho que ter
meu traseiro chutado em primeiro lugar. — Ele virou-se, limpando o
sangue de seu olho e sacudindo-o no tatame.
— Está doendo? — Helen engoliu em seco e se conteve de estender
a mão e tocar sua ferida — se conteve de inclinar-se para frente e jogar
os braços em volta dele, na verdade.
— Não — ele respondeu, balançando a cabeça. — Não em
comparação com o resto.

***
Helen ficou no ringue por muito tempo depois que Lucas foi embora.
Ela começou a ficar com frio na esteira com nada além das suas roupas
íntimas, e eventualmente forçou-se a levantar-se e encontrar suas
roupas. Com os jeans em uma das mãos, ela estava procurando sua
blusa ao redor quando ouviu a porta abrir.
— Por que você está praticamente nua? — Hector gritou do alto da
escada.
Helen não se incomodou em saltar ou se sentir envergonhada. Era
apenas Hector, voltando justo no momento errado para mexer com ela,
como de costume. Ela finalmente entendeu sua relação controversa, mas
ainda profundamente solidária com Hector. Não era exatamente como
irmão e irmã, e nunca tinha sido.
Ela tinha sido casada com o cara uma vez e, a partir dos trechos
que Helen poderia vagamente lembrar, nenhum deles tinha sido muito
feliz com esse fato, apesar de terem tentado o seu melhor para fazê-lo
funcionar. Mais ou menos como ser permanentemente algemado a
alguém que você ama, mas que também realmente te incomoda.
— Lucas e eu tivemos uma briga — disse Helen, pensando que era
mais fácil dizer apenas isso do que fazê-lo importuná-la. Hector desceu
as escadas enquanto Helen vestia sua calça jeans.
— Uh-hum. E suas roupas ficaram tão cansadas de todo o lamento
e gemido que elas pularam para fora de seu corpo e fugiram?
Helen teve que rir com isso. — Não. Finalmente decidimos bater um
no outro fisicamente em vez de apenas emocionalmente para variar. —
Ela apontou para o ringue com o queixo enquanto ela fechava o zíper.
— Engraçado, mas você não parece ter sido esmurrada.
Despenteada, sim. Esmurrada? Não — ele disse, levantando uma
sobrancelha e estendendo a blusa escura com decote em V. Ela ignorou
seu comentário sugestivo. Helen pegou sua blusa quente e alegremente
vestiu-a, e então olhou para Hector cuidadosamente.
— Como você está? — ela perguntou incisivamente.
Hector deu de ombros e se virou, indo em direção a um dos sacos
pesados. — Estou bem. Eu não sei por que você e Orion estão todos
preocupados por causa de Andy.
— Você é tão cheio de si — Helen alfinetou, mas sem maldade,
enquanto o seguia. Ela ficou do outro lado do saco e segurou firme para
que ele pudesse bater. — Você está se escondendo aqui. Do mesmo jeito
que eu.
Hector começou a bater no saco, dando-lhe indiferentes pancadas
fortes na melhor das hipóteses. Ele lentamente aumentou a intensidade.
Movendo seus pés enquanto ele trabalhava através de algumas
combinações, Helen observou o rosto de Hector endurecer e assumir a
postura de um lutador de verdade.
Não, mais do que isso, ela pensou. Ele é um guerreiro, saído direto de
alguma lenda.
Assim que esse pensamento cruzou sua mente, ela viu seu
comportamento perder toda a sua ferocidade, e algo vulnerável e triste
mudou e acalmou seu corpo inquieto.
— Ela não pode suportar me ver, Helen. A garota, a única garota que
realmente me balançou, eu aterrorizo ela. — Ele deixou cair seus punhos
e se inclinou para o saco, de frente para Helen. — Eu poderia aceitar se
ela achasse que eu era um idiota ou um porco. Eventualmente, eu
provaria a ela que eu não sou. Mas medo? — Ele balançou a cabeça. —
Eu não tenho nenhuma chance. Eu não posso persegui-la porque é isso
que ele fez. A única coisa que posso fazer é ficar longe dela, como ela me
disse para fazer. O problema é... eu não sei se eu posso fazer isso.
— Sim, eu sei o que você quer dizer — disse Helen tristemente,
abraçando o outro lado do saco.
— Oh, que ironia. Certo? — ele brincou, e então franziu a testa de
repente. — Mas você tem outras possibilidades.
— E você não? — Helen riu. — Ou você já dormiu com cada outra
menina quente no mundo, e não há mais ninguém?
— Estou falando sério — disse Hector, já sem sorrir. — Você sente
alguma coisa por Orion, ou é como você e Matt? Ele é como um amigo
para você?
— Não, isso definitivamente não é. — Ela pensou sobre o que Morfeu
tinha revelado a ela, que, em alguns aspectos, ela podia querer Orion
ainda mais do que ela queria Lucas. — Estou realmente atraída por
Orion.
— E você se preocupa com ele?
— Bastante.
— Então se comprometa com ele. — Hector considerou Helen com
total sinceridade. — Ambos estão esperando que você faça uma escolha.
E nenhum de vocês vai seguir em frente até que você a faça. Você, Helen.
Você tem que fazer essa escolha.
Helen queria gritar “Lucas”, mas ela imaginou o olhar de nojo que
ela sabia que Hector lhe daria por preferir seu primo ao invés de Orion, e
engoliu o nome de Lucas. — Eu tenho — ela disse com mais convicção
do que sentia. — Eu tenho — ela repetiu.
Hector sorriu para ela. — A primeira vez que você disse, “eu tenho”
foi bastante crível. A segunda? Não muito.
— O que eu vou fazer? — ela gemeu em resposta, batendo a testa
contra o saco. — Eu me sinto como uma bola de pingue-pongue.
— Eu acho que nós dois precisamos sair daqui e fazer algo útil. —
Ele a pegou pelo pescoço em uma chave de pescoço de brincadeira e
levou-a para a escada. — Vamos, princesa. Vamos ver se a loja do seu
pai ainda está de pé.

***
Hector e Helen carregaram um pouco de madeira sobressalente do
galpão, um kit de ferramentas e uma caixa de pregos para a parte de trás
do caminhão de Hector. Depois de uma breve discussão sobre se Hector
devia ou não arriscar de ser visto, tornou-se evidente que, se ele não
saísse da casa que atualmente abrigava Andy, ele iria sair correndo
gritando pelas ruas, de qualquer maneira, então Helen relutantemente
concordou. Ela bateu o pé sobre quem dirigiria, no entanto. Helen pegou
o volante para a viagem passando pela sua casa para se certificar de que
estava tudo bem, e depois para a News Store enquanto Hector se escondia
atrás.
Hector ficou fora de vista dentro da loja, varrendo vidro e detritos
que sobraram do motim enquanto Helen levava a escada do depósito para
a frente e começou a pregar tábuas nas janelas quebradas. Era um
trabalho deprimente. Toda vez que ela olhava ao redor, Helen era
lembrada que a loja poderia ser reconstruída, mas nunca mais seria a
mesma. Não realmente. Enquanto subia a escada e começava a fechar
com tábuas as janelas destruídas da frente, Helen percebeu que algumas
coisas ficariam um pouco quebradas para sempre — mesmo depois de
terem sido consertadas.
Perdida em seus pensamentos, Helen não percebeu que alguém
tinha vindo atrás dela na calçada.
— Sabe de uma coisa? Se essa tábua ficasse mais torta, ela iria virar
ao redor do outro lado e ficar em linha reta como uma flecha — disse
Orion do chão atrás dela, como se ele estivesse temendo pelo péssimo
trabalho que ela tinha feito. — Você está bêbada?
Os ombros de Helen começaram a tremer de tanto rir. — Não! Eu
nunca fiz isso antes!
— Aparentemente. — Ele sorriu para ela e fez sinal para que ela
descesse da escada. Rindo, ela desceu e ficou ao lado dele. — Ainda tem
ambos os polegares? — ele perguntou, inspecionando suas mãos. Ele
pegou o martelo dela como se ele pudesse mordê-la. — É melhor dar isso
para o profissional.
— Professional, hein? — Helen não duvidou. Ela tinha dado uma
olhada em sua carteira de motorista quando ela acidentalmente roubou
sua jaqueta e carteira, e ela sabia que ele era autorizado a operar
máquinas pesadas.
— Eu trabalhei em alguns locais de construção. Construindo
algumas casas — ele disse com um sorriso cauteloso em seu rosto, como
se tivesse feito mais do que apenas isso.
— Fabricante de joias, carpinteiro... você é um verdadeiro pau-para-
toda-obra — ela disse, sorrindo para ele.
— Sim. Para todas as obras que pagam — ele acrescentou com uma
risada tímida.
— Ei, você é um filho de Afrodite. Você poderia ter tomado o caminho
mais fácil. Enrugando os lábios bonitos para alguma mulher rica e
fazendo ela ficar tão loucamente apaixonada por você que ela
simplesmente teria que dar-lhe uma mina de diamantes ou algo assim.
— Helen sorriu para ele, amando como ele sempre minimizava seus
talentos — e não apenas os de Descendente. — Mas você não fez isso.
Você trabalha pelo seu dinheiro.
— Todos os cinco dólares dele — ele disse, revirando os olhos.
— Um dinheirinho honesto não pode comprar mais mantimentos do
que um desonesto, mas ele sempre vai valer mais. Especialmente para
mim — ela respondeu seriamente. Ele era um homem que venceu pelo
esforço próprio, assim como seu pai, e ela respeitava mais essa qualidade
nele porque sua dignidade era algo que ele conquistou, e não algo com o
que ele nasceu.
— Ei, Orion? Coloque umas calças, atire ela sobre seu ombro, e
carregue ela como um homem, pelo amor de Pete! — Hector gritou de
dentro. Orion encolheu-se e trocou um olhar aflito com Helen.
— A abordagem do homem das cavernas — ele sussurrou para Helen
conspirativamente. — Não é realmente o meu estilo.
— Ah, Hector. Nosso brutamontes adorável — Helen respondeu
calmamente. Suas cabeças se inclinaram enquanto eles compartilhavam
uma risada abafada.
— Beija. Beija. Beija — Hector gritou, espiando-os entre as ripas
desalinhadas sobre a janela quebrada.
— Posso levar você em todos os meus encontros? — Orion perguntou
a Hector, batendo as mãos em emoção fingida.
— Claro, amigo! Eu vou acompanhá-lo através da coisa toda —
Hector respondeu com um sorriso perverso. — Primeiro, você pega a
menina e a agarra pelo...
— E é exatamente por isso que estou tão feliz de a testosterona não
ser contagiosa — disse Helen em voz alta, cortando Hector. Ela empurrou
Orion até a escada para consertar a bagunça que ela havia feito, e entrou
para ajudar Hector a terminar de limpar.
De alguma forma, entre toda a caminhada ao redor, eles
conseguiram fechar toda a loja com tábuas, varrer e esvaziar de todos os
produtos perecíveis em decomposição. De vez em quando Helen tropeçava
em algo pessoal em meio aos detritos — a escultura deformada de
macarrão de “Eu amo meu pai” que ela tinha feito na escola primária,
uma panela de fundo horrível e pesada-como-uma-ferradura que ela
tinha feito para Kate quando ela estava tentando aprender a esculpir
argila no ano de caloura, e alguns troféus de segundos lugares em
corridas.
O pior de tudo eram as fotos. Arrasou-a ver os quadros quebrados e
os vidros esmagados que prendiam as imagens, arruinando-as. Algumas
das fotos estavam penduradas na loja desde que ela era uma menininha.
Ela tinha visto elas todos os dias e, quando ela jogou a maioria delas no
lixo, ela estava consciente demais que ela nunca iria vê-las novamente.
Cada vez que Helen deparava com um desses itens carregados de
emoção, ela notava que Hector ou Orion fazia uma piada ou algo pateta
para distraí-la. Ela sabia o que eles estavam fazendo, mas isso só tornou
suas tentativas desastrosas para animá-la ainda mais comoventes.
Eles sabiam que não era realmente sobre a perda de um monte de
coisas. Quando Orion e Hector estavam jogando conversa fora para
distraí-la, ela não podia pensar muito sobre o que realmente estava
incomodando ela — que seu pai não parecia estar ficando melhor. Perder
as fotos, a escultura de macarrão e a tentativa hedionda em cerâmica não
eram nada comparado com o medo que ela sentia quando ela imaginava
seu pai deitado inconsciente em uma cama. Por que ele não conseguia
acordar?
Ela queria dizer algo para os dois, para agradecer-lhes por ajudá-la
a passar por isso, mas ela sabia o suficiente sobre esses dois caras para
manter a boca fechada. Hector só iria provocá-la se ela desse uma de
sincera para cima dele, e Orion já sabia o quanto ela era grata porque ele
podia ver através dela, literalmente. Então Helen arquivou mentalmente
as horas que eles passaram cavando através da sua infância devastada,
sabendo que ela nunca poderia verdadeiramente reembolsá-los pelo que
fizeram por ela.
— Então... Hector vai levar o caminhão de volta — disse Orion,
interrompendo os pensamentos tristes de Helen. — Sozinho.
— Hum? — disse Helen inexpressivamente. — Não. Hector não deve
dirigir. Ele não pode ser visto.
— Eu não vou ser. Está muito escuro agora. Ninguém será capaz de
me reconhecer — disse Hector. — E eu posso me desfocar um pouco se
eu me deparar com luzes se aproximando, o que eu provavelmente não
vou.
Helen olhou em volta e notou que ele estava certo. Em algum
momento, quando ela não estava prestando atenção, o sol se pôs. Era
noite, e ninguém estava nas ruas para começar. Muitas pessoas não se
aventuravam fora de suas casas desde os motins. A Ilha de Nantucket
tinha sido como uma cidade fantasma por dias agora.
— Ok, eu acho que você está certo. Obrigada por me ajudar hoje —
disse Helen para Hector, dando-lhe um abraço. Ela parou antes que ela
ficasse toda sentimental e dissesse algo que ele iria achar
imperdoavelmente sentimental.
— Divirta-se hoje à noite, princesa. — Hector respondeu, com a voz
extraordinariamente suave quando ele a soltou. Ele olhou para Orion e
acenou com a cabeça uma vez, e, em seguida, virou-se para sair sem uma
piada ou comentário sarcástico.
Helen pegou a mão de Orion timidamente, sabendo que Hector tinha
acabado de lhes dar o equivalente a passes de corredor de Hergie. Não
importa o que os dois fizessem naquela noite, eles tinham certeza de que
Hector não iria colocá-los em detenção por isso.
— Então — ela disse, olhando para Orion. Sua garganta estava seca
de repente e ela engoliu. — Você disse que queria me mostrar alguma
coisa?
— Sim — ele respondeu, mordendo o lábio inferior como se ele
estivesse arrependido. — Você teve um dia difícil, no entanto. E o que eu
quero mostrar para você não é exatamente edificante.
— Bem, agora você tem que me mostrar — disse Helen, estendendo
um braço amplamente para incluir toda a loja. — Eu não posso ser a
única cuja vida é uma chatice total.
Orion riu, mostrando seus brilhantes dentes afiados. Ele puxou
Helen para perto, segurando-a contra seu peito. A risada desapareceu
rapidamente e ele beijou sua testa, mal tocando sua sobrancelha com o
lábio inferior quando seu humor mudou. Uma parte de Helen estava
ciente de que ele a tinha puxado para perto por duas razões. A primeira
era que ele sinceramente queria abraçá-la, mas principalmente ele estava
fazendo isso para que ela não pudesse ver o que estava acontecendo
dentro de seu coração.
— Confie em mim. Você não é a única cuja vida é uma chatice total
— ele sussurrou de forma desigual.
— Então me mostre. — Helen se afastou e olhou-o nos olhos. — Nós
fomos ao inferno e voltamos juntos, Orion. O que poderia ser mais difícil
de lidar do que isso?
Os cantos da boca adorável de Orion transformaram-se em um
sorriso melancólico. — Família — ele respondeu. Helen se lembrava de
quão triste Orion ficava cada vez que alguém mencionava seu pai, Dédalo.
Ela sabia que havia uma história profunda e obscura.
— Ah. Seu pai.
— Não — ele disse, soltando-a e desviando o olhar ansiosamente. —
Talvez esta seja uma má ideia.
— Ei, você já saiu voando? — ela perguntou rapidamente. Orion deu-
lhe um olhar perplexo, como se ele estivesse totalmente desconcertado, o
que era exatamente a intenção de Helen. — Não em um avião, eu quero
dizer — ela esclareceu. — Alguma vez você já voou como eu faço?
— Não. Nunca.
— Você quer?

***
— Esta é a coisa mais louca que eu já senti! — Orion deu uma
risadinha.
— Shhh — advertiu Helen, de olhos fechados. — Pare de se
movimentar. Você é como três de Claire. — Ela estava tentando não sorrir
ao som de alegria absoluta na voz de Orion, mas ele estava tornando isso
quase impossível. Ele era adorável quando ele ficava animado. Ela
precisava distraí-lo para que ela pudesse se concentrar. — Tem alguém
vindo?
Orion tomou um momento para olhar de um lado para o outro atrás
da News Store onde eles estavam de pé, com os braços em torno de si. —
Tudo limpo — ele disse.
Helen sentiu sua respiração em sua testa quando ele voltou seu
olhar para sua cabeça inclinada para baixo e olhos fechados. Foi quente
e doce, e foi um pouco como se ele deixasse aparecer emoção. Ela quase
teve a massa total dele em sua mente — a proporção exata da pele,
sangue e ossos que estavam perpetuamente caindo em direção ao centro
da Terra. Ela estendeu a mão com o outro sentido dela, a coisa que
soltava a gravidade, e ampliou-o até que ele escorregou em torno do
grande corpo de Orion.
— Isso faz cócegas! — ele engasgou, seus braços ao redor da cintura
dela apertando-a com força.
— Shhh! — ela repetiu, concentrando-se muito. E então ela sentiu.
Seu corpo de repente se encaixou em sua mente. — Consegui — ela
sussurrou, triunfante.
Liberar sua gravidade foi fácil uma vez que ela tinha descoberto a
forma e o peso dele. Ela abriu os olhos para que ela pudesse ver o rosto
de Orion quando eles dispararam para o ar e pairaram entre nuvens que
brilhavam branco-violeta com a luz das estrelas. Orion tinha um
daqueles rostos que constantemente a surpreendia. Justamente quando
ela pensava que ela estava ficando acostumada ao quão lindo ele era, ela
via uma nova expressão em seu rosto, e uma grande parte do seu sistema
nervoso ficava prejudicado.
— Então. Para onde estamos indo? — ela perguntou-lhe, com a voz
mais firme do que ela pensava que seria. — Você disse que queria me
mostrar alguma coisa.
Ele desviou os olhos da vista e a olhou, seu rosto murchando. —
Helen — ele começou a dizer, consternado.
— Não, estou falando sério, Orion — ela interrompeu com firmeza.
— Você concordou em voar comigo, mesmo que você soubesse que eu só
tentei isso com um passageiro uma vez antes, mas você não vai me dizer
o seu grande segredo? Então você confia a mim a sua vida, mas não o
seu passado?
— Não é isso — ele disse, e depois parou de lutar com seus
pensamentos.
— Como eu pensaria menos de você por causa do que você passou?
Quão crítica você acha que eu sou?
— Não! Não é por causa do que você vai pensar. Pelo menos, não
totalmente — ele disse, as palavras metade sufocando-o. — Dói voltar
para lá.
— E vai continuar a doer, desde que você mantenha escondido —
disse Helen em um tom mais suave. — Eu sei quem você é, Orion. E
talvez o processo que levou a fazê-lo não foi a coisa mais bonita de
assistir, mas confie em mim. — Ela abaixou a cabeça para baixo,
inclinando o rosto sob o seu para ele ter que olhar para ela. — O resultado
é espetacular.
Ele riu baixinho, corando um pouco, e depois ficou sério novamente
enquanto ele pensava sobre isso.
— Além disso — ela continuou, sorrindo para ele com determinação.
— Você sabe que eu nunca vou deixar você de volta no chão até que eu
consiga o que quero.
— Ok, você venceu... como sempre — ele gemeu. — Vá para o norte.
— E onde estou nos levando? — perguntou Helen entusiasmada.
— Terra Nova. Onde eu nasci.
Da maneira destacada que Orion nomeou seu lugar de origem, Helen
teve a nítida sensação de que ele não estava levando-a para um lugar que
ele considerava uma casa. Ela não tentou distraí-lo ou fazer uma piada,
como ela normalmente fazia quando o via cair em um de seus humores
melancólicos. Em vez disso, ela se concentrou em voar tão rápido quanto
ela ousou com um passageiro.
Depois de apenas alguns minutos e alguns ajustes de curso por
Orion, foram pairando sobre um pedaço grande de rocha espumosa à
beira do frígido Oceano Atlântico.
Apegando-se ao topo de um alto e longo promontório havia uma
pequena casa de campo quase sem janelas. Era uma noite escura. Um
nevoeiro rolava para fora do oceano e apagava a luz da lua. Mal
discernível, a casa estava iluminada do interior por uma única luz.
Orion suspirou profundamente e balançou a cabeça, como se
estivesse assumindo a responsabilidade por um ato infeliz de vandalismo.
— É isso aí. É aí que os meus pais vivem.
— Seus pais? — Helen repetiu, confusa. — Mas eu pensei que sua
mãe estivesse morta. Seu pai se casou de novo?
— Você vai ver — foi tudo o que ele disse, balançando a cabeça.
Orion direcionou ela para pousá-los do lado de fora do círculo de luz
em torno da única janela semi-grande no piso térreo.
Com cuidado para permanecer nas sombras, Helen olhou para
dentro. A primeira coisa que viu foi um grande homem sentado em uma
poltrona, lendo um livro. Ele usava jeans folgados, uma camiseta preta
apertada, e ele tinha cabelo preto, que estava salpicado com grisalho
prematuro nas têmporas. Ele era mais velho, talvez quarenta e poucos
anos, mas ainda muito bonito e incrivelmente em forma. Os ângulos
afiados e aquilinos de seu rosto e o bronzeado dourado que aquecia sua
pele cor de oliva a lembrou de Lucas. Até mesmo a forma de sua mão
como ele agarrava a lombada do livro era assustadoramente familiar.
Perturbou Helen ver esse outro homem mais velho com as mãos de Lucas.
Helen tinha ouvido várias vezes mencionado pela família que Lucas
parecia um filho de Poseidon. Com base na semelhança impressionante,
Helen sabia que tinha de estar olhando para Dédalo, Chefe da Casa de
Atenas, o descendente direto de Poseidon, e pai de Orion.
A segunda coisa que Helen viu foi sua própria mãe, Daphne,
dormindo no sofá em frente a ele.
CAPÍTULO 6
Traduzido por I&E BookStore

H elen se afastou da janela. Houve uma sensação de aperto na sua


garganta, e seus pés bambearam sobre o terreno irregular com o
choque. Orion estendeu a mão para ela, mas ela soltou as mãos dele
cegamente. Implacável, Orion estendeu a mão para ela novamente e
fechou a mão sobre a boca dela quando ele a capturou.
— Se acalme! Não é o que você pensa — ele sussurrou em seu
ouvido.
Ele levou os dois para longe da casa, e tão longe para trás na parte
de cima do promontório quanto se atreveu sem empurrar ambos para
fora do penhasco antes de continuar.
— Daphne ajuda meu pai a lidar com a minha mãe quando ela tem
um de seus ataques. Ela deve ter tido um hoje à noite, provavelmente
porque meu pai tem que ir ao encontro das Casas. Minha mãe odeia todas
as Casas, até mesmo a dela própria. — Ele fez uma pausa no meio de sua
explicação apressada, olhando para ver se Helen estava acompanhando.
— Houve uma guerra de Descendentes antes de nascermos — ele disse.
Ainda abafada por trás da mão de Orion, Helen relaxou os músculos
e acenou com a cabeça, tanto em resposta à sua pergunta tácita sobre a
guerra e para deixá-lo saber que ela não iria sair correndo para a casa ou
começar a gritar. Ele relaxou seu controle sobre a boca, mas manteve-a
perto dele. Helen sabia que tinha havido algum tipo de confronto final
entre as Casas Descendentes cerca de vinte anos atrás, e que tinha sido
um banho de sangue — o Final dos Tempos — ou pelo menos assim
parecia para eles.
— Minha mãe era a Chefe da Casa de Roma, e ela matou um monte
de gente. A guerra realmente mexeu com ela. E agora minha mãe não lida
bem com qualquer menção das Casas — ele tentou continuar, mas teve
que parar por aí, cerrando os dentes para controlar sua voz. — Ela não
lida bem com nada, na verdade. Ela está doente, Helen.
Helen sabia que Descendentes só ficavam doentes de uma maneira.
Orion estava tentando dizer a ela tão gentilmente quanto possível que sua
mãe, Leda, estava louca.
Baseado no fato de que Dédalo necessitava de Daphne para ajudá-
lo a controlar Leda, Helen sabia que Leda não só era forte, mas que tinha
de ser o tipo de louca que era verdadeiramente perigosa para se estar ao
redor. A casa em que viviam era a quilômetros de distância de qualquer
pessoa, tão longe da civilização quanto eles poderiam conseguir sem cair
no mar. Helen só podia imaginar a quantidade de gritos que deve
acompanhar os “ataques” como Orion havia chamado. Ela se perguntou
como era para ele ter crescido com tudo isso quando era um menininho.
Orion soltou Helen suavemente e se afastou dela quando ele bateu
a palma de sua mão em seu rosto. Helen estendeu a mão e pegou sua
outra mão, embalando-a perto de seu peito enquanto ele se recompunha.
Ela estudou-o cuidadosamente, esperando até que ele se virou para ela e
balançou a cabeça, deixando-a saber que ele tinha se recomposto, e então
ele a levou de volta para a casa.
— Você disse que ela estava morta — Helen sussurrou. Orion
balançou a cabeça.
— Você achou que ela estava morta quando eu disse que eu era o
Chefe da Casa de Roma, mas a morte não é a única maneira de uma Casa
receber um novo chefe — ele desviou o olhar. — Eu não conhecia você
bem o suficiente, na época. Eu estava muito envergonhado de dizer a
você...
Helen assentiu com a cabeça, parando-o. Ele não precisava se
explicar para ela. — Está tudo bem — ela disse calmamente.
Outra luz foi ligada dentro da casa, e ambos Helen e Orion viraram
a cabeça bruscamente para olhar na janela.
Helen viu uma mulher frenética com longos cabelos castanhos
descer as escadas com uma camisola. Descalça e despenteada do sono,
seu estado desgrenhado só adicionava o seu apelo. Ela era mais velha,
na casa dos quarenta, mas ainda com o corpo de uma garota pin-up. Seu
cabelo castanho-avermelhado dançava em torno dela em uma nuvem de
cachos gordos e sedosos que a maioria das mulheres levam horas com
um secador de cabelo e babyliss para conseguir ter. Eles eram os cachos
de Orion, e o arco longo e escultural de seus membros musculosos
tinham o mesmo balanço, as mesmas proporções perfeitas como as dele.
Metade saltava para fora de sua camisola de todas as maneiras
corretas, embora ela fosse, obviamente, alheia a este fato, Helen
adivinhou que esta mulher provavelmente ainda pareceria sedutora,
mesmo se ela tivesse caído de bunda sobre uma chaleira ao descer os
degraus. Ela era uma versão menor e do sexo feminino de Orion, e como
tal ela era a tentação perfeita para o sexo oposto. Tudo nela gritava que
esta mulher era Leda, uma filha de Afrodite, e a mãe de Orion.
— Ele está aqui! — ela murmurou, correndo para a janela. Orion
puxou Helen para longe do círculo de luz assim que Dédalo pulou de seu
assento e puxou Leda de volta antes que ela pudesse dar uma boa olhada
no exterior. Mesmo à distância, Helen podia ver o olhar feroz em seu
rosto. Seus olhos estavam abertos tão grandes que eles estavam
mostrando a parte branca, e eles estavam rolando ao redor como um
cavalo assustado. Helen estremeceu involuntariamente.
— Não há ninguém aqui, amor — disse Dédalo em uma voz cansada,
pegando os ombros de Leda e girando-a para longe da janela.
— Adônis! Eu posso sentir você aí fora! — a mulher histérica gritou,
lutando violentamente com o marido para fugir. — Eu não vou deixar
você matar o meu bebê!
Daphne estava levantada agora e agarrando Dédalo pelos ombros
para que eles formassem uma gaiola em torno de Leda com seus corpos.
Eles pressionaram ela de lados opostos, usando seu peso para conter os
braços e impedi-la de rasgar seu cabelo e rosto. Helen podia dizer pela
maneira gentil, mas quase clínica que eles já fizeram isso, que Dédalo e
Daphne tinha feito isso muitas vezes antes.
— Eu vou te matar se você tentar ferir meu bebê! — Leda uivou,
soluçando agora, sua voz triturando com loucura pura. — Eu vou matá-
lo eu mesma!
— Adônis está morto, Leda! Seu irmão está morto! — Daphne gritou
para Leda até que a mulher perturbada parou de resistir e começou a
relaxar.
— Meu irmãozinho — disse Leda, acalmada momentaneamente por
sua confusão. — Meu bebê. Meu irmãozinho. Mas qual é qual? Eu sei
que eu matei um deles. Quem eu escolhi?
Leda começou a balançar para trás e para frente, calmamente
cantando as palavras “Meu bebê. Meu irmãozinho” repetitivamente
enquanto Dédalo e Daphne tentavam acalmá-la. Cada vez que ela repetia
esse mantra lamentável, seu volume aumentava mais ainda até que ela
estava gritando.
— Tire-me daqui, Helen — Orion disse em um sussurro trêmulo.
Helen olhou para ele e viu lágrimas correndo silenciosamente pelo seu
rosto.
Ela imediatamente colocou os braços ao redor dele e atirou-os para
o ar, deixando para trás o som do choro inconsolável da Leda. Orion
enterrou o rosto no pescoço de Helen. Ela podia sentir suas lágrimas
quentes fluindo através de sua pele e rapidamente ficando frias no ar
ficando rarefeito à medida que ganhavam altitude.
Tremendo, eles pairaram por cima do oceano, agarrados um ao
outro. Orion não fez qualquer barulho. Depois do que Helen adivinhou
serem anos de prática, ele tinha se tornado bom em silenciar o som de
seu próprio choro até que não havia nada — nem mesmo a vibração de
seu diafragma — apenas o pulsar rápido e profundo de seu coração.
Helen o puxou para mais perto e voou para longe desse pesadelo, embora
soubesse que ela nunca o levaria longe o suficiente para tornar isso
melhor.
Rumo ao sul ao longo da costa, ela levou-os para uma praia pequena
e bonita em algum lugar ao redor de Cape Ann em Massachusetts e
baixou-os ao chão. Eles sentaram-se um ao lado do outro na areia, ele
olhando para a água e ela olhando para seu perfil.
— Eles eram próximos. Adônis e minha mãe — ele disse finalmente.
— Eles se amavam muito, até que ela se apaixonou por meu pai. Todas
as Casas, mas especialmente a Casa de Roma, não permitem que
Descendentes de diferentes Casas tenham filhos juntos por medo de que
isso crie o Tirano. — Orion fez uma pausa e apontou para si mesmo com
tristeza. — Quando minha mãe ficou grávida de mim, Adônis veio para
me matar, e a ela, eu acho, já que ela ainda estava me carregando. Mas
minha mãe matou-o ao invés.
Helen inclinou-se contra o ombro de Orion e olhou para as ondas
escuras quebrando na praia. Ela achava que era algo como isso, mas
sentia que havia mais nessa história. As cores maçantes rastejando para
fora do peito de Orion eram pesadas e fundidas com culpa e
arrependimento.
— A pior parte veio mais tarde — Orion continuou com a voz tensa.
— Você sabe como os membros de cada Casa tem certas características
físicas? Há sempre alguma variação, como Lucas, Jason e Ariadne, que
não se parecem com os outros membros de sua casa. Mas, em geral,
Tebanos são loiros e parecidos com o pai de Lucas. — Helen assentiu. —
Você também sabe que cada geração tem um punhado de personagens
específicos que se repetem uma e outra vez? Eles são réplicas quase
exatas dos principais personagens que lutaram em Troia. Assim que um
desses personagens principais morre, outro nasce para tomar o seu
lugar.
— Não, eu não sabia disso. — Helen mordeu o lábio, processando
isso. — Eu não acho que a família Delos saiba disso, tampouco, ou eles
teriam explicado para mim.
— A Casa de Atenas descobriu isso há muito tempo, mas a Casa de
Tebas não deve ter descoberto. Os tebanos sempre tiveram muita
variação em sua linha, e provavelmente não foram capazes de detectar o
padrão ainda. Sua casa, a Casa de Atreu, é a única exceção. Você
estabelece o arquétipo de Helena de mãe para filha, mas para o resto de
nós, um sósia exato só pode acontecer se um personagem principal morre
primeiro.
— Como se as Moiras tivessem de reformular a peça com um bebê
quando um dos personagens principais morre — disse Helen, pensativa.
— Você parece exatamente como Eneias, você sabe.
— Sim, eu me lembro de Automedon me chamando de “General
Eneias” depois de você eletrocutá-lo — ele disse, sorrindo um pouco com
a memória. Seu rosto enrugou momentaneamente. — Espera. Como você
poderia saber como Eneias era?
— É uma longa história — disse Helen, acenando com a mão,
desconsiderado. — Continue você primeiro.
— Bem, além de Eneias, há alguém que eu pareço exatamente.
— Seu tio Adônis. — Helen nem sequer teve que ponderar sobre isso.
Ela sabia quão cruéis as Moiras eram, e por algum motivo elas pareciam
ser particularmente cruéis para Orion. Como se elas quisessem
machucá-lo.
Assim que ela pensou nisso, ela fez um palpite sobre o motivo.
Eneias foi um dos únicos sobreviventes masculinos de Troia. Ele escapou
do destino. De alguma forma, este personagem tinha ficado longe de seu
destino. Helen se perguntou como no mundo alguém poderia fazer isso,
mas ela colocou esse pensamento em segundo plano quando Orion
continuou.
— Foi tudo bem enquanto eu ainda era um bebê, mas assim que eu
fiquei um pouco mais velho, minha mãe começou a me confundir com o
irmão. — Ele parou e engoliu em seco. — Ela começou a me ver como um
inimigo. Eu não tenho sido capaz de ir a qualquer lugar perto dela desde
que eu tinha oito anos. E meu pai não podia deixá-la sozinha por muito
tempo. Então ele deixou eu cuidar de mim mesmo a maior parte do
tempo.
Helen podia ouvir a amargura em sua voz, embora ele tenha tentado
usar um tom mais baixo. Um pensamento lhe ocorreu. Ela sentiu todos
os cabelos na parte de trás do pescoço dela se levantarem e uma raiva
aqueceu sua pele. Sua voz tremeu quando ela falou. — Foi sua mãe quem
lhe deu essas cicatrizes, Orion?
— Não — ele disse bruscamente. — O primo da minha mãe, Corvus.
Ele não queria que eu sucedesse a minha mãe, quando se tornou claro
que ela estava doente demais para liderar. Eu fui reivindicado pela Casa
de Atenas, e vários dos meus primos ainda não achavam que eu deveria
liderar a Casa de Roma. Corvus veio atrás de mim quando eu tinha onze
anos. Ele perdeu.
Helen viu um fogo escuro queimando dentro do peito de Orion.
Chamas negras lamberam seu coração. Ele matou seu primo, ela pensou.
Orion tinha apenas onze anos de idade quando ele tinha matado um
homem. Helen balançou a cabeça e decidiu ficar com um tema que ela
poderia realmente compreender neste ponto — sua mãe.
— Sua mãe nunca tentou... você sabe... matá-lo? — Helen
perguntou cuidadosamente. Orion apenas acenou com a cabeça, com os
olhos colados às ondas. Helen virou a cabeça e olhou para a água com
ele.
— Foi a coisa mais assustadora que já me aconteceu — ele admitiu
em um tom morto.
Helen queria perguntar-lhe mais sobre suas cicatrizes e seu primo
Corvus, mas ela sabia pelo olhar dormente em seu rosto que Orion tinha
desenterrado suficientes memórias dolorosas por uma noite. Além disso,
ela não sabia se podia suportar ouvir mais nada naquele momento.
— Sabe o que me assusta? — ela perguntou depois de um longo
silêncio. — O oceano.
Orion riu suavemente. — Não o Tártaro?
— O Tártaro é ruim — Helen concordou com um aceno de cabeça
definido. — Mas o oceano realmente me assusta.
— E quanto a tudo o que você acabou de saber sobre mim? — ele
perguntou em voz baixa. — Isso aterroriza você, também?
— Não — ela respondeu. Ela pensou em como o pai de Orion tinha
deixado ele se defender por si próprio. Como esse tal de Corvus o caçou
quando ele era apenas um garoto, e que praticamente a cada segundo de
sua vida ele sabia que ele nunca iria conseguir nada que se assemelhasse
ao amor das pessoas que deveriam cuidar dele. — Isso realmente me
irrita, no entanto.
Eles compartilharam um silêncio confortável, cada um deles
pensando seus próprios pensamentos.
— Obrigado — disse Orion após uma longa pausa. Ele começou a
desamarrar suas botas.
— O que você está fazendo? — ela perguntou, intrigada, enquanto
ele as chutava para fora.
— Primeiro, eu acho que é patético que você cresceu em uma ilha e
você tenha medo da água — ele disse, levantando-se e tirando sua
jaqueta. — Em segundo lugar, eu acho que é hora de nós dois pararmos
de ter medo. — Ele estendeu a mão para ajudá-la a levantar da areia. —
Eu vou ensiná-la a nadar.
— Agora? Espera — ela esquivou-se, puxando seu braço. — Eu não
acho que posso fazer isso.
— Claro que você pode. — Ele sorriu para ela — de volta para o seu
jeito doce e brincalhão novamente. — Agora, tire suas roupas.
Helen riu, mas quando ele tirou a camisa e ela viu as cicatrizes no
seu peito, sua risada morreu. Depois de um breve momento ela ajustou
sua mente e ficou de pé. — Por que não? — ela disse, chutando os sapatos
e puxando sua blusa sobre a cabeça. — Eu matei um maldito Myrmidon.
Quão ruim pode ser um tubarão?
— Essa é a minha garota — ele disse, tirando seus jeans. Helen fez
o mesmo e imediatamente começou a tremer no ar frio.
— Eu vou morrer de hipotermia lá?
— Não comigo. Essa água vai parecer como um banho quente — ele
prometeu, pegando sua mão. — Pronta?
— Eu não posso acreditar que eu estou fazendo isso! — Helen gritou
com alegria, e correram em direção ao oceano escuro. Logo antes de Helen
encontrar a primeira onda ela parou, quase arrancando o braço de Orion
de seu encaixe. Ela dançou para cima e para baixo nas pontas dos pés.
— Não. Eu não posso fazer isso! — ela gritou.
A onda se separou e passou ao seu redor e de Orion, como Moisés e
o Mar Vermelho.
— Obrigada — ela disse, sorrindo para ele com alívio. — Eu
totalmente me acovardei. — Ela percebeu que seu rosto estava congelado
e seus olhos estavam arregalados.
— Eu não fiz isso — ele disse, observando o fluxo de água indo para
trás em torno deles sem tocar sua pele. — Você está fazendo isso.
Helen parou mentalmente de empurrar a água para longe e, em vez
disso, imaginou a água tocando-a. A barreira invisível que reteve a água
entrou em colapso e uma onda veio correndo, cobrindo Helen e Orion até
a cintura. Ela olhou para Orion com uma cara de desculpas.
— Sim... então, eu esqueci de mencionar que eu meio que absorvi
alguns dos seus talentos quando nós três nos tornamos irmãos de sangue
— ela disse timidamente. — Pelo menos é isso que Lucas pensa.
— Eu diria que ele está certo — Orion respondeu, dando a Helen um
olhar engraçado.
— A única coisa que ele não descobriu foi por quê — disse Helen,
mordendo o lábio inferior. — Alguma teoria?
— Sobre por que você está bastante forte? — ele perguntou
distraidamente. — Nenhuma ideia. Mas eu tenho uma sensação que as
Moiras estão envolvidas.
— O quê? — ela perguntou com cautela. — Você está bravo comigo?
— Não. É só que eu tenho um talento que eu não desejo a ninguém
— ele disse em voz baixa. Outra onda bateu em torno deles. — Você pode
causar terremotos, Helen?
— Eu não sei. Onde você os sente? — perguntou Helen, sabendo que
ele saberia o que ela queria dizer. Ela sentia seu raio em sua barriga. Ela
sentia a gravidade profundamente dentro de suas células individuais no
menor nível e adivinhou que os terremotos tinham que ser sentidos em
algum lugar do corpo como esses outros sentidos. Orion se aproximou
dela, com o rosto sério.
— Aqui — ele disse, sacudindo as mãos até o interior de suas coxas
nuas. — É como montar um cavalo do tamanho de um continente — ele
acrescentou, sua voz baixa. Helen colocou as mãos em seus ombros, seus
joelhos de repente fracos.
O chão tremeu.
Orion a pegou antes que suas pernas cedessem e puxou-a
firmemente contra ele. — Isso é um sim — ele sussurrou.
Helen passou os dedos através da cicatriz em seu peito, e depois
espalhou a palma da mão para tocar tanto dele quanto podia ao mesmo
tempo. Ele abaixou a cabeça e beijou-a, puxando-a para baixo com ele
sob a próxima onda que se aproximava.
Helen não teve a chance de surtar sobre ser submersa — ela estava
muito atenta em retribuir o beijo. Ela nem percebeu que ela estava
respirando a água como se fosse ar quando ela deslizou as mãos em seus
ombros e na parte de trás do seu pescoço. A única coisa que ela conseguia
pensar era o quão incrível Orion era. Incrível. Mas não certo.
Orion se afastou de repente. Helen abriu os olhos e viu claramente
o olhar triste no rosto dele mesmo que a água estivesse escura. Ela sabia
que estava fazendo uma confusão de coisas. Sua única chance de ser feliz
com outro cara — um cara que era praticamente perfeito — e ela estava
absolutamente prejudicando-a. Ela estendeu a mão para ele de novo,
esperando desesperadamente empurrar para o passado sua fixação
ridícula por Lucas. Se ela ficasse com Orion, realmente ficasse com ele
esta noite, ela esperava que talvez ela fosse capaz de deixar Lucas para
trás.
Orion se esquivou de seu abraço, sua mandíbula rígida. Ele tomou
sua mão com firmeza e andou para a superfície, arrastando-a atrás dele.
Eles tinham afundado mais profundo e derivado para mais longe do
que Helen pensou. Ela percebeu que ela podia ser capaz de controlar o
oceano agora, mas ela ainda não sabia nadar. Não importava. Em poucos
golpes poderosos Orion levou os dois de volta à costa. Ele não disse uma
palavra no caminho. Assim que eles estavam na areia, ele deixou cair sua
mão e voltou diretamente até a praia para onde haviam deixado suas
roupas.
— Orion. Eu sinto muito, ok? — Helen gritou, arrastando-se atrás
dele. Ele nem sequer abrandou. Ela correu para acompanhá-lo, mas ele
foi mais rápido. — Você pode apenas esperar?
— Por quê? — ele disse, girando ao redor. — Você e eu vamos ser
diferentes daqui a cinco minutos, ou daqui a cinco anos, por acaso? Eu
poderia esperar toda a minha vida por você, e você ainda estaria
apaixonada por Lucas.
— Mas eu também te amo — Helen gaguejou.
— Eu sei que você me ama — ele disse pesadamente. — Mas não
como você o ama. — Orion sentou-se na areia. Helen estava sobre ele,
torcendo as mãos aflitamente.
— Talvez não seja o mesmo, mas isso não significa que,
eventualmente... — Helen parou.
Não haveria “eventualmente” e Helen sabia disso. Mesmo depois que
ela tocou a água do rio Lete e não conseguia se lembrar de seu próprio
nome, ela ainda se lembrava de Lucas. Ela nunca o superaria. Lucas era
feito para ela.
Orion a puxou para baixo ao lado dele e suspirou. — Meus pais são
como você e Lucas, sabe. Eles se amam mais do que amam qualquer um
ou qualquer outra coisa no mundo... mais do que eles me amam. Toda a
minha vida eu quis saber como é ser amado assim. Ser amado mais. —
Ele olhou para Helen nos olhos, seu olhar intenso e magoado. — Eu sei
que você me ama, Helen. Mas não mereço ser a primeira escolha de
alguém para variar?
Lágrimas ardiam nos olhos de Helen. O olhar no rosto de Orion era
exatamente como o que ela tinha visto no rosto de Eneias quando sua
mãe escolheu a outra Helen ao invés dele. Toda a sua vida, em cada vida
que ele tinha vivido, Orion tinha sido a segunda opção de alguém.
— Eu não consigo pensar em ninguém no mundo que merece ser
amado, mais amado, do que você — Helen disse, com a voz embargada.
— Eu pensei que estar com você poderia me fazer esquecê-lo. Mas isso é
apenas uma maneira agradável de dizer que eu estava usando você. —
Ela inclinou a cabeça. — Eu sinto muito.
Orion colocou o braço por cima do ombro dela e puxou-a para perto
dele. — Ei, fui eu quem beijou você. Eu me coloquei nessa situação. E eu
deveria saber melhor das coisas.
— Mas eu quero te amar mais — ela disse lentamente, com medo de
continuar. Ela se preparou e se afastou para encontrar seus olhos. —
Você poderia me fazer te amar mais, não poderia?
— Sim — ele sussurrou. — Até a próxima vez que você ver Lucas.
Mas você já sabe disso. Você não apenas se apaixona por ele uma vez.
Você se apaixona por ele toda vez que você olha para ele.
— Então eu vou ficar longe dele. Para sempre.
Ele desviou o olhar e mordeu o lábio inferior, debatendo isso. — Mas
eu sempre vou saber — ele sussurrou. — Eu sempre vou saber que eu te
forcei a me amar, e que não é real. Eu acho que eu prefiro não ser amado
do que saber disso.
Helen assentiu com a cabeça, olhando para as mãos sem vê-las. Ela
colocou os braços em volta do peito e deixou as lágrimas virem... por
Orion, por si mesma, e por Lucas, mas principalmente porque ela estava
tão cansada de tudo isso. Ela tinha poder sobre as forças mais magníficas
na Terra, mas ela ainda não sentia como se ela tivesse poder sobre a coisa
mais importante de tudo, seu próprio coração.
Orion deitou na areia e puxou-a para baixo em cima dele. Ele baniu
a água de sua pele e cabelos para que eles ficassem imediatamente secos,
e olhou para as estrelas enquanto Helen chorava algumas lágrimas
frustradas. Quando ela se acalmou, ele empilhou suas roupas
descartadas sobre eles, ainda segurando-a em cima dele para mantê-la
fora da areia fria. Ela estava cansada demais para pensar direito.
— Então somos amigos? — ele perguntou depois de um longo
silêncio.
— Não parece o suficiente, não é? — ela disse enquanto o sono
rapidamente vinha e começava a paralisá-la. — Somos mais do que
amigos. Nós somos irmãos. Irmãos de sangue.
Seu peito estremeceu com uma risadinha sob sua bochecha, e ela
sentiu ele sussurrar “irmãos” para si mesmo quando ele adormeceu.
A última coisa que Helen pensou antes dela adormecer depois dele
foi que ela tinha dormido em uma praia como esta antes com outro rapaz.
Mas desta vez não havia nenhum buraco em forma de Helen para ela
caber dentro.

***
— Tio? — Helen gritou.
— Eu estou aqui, sobrinha — Hades respondeu gentilmente. Helen
virou-se e encontrou-o caminhando até a praia infinita no Mundo Inferior
— a que não levava a um oceano.
Ela sorriu timidamente para ele quando ele se juntou a ela. —
Obrigada por ter vindo. Eu tenho um monte de perguntas. — Sua voz
estava tremendo com a incerteza. — Quando eu estou sentada em frente
de mim mesma, e as outras pessoas estão me chamando de nomes como
“Guinevere”, eu estou tendo uma memória, não um sonho, certo?
— Correto.
— Como?
O elmo escuro de Hades brilhou. — Os mortos têm escolhas. Eles
não têm que ficar no Mundo Inferior para sempre se não quiserem. Mas,
a fim de sair, eles devem lavar as memórias no rio Lete, antes que eles
possam renascer.
— E quando eu toquei algumas gotas daquela água do rio? — ela
perguntou, seguindo um palpite.
— Experiências de vida nunca são aniquiladas. O rio se lembra. Sua
alma chamou essas memórias na água, e elas se juntaram a você nesta
vida. É raro, mas acontece às vezes — ele disse, e, em seguida, virou a
cabeça encoberta para longe. — Por que você não se veste?
— Oh. Certo — ela disse. Envergonhada, ela cruzou os braços sobre
o sutiã de renda. — Eu não sei como.
— Sim, você sabe. Pense, Helen.
— Eu quero estar vestindo roupas quentes e limpas — ela disse
distintamente. Helen imaginou uma roupa robusta e completa com as
galochas forradas que ela normalmente usava no Mundo Inferior, e ela
apareceu instantaneamente em seu corpo. Helen levantou os olhos para
o lugar por trás das sombras, onde ela adivinhou que os olhos de Hades
seriam. — Ok, primeira pergunta. Como posso fazer isso? Como posso
controlar o Mundo Inferior?
— Porque você tem um talento em comum comigo, com Morfeu e
Zeus, para citar alguns — ele disse com firmeza. — Cada um de nós pode
criar um mundo. Eu criei Hades. Morfeu criou a terra das sombras. As
Fúrias criaram as terras áridas. Zeus criou o Olimpo, e Tártaro criou o
Tártaro eras antes de qualquer um de nós existir. E Tártaro deixou os
limites das suas terras abertas para todos aqueles que compartilham este
poder, embora nenhum de nós a tenha visto.
— Mas o que isso tem a ver comigo? — Helen deixou escapar,
sentindo como se isso fosse além da sua capacidade de entendimento. —
Eu nunca fiz nada. Eu nunca nem estive no quadro de honra.
— Você não fez nada ainda. Mas você vai se você escolher — ele disse
com uma pequena risada que era assustadoramente familiar. —
Houveram outros Descendentes com este talento antes. Você os chama
de Aqueles que Descem, mas esse não é o nome correto, na verdade, uma
vez que só descreve o subsídio que eu fiz para os Descendentes de seu
tipo serem capazes de vir a mim para obter ajuda. O tipo de ajuda que
posso oferecer, de qualquer forma — ele disse, sua voz carregada de
arrependimento. — Até agora, eu falhei com todos vocês.
— Meu tipo? — As palmas de Helen começaram a suar. — Que tipo
eu sou?
— Você é uma Construtora de Mundos, Helen. Você tem o poder
para esculpir uma terra para quem você quiser que entre nela. Um
mundo seu que permanece inteiramente por suas regras. Com juventude
eterna. Atendimento de pedidos. Ou testes eternos e sofrimento... o que
você achar que servir melhor.
Um silêncio envolveu em torno deles quando Helen absorveu isso.
— Mas... isso é... simplesmente... terrível! — ela gaguejou, o ar
saindo de seus pulmões por um momento. — Você viu minhas
modelagens de cerâmica? Eu não posso “esculpir” um mundo novo... isso
seria um desastre! Você não pode encontrar alguém que possa, pelo
menos, desenhar ou algo assim?
— Eu sinto muito, Helen, mas as Moiras não distribuem esse talento
em particular muitas vezes. — Hades sorriu antes de ele ficar sério
novamente. — Na verdade, houve apenas dois Descendentes antes de
você que aprenderam a usar o talento bem o suficiente para criar suas
próprias terras, e mesmo assim esses mundos duraram apenas um curto
período de tempo.
— Quem eram eles?
— Morgan e Atlanta. Um criou Avalon e o outro Atlântida. Ambos os
mundos dissolveram nas névoas ou sob as ondas quando seus criadores
foram derrotados, mas Descendentes lembram daquelas terras até hoje.
Especialmente Atlântida. Eles ainda morrem por ela.
— Espera. Você está dizendo que Atlântida não existe?
— Não mais. Cada Construtor de Mundo deve ser capaz de defender
suas terras contra qualquer adversário. Morgan e Atlanta ambos
perderam.
Helen ajeitou-se na areia úmida, com a cabeça entre as mãos. Ela
tinha em seus ombros uma grande responsabilidade porque ela não tinha
outra escolha, mas isso estava além dela.
— Não — ela disse, balançando a cabeça. — Eu não posso fazer isso.
Eu fiz um monte de coisas, mas isso é demais.
— E o que é isso? — perguntou Hades. — O que você não pode fazer?
Helen levantou a cabeça e olhou para Hades com olhos brancos e
desesperados. — Eu não posso voltar para o resto dos Descendentes e
dizer-lhes que todo este assassinato que eles estão cometendo para que
eles possam chegar a Atlântida têm sido para nada! — A voz dela assumiu
uma borda histérica. — E quanto a toda essa baboseira do Oráculo sobre
a existência de apenas uma Casa faltando, e que “Uma Casa” é a chave
para a Atlântida? Eles foram matando uns aos outros por décadas, e você
quer que eu volte para eles e diga que era tudo uma mentira, que não há
Atlântida? Eu não posso fazer isso!
— Não é uma mentira. Apenas uma má interpretação da profecia —
Hades disse calmamente. Ela olhou para ele, paralisada com o choque.
— Isso não é bom o suficiente — ela respondeu com uma voz
surpreendentemente nivelada. — Você precisa me dizer mais.
Ele se sentou ao lado dela na areia, perto o suficiente para que as
sombras se separassem um pouco para que ela pudesse ver o verde
brilhante de seus olhos e uma marca de beleza familiar que pairava como
uma lágrima alta e escura na inclinação de uma de suas maçãs do rosto
perfeita.
— A profecia foi cumprida. As casas são uma, Helen. — Hades tomou
suas mãos entre as suas, embalando-as em calor. — Você vai levantar
Atlântida, ou Avalon, ou Helena — o que quer que você queira chamar —
e uma vez que seu mundo estiver feito você pode decidir quem pode
entrar, quem deve ficar ou ir, e o que cada habitante vivenciará em sua
terra. Realmente tudo depende de você.
— Isso é demais para uma pessoa — disse Helen, balançando a
cabeça como se ela pudesse manter sua responsabilidade acuada ao
rejeitar com veemência suficiente. — É muito poder.
Hades empurrou para trás o capuz cobrindo a cabeça, retirou o Elmo
da Escuridão, e baniu as sombras que se agarravam a ele. Olhando para
Helen estava um cara que ela conhecia e amava muito.
— Haverá muitos Descendentes que concordarão com essa
afirmação. Muitos seres, tanto mortais e imortais não vão parar até
impedi-la de reivindicar o seu verdadeiro poder. — Os olhos verdes e
brilhantes de Hades foram controlados pela tristeza. — Se você construir
um mundo, muitas forças vão tentar destruí-lo. Você e seus
Descendentes aliados terão que lutar para defendê-lo, e muitos de vocês
podem morrer, assim como os deuses querem.
— Então eu não vou construir um mundo.
Hades pegou a mão dela. — As Moiras irão certificar-se que você não
tenha escolha.
— Não — disse Helen, sacudindo a cabeça teimosamente. — Eu me
recuso a acreditar que três anciãs gerenciam a minha vida. Eu não vou
construir um mundo se o custo é que os meus amigos e família devam ir
à guerra. Se eu nunca construir o meu próprio mundo, os deuses não
vão nos desafiar e ninguém terá que lutar.
— Você é corajosa e compassiva, como uma Construtora de Mundos
deveria ser, e estou muito orgulhoso de você. Mas a guerra está chegando
as suas terras, sobrinha — Hades disse com tristeza. — Você, como sua
xará antes de você, deve decidir como enfrentá-la.
CAPÍTULO 7
Traduzido por I&E BookStore

O chilrear estridente de um celular separou as pálpebras relutantes


de Helen. Ainda estava escuro lá fora, e a madrugada estava longe
de acabar. Debaixo dela, Orion sacudiu-se acordando e estendeu a mão
para seu jeans que estava jogado nas costas de Helen como um xale. Com
seus dedos trêmulos de frio e sonolência, ele finalmente conseguiu pegar
seu celular do bolso e atender antes que parasse de tocar.
— Lô? — ele resmungou, sua voz ainda meio adormecida. — Ei, cara.
Sim, ela está segura. Ela está aqui comigo.
Helen centrou a sua audição para que ela pudesse ouvir.
— Oh. Ótimo — Lucas disse sobre o telefone em um tom pesado. —
Vocês dois podem voltar para a minha casa? Cassandra está prestes a
fazer uma profecia. Ela está chamando por você especificamente, Orion.
Eu não queria interromper nada.
Os olhos de Helen encontraram os de Orion quando eles se
alargaram em entendimento.
— Nós estamos a caminho agora. Lucas, espere... — disse Orion,
mas já era tarde demais. Lucas tinha desligado. Orion deu a Helen um
olhar tímido. — Sinto muito por isso.
— Por quê? Talvez seja melhor se ele achar que dormimos juntos.
Talvez ele... — ela parou quando viu o olhar de dúvida no rosto de Orion.
— Ele não vai superar você, Helen. Não importa com quantos
homens você passe a noite.
Helen assentiu com a cabeça, aceitando isso. Orion olhou para
Helen e mudou de assunto.
— Onde você conseguiu as roupas? — ele perguntou.
— Eu meio que as criei no Mundo Inferior.
— Quanto tempo você ficou lá em baixo? — ele perguntou,
começando a ficar preocupado. — O que aconteceu?
Helen debateu sobre dizer a Orion tudo o que Hades disse a ela. Mas
depois da noite que eles tinham acabado de ter, como ela deveria dizer a
Orion que sua mãe tinha lutado em uma guerra que a levou à loucura
por causa de uma profecia mal-entendida sobre um lugar que nem sequer
existia mais? Ela não sabia se algum dia seria capaz de lhe dizer isso. Em
vez disso, ela apenas deu de ombros.
— Deixe-me adivinhar — ele disse, virando-se para que ele pudesse
agitar a areia para fora da calça jeans. — É mais uma longa história. Você
vai ter que começar a me contar algumas dessas histórias longas de vocês
em algum momento, você sabe.
— Eu sei — disse Helen quando ela se levantou e limpou-se. — Eu
só preciso de algum tempo para entender tudo isso em primeiro lugar.
Helen sabia que Orion podia ver a confusão que rodava em torno
dentro dela, mas ele não a pressionou para confiar nele. Em vez disso,
ele se vestiu e, em seguida, virou-se para ela com seus braços estendidos.
— Posso pegar uma carona? — ele perguntou com um sorriso
insolente. Helen colocou os braços ao redor dele e levou-os para o ar,
rindo quando ela fez isso. Incentivado por seu riso, Orion continuou
brincando. — Piloto? Há bebidas neste voo? Acho que tenho uma
identidade falsa aqui em algum lugar.
— Uma identidade falsa? Por que eu iria servi-lo se você acabou de
admitir que você é menor de idade?
— Então há bebidas — ele persistiu em um tom de zombaria-sério.
— Eu não estou surpreso. Olhe para todos os bolsos que você conjurou
para si mesma. — Ele começou a revistar Helen, humoristicamente
enfiando as mãos em suas calças de carga e escavando em torno de sua
jaqueta como se a segurança da nação dependesse disso. — De todas as
vestimentas do mundo que você poderia ter imaginado para si mesma
você escolhe algo que eu poderia revistar. Nunca soube que você tinha
um fetiche por roupas L. L. Bean.
— Eu estava com frio! — ela disse, quase gritando com o riso.
— Frio, e aparentemente predisposta a escolher flanela ao invés de
pele.
— O que posso dizer? Eu sou da Nova Inglaterra. Nós gostamos de
flanela.
Neste ponto, eles estavam pairando sobre o quintal dos Delos, e
Helen teve que forçar-se a parar de rir para que ela pudesse se concentrar
no desembarque. Novamente séria, ela balançou seus pés sob eles.
— Oooh. Botas de borracha. Muito sexy — disse Orion. Helen perdeu
a seriedade novamente no último segundo, e eles caíram no chão em um
amontoado pateta.
— Vocês estão bem? — Matt gritou com uma voz preocupada.
— Não, estamos bem. Nós estamos ótimos — Helen gritou de volta
para Matt, que estava de pé atrás da porta de seu carro novo, o motor e
os faróis ainda ligados, como se ele tivesse saltado do banco do motorista
a um segundo atrás.
Helen tentou desembaraçar-se de Orion e parecer apresentável, mas
ele continuou agarrando-a pelos joelhos e tornozelos, para que ela não
pudesse levantar.
— Então foi isso que aconteceu com as bebidas do voo — disse Orion
reflexivamente quando ele inclinou sobre Helen pela terceira vez. — A
piloto bebeu todas elas. Que beberrona você é, Hamilton.
Helen tentou alegar sua inocência, mas já que ela não conseguia
recuperar o fôlego ela não disse nenhuma frase coerente em sua própria
defesa.
— Vocês dois já terminaram? — perguntou Matt. — Quantos anos
vocês têm, nove?
Helen e Orion pararam de brincar e se ajeitaram. — Ariadne chamou
você? — Helen perguntou a Matt.
— Hector que chamou — ele respondeu, ajudando Helen a levantar.
— Onde está Claire? — ela perguntou.
— Trancada em seu quarto. Sua avó não iria deixá-la sair de casa a
esta hora — ele respondeu com uma risada. — Alguma ideia do que
Cassandra previu?
— Ela chamou Orion. Isso é tudo que sabemos — disse Helen. Os
três fizeram o seu caminho para a garagem e a porta lateral que dava
para a cozinha.
— Hum — Matt disse, olhando para Orion com uma testa enrugada.
— Hector mencionou algo sobre o Tirano.
Helen sentiu Orion endurecer e olhou para seu peito, tentando ler
seus sentimentos. Ele estava rolando-os rápido demais para Helen
discernir qualquer sentimento do que viu, mas ela podia dizer pelo jeito
que ele apertou os lábios que ele estava preparando-se para algum tipo
de luta.
Helen decidiu então que se alguém tentasse dizer algo negativo sobre
Orion, ela iria embora. Toda a sua vida ele tinha sido tratado como um
mau presságio, e ele nunca tinha feito nada para merecê-lo. As palavras
nascido da amargura brotaram na mente de Helen quando ela recordou
alguns dos critérios para o Tirano. Depois do que ela tinha visto em Terra
Nova, Helen sabia bem que a descrição se encaixava, mas ainda não
tornava Orion um Tirano.
O único erro de Orion foi nascer dos pais errados com o talento
errado. Mas, aparentemente, isso era o suficiente para fazer com que
todos fugissem dele. E por que? Por outra profecia enganosa, como
aquela sobre Atlântida? Não havia nenhuma maneira de Orion ser esse
monstro Tirano, e Helen tinha intenção de dizer isso.
Antes mesmo de entrar, Helen podia ouvir o assombro, as múltiplas
vozes em coro das Moiras falando através de Cassandra. Enquanto
caminhava pela porta da cozinha uma gritaria horrível começou. Três
vozes estavam entrelaçadas em uma, e Matt, Helen e Orion correram em
direção a fonte delas — a biblioteca onde Castor e Pallas tinham seu
escritório conjunto. Em meio segundo, os três estavam na porta.
— Nêmesis enviou seu receptáculo para nos cegar! A escuridão vem!
— lamentou o coro das Moiras, as suas vozes cheias de medo. — Ele deve
ser morto, ou tudo será destruído!
Orion, Matt e Helen irromperam pela porta para encontrar a família
Delos reunida e olhando para cima. Cassandra estava pendurada no ar,
brilhando um roxo, verde e azul com a aura de três-partes das Três
Moiras. Ela estava se debatendo e uivando de dor enquanto as Moiras
abriam caminho através dela e a obrigavam a ser sua mensageira.
Cassandra, com seu rosto enrugado com a idade extrema, levantou a mão
em garra e apontada diretamente para Orion.
— Matem-no! — uma das Moiras gritou pela boca de Cassandra.
— Ele vai estragar tudo! — outra voz disse enquanto o rosto de
Cassandra borbulhava e se rearranjava em outra mulher velha.
— Por que ele ainda vive? Ele deveria ter sido morto como um bebê!
— disse a terceira Moira raivosamente.
Por um momento, Cassandra tomou o controle de seu corpo para
longe de suas algozes. — Não! — disse ela com força. — Vão embora!
— Você é NOSSA! — todas as três Moiras gritaram. — Você não vai
nos desobedecer!
Cassandra começou a arranhar-se com as unhas, deixando vergões
sangrentos e longos em sua pele. Seu rosto era uma máscara de medo,
mas seus dedos continuavam cavando. As Moiras controlavam suas
mãos, mas o resto dela estava ciente da punição que suas mãos
possuídas estavam infligindo sobre ela. Helen deu um passo involuntário
para trás em repulsa e percebeu que todo mundo na sala tinha feito o
mesmo. Com exceção de Orion.
— Chega! — ele ordenou, caminhando para a frente até que ele
estava sob Cassandra. — Deixem ela em paz.
As Moiras gritaram, e em uma rajada de vento estranha e um
alargamento de roxo, verde e azul, elas abandonaram Cassandra,
deixando-a cair do ar. Orion a pegou antes que ela pudesse bater no chão
e segurou-a nos braços. Ela escondeu o rosto em seu peito e começou a
soluçar.
— Está tudo bem agora. Shhh — ele disse suavemente. Ele levou-a
para o sofá e sentou-se, segurando-a no colo. Ele olhou em volta para
todos na sala acusadoramente. — Vocês todos ficaram aí e deixaram que
aquelas bruxas fizessem isso com ela? — ele perguntou, com os olhos em
direção a Castor.
— Não é nada disso — disse Jason, balançando a cabeça. — Nós já
tentamos de tudo.
— Toda vez que tentei pará-las, elas apenas a machucavam mais —
disse Lucas.
Orion olhou para Lucas, e seu olhar zangado se suavizou. Ele
balançou a cabeça em tom de desculpa, aceitando que ele pode ter sido
muito rápido para julgar.
— Então, por que elas saem quando Orion manda? — perguntou
Pallas. Seus olhos se estreitaram com desconfiança para Orion. — Por
que as Moiras têm tanto medo de você?
— Talvez porque eu não tenho medo delas — rebateu Orion
defensivamente.
Helen retesou-se para uma luta e sentiu Lucas e Hector ficarem em
alerta com ela, todos os três prontos para argumentar a favor de Orion.
— As Moiras temem Orion porque eles não podem ver através dele.
Algo sobre a irmã delas, uma mulher bonita com um véu sobre seus
olhos. Ela encobre seus olhos quando ele se aproxima — Cassandra disse
cansada, encerrando a luta antes que ela pudesse começar. Ela respirou
soluçando e ajeitou-se nos braços de Orion e olhou para ele. — Você é
como uma parede em branco para elas. Ou um beco sem saída. — Ela
passou a mão em seu rosto. — Eu não sei exatamente o que elas pensam.
Tudo que eu vejo são vislumbres aqui e ali. Mas eu sei que sempre que
você é parte da equação, elas não podem ver a resposta.
— É por isso que você não podia ver o meu futuro? — Helen
perguntou a Cassandra. — Quando eu comecei a encontrar Orion no
Mundo Inferior e passar um monte de tempo com ele, você disse que não
podia mais ver o meu futuro.
Cassandra inclinou a cabeça para o lado, considerando isso. — Eu
suponho que poderia ser isso. As Moiras não vão me dizer nada sobre
Orion. Elas odeiam quando eu sequer penso nele.
— Ótimo — disse Orion. — Eu nunca gostei das Moiras. — Ele sorriu
para o rosto de Cassandra, como se ele tivesse acabado de perceber algo.
— Então, é por isso que você está sempre me seguindo ao redor da casa?
Ela sorriu e acenou com a cabeça timidamente. — Eu posso relaxar
quando você está por perto porque eu sei que elas não virão.
Helen olhou para Castor, Lucas e Hector, que estavam todos
compartilhando olhares conturbados. Seus corações estavam cheios de
nevoeiros confusos, como se eles não tivessem ideia de como eles
deveriam se sentir sobre o que acabaram de ouvir. Helen desejou que
tivesse estado lá mais cedo. Ela queria ouvir esta nova e revisada profecia
do Tirano, de preferência antes de Orion.
— E você não tem medo de mim? — Cassandra perguntou a Orion
com cautela. Ele sorriu.
— Já esteve na Tailândia? — ele perguntou. Ela balançou a cabeça
lentamente, confusa com a sua pergunta inesperada. — Vamos apenas
dizer que eu comi refeições que são mais assustadoras do que você.
Maiores do que você, também. — Cassandra riu, mas a exaustão a atingiu
e ela começou a bocejar. — Sim, eu tenho esse efeito em muitas pessoas
— ele disse, fazendo-a rir novamente através de seu bocejo. Orion
levantou-se com Cassandra em seus braços. — Ok. Eu acho que é sua
hora de dormir, Kitty.
— Você vai ficar comigo até eu dormir? — ela perguntou, agarrando-
o pelo braço.
— Claro.
Em seu caminho para fora da porta, Orion deu a Helen um olhar
significativo. Ela assentiu com a cabeça em resposta para deixá-lo saber
que ela o informaria de qualquer coisa que ele perdesse enquanto ele
cuidava de Cassandra. Assim que ele estava fora da sala, várias pessoas
começaram a falar ao mesmo tempo.
— Eu não posso acreditar que as Moiras foram embora desse jeito
— Ariadne arfou para seu irmão gêmeo.
— Parecia que elas iam matá-la desta vez — disse Jason de volta.
— É pior do que pensávamos — disse Pallas urgentemente para
Castor, silenciando todas as outras conversas paralelas. — Se Orion fica,
somos cegos. Pelo menos com o Oráculo temos uma vantagem sobre os
deuses. Uma pequena, mas melhor do que nada.
— Eu sei — respondeu Castor, seu rosto apertado com tensão.
— Ele é um bom homem. Qualquer um pode ver isso — Pallas
persistiu. — Mas bom ou não, ele é muito perigoso. Ele não pode ficar
com a gente.
— Não. Vocês não podem enviar Orion para longe — disse Lucas, em
voz baixa, seus olhos espetando seu pai. Todos os olhos voaram para
Lucas, surpresos que ele de todas as pessoas iria defender Orion. O rosto
de Lucas estava impassível. — Ele salvou minha vida e a de Helen. Nós
somos irmãos de sangue agora.
— Eu concordo — disse Hector uniformemente. — Orion tem lutado
ao nosso lado. Ele é uma parte da nossa família — ele continuou,
apontando para Lucas e Helen.
— Só porque alguém lutou ao lado de você não faz dele uma parte
desta família — disse Pallas ao seu filho em uma voz elevada e frustrada.
— Você recorre muito a sua honra para fazer suas escolhas por você,
Hector!
Hector desviou do olhar intenso de seu pai, recuando. Ele era muito
respeitoso para ir contra seu pai, mesmo se Pallas estivesse errado. Isso
irritou Helen.
— Isso não é sobre honra ou sobre Orion — Helen disse
amargamente. Ela deu um passo para Pallas e sentiu Lucas, Hector e
Jason ficarem em posição atrás dela. — Trata-se de Cassandra. Você está
com muito medo de encarar o futuro sem alguém para dizer-lhe o que
fazer. Você prefere deixá-la sofrer do que ter a dúvida do que está por vir.
Toda essa conversa sobre Orion ser perigoso é uma desculpa para que
você possa manter o seu Oráculo e não se sentir muito culpado sobre o
que isso faz com a sua própria sobrinha.
Pallas deu um passo em direção a Helen, seus lábios se curvando
em um rosnado. Destemida, Helen deu um passo para Pallas e inclinou
o queixo para ele, provocando-o a avançar. Para Helen, essa luta já estava
para acontecer a um bom tempo. Desde o primeiro momento que Pallas
tinha posto os olhos em Helen, tudo que ele via era Daphne. Depois de
tantos anos culpando Daphne pelo assassinato de seu irmão, ele não
poderia deixar para lá. Pallas sempre olhou para Helen como se a
qualquer momento ela fosse trair a família Delos, e ela já tinha tido o
suficiente disso.
— E você acha o mesmo de mim, Helen? Que eu deixaria minha filha
passar por essa tortura para que eu pudesse... o que? Me sentir melhor
sobre o amanhã? — Castor disse baixinho quando ele andou entre Helen
e Pallas. Helen sentiu Lucas colocar a mão na parte inferior das suas
costas, e ela abrandou.
— Não — ela admitiu, deixando cair seu olhar. — Eu não acho isso
de você, Castor.
— A saúde de Cassandra sempre foi uma das minhas maiores
preocupações. Mas o problema real para a nossa espécie é o Tirano. Ele
sempre foi — Castor continuou, dirigindo-se ao grupo. — Eu sei como
vocês se sentem sobre Orion, e eu acho que esses sentimentos os
impediram de ver a verdade.
— Isso de novo não! — Helen bufou. — Orion não é o maldito Tirano,
ok?
— Espere, Helen — disse Matt levantando a mão. — Nós não temos
todos os fatos ainda. — Ele se virou para Castor. — O que o Oráculo disse
sobre o Tirano antes de chegarmos aqui? Alguém anotou palavra por
palavra?
— Eu anotei — disse Ariadne por trás da mesa de seu pai. Em toda
a comoção, Helen ainda não tinha notado ela lá, rabiscando. — Eu gravei
a maior parte no meu celular, também. Mas eu não quero ouvir isso de
novo. Você quer?
Matt balançou a cabeça. Ele estendeu a mão para as páginas de
Ariadne, e ela as entregou. Helen leu junto por cima do ombro de Matt
enquanto Ariadne explicava.
— Ela repetiu esta primeira frase cerca de cem vezes, é por isso que
eu adicionei os pontos depois. Eu acho que Cassandra estava tentando
combatê-las durante o tempo que pudesse. — Ariadne baixou os olhos
por um momento, se recompôs, e então apontou para as notas com
firmeza. — Eu fiz um recuo cada vez que uma nova voz assumia. E no
final eu destaquei em azul as palavras que todas elas falaram juntas.

O Tirano ergue-se...
O Grande Ciclo, adiado por três mil e trezentos anos, está quase
completo.
O sangue das Quatro Casas foi misturado e todos do Olimpo estão
contidos em um.
A hora chegou. As crianças devem derrubar os pais, ou serem
devoradas por eles.
O Herói
O Amante
O Escudo
O Tirano — tomaram o palco.
O Guerreiro espera nos bastidores, o último a se juntar à batalha.
O Tirano se levantará com poder ilimitado. Em uma escolha o destino
de todos será decidido.
Nêmesis enviou seu receptáculo para nos cegar! Escuridão! A
escuridão vem! Ele deve ser morto ou tudo será destruído!

Helen e Matt pararam de ler neste momento e olharam um para o


outro, com as sobrancelhas franzidas. Essa última frase ambos já tinham
ouvido quando eles vieram para a biblioteca com Orion. “Receptáculo de
Nêmesis” e “A escuridão vem” soou ameaçador para Helen. Se as Moiras
estivessem falando sobre Orion, suas descrições dele certamente não
ajudavam muito a situação dele.
— Esta Nêmesis é uma deusa malvada ou algo assim? — Helen
perguntou a Matt baixinho, confiando que ele tinha estudado mais do
que ela, como de costume.
— Não, ela não é má. E ela é mais velha do que os deuses — Matt
respondeu. — Ela é uma filha de Nyx, como as Moiras.
— Então, Nêmesis é provavelmente a irmã com o véu que Cassandra
estava falando? — Helen perguntou esperançosamente, olhando ao redor.
— É possível — respondeu Castor.
— E esta foi a única vez que todas as três Moiras falaram juntas?
Esta última frase? — Matt perguntou a Ariadne urgentemente.
— Sim. Elas ficaram muito agitadas — ela respondeu.
— Isso foi quando nós caminhamos para a cozinha — disse Helen,
pegando o papel de Matt. — Toda essa parte sobre Nêmesis e escuridão
poderia ser apenas porque elas não podiam ver mais, porque Orion
entrou.
— Orion poderia ter estado bloqueando sua profecia — Matt
continuou, otimista.
— Então, é claro, as Moiras iriam querer vê-lo morto. Elas estão
tentando matá-lo desde antes de ele nascer. Mesmo antes disso, na
verdade. — Helen parou e reiniciou, tentando explicar. — As Moiras têm
Orion como alvo desde Troia porque ele conseguiu sair vivo quando ele
era Eneias. Ele escapou do seu destino. A única maneira de Eneias poder
ter feito isso é se Nêmesis estivesse protegendo ele, também.
Helen viu rostos confusos e preocupados onde quer que olhasse. Ela
esfregou os olhos, sabendo que ela estava tornando isso uma bagunça e
que ela provavelmente estava prejudicando as chances de Orion mais do
que ajudando-o. Ela olhou para Lucas suplicantemente.
— Eu estou mentindo? — ela perguntou a ele, clamando pelas suas
habilidades de Detector de Mentiras.
— Não — respondeu Lucas imediatamente. — Ela não está
mentindo.
— Oh, é claro — Pallas disse quando ele ergueu as mãos em
exasperação. — Bem, é óbvio qual o papel que as Moiras deram a você,
Lucas. Você é o amante. Você faria qualquer coisa por Helen.
— Sim, eu faria — Lucas admitiu com honestidade brutal. — Mas
ela ainda está dizendo a verdade.
— O que ela sabe disso — Castor disse em uma voz isolada. — Sinto
muito, meu filho, mas só porque Helen acha que algo é verdadeiro não
significa que seja a verdade. — O tom de Castor não foi conflituoso. Ele
estava apenas tornando-os conscientes de uma brecha que ele
obviamente passou um longo tempo considerando.
Um fantasma de um pensamento passou através da mente de Helen
— uma pequena dúvida sobre algo que era importante, mas apenas fora
do alcance.
— Não é só isso. Orion não pode ser o Tirano porque ele é o Escudo
— disse Lucas, desviando a objeção de seu pai. — Quando Cassandra fez
a profecia sobre Helen ser Aquela que Desce, ela disse que Helen iria
descer ao Mundo Inferior com seu Escudo.
— Com certeza — disse Matt equitativamente, como se ele já tivesse
pensado nisso. — Mas você também encontrou um caminho para o
Mundo Inferior, Lucas. E você foi lá para proteger Helen, para ser escudo
dela.
— Ok, mas eu não a ajudei a libertar as Fúrias — Lucas rebateu,
recordando as palavras da profecia.
— Sim, você ajudou — disse Helen timidamente, odiando ir contra
Lucas sobre isso. — Eu estava banida do Mundo Inferior até que você me
deu o óbolo. E então você me ajudou a descobrir qual o rio que
precisávamos.
— Sim, mas Orion era o único que estava realmente lá com você
quando você as libertou.
— Luke — Hector interrompeu suavemente. — Você tem que admitir
que o argumento de Matt levanta a possibilidade de que haja mais de
uma interpretação da profecia.
— Há sempre mais de uma interpretação — Orion disse da porta.
Todo mundo se virou para olhar para ele quando ele voltou para a
biblioteca. — Encarem isso. As Moiras falam em enigmas porque elas não
sabem o que diabos elas estão falando. Se soubessem, elas diriam algo
simples como “Orion é o Tirano e ele quer comer o seu cérebro no café da
manhã” ou algo assim.
Os ombros de Hector começaram a saltar para cima e para baixo
com uma risada silenciosa. Lucas virou a cabeça e tentou dar uma risada
abafada também, mas ele cometeu o erro de encontrar os olhos de Jason.
— Tirano Zumbi — Jason sussurrou para Lucas, seu rosto ficando
vermelho com uma risada reprimida.
— Oba, morte — Lucas sussurrou de volta, rachando de rir.
Aparentemente, isso era algum tipo de piada interna entre os meninos
Delos porque todos os três explodiram em gargalhadas.
— Chega de bobagem — disse Pallas, caminhando com raiva para a
porta. Ele parou e se virou. — Que parte de “reduzir todas as cidades
mortais a escombros” vocês não entenderam? Todos nós já fomos
advertidos do que está em jogo aqui, e não apenas para os Descendentes.
Eu não quero ser a pessoa que estava junto e deixou um tirano pior do
que Stalin ou Hitler fugir porque ele parecia um cara tão legal quando eu
o conheci. — Ele olhou diretamente para Orion, e depois para todos os
outros. Ninguém estava mais rindo. — E vocês?

***
— Ariadne — Matt chamou calmamente pelo corredor no andar de
cima.
Ariadne parou na porta de seu quarto e olhou para ele, levantando
um dedo para sinalizar para ele esperar onde estava. Ela escutou
procurando seu pai, irmãos e primo, mas não foi necessário. Matt podia
ouvir todos os homens Delos, ele podia até mesmo sentir seus pulsos
pulsando no ar, e ele sabia que eles estavam ocupados em outro lugar.
Mas Ariadne não sabia disso, e ele não sabia como explicar isso para ela
ainda. Depois de ouvir por muito mais tempo do que Matt precisava,
Ariadne finalmente pareceu satisfeita.
— Entre — ela sussurrou, acenando para ele segui-la para seu
quarto. Ele entrou hesitantemente, de pé no meio de seu quarto enquanto
ela transferia as roupas de uma peça de mobiliário para outra, sem
sequer pensar em colocar qualquer coisa em seu armário.
Ela sempre foi uma pateta. Passei metade da guerra fazendo limpeza
por causa dela, a nova parte de Matt lembrou. Pior escrava de todas.
Matt balançou a cabeça e tentou empurrar de lado a outra
consciência que continuava aparecendo sem ser convidada, assim como
tentou suprimir o dilúvio de familiaridade e ternura que sentia em relação
a garota que ele estava olhando.
Sua cama estava a poucos passos de distância. Parte dele nunca
tinha ficado ao lado dela e outra parte dele tinha passado dez anos
dormindo ao lado dela — ela e nenhuma outra até o dia que ele morreu.
Suas mãos doíam para estender a mão e tocá-la pela primeira vez, então
ele empurrou-as nos bolsos. Ele virou a cabeça e olhou para a parede
enquanto ela jogava algo macio e rendado em seu armário.
— Matt? — Ariadne perguntou do outro lado do quarto. Ele olhou
para ela quando ela arremessou uma longa trança de seu cabelo
castanho atrás de seu ombro, tentando desesperadamente não se
lembrar de quão suaves seu cabelo e seus ombros eram. — Minha lingerie
não vai atacar você, sabia.
— Eu preciso fazer algumas perguntas — ele disse laconicamente,
deliberadamente deixando a conversa longe de suas roupas de baixo.
— Ok. — Ariadne cruzou para ele e sentou-se na beira da cama.
Matt pegou a cadeira que ela tinha acabado de liberar da carga de roupas
e se sentou em frente a ela.
— Conte-me sobre os diferentes papéis que as Moiras mencionaram
esta noite — ele perguntou.
Ariadne sorriu, quase como se ela estivesse esperando por isso. —
Você sabia que os gregos amavam o teatro? — Matt assentiu. — Bem, as
Moiras também. Elas sempre amaram. É quase como se elas vissem o
mundo como um palco, e os Descendentes são meramente seus atores.
Em uma série de profecias, há menção de determinadas funções que
devem ser preenchidas, ou que o mundo está à espera de ser preenchido,
a fim de completar o “Grande Ciclo” no qual as Moiras parecem fixadas.
A propósito, um ciclo também é outro nome para uma série de peças que
estão interligadas — como as peças de Ésquilo que contam a história do
início das Fúrias. É chamada de Oresteia.
— Sim — Matt disse com tristeza. — Eu li essa. Agora me diga sobre
as funções específicas que as Moiras mencionaram esta noite. Você
sempre soube sobre eles?
— Sim. Ninguém sabe realmente o que esses papéis significam, no
entanto. Ou qual a intenção das Moiras para eles.
— Por que não?
— Porque eles são vagos. Pense nisso. Os papéis são o Herói, o
Escudo, o Amante e o Guerreiro, e sério? Isso poderia significar qualquer
um dos Descendentes que nasceram, desde, tipo, sempre. Nós somos um
bando de pessoas do tipo heróis, guerreiros, amantes, escudo-de-
pessoas-fracas-com-seu-corpo — ela disse, levemente irritada com a
forma como sua espécie era previsível. — O único papel que tem
presságios específicos ligados a ele é o Tirano, e todas as Casas ao longo
das eras têm estado super vigilantes sobre os sinais que o cercavam, a
fim de impedi-lo de aparecer. Mas você já sabe essa profecia.
— O Tirano nasce da amargura. Ele tem o sangue de várias casas e
deve ser capaz de reduzir todas as cidades mortais a escombros — Matt
disse seriamente. Ele não gostava de concordar com Pallas, mas Matt
sabia que ele estava certo. Ele imaginou alguém como Hitler com força
de Descendente e a capacidade de destruir cidades apenas por querer.
Matt lembrou de Zach fazendo para a turma uma pergunta
hipotética, uma vez: Se eles tivessem uma máquina do tempo e pudessem
voltar e matar Hitler antes que ele tivesse a chance de machucar alguém,
eles fariam isso? Mesmo se ele ainda fosse uma criança inocente quando
eles voltassem e o matassem? Todos tinham respondido que sim.
— Matt — Ariadne disse, estendendo a mão e colocando a mão sobre
a dele. — Você está bem?
— E os outros, como o Escudo e... o Guerreiro — ele continuou. —
Esses são papéis definidos, papéis que devem ser preenchidos? Esses
papéis estiveram lá desde o início?
— Cassandra de Troia foi a primeira a mencioná-los... então sim.
Todos esses papéis estiveram lá desde o início.
— E cada papel deve ser preenchido antes que este ciclo possa ser
completado e as Moiras possam passar para um novo ciclo?
— Eu nunca ouvi isso ser colocado dessa forma antes — Ariadne
respondeu com cautela. Sua mente afiada girou esta ideia nova
rapidamente enquanto embaralhava através de dezenas de pedaços
memorizados de detalhes, até que, finalmente, ela balançou a cabeça em
aceitação. — Mas eu acho que essa é uma interpretação plausível.
— Então, estamos todos presos — Matt respirou desesperadamente.
— Temos que atuar em nossas peças ou as Moiras vão começar de novo
e tentar novamente com o próximo lote de Descendentes.
Ariadne franziu a testa em pensamento. — Talvez seja por isso que
parece como se nós nunca realmente deixamos Troia. Porque algo que
deveria acontecer na época não aconteceu, e as Moiras continuam a
tentar recriar isso.
Matt sorriu, lembrando-se com firmeza para não inclinar-se e beijá-
la, não importa o quão inteligente ela era. Ele esperou um momento até
que ele sabia que sua voz estaria estável antes de falar.
— É isso o que eu penso, também — ele disse. — É como se os
Descendentes estivessem presos em um círculo interminável de audições
enquanto as Moiras mudam novos atores para os mesmos papéis,
procurando o elenco certo para fazer a sua peça dar certo.
— Mas elas são as Moiras. Se elas querem que aconteça alguma
coisa, por que não podem apenas fazer isso acontecer?
— Eu não sei — respondeu Matt. — Deve haver alguma outra força
que move contra eles. Talvez sua irmã, Nêmesis.
— Devemos dizer a todos sobre isso — disse Ariadne. — Mesmo se
eles pensarem que estamos errados.
— Eu concordo.
Eles ficaram sentados por um tempo, cada um deles tendo
pensamentos privados. O sol estava começando a surgir, e Matt disse a
si mesmo que era hora de ir, mesmo que ele poderia ter ficado sentado
assim com ela por dias.
— Boa noite, Ariadne — Matt disse, enquanto se levantava.
— Onde você está indo? — Seus olhos castanhos luminosos estavam
arregalados e conturbados.
— Para casa. Eu escapei quando Hector me chamou — ele disse,
olhando para qualquer lugar menos para ela. — Eu quero estar de volta
antes de meus pais acordarem para que eles não se preocupem. Os
motins realmente os assustaram.
— Tudo bem — ela disse calmamente. — Você vai voltar mais tarde?
As Casas supostamente vão se encontrar aqui esta noite.
— Eu não sei se eu vou poder — disse ele. Havia um navio na água,
levando seu exército para mais perto. Matt podia sentir isso como um
membro fantasma — removido, mas ainda dolorido. — Eu posso ter
alguma coisa para cuidar.
Ariadne balançou a cabeça e olhou para o chão. Incapaz de resistir,
Matt se inclinou e beijou o topo de sua cabeça. Seu cabelo cheirava do
mesmo jeito, como mel e verão. Ele deixou-se passar a mão nas costas de
seu pescoço inclinado, sentindo quão delgado era sob sua palma da mão
calejada — tão frágil como um caule de uma flor.
— Você vai tentar? — ela sussurrou, sem olhar para cima.
— Sim. Vou tentar.

***
— Ei. Você está com raiva de mim? — Lucas ouviu Helen perguntar.
Ele virou-se e viu-a flutuar em direção a ele através do telhado da
casa. Ele balançou a cabeça, e ela se sentou ao lado dele na beira do
telhado sobre seu quarto.
— Eu não queria discordar de você na frente da família naquela
hora. Sobre Orion ser o Escudo — ela continuou.
— Está tudo bem. Você só estava trazendo à tona um bom ponto —
ele disse, sabendo que ela poderia ouvir a verdade em suas palavras. O
novo talento de Helen como uma Detectora de Mentiras tornava as coisas
mais fáceis e mais difíceis entre os dois. Ele nunca poderia mentir para
ela novamente, nem mesmo para protegê-la. Não que mentir já tivesse
mantido ela segura. Lucas brevemente se perguntou se ele já a tinha
protegido alguma vez. — Eu ainda acho que Orion é o Escudo, apesar de
tudo.
— Mas eu não preciso de um Escudo. Eu nunca precisei — ela disse,
quase como se ela estivesse lendo sua mente. Com todas as coisas novas
que ela poderia fazer, Lucas não iria descartar a telepatia.
— Não. Eu acho que não — ele concordou. Algo sobre isso conturbou
Lucas. Helen tinha sido sempre a mais forte, então do que o “escudo” iria
protegê-la, exatamente?
— Talvez Orion seja o Amante. Ele é um filho de Afrodite — disse
Helen, como se estivesse considerando.
Isso fazia sentido. E, embora o matasse pensar sobre isso, Lucas
tinha certeza que Orion era o amante de verdade de Helen agora. Mas
não importava o quão misturados todos os sinais para os diferentes
papéis estavam, Lucas sabia a verdade.
— Orion não é o Amante.
— Como você sabe?
— Esse papel já foi preenchido.
Helen olhou para ele, seus belos olhos incompatíveis nadando com
pesar e, Lucas esperava desesperadamente, não pena, também. — Você
sabe... todos esses novos talentos que eu tenho... — Sua voz vacilou. —
Um deles é controlar corações.
— Você mencionou isso.
— Eu poderia tirar o seu amor por mim — ela ofereceu em voz baixa.
— E depois?
A testa de Helen franziu, como se estivesse confusa com sua
pergunta. — Bem, então você pode seguir em frente com sua vida. Nós
teríamos que ficar longe um do outro, no entanto.
— Nós já tentamos isso, lembra? — Lucas perguntou com um sorriso
irônico. — Não funcionou.
Lucas não tinha dúvida de que Helen poderia apagar seu amor por
ela, mas ele também sabia que ele simplesmente iria se apaixonar por ela
de novo na próxima vez que ele pusesse os olhos nela. Não havia “seguir
em frente” para ele. Não importava o que Lucas faria em sua vida, seu
amor por Helen sempre o definiria. Ele era o Amante.
— Por favor, Lucas? Eu quero tornar isso mais fácil para você — ela
disse em voz baixa, a cabeça inclinada para baixo.
— Então pare de falar bobagem. — Ele bateu no ombro dela de
brincadeira com o dele até que ela deixou seu olhar triste e sorriu. — Nós
já passamos por isso uma dúzia de vezes. Nada nunca vai mudar a
maneira como eu me sinto por você.
Ela finalmente encontrou seus olhos e balançou a cabeça
tristemente, aceitando o que ela podia ouvir em sua voz — a verdade.
— Então talvez Orion seja o Herói? — ela perguntou, tentando
mudar de assunto para algo mais produtivo.
— Hector — Lucas respondeu imediatamente, balançando a cabeça.
— Certo. Isso é óbvio — disse Helen, revirando os olhos um pouco.
— A menos que Hector seja o Guerreiro?
— O Guerreiro entra na briga por último, e Hector não chega tarde
para nenhuma luta em sua vida. Eu aposto qualquer coisa que Hector é
o Herói e Orion o Escudo.
Helen parecia lutar por um momento com sua próxima pergunta. —
O que foi? — Lucas perguntou persuasivamente.
— O Tirano realmente é tão mau como Pallas disse?
Lucas balançou a cabeça lentamente. Ele não queria assustá-la,
mas ele também sabia que não podia mentir para ela. — O pouco da
profecia que nos resta sobre o Tirano diz que ele é mais forte do que todos
os deuses combinados. E supostamente haverá uma enorme batalha com
monstros e tempestades quando o Tirano se elevar. Até mesmo o céu
supostamente mudará as cores, como um caleidoscópio.
— Parece com o apocalipse.
— Sim — Lucas disse, sentindo Helen se arrepiar.
Eles ficaram sentados lá por um tempo, balançando os pés do lado
de fora da casa. Mesmo que a conversa tivesse tomado um rumo tão
obscuro, apenas ter Helen perto dele relaxava Lucas e o ajudava a se
concentrar. Ele podia não ser capaz de beijá-la, mas se ela estava sentada
ao lado dele, ele não se torturaria sobre com quem mais ela poderia estar.
E o que eles provavelmente estavam fazendo.
Ele lembrou a si mesmo que era melhor assim e engoliu o nó na
garganta. Ele queria que Helen fosse feliz, e ele confiava que Orion
poderia dar isso a ela. Lucas certamente nunca poderia. Tudo o que ele
fez foi fazer Helen ficar miserável, e assim que ele soubesse que toda essa
confusão acabou, ele iria se certificar de que ele nunca fizesse mal a ela
novamente.
Enterrando estes pensamentos que o consumia, Lucas forçou sua
mente a derivar, ao invés. Ele se arrastou através de cada imagem e uso
de um escudo que ele poderia pensar.
— Escudo, defesa, bastião, bloquear... — ele murmurou. — Do que
Orion nos protege? O que ele bloqueia?
— Bem. Ele parece muito bom no bloqueio de portas — Helen
brincou. Seu sorriso desapareceu rapidamente quando um pensamento
lhe ocorreu. — E profecias.
— E o futuro de qualquer pessoa que passa muito tempo com ele —
ele respirou. — Orion protege você da visibilidade das Moiras, Helen. Se
as Moiras não podem vê-la, elas não podem decidir a sua vida por você.
Sabe o que isso significa? Você tem livre arbítrio.
Eles olharam um para o outro, tão chocados que quase não podiam
acreditar, mas ambos sentiram um formigamento no ar que disse a eles
que descobriram algo enorme.
— Mas por que eu? Por que eu sou a única que começa a escolher?
— Os olhos de Helen corriam em volta com medo. — Qual é o papel que
eu estou atuando, Lucas?
— Você é Aquela que Desce.
— Isso não está na lista.
Ela estava certa. Lucas sentiu um momento de ansiedade, e depois
relaxou quando a solução veio para ele. — Fora todos nós, você foi a
última a descobrir que você é uma Descendentes... a última a se juntar
à luta. Você é a Guerreira, é claro.
Helen se acalmou e sorriu timidamente. — Hum. Vai entender. —
Seu nariz enrugou enquanto ela pensava em alguma coisa. — As Moiras
sabem que eu sou ruim de luta, certo?
— Você ficou melhor. — Ele realmente tentou manter uma cara
séria, mas não conseguiu.
Helen empurrou-o para fora do telhado. Ele flutuou na frente dela,
levantando suas mãos em um gesto de “Eu me rendo”, ainda tentando
não rir. Ela cruzou os braços ofensivamente e desviou o olhar, tentando
não rir com ele.
— Amante o caramba — ela disse, dando um sorriso e empurrando-
o para longe dela com o pé.
Ele pegou o tornozelo dela e puxou-se entre suas pernas
balançando. Os olhos de Helen se arregalaram de surpresa e seus lábios
se suavizaram e separaram.
— É isso mesmo — ele sussurrou. Lucas inclinou-se perto dela,
amando que, apesar de tudo o que tinha acontecido, ela não podia deixar
de reagir a ele. — Não se esqueça disso.
Ele roçou a curva de sua bochecha com as pontas dos dedos antes
de voar para longe.
CAPÍTULO 8
Traduzido por I&E BookStore

H elen ficou olhando do lado de fora da casa por um tempo, se


perguntando se ela tinha feito a coisa certa. Uma parte dela sabia
que estava magoando mais Lucas não esclarecendo o que estava
acontecendo entre ela e Orion, mas no final ela não poderia fazer isso.
Seus motivos eram egoístas, mas ainda assim válidos. Se Lucas pensasse
que ela estava com Orion, ele acabaria se afastando e ela realmente
precisava que ele fizesse isso.
Ela podia olhar para dentro dele e ver que ele ainda estava
apaixonado por ela, mas que esse amor havia mudado ligeiramente.
Independentemente do que Orion disse sobre não fazer qualquer
diferença para Lucas se ela passasse a noite com outro homem, isso tinha
alterado algo nele — não a quantidade de amor que ele sentia, mas quão
profundamente ele o sentia. Helen achava que fazia sentido. Mesmo com
uma lesão física, só havia uma quantidade de dor que uma pessoa podia
aguentar antes de começar a ficar dormente.
Helen viu Matt sair de casa e ir para seu carro. Ela respirou, a ponto
de chamá-lo e perguntar-lhe onde ele estava indo, mas ela se lembrou de
todas as pessoas dormindo justo sob o telhado espaçoso que ela estava
sentada e se conteve. Matt se virou e olhou na direção dela, de qualquer
maneira.
Impossível, Helen pensou quando ele sorriu e acenou para ela. Não
há nenhuma maneira de ele poder ter me ouvido inalar. Mas como mais ele
poderia ter sabido que tinha que olhar para o telhado? Helen acenou de
volta, e Matt entrou em seu carro e foi embora.
Ainda ponderando sobre isso, Helen voou na janela de Lucas e
sentou-se em sua cama. Por um momento, ela considerou deitar nela,
mas havia uma chance de Lucas voltar para casa e encontra-la lá. Não
era justo fazer isso com ele. Helen arrastou seu corpo cansado e
caminhou pelo corredor até o quarto de Ariadne.
Ela ficou surpresa ao encontrar Ariadne acordada.
— Ei — Ariadne disse, automaticamente deslizando para abrir
espaço para Helen na cama dela.
— Ei, você também — Helen respondeu com uma expressão
preocupada. O coração de Ariadne era uma bagunça palpitante de
emoção, e Helen sabia que tinha que ter algo a ver com Matt. Ela tirou os
sapatos e foi para a cama. — Eu acabei de ver Matt indo embora. Vocês
dois conversaram?
Ariadne evitou qualquer menção de seus sentimentos e, em vez
disso, disse a Helen que ela e Matt haviam discutido sobre os
Descendentes estarem presos em um ciclo de repetição. Ela explicou que
Matt achava que as Moiras precisavam que todos os papéis fossem
preenchidos, e se eles não fossem, o ciclo só iria começar de novo com a
próxima geração.
— Eu acho que todo mundo está chegando à mesma conclusão —
Helen disse com um aceno. — Isso explicaria por que todos nós
parecemos com pessoas de Troia, nós estamos presos. Há algo que não
aconteceu na época que as Moiras ainda estão tentando fazer que
aconteça.
— Mas o quê? — Ariadne perguntou, exasperada. — E tem outra
coisa que eu não entendo. Por que as Moiras não podem simplesmente
fazer que aconteça seja lá o que for que elas querem que aconteça? Não
faz sentido.
— O que Matt disse? — perguntou Helen, sentindo uma sensação
de afundamento em seu estômago.
— Ele disse que deve haver uma força trabalhando contra as Moiras
em cada ciclo. Algo que continua arruinando a peça antes de os
Descendentes poderem percorrer todo o caminho da maneira exata que
as Moiras querem. Ele disse que acha que é Nêmesis, trabalhando contra
suas irmãs.
— Bloqueando as Moiras e dando livre arbítrio a uma Descendente
— Helen sussurrou. — Pelo menos é isso o que Lucas acha. Em cada
ciclo alguém que deve tomar uma grande decisão tem livre arbítrio e
arruína os planos das Moiras.
Ariadne esfregou os olhos. — Será que Lucas tem ideia de quem tem
livre arbítrio neste ciclo?
Helen sentiu como se o universo continuasse apontando o dedo para
acusá-la.
— Não temos certeza — ela mentiu.

***
Helen virou-se e abriu os olhos. Ela esperava ver Ariadne deitada ao
lado dela. Em vez disso, ela viu as costas nuas de um homem, elevando
e afundando com as respirações profundas do sono.
Lucas, Helen pensou, reconhecendo a sua forma imediatamente. Ela
queria correr a mão entre os músculos de seus ombros e para baixo da
sua coluna vertebral, mas algo estava errado. O quarto que Helen tinha
acordado era familiar, embora ela nunca tenha estado nele antes.
A outra Helen sentou-se lentamente, olhando cuidadosamente seu
marido para se certificar de que ela não iria perturbá-lo. Ela precisava
fugir antes de Paris acordar, ou ela não seria capaz de fugir nesse dia
como ela tinha planejado.
Helen observou quando Helena de Troia amarrou sua túnica simples
sobre seu ombro, pegou um cinto velho, um véu e as sandálias gastas.
Ela notou que Helena de Troia tinha um olho castanho e um que ficou
azul por uma cicatriz em forma de raio que corria para baixo do centro
da sua íris. Helen sabia que isso tinha acontecido durante o
apedrejamento. O espancamento de Helen Hamilton por Ares lhe dera a
mesma marca.
A outra Helen correu por caminhos curtos para baixo do corredor de
mármore escura sem calçar suas sandálias e parou em uma porta.
Dentro do quarto estava uma menininha, com não mais do que três ou
quatro anos, quieta em sua cama. A menina abriu os olhos com uma
presciência estranha.
— Mamãe? — sussurrou a menina, acordando instantaneamente. —
Vamos ver a tia Briseida hoje, como prometido?
— Sim, Atlanta — Helena disse baixinho, correndo para o quarto e
fechando a porta atrás dela.
— Vamos andar com a Lady primeiro? — perguntou Atlanta.
Sensível ao humor de sua mãe, ela manteve a voz baixa.
— Hoje não. — Helena vestiu Atlanta com uma saia velha e um xaile
que ela havia pegado emprestado de uma serva.
— Mas as pessoas gostam quando você e Lady caminham pelos seus
jardins. Elas abraçam umas as outras e beijam suas mãos.
— Isso é porque Afrodite traz o amor aos animais e às coisas que
crescem e se multiplicam — Helena disse com um sorriso triste quando
ela se virou para terminar de vestir-se. — É por isso que o nosso povo
tem durado tanto tempo sem passar fome dentro desses muros.
— Passar fome... como eles estão lá fora? — perguntou Atlanta com
uma expressão preocupada.
— Isso mesmo. É por isso que nós temos que ir ver a tia Briseida.
Temos que levar mais comida para ela.
Helena de Troia pegou a filha e a colocou em seu quadril. — Mude o
seu rosto, como a mamãe te ensinou — ela disse, tocando metade do
cinturão que estava pendurado no formato de um pingente de coração
em torno do pescoço de Atlanta. Atlanta apertou os olhos em
concentração, e seu rosto magicamente se alterou. — Não se esqueça do
seu cabelo — Helena a lembrou, e os cabelos loiros cacheados de Atlanta
escureceram para um castanho. Helena alterou então sua própria
aparência, adotando o rosto plano e a figura corpulenta de uma
trabalhadora do campo antes de a dupla sair do quarto.
Elas fizeram o seu caminho rapidamente através do palácio e até a
cozinha. Uma velha que tinha cuidado de Briseida quando bebê entregou
a Helena um pacote preparado, que ela amarrou nas costas. Um rápido
olhar para se certificar de que ninguém além da velha leal estava
observando, e ela saiu através de uma porta traseira e através das hortas
familiares. Helena correu rapidamente para a parede, a filha agarrada a
ela com força. Ganhando velocidade quando alcançou as fortificações, ela
subiu de um lado da parede e desceu pelo outro mais rápido do que os
guardas poderiam ver na luz baixa do amanhecer.
Atlanta não estava com medo, embora ela soubesse que fora do
muro ela e sua mãe estavam em perigo mortal. Helena sorriu para sua
filha corajosa orgulhosamente, e deslizou através do acampamento de
dormir no cerco. Elas pararam em uma das grandes tendas e assobiaram
suavemente na entrada.
Um momento depois, uma mulher que se parecia com Ariadne
apareceu e envolveu a mãe disfarçada e a filha em um abraço quente.
— Briseida — Helena disse baixinho para a mulher. As cunhadas se
beijaram calorosamente em ambas as bochechas.
— Não há muito tempo para uma visita — Briseida disse quando ela
levou Helena e Atlanta para dentro da tenda. — Aquiles estará de volta
em breve.
— Há um remédio fácil para isso. Um que nos permite passar o
máximo de tempo juntas como nós desejamos — disse Helena
exemplificando quando ela permitiu que seu rosto real aparecesse.
— Não comece — Briseida avisou. — Eu não vou deixá-lo.
— Eu sei. — Helena colocou Atlanta para baixo e deu-lhe uma
pequena estatueta de madeira para brincar antes de entregar a Briseida
um pacote de alimentos. — Você já pensou sobre o que vai acontecer
quando Aquiles se unir as linhas de batalha de novo?
— Ele talvez nunca se junte a eles. Ele detesta Agamenon e se recusa
a seguir suas ordens novamente.
— Ele não atravessou o mar com seu exército para nada, Briseida.
— Eu estou ciente disso. — Os olhos de Briseida brilharam com
raiva. — Mas ele está diferente agora. Ele me disse que não tem nada
contra o meu irmão.
— Não importa se ele tem uma rixa com Heitor ou não. Esta é uma
guerra. Não deixe seu amor por Aquiles cegá-la.
— Eu não deixei. — Briseida desviou o olhar. — Mas eu sei o lado
do muro em que estou.
— E o lado da guerra? E quanto a ela? — Helena perguntou em voz
baixa, apontando para Atlanta. Ela viu os olhos de Briseida acentuarem-
se com preocupação, e sabia que o risco de trazer Atlanta valeu a pena
só por essa razão. Helena pressionou-a enquanto ela teve a chance. —
Aquiles veio aqui para matar o Tirano. Esse foi o argumento que
Agamenon fez para convencê-lo a lutar.
— Atlanta não tem nada a temer dele, eu juro — Briseida disse,
olhando para Atlanta protetoramente. — Ele nunca iria matar uma
criança. Você não o conhece.
As duas cunhadas olharam uma para a outra. O único som na tenda
era de Atlanta sussurrando para sua boneca.
— Você gostou do belo jardim que eu fiz? O sol nunca queima, as
abelhas não picam e as pedras ficam fora de suas sandálias — Atlanta
balbuciou, completamente perdida em seu jogo de faz-de-conta.
Helena revirou os olhos comicamente e falou baixinho para Briseida.
— Ela passa o dia todo imaginando um mundo perfeito onde ninguém
sofre. Aterrorizante, não é?
Briseida olhou para longe novamente, seu rosto mostrando uma
careta quando seus pensamentos se tornaram obscuros. — Ajuda que ela
nasceu uma menina. Ninguém suspeita que ela seja o Tirano agora. Não
realmente.
— Então, por que Aquiles ficou aqui, mesmo que seus homens
estejam morrendo de fome? — Helena perguntou desesperadamente.
Briseida não tinha uma resposta. — Irmã, eu acredito em você quando
você diz que ele nunca iria matar uma criança. Aquiles é um homem de
princípios profundos... princípios que o trouxe a Troia. Você já pensou
que livrar o mundo do Tirano é tão importante para ele que ele poderia
estar disposto a esperar que ela cresça antes de ele matá-la?
— Você deve ir — Briseida disse de repente, acenando para o ar como
se tivesse preenchido com moscas. — Ele estará de volta a qualquer
momento.
Helena suspirou e baixou a cabeça em derrota e, em seguida,
estendeu a mão para pegar sua filha. — Eu estarei de volta com mais
comida em poucos dias.
As duas mulheres se abraçaram, cautelosamente primeiro como se
elas estivessem em um silencioso desacordo, e depois com verdadeira
ternura antes de Helena e Atlanta assumirem seus disfarces e deixarem
o campo inimigo.

***
Helen acordou com uma trança grossa do cabelo de Ariadne em sua
boca. Ela cuspiu e mentalmente pediu desculpas por babar sobre ela toda
antes de rolar de lado. Ela rolou sobre algo que rangia. Acabou por ser
Andy, que bateu nela e fez sons de protesto em seu sono. Desejando que
Noel arranjasse apenas mais um colchão para as meninas dormirem,
Helen deslizou até o final da cama e se arrastou para fora o mais
silenciosamente que pôde sem esmagar ninguém.
Helen se abraçou enquanto ela saia do quarto, tentando sacudir a
memória. Aquela parecia mais próxima dela do que as outras, como se
ela fosse mais do que apenas uma espectadora neste momento. Na
verdade, ela meio que tinha começado a sentir que era Helen de
Nantucket, e não Helena de Troia, que estava naquela tenda. Ela poderia
até sentir o peso quente de sua filhinha se contorcendo (correção — da
filhinha de Helena de Troia) nos seus braços, então é claro que ela correu
para Lucas no corredor. Ela sentia falta de segurar um deles, ou a menina
ou o pai da menina, tão desesperadamente que na verdade ela gemeu.
— Eu pensei que você tinha ido para casa — Lucas disse depois de
uma pausa.
— Eu não vou lá há dias — disse Helen, olhando-o com avidez. —
Por que se dar ao trabalho quando todos estão aqui?
— E mais a caminho — disse ele, de repente franzindo a testa.
Helen assentiu. — A reunião das Casas. Você ligou...
— Orion? Sim — Lucas disse, terminando a frase. — Ele está
esperando por nós na biblioteca.
— Que horas são? — perguntou Helen, e olhou piscando para a luz
inclinada vindo por uma janela próxima.
— Passam das duas. — Ele riu ao ver a expressão de choque no rosto
de Helen. — Você nos encontra no andar de baixo? — ele disse enquanto
ele passava por ela e caminhava para a escada. — Precisamos fazer
planos.
— Eu só preciso de um minuto — disse Helen, apontando para suas
roupas amarrotadas e cabelos bagunçados.
— Tome o seu tempo — disse Lucas. Enquanto caminhava pelo seu
caminho pelo corredor, ele inclinou-se perto dela, passando a mão pelo
seu braço. Sua mão grande engoliu cada curva de seus músculos
delgados, colocando-os um por um na palma da sua mão e deixando um
rastro de arrepios para trás. Sua pele estava tão quente na dela que ela
estremeceu quando seu calor foi removido, o que foi muito rapidamente.
Helen deu uma olhada em seu pai primeiro. Jerry ainda dormia
profundamente, mas ainda de pé sobre ele ela podia ouvir seu coração
batendo forte e constante. Ele parecia que estava em outro mundo, um
pacífico que ele estava relutante em deixar. Helen não sabia se isso
funcionava assim ou não, mas ela esperava que Jerry estivesse apenas
dormindo, que Morfeu estivesse cuidando dele.
Helen correu para o banheiro, antecipando Ariadne e Andy para o
chuveiro antes que elas saíssem da cama. Ela correu para lá antes que
elas sequer começassem a se coçar e fechou a porta atrás dela com um
sorriso satisfeito.
Helen abriu a torneira e começou a tirar sua roupa, a memória da
mão de Lucas em seu braço ainda queimando vividamente. Ela tomou
banho rapidamente. Enquanto ela se enxugava com a toalha, um outro
encontro casual em outro corredor escuro, séculos atrás, ondulou-se na
mente de Helen quando o vapor subiu pelo azulejo branco.

***
Lancelot tinha estado longe de Camelot por muitos meses.
Os Bárbaros — invasores grandes e loiros de uma terra de gelo —
tinham mantido os Cavaleiros da Távola Redonda ocupados. O pai de
Guinevere tinha lutado contra os Bárbaros toda a sua vida, como o pai
de seu pai tinha lutado antes dele. Agora, com o casamento entre
Guinevere e Arthur finalizado, os adoradores de dragões e lobos do
mundo da neve eram problema de Arthur e, portanto, o problema de
todos os cavaleiros jurados a ele em Bretanha. Se a casa-ilha de
Guinevere fosse sobreviver, a invasão dos bárbaros deveria ser
interrompida, ou cada bretão nascido seria abatido antes do ano acabar.
Arthur não estava preparado para os Berserkers. Seus homens eram
soldados ordenados, treinados no estilo romano da guerra. Eles não
estavam acostumados aos transes induzidos por drogas que os Bárbaros
empregavam para enviar as suas hordas fanáticas gritando para cima de
homens, mulheres e crianças. Os horrores que viam durante esses
ataques de bárbaros foram tendo um preço alto demais para todos os
homens de Arthur. Os cavaleiros estavam em menor número, e uma
guerra estava se formando.
Arthur estava quieto sobre a campanha no norte, tentando
encontrar uma solução. Lancelot tinha voltado para Camelot há dois
dias, mas Guinevere não o tinha visto ainda. Ele estava evitando ficar a
sós com ela, e ela suspeitava que não era apenas porque Arthur era seu
marido, como ambos sabiam muito bem. Havia algo mais profundo lá,
impedindo-o. Algo terrível que havia acontecido com ele. Guinevere podia
ver nos olhos de Lancelot — queimando como duas velas recém-acesas.
A cor ainda era feroz, mas todo o calor se foi.
Guinevere sabia que ela tinha que falar com Lancelot, endireitá-lo
novamente, ou ele iria girar para longe de seu dever e sua família. Cabia
a ela consertá-lo, mesmo que partisse seu coração estar perto dele, ver o
olhar ferido no seu rosto enquanto ele imaginava Arthur em sua cama.
— Lancelot — Guinevere chamou, tocando seu cotovelo no corredor
escuro. Ela persuadiu-o suavemente para virar e encará-la. — Por favor.
Fale comigo.
— Gwen — ele respirou suavemente, puxando-a para mais perto
dele. Havia um olhar perdido em seus olhos, como um menininho. Ele
puxou a mão dela, e ela seguiu sem uma palavra ou pensamento de
protesto.
Lancelot levou-a para longe da passarela principal e para baixo em
um nicho em uma torre pequena que estava acima dos mouros escuros
em torno de Camelot. O luar era transmitido na forma de cruz da seteira,
dando luz suficiente para que ela pudesse ver o olhar pesado de luxúria
pesando suas pálpebras. Os lábios de Guinevere se separaram com uma
dúzia de palavras não ditas quando ela olhou fixamente em seus olhos.
Os quadris de Lancelot se aproximaram mais dela por um momento
tenso, e então ele se afastou, soltando-a inteiramente.
— Você não deveria ter vindo para mim esta noite.
— Mas você não me trouxe nenhuma palavra do meu país de origem
em Summer Country — ela respondeu, sorrindo em seus olhos brilhantes
quando ela fechou a distância entre eles. — Você me disse que iria se
sentar com meu pai e trazer de volta um sinal de sua memória de mim.
O rosto de Lancelot ficou pálido, arregalando os olhos com piedade,
e Guinevere soube.
— Não pode ser — ela disse, sua voz de repente alta e juvenil.
Seu pai estava morto. Aquele homem gigante e mal-humorado,
esperto e surpreendentemente divertido não podia estar morto. Ele era
muito teimoso para morrer. Mas Guinevere viu a verdade escrita por todo
o rosto de Lancelot. O líder de seu clã, seu pai, estava morto.
Tristeza tomou conta dela. Ela perdeu o controle por um momento,
e a sala crepitou com a luz branco-azul de seu fogo-de-bruxa.
— Eu casei com Arthur para meu pai e nosso clã ficar a salvo dos
Bárbaros. — Ela chorou, sem acreditar. — Tudo isso — ela disse, fazendo
um gesto de desgosto para as joias e o vestido rico que ela usava agora
em vez do humilde e caseiro, — era para proteger meu pai e meu clã.
— Eu sei — disse Lancelot, caminhando para a frente para tomar as
mãos de Guinevere. Ele saltou para trás involuntariamente quando seu
fogo-de-bruxa correu para ele, mas ele aguentou sua dor e não a soltou.
— Gwen — ele suplicou, ofegante. — Não é culpa de Arthur. Nós lutamos
e perdemos. Eu perdi. Arthur nem mesmo estava lá.
A sala ficou escura quando Guinevere controlou a si mesma, e o fogo
branco-azul foi extinto.
— Mas eu me casei com Arthur em vez de você para salvar meu clã
— ela disse. Sua voz estava instável e reduzida a um sussurro. — Eu
desisti de você para a proteção de meu clã.
— E o seu clã se foi agora. — Os olhos de Lancelot escureceram. —
Mas não por causa de Arthur. Por minha causa.
Lancelot sentou-se no chão da torre em um monte e passou a mão
pelo cabelo. Ele contou sua história rapidamente e baixinho, tentando
manter a voz firme.
O Summer Country tinha inundado, como sempre fazia no fluxo e
refluxo das marés anuais. As estradas estavam intransitáveis, e uma
batalha impensável no terreno pantanoso. Com as mulheres e as crianças
seguras na sua terra natal inundada, a maioria dos homens tinha saído
para se juntar a campanha de Arthur contra os Bárbaros para o norte,
como sempre faziam nesta época do ano.
Lancelot tinha ficado para trás para aprender como as mulheres
cultivavam todos os tipos de colheitas na água em vez do solo, e Arthur
concordou que o conhecimento dessa técnica poderia ser útil em
Camelot.
Lancelot estava nos campos de água com as mulheres quando viu
os navios com insígnia de dragão navegar direto para as planícies
inundadas.
— Eu fiquei com as mulheres nos campos em vez de ir até o seu pai
— Lancelot disse asperamente. — Quando eu não podia mais lutar, eu
roubei um navio e enviei tantas mulheres e crianças quanto eu poderia
reunir para longe do abate. Seu pai foi... ele foi morto.
Guinevere sabia que ele estava prestes a dizer torturado. Não
importava quanto Lancelot tentasse suavizar o golpe para ela. O dano foi
feito. Ela se permitiu ser oferecida em casamento a um homem que ela
não amava, porque ela acreditava que, ao fazer isso, ela poderia salvar
seu clã. Mas não tinha funcionado. Seu pai estava morto, e seu povo foi
disperso. Ela se casou com um homem que ela não amava para nada.
— Obrigada por salvar a parte do meu clã que você poderia — ela
sussurrou. — Devo-lhe minha vida por isso. Mais uma vez.
Lancelot olhou para ela com tal necessidade aberta e desespero que
ela estendeu a mão, colocando seu rosto em suas mãos. — É minha culpa
— ele disse, com o rosto quente.
— Não. Eu não culpo você pelas vidas perdidas. Abençoo-o pelas
vidas salvas — ela disse com ternura, falando sério cada palavra e
esperando que ele acreditasse nela o suficiente para perdoar a si mesmo.
— Gwen — ele respirou, agarrando seus braços em torno dela com
força, todo o seu corpo empurrando contra o dela em uma onda de
necessidade.
Ele pressionou sua boca contra a dela, assustando-a. Além de todas
as palavras sussurradas e olhares de saudade, ele nunca tinha ousado
tocá-la. Este era seu primeiro beijo — a primeira vez que eles tinham
atravessado essa linha. Guinevere sabia que Lancelot iria sofrer mais por
trair Arthur, seu primo, o rei e seu amigo mais próximo, mais do que ela
iria porque Lancelot amava Arthur, e ela não. Guinevere empurrou seus
ombros por um momento, tentando poupá-lo da culpa que ela sabia que
ele ia sentir, antes de ceder à onda de desespero que sentia subindo em
Lancelot.
Suas mãos cavaram em seu cabelo, fazendo seus grampos voarem e
suas tranças caírem em torno de seus dedos calejados em cachos
bagunçados. Seus lábios separaram os dela. Guinevere caiu para trás
contra as lajes e puxou Lancelot para baixo em cima dela. Ele deslizou
seu joelho entre suas coxas, empurrando suas muitas camadas de saias
até a mão poder chegar na pele nua por baixo. Ele rasgou sua roupa de
baixo, e ela gritou quando os laços de seda queimaram através de sua
pele. Lancelot ficou imóvel e recuou.
— Estou machucando você? — ele perguntou, a voz embargada e os
olhos vulneráveis.
— A única vez que você me machucou foi quando você me deixou —
ela respondeu, envolvendo-se em torno dele. — Nunca mais me deixe
novamente.

***
Com seu coração ainda martelando, Helen rapidamente secou os
cabelos e meio que correu para a biblioteca para escapar da memória
emprestada antes que ficasse mais gráfica. Ela parou na porta e começou
a abanar o rubor em suas bochechas, lembrando-se que em sua memória
Guinevere estava traindo seu marido, então ela não devia ter gostado
muito, e nesta vida, ela e Lucas eram primos, então ela não tinha nenhum
motivo para dragar essas memórias antigas para começar.
Ela podia ouvir a voz profunda de Lucas pela porta da biblioteca, e
depois de um flashback tão vívido, só isso foi o suficiente para deixá-la
tonta. Ela lembrou de Lancelot levando-a para seu quarto, desatando os
laços em seu vestido e... outras coisas. Ela corou furiosamente.
Pare de ser tão hormonal e entre lá, ela repreendeu-se, agitando as
mãos. Não é como se todo mundo fosse saber o que você estava pensando.
Ela abriu a porta e viu Orion olhar imediatamente para baixo em
seu peito, olhar para cima para ela, e levantar uma sobrancelha enquanto
um sorriso se espalhava pelo seu rosto. Exceto, talvez, Orion, ela pensou,
desejando que ela pudesse cair morta no local.
Os homens se levantaram para cumprimentar Helen, mas
Cassandra ficou na cadeira de couro gigante que ofuscava seu corpo
frágil. Helen fez uma reverência para o Oráculo respeitosamente e notou
que Cassandra estava com seu iPad no colo.
— O que foi? — perguntou Helen, ignorando o choque de calor que
sentiu quando ela sentou-se na única vaga livre — ao lado de Lucas, é
claro.
— Outro ataque — Cassandra respondeu gravemente, entregando a
Helen o iPad.
— Um tsunami na Turquia — disse Orion. Helen moveu através das
imagens de terrenos alagados.
— Mas por que aqui? — ela disse, olhando para a área na Turquia,
que havia sido atingida. — Esta não é uma grande cidade.
— Não mais — disse Lucas. — Mas há três mil e trezentos anos
atrás, Troia estava lá.
— Isso que é rancor — Helen sussurrou, fechando o iPad.
— Os deuses estão ficando mais ousados. — Cassandra recostou-se
na cadeira gigante, a testa franzida com preocupação. — Os
Descendentes não podem perder mais tempo. Temos que nos unir.
— E para fazer isso, precisamos descobrir como vamos lidar com
esta reunião das Casas — Hector disse, assumindo a liderança. — Vocês
três são todos Herdeiros, então vocês vão estar de pé atrás de seus chefes
da Casa. Com exceção de Orion, é claro, que é o Chefe da Casa de Roma.
Eu acho que você vai ter o seu segundo na Casa atrás de você.
— De jeito nenhum eu vou ficar de pé com Phaon nas minhas costas
— disse Orion com uma careta. Ele viu o olhar de questionamento no
rosto de Lucas e Hector e sabia que tinha que explicar. — Phaon e seu
irmão mais velho, Corvus, disputaram minha sucessão quando eu era
pequeno.
— Espera. Corvus? — perguntou Lucas, inclinando para frente. —
Meu pai matou Corvus antes de qualquer um de nós nascer.
— Não. Castor pensou que ele matou Corvus. Mas ele sobreviveu —
disse Orion. Sua voz murchou. — Acredite em mim, eu gostaria que fosse
de outra forma.
— Orion. Você não tem que explicar — disse Helen, tentando poupá-
lo.
— Está tudo bem, Helen. Eu teria que dizer-lhes sobre minhas
cicatrizes, eventualmente, de qualquer maneira — disse ele, dando-lhe
um pequeno sorriso triste. — O primo da minha mãe, Corvus,
oficialmente me desafiou quando eu tinha onze anos. Eu ganhei.
— No Coliseu? — perguntou Hector. Orion assentiu. — Uau. É
verdade que se os membros da Casa de Roma matarem uns aos outros
no Coliseu, eles não se tornam Banidos?
— É verdade. Romanos têm derramado tanto sangue nas areias do
Coliseu que as Fúrias perderam a noção das dívidas de sangue. É um
lugar amaldiçoado — Orion disse em uma voz suave. Os olhos de Hector
brilhavam com inveja como se ele daria qualquer coisa para lutar no
Coliseu, mas o olhar assombrado no rosto de Orion o impediu de
expressar esse desejo. — Quando eu matei Corvus, Phaon perdeu seu
único aliado, o homem que ele tinha criado como um filho. Phaon enfiará
uma faca nas minhas costas assim que olhar para mim. Eu nunca vou
ficar ao lado dele.
— Bem. Isso é algo a considerar — Lucas disse em voz baixa, e um
silêncio pesado se seguiu.
Helen podia ver o coração de Hector inflamar pelo seu amigo. Fora
todos eles, Hector era o que se relacionava mais com Orion. Era estranho
para Helen pensar, mas ambos eram assassinos. Um flash brilhante na
direção de Cassandra chamou a atenção de Helen. A esfera prateada que
estava pendurada em seu peito ondulou como o luar refletindo em uma
lagoa escura.
— E você não vai ficar em nenhum lugar perto de Phaon — Orion
disse de repente, seguindo os olhos de Helen e apontando para
Cassandra. Seu tom era estranhamente áspero. — Se ele tentar ficar
sozinho com você, você vem direto para mim. Entendeu?
Cassandra assentiu cautelosamente, intrigada pelo seu olhar
irritado.
— Por quê? — perguntou Lucas.
Os lábios de Orion torceram em uma careta amarga, como se
houvesse um gosto vil em sua boca. Ele balançou a cabeça, como se
estivesse sacudindo a pergunta de Lucas.
— Por quê? — repetiu Lucas, implacável.
— Ele é um monstro. — Orion olhou para longe, sua voz diminuindo.
— Ele só gosta de menininhas.
Cassandra olhou para o lado e franziu a testa, a luz dentro dela
escurecendo em seu peito. — Eu não sou uma menininha — ela disse em
voz baixa, mas ninguém respondeu.
— Você tem certeza disso? — Hector perguntou a Orion seriamente.
Orion assentiu. — A irmã do meu pai. — Ele não deu mais detalhes.
— Confie em mim, Cassandra é o tipo dele. Que família que eu tenho,
hein?
— Eles não são sua família — Lucas disse bruscamente. Ele inclinou
o queixo para Helen, Hector e Cassandra, incluindo todos antes de olhar
para Orion niveladamente. — Nós somos sua família. Você fica com a
gente.
— Somos irmãos de sangue — disse Helen, lembrando-o.
— Se isso fizer você se sentir melhor, eu vou estar com uma faca nas
costas, também — disse Hector, seu rosto murchando. — Tantalus vai
estar lá. Quem sabe o que ele vai fazer quando me ver? — Ele olhou para
Lucas, e os dois compartilharam um sorriso triste. — Que famílias nós
temos, hein?
— Eu acho que nós cinco temos que ficar juntos, não importa o quê
— Helen disse antes que Hector pudesse ficar mais chateado. Ela mordeu
o lábio, encontrando um obstáculo. — Exceto que Cassandra deve ser
neutra, certo? Ela é o Oráculo e ela é superior a todos nós, então ela vai
ser a única sentada.
— Certo — Hector disse com um aceno rápido. — Quando as Casas
se encontram, ela é considerada acima de todas as linhagens e senta-se
sozinha.
Helen olhou para Cassandra, tão pequena naquela cadeira grande.
Ela estava sempre sozinha.
— Vocês estão bem com isso? — Helen perguntou timidamente.
— Nunca trabalhei assim antes — Hector disse lentamente. Um
momento depois, ele olhou em volta, sorrindo, sua decisão tomada. — Se
estivermos juntos vai ser como se nós fôssemos nossa própria Casa, os
Descendentes Herdeiros ou algo assim. Eu estou disposto a fazer isso,
mas acho que os nossos pais vão ficar putos.
— E daí? — disse Lucas, com os olhos brilhando perigosamente. —
Nós não estamos fazendo as coisas da maneira que eles fazem. Eu digo
que devemos ficar juntos.
— Eu concordo — Orion disse com um aceno definitivo. — Mas só
se Helen for a nossa líder.
Helen deu uma gargalhada. — Você está falando sério? — Ela olhou
em volta e viu que todo mundo estava balançando a cabeça em
concordância. — Espera. Voltem um pouco. Eu não posso ser a líder.
— Sim, você pode — disse Hector, acenando com a cabeça. — Na
verdade, você tem que ser a líder.
— Então, quando vocês todos começaram a comer tigelas de loucura
no café da manhã? — perguntou Helen, sua paciência ficando pequena.
Ela nem sequer gostava de vencer corridas — ela com certeza não queria
ser a líder dos Descendentes Herdeiros. — Eu sou a pior escolha.
Hector...
— Hector não pode ser o líder, Helen. Ele não é um Herdeiro — disse
Cassandra, com a voz baixa. — E Orion já tem muitos inimigos que
tentam depô-lo. Pior do que isso, muitas pessoas pensam que ele é o
Tirano. Ele seria desafiado no momento em que ele desse um passo
adiante como líder dos Herdeiros.
— Lucas, então — disse Helen, uma pitada de desespero entrando
em seu tom. — Ele é o mais inteligente. Ele deve nos liderar.
— Lucas é o irmão do Oráculo — disse Cassandra, sacudindo a
cabeça tristemente. — Isso daria muito poder para a Casa de Tebas. Sua
própria mãe iria combater isso. Tem que ser você.
— Não — Helen disse simplesmente. — Eu não quero fazer isso.
— Azar, Princesa. — Hector sorriu para ela com irritante presunção.
— Vamos. Você sempre soube que tinha que ser você.
— Mas eu não faço ideia de como fazer isso! — ela disse, levantando
de seu assento, ansiosa. — E sou a pior lutadora. E se alguém de outra
Casa me desafiar para um duelo ou algo assim? Eu totalmente vou
perder. — Helen começou a andar, passando as mãos pelos cabelos.
— Se você é nossa líder, você nunca luta — disse Lucas, gostando
deste novo desenvolvimento cada vez mais. — Líderes escolhem
campeões para lutar por eles quando são desafiados... geralmente o
melhor lutador. É uma má ideia para o nosso melhor lutador ser o líder.
— Ok, estamos todos de acordo. Helen é a Chefe — disse Orion.
— Nós não estamos de acordo — Helen interrompeu, mas Orion
continuou falando.
— Agora tudo que você precisa fazer é escolher um campeão. — Ele
se levantou e fez uma reverência formal para Helen. — Eu aceito.
— Nada disso — disse Lucas, levantando-se e afastando Orion. —
Eu sou o campeão de Helen.
— Não posso deixá-lo fazer isso, mano — disse Orion com um agitar
de cabeça apologético.
— Você acabou de dizer me deixar? — Lucas perguntou em uma voz
incrédula.
— Senhoritas, por favor — Hector disse quando ele cutucou Orion e
Lucas para longe e ficou entre eles. — Vocês não estavam ouvindo? O
campeão deve ser o melhor lutador. Claramente, esse sou eu.
— Sério? Prove — Lucas disse friamente.
Helen podia ver uma briga chegando. Matava ela pensar em
qualquer um desses caras ferindo uns aos outros, e embora ela não
estivesse pronta para enfrentar isso ainda, ela sabia que havia apenas
um deles que ela jamais seria capaz de enviar para o perigo.
— Hector — ela disse com firmeza. — Se eu sou a líder, eu quero que
Hector seja meu campeão. — Helen olhou para Lucas e Orion, seu rosto
imóvel. — Ele é o melhor lutador.
— Menina esperta. Já tomando as decisões certas. Você pode ser
uma líder melhor do que você pensa. — Hector sorriu.
— Espera — Lucas se opôs.
— Você aceita? — Cassandra perguntou a Hector, ignorando seu
irmão.
— Eu aceito — ele respondeu imediatamente.
— Eu testemunho. Hector é o campeão de Helen a partir deste dia
em diante. Se alguém desafiar Helen, Hector vai lutar em seu lugar. —
Cassandra olhou atentamente para Orion. — Lucas será o segundo de
Hector.
— Espere só um maldito minuto — Orion estalou.
— E você vai ser meu campeão — disse Cassandra bem alto sobre
seus protestos. — Dessa forma Atreu lidera, Tebas protege Atreu, e
Atenas e Roma protegem Tebas. Precisamos mostrar a todos que o tempo
de combates entre as Casas acabou. A melhor maneira de fazer isso é que
nós cinco confiemos uns nos outros com as nossas vidas.
Orion fechou a boca com um estalo, pensando sobre isso por um
momento, e suspirou com relutância. — Isso faz muito sentido.
— Você aceita? — Cassandra perguntou-lhe, uma nota tímida
entrando em seu tom. — Você será meu campeão?
— Sim — Orion respondeu sério. Então ele abriu um sorriso e deu-
lhe um pequeno empurrão. — É claro que eu aceito, Kitty.
Cassandra sorriu, aliviada.
— Eu vou testemunhar — disse Helen, sentindo que isso precisava
ser proclamado. — Orion é o campeão de Cassandra. — Ela olhou para
Lucas, que ela poderia dizer que mal estava segurando a língua. — Você
tem algo que queira dizer?
— Eu não gosto de ser deixado de lado — ele disse, irritado. — Mas
eu vou lidar com isso.
— Ok. Então, nós somos um time agora — Orion disse, olhando em
volta para todos. — Esta deve ser uma reunião interessante.

***
— Matt! — Claire estalou. — Você pode se concentrar, por favor?
A cabeça de Matt virou-se e olhou para Claire sem expressão. Ela
tinha acabado de dizer algo sobre Helen, mas ele não tinha certeza do
que.
Ele estava distraído.
Naquele momento, um navio estava pousando na praia de Great
Point sob o farol. Era um pequeno navio. Matt não o ouviu raspar através
da areia por todo o caminho de sua casa em Nantucket — nem viu o cofre
que três Myrmidons levemente levaram para fora da embarcação,
agarrando dos lados, e levando o barco até a praia em uma corrida sem
esforço. Matt não estava fisicamente presente quando mais de dez navios
de pequeno porte vieram depois e seus soldados tomaram a praia, mas
ele estava ciente de que isso aconteceu, como se ele estivesse lá. Mesmo
enquanto Claire acenava com a mão na cara dele e suspirava com
frustração, seus olhos também podiam ver os passos precisos de seus
trinta e três homens enquanto eles caminhavam silenciosamente a partir
da linha da água.
— Saudações — disse Claire com uma careta preocupada. — Você
vai aterrissar dessa nave espacial e participar da conversa?
Uma risada irônica explodiu de Matt. — Aterrissar do navio — ele
repetiu quando sentiu membros do seu bando aterrissarem sobre o
terreno com uma precisão de soldado. Com essa nova consciência dupla,
Matt viu um guerreiro Myrmidon, sua pele negra e brilhante como uma
carapaça, se ajoelhar e colocar a mão na areia fria em um movimento
elegante e rápido.
— Ele está aqui. A mente de nosso mestre está conosco agora — disse
Telamon.
Matt lembrou que Telamon era um príncipe de sua espécie, e um
dos melhores capitães de Matt.
— Outra praia, irmãos — ele disse com tristeza. Telamon esfregou as
mãos para limpar a areia. O olhar de desprezo dele deixou claro que ele
ainda detestava areia depois de todos esses anos longe de Troia.
— Quais são as suas ordens? — perguntou um soldado com olhos
negros facetados.
— Acampar. Vamos esperar pelo nosso mestre aqui — Telamon
decretou. — Quando ele estiver pronto, ele vai se juntar a nós.
— Você está bem? — Ariadne perguntou em tom de queixa.
Matt piscou duro e finalmente foi capaz de banir a imagem em sua
cabeça.
— Eu estou bem — ele disse, concentrando-se na tarefa em mãos.
— Vá em frente, Claire.
— Ok, então como eu disse, a primeira vez que vi algo estranho,
bem, mais estranho do que o habitual, foi quando Lennie estava pegando
uma colher. Ela balançou por um segundo, como se estivesse tremendo,
e então ele simplesmente voou em sua mão.
— Nós três vimos algo semelhante a isso quando estávamos no
quarto de hospital de Andy — acrescentou Ariadne.
— Descreva — disse Matt, voltando-se para Andy.
— Bem, em primeiro lugar, ela ficou irritada e, em seguida, ela se
acendeu. Faíscas começaram a sair de sua pele e cabelo como chuva —
Andy disse, sua voz encantadora enchendo com temor enquanto ela se
lembrava. — Todo o equipamento no meu quarto começou a chacoalhar,
e eu poderia jurar que senti minha cama se mexer.
Por um momento, o quarto de Matt ficou em silêncio enquanto todos
eles pensavam sobre isso.
— Eu senti algo estranho assim que Helen ficou irritada no outro
dia — Jason acrescentou com relutância.
— O que aconteceu? — perguntou Matt.
— Ela e Lucas foram checar Jerry, e eles começaram a brigar. Eu
acho que foi muito ruim, porque eles desceram para a gaiola de luta para
se resolverem. Eu podia jurar que senti a casa vibrar por um segundo.
— Isso poderia ter sido um tremor de impacto — disse Matt. — Eles
são fortes o suficiente para abalar a casa quando batem no chão.
— Foi antes de eles chegarem lá embaixo. Eles estavam apenas
caminhando, Matt — Jason disse com um encolher de ombros. Matt fez
uma pausa, pensando.
— Vocês viram algum raio? — ele perguntou às três meninas.
— Não realmente — Ariadne disse para eles. — O que vimos foi
definitivamente eletricidade, mas eu não consigo descobrir por que faria
chocalhar as coisas assim. A coisa toda foi simplesmente estranha. E
assustadora.
— A voz dela estava estranha — Claire acrescentou, esfregando os
braços como se ela tivesse tido um calafrio.
— Muito verberativa — Andy disse enfaticamente. — Eu sou uma
sereia, eu conheço as vozes, e eu nunca ouvi nada parecido antes.
— Ela parecia uma deusa — Ariadne disse, resumindo para os três.
— Algo aconteceu com ela, gente.
— Você acha? — disse Jason, revirando os olhos. — Depois de tudo
que ela passou, ela é obrigada a ter mudado um pouco. Isso não significa
que ela mudou de uma maneira ruim. Deem a ela alguma folga. Ela
acabou de lutar com um deus.
— E ganhou — Matt acrescentou calmamente. — Ela lutou contra
um deus e ganhou. Quão forte você acha que ela teria que ser para fazer
isso?
— Mais forte do que qualquer outro Descendente. De todos. — A voz
de Ariadne tremeu.
— Ela foi torturada, gente — Jason respondeu com firmeza.
— Exatamente — respondeu Ariadne. — E você acha que uma
experiência como essa vai mudá-la para melhor?
— Isso é ridículo — Jason disse com raiva. Ele virou-se e foi para a
porta.
— Jason — Claire começou, mas ele se virou para trás e a cortou.
— Eu sei que você e Helen foram melhores amigas desde que eram
pequenas, e que ela está mudando muito e está assustando você. Mas
todo mundo muda. Só porque você não entende o que está acontecendo
com Helen não significa que você tem alguma razão para ter medo dela.
Espero que todos percebam isso antes de fazerem algo estúpido.
Jason deixou-os girando em torno e olhando uns para os outros.
— Há mais uma coisa — disse Claire, sua voz forçando seu caminho
através de sua garganta apertada. — Eu tentei falar com Helen sobre
como ela está mudando. Ela deixou bem claro que ela não se importava.
Ela só quer ganhar. — Claire esfregou os braços de novo, como se ela
estivesse com frio. — A Helen que eu conhecia não se preocupava com
ganhar. Ela nunca sequer tentou ganhar uma corrida de trilha antes.
Ela estava com medo. Todos eles estavam. A pior parte era que Matt
tinha a sensação de que eles deveriam estar.
Matt pensou novamente sobre aquela questão moral que Zach
perguntou uma vez. Será que Matt realmente mataria alguém que não
tinha feito nada ainda, para impedir essa pessoa de, possivelmente,
matar milhões de pessoas? Isso era certo?

***
— Quanto mais tempo, capitão? — perguntou um dos Myrmidons.
— Em breve — Telamon respondeu. — O mestre ainda está em
conflito.
— Impossível — disse outro soldado. Seus olhos brilhantes e
vermelhos se estreitaram com emoção. — Não pode ser ele se ele oscila.
Aquiles nunca se deixaria influenciar de nossa verdadeira missão. Ele
morreu por isso.
— Paciência — Telamon disse em modo de comando.
— Paciência — os Myrmidons gritaram de volta com reverência
silenciosa, como se estivessem recitando o catecismo. Este era um ritual
que tinham realizado muitas vezes.
— Lealdades antigas de sua vida mortal ainda influenciam ele —
Telamon continuou, momentaneamente colocando uma mão
reconfortante no ombro de um companheiro, como um conselheiro
simpático ou um padre. — Mas lealdades que são mais antigas ainda
estão começando a surgir. Coragem.
— Coragem — os soldados repetiram em uníssono, logo que Telamon
pronunciou a palavra. Sua versão de soldado de “amém” trovejou através
das dunas, e a força de suas vozes combinadas levantou ondas de areia
nas dunas ondulantes e enviou-as no ar como fumaça sobre a água.
— O fim deste ciclo está próximo — Telamon continuou com
conhecimento de causa. — E, no final, o coração de nosso mestre vai trazê-
lo de volta para nós. Amigos, lembrem-se. A lâmina escolheu este navio em
especial porque a lâmina sabe que essa embarcação, acima de todas as
outras, compartilha o nosso desejo.

***
— Matt? — perguntou Ariadne.
Matt piscou duro novamente e incidiu sobre ela. Ela parecia
preocupada.
— O que você acha que devemos fazer?
— Primeiro temos que descobrir o quão longe ela está disposta a ir
— ele disse gravemente. — E então cada um de nós vai ter que decidir...
cada um de nós por nós mesmos... quão longe estamos dispostos a ir
para impedi-la.
CAPÍTULO 9
Traduzido por I&E BookStore

N aquela noite, Lucas se vestiu com cuidado. Ele sabia que a reunião
das Casas era um assunto semiformal, mas isso não queria dizer
que ele ia usar qualquer coisa que pudesse restringir seu movimento. Ele
não confiava em nenhum dos convidados que estavam prestes a receber,
e não havia nenhuma maneira de ele vestir qualquer coisa que possa
atrapalhá-lo em uma luta.
É claro, lutar era estritamente proibido nestas reuniões. Mas Lucas
sabia que esta ia ser a primeira vez em vinte anos que a maioria destas
pessoas tinha visto uma a outra. Além disso, muitas delas haviam
matado alguém que outra pessoa na sala tinha amado muito. Era um
jogo de rancor esperando para acontecer.
Lucas desceu as escadas e encontrou a metade de sua família se
aglomerando ao redor da TV na sala de estar, ouvindo o noticiário da
noite. As imagens na TV mostravam uma tempestade com raios intensa
sobre o que parecia ser uma cidade às escuras.
— Essa é Manhattan? — perguntou Lucas, movendo-se mais perto
da tela.
— Sim — sua mãe respondeu, com a voz tranquila com o choque. —
A cidade inteira está escura.
Lucas só podia imaginar o caos que causaria em Nova York. Linhas
de metrô seriam paradas nos trilhos com pessoas dentro, os elevadores
ficariam fechados, pessoas ficariam encalhadas no topo dos edifícios —
para não mencionar a anarquia que seria ser obrigado a sair no escuro.
— Por que Zeus faria algo assim? — perguntou Andy.
— Para nos lembrar que ele pode — Hector respondeu, sua
mandíbula imóvel.
Houve uma batida na porta da frente, e Lucas ouviu todos inalarem
uma respiração tensa.
— Eu atendo — Kate ofereceu, mas Noel colocou a mão no ombro de
Kate para impedi-la.
— Tem que ser eu — Noel disse gentilmente. — É o meu lar.
Lucas seguiu até a frente da casa. Quando Noel abriu a porta, Lucas
sentiu como se alguém o tivesse chutado no intestino. O homem de pé
na porta tinha cabelo preto, olhos azuis brilhantes e um corpo alto e
atlético. Parecia com Lucas daqui a vinte anos.
— Dédalo — Noel disse através de uma mandíbula cerrada.
— Noel — Dédalo respondeu. Ele cruzou os braços em um X sobre o
peito e inclinou-se respeitosamente, mas estava claro que eles não
tinham boas relações.
Lucas não conseguiu respirar por um momento. Tinha sido dito a
ele muitas vezes que parecia que ele era da Casa de Atenas, mas ele não
tinha ideia de que ele se parecia tanto com o homem que havia matado
seu avô.
— Bem-vindo — disse Noel, mal querendo dizer isso. — Eu ofereço
a minha hospitalidade.
— Sinto-me honrado — disse Dédalo, e entrou. Seus olhos foram
diretamente para Lucas, e ele sorriu com tristeza em reconhecimento.
Então seus olhos passaram de Lucas e endureceram. — Olá, meu filho
— ele disse, e por um momento confuso Lucas se perguntou se Dédalo
estava falando com ele.
— Pai — Orion disse formalmente.
Lucas se virou para ver Orion em pé bem atrás dele com um olhar
fechado em seu rosto. Ele estava tão atordoado com a aparência de
Dédalo que ele não tinha notado Orion e Hector juntando-se a eles.
Dédalo avançou, seu andar orgulhoso e mais que um pouco
intimidante. Ele ofereceu sua mão para seu filho, e Orion sacudiu-a sem
sorrir.
— Você parece forte — disse Dédalo, seus olhos medindo Orion.
— Eu sou — Orion respondeu laconicamente. Seus olhos se
encontraram, e Dédalo foi o primeiro a desviar o olhar.
Lucas nunca tinha ouvido Orion falar tão friamente, mas depois da
maneira como seu pai o tinha abandonado, Lucas não poderia culpá-lo.
Se Dédalo notou que Orion estava sendo estranhamente duro, ele não
demonstrou. Ele olhou para a direita atrás de seu filho com raiva para
Hector.
— Ajax — ele disse em voz baixa. Por um momento, seu rosto parecia
arrependido antes de endurecer novamente em uma carranca proibitiva.
— Venha para dentro — disse Noel. — Meninos, abram espaço.
A reação instintiva de proteger seu território brotou em Lucas. Ele
não queria deixar Dédalo passar, e ele podia dizer que Hector e Orion se
sentiam da mesma maneira que ele. Todos eles se mantiveram firmes.
— Oh, vocês vão se afastar? — Noel resmungou impaciente quando
ela passou por eles. — Não importa que as Fúrias se foram, vocês ainda
agem como uma matilha de cães selvagens. Todo mundo tem que cheirar
o traseiro de todo mundo.
Dédalo conseguiu abrir um sorriso e seguiu Noel. Hector, Lucas e
Orion finalmente relaxaram e o deixaram passar.
— Embaraçoso — Hector disse após Dédalo ter passado.
— Um raio regular da luz do sol, não é? — Orion disse
sarcasticamente, agindo mais como ele novamente. — Oh, e essa é a sua
“cara feliz” a propósito.
— Por que você não me avisou que eu pareço tanto com o seu pai?
— perguntou Lucas, olhando para Orion.
— Eu achava que você sabia — Orion respondeu, dando de ombros.
— Eu sabia que havia algum tipo de semelhança, mas isso é ridículo.
Como diabos eu deveria me sentir sobre isso?
— Não é nenhum piquenique para mim, também. Toda vez que eu
olho para você eu vejo o meu pai. As Moiras gostam de mexer com a gente,
Luke. Elas fazem isso para que todos nós pareçamos com a pessoa que
seria mais irônico nós parecermos. — Orion sorriu de repente. — Veja
Hector. Ele se parece com alguém que todos gostaram, mas ele é um
idiota.
— Obrigado, amigo — Hector respondeu brilhantemente, como se
Orion tivesse acabado de lhe dar um elogio. Todos eles riram, e a tensão
se dissipou um pouco.
— Não deixe que ele desconcerte você — Orion avisou seriamente,
com as sobrancelhas levantadas. — Temos outras coisas com o que lidar
esta noite.
— Eu não vou deixar — Lucas disse com firmeza. — Eu sei por que
eu estou aqui. — Ele sabia que Orion tinha entendido que ele estava
falando sobre a proteção de Helen.

***
Helen podia ouvir muitas vozes desconhecidas do andar de baixo à
medida que mais e mais Descendentes chegavam para a reunião das
Casas. Ela podia sentir a tensão aumentando através do chão como o
profundo tamborilar de uma caixa de autofalante. A nova sensibilidade
de Helen às emoções a deixou aberta para as turbulências de todo
mundo. Ela não sabia todos os detalhes da guerra há vinte anos, mas ela
estava certa de que havia muitas contas antigas que ainda precisavam
ser ajustadas. Uma história acabada, uma mistura tóxica de ódio, amor
e perda ameaçava explodir em violência a qualquer momento. Parecia
para Helen como se ela estivesse de pé em cima de uma bomba.
Helen puxou nervosamente sua roupa. Era um pouco mais
sofisticada do que ela estava acostumada. Ela sempre foi uma espécie de
garota de roupas de promoção, mas Daphne tinha lhe trazido um traje
de um designer, insistindo que a faria se sentir mais confiante. Em vez
disso, ele a deixou mais nervosa. Helen tinha certeza que as botas de
couro amanteigado que ela usava valiam mais do que todo o seu guarda-
roupa. Ela se perguntou de onde sua mãe tirava o dinheiro para pagar
todas as roupas, mas decidiu que não queria saber. Daphne não tinha
nenhum problema em roubar tesouros inestimáveis de museus. Helen
tinha certeza de que os sistemas de segurança das lojas de departamento
nem sequer apareciam em seu radar.
Por um momento, Helen imaginou sua mãe deixando um rastro de
caos atrás dela enquanto ela vinha de Terra Nova a Nantucket da casa de
Dédalo para a reunião na casa dos Delos — carros roubados, lojas
roubadas, corações partidos se acumulando por trás dela enquanto ela
viajava. Sua mãe tinha estado de volta por uma hora, e tudo que Helen
conseguia pensar era em quantas leis Daphne tinha quebrado desde a
última vez que viram uma a outra.
— Pare de se mexer — disse Daphne. Ela puxou a corrente em volta
do pescoço de Helen e pegou o colar de coração, colocando o amuleto
sobre as roupas de Helen. — A Casa de Atreu é descendente de Zeus, por
isso é o ranking mais alto. Nós nos juntamos ao grupo inferior ao último
— disse Daphne, treinando Helen. — O último, é claro, é o Oráculo.
Helen se afastou de sua mãe, pegando uma escova de cabelo para
esconder o fato de que ela não queria ser tocada por ela. Daphne notou,
de qualquer maneira.
— Está na hora. Todo mundo está aqui — Daphne disse
bruscamente.
— Como você sabe? — perguntou Helen.
— Eu reconheço todas as suas vozes. — Daphne riu sem alegria e
colocou o cabelo atrás da orelha com o dedo mindinho. — Algumas das
pessoas lá embaixo eu conheço melhor do que você.
— E de quem é a culpa?
— Não é culpa — Daphne disse gentilmente. — Escolha. Foi minha
escolha, Helen, e era o caminho certo. Você realmente estava melhor sem
mim.
Helen abriu a boca para discutir com Daphne, mas parou. Como
uma Detectora de Mentiras, ela podia ouvir a verdade na voz de Daphne.
Daphne não estava falando uma frase pronta ou tentando desculpar-se
por ser uma mãe ruim. Ela realmente acreditava que ela tinha feito a
coisa certa e, pensando em seu pai que ainda estava dormindo no final
do corredor, Helen concordou. Ela tinha sido melhor sem sua mãe.
Daphne poderia ter abandonado ela, mas ela a tinha abandonado em
uma vida melhor — uma vida mais feliz — com Jerry como seu pai, e
Claire e Matt como seus melhores amigos. Daphne deve ter precisado de
muita disciplina para fazer isso. Helen começou a entender quão sortuda
ela tinha sido. Ela teve cerca de dezessete anos de vida normal que tinha
transformado ela na pessoa que ela era agora. E Daphne tinha sido a
única a dar isso a ela ao partir.
— Obrigada — Helen sussurrou.
— De nada — disse Daphne de volta de forma vazia.
Surpreendida com seu tom de voz, Helen olhou para o peito de
Daphne e não viu nada além de um vazio — um buraco negro constante,
como um poço sem fim de vazio em vez de um coração. Ela afastou-se de
sua mãe. O gesto não passou despercebido por Daphne.
— O que foi, Helen? O que foi? — ela perguntou.
— O seu coração se foi — Helen respondeu, muito sobrecarregada
pelo buraco antinatural dentro de Daphne para se lembrar de esconder
seus novos talentos.
— Ele morreu no dia que Ajax morreu — Daphne respondeu
simplesmente.
— Mas não há nada aí. Nem mesmo um coração partido — disse
Helen, sacudindo a cabeça. — Você não está triste, com raiva ou
magoada. Você não sente nada. Isso não pode ser natural. — Ela
encontrou os olhos de Daphne e agarrou seu pulso para evitar que ela se
afastasse. — O que você fez, mãe? — Daphne tentou se afastar de Helen,
mas sua filha era muito forte.
— Tudo o que restava de meus sentimentos eu troquei a fim de
realizar um objetivo. As mulheres fazem isso o tempo todo. Mulheres
Descendentes juravam diante de Hécate — disse Daphne, estreitando os
olhos com suspeita quando um pensamento lhe ocorreu. — Mas como
você pode saber o que eu não sinto? — Daphne murmurou, mais para si
mesma do que para Helen.
— Helen? — Andy disse quando ela bateu na porta. — Você está aí?
— Sim — Helen respondeu. Ela soltou sua mãe e rapidamente virou-
se para a porta. — Entre.
Andy abriu a porta timidamente e olhou para dentro do quarto. —
Noel está ficando... hum... inquieta é a única palavra polida que me vem
agora. Ela disse que você e sua mãe precisam descer antes que alguém
mate alguém e suje de sangue todo o seu chão limpo. — Ela sorriu e
ergueu as mãos. — Eu estou citando ela, a propósito.
— Eu aposto que sim. — Helen riu. — Estamos indo.
Ainda havia muito que ela e Daphne precisavam falar, mas como de
costume, quanto a sua mãe, Helen ia ter que esperar até mais tarde para
obter qualquer resposta. Ela e Daphne seguiram Andy para fora do
quarto de Ariadne e foram pelo corredor em direção à escada.
— Ai, ai — Daphne disse calmamente enquanto seguia a graciosa
silhueta de Andy. — Você não é um peixe raro?
Helen viu as costas de Andy endurecerem com a provocação de
Daphne e seu andar estabilizou até parar.
— Eu sou metade sereia — disse Andy. Ela se virou para olhar
Daphne diretamente nos olhos. — Você tem algum problema com isso?
— Não — respondeu Daphne. Ela encontrou o olhar de Andy e
manteve-se firme. — Mas você obviamente tem, e é hora de você superar
isso.
Daphne passou por Andy. Helen seguiu relutantemente, dando a
Andy um olhar de desculpas enquanto ela passava.
— Hector não é Apolo — Daphne acrescentou quando ela chegou às
escadas. — É hora de você superar isso também.
— Você não tem o direito — Andy começou com raiva.
— Hector é um dos melhores homens que já conheci, pequena
metade sereia que se odeia — Daphne interrompeu, silenciando Andy.
Helen viu os olhos de Daphne endurecerem até que brilharam como
diamantes. — Você não merece ele.
Helen balbuciou as palavras eu sinto muito para Andy enquanto
descia as escadas, mas Andy virou nos calcanhares e se foi antes que
Helen pudesse terminar.
Ainda pensando em Andy, Helen seguiu a mãe para a tensa sala de
estar. Seus olhos foram imediatamente para um homem grande e loiro
que estava na frente de Castor e Pallas no lugar que ela sabia que estava
reservada para o Chefe da Casa de Tebas.
Ele tinha que ser Tantalus, e embora ela nunca o tenha encontrado
antes, ela o reconheceu. Ela imaginou seu rosto, vermelho, suado, e
torcido de raiva enquanto tentava tirar seu filho dela.
Tantalus olhou para Daphne. Foi da mesma forma que Menelau
olhou para Helena de Troia. Com o novo talento de Helen ela podia ver
seu peito cheio de necessidade. Por um momento, seus olhos se lançaram
sobre o ombro de Daphne para pousar em Helen. Ela estremeceu com
repulsa, lembrando uma outra vida, quando ela tinha sido forçada a ser
sua esposa depois de Troia cair. Então seus olhos se voltaram para
Daphne, onde permaneceram até o Oráculo entrar.
Assim que Cassandra deslizou para a sala, sua pulseira de sininhos
tilintou delicadamente, e Lucas, Hector, Orion e Helen se moveram como
um só para se juntarem a ela. Cassandra sentou em sua cadeira gigante.
Orion situou-se em sua esquerda, Helen à sua direita. Hector e Lucas
ficaram atrás de Helen, um em cada lado dela.
A explosão das pessoas foi imediata.
— Helen! Volte aqui! — Daphne repreendeu. Helen de bom grado a
ignorou.
— Lucas... filho — disse Castor, falando suas palavras bruscamente.
— Você deve ficar atrás de seu tio Tantalus. — Lucas desviou o olhar de
seu pai, com os olhos para a frente e o rosto inexpressivo como um
soldado treinado, e não deixou o seu lugar escolhido atrás de Helen.
— Vocês estão vendo? Eu disse a vocês! — sussurrou um homem
magro, com lábios carnudos. Ele era mais velho, com mais ou menos a
idade da mãe de Helen, mas ele era o tipo de cara que ficava mais bonito
à medida que envelhecia. Definitivamente alguém da Casa de Roma, ela
decidiu. Helen não reconheceu o rosto dele, mas da maneira como Orion
e Dédalo lançavam olhares mortais para ele, ela sabia que ele tinha que
ser Phaon.
Phaon virou as costas para o grupo e se dirigiu a sua facção. — Orion
não vai mesmo ficar com a gente. Ele não se preocupa com a Casa de
Roma, mas vocês ainda o chamam de seu Chefe? Será que precisamos
de mais alguma prova de que ele não está apto para liderar?
Helen olhou para a ferida supurada que deveria ter sido o seu
coração, e seu estômago revirou. O rosto e o corpo de Phaon podiam ser
bonitos, mas esta criatura parecia que estava podre por dentro. Ela viu o
coração de Orion incendiar com raiva. Ela capturou seus olhos e
implorou a ele silenciosamente, tentando acalmá-lo.
— Chega — Cassandra ordenou em voz baixa. Um silêncio obediente
descendeu quando a atenção de todos se voltou para o Oráculo. — Os
dias de divisão acabaram. As Casas são uma só, e formamos uma
coalizão por nós mesmos para expressar essa união. Cada Casa é
representada pelo seu herdeiro, e nós escolhemos Helen como nossa
líder.
— Desafio — Phaon disse imediatamente, com um sorriso
estampado em seu rosto quando ele avaliou os braços magros de Helen e
as mãos macias. — Eu desafio Helen Atreu pelo direito de liderar os
Herdeiros... e o Oráculo.
— O Natal chegou mais cedo este ano? — Hector falou lentamente
enquanto dava um passo para frente, sorrindo de orelha a orelha. — Eu
sou o campeão de Helen, idiota. Você a desafia, você luta comigo.
O rosto de Phaon empalideceu. Ele balbuciou algo sobre como a sua
Casa não permitia campeões, que era uma lei municipal arcaica que devia
ser removida. Hector olhou para Phaon quando ele recuou, cada
centímetro dele brilhando como um herói de contos de fadas na frente de
um covarde servil.
— E você, Orion? — Dédalo chamou seu filho em um tom
humilhante. — Você permite que Helen lidere, e Hector seja seu
campeão... Que honra que o Herdeiro da Casa de Atenas possui?
— Orion é o meu campeão — Cassandra estalou. Sua boca estava
comprimida de raiva enquanto olhava para Dédalo. — Isso é honroso o
suficiente para você, Attica?
Dédalo curvou-se reverentemente ao Oráculo, os braços cruzados
em um X sobre o peito e seu tronco paralelo ao chão enquanto falava. —
Que o Orgulho de Atenas a sirva bem, Sibila, para a glória de nossa casa.
Quando ele se levantou novamente ele considerou Cassandra
estranhamente, seus olhos correndo dela para Orion e de volta como se
não pudesse compreender a sua conexão com o outro.
Helen viu a confusão dentro de Dédalo derivando em torno de seu
coração como uma fumaça mal-humorada. Enquanto os Chefes da Casa
conferenciavam com os seus membros sobre este novo desenvolvimento,
Helen olhou para Cassandra e Orion.
Cassandra era a mão fria do destino, e como tal ela não deveria ser
capaz de ser apaixonada por nada. Ultimamente, ela estava se afastando
de todos, incluindo sua própria família, e todos tinham aceitado isso
como uma consequência inevitável da sua posição. Mas esse não era o
caso com Orion. Ela rosnava como um gato encurralado sempre que
alguém desprezava ele.
Repreendido, Dédalo transferiu-se de volta para a sua posição na
frente de outro homem moreno de olhos azuis da Casa de Atenas. Orion
olhou para Cassandra e sorriu. Dentro de seu peito, Helen viu ternura,
não atração. Ele, obviamente, gostava de sua “gatinha” e estava grato por
ela o ter defendido na frente de seu pai, mas ele não a considerava como
uma mulher.
A esfera prateada no peito de Cassandra parecia estéril e remota
para Helen, como uma estrela morta, mas resplandecente com a sua
própria marca de luz mercurial quando Orion sorriu para ela. Ela
dançava. Ela brilhava. Ela enchia e transbordava, assim como o coração
de qualquer mulher estaria quando o homem que ela adorava sorria para
ela.
Era exatamente o que Orion havia dito a Helen que ele sempre quis
— ser amado mais — e lá estava isso, bem na frente dele. Mas ele não
parecia ver.
Helen olhou para a facção da Casa de Roma, se perguntando se
algum deles viu o que ela viu.
Phaon estava olhando para Cassandra. Ele olhava
provocadoramente para a luz pura e cristalina dentro dela de uma
maneira que deu arrepios em Helen. Obviamente, Phaon podia vê-la,
mesmo que Orion não conseguisse.
Mas o que Orion viu foi Phaon olhando para Cassandra.
— Nem sequer olhe para ela — Orion rosnou, pisando na frente de
Cassandra e protegendo-a da vista de Phaon.
Dédalo e seu segundo caminhou em direção a Phaon, com os olhos
gelo azul com ódio. Mesmo Castor e Pallas, habitualmente tão sensatos,
reagiram à ameaça a Cassandra e toda a sala parecia se mover em direção
a Phaon como uma onda ameaçadora. Daphne interceptou todos eles
com as mãos levantadas.
— Déd, eu sei. Eu sei. Mas não aqui, não agora — disse Daphne em
um tom baixo para Dédalo, com os olhos suplicantes. — Castor. Não
quebre o seu juramento de hospitalidade. De novo não.
Helen sabia que Daphne estava lembrando Castor de como ela tinha
sido atacada por Pandora poucos meses atrás, enquanto ela estava sob a
proteção de Castor. Dédalo, Castor e Pallas recuaram, mas seus rostos
estavam lívidos. O riso estridente de Phaon encheu a sala.
— Calma, mestiços — ele disse enquanto dava sua risada
perturbadora. — Ela é muito velha para mim.
— Nojento — Orion disse em voz baixa. Ele fez um som sufocado e
suas mãos se esticaram, como se quisesse estrangular seu primo. Isso
foi o suficiente para Phaon.
Helen viu Phaon estender a mão para a lâmina presa às suas costas
sob suas roupas. Era o mesmo tipo de bainha que Orion habitualmente
usava, exceto que Orion não estava usando naquele momento. Nenhuma
arma era permitida em reuniões das Casas, e Helen sabia que Orion
estava indefeso. Ela também percebeu que, apesar de sua relutância em
lutar com Hector em uma luta justa, em uma luta suja Phaon tinha mais
experiência e provavelmente ganharia. Orion poderia ser prejudicado, ou
até mesmo morto.
Helen sentiu quando todos os seus interiores de repente brotaram
asas e tentaram voar para fora de sua boca. Ela não pensou sobre o que
ela devia ou não fazer, sobre as regras sagradas da hospitalidade, ou
sobre o “cessar fogo” que todos tinham acordado. Tudo o que ela pensava
era a lâmina nua na mão de Phaon.
Ela chamou o metal. Era semelhante à forma como ela convocava os
raios, só que desta vez, em vez de uma lasca brilhante de eletricidade,
Helen pegou a mesma força e alargou-a em um campo. Foi como ter uma
única moeda e aprender o truque simples de virá-la para descobrir uma
cara completamente diferente. Ela usou este campo para arrebatar o
punhal do aperto de Phaon.
— Como você se atreve! — ela gritou, sua voz saindo dela como um
trovão.
O punho da arma de Phaon bateu na palma da sua mão, e ela
caminhou a frente, levantando a lâmina acima da cabeça para cortar e
remover o coração distorcido de Phaon. O interior de suas coxas queimou,
e Helen sentiu o chão tremer violentamente debaixo dela. Ela viu Phaon
rolar no chão e rastejar na frente dela.
— Helen! Não! — Lucas implorou em seu ouvido, seu corpo em
convulsão contra o dela. — P... Por favor, p... pare — ele gaguejou, seu
queixo tremendo incontrolavelmente.
Ela olhou em volta, confusa, como se estivesse acordando de um
sonho. Lucas tinha pegado ela pela cintura, e ele estava puxando-a para
trás. Ela olhou para baixo e viu que sua pele estava brilhando rosa
perolada e azul com uma bola de raio. Lucas agarrou ela, mesmo que
naquele momento ela estivesse mais quente do que a superfície do sol.
Ela desligou a corrente imediatamente, e ele caiu com um grito.
Móveis tombaram, e todos os outros na sala tinham caído do terremoto
que ela havia criado. O chão debaixo dela era um grande disco de carvão
negro que ainda ardia em torno das bordas como um anel de fogo. Todo
mundo olhou para ela, apavorado.
Com exceção de Lucas. Suas mãos, peito e rosto estavam negros e
sangrentos, queimados até os ossos pela bola de raio que ela havia criado.
Ele se contorcia no chão em agonia.
— Oh, não! — Helen gritou, agachando-se sobre Lucas. — Não, não,
não — ela gritou histericamente.
Lucas gemeu quando ela o tocou. Sua pele crocante descascava e
derivava no ar como papel queimado. Ele estava tão terrivelmente ferido
e com tanta dor que Helen sabia que não havia nenhum lugar no mundo
que ela poderia levá-lo para poder aliviar seu sofrimento.
Ela precisava de um novo mundo.
Não que Helen tenha esquecido da promessa de Hades que as Moiras
iriam trazê-la a isso. Também não se esqueceu sua advertência de que,
logo que ela criasse seu próprio mundo, os deuses iriam desafiá-la por
ele. Ela simplesmente não se importava. Ela construiria todo um novo
universo a partir do zero e enviaria todos do Olimpo para o Tártaro se ela
tivesse que fazer — qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, para curar
Lucas.
Helen pegou Lucas nos braços. Quando seu coração parou e seus
olhos se fecharam, ela criou um portal para seu novo mundo e levou-o
para lá.
CAPÍTULO 10
Traduzido por I&E BookStore

D aphne tocou na mão dela na crosta de gelo que se formou sobre


o carvão.
Insanidades estavam rodando sobre sua cabeça enquanto ela olhava
para a superfície queimada que costumava ser um chão da sala, e o gelo
como flocos de neve que tinha crescido por cima, abafando o fogo, quando
sua filha desapareceu com Lucas. Como ela podia fazer isso? Daphne se
perguntou.
Daphne nunca tinha esperado que esta reunião fosse bem-sucedida,
mas a briga que se seguiu logo que Helen tinha feito sua saída dramática
estava subindo a um passo de febril. Antes que todo mundo começasse
a cortar uns aos outros em pedaços, Daphne precisou assumir o controle.
Ela não pretendia perder esta oportunidade.
— Você criou esse terremoto? — ela gritou para Orion,
interrompendo o caos.
— Não — ele disse. Quando ele recebeu vários olhares incrédulos,
ele suspirou e continuou com relutância. — Helen fez isso. Ela adquiriu
o talento de Criadora de Terremotos de mim quando nos tornamos irmãos
de sangue.
— E como é que ela tirou o punhal de Phaon? — perguntou Dédalo.
— Eletromagnetismo — Pallas respondeu. — Embora eu nunca ouvi
falar de nenhum atirador-de-raios ter voltagem suficiente para criar um
campo magnético assim.
— Ela é muito poderosa — Tantalus disse baixinho para Pallas. —
Ela poderia matar todos nós.
Pallas concordou com a cabeça, assim como Dédalo.
A sala ficou em um silêncio atordoado enquanto todos eles
contemplavam isso. Daphne não podia deixá-los se distrair com esse
detalhe agora.
Ela pegou o Ramo de Eneias, disfarçado como um punho de ouro no
pulso de Orion enquanto ela se levantava. — Você abriu um portal com
isso e empurrou Helen e Lucas através dele?
— Não. Eu só posso abrir portais permanentes, não criá-los — ele
respondeu. — Apenas Helen pode fazer seus próprios portais onde quer
que ela queira.
— O gelo? — perguntou Daphne, convidando-o a explicar. Ela
precisava fazer com que todos pensassem na direção certa.
— Há sempre gelo quando ela desce. Mas se ela foi para o Mundo
Inferior, ela estaria de volta quase que instantaneamente. O tempo para
aqui enquanto se está no Mundo Inferior — Orion disse, confuso pela
linha de questionamento de Daphne.
— Esse nem sempre é o caso. Pelo menos não para Helen — Daphne
respondeu. — Eu não sei por que, mas em uma ocorrência que eu
testemunhei, o tempo passou aqui na Terra enquanto Helen estava no
Mundo Inferior.
Castor olhou para Tantalus, que Daphne sabia que era um Detector
de Mentiras. Tantalus assentiu. — Ela está dizendo a verdade — ele disse.
— O Mundo Inferior? — Castor sussurrou, sua voz embargada. —
Por que ela iria levar Lucas para o Mundo Inferior?
Todos tinham sentido o terrível calor da tempestade elétrica de
Helen. Exceto por Daphne, que poderia lidar com o intenso calor do
relâmpago, o resto deles tinha queimaduras vermelhas e cruas na sua
pele exposta. E Lucas tinha se agarrado a ela enquanto ela estava naquele
estado. Juntando essa ideia com o Mundo Inferior, todos eles perceberam
que Lucas estava morto ou morrendo.
— Tio — Hector disse gentilmente. Os olhos de Castor corriam em
volta, como se ele nem sequer tivesse ouvido o sobrinho. Hector olhou
através da sala para Jason e Ariadne. Todos eles ficaram mudos e
procurando uns aos outros para obter respostas.
— Helen conhece o Mundo Inferior melhor do que ninguém. Talvez
ela conheça um lugar que poderia ajudar Luke? Talvez por isso ela o levou
lá — disse Jason, pensando em voz alta. Na verdade, ele estava apenas
se agarrando a qualquer coisa. Todos olharam para Orion por
confirmação.
— Poderia ser isso? — perguntou Castor.
Orion deu de ombros e balançou a cabeça como se quisesse dizer
que ele não sabia. Ele não parecia muito esperançoso.
Daphne permitiu que alguns segundos se passassem para que isso
pudesse ser refletido. — E se ela ficar lá com ele, Orion? — Daphne disse
baixinho, lembrando-se de não forçar muito.
Ela viu o rosto de Orion franzir com o pensamento de perder Helen
para sempre. Ele a amava e faria qualquer coisa por ela, assim como
Daphne tinha planejado quando ela empurrou os dois juntos no Mundo
Inferior.
Era previsível, na verdade. Dois adolescentes jovens e bonitos,
confrontados com chances incríveis, unidos para combater uma causa
comum. Tudo que Daphne tinha que fazer era tornar o relacionamento
com Lucas impossível, dar a Orion a chance de ter esperança, e ele
certamente se apaixonaria por Helen. Agora tudo que Daphne podia fazer
era esperar que ele a amasse o suficiente... para que Daphne realmente
pudesse controlá-lo.
— Você poderia ir atrás dela? — ela continuou, incitando-o,
tentando o ângulo certo nesta situação para fazer Orion perceber o que,
ou melhor, qual o papel que ele estava destinado a atuar no próximo
Grande Ciclo. — Você poderia trazê-la de volta?
— Dos mortos? — Dédalo deixou escapar antes que ele percebesse o
que ele estava dizendo. Ele olhou para Castor se desculpando. — Sinto
muito, Castor. Mas seu filho não parecia bem.
Castor assentiu. Seu rosto estava totalmente branco, e seus olhos
olhavam fixamente para o chão, como se eles não estivessem vendo nada.
— Nós não sabemos o que aconteceu ainda. Não deixe de ter
esperança — Tantalus sussurrou no ouvido de Castor. Ele apertou seu
irmão no ombro confortavelmente enquanto Daphne mordia a língua
para impedir-se de rosnar com o som de sua voz. Ela queria gritar para
Castor não confiar nele, mas ela sabia que não faria nenhum bem.
Tantalus falou de modo que o resto da sala fosse incluído, facilmente
mudando para o papel de líder na esteira do desastre. Ele sempre foi o
mais carismático de todos eles, Daphne pensou amargamente. Mesmo
quando eles sabiam que ele era mau, eles confiavam nele, de qualquer
maneira. Eles queriam confiar nele, assim como Daphne tinha uma vez
confiado.
— Eu digo para utilizarem essa reunião para discutir o que nós
testemunhamos e como devemos avançar — Tantalus disse quando ele
se dirigiu ao grupo. Seus olhos se moveram para Phaon e endureceram.
— Começando com a forma de punir Phaon por tentar assassinar o Chefe
de sua Casa.

***
Andy sentou-se na cozinha com o resto dos não-Descendentes — o
restante dos não-Descendentes que não precisavam se deitar. Kate tinha
levado Noel para o andar de cima depois que ficou claro que ela não seria
capaz de parar de chorar. Noel era uma mulher forte, Andy podia ver isso,
mas depois do que aconteceu com Lucas, qualquer mãe teria
desmoronado.
Matt e Claire esperaram Kate e Noel saírem antes de falarem.
— Eu nunca pensei que Helen faria mal a Lucas. Nunca — Claire
sussurrou, com os olhos em branco com tristeza. — Eu não posso
acreditar nisso.
— Ela está completamente fora de controle — Matt sussurrou de
volta.
Os dois amigos sentaram-se com os rostos imóveis como máscaras
pálidas. Andy não conhecia Helen como eles, mas ela sabia o que era
malícia quando ela a via. Ter uma sereia como mãe tinha assegurado
isso.
— Mas foi um acidente — disse Andy, defendendo Helen. — Ela não
teve a intenção de fazer isso.
— Isso faz com que seja ainda pior — Matt respondeu
acaloradamente. — Você pode imaginar o que teria acontecido se ela
quisesse fazer isso?
Matt, Claire e Andy ficaram sentados em silêncio na mesa e ouviram
o resto da reunião. Os Descendentes discutiam sobre como eles iriam
dilacerar Phaon. Aparentemente, esse Phaon era muito popular,
especialmente com a geração mais velha. Todos queriam um pedaço dele,
mas foi Dédalo da Casa de Atenas que reivindicou a maior queixa, e não
apenas para vingar o que quase aconteceu com seu filho quando Phaon
tentou matá-lo há poucos momentos.
Houve a menção de uma jovem chamada Cassiopeia, e a sala ficou
em silêncio. Em seguida, foi unanimemente decidido que Dédalo e Phaon
iriam se reunir ao amanhecer para um duelo mortal. Depois disso, a
reunião foi encerrada. Segundos depois, Ariadne e Jason se juntaram a
eles na cozinha. Os olhos de Ariadne se encheram de lágrimas assim que
ela viu Matt.
— Lucas... — ela sussurrou enquanto ela colocava os braços em
volta do seu peito.
Claire foi para Jason e procurou seu rosto, silenciosamente fazendo-
lhe uma pergunta. — É ruim, Claire. Nós sentimos seu coração parar —
Jason disse sem emoção.
— Ele vai sair dessa mesmo assim. Não é? — disse Claire. Jason deu
de ombros, seus lábios tremendo. Claire puxou sua cabeça para baixo e
a deixou descansar em seu ombro.
Jason e Ariadne eram talentosos Curadores. Eles sabiam a
verdadeira extensão dos ferimentos de Lucas. Eles podem não ter
compartilhado os detalhes enquanto eles estavam na reunião, mas aqui
na segurança da cozinha de Noel, podiam expressar o que não podiam
na frente das outras Casas. Nenhum deles achava que Lucas iria
sobreviver.
Matt e Claire confortaram os gêmeos o melhor que podiam, mas não
havia muito que pudessem fazer além de abraçá-los. Matt e Claire
trocaram um olhar sombrio sobre os ombros de Jason e Ariadne. Andy
sabia o que eles estavam pensando.
Se Helen poderia matar Lucas, a pessoa que ela mais amava, ela
poderia matar todos eles.
Andy assistiu seus novos amigos se abraçarem por um momento, e
depois começou a sentir como se estivesse atrapalhando. Ela não tinha
conhecido Lucas realmente, e ela não tinha ideia de como era ter um
irmão ou uma irmã — e muito menos qual seria a sensação dele ou dela
morrer. Ela sempre quis alguém para amar tanto quanto eles obviamente
amavam Lucas.
Confusa por ela parecer querer sofrer como eles estavam sofrendo,
que ela se sentia quase ciumenta do quão profundamente todos sentiam
isso, Andy caminhou para a porta da cozinha que dava para o quintal.
Ela era uma criatura do mar, e o mar sempre foi seu maior conforto.
Andy imaginou que talvez um mergulho rápido iria clarear sua cabeça o
suficiente para que ela pudesse estar lá para ajudar esta família que a
tinha ajudado tanto. Pela primeira vez desde que ela tinha sido levada
para a casa Delos, Andy deixou a propriedade e se dirigiu para a praia.
— Ela caminha na beleza, como a noite — disse uma voz melodiosa
que era profunda, obscura, brilhante e inocente de uma só vez.
Inconfundível.
Andy congelou, embora ela soubesse que era tarde demais. Ele já
tinha visto ela, então não havia nenhum ponto em tentar ficar parada
como um cervo mudo no meio da estrada. Apolo não era um carro — ele
era um lobo. Veados precisam correr dos lobos.
— Você realmente não achou que eu tinha esquecido de você, não
é? — Apolo perguntou quando ele caminhou em direção a ela, iluminado
pelos longos raios do sol poente.
A borda da água estava apenas a poucos passos de distância. Talvez
ela pudesse chegar lá?
— Eu não iria se eu fosse você — disse Apolo, percebendo a sua
intenção. Ela sentiu o fundo da garganta fechar com um soluço,
convencida de que era isso. Este era o lugar onde ela iria ter uma morte
horrível.
— E eu não iria se eu fosse você — disse o que parecia ser o eco da
voz de Apolo de algum lugar da água.
A cabeça de Andy se virou para ver Hector emergir das ondas. Sem
camisa e vestindo apenas uma calça jeans encharcada, ele atravessou a
maré facilmente, como se a água fosse sua aliada. Seu rosto, uma cópia
exata de Apolo, estava rígido com raiva.
Apolo sorriu para seu Descendente duplicata. — Talento
interessante você tem sobre a água, filho. Onde você conseguiu isso?
Hector não respondeu. Ele foi direto para Andy. — Você está bem?
— ele perguntou-lhe suavemente. Ela assentiu com a cabeça e lançou o
olhar desconfiado na direção de Apolo, como se dissesse “Por enquanto”.
Hector angulou Andy para trás dele e enfrentou Apolo.
— Ai, ai. Quão ousado você é — o deus advertiu. — Você não está
nem um pouco preocupado por me desafiar?
— Não — Hector disse em uma voz firme. Apolo começou a rir. Foi
uma risada com sonoridade estranha — nem humana, e um pouco
menos do que sã.
— Você deveria estar. — Os olhos de Apolo brilharam. Sua pele
brilhava com sua própria luz, e, de repente, era como se o deus usasse
armadura e carregasse uma espada de bronze grande e pesada.
Embora ele estivesse desarmado e seminu, Hector não vacilou e não
demonstrou nem um pouco de medo. Depois de um momento, o brilho
envolvendo Apolo sumiu e a visão da armadura desapareceu.
— Você realmente é ele — Apolo disse, impressionado. — Heitor
renascido. E eu deveria saber. Eu andava com ele em sua carruagem em
Troia.
Hector não respondeu. Ele olhou para seu adversário, cada músculo
acordado sob sua pele. Estando apenas a centímetros de distância de
suas costas nuas, Andy podia sentir uma tempestade se agitando dentro
de Hector. Ele queria lutar com este deus, ela percebeu.
O rosto de Apolo contraiu. Ele tinha medo de Hector. Pela primeira
vez no que pareciam eras, Andy sentiu algo próximo de alívio.
— Em breve, filho — Apolo disse, falando sobre o confronto que
Hector tão obviamente queria. — Em breve estaremos de volta no campo
de batalha, mas desta vez eu lutarei pelo Olimpo, e você pela sua recém-
feita Atlântida. E se Zeus não nos obrigar a recorrer a truques como fez
da última vez, vamos, finalmente, completar o ciclo das Moiras e provar
quem é superior, os pais ou seus Descendentes.
Apolo saltou para o céu e voou para longe. Hector o observou ir,
pensando no que Apolo tinha acabado de revelar. Andy sabia que ela
deveria estar pensando sobre o que o deus tinha dito também, mas tudo
o que ela podia fazer era observar Hector. Ela queria saber como ela
poderia ter confundido ele com Apolo.
Claro, suas características e corpo eram os mesmos, mas os olhos
de Hector eram vivos e cheios de emoção, enquanto os de Apolo estavam
faltando algo crucial. Algo humano, ela supôs. Os olhos do deus eram
mortos como o de uma escultura em mármore, enquanto os de Hector
eram rápidos e ferozes... tão cheios de sentimento que pareciam queimar
com ele.
— Obrigada — ela sussurrou, toda a sua vida devida a ele nessas
duas palavras.
Ele olhou para ela e acenou com a cabeça uma vez, então de repente
virou-se para ir embora. Ele andou até sua camisa e sapatos, amontoados
em uma pilha na praia. Andy seguiu sua figura silenciosa, atordoada.
— Só isso? — ela disse, com a voz ficando incrédula no final. — Você
não vai nem mesmo dizer uma palavra para mim? Você acaba de salvar
a minha vida, acena e vai embora como se você fizesse isso toda terça-
feira ou algo assim?
Hector não olhou para ela. Virando o rosto para longe, ele puxou a
camisa sobre a cabeça e estendeu a mão para pegar seus sapatos.
— Ei! — ela gritou. Ele a ignorou. — Ei! — Ela correu até ele, e
empurrou-o mais forte que ela podia.
— O quê? — ele disse, frustrado, enquanto tropeçava para longe
dela.
— O que você quer dizer com o quê? — ela gritou de volta para ele
sarcasticamente.
— Quero dizer, o que você quer de mim, Andy? Você quer que eu vá,
ou fique, ou caia morto? O quê?
Seus olhos procuraram os dela. Eles saltaram de um lado para o
outro, à procura de algo dentro dela. Andy deu de ombros. Ela não tinha
ideia do que ele estava procurando. Ele sentou-se na areia com os sapatos
na mão, como se estivesse desistindo.
— Eu não posso fazer isso com você. Não esta noite — ele disse
calmamente. — Eu acabei de ver o meu irmão ser queimado bem na
minha frente...
Ele parou e olhou para longe dela, os ombros inchando com uma
respiração profunda. Ele se segurou antes que se transformasse em
lágrimas. Andy ajoelhou-se na areia ao lado dele enquanto ele lutava, se
sentindo horrível. Ele mal estava se contendo, mas ainda assim ele
colocou todos os seus outros sentimentos de lado e arriscou sua vida
para salvar a dela. E então ela gritou com ele. Não foi seu melhor
momento.
— Sinto muito, Hector. — Andy tocou em seu braço com as pontas
dos dedos. Ele se inclinou um pouco mais perto.
— A pior parte é não saber para onde eles foram ou como ele está —
ele confidenciou. — Eu odeio que eu não posso ajudá-los. Entende?
Ela entendia. Hector era bom em salvar as pessoas. Ela tinha
acabado de ver por si mesma que Hector era o tipo de cara que preferiria
lutar com um deus do que se sentir inútil. Não ser capaz de fazer alguma
coisa era provavelmente o pior tipo de tortura para ele.
— Orion pode encontrá-los no Mundo Inferior? Oh! Talvez ele
poderia até mesmo levá-lo com ele? Você poderia ir buscá-los — ela disse,
tentando ser útil.
— Orion não consegue encontrar Helen. É ela quem encontra ele
quando eles se encontram no Mundo Inferior — Hector respondeu,
balançando a cabeça.
— Eles passaram todo esse tempo lá juntos, e eles não têm um ponto
de encontro?
— Tempo e espaço não são como são aqui, e Helen é Aquela que
Desce, não Orion. Ele podia procurar por ela, mas a menos que ela saiba
que ele está procurando por ela, e ela vá até ele, eles nunca se
encontrarão. — Hector empurrou um pouco de areia ao redor com suas
mãos, girando os dedos através dela em frustração. — Helen é a única no
controle.
— Eu tenho ouvido isso bastante ultimamente. — Andy olhou para
as formas que ele estava fazendo na areia e franziu a testa. — Então, tudo
o que podemos fazer é esperar que Helen volte? Isso é muito chato.
— É por isso que eu precisava de um mergulho. Há alguma ninfa da
água na minha família, e eu sempre me senti em casa no oceano — ele
disse, sorrindo e olhando para a areia. — Ajuda a me acalmar.
— Eu também. — Ela olhou para seu perfil, se perguntando como
eles já tinham tanto em comum. Eles nunca tinham dito mais do que
algumas palavras um para o outro, mas ela o entendia perfeitamente. —
E quase entrar em uma briga com um deus não é exatamente calmante.
Me desculpe por isso.
— Não. Não diga isso.
Ele olhou para ela, e ela se esqueceu de como respirar. Ele era
bonito, com certeza. Mas a beleza é fácil. Não foi isso o que a moveu. O
que a moveu foi toda a vida que ela viu dentro dele. Ele tinha um espírito
tão forte que parecia sair de seus olhos e agarrá-la.
— Você aparecer foi a melhor coisa que me aconteceu durante todo
o dia — ele disse, arruinando totalmente o momento.
Andy se encolheu. — É, bem. Obrigada? — ela disse duvidosamente.
— Mas eu ficaria mais impressionada com essa frase se eu não soubesse
a porcaria de dia que você teve.
Ambos riram.
— Essa frase foi bastante patética, não foi? — ele perguntou, tirando
sarro de si mesmo.
— Eu já ouvi piores, mas sim. Foi muito ruim. — Ela sorriu para ele
e ergueu as mãos, incrédula. — O que aconteceu? Eu soube que você era
totalmente bom de papo.
— O que posso dizer? Eu estou fora de forma — ele riu, e olhou para
longe, ficando quase tímido. — Então eu não vou ficar de papo ao seu
redor.
— Que bom — ela disse calmamente, deixando a piada continuar.
— Eu gosto mais de você desse jeito, de qualquer maneira.
Quando ele olhou para ela com o canto dos olhos e sorriu, Andy
sabia que ela nunca o confundiria com mais ninguém. Não importava
quem ele era. Hector era único. Andy também sabia que, gostando ou
não, a partir daquele momento nenhum outro homem jamais se igualaria
a ele em sua mente.

***
Matt observou Apolo deixar Hector e Andy na praia e relaxou seu
controle sobre o seu punhal, grato que nada tivesse acontecido. Ele sabia
que não poderia ter permitido Apolo ferir a garota, mas interferir teria
causado uma confusão inteira de problemas. Matt ainda estava tentando
se convencer de que ele poderia viver com algumas dúvidas, desde que o
mal maior fosse exterminado. Ele estava feliz que ele não teve que
enfrentar essas dúvidas ainda, e ele esperava que os deuses não o
colocassem em uma posição onde ele teria que fazer isso.
Matt foi até a praia em silêncio. Silencioso como ele estava, ele sabia
que a única razão de Hector não ter ouvido ele era que ele estava distraído
por Andy.
Ele e Andrômaca foram reunidos. Pelo que Matt viu eles tinham o
mesmo tipo de amor de antes. Um companheirismo afetuoso e
humorístico que poderia sobreviver a qualquer coisa — até mesmo a
guerra, a fome e a perda de outros entes queridos. Seu amor era uma das
razões pela qual Troia tinha resistido ao cerco.
Matt desejava-lhes o melhor e esperava que se desenrolasse de uma
forma diferente desta vez. Ele realmente gostava de Hector. Ele sempre
gostou, apesar de suas diferenças políticas profundas. Hector era o único
que realmente o entendia.
Essa é a coisa sobre muralhas, pensou Matt. Os homens de cada
lado delas, por vezes, têm quase tudo em comum — exceto por um detalhe
que eles estão dispostos a matar uns aos outros.
Correndo até a praia para o Farol Great Point, Matt podia vagamente
distinguir as tendas de acampamento de seu exército. Bem camuflado
mesmo durante o dia, parecia nada mais do que dunas de areia para um
observador casual, mas Matt podia vê-los pelo que eles eram. Ninhos de
Myrmidons.
— Mestre — disse Telamon, aparecendo silenciosamente ao lado de
Matt.
Matt sorriu e apertou-lhe calorosamente pelos antebraços em
saudação. Ele ficou surpreso ao sentir um laço tão profundo com o
capitão. Boas recordações brotaram em Matt, lembrando-o do vínculo
que compartilharam um dia. Telamon olhou para o rosto de Matt.
— Eu não pareço nada com ele, Telamon — Matt disse com uma
risada.
— Não é a aparência que importa — ele respondeu com sinceridade.
— É sua convicção que conta.
— Eu sei no que eu acredito. Eu teria acreditado mesmo que o
punhal nunca tivesse chegado a mim. Sei disso agora, e eu sei o que
tenho que fazer — Matt disse com tristeza, e soltou seu velho amigo.
Ele tomou conhecimento de uma massa de homens que se
deslocavam para fora das dunas. Eles se reuniram em torno de Matt
como uma névoa que se eriçava com as flechas e espadas.
— E é precisamente por isso que o punhal escolheu você. — Telamon
recuou e levantou a voz ligeiramente, incluindo os outros trinta e dois
Myrmidons neste reencontro. — O mestre nunca forçaria suas crenças
sobre outra pessoa. É por isso que demorou tanto tempo. Ele esperou até
que encontrasse um espírito que combinava com o seu próprio.
Os soldados que aparentemente surgiram do nada passaram na
frente de Matt, cada um deles procurando seu rosto como Telamon tinha
feito. Alguns dos rostos de seus soldados tinham características
monstruosas como de uma formiga, com antenas, olhos brilhantes
totalmente pretos, ou pele de lagosta vermelha que pareciam ser feitas de
carapaça. Alguns pareciam quase humanos do lado de fora, mas Matt
sabia que não eram.
Matt reconheceu-os um por um. Eles devem ter reconhecido algo
familiar sobre ele também, porque quando cada um deles olhou para ele,
olhares satisfeitos estavam espalhados por seus rostos.
— Eu conheço todos vocês, e noto que muitos de nós foram perdidos
ao longo do caminho — disse Matt com emoção real.
Eles haviam esperado por ele por tanto tempo, e cada um deles tinha
vindo quando foram chamados. Matt não poderia viver consigo mesmo se
ele não fosse honesto sobre a dúvida que ele ainda sentia. — Sinto muito,
irmãos. Eu não tenho certeza que esta guerra é justa. Não é nosso
objetivo que eu questiono. Eu sei o que é certo, e eu sei que eu preciso
fazer isso, não importa o quão difícil seja para mim. Mas eu ainda tenho
reservas sobre qual lado nós lutaremos.
— Como você fez em Troia — Telamon disse com um meio sorriso de
cumplicidade, como se estivesse lembrando Matt que nada tinha
mudado. — Você não luta por nenhum rei e nenhum país, Mestre. Você
luta pelo direito de cada homem decidir seu próprio destino. Como cada
um de nós decidimos por nós mesmos quando nós juramos sobre a
espada.
— Juramos sobre a espada — a massa de Myrmidons sussurrou.
— Um homem, um voto — Telamon solicitou.
— Um homem, um voto — os Myrmidons gritaram de volta.
Matt esperou o coro de fiéis se estabelecer antes de continuar. Havia
algo sobre a sua obstinação que o perturbou, especialmente por que o
que eles estavam repetindo em uníssono era a base do pensamento
individual e a joia da filosofia grega.
A ideia de “um homem, um voto” foi o início da democracia. Pobre
ou rico, deus ou mortal, Matt acreditava que cada ser deveria ser contado
de forma igual. O fraco tinha tanto direito de decidir por si mesmo como
os poderosos. Essa crença era algo que ele morreria para defender. Matt
também sabia que quando um indivíduo adquiria muito poder, aqueles
sem poder sofriam e, geralmente, morriam. Ele não podia viver consigo
mesmo se ele deixasse isso acontecer. Não quando ele podia impedir. Mas
ele não queria cometer os mesmos erros que ele cometeu em Troia.
— O deus Hermes me informou que vários Descendentes desejam se
juntar à nossa causa contra o Tirano, mas eu não confio neles. O que eu
quero é que cada um de vocês considere o seguinte: Devemos ir sozinhos?
— perguntou Matt, dando um passo para trás e erguendo a voz para
incluir todos os seus homens na presente decisão. — O que vocês dizem?
Deveríamos deixar Hermes organizar para todos nós um encontro com os
Descendentes? Ou podemos fazer isso sem fazer alianças com as pessoas
e com os deuses que não são muito melhores do que o mal que lutamos
contra?
— Nós lutamos e morremos por um propósito, Mestre — disse
Telamon. A palavra Mestre foi sussurrada através dos homens em
concordância, e transtornaram Matt novamente. — Sozinho ou com
aliados, não importa. Quando você luta, aqueles que buscam o mesmo
objetivo que você irão reivindicar o crédito pelas suas vitórias quer você
queira eles ou não. Só uma coisa realmente importa.
Matt assentiu, sua decisão tomada, apesar de tudo o que sabia que
iria custar-lhe. — O Tirano deve morrer.

***
Helen estava na grama, olhando para Lucas enquanto ele dormia.
Em seus primeiros momentos, este novo mundo que ela criou não era
nada mais que isso — grama macia sob ela, um sol no céu azul acima
dela e Lucas ao lado dela. Então, o mundo cresceu, porque ele estava
sofrendo.
Ela desejou que o sol levasse sua dor embora, o ar curasse suas
feridas e o chão o alimentasse para que ele não precisasse de comida ou
água. Em segundos, Lucas estava saudável e perfeito novamente. Seus
olhos se abriram e encontraram os dela, e todo o mundo de Helen estava
nele.
— Oi — ele disse, um sorriso se espalhando pelo seu rosto.
— Oi — ela respondeu, sorrindo para ele.
— Eu estou morto?
— Nem um pouco.
— Oh, que bom. — Ele olhou para o céu brilhante e branco.
Helen não tinha tido a chance de colocar quaisquer nuvens nele
ainda. Nuvens surgiram na existência quando elas ocorreram a ela,
escondendo o sol amarelo perfeitamente para Lucas não ser cegado por
ele.
— Você tem certeza que eu não estou morto? Porque eu me sinto
meio morto — ele disse, desconfiado.
Helen riu e colocou a mão em seu peito. Por um momento, o bater
constante de seu coração era o único som no mundo de Helen. — Você
não parece morto para mim.
— Isso é tudo o que importa — ele disse, virando a cabeça para olhar
para ela. A preocupação obscureceu seus olhos. — Eu sei que isso não é
possível. O que você fez, Helen?
— Eu criei um mundo para você.
Lucas sentou-se e olhou em volta, e ela sentiu-se subitamente
tímida, como se ele estivesse olhando para uma pintura inacabada, e ela
ainda estivesse sentada em frente a seu cavalete. Helen desejou que a
grama se esticasse e se transformasse em um campo. Ela colocou flores
na grama, abelhas nas flores e encheu o ar com o cheiro e os sons da
primavera. Ele viu o mundo crescer, como um tapete desenrolando em
todas as direções e olhou para Helen. Ele baixou a cabeça, sacudindo-a.
— Faz sentido. Se alguém fosse dotado o suficiente para criar um
mundo totalmente novo, seria você, não é?
— Eu não sou a única que já fez isso — ela admitiu, sentando-se ao
lado de Lucas e observando-o seriamente. — Hades fez isso. Zeus fez isso.
Morfeu fez isso. E... Atlanta fez isso.
— Atlanta. A de Atlântida? — ele perguntou, franzindo a testa em
reflexão. Helen assentiu. Lucas se virou para ela, muito sério. — Helen,
você sabe onde Atlântida está?
Helen engoliu em seco e assentiu. Como a remoção de um Band-Aid,
ela achou que seria melhor se ela acabasse com isso rapidamente.
— Ela se foi. Eu não sei todos os detalhes, mas Hades me disse que
ela afundou para sempre quando Atlanta perdeu algum tipo de desafio.
— Helen observou o rosto de Lucas murchar, como se algo em seu corpo
doesse. — Sinto muito, Lucas. Não há Atlântida.
— Não. Mas há isso aqui — ele disse, elevando seu humor. Helen
olhou para ele, intrigada.
— Sim, mas sem Atlântida significa que não há imortalidade. Todos
esses anos as casas estiveram matando umas as outras para chegar a
Atlântida e se tornarem imortais... e tudo isso é um conto de fadas.
— Eu aposto qualquer coisa que seu mundo é melhor do que
Atlântida foi. E eu aposto que se Atlanta podia tornar as pessoas imortais,
você também pode.
— Bem, obrigada, mas tudo o que eu fiz até agora foi um campo de
flores. Nada de vida eterna.
Ele olhou para ela por alguns momentos. Helen conhecia este olhar.
Ele dava a ela quando ele estava tentando descobrir a melhor maneira de
explicar algo complicado para ela.
— Desembucha — ela gemeu, sorrindo para a lição inevitável que
ele estava prestes a lhe dar.
— Eu só estou pensando em como o seu mundo funciona. Tudo o
que você quer que aconteça, acontece, não importa o quão louco é, certo?
Mas ainda há regras — disse Lucas, falando e pensando ao mesmo
tempo. — Deixe-me colocar desta forma. Você curou meu corpo. E eu sei
que eu estava muito perto de morto.
— Sim, mas...
— Quando voltarmos para o outro mundo. Ah, a Terra — ele disse,
fazendo uma careta para o quão estranho era dizer isso. — Eu suponho
que minhas feridas não vão voltar, não é?
— Claro que não. Você está curado.
— Então você mudou meu corpo. Tudo o que você fez com o meu
corpo aqui permanecerá quando voltarmos para a Terra. Essa é uma das
regras. — Lucas esperou que Helen acenasse, o que ela fez lentamente,
ainda tentando acompanhar ele. — Então isso quer dizer que você
poderia me tornar imortal aqui e eu ficaria desse jeito, para sempre, não
importa para qual mundo fôssemos?
Helen olhou para ele. — Como você faz isso? Como você descobre
tudo tão rápido?
— Você pode ser toda-poderosa, mas nada bate a velha lógica
simples. — Ele sorriu para ela. — Estou certo? Você pode tornar qualquer
um imortal, trazendo-os aqui e desejando isso?
Ela concordou em silêncio, pensando em como ela se machucou em
Hades e acordou em sua cama na Terra ainda ferida. Ela sabia por
experiência que se algo acontecesse com o corpo em um mundo isso seria
transportado para todos os outros. O mesmo seria para a imortalidade.
Helen sabia que isso estava certo, implicitamente, da mesma maneira
que ela sabia que seus pés estavam lá, mesmo quando ela não estava
pensando sobre eles. Ela poderia tornar a si mesma e Lucas imortais
apenas pensando nisso aqui em seu mundo.
Apenas um desejo feito aqui neste mundo, sentada na grama, e ela
e Lucas podiam viver juntos, jovens e saudáveis para sempre.
— Não — disse Lucas, com o rosto imóvel. Ele sabia o que Helen
estava considerando. — Precisamos realmente pensar sobre isso antes de
fazermos qualquer coisa permanente.
Helen pensou em como Lucas estava quando ela o trouxe para o
mundo dela há poucos momentos — sua pele queimada, o osso à mostra
e o vermelho em algumas das piores manchas. Ela sabia que ela era forte,
mas também sabia que havia algumas coisas com o que ela poderia lidar
e algumas coisas que ela não podia. Perder Lucas não era algo que ela
poderia suportar. Nem agora, nem nunca.
— Claro. Nós vamos falar sobre isso mais tarde. — Ela sorriu
serenamente para ele.
— Helen — ele começou, arregalando os olhos para ela em sinal de
advertência.
Ela levantou-se antes de Lucas ter a chance de dar um sermão nela,
e puxou-o de pé. — Vamos, sabichão. Eu quero ir a Paris. Ou Roma. Ou
Estocolmo.
Ele não sabia o que ela queria dizer, até que a linha do horizonte da
cidade apareceu na borda do campo de grama e flores silvestres. Não
havia passagens feias, nenhum monte de lixo ou centros de transporte
público mal projetados, apenas flores e pavimentos. Uma cidade
reluzente apareceu, perfeita e contida do mundo natural bem próximo a
ela, como um reino em um globo de neve.
Eles pisaram na calçada, e a cidade e todo o seu barulho, agitação e
vida rodeou eles. O cheiro de café torrando e pão assado encheu o ar, e
seus narizes os levou a um café murmurante e barulhento, metade de
um quarteirão abaixo.
— É como se Nova Iorque, Viena e Reykjavík tivesse um bebê com a
Escócia — disse Lucas em reverência.
Ele olhou para os edifícios, alguns antigos e no estilo de castelos e
alguns reluzentes e novos. À direita fora dos edifícios altos, um deserto
perfeito de florestas, lagos e montanhas esperava para ser caminhado,
nadado e escalado.
Lucas balançou a cabeça para clareá-la. — É Everycity.
— Sim — Helen riu suavemente. — Todas as cidades que eu nunca
estive.
— Eu prometi a você uma vez que íamos viajar — ele disse, com o
rosto triste. — Eu sinto muito, Helen. Teria levado só uns poucos
momentos, e nós poderíamos ter voado para qualquer lugar juntos. Mas
eu nunca te levei.
— Nós tínhamos outras coisas em nossas mentes — ela disse,
pegando sua mão. — Eu não construí isso para envergonhar você. Eu
construí para compartilhar com você.
Lucas levantou o rosto para o céu, absorvendo as camadas
complexas de cheiros e vozes.
— Bem, você fez tudo certo, exceto por uma coisa. — Lucas engoliu
em seco e sorriu, olhando para ela. — É muito mais limpo do que
qualquer cidade que eu já estive.
— O que eu posso dizer, eu sou de Nantucket — disse Helen,
encolhendo os ombros. — Nós não somos imundos.
— Sim, eu tenho notado. Até mesmo a sujeira lá é limpa. — Lucas
riu e virou todo o seu corpo para enfrentar o dela.
Por apenas um momento, Helen sentiu que ele iria beijá-la, e em
todos os lugares em Everycity o sol brilhou um pouco mais brilhante.
Mas ele não a beijou. No último segundo, ele recuou e mudou de assunto.
— Pistas de contexto. Eu sei que você quer algo para comer porque
você nos fez aparecer ao lado de um café — ele disse, sua voz profunda e
texturizada. Ele virou-se e apertou a mão dela, como se ele estivesse
tentando acordar ambos de um sonho. — Vamos. Vamos ver o que você
colocou no cardápio.
— Espera. Por quê? — ela perguntou, de repente tímida.
— Este mundo é um reflexo de seus desejos. — Ele levou Helen para
o café ocupado antes que ela tivesse uma chance de remover qualquer
coisa de forma discreta. Ele olhou para a esquerda e para a direita para
as mesas de ferro forjado com tampo de azulejo, louças incompatíveis e
as vigas abertas acima de suas cabeças e sorriu. — Este é o seu
subconsciente. Eu quero saber o que você realmente quer.
Tarde demais para impedi-lo, Helen seguiu Lucas quando ele entrou
em seu subconsciente. Havia arte nas paredes — combinações estranhas
de imagens que nunca estariam na mesma parede em um museu.
Ansel Adams e Toulouse-Lautrec de alguma forma viviam em
perfeita harmonia no pequeno mundo de Helen. Garotas de Cancan
mostravam as pernas ao lado de pinheiros nobres enterrados na pureza
branqueada do inverno.
Era tudo o que Helen amava sobre a arte, e tudo o que ela amava
sobre a natureza humana. Ela olhou para outra parede e viu um Van
Gogh vibrante e de aparência quase violenta pendurado apenas a
centímetros de distância de um Mondrian suave e ordenado.
Helen sabia que Lucas viu cada nuance, cada diálogo entre as obras
de arte. Uma imagem preenchia as outras enquanto Helen ia e voltava
em seu subconsciente sobre o que era mais atraente — a habilidade da
humanidade para ser racional e pura ou a sua necessidade de ser
confusa e sexy.
Lucas caminhou direto para um argumento interno inacabado de
Helen e viu tudo o que estava enterrado dentro dela — pele nua e fresca
de um banho quente e bétulas polvilhadas com neve. Helen se sentiu nua
e exposta com ele olhando para isso. Foi tão embaraçoso que ela gemeu.
Ela puxou Lucas em uma pequena cabine no canto perto da janela
e levantou o seu cardápio, como uma barricada. Ela tentou ler o cardápio,
mas estava em branco. Assim como sua mente.
— Helen? — Lucas disse gentilmente, puxando para baixo seu
cardápio. — Você não tem que esconder nada de mim. Você sabe disso,
certo?
— S... sei — ela gaguejou, tremendo.
— Eu não tenho medo de nada dentro de você — ele pressionou. —
Bom. Mau. Horripilante. Eu conheço a escuridão. E eu nunca a julgaria
por ter algumas gotas dela em você.
— Oh. — Helen olhou ao redor da sala. A pintura perturbadora de
Goya, Saturno Devorando Um Filho, capturou seu olhar e ela o manteve.
— E se for mais do que algumas gotas?
Lucas riu. Ele pegou o seu cardápio, jogou-o no chão e pegou suas
duas mãos. — Eu não te disse que eu te amo?
— Sim.
— Eu quis dizer você toda. Até mesmo as partes estranhas.
— Lembre-me de queimar este lugar assim que sairmos — ela disse,
adorando ele.
— Absolutamente não. — Ele olhou para os clientes. Pessoas de
todas as raças, idades e períodos de tempo pareciam estar saindo juntas.
Nativos americanos com cocares de penas conversavam agradavelmente
com piratas. Meninas com franjas dos anos oitenta flertavam com caras
da Inglaterra Elisabetana. — Eu gosto disso dentro de sua cabeça. É
estranho, mas combina comigo.
Helen olhou ao redor e tudo fez sentido para ela. Como seria legal
ser capaz de ir para um café e iniciar uma conversa com alguém de outro
tempo e lugar? Era algo que ela sempre imaginou fazendo, e agora parecia
que ela não tinha que imaginar mais. Ela podia ser uma parte disso.
Nenhum deles estava com fome ou com sede, eles estavam ali
apenas para provar algo gostoso e desfrutar a companhia do outro.
Estava frio, mas agradável também, e quando Helen olhou para o que
eles estavam vestindo, ambos estavam vestidos perfeitamente para um
dia de outono. Ela não se lembrava de vesti-los, mas eles estavam
definitivamente vestindo roupas novas.
— Vamos lá — ele disse, levantando-se e vestindo seu casaco recém-
criado. — Eu quero dar um passeio antes que neve.
Eles deixaram o café e começaram a vaguear pela rua de
paralelepípedos, lojas e edifícios que foram ocupados com todos os tipos
de pessoas indo e vindo. Helen não tinha ideia de onde todas essas
pessoas vieram. Ela achava que ela as criou ou se lembrava delas.
Qualquer que seja o caso, Helen sabia que elas foram baseadas na
realidade e isso era reconfortante para ela. Teria sido estranho passear
em uma cidade vazia, ou pior, uma cidade cheia de robôs estilo
manequim.
O sol estava se pondo, e Helen cheirou a neve no ar, assim como
Lucas havia previsto. Janelas iluminaram com brilhos quentes quando
as pessoas ligaram suas luzes ou acenderam velas. Lucas estava com seu
braço por cima do seu ombro enquanto caminhavam pela rua.
— Não há pessoas pobres. Nem sem-tetos — ele disse de repente.
— Não — Helen respondeu. — Todo mundo tem o que precisa aqui.
— Mas como alguém poderia ser grato pelo que tem, se ele não sabe
como é não ter o que eles precisam?
Helen balançou a cabeça e olhou para baixo. — Eu sempre achei
que esse era o argumento mais idiota, de que precisamos que algumas
pessoas sejam pobres, a fim de lembrar o resto de nós para sermos
gratos. Tudo o que realmente significa é que alguém tem que sofrer com
a pobreza para que outras pessoas possam se sentir melhores sobre si
mesmos. Que maneira egoísta de olhar para o mundo.
Lucas riu e apertou-a contra seu lado. — Eu concordo. Mas você tem
que admitir que é da natureza humana só realmente apreciar algo se você
já trabalhou por isso ou se você sabe que você pode perdê-lo. Como você
irá fazer os habitantes de seu pequeno paraíso se sentirem realizados se
tudo vem a eles facilmente?
— Ah. O velho problema do “o céu é chato”, hein? Não neste
universo. — Helen olhou para Lucas, e eles sorriram um para o outro. —
Nós vamos descobrir alguma coisa. Temos tempo de sobra.
— Espere — ele disse, estreitando os olhos para ela. — O que você
quer dizer com temos tempo de sobra?
— Só que somos jovens — Helen respondeu cautelosamente.
Antes de Lucas poder continuar a fazer perguntas, Helen imaginou
um parque de diversões e ele apareceu na frente deles. Luzes
multicoloridas brilhantes brilhavam na luz da noite e música alegre soava
ao redor deles. O aroma de algodão doce adoçava o ar, e em outros
lugares eles podiam sentir o cheiro de algo suculento e picante sendo
grelhado.
— Incrível — Lucas respirou. — Tudo o que ela quer ela recebe.
Helen puxou seu braço, sorrindo maliciosamente. — E o que eu
quero agora é montar o carrossel.

***
Matt ouviu Telamon soar o alarme. Nenhum ser humano ou
Descendente jamais seria capaz de discernir os ruídos que os Myrmidons
faziam do coro de ruídos naturais em uma praia, mas Matt poderia
facilmente dizer a diferença entre as vozes dos insetos e as de seus
soldados.
Ele deixou sua tenda para assistir a um grupo de Descendentes
chegando à praia. Matt tinha conhecido a maioria deles em Troia e não
gostava da maioria deles. Odisseu era o único digno de respeito.
— Então é verdade — disse um homem grande e loiro. Matt o
conhecia como Menelau. — O Guerreiro finalmente entrou para a luta.
— Tantalus. Chefe de Tebas — Telamon sussurrou no ouvido de
Matt. Matt assentiu.
— Quando Hermes me disse que Myrmidons estavam se
concentrando na costa, eu sabia que a última peça do quebra-cabeça
tinha sido encontrada e que você estava vindo para lutar — Tantalus
continuou, embora Matt não tivesse pedido. Um silêncio desconfortável
se seguiu quando Matt olhou para Tantalus, ainda relutante em fazer
uma aliança com este homem, embora ele soubesse que era inevitável.
Os Myrmidons tinham votado por isso.
— Você contratou um dos meus soldados. Automedon. Ele foi um
dos meus amigos mais próximos um dia — Matt disse, sem expressão. —
Antes de se desviar do seu caminho.
— Sim — Tantalus disse cautelosamente enquanto ele avaliava Matt.
— Eu não tive nada a ver com sua morte, no entanto.
— Uh-hum. — Matt olhou para os dois homens de cada lado de
Tantalus — Odisseu à sua esquerda e Agamenon à sua direita. Pallas
Delos, como Matt conhecia Agamenon agora.
— Como isso aconteceu, Matt? — Pallas perguntou, desanimado. Ele
gesticulou para os guerreiros Myrmidons, dispostos em fileiras precisas.
— Ele foi escolhido — Telamon disse defensivamente. — Isso é tudo
que você precisa saber. Nós o aceitamos como nosso Mestre.
Os Myrmidons sussurraram a palavra Mestre na sua maneira
fantasmagórica, fazendo os Descendentes compartilharem uma rodada
de olhares nervosos. Eles estavam com medo dos homens de Matt, como
deveriam estar.
— E você tem todas as habilidades de Aquiles? — perguntou o
homem que Matt conhecia como Odisseu. Matt inclinou a cabeça perto
de Telamon.
— Dédalo Attica, Chefe de Atenas — Telamon disse-lhe
imediatamente.
— Essa não é a sua real pergunta — disse Matt, observando Dédalo
uniformemente. — Você quer saber se tenho a fraqueza de Aquiles.
A boca de Dédalo transformou-se em um meio sorriso. — Todo
mortal tem pelo menos uma.
Matt sorriu para ele, com os lábios fechados, não confirmando nem
negando o que o astuto estava perguntando. Eles olharam um para o
outro até Dédalo desviar o olhar.
— Como quiser — disse Dédalo. Ele considerou Tantalus e Pallas e
ergueu as sobrancelhas. — Bem, eu estou convencido.
— Você tem certeza sobre isso? — Pallas perguntou a Tantalus.
— Os deuses vão esmagar a todos nós se não cumprirmos a nossa
parte do acordo — Tantalus respondeu, olhando para Matt com
desconfiança aberta. — Trazemos o Guerreiro para a luta, ou todos os
Descendentes morrem. Zeus jurou no rio Styx que se fizermos isso nossas
casas serão preservadas.
Era como sempre foi. Em Troia, os reis gregos fizeram o seu próprio
negócio com Zeus e salvaram suas peles, e as crianças inocentes de Troia
foram lançadas da parte superior da muralha. Matt aprendeu há muito
tempo que os reis só se preocupavam com a preservação de seus próprios
reinos e estavam mais interessados com o que poderiam tirar de qualquer
situação do que fazer o que era certo. Matt estava de repente tão revoltado
com a cobertura e a postura política que viu nos Descendentes que ele
virou para voltar para a sua tenda. Não foi para isso que ele tinha vindo.
— Espere — Dédalo chamou, dando um passo para Matt. Os
Myrmidons se moveram como um só para interceptar Dédalo. Ele
levantou os braços em sinal de rendição. — Calma. Todo mundo se
acalme.
— Eu vou lutar com ou sem vocês. — Matt parou e virou-se para
enfrentá-los, falando claramente. — Eu estou aqui para matar o Tirano.
Se é isso que você quer, então você pode se juntar a mim. Se não, saia do
caminho.

***
Helen levou Lucas para o labirinto de cabines, puxando seu braço.
Ele ficou atrás de brincadeira, agindo relutante em segui-la, então ela
teve que arrastá-lo. No caminho, um pregoeiro chamou sua atenção com
um estranho desafio e Lucas teve de parar e atirar uma bola em uma
pilha de garrafas de leite.
Ele precisou de três tentativas, o que ele insistiu que nunca tinha
acontecido com ele antes, mas, eventualmente, ele ganhou um prêmio
para Helen. Havia um elefante fofo que chamou sua atenção por um
momento, mas ela finalmente pegou uma varinha brilhante. Ela tinha
uma estrela prateada na parte superior e dezenas de fitas saindo da parte
inferior. A varinha parecia certa em sua mão e fácil de transportar. Ela
balançou-a algumas vezes, desejando que faíscas saíssem para fora dela
quando pararam na frente da cabine de esculturas de vidro e viram um
homem fazer um pequeno dragão de vidro.
Nenhum deles conseguia parar de sorrir. Helen ouviu o carrossel e
correu os últimos passos. Ela pulou para a parte traseira de um unicórnio
assim que ele passou, acenando sua varinha reluzente no ar como se
fosse um chicote.
— Upa, upa! — ela gritou para sua montaria de cerâmica pintada,
mas não foi mais rápido. O pole do meio do unicórnio era de bronze, e
tinha cheiro picante no frio do outono.
Lucas pulou ao seu lado, ficando de pé ao seu lado em vez de pegar
um cavalo para si mesmo. Ele estava sobre ela, seu casaco aberto em
volta dela quando ele agarrou o pole de bronze. Eles olharam um para o
outro por um longo tempo enquanto o resto do mundo girava em torno
deles. As cores brilhantes do parque de diversões correram de forma
borrada pelo canto dos olhos de Helen, mas Lucas estava quieto.
— Por que você não me beija? — ela perguntou em voz baixa.
— Você não pode me obrigar? — ele respondeu, levantando uma
sobrancelha em provocação para ela.
— Eu não iria querer isso. Especialmente no nosso primeiro
encontro de verdade.
Lucas riu suavemente. — Eu estava pensando a mesma coisa
quando estávamos no café. Você e eu fomos a um café juntos uma vez
antes da escola, mas nós nunca realmente tivemos um encontro, não foi?
— Nós nunca tivemos a chance. O mundo estava sempre prestes a
acabar, ou um de nós estava em chamas ou algo igualmente irritante. —
Ele riu. Ela olhou para ele e tentou não corar. — Sabe, nós podemos fazer
o que quisermos aqui. Posso me certificar de que não haja consequências.
Ela podia sentir sua respiração acelerar e ver seus olhos brilharem
com mais do que apenas o frio. — Você se lembra, meses atrás, que você
me deu alguns conselhos sobre como eu deveria agir com decisões
difíceis? — ele perguntou.
— Decida o que você absolutamente não pode lidar e faça o oposto
— ela disse, surpresa que ele estivesse trazendo isso à tona quando ela
tinha pensado praticamente a mesma coisa não muito tempo atrás.
— É por isso que eu não vou te beijar. — Ele levantou a mão e tocou-
lhe o rosto, e rapidamente a deixou cair. — Eventualmente, nós vamos
ter que voltar, e eu vou perder você de novo. Eu sei de fato que eu não
posso lidar com isso.
Nem Helen poderia, e ela estava começando a considerar outras
opções. Como descobrir uma maneira de Afrodite remover a maldição que
exigia que Helen tivesse uma filha em primeiro lugar. Talvez em vez de
aceitar a sua situação, o que era ridiculamente injusto, ela precisava,
pelo menos, tentar corrigi-la.
— Estou cansada de dar voltas e voltas — Helen suspirou.
O carrossel parou. Ela se levantou e saltou para baixo, as luzes do
parque de diversões desligando seção por seção em torno dela quando ela
saiu do parque. Ela baixou a varinha, e a neve começou a cair. Milhares
de estrelas minúsculas foram apagadas e pareceram cair através do céu
noturno como cristais pequenos e únicos. Parecia que o ar em torno deles
girava com pedaços cintilantes de estrelas congeladas.
— Helen — Lucas começou, seguindo-a. Ela o ouviu preparando-se
para mais um dos seus argumentos lendários.
— Eu não estou brava com você porque você não vai me beijar — ela
disse, virando-se e parando-o. — Eu entendo por que você não vai me
beijar. Eu não posso passar por tudo isso de novo, tampouco.
— Então, qual é o problema? — ele perguntou pacientemente.
— Eu estou cansada de acreditar que existem essas divindades
sombrias toda-poderosas que são maiores do que eu, me impedindo de
fazer o que eu quero. Porque isso é uma mentira. Eu sou tão forte quanto
qualquer um dos seres que me controlam. E eu sei que posso vencê-los.
— Ah. Helen? — Lucas arriscou. — Você não vai fugir e começar a
entrar em brigas com os deuses ou qualquer coisa assim, não é?
— Bem, não — ela disse, mudando inseguramente de pé para pé. —
Eu estava pensando que eu ia começar fazendo algumas perguntas e
partir daí.
— Ótimo — Lucas disse, aliviado. Ele estendeu a mão e pegou a mão
dela, estreitando os olhos com determinação. — E se falar não funcionar,
vamos enterrá-los.
Helen observou uma sombra escura passar pelo seu rosto. — Vamos
pensar sobre isso mais tarde — ela disse, levando-o a um caminho que
serpenteava para a floresta. — Eu não estou pronta para o nosso
encontro acabar ainda.
CAPÍTULO 11
Traduzido por I&E BookStore

C erca de meia hora depois de Tantalus, Dédalo e Pallas deixarem


seu acampamento, Matt ouviu o alarme novamente. Houve uma
comoção do lado de fora, o som de luta e momentos depois Telamon
estava na entrada da tenda de Matt com um relatório.
— Uma Descendente foi encontrada se esgueirando em torno da
praia e foi capturada — Telamon informou. — Eu teria enviado ela de
volta para sua Casa, só que... é ela, Mestre.
— Está tudo bem — disse Matt, acenando com a cabeça. — Traga-
a.
Ariadne foi levada para a tenda, segurada por ambos os lados por
um Myrmidon. Seu cabelo estava embaraçado, e seu rosto estava
vermelho com o esforço. Ela, obviamente, esteve em uma luta, mas ela
não era páreo para nem sequer um dos soldados de Matt, e muito menos
vários deles.
— Soltem ela. Em seguida nos deixem a sós. — Os guardas
obedeceram silenciosamente. Ele se virou para Ariadne. — Como você
nos encontrou?
— Eu segui meu pai. Ele estava agindo de forma estranha esta noite
— ela sussurrou. Ariadne ficou tão longe de Matt quanto pôde e esfregou
os braços, onde os guardas tinham segurado ela.
— Eles te machucaram? — ele perguntou em voz baixa. Ela ignorou
a pergunta.
— Como você pode ser ele? Você não é um Descendente.
— Nem Aquiles.
Ela deixou cair o rosto nas palmas das mãos e esfregou os olhos com
força. — Não — ela disse, levantando a cabeça de repente. — Não, eu não
acredito em nada disso. Eu não posso.
Ela correu para a saída, mas Matt se moveu mais rápido do que ela
jamais poderia e estava lá antes dela. Ele pegou o pulso dela para impedi-
la de sair. Ela olhou para ele em choque.
— Acredite. — Sua pele estava macia e quente na sua mão. Ele a
soltou e se afastou. Ele sabia que era melhor assim, apesar de não gostar
disso. — Vá para casa. Meus homens não vão impedi-la.
Ela não foi embora.
Matt ouviu ela atravessar o espaço até ele e se virou, já balançando
a cabeça. — Não faça isso.
Ela o beijou, de qualquer maneira. Ele sabia que deveria parar com
isso. Ela podia conhecer a história palavra por palavra, mas ela realmente
não se lembrava do final do jeito que ele lembrava. Ele estava prestes a
se afastar e enviá-la para casa para os irmãos dela quando ela pressionou
seu polegar no oco em forma de U sob o seu pomo de Adão enquanto ela
o beijava. Assim como ela costumava fazer cem vidas atrás.
Quando Matt pegou-a e levou-a até sua cama, ele ficou maravilhado
com o quão simples esse gesto era. Na verdade, era um hábito tolo que
ela tinha de tocar sua garganta com o polegar. Mas uma vez que ela fez
isso, Matt não se importava mais com quem ele teria que matar.

***
— Cante para mim — Helen pediu. Ela levantou a cabeça do peito
de Lucas e olhou para ele.
— Agora? Sem acompanhamento? — perguntou Lucas. Deitado de
costas, ele olhou para o teto de sua pequena cabana na floresta e corou
um pouco.
— Sim. Por favor? Eu realmente quero ouvir música, mas eu quero
que seja algo de você, não da minha imaginação.
Ela rolou de cima dele. As pedras em frente à lareira eram agradáveis
e quentinhas sob o seu cobertor, apesar da tempestade de neve que
rolava fora de sua cabana. Helen agarrou sua caneca de chá das lajotas
quentes na frente do fogo e ofereceu-a a Lucas.
— Para sua garganta, se estiver rouca e você achar que pode cantar
mal — ela disse com um sorriso desafiador.
— Minha garganta está bem — ele disse, empurrando-a de
brincadeira com o pé. Ele sentou-se de repente. — Eu vou cantar para
você. Mas eu sou um guitarrista melhor do que um cantor.
— Sério? — Helen pegou suas mãos e as levantou, olhando para
elas. Elas eram calejadas, como as de um lutador, mas ainda assim
sensíveis, como as de um artista. Assim como tudo mais sobre ele, suas
mãos eram a mistura perfeita de opostos. Ela passou a dedo nos calos
em suas pontas dos dedos, observando-os pela primeira vez. — Por que
você nunca tocou para mim antes?
— Por que eu nunca levei você em um encontro antes? — ele disse
através de um sorriso agridoce. — Há um monte de coisas que eu queria
fazer com você que eu não fiz.
Helen se balançou para mais perto dele. Apenas para respirar seu
ar, ou sentir o calor do seu corpo... qualquer coisa para conseguir mais
uma dose dele sem realmente beijá-lo e quebrar o entendimento sutil que
eles tinham.
— Como você aprendeu? — ela perguntou em voz baixa, um pouco
envergonhada que ela não soubesse disso.
— Meu pai me ensinou. — Lucas fez uma pausa com um olhar
sereno, mas triste no rosto. — Ele me ensinou guitarra clássica
espanhola, porque vivemos na Espanha por muito tempo e temos o dedo
americano. Na verdade, eu não tenho tocado desde que saímos de Cádiz.
— Mais uma vez, um olhar ligeiramente triste cobriu seu rosto. — Ele é
melhor do que eu... mas eu ainda sou muito bom.
Por um longo tempo, Helen tinha dado como certo que ela e Lucas
eram tão próximos como pele e ossos, que não havia nada sobre ele que
ela não sabia. Mas aqui estava ela, aprendendo algo novo e importante
sobre quem ele era. Seu pai não apenas o ensinou a empunhar uma
espada. Helen podia imaginar as horas que os dois passaram juntos,
discutindo a arte que tanto amavam e tinham tão pouca oportunidade de
desfrutar.
— Eu aposto que sim. — Helen queria desesperadamente ouvi-lo
tocar agora. Ela imaginou uma guitarra — a melhor guitarra que ela
podia imaginar. — Será que isto vai funcionar?
Lucas pegou o instrumento e virou-o, franzindo a testa. — É boa. —
Ele riu do olhar ferido que Helen lhe deu. — Estou brincando! É linda.
Helen deu um tapa na coxa dele. — Toque para mim! — ela exigiu.
Lucas segurou a guitarra em seus braços, preparando-se para tocar,
e parou. — Sabe o que eu fico me perguntando?
— O quê? — Helen perguntou em um tom de falsa-frustração, como
se ela pensasse que ele estava protelando de propósito.
— Como você pode fazer isso? — ele perguntou, sério. — Como você
sabe como criar carrosséis, tempestades de neve e guitarras?
— Eu tive um monte de prática — ela disse calmamente. Helen se
aproximou de Lucas e olhou-o com cuidado. — No Mundo Inferior. Todo
esse tempo que passei vagando por lá, bem... eu não entendia na época,
mas Hades estava na verdade me ensinando a construir mundos.
— Sério? E eu suponho que ele fez isso por bondade do seu coração?
— Lucas perguntou em dúvida.
— Bem, sim. Na verdade, acho que tem muito a ver com isso — ela
respondeu. — Ele é um cara muito compassivo. Deus. Tanto faz.
— E como Hades tem estado ensinando a você, exatamente? —
Lucas continuou, colocando a guitarra de lado.
— Da maneira mais difícil — Helen respondeu, revirando os olhos
para a memória de todas as suas experiências no Mundo Inferior, e todas
as paisagens infernais que encontrou. A árvore que a aprisionou, a cidade
devastada, a borda da mansão que ela se agarrou — todos os lugares que
Helen achava que eram inteligentemente concebidos por Hades para
torturá-la tinham na verdade saído de sua própria mente. Ela tinha
criado seu próprio inferno, e agora que ela tinha aprendido a controlar
seu medo, ela sabia como criar seu próprio paraíso.
— O que você quer dizer com da maneira mais difícil? — ele
perguntou enquanto estudava sua expressão pensativa. Seus olhos se
estreitaram com raiva.
— Não, não, ele não fez nada comigo. Eu quem fiz tudo para mim.
— Lucas não parecia satisfeito com essa resposta, também. — Deixe-me
começar de novo. Aquela que Desce não é realmente o nome certo para o
talento que eu tenho. Eu sou uma Construtora de Mundos, Lucas. —
Helen estendeu as mãos para gesticular para o lugar ao seu redor. — Ser
Construtora de Mundos foi confundido com ser Aquela que Desce porque
Hades permitiu que todos os Construtores de Mundo, não só eu,
descessem para a sua terra, a fim de aprender a construir por si próprios.
— Por que ele faria isso?
Helen fez uma pausa, pensando em sua missão para libertar as
Fúrias e quanto ela aprendeu no processo.
— Acho que é porque ele quer que nós realmente consideremos em
que tipo de mundo queremos viver... um baseado na justiça e compaixão
pelos outros, ou um que só serve aos caprichos do construtor. Uau. Eu
só percebi isso agora. — Helen olhou para Lucas e sorriu. — Você sempre
me ajuda a descobrir as coisas.
— É para isso que eu estou aqui — ele disse, sorrindo para ela antes
de ficar sério novamente. — Mas você poderia ter aprendido essas lições,
sem ter que passar pelo inferno. Helen, eu me lembro o quão doente você
ficou. Como você voltava do Mundo Inferior coberta de lama, folhas e
sangue, às vezes. Será que ele tinha que tornar tudo tão difícil?
— Sim, ele tinha — Helen disse, e então parou novamente, se
perguntando se ela queria que Lucas soubesse a próxima coisa que tinha
acabado de lhe ocorrer.
— Helen? — ele disse, levantando uma sobrancelha para ela. — O
que você não está me dizendo?
Ela sabia que não podia esconder isso dele por muito tempo, e ela
odiava esconder coisas dele, de qualquer maneira, então ela contou a ele.
— Hades teve que tornar isso difícil para que eu endurecesse. Porque
uma vez que um Construtor de Mundos realmente constrói um mundo,
ele tem que ser forte o suficiente para defendê-lo.
Helen viu o rosto de Lucas endurecer. — Defendê-lo de quem? — ele
perguntou, com a voz baixa e perigosa.
— Dos deuses, eu acho. “Desafiantes” foi tudo o que Hades disse,
então eu acho que houve mais de um ao longo dos anos. Olha, eu não
vou mentir para você. Morgan La Fey construiu Avalon, e desapareceu
nas brumas quando ela perdeu a luta. Atlântida afundou no mar quando
Atlanta perdeu a dela. Essas são as únicas duas outras Descendentes
que eu conheço que foram Construtoras de Mundos, e ambas perderam.
As probabilidades não estão a meu favor.
— Dane-se as probabilidades — Lucas disse com um aceno de
desprezo de sua mão. — Não é isso que me incomoda. — Seus olhos
saltaram ao redor enquanto ele pensava. — O que eu quero saber é quem
vai desafiá-la, e por que Hades se deu ao trabalho de prepará-la para
revidar? O que ele realmente quer?
Helen deu de ombros. — Eu não sei. Eu poderia perguntar, mas eu
duvido que ele me diria de uma maneira que eu entenda. Hades não dá
respostas fáceis.
— Eu aposto que não — Lucas murmurou, ainda pensando.
Helen pegou a guitarra e lentamente empurrou-a em suas mãos. Ele
estava sobre ela, no entanto.
— Isso é uma insinuação?
— Uma grande e gorda. — Helen sorriu para ele.
Lucas dedilhou algumas cordas e fez uma careta, apertando e
desapertando os botões enquanto isso. — Eu imaginei. Você é tão surda
de tons que até mesmo suas guitarras perfeitamente construídas ficam
fora de sintonia. — O corpo de Helen amarrotou quando ela riu ao ver a
expressão de dor no rosto de Lucas. — E essa guitarra é amarrada por
um canhoto. Eu não sou Matt, sabia.
— Aqui, deixe-me corrigir isso. — Helen se concentrou, e todas as
cordas se reorganizaram. Lucas dedilhou a guitarra e revirou os olhos
quando ela fez um som fanhoso cômico.
— Está fora de sintonia novamente.
— Você fez isso de propósito — ela disse, agarrando seu dedo do pé
e apertando-o. — Apenas toque!
— Sim, deusa.
Deitada de lado, com o fogo quente a seus pés, o riso de Helen
morreu quando Lucas de repente passou da afinação para tocar.
Era como uma orquestra em um instrumento.
Ele tocou com as duas mãos — não uma mão dedilhando e a outra
segurando abaixo as cordas — mas com as duas mãos para que parecesse
mais do que uma guitarra sendo tocada. Às vezes ele batia nas cordas
para fazê-las cantarolarem como uma harpa, e às vezes ele batia no corpo
da guitarra como um tambor para adicionar um baixo e manter o tempo.
Foi a coisa mais fascinante que Helen já tinha visto, como se Lucas
tivesse uma dúzia de vozes em sua cabeça, todas cantando a mesma
canção, e ele descobriu uma maneira de fazê-las sair dos dez dedos.
Helen olhou para seu rosto e poderia dizer por que ele adorava isso.
Era como pensar por ele, só que este era um quebra-cabeça que ele podia
compartilhar com ela enquanto ele resolvia.
Ele tinha entrado em sua cabeça quando ele tinha vindo ao seu
mundo. E ela entrou na sua quando ela finalmente o ouviu tocar.
Era o paraíso.

***
— Onde você estava? — Helen repreendeu.
— Esperando, desesperado e desolado pelo seu retorno — Morfeu
respondeu languidamente, seus olhos prateados fundindo-se nos dela.
Ela riu e apertou sua mão. Helen e Lucas tinham adormecido na
frente do fogo, e ela tinha acordado na terra das sombras, deitada de
costas, ombro a ombro com o deus dos sonhos. Seus rostos estavam
voltados um para o outro e as suas mãos firmemente entrelaçadas.
— Que furtivo. Como você sabia que eu precisava de sua ajuda? —
ela perguntou.
— Você trouxe a si mesma aqui. Eu não posso fazer você vir aqui,
tudo o que posso fazer é deixar a porta aberta para você.
— Foi isso que você fez? — disse Helen, pensando nas diferentes
fronteiras que Hades tinha feito para o seu mundo, e Morfeu tinha feito
para o dele. Hades deixou a porta aberta para os mortos, e Morfeu deixou
a porta aberta para mentes sonhadoras.
Helen virou a cabeça e olhou para o céu noturno do Palácio dos
Sonhos de Morfeu. Sua cabeça estava embalada em almofadas de seda
manchadas de tinta, e as estranhas luzes ao redor pareciam uma chama
de vela dentro de uma bolha de sabão dançando sobre ela e seu anfitrião
como se elas quisessem brincar.
— As fronteiras de nossos mundos são separadas do próprio
mundo?
— Eu suponho que sim. Mentes vão e vem, despenteando meu
cabelo na brisa enquanto elas entram e saem da minha terra, mas elas
não controlam a minha terra uma vez que estão aqui. Eu crio os sonhos
— Morfeu respondeu.
— Mas em Hades é o oposto — comentou Helen, começando a
entender. — As fronteiras são difíceis de atravessar, você geralmente tem
que se matar para fazê-lo, mas uma vez dentro de seu mundo, você cria
a sua própria existência. Ou pelo menos eu criei quando eu estava lá.
— Eu nunca pensei nisso desta maneira, mas sim, eu diria que as
fronteiras são separadas do mundo. Elas seguem um conjunto diferente
de regras, mas elas ainda são controladas pelo criador. — Então ele olhou
para ela com os olhos apertados. — O que está incomodando tanto a
minha Bela que ela teve que vir a mim para falar filosofias?
— Preciso da sua ajuda. Quem é que vai me desafiar agora que eu
construí meu mundo, Morfeu?
— O Olimpo. Zeus, principalmente. No passado, os pequenos deuses
desafiaram alguns dos outros Criadores de Mundos enquanto os
olimpianos estavam presos pelo juramento a Zeus. — Morfeu riu. —
Odisseu era realmente inteligente.
— Mas por que nós temos que lutar? Por que Zeus não pode
continuar com o Olimpo e eu com Everyland e ficar tudo bem?
— O Grande Ciclo, é claro.
— Oh, sim. O Grande Ciclo. — Helen revirou os olhos e olhou para
ele novamente. — Que diabos é isso?
Morfeu riu e sentou-se. — As crianças devem derrubar seus pais,
como os deuses fizeram com os Titãs, e os Titãs fizeram com seus pais,
Gaia e Urano. As Moiras irão fazer acontecer novamente. É a vez dos
Descendentes derrubarem os deuses.
— E Zeus quer me impedir de derrubar ele.
— Claro. Se os Descendentes derrotarem o Olimpo, os Doze vão
passar a eternidade no Tártaro como os Titãs. Isso não é agradável.
— Não. Não é agradável. — Helen concordou. — Mas por que
escolher a mim? Qual é a grande coisa sobre eu ser uma Criadora de
Mundos?
— Porque você pode levar os Descendentes para a sua Everyland e
tornar todos eles imortais, se desejar. E, como uma Criadora de Mundos,
você também é a única de seu tipo que pode abrir os portais para o
Tártaro e enviar os Doze para lá... mas esteja avisada, Helen. Zeus é um
Criador de Mundos também. Ele também pode lhe enviar para o Tártaro,
como fez com os Titãs.
Helen fez uma pausa para pensar sobre isso. Se Helen tornasse
todos os Descendentes imortais e eles enfrentassem o Olimpo, seria um
exército contra um punhado de gente. Não haveria nenhuma maneira do
Olimpo ganhar.
— Então, e quanto a você e Hades? Algum de vocês poderia desafiar
Zeus, mas ele deixou vocês em paz. Como vocês evitam uma briga?
— Eu nunca deixei a minha terra, e seria suicídio para Zeus tentar
lutar comigo aqui, onde eu sou o único deus.
— E Hades?
— Hades raramente sai de sua terra, também, e quando o faz, seu
Elmo da Escuridão o torna invisível aos seres humanos e deuses. —
Helen lembrou de Eris andando através dela e Lucas quando ele tinha
tornado eles invisíveis no corredor na escola, justo antes dos motins.
Antes que ela pudesse pensar muito profundamente sobre essa conexão,
Morfeu continuou. — O mais importante, Zeus precisa de seu irmão
Hades. Os mortos devem ter uma terra própria, e a última coisa que Zeus
quer é ter que lidar com os mortos.
— Então, o que eu deveria fazer? — Helen perguntou
suplicantemente.
— Lute. Ou se esconda em sua Everyland onde Zeus não pode tocar
em você. — Morfeu sorriu calorosamente. — Eu sugiro o último, mesmo
que eu saiba que você não vai me ouvir. Você não é do tipo que se
esconde.
— Eu não posso ficar em Everyland. Eu não posso deixar a Terra
para os deuses. Eles a arruinariam totalmente. Mas talvez haja uma
maneira de evitar uma luta completamente? — perguntou Helen. Ela
duvidava disso, mas não doeria, pelo menos, tentar parar uma guerra
horrenda que, provavelmente, mataria um monte de gente.
— Você pode evitar o seu destino? Muitos têm tentado evitá-lo, como
Édipo, mas alguém já foi capaz de escapar no final? — Morfeu perguntou
em troca.
— Sim. Existe livre arbítrio — Helen respondeu, meditando quando
uma ideia lhe ocorreu. — Tudo que se precisa é de um escudo.
Morfeu olhou para ela interrogativamente, sem entender. Ela
balançou a cabeça e mudou de assunto.
— Por que você e Hades estão me ajudando? — ela perguntou em
voz baixa.
— Eu sou o deus dos sonhos, mas nem mesmo eu sonharia em falar
por Hades — Morfeu respondeu com um olhar malicioso em seus olhos.
— Mas se eu tivesse que adivinhar, diria que é porque ele sabe o quão
destrutivo o seu irmão mais novo é. Hades, ao contrário da maioria dos
outros deuses, se preocupa com os mortais e não quer vê-los em guerra.
Provavelmente porque ele tem que cuidar de suas almas quando morrem.
Ele teve de julgar milhões de almas e isso lhe deu um forte senso de
justiça. Deixar você lutar contra Zeus sem treinamento é algo que ele iria
considerar injusto.
Helen fez uma careta. Ela lembrou-se de perguntar a Orion uma vez
o que era mais importante para ele do que a alegria eterna. Ele disse
justiça. Era mais um traço que Orion compartilhava com Hades.
— E quanto a você? — perguntou Helen, deixando de lado esse
pensamento.
— Eu tenho um motivo muito mais egoísta e muito mais simples. Eu
a ajudo porque eu amo você e não posso suportar te perder. Você não
sabia disso?
— E? — ela perguntou, levantando uma sobrancelha cínica.
— E eu não acredito que eu tenha nada a temer de você. Eu não
acho que você iria tentar me mandar para o Tártaro.
— Nunca. Eu não gostaria de viver em um mundo sem sonhos. Nem
mesmo no meu próprio — disse Helen, estendendo a mão para acariciar
seu cabelo brilhante e preto. — Eu realmente senti sua falta. Toda vez
que eu fecho meus olhos ultimamente parece que eu estou muito
ocupada para sonhar.
— Mas eu já lhe enviei sonhos... principalmente para informá-la
sobre as ações dos deuses na terra.
— O que você quer dizer? — perguntou Helen. Então ela entendeu
rapidamente. — Todos aqueles sonhos de águias transportando mulheres
e golfinhos e garanhões atacando humanos. Isso foi horrível, Morfeu.
— Sinto muito, Bela. Eu não queria assustá-la. Eu só não podia
permitir que aquela pobre sereia obtivesse mais atenção daquele moleque
Apolo sem tentar fazer algo sobre isso. — Morfeu afofou um travesseiro,
agitado. — Eu sou muito grato por você ir buscá-la. Eu odeio enviar
pesadelos para qualquer pessoa, mas às vezes eu tenho que fazer isso
para alertar as pessoas. Você me perdoa?
— É claro — Helen respondeu, sentando-se.
Ela lembrou-se de Orion dizendo a ela uma vez que tinha sido
enviado um sonho a ele sobre um campo cheio de ossos de Descendentes.
Ele tinha interpretado isso como um aviso da extinção dos Descendentes.
Aparentemente, ele estava certo. Um arrepio percorreu Helen, e Morfeu
colocou um braço por cima do seu ombro, preocupado com sua angústia.
— Sabe, você realmente é um grande molenga — ela disse a ele.
— Eu sou. Eu deveria tentar ser mais terrível e ganhar mais respeito
e temor e tudo isso. Mas eu continuo esquecendo. — Ele fez beicinho
docemente. Helen deu-lhe um sorriso caloroso, então ficou em silêncio.
— O que foi? — perguntou Morfeu.
— Eu preciso da sua ajuda. — Helen olhou para seu amigo,
esperando que ele soubesse o que fazer. — Eu preciso encontrar uma
maneira de remover a maldição de Afrodite da minha linhagem.
— Posso perguntar por quê? — Morfeu perguntou, sua cabeça
inclinada curiosamente.
Helen tinha uma resposta pronta — porque ela queria ser capaz de
estar com Lucas, mesmo ele sendo seu primo. Mas antes que ela pudesse
pronunciar as palavras, ela percebeu que era muito mais do que isso.
— Eu não quero dever a ela ou qualquer outra pessoa uma criança
— ela disse. — Se algum dia eu tiver um bebê, vai ser por minha escolha,
não de outra pessoa.
— Ah. — Morfeu a olhou com tristeza. — Não há poder que eu
conheça que possa remover a praga de uma deusa. Mas se você não quer
ter um filho, não tenha. Tudo que você precisa fazer é viver para sempre
e o Rosto sempre vai existir. — Morfeu riu suavemente. — Eu acredito
que foi o objetivo de Afrodite para começar, não foi?
Helen deu um suspiro surpreso. — Você está certo. — Um sorriso
lento se espalhou pelo rosto de Morfeu, e Helen o compartilhou. —
Obrigada.
— De nada.
— Eternidade, então. — Helen franziu a testa de repente. — Como é
que é, realmente?
— Eu estou gostando — Morfeu disse com um encolher de ombros.
Ele apontou para sua grande cama, as estrelas cintilantes, e as pessoas
de elfo que dançavam e tocavam nos campos de papoula perifericamente.
— Ajuda passá-la em seu próprio mundo, fazendo o que você ama, e
cercado com as pessoas certas, é claro. Ou pessoa.
Morfeu mudou sua aparência para a de Lucas e rastejou através da
cama gigantesca em direção a ela.
— Minha oferta ainda está de pé, você sabe — ele sussurrou na voz
de Lucas. — Fique aqui comigo e seja minha rainha. Ou podemos trocar,
se preferir. À noite, podemos vir aqui, e durante o dia podemos viver em
seu mundo.
Helen deslizou para longe de Morfeu-barra-Lucas, gemendo
lastimosamente. — Você está totalmente trapaceando.
Ele a pegou e rolou-a sob ele, seu rosto apenas a centímetros acima
dela. — Fique — ele suplicou. — Aqui comigo ou em sua Everyland com
o Lucas verdadeiro. Ou qualquer combinação que você gostar. Nós todos
podemos compartilhar. Mas seja lá o que você decidir, é melhor você
nunca voltar para a Terra. Você vai se machucar muito se você voltar.
A garganta de Helen ficou seca com a seriedade de seu olhar. — Eu
não posso evitar uma briga com Zeus me escondendo.
— Eu não estava falando de Zeus. Eu estava falando de pessoas
próximas a você. Elas estão conspirando, mesmo em seus sonhos, para
trair você.
Helen endureceu e empurrou-o para trás.
— Onde está a minha mãe neste momento? — ela perguntou, sem
dúvida em sua mente sobre quem em seu círculo interno a trairia. Morfeu
voltou para seu próprio rosto, parecendo confuso.
— Ela está drogando seu pai, é claro — ele disse. — Mas não foi
isso...
— O quê? — Helen garganteou, cortando-o enquanto ela pulava da
cama, tremendo de raiva. — Daphne tem estado drogando o meu pai?
— Sim — respondeu Morfeu de sua maneira gentil. — Não está
prejudicando o seu corpo de forma alguma. É por isso que os belos
gêmeos Curadores não conseguem detectá-lo.
— Que diabos? — Helen balbuciou, quase histérica com o
pensamento. — Por que ela está drogando meu pai?
— Para mantê-lo dormindo, é claro. Não se preocupe. Eu me
certifiquei de que ele tenha nada além de sonhos maravilhosos.
Helen cerrou os punhos para se impedir de gritar, e depois inclinou-
se para dar em Morfeu um rápido beijo de despedida. — Obrigada por
cuidar do meu pai, Morfeu. Eu lhe devo uma. E se você precisar de
alguma coisa de mim, qualquer coisa, é só pedir.
— Espera, você está em perigo! — Morfeu começou, mas Helen já
sabia disso. Ela não podia ficar e ouvir mais outro apelo bem-
intencionado de Morfeu para ficar longe de Zeus. Ela precisava voltar
porque sua mãe tinha muitas explicações a dar.
E, em seguida, Helen ia chutar a bunda daquela vaca sem-coração.

***
Helen apareceu no meio da sala de estar dos Delos centímetros longe
de Claire, que estava dormindo em uma cadeira. Uma rajada de ar frio
tomou conta de Claire, acordando-a.
— Helen! — Claire engasgou, pulando imediatamente.
— Desculpe — Helen disse quando viu o olhar aterrorizado no rosto
de Claire. — Onde está todo mundo?
— É o meio da noite, onde você acha que todo mundo está?
Helen olhou ao redor dos restos carbonizados da sala de estar. A
cadeira que Claire estava dormindo era a única peça de mobiliário na sala
que não tinha sido queimada, e Helen a reconheceu como sendo da sala
de estudo.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou Helen, apontando
para a sala destruída. — Por que não está em sua casa ou no andar de
cima?
— Estou esperando para ver se algum de vocês volta. Imaginei que
o local que vocês deixaram seria a melhor opção — respondeu Claire. Ela
olhou para trás de Helen em expectativa, e seu rosto murchou. — Sem
Lucas? — ela perguntou, arregalando os olhos com tristeza e algo mais
que Helen não conseguiu identificar. Quase parecia desconfiança.
— Ele está bem — Helen disse rapidamente, ignorando a pitada de
decepção que sentia. Claire estava agindo como se ela pensasse que
Helen estava mentindo para ela. — Eu o deixei no... Não se preocupe com
isso. Ele está completamente curado e totalmente seguro.
— Como? — perguntou Claire. Ela fez um gesto para a sala ao seu
redor. — Foi você quem fez isso. E Lucas estava segurando você. Como
ele poderia sobreviver a isso?
Helen deslocou de pé para pé. Ela não estava realmente pronta para
dizer a Claire sobre o fato de que ela tinha construído um novo mundo.
Uma coisa era discutir com Morfeu, que compartilhava sua habilidade,
mas de pé aqui com Claire já não parecia uma coisa tão normal criar um
mundo.
— Longa história. Mas confie em mim, ele está perfeito. — Ela
precisava mudar de assunto. — Você sabe onde minha mãe está? —
perguntou Helen, ouvindo a respiração de todos os habitantes da casa.
Ela não ouviu sua mãe entre eles.
— Não tenho ideia. Não que isso seja algo novo. Ela é realmente boa
em fugir. — Claire olhou para Helen com cautela.
— Sim. Ela realmente é — Helen disse distraidamente, tentando
pensar onde Daphne poderia estar.
Ela teve que admitir para si mesma que ela não conhecia sua mãe o
suficiente para saber onde ela estaria a qualquer hora do dia, muito
menos onde ela dormia à noite. Sair de casa para procurar por ela
provavelmente seria um desperdício de tempo. Eventualmente, Daphne
teria de voltar, e depois Helen iria confrontá-la.
Helen sorriu alegremente para Claire, mas Claire não sorriu de volta.
Ela ainda estava olhando para Helen estranhamente. Como se ela não a
reconhecesse.
— O que foi? — Helen perguntou defensivamente.
— Você está estranha. Meio assustadora. — Claire olhou
rapidamente para o chão, como se ela não pudesse olhar mais para
Helen.
— Jason está no andar de cima? — perguntou Helen, mudando de
assunto novamente. Ela já sabia a resposta. Ela podia ouvir Jason
respirando em seu quarto.
— Por que você precisa dele?
— Porque eu preciso de um Curador. Vamos lá — disse Helen,
virando as costas para Claire e subindo as escadas. — Eu pareço
estranha porque eu estou chateada. Eu acabei de descobrir que meu pai
está sendo drogado.
— Não acredito! — Claire disse em voz alta, e depois baixou a voz.
— Por que? — ela sussurrou quando elas chegaram ao topo das escadas.
— A bruxa má que é a minha mãe. Quem mais? — Helen respondeu.
— Eu estou esperando que os gêmeos possam ajudá-lo.
— Jason pode. Mas Ari não está aqui, então ele vai ter que trabalhar
sozinho — disse Claire, mordendo o lábio inferior quando as duas
meninas chegaram à porta de Jason.
Helen poderia dizer que Claire também estava preocupada com
Ariadne, e onde ela tinha ido naquela noite. Não era como se Ariadne
tivesse simplesmente desaparecido, e Helen sentiu que Claire achava que
algo suspeito estava acontecendo.
— Há quanto tempo Ari foi embora? — perguntou Helen.
— Eu não sei — Claire respondeu, desviando da questão. — Espera
aqui um segundo. — Helen parou do lado de fora enquanto Claire entrava
no quarto de Jason para trazê-lo.
Quando Claire tocou no ombro de Jason para acordá-lo, Jason
respondeu saindo de seu sono para puxar Claire para baixo na cama com
ele. Claire resistiu gentilmente, e Helen desviou para permitir-lhes
alguma privacidade. Ela podia ver a necessidade de Jason como um flash
brilhante e a reciprocidade de Claire foi imediata, embora ela reprimiu
rapidamente. Helen podia ler emoções tão claramente agora que era
constrangedor para ela estar em torno dos casais. Era como caminhar
dentro de pessoas nuas quando ela estava em torno de seus velhos
amigos. Helen se perguntou como Orion lidava com isso. Talvez ele fosse
mais compreensivo sobre as emoções porque ele tinha aprendido a
aceitar quão vulneráveis as pessoas eram em geral.
Estamos todos nus sob alguns milímetros de roupas, Helen lembrou-
se, recordando um momento maravilhosamente tenso em sua vida
quando Lucas tinha ficado do lado de fora de sua porta do chuveiro.
Helen ouviu Jason dizer: — Lucas está vivo? Tem certeza? — E, em
seguida, se mover para o corredor. Claire se juntou a Helen fora do quarto
de Jason enquanto ele vestia algumas roupas. Momentos depois, ele se
encontrou com elas no corredor.
— A condição de Jerry mudou? — Jason perguntou a Helen num
sussurro animado.
— Bem, não — disse Helen. Eles foram até o quarto de Jerry e
entraram, fechando a porta atrás deles para que eles pudessem falar
mais livremente. — Eu acabei de descobrir que ele está sendo drogado.
— Drogado? — Jason repetiu em um tom incrédulo. — Se fosse uma
droga, eu teria sido capaz de perceber o dano que faria ao seu corpo.
— É exatamente isso. Morfeu me disse que a droga não está
machucando-o. Só mantendo ele dormindo.
— Morfeu. O deus dos sonhos. — Jason olhou para ela sem
expressão. — Vocês dois saem agora, ou algo assim?
— Você pode, por favor, apenas verificar? — Helen perguntou
urgentemente, apontando para baixo para a forma adormecida de seu
pai.
— Sinto muito, Helen. Meu poder não funciona como um exame de
sangue. Eu não posso detectar os produtos químicos, só os danos ao
organismo. Eu não posso remover produtos químicos, também, a menos
que eles sejam o patógeno que está prejudicando o paciente. Meu talento
só permite que eu conserte o que está machucado.
— Então, o que podemos fazer para ajudá-lo? — perguntou Claire.
— Nada — respondeu Jason. — Tudo o que podemos fazer é esperar
que a droga saia. E manter quem está drogando-o longe, para que não
possa administrar mais. Quem está fazendo isso com ele, afinal?
Helen cerrou os dentes, irritada demais até mesmo para dizer o
nome de sua mãe.
— Daphne — Claire disse a ele, quando se tornou óbvio que Helen
não podia. Jason suspirou e assentiu.
— Pensando bem, Daphne sempre parecia aparecer apenas quando
Jerry estava acordando. Ela aparecia para vê-lo, e alguns minutos mais
tarde ele adormecia outra vez. — Ele olhou para Helen contritamente. —
Sinto muito, Helen. Nunca passou pela minha mente que Daphne faria
isso com ele.
— Não é culpa sua, Jason. É minha. Eu sei o pesadelo que ela é, e
eu ainda assim a deixei ficar perto dele — Helen disse com tristeza. —
Alguma ideia de quanto tempo ele levará para acordar de novo?
Jason segurou a mão brilhando sobre a cabeça de Jerry, com os
olhos fechados em concentração.
— Ele está completamente apagado — ele disse, abrindo os olhos. —
Ele poderia ficar assim por mais doze a dezesseis horas, eu diria. Isso é
apenas uma estimativa aproximada, no entanto.
— Obrigada — Helen respondeu.
— Então. Como está Lucas? — Jason perguntou timidamente.
— Ele está totalmente bem — disse Helen, sorrindo. — Na verdade,
eu tenho que ir buscá-lo.
— Buscá-lo? — perguntou Jason, seu olhar aliviado desaparecendo.
— Ele não pode voar? Ou ele ainda está muito ferido para caminhar?
Vamos buscar ajudar... Hector! — Jason se virou e começou a chamar
em voz alta pelo seu irmão.
— Jason... espera. Não é nada disso — disse Helen, estendendo a
mão para detê-lo. Mas Hector já tinha vindo para a porta do quarto. Atrás
dele, Helen podia ver Orion sair da cama de hóspedes no quarto de
Hector.
— O quê? — Hector rosnou irritado para seu irmão, e então notou
Helen. — Onde você estava? — ele perguntou a ela, saindo para o
corredor.
— Helen? — perguntou Orion, seguindo Hector.
— Oh, ótimo. Você está aqui — ela disse. — Não vá a lugar nenhum.
— Ok — Orion disse timidamente, sem entendê-la. — Onde está
Lucas?
Tanto ele como Hector estavam olhando de um lado para o outro do
corredor procurando Lucas.
— Oh, pelo amor de Deus — Helen murmurou para si mesma,
passando a mão sobre o rosto. — Ele está bem! Eu estaria vagando por
aqui, sem chorar, se ele estivesse morto?
Neste ponto, Castor e Noel, Pallas, Cassandra, Kate e Andy estavam
todos acordados e olhando para fora de suas portas do quarto para Helen.
Ela levantou as mãos antes que todo mundo pudesse começar a falar ao
mesmo tempo.
— Lucas está absolutamente cem por cento vivo e saudável e
esperando por mim em um lugar seguro — ela anunciou.
— Onde? — perguntou Castor, seu rosto tanto esperançoso como
confuso.
— Ah... seguro — Helen disse, sem saber o quanto ela devia
compartilhar.
— Onde você levou o meu filho? — Noel exigiu, caminhando
furiosamente pelo corredor em direção à Helen. Seu rosto estava inchado
e seus olhos estavam vermelhos brilhantes de chorar a noite toda. Helen
percebeu que Noel a culpava. Ela olhou ao redor para os rostos de todos.
Ela viu dúvida, desconfiança, e no melhor dos casos, confusão. Ela estava
acostumada a Pallas olhando para ela como se ele não confiasse nela
mais longe do que ele poderia jogá-la, mas não Castor e Noel. Ou Claire.
— Lucas e eu o chamamos de Everyland. — Helen ergueu as mãos
e só disse isso. — Mas todos vocês o conhecem como Atlântida.
CAPÍTULO 12
Traduzido por I&E BookStore

H elen terminou de explicar e um longo silêncio se seguiu. Olhares


estavam sendo trocados em torno da mesa da cozinha dos Delos,
onde todos eles se sentaram.
— Quantos Criadores de Mundos já existiram? — Castor perguntou,
finalmente calmo.
— Não muitos. Hades, Morfeu, Zeus e as Fúrias, todos têm suas
próprias terras. Outros Descendentes na história tiveram o talento, mas
eu só consigo me lembrar de dois.
— Lembrar? Como você pode lembrar dos outros Criadores de
Mundos se eles viveram há muito tempo atrás? — Orion perguntou.
— Bem, lembra quando eu toquei algumas gotas de água daquele
rio? — Helen sorriu para ele e Orion assentiu, sorrindo com ela com a
menção de sua aventura no Halloween. Pelo menos Orion ainda estava
do lado dela. — Quando recuperei minha memória, eu recuperei mais do
que apenas as minhas memórias. Eu ganhei memórias de outras
mulheres, também. Uma delas era Helena de Troia.
Hector murmurou um colorido palavrão.
— A vida dela era uma droga, por sinal. — Helen olhou para Castor.
— Você era Priam, rei de Troia. Seu irmão, Tantalus? Ele era totalmente
Menelau. E você era Agamenon — ela disse para Pallas.
Hector e Orion se entreolharam e começaram a rir.
— Você foi o grande Heitor e você era Eneias, seu melhor amigo e
general — disse Helen, encolhendo os ombros quando ela olhou para eles.
— Mas vocês já sabiam disso.
— Sim, nós meio que sabíamos — Orion admitiu com um sorriso.
— Espera — disse Claire, levantando a mão. — Não foi Helena de
Troia que traiu a cidade que estava protegendo-a e deixou os gregos
abaterem seus amigos e família?
A risada fraca que Claire adicionou no final não tornou a pergunta
engraçada. Helen não podia acreditar na acusação na voz de Claire e
olhou para seu coração. Estava cheio de medo.
— Isso é terrível. Você construiu um mundo — Cassandra suspirou,
trazendo à tona seus próprios pensamentos para se juntar à conversa de
alguns minutos atrás. — Zeus vai lutar com você. Ele deve lutar com você
ou arriscar ser derrubado. Era isso que as Moiras queriam o tempo todo.
Elas querem que as crianças derrubem os pais.
— Sim — Helen admitiu. — E até que os Descendentes derrubem os
deuses eles vão ficar presos no mesmo ciclo, repetindo os erros de nossos
antepassados em cada nova geração até que as Moiras consigam o que
elas querem.
— Apolo disse algo semelhante — disse Hector, balançando a cabeça
em concordância. — E depois de passar alguns milhares de anos enfiado
no Olimpo, ele parece pronto para uma luta.
Várias pessoas fizeram perguntas a Helen de uma só vez, mas
quando elas começaram a debater as virtudes da luta e de evitar uma
luta, Helen sentiu Lucas acordar em Everyland, e felizmente ela voltou
sua atenção para ele. Ele estava preocupado com ela. Ela fez um bilhete
aparecer no travesseiro ao lado dele, explicando onde ela estava e o que
ela estava dizendo a família.
— Espera... uma coisa? — ele perguntou em voz alta antes de ler o
bilhete.
Estranhamente, Helen não o ouviu dizer isso. Ela sentiu as palavras
aparecerem em sua cabeça ligada a algum tipo de essência que ela
entendia como Lucas. Era como um segundo sentido estranho, muito
mais sutil do que a audição de verdade, e ela sabia que podia ajustá-lo
se ela tivesse que fazer. Mas ela não queria. Ela queria gastar tanto tempo
quanto podia sentindo Lucas dentro de seu mundo, dentro de sua mente,
desse jeito.
— Qualquer coisa — Helen respondeu, colocando a palavra
suavemente em seus pensamentos para que ele não se assustasse com
algum vozeirão no céu nem nada muito Antigo Testamento.
— Você pode deixá-lo, tipo, muito mais quente? O que há com vocês
garotas da Nova Inglaterra e a neve, a propósito? Eu cresci em Cádiz. Eu
gosto do sol.
Helen riu alto e imaginou um lugar quente para Lucas.
— Helen? — perguntou Orion, tocando-lhe o braço para trazer seus
pensamentos de volta para a Terra. Ela olhou para ele e viu que seu
comportamento estranho o tinha assustado. Ele estava com medo dela.
Todos eles estavam, especialmente Claire. Agora, Claire estava olhando
para Helen como se ela tivesse acabado de atropelar o cachorro de
alguém. Helen sabia que ela precisava se sentar e ter uma conversa com
Claire, mas ela não queria tomar um tempo para se explicar ainda. Ela
estava muito ansiosa para voltar para Lucas e seu próprio paraíso
pessoal.
— Eu tenho que ir — ela disse, encolhendo os ombros se
desculpando. Ela se virou para Orion e apontou para ele. — Não vá a
lugar nenhum, ok?
— Eu vou estar aqui — disse Orion.
Ela levantou-se da mesa e se afastou para que ela não congelasse a
todos quando ela abrisse um portal. Ela olhou para Noel. — Eu estarei
de volta com Lucas em breve. Eu prometo.
Então, ela desapareceu.
***
Em algum lugar entre a Terra e Everyland, Helen abriu os olhos. Ela
tinha estado através do processo de visualizar as memórias que ela tinha
herdado do Rio Lete tempo suficiente para saber quando ela estava
fazendo isso novamente. E ela estava fazendo isso novamente.
Exceto que, desta vez, quando ela acordou com o corpo nu de Paris
enroscado com o dela, ela não viu a cena como uma terceira pessoa
fantasmagórica no quarto. Ela sentiu como se estivesse acontecendo com
ela. E de todas as memórias que ela reviveu, esta foi a que mais doeu.
Foi a noite em que Troia caiu.
Helen entrou na memória quando Paris estava escorregando em um
sono profundo, pouco depois de terem feito amor pela última vez. Ela
sentiu seu corpo ficar pesado, suas articulações afrouxarem, e viu sua
mão calejada enrolar-se em um punho. Ela queria desesperadamente
ficar, abraçá-lo e observá-lo enquanto ele assistia seus sonhos passarem
por trás de suas pálpebras. Mas ela não podia. Ela tinha feito arranjos
com Ulisses e precisava fugir o mais rápido possível para cumprir a sua
oferta infeliz.
Ela já tinha chorado o suficiente por Paris. A única coisa que restava
agora era proteger sua filha e se certificar de que algo de Paris fosse
deixado quando tudo acabasse.
Ulisses a tinha convencido lentamente. Ele tinha explicado que os
imortais não podiam lutar contra os mortais até a morte. Hécate, a única
Titã mais poderosa do que Zeus, proibiu. Mas essa tecnicidade não ficaria
no caminho dos deuses. Eles eram incrivelmente bons em fazer com que
os semideuses quisessem matar uns aos outros, de qualquer maneira.
Ao longo dos anos ela observou herói atrás de herói cair em um único
combate, cada um deles instigado por seu pai-deus, e ela viu que Ulisses
devia estar certo.
Helen compreendeu agora que os deuses estavam propositadamente
perpetuando a guerra, e ela concordou que a menos que um lado
ganhasse, em breve todos os semideuses seriam exterminados. E isso,
como Ulisses tinha apontado, era exatamente o que os deuses queriam,
e não só pelo show. Afrodite tinha dito a Helen que os deuses gostavam
de assistir e apostar em quais Descendentes iria contra quem. Mas o que
os deuses realmente queriam era que a maior ameaça ao seu poder fosse
eliminada.
As Moiras tinham decretado abertamente que os deuses iriam cair
pelas mãos de seus filhos. Cassandra tinha feito a profecia quase
ininteligível sobre Casas ou linhagens que nem sequer existiam ainda, e
dos “filhos derrubando seus pais” dez anos atrás, no início da guerra.
Todos eles tinham ouvido isso, deuses e semideuses. Mas, neste caso, os
deuses tinham acreditado. Só os deuses sabiam que Cassandra estava
dizendo a verdade. Os semideuses achavam que Cassandra era louca.
Helen sabia que ela não era. Sua irmã, Afrodite, havia dito a ela
sobre a maldição de Apolo. Enquanto a guerra estava começando,
Cassandra tinha recusado os avanços amorosos de Apolo e ele tinha
amaldiçoado ela para sempre a profetizar corretamente, mas nunca para
ser acreditada. Helen não conseguia pensar em uma maldição mais
torturante — sempre saber que horrores o futuro reservava, mas nunca
ser capaz de orientar as pessoas que você ama para longe da destruição.
Helen tinha assistido ao longo dos anos enquanto Cassandra gritava
para sua família. Ela tentou dizer-lhes que Helena iria trair a todos e
deixar a cidade cair, mas ninguém acreditou nela. Quanto mais ela
gritava, mais louca ela parecia. E enquanto os deuses riam, mais e mais
semideuses morriam.
Mas Cassandra estava certa. Helena ia trair sua família. Ela ia
deixar os gregos entrarem em Troia, e eles iam destruí-la.
Ela sentiu a cabeça do marido escorregar do seu ombro enquanto
ele saía de seus braços para os de Morfeu, e ela sabia que essa era sua
única chance. Ela afastou seus quadris de debaixo dos dele, e deslizou
imperceptivelmente para fora da cama quando ele rolou para o lado dele.
Ela sabia que ele ia morrer.
Ela quase o acordou, desesperada para contar-lhe tudo.
Ela pensou em sua filha e soube que Paris não podia ser salvo. Esse
era o acordo que ela tinha feito com Ulisses — toda Troia pela vida de sua
filha.
Era um preço alto a pagar, mas não um totalmente egoísta. Os
gregos não acreditaram quando ela tentou argumentar com eles. Eles se
recusaram a parar a sua busca pela menina que podia ou não ser o
Tirano. Helena tinha tentado dizer-lhes que, se Atlanta morresse, todo o
amor no mundo iria morrer com ela. Eles viram seus apelos como uma
tentativa desesperada de uma mãe para salvar sua única filha, mas isso
não era inteiramente verdade. Se Atlanta morresse, o Rosto iria morrer
com ela, e Afrodite iria punir todos eles.
O amor de Helena por Paris e o resto de sua família, não importa o
quão profundo, não poderia se comparar a isso. Ela só esperava que
Ulisses conseguisse cumprir seu lado. Se ele não prendesse os deuses
como ele prometeu que poderia, então tudo isso seria para nada. Eles
simplesmente esperariam uma geração ou duas e começariam outra
guerra para matar todos os semideuses. Estranhamente, Helena confiava
em Ulisses nisso. Ela tinha ouvido seu plano e, por mais louco que
parecesse, ela o conhecia bem o suficiente para saber que, se alguma vez
houve alguém que pudesse encontrar uma maneira de enganar os
deuses, seria ele.
Helena inclinou-se sobre o marido e correu os lábios levemente em
seu ombro nu em um adeus. Talvez, algum dia, ela iria encontrá-lo pelo
rio Styx. Lá, eles poderiam lavar todas as suas memórias de ódio, e
caminhar para uma nova vida juntos, uma vida que não tinha as
impressões das mãos sujas de uma dúzia de deuses e uma dúzia de reis
estragando isso.
Era um belo pensamento. Helena jurou que ela iria viver uma
centena de vidas de sofrimento por uma vida — uma vida de verdade —
com Paris. Eles poderiam ser pastores, assim como eles tinham sonhado
uma vez, quando eles se encontraram no grande farol há muito tempo.
Ela seria qualquer coisa, na verdade, uma lojista, ou uma agricultora, o
que quer que seja, desde que eles fossem autorizados a viver suas vidas
e amar um ao outro livremente. Ela vestiu-se rapidamente, imaginando-
se administrando uma loja em algum lugar à beira-mar, na esperança de
que algum dia esse sonho se tornasse realidade.
Ainda era cedo, uma ou duas horas após o pôr do sol, quando Helena
saiu do palácio, pegando sua rota habitual até a cozinha. Enquanto ela
deslizava através do jardim de ervas em seu caminho para a muralha ela
viu Eneias subir a colina para o templo do Oráculo. Helena fez uma
pausa. Ninguém mais visitava o Oráculo, a menos que fosse convocado.
O que Cassandra queria com Eneias esta noite... a noite? Helena se
perguntou.
Ela não podia segui-lo justo agora, mas ela percebeu que era um
golpe de sorte que ele estava distraído. Diferente de todos eles, Eneias
não sentia a influência do cinturão. Ele era filho de Afrodite, e não poderia
ser influenciado. Isso era mais do que sorte, ela percebeu. Mais uma vez,
Helena teve a sensação de que ela era apenas um peão das Moiras. Eneias
era o único que poderia lhe dar problemas para realizar seu objetivo, e o
próprio Oráculo tinha intervindo para removê-lo do seu posto na
muralha. Era o destino, então. Troia estava condenada.
Em outro momento, Helena foi subindo os degraus até a torre. Os
soldados que guardavam essa estação se separaram e se inclinaram para
ela. Helena olhou para o lado da muralha, para baixo, para o grande
cavalo de madeira que os gregos tinham deixado na praia.
— Tragam ele para dentro — ela ordenou.
— Princesa, posso falar? — perguntou o comandante. Helena odiava
ser chamada assim, mas como este era tecnicamente seu título aqui em
Troia ela não teve escolha senão se submeter a ele. Ela assentiu seu
consentimento para o soldado continuar. — O general Eneias nos
ordenou a deixar o cavalo ali. Ele acha que é um truque.
— Como é que pode ser um truque? — ela perguntou inocentemente.
— Os gregos se foram. Navegaram para longe. Troia ganhou a guerra.
Os homens se entreolharam, sem saber o que fazer. Um jovem
soldado, que provavelmente não se lembrava de muito antes da guerra,
falou com uma voz vacilante: — Desculpe-me, Princesa. Mas a enfermeira
do meu primo disse que seu marido, o pescador, viu todos os navios dos
gregos se concentrarem na praia.
— Bem, eu tenho certeza que o marido da enfermeira do seu primo,
o pescador, sabe muito mais sobre política e guerra do que eu — Helena
disse alegremente e o resto dos soldados riu enquanto o jovem corava e
olhava para seus pés. — Mas eu acho que é seguro assumir que o cavalo
de madeira gigante é uma oferenda a Poseidon. Os gregos estão tentando
comprar uma passagem segura através do mar. Se tomarmos o cavalo,
então aceitamos a sua oferta e talvez Poseidon irá esmagar alguns navios
gregos antes de eles chegarem em casa. O que vocês acham disso?
A maioria dos homens se animaram com o tom empolgante de
Helena, mas alguns ainda pareciam apreensivos. O tempo estava
acabando, e ela sabia que não tinha escolha. Quando Helena usou o
cinturão para influenciar o último dos soldados, ela sentiu verdadeiro
ódio pela primeira vez. E foi por si mesma.
— Tragam ele para dentro — ela repetiu, e todos os homens na
muralha correram com rostos aturdidos e os olhos em branco para
cumprir suas ordens.
Quando o grande portão estava sendo aberto pela primeira vez em
mais de uma década, Helena correu para longe da muralha e fez seu
caminho através da cidade para o templo do Oráculo. Se Eneias voltasse
ao seu posto agora, ele iria estragar todo o seu esforço. Helena tinha que
se certificar que ele ficasse ocupado e longe do portão, ou ela teria que
fazer algo drástico.
Ela não podia matá-lo antes do amanhecer. O acordo que Ulisses
havia feito com Zeus era que Ulisses poderia fazer o grande portão de
Troia ser aberto e todo o exército grego entraria na cidade em uma noite
sem matar uma única pessoa antes do sol nascer. Então, ao amanhecer,
enquanto a cidade ainda dormia, os gregos iriam matar os cidadãos de
Troia em suas camas. Em troca de um fim tão rápido de uma guerra que
estava virando todos os deuses uns contra os outros, Zeus tinha jurado
que os deuses não voltariam para a Terra a menos que os Descendentes
se unissem e ameaçassem seu governo.
Helena tinha que se certificar de que ela não mataria ninguém
enquanto ela cumpria sua parte. Isso não queria dizer que ela não
poderia incapacitar Eneias e amarrá-lo, no entanto.
Seu corpo tremia quando ela agarrou sua adaga. Ela não queria ferir
Eneias, que sempre tinha sido um homem bom e verdadeiro, mas ela
faria o que fosse necessário. Já havia tanto sangue inocente em suas
mãos que a adição do dele não iria fazer diferença, de qualquer maneira.
Por um momento, Helena pensou em Astíanax, o filhinho de Heitor e
Andrômaca, e seus olhos se encheram de lágrimas.
Todas as mulheres, incluindo Helen, deveriam ser poupadas — com
uma adaptação. Elas deveriam ser divididas entre os reis gregos como
despojos de guerra. Helena seria de Menelau. Ela estremeceu, reprimindo
a memória dele tentando bater nela até a morte, e sabia que ela iria
enfrentar isso repetidamente nos anos vindouros. Ele era impotente
agora, por causa da maldição que Afrodite lançou em sua cidade, e ele
estaria determinado a descontar em Helena durante o tempo que ela
conseguisse viver através de sua brutalidade.
Helena sentia como se isso fosse justo. As mulheres deviam ser
casadas com os reis gregos, mas exceto Atlanta, todos os filhos de Troia
iam morrer naquela noite. Em comparação, Helena estimou que seu
sofrimento era pequeno.
Ulisses se recusou a ceder sobre as crianças, não importa o quanto
Helena tinha implorado por suas vidas. Os gregos não arriscariam a
chance de que os bebês crescessem como homens que poderiam caçá-los
para vingar a morte de seus pais.
O Oráculo lhes tinha avisado que os gregos poderiam matar todos
os filhos de Troia, mas o sangue pelo sangue ainda era o destino dos
semideuses. Cassandra previu que as Fúrias não iriam tolerar a matança
de crianças e parentes, e que iria punir todos os semideuses pela
matança de inocentes. Mas, claro, ninguém acreditou nela.
Helena manteve seu punhal na bainha até que ela precisasse, e
subiu a colina rochosa e íngreme até o templo onde Cassandra vivia na
solidão. Muitas vezes, ao longo dos anos, Helena tinha olhado para os
pilares brilhando da prisão luxuosa de Cassandra e pensado que a
irmãzinha de seu marido era como a lua. Ela era maior do que qualquer
um deles, remota e muito solitária.
Poucos passos à frente, Helen ouviu alguns sons inconfundíveis.
Impossível, Helen pensou quando ouviu as duas vozes gritarem em
uníssono.
Helena correu de coluna para coluna e fez seu caminho através da
floresta de mármore no interior do templo, até que ela estava perto o
suficiente do santuário interior para confirmar com seus próprios olhos
o que os seus ouvidos já tinham dito a ela.
Eneias e Cassandra eram amantes. E pelo olhar de surpresa no
rosto de Eneias enquanto ele se deitava ao lado de Cassandra, ainda
ofegante, Helena podia ver que sua intimidade era um novo
acontecimento.
Eneias sentou-se na pilha de roupas descartadas e cortinas
rasgadas que tinham servido como sua cama e passou a mão em seu
rosto suado como se ele não tivesse ideia do que fazer a seguir. Ele olhou
para as ânforas derrubadas, as cortinas rasgadas e o caos geral que sua
união tinha causado no templo agora profanado, e, em seguida, para
baixo, para Cassandra, completamente atordoada.
— Eu machuquei você? — ele perguntou a ela com urgência.
Surpreendia Helena que um guerreiro brutal como Eneias, que havia
passado os últimos dez anos de sua vida derramando rios de sangue
grego, poderia ter essas emoções sensíveis. Ele estava mais preocupado
com o bem-estar de Cassandra do que com o fato de que ele tinha
acabado de cometer um crime que era punível com a morte.
O Oráculo era sagrado. Helena não podia acreditar que as Moiras
tinham permitido esta união em absoluto. Pelo que ela entendia, o
destino em si entrava em cena e impedia os Oráculos de terem intimidade
com os homens. Oráculos poderiam tentar, mas o homem que elas
queriam inevitavelmente teriam um acidente fatal, seriam enviados para
uma terra distante e nunca mais voltariam, ou haveria algum outro
infortúnio devastador antes que o amor pudesse ser consumado. Por
alguma razão, obviamente esse não era o caso aqui. Ou as Moiras não
iriam — ou não podiam — interferir com Eneias.
Cassandra sorriu e estendeu a mão para tocar a boca bonita de seu
amante com a ponta dos dedos. — Ouvi dizer que é de se esperar na
primeira vez. Valeu a pena mil vezes — ela disse calmamente.
Ele tomou-lhe sua mão e virou-a para que ele pudesse beijar o centro
de sua palma. — Sinto muito, de qualquer maneira — ele sussurrou,
colocando sua pequena mão sobre os músculos grossos que escondiam
seu coração sensível.
Cassandra olhou para ele vagamente, seus olhos nadando. Eneias
pegou-a, puxou-a para o seu colo, e beijou-a. Cassandra desmaiou por
um momento em seus braços, mas depois pareceu endurecer a si mesma.
Ela se afastou de seu beijo e sacudiu a cabeça.
— Você deve ir — ela falou arrastado, embebida por ele. — Agora,
antes que alguém descubra.
— Eu não vou a lugar nenhum — Eneias respondeu com uma risada
baixa. — Eu não vou desonrar você correndo para salvar minha própria
pele.
Eneias deslocou para que Cassandra pudesse sentar-se
confortavelmente montada nele e ainda ver cada mudança de seu rosto
quando ele comprometeu-se com ela.
— Eu estou livre para me casar de novo — ele disse, sorrindo
suavemente. — Minha esposa morreu no parto anos atrás, e meu luto
acabou há muito tempo. Seu irmão pode querer a minha vida pelo que
eu fiz com você, mas eu tenho todo o direito de pedir a sua mão antes de
chegar a esse ponto.
Cassandra se afastou de Eneias, empurrando-o para trás para que
ambos pudessem ver com mais clareza.
— Eu não sou simplesmente a irmã do meu irmão, e este não é um
encontro bobo que pode ser perdoado com um casamento apressado —
disse Cassandra, como se ele estivesse perdendo o ponto inteiramente.
— Eu sou Cassandra de Troia e o receptáculo das Moiras. Você
contaminou o referido receptáculo, Eneias. A punição para você é certa.
— Cassandra falou com ele duramente, tentando fazê-lo entender os
riscos. — Você deve fugir. Esta noite. Agora. Ou você vai morrer.
— Eu não vou deixar você, Cassandra. Eu vou me arriscar, me jogar
na misericórdia de Paris. Vou pedir-lhe para permitir que você seja minha
esposa, se for preciso. Mas eu não vou fugir. — Uma expressão de dor
atravessou seu rosto quando um pensamento preocupante lhe ocorreu.
— Você não quer ser minha esposa? Eu pensei... já que você deu a si
mesma para mim... que você me amava.
Cassandra baixou a cabeça em suas mãos. Eneias tentou acalmá-
la. Acariciou-a, abraçou-a e incitou-a a olhar para ele. Quando ela
finalmente encontrou seu olhar de novo, seus olhos azuis penetrantes
afundaram profundamente nos seus brilhantes e verdes, e ela falou com
toda a autoridade do próprio destino.
— Eu não poderia te amar mais se você viesse para mim segurando
o sol em sua mão direita e todas as estrelas do céu na sua esquerda —
ela disse a ele, sua voz tão definitiva como um canto fúnebre. — Eu
poderia viver cem vidas e nunca desejar um homem mais perfeito do que
você. Eu o amei desde o segundo que eu vi você, e infelizmente para mim,
eu sei como um fato que eu nunca vou amar alguém ou alguma coisa
tanto quanto eu te amo.
O coração de Helena saltou para a garganta. Ela se escondeu atrás
da coluna que a escondia e enfiou a mão sobre a boca para impedir seu
coração, e o som engasgado que o seguiu, de pular para fora. Cassandra
sabia que Troia ia cair naquela mesma noite. Ela tinha seduzido Eneias
de propósito, a fim de forçá-lo a fugir. Foi uma tentativa desesperada de
salvar sua vida.
Cassandra tinha arriscado irritar as Moiras para salvar o homem
que amava, mas em vez disso, seu plano tinha se virado e se devorado
como uma cobra comendo o próprio rabo. Ao amar Eneias, Cassandra
não tinha feito ele querer fugir de Troia como ela tinha planejado, mas
em vez disso, ela tinha lhe dado um desejo inabalável de ficar. Por toda a
sua previsão, a única coisa que Cassandra não tinha contabilizado foi
que Eneias poderia se apaixonar loucamente por ela. Mas isso tinha
acontecido. E agora ela tinha que fazê-lo mudar de ideia ou vê-lo morrer
nas mãos dos gregos.
— Eu sei que Paris vai apoiar o nosso casamento — disse Eneias,
fazendo planos excitados. — Você vai ter que sair de sua alta posição no
templo, é claro, mas isso não seria tão ruim, não é?
— Seria o paraíso — Cassandra admitiu tristemente. Ela saiu do
colo dele, procurou a sua túnica na pilha e a vestiu enquanto ela falava.
— Mas você tem mais a temer do que apenas o meu irmão. Todos nós
temos.
— Você está falando sobre a queda de Troia de novo? — ele
perguntou, seu rosto cauteloso. Ele se preparou, como se estivesse se
preparando para Cassandra começar a delirar.
— Não. Eu nunca vou falar sobre isso novamente — Cassandra disse
calmamente, e Eneias relaxou. — Eu estou falando de outro assunto que
não tem nada a ver com uma profecia.
Assim, ele podia acreditar nela, Helena pensou, tentando descobrir
a estratégia de Cassandra. Sua maldição é que sua profecia não deve ser
acreditada, não outras verdades que ela poderia saber.
— Você deve deixar Troia antes do sol nascer ou Apolo vai ver que
você se tornou meu amante.
— O que Apolo tem a ver com isso? — Eneias perguntou com cautela.
— Eu o recusei anos atrás. A única razão pela qual eu ainda estou
viva é porque até ele teme as Moiras, e elas me reivindicaram primeiro.
— A voz de Cassandra vacilou quando viu o olhar horrorizado no rosto
de Eneias, mas ainda assim, ela continuou. — Apolo vem com o sol. Se
ele ver que eu me entreguei a você ele vai amaldiçoar você, seu filho e seu
pai.
Eneias olhou para Cassandra, seu rosto pálido à luz das tochas.
— Eu sinto muito. — Ela estendeu a mão para ele, mas Eneias
afastou as mãos e empurrou-se para longe dela.
— Por quê? — ele perguntou a ela desesperadamente. — Por que
você fez isso comigo?
— Sinto muito — ela repetiu. Ele levantou-se, procurou a sua túnica,
e amarrou-a com raiva.
— Eu estava pronto para morrer por você, se essa fosse a minha
punição, mas o meu filho e o meu pai não têm nada a ver com isso. Você
deveria ter me contado. — Sua voz tremia de traição. — Você amaldiçoou
a minha família para sempre.
— Não — disse Cassandra, lágrimas caindo de sua bochecha. — Se
você sair agora, pegar o seu pai e seu filho e sair de Troia antes do
amanhecer, Apolo não irá persegui-lo.
— Claro que ele vai! — Eneias gritou, finalmente levantando a voz
para ela.
— Não, ele não será capaz de tocá-lo nunca mais, eu juro! — ela
gritou de volta. Isso fez Eneias parar. Oráculos não juravam
levianamente. — Pouco depois do amanhecer, Apolo vai estar preso no
Olimpo por um voto que Zeus fez no rio Styx. Zeus achou que seria
impossível para os semideuses cumprirem o combinado, mas ao
amanhecer, vai ser assim. O voto perpétuo de Zeus fará ele e os Doze
ficarem presos no Olimpo por muitas gerações.
— E o que é essa coisa impossível que os semideuses terão cumprido
pela madrugada? — perguntou Eneias, como se estivesse começando a
ser convencido.
— Você não vai acreditar em mim. — Cassandra suspirou como se
Atlas tivesse acabado de rolar seu fardo sobre seus ombros. Então ela
riu, e murmurou para si mesma. — Um cavalo gigante de madeira.
Ridículo.
— O que tem o cavalo? — perguntou Eneias, sua voz abaixando
perigosamente. — Aquele fora do grande portão?
— Já é tarde demais — ela disse, sacudindo a cabeça. — Pegue seu
filho. Pegue seu pai. Saia de Troia. Se você ficar, Apolo punirá a todos
nós.
Os ombros de Eneias se encolheram, e a expressão ferida no seu
rosto o fez parecer tão jovem quanto ele tinha sido quando Helena o
encontrou pela primeira vez há uma década.
— Eu realmente acreditei em você quando você disse que me amava
— ele disse a ela calmamente.
— Talvez um dia você olhe para trás para hoje à noite e acredite
novamente. — Cassandra inclinou a cabeça, e Eneias a deixou.
***
Andy acordou muito antes do amanhecer. Ela estava sozinha na
cama de Ariadne pela primeira vez desde que a família Delos a tinha
trazido e parecia muito estranho. Ela tinha se acostumado ao ronco de
Ariadne e a Helen se debatendo. Em poucos dias, tinha começado a
parecer como se as três houvessem crescido empilhadas uma em cima
da outra, e agora que o quarto estava quieto, ele parecia muito calmo
para dormir.
Também não ajudou que cada vez que ela fechava os olhos, a única
coisa que ela podia ver era Hector levantando-se da água para vir em seu
socorro, todo molhado, com o peito nu, e isso não era exatamente indutor
de sono. Desistindo de ter mais algum descanso, Andy jogou as pernas
para fora da cama e despenteou seu cabelo curto e escuro com os dedos
até que a parte de trás se levantou. Ela decidiu descer para ver o que
podia fazer para ajudar Noel e Kate a preparar o café da manhã
monumental que eles iriam servir antes de Dédalo e Phaon duelar ao
amanhecer.
Noel não esperava que Andy fizesse tarefas, mas Andy insistiu. Ela
tinha estado cuidando de si mesma toda a sua vida, e ela não estava
confortável sentada ao redor enquanto outras pessoas serviam ela. Se ela
ia ser protegida por esta família, ela imaginou que o mínimo que podia
fazer era ajudar. Além disso, havia leite e cookies na cozinha — cookies
de Kate, nada menos. Andy pode não ter estado em Nantucket por muito
tempo, mas ela já havia aprendido que Kate cozinhava o tipo de cookies
que fazia uma pessoa querer sair da cama.
Entrando na cozinha, Andy viu uma grande forma escura sentada à
mesa e engasgou de surpresa.
— Você não está pensando em tentar nadar outra vez, não é? —
Hector perguntou em voz baixa.
— Não — Andy sussurrou, puxando para cima a alça da camisola.
Ariadne era um pouco maior do que Andy e a maioria das roupas que ela
tinha emprestado pareciam cair de seu ombro de forma inadvertidamente
sedutora. — Eu não conseguia dormir.
— Eu sei — ele disse, observando-a. — Eu ouvi.
— Como você pode... — Andy começou, e se interrompeu quando ela
viu o brilho de seu sorriso no escuro. Claro que ele podia ouvi-la se virar
e revirar na cama. Ele era um Descendente. Ele provavelmente poderia
ouvi-la suspirando seu maldito nome em seu sono. O pensamento a fez
querer virar e correr de volta para cima, mas em vez disso ela ficou presa
ao chão, olhando para a sua forma, enquanto seus olhos se adaptavam
à escuridão.
— Pegue um copo. — Hector apontou para a garrafa de leite e o prato
de cookies na frente dele.
— Aha. Os cookies de Kate. Você chegou antes de mim. — Andy riu.
Ela pegou uma caneca e deslizou ao lado de Hector no banco. Ele estava
vestindo apenas um par de calças de moletom bem-desgastadas que
diziam REAL MADRID em letras desaparecendo do lado. — Você nunca
veste uma camisa? — ela perguntou. Ela estava tentando fazer uma
piada, mas sua voz saiu trêmula e ofegante, arruinando o efeito garota-
descolada que ela estava pretendendo.
— Não para dormir. — Ele sorriu e pegou sua caneca para enchê-la.
Andy assistiu os músculos em seus antebraços flexionarem e relaxarem
enquanto ele servia. Suas mãos a fascinava. Ela gostava do modo como
ele segurava as coisas de uma maneira tão sólida e confiante. As mãos
de Andy tinham uma tendência a se agitar delicadamente quando ela se
movia, algo que ela culpava sua herança de sereia. Mas quando as mãos
de Hector tocavam em algo, elas tomavam o controle da coisa.
Andy mordiscou um cookie e viu-se maravilhada com a diferença
entre eles. Hector era assumidamente masculino em tudo o que ele fazia,
e só de estar sentada ao lado dele fazia Andy se sentir mais feminina do
que ela nunca sentiu antes. Feminilidade era algo geralmente igualado
com fraqueza na mente de Andy, mas agora que ela estava perto de
Hector, Andy percebeu qual era realmente a sensação de uma mulher
estar prestes a fazer a coisa mais poderosa que ela já tinha
experimentado.
— Você gosta de futebol? — ela perguntou, apontando para o
logotipo em sua calça de moletom.
— Eu gosto de Madrid — ele respondeu. — A minha família passou
muitos anos na Espanha. Eu adoraria voltar algum dia.
— Eu gostei da Espanha, mas eu acho que eu prefiro a
Escandinávia. Alguma vez você já nadou em um fiorde? — Ele balançou
a cabeça. — O gelo brilha debaixo da água leitosa-azul. É... — Ela parou
e sorriu timidamente. — Talvez nós possamos fazer isso juntos algum
dia.
O silêncio se estendeu entre eles quando eles olharam um para o
outro. Ela podia ouvir seu pulso batendo em seus ouvidos e sabia que
Hector podia ouvi-lo, também.
— Você viajou muito enquanto crescia? — ele finalmente perguntou.
— Quando eu era jovem. Antes da minha mãe, ah... seguir seu
próprio caminho. — Andy olhou para sua caneca. — Sereias não criam
seus filhos como os humanos. Minha mãe ficou por perto muito mais
tempo do que a maioria teria. Ela realmente tentou ficar comigo.
— Quando ela seguiu seu próprio caminho? — perguntou Hector,
usando a frase de Andy.
— Quando eu tinha sete anos ela me deixou no colégio interno. —
Ela viu Hector estremecer. — Uau. Em voz alta, isso soa horrível, não é?
— Sim — ele riu baixinho. — Isso deve ser um choque para você. De
repente ser parte da minha família grande e louca.
— Não, eu gosto disso — Andy respondeu de imediato, consciente
do fato de que ele a incluiu na sua família. — Eu amo isso, na verdade.
Parecia que uma bolha quente estava se expandindo dentro dela,
preenchendo espaços que ela nem sabia que ela tinha e, de repente, ela
queria muito tocar Hector. Ela se inclinou para mais perto dele, na
esperança de que, se ela o convidasse a chegar mais perto ele viria o resto
do caminho.
— Andy. Você é uma convidada em minha casa. Existem regras
sobre isso — Hector sussurrou suplicantemente. Ela olhou para seu
rosto, detida pelo seu tom de voz. — Você não passou muito tempo em
torno dos homens. Não foi. — Não era realmente uma pergunta, mas ela
balançou a cabeça em resposta, de qualquer maneira. — Ajeite a sua
camisola — ele disse suavemente.
Andy pegou a alça caída com as pontas dos dedos e deslizou por
cima do ombro, amando o modo como os olhos de Hector seguiram cada
movimento que ela fez, como se estivesse tentando ler algo escrito em sua
pele.
— Vamos lá — ele suspirou com pesar, levantando-se e tomando-a
pela mão. Ele a levou de volta para cima para o quarto de sua irmã,
parando fora da porta.
— Sinto muito — ela disse, sentindo que ela tinha feito algo errado.
— Você nem sabe pelo que está pedindo desculpas, não é? — Hector
perguntou com um brilho bem-humorado em seus olhos.
— Não faço ideia — ela admitiu, sentindo-se um pouco tola.
Ele inclinou-se para ela e roçou os lábios contra sua bochecha. Andy
sentiu um arrepio irradiar para fora de onde ele a beijou, como
ondulações se espalhando na superfície de uma lagoa.
— Eu vou te mostrar mais tarde — ele prometeu, sua voz tremendo
ligeiramente.
Hector abriu a porta do quarto de Ariadne e empurrou uma Andy
muito confusa para ele.

***
Helen sentou-se na cama. O som do bater das ondas cumprimentou-
a e o ar do mar claro, adoçado com o perfume das flores da floresta
tropical, envolveram Helen no calor úmido.
Ela passou as mãos sobre o lençol debaixo dela e sentiu a depressão
ao lado dela que ainda cheirava a Lucas. Ela passou as pernas nuas para
o lado, abrindo a cortina de gaze de mosquiteiros que pairava sobre a
cama larga e branca. O piso de teca estava brilhante e fresco sob seus
pés. Um carrilhão de vento de conchas anunciava onde a entrada da
cabana era, e Helen caminhou descalça em direção a ela.
Lá fora, água espumante e azul-esverdeada abrigava recifes cheios
de corais. Além da expansão aquática, ilhas impossivelmente íngremes e
verdejantes projetavam-se para fora da água azul-piscina deslumbrante
como cotovelos de gigantes.
Helen andou a circunferência do deque envolvente e viu que sua
pequena cabana foi erguida sobre palafitas no meio da água da enseada
rasa. Ela encontrou Lucas — lá fora dando um mergulho ao amanhecer.
Helen sentou-se no deque ao lado de uma tartaruga do mar cético e
viu Lucas brincando com um tubarão-limão. Ela sabia que os animais
não eram animais de estimação aqui, porque ela tinha criado isso.
A tartaruga do mar não estava disposta a arriscar a entrar na água
com todos os que tinham tantos dentes quanto o tubarão-limão. Helen
não a culpava. Respeito pelo poder de outros animais era algo que Helen
não iria ignorar, nem mesmo no paraíso. Por que ter um tubarão se ele
não for perigoso? Onde estava a emoção nisso?
Lucas parecia estar ciente do fato de que o tubarão-limão não era
um brinquedo, e encontrou-o na água com todo o respeito que a criatura
merecia. Mas eles corriam sob as ondas quase como se eles estivessem
brincando de pega-pega.
Isso lembrou Helen de como Lucas se movia em torno do ringue
quando ele e Hector estavam lutando. Ela decidiu que era o que Lucas
estava fazendo. Ele estava aperfeiçoando seus reflexos e melhorando suas
habilidades de luta com uma criatura com a qual ele nunca tinha tido a
oportunidade de treinar antes. Talvez o tubarão-limão também.
Lucas notou Helen observando-o. Ele flutuava sob a água,
inclinando-se em direção a ela, seus braços estendidos como asas. A
barriga de Helen bateu no chão e ela sorriu para ele, espantada que ele
ainda podia fazer isso com ela depois de tudo o que tinham passado.
Foram tantas vidas que ela podia se lembrar — algumas que duraram
apenas alguns breves anos e outras que duraram décadas — e ele ainda
fazia ela formigar como uma menina que nunca tinha sido beijada.
Ele puxou-se para fora da água e sentou-se ao lado dela, todo
molhado e banhado pelo sol nascente.
— Eu sempre quis fazer isso, permanecer submerso e não precisar
respirar — ele disse, tão animado que sua voz estava alta e juvenil. —
Hector e Jason podem ter me invejado quando eu voei, mas eu morri um
pouco quando eles pularam na água juntos e desapareceram por horas.
Eu não podia segui-los.
Helen ouviu uma nota de fluência triste em seu tom de voz, e ela
percebeu que ele deve ter estado sempre um pouco isolado de seus
primos. Ele não podia levá-los para voar com ele, e eles não podiam levá-
lo sob a água com eles.
Helen sabia que não era por que Lucas invejava Hector e Jason pelo
que eles poderiam fazer. Ele invejava que eles podiam compartilhar seus
talentos um com o outro, e ele não podia compartilhar o seu com ninguém
— até que Helen apareceu.
Lucas olhou para as ondas suavemente se dobrando, pensando. —
Eu vou ser assim de agora em diante? — ele perguntou. — Eu vou ser
capaz de respirar debaixo d’água na Terra?
— Sim — Helen respondeu calmamente. — Em Hades, ele faz com
que ninguém tenha poderes especiais, exceto ele, é claro. Dessa forma,
ele não concede talentos para as pessoas que não nasceram com eles.
Hades é muito inteligente. Ele evita toda a questão de dar poder demais,
suspendendo todos os poderes quando você está com ele.
— Você não fez isso — Lucas disse calmamente.
— Eu não podia. Eu precisava curar você. E agora eu só quero
agradá-lo — Helen admitiu. — Eu quero que você aproveite tudo o que
tenho para lhe dar. Mas, a fim de tornar possível que você possa respirar
debaixo d’água aqui, eu tive que mudar o seu corpo permanentemente. É
por isso que eu não sei quantos Descendentes devo trazer aqui. Eu quero
que todos vejam isso, mas e se eu...
— Inadvertidamente criar um exército de Descendentes que têm
uma infinidade de talentos que nem mesmo os olimpianos têm? — Lucas
terminou por ela. — É uma grande coisa a considerar.
— Poder ilimitado.
Lucas pensou um pouco mais. — Por que Zeus não fez isso? Deu a
si mesmo e a todos os olimpianos tantos dons diferentes quanto ele
poderia pensar?
— Eu não sei. Eu não acho que ele queira compartilhar poder —
Helen adivinhou. — Também poderia ser porque, como Hades, ele decidiu
criar certas regras para o seu mundo que o proíbe de dar poderes. Mas
eu não sei qual é o problema com o Olimpo. Eu nunca estive lá.
— Ouvi dizer que há um monte de festas — Lucas disse brincando.
— Ambrosia, néctar dos deuses, ninfas. Muitas ninfas.
— Mantenha-os alimentados e felizes para que eles não se revoltem
— disse Helen com um aceno e um sorriso. Eles riram um com o outro,
seus olhos travados. Lucas pegou sua mão e desviou o olhar.
Seus olhos examinaram o horizonte, varrendo a vista deslumbrante
como se ele estivesse tentando memorizá-la. Ele se virou para ela e ficou
sério. — Como está a família?
— Ansiosa. Nós devíamos voltar — ela respondeu com relutância. —
O tempo corre aqui como na Terra, e eles estão esperando eu voltar com
você.
Embora Helen teria gostado de passar a eternidade na cabana sobre
a água com Lucas, eles tinham mais de um motivo para retornar à Terra.
Ela tinha que voltar para Orion, seu escudo, então as Moiras não
poderiam vê-la enquanto ela tentava encontrar uma maneira de impedir
uma guerra contra os deuses. Ela sabia que não tinha muito tempo.
Agora que ela tinha criado seu próprio mundo, Zeus iria persegui-la, e
ela não poderia nem mesmo começar a planejar sem ter a certeza de que
as Moiras não podiam vê-la.
Ela queria dizer a Lucas sobre tudo isso, mas ela sabia que não
podia. Mesmo em sua Everyland as Moiras ainda podiam vê-la, e se as
Moiras achassem que ela estava tentando evitá-las, elas encontrariam
uma maneira de afastá-la de Orion. Elas já podiam saber o que Helen
estava planejando, quer ela dissesse em voz alta ou não, mas ela achava
que falar com certeza iria dar má sorte. Ela tinha que esperar até que ela
estivesse com Orion novamente para dizer a todos o que ela estava
planejando.
— Eu posso sentir você inquieta — disse Lucas com um sorriso
indulgente. — Mas antes de irmos, posso pedir um favor a você?
— Qualquer coisa.
— Não traga mais ninguém aqui, nesta enseada, ok? Deixe que este
lugar seja nosso.
— Para todo o sempre — ela prometeu.
CAPÍTULO 13
Traduzido por I&E BookStore

L ucas lançou o seu último olhar para o paraíso.


— Pronto? — Helen perguntou a ele, segurando sua mão com
força na dela.
— Não — ele suspirou, observando seus olhos em constante
mudança captar a luz do sol nascente. — Mas vamos embora, mesmo
assim.
Uma pontada de frio surpreendente, como ser mergulhado em água
gelada, e eles estavam de volta em sua casa. Estava tranquilo de uma
forma que a mansão Delos quase nunca estava.
— Eu achei que você tinha dito que todo mundo estava esperando
por nós — ele disse, começando a se preocupar.
— Eles estavam — ela disse, hesitante. — Orion? — Helen chamou.
O ciúme atravessou Lucas, quente e branco. Ele tentou reprimi-lo,
mas não conseguiu. Ela ainda estava segurando sua mão, mas ela estava
pensando em Orion. Em Everyland, Helen poderia mimá-lo e tratá-lo
como se ele fosse a única pessoa no mundo, mas de volta à Terra ela
tinha alguém para amar, alguém que não era seu primo.
— Meu pai — ela disse, lançando a ele um olhar preocupado.
— Vamos lá — ele disse, usando o momento para puxar a mão dela
antes que ela visse a batalha em seu coração.
Lucas e Helen subiram as escadas e encontraram Kate cuidando de
seu pai, ainda dormindo.
— Por que você é a única aqui, Kate? — Helen perguntou com raiva.
— Você não é forte o suficiente para impedir Daphne se ela tentar drogá-
lo novamente.
— Daphne foi para a praia com todos os outros para o duelo — disse
Kate, seus olhos procurando em Lucas alguma lesão. — Onde você
esteve?
— Que duelo? — Lucas olhou para Helen para ver se ela sabia.
Quando Helen deu de ombros, Kate explicou rapidamente o que
aconteceu depois que ele e Helen tinham desaparecido.
— E quanto a Orion? — perguntou Helen. — Phaon está apenas
fazendo isso para chegar até ele.
Lucas cerrou os dentes e tentou lembrar a si mesmo que ele deveria
ter esperado por isso. Ela adorava Orion, e Lucas não poderia culpá-la.
Era mais fácil amar Orion — menos complicado.
— Não importa. — Kate balançou a cabeça. — Dédalo e Phaon não
foram autorizados a escolher... como vocês chamam? Substitutos?
Braços-direito?
— Segundos — Lucas disse, fornecendo o nome.
— É isso aí, nenhum segundo é permitido nessa luta deles.
— Mesmo se Phaon viver, ele não será capaz de ir atrás de Orion —
disse Lucas a Helen para tranquilizá-la. — Não que ele iria. Orion iria
esmagá-lo em um duelo aberto.
— Mas se Phaon ganhar e matar Dédalo... — Helen começou.
— Se ele ganhar, ele ganhou. Ninguém pode retaliar. Nem mesmo
Orion. — Lucas assistiu Helen tentar digerir isso, e ele podia ver que ela
estava tendo problemas com isso. — É melhor assim. A matança tem que
parar em algum lugar.
Helen finalmente concordou, aceitando isso mesmo que ela não
quisesse. Lucas não a culpava. Ele não queria ver um pedófilo assassino
se safar se Dédalo perdesse para Phaon, mas não havia maneira de
contornar isso. Duelos tinham regras rígidas. A Titã Hécate, deusa de
todos os portais e encruzilhadas, tornou a interferência deles impossível.
Foi dito que nem mesmo Zeus poderia desafiar Hécate. Ela era a única
Titã que ele não poderia enviar para o Tártaro.
— Você quer ir? Eu provavelmente deveria ficar caso Daphne volte
— disse Helen para Kate em uma voz fraca. Ela, obviamente, não queria
ficar, mas ela sentia como se tivesse que oferecer.
— Ir? E assistir a dois caras suados que eu não conheço tentar
cortar fora pedaços um do outro com espadas? — Kate perguntou com
uma sobrancelha levantada. — Não, obrigada. Eu vou ficar aqui com
Jerry.
— Você é incrível. Você sabe disso, certo? — disse Helen à Kate,
dando-lhe um abraço.
— Eu sei — Kate respondeu. Ela se afastou e olhou para Helen,
alisando a mão sobre seu rosto por um momento e ficando séria. — E
quanto menos você desaparecer em uma bola de fogo e gelo menos meu
cabelo fica cinza. Você sabe disso, certo? — Helen riu. Kate virou-se para
Lucas e apontou para ele. — E não agarre mais Helen quando ela estiver
como tocha humana, ok?
— Conselhos muito sensatos — ele respondeu quando Kate o
abraçou.
Deixando Kate para vigiar Jerry, eles se apressaram para descer
para a praia. Quando eles fizeram o seu caminho para o grande grupo de
espectadores reunidos perto da água, Lucas não tentou pegar a mão de
Helen novamente. Ele poderia dizer que ela estava ansiosa para chegar a
Orion, e ele não queria fazê-la se sentir como se ele estivesse impedindo
ela.
Assim que ela teve um vislumbre de Orion, ela subiu para o ar e
voou para ele em uma corrida. Lucas andou o resto do caminho para dar-
lhes um momento a sós e dar a si mesmo um momento para se acalmar.
Não era que ele achava que Helen não o amava. Ele sabia que ela o
amava. Mas Orion poderia dar a ela o que ela precisava, e ele não podia.
Tudo que Lucas tinha que fazer para Helen ser feliz era sair do caminho.
Era simples — mesmo se isso também o estivesse matando.
— Lucas? — seu pai chamou, avistando ele. Ele veio correndo pela
praia em um borrão.
Castor pode ter corrido primeiro, mas Hector e Jason o venceram
chegando antes dele onde Lucas ficou para trás, caminhando lentamente
até a praia.
— Eu não posso acreditar! — Hector uivou, agarrando Lucas em um
abraço de urso. — Todos nós pensamos que você tinha sido tostado.
— Eu fui — disse Lucas, rindo enquanto seu primo o fazia girar.
— Solta ele, idiota — Jason disse irritado ao seu irmão. — Deixe-me
pelo menos verificá-lo antes de você quebrar suas costelas.
— Eu estou bem, Jase — Lucas insistiu quando Hector o colocou
para baixo. — Completamente curado.
Pareceu uma eternidade para ele cumprimentar o resto de sua
família. Enquanto ele tentava provar a sua mãe que ele ainda tinha toda
a sua pele, ele teve um vislumbre de Helen tendo uma conversa intensa
com Orion.
Quando Lucas roubou novamente um vislumbre de Helen, ela estava
olhando para sua mãe, e Lucas poderia dizer que elas tiveram uma
conversa rápida sobre Jerry. Ele não sabia o que elas tinham dito uma a
outra, mas ele tinha certeza que elas decidiram deixar sua briga para
mais tarde.
O grupo formou um círculo em torno de uma área de areia nivelada.
Era uma arena improvisada, provavelmente muito parecida com as
primeiras arenas de luta. Descendentes desconhecidos — Lucas assumiu
que eram membros dos Cem Primos — terminaram sua tarefa e saíram
do ringue, jogando uma tocha, uma chave e uma serpente na área limpa.
Uma mulher apareceu, e os três símbolos que a tinham conjurado
desapareceram. Ela não era jovem, e suas feições não eram perfeitas, mas
ainda assim ela era adorável. E aterrorizante, Lucas decidiu.
— Hécate — Hector sussurrou. Lucas assentiu distraidamente,
momentaneamente paralisado com a única Titã que restou a vagar pelo
mundo, antes dela desaparecer novamente.
Lucas olhou de um lado para o outro da praia. Era novembro, pouco
depois do amanhecer, e estava muito frio, mas ainda havia algumas
pessoas espalhadas ao longo da costa. E se alguém visse?
— Como eles estão esperando realizar um duelo sem espectadores
chamarem a polícia? — Hector murmurou para Lucas.
— Hécate — Lucas murmurou de volta. — Uma vez que o duelo
começa, nada pode pará-lo. Ela vai manter qualquer interferência à
distância. Especialmente mortais indesejados.
Lucas olhou para Orion. Seus olhos estavam em seu pai, que estava
a poucos passos na frente dele, com a espada pronta. Helen estava a seu
lado. Lucas rapidamente desviou o olhar quando ele viu Helen e Orion
juntar as mãos.
Ele voltou sua atenção para Phaon, que estava do outro lado do
ringue. Sua postura estava frouxa, apática, como se ele realmente não
estivesse prestando atenção. Em comparação com Dédalo, que estava em
posição de defesa e ansioso para entrar na luta, a mente de Phaon parecia
estar em outro lugar.
— Ele já está morto — disse Hector no ouvido de Lucas. Lucas
concordou com a cabeça. Phaon tinha desistido. Embora Lucas soubesse
que Phaon merecia esta morte, ele sentiu pena dele.
— Eu só quero dizer uma última coisa, se me permite? — A voz fina
de Phaon mal atravessou as ondas. — Eu não fui sempre uma pessoa
horrível, embora eu tenha feito coisas horríveis. Eu entendo agora que o
que fiz foi errado.
Lucas sentiu sua pena se aprofundar. Ele deu um passo à frente
para dizer que este duelo devia ser interrompido, quando Phaon caiu de
joelhos com um grito. Ele agarrou o peito, como se alguém tivesse
acabado de esfaqueá-lo lá.
— Tente isso de novo e eu vou arrancar o que sobrou de seu coração
— Orion disse, com o rosto lívido. Seja qual for a batalha interna que os
dois estavam lutando com os seus talentos da Casa de Roma, Orion
ganhou. O chão tremeu e por um momento parecia que Orion estava
pronto para rasgar Phaon com as mãos nuas, mas Helen estirou o braço
e o parou.
Lucas já não sentia pena, embora Phaon nunca tenha parecido mais
patético. Sua simpatia tinha estranhamente desaparecido. Ele percebeu
que Phaon deve ter estado controlando as suas emoções. Olhando em
volta para o resto do grupo, Lucas viu que todos estavam tão furiosos
com Phaon por manipulá-los como ele estava.
— Levante-se — Orion ordenou, e Phaon se levantou. — Pegue sua
espada. — Phaon pegou o punho da espada na mão e um olhar malicioso
e lascivo atravessou seu rosto de uma forma feia.
— Por que tão frustrado? Eu já lhe disse, você pode ficar com a
pequena, Orion. Você sabe que ela quer isso de você. — Phaon sorriu
obscenamente para Cassandra.
Lucas sentiu Hector e Jason agarrarem seus braços, e ele percebeu
que tinha estado avançando para chegar ao bastardo deformado.
— Não — Hector rosnou em seu ouvido. — Não é sua vida para tirar.
— Vejo todos vocês em Hades — Phaon disse com uma risada
despótica.
— Não — disse Helen, sua voz soando como a de uma deusa. — Você
não verá.
Ela falou com tanta certeza que o sorriso maníaco de Phaon
derreteu. Ele olhou para ela, sabendo que ela sabia melhor do que
qualquer um deles o que o esperava. O olhar no rosto de Helen era o de
uma esfinge. Impiedoso. Isso o aterrorizou, como deveria.
— Comecem — disse Orion. Ele moveu-se para fora do círculo da
arena como se soubesse exatamente o que estava fazendo. Por um
momento, Lucas se perguntou se Orion tinha duelado com mais de um
homem no Coliseu.
— Pela minha irmã, Cassiopeia — Dédalo disse em voz baixa, quase
como se estivesse orando.
E então ele atacou Phaon com toda a habilidade e poder de um
guerreiro experiente.
Lucas contou quatro ataques antes de ver o sangue de Phaon
jorrando de uma ferida na perna. Phaon mancou ao redor, chutando
areia para distrair o seu adversário, mas isso não impediu um veterano
como Dédalo. Ele fintou, passou por Phaon, e inverteu a sua pressão com
a ponta de sua lâmina para perfurar Phaon nas costas — especificamente
no rim, uma ferida muito dolorosa.
Jason cutucou Lucas. Eles se entreolharam, e perceberam juntos o
que Dédalo estava fazendo. Ele não estava tentando causar uma morte
rápida.
— Ele vai sangrar Phaon até a morte — Jason sussurrou.
— Ótimo — Lucas respondeu. Ele olhou para a direita e viu Hector
concordando com a cabeça.
Levou quase vinte minutos. Um corte aqui, um golpe de quebra de
osso ali, e assim por diante, e até mesmo Lucas, Jason e Hector se
sentiram desconfortáveis. Dédalo foi implacável. Ele infligiu cada lesão
como se ele estivesse assinalando fora da lista o item final. Isso era
obviamente algo sobre o qual Dédalo tinha pensado por um tempo muito
longo.
Ninguém falou ou se moveu para impedi-lo.
Lucas olhou para seu pai, esperando vê-lo ficar desconfortável
enquanto observava a tortura sistemática de outro ser humano. Mas em
vez disso, tudo o que ele viu foi uma expressão distante no rosto de
Castor, como se seu pai estivesse se lembrando de algo doloroso que
ainda permanecia com ele há muito tempo. Olhando para todos os
membros da geração mais velha, Lucas viu expressões similares, e ele
sabia que todos os presentes acreditavam que Phaon merecia a punição
extrema que ele estava sofrendo agora.
Phaon se debateu. Em agonia, ele tagarelou que ele não estava
arrependido. Ele falou e falou que ele possuía a inocência porque ele a
roubou, e agora ele era o deus da inocência. Ele insistiu que ele poderia
ser um monstro, mas todos eles não eram?
A resposta foi um não decidido. O restante dos Descendentes, com
todos os seus defeitos, não era como ele. Quando Dédalo, finalmente,
cortou a cabeça de Phaon com um golpe direto e limpo, eles assentiram
como um só, virando o rosto para o céu.
Catarse, Lucas pensou.
— Muito bem, meu filho — disse uma voz ressonante.
O círculo se virou e olhou para a linha da água. Avançando para fora
das ondas estava um jovem de peito nu com cabelo preto e olhos azuis
penetrantes. Ele carregava um tridente, mas por causa do olhar em seu
rosto, para Lucas parecia ser mais como um tridente nas mãos de um
demônio. Um diabo que parecia exatamente com Lucas.
Ele ouviu suspiros do grupo, e ele sentiu Hector cutucá-lo.
— Aquele é o seu gêmeo do mal — disse Hector baixinho, com o rosto
animado pelo perigo que ele sentiu no ar.
Lucas sabia que ele deveria ter estado mais impressionado com a
aparência de um deus, mas ele não estava. Estranhamente, ele só podia
pensar em seu nado com o tubarão-limão alguns minutos atrás. Helen
tinha acabado de lhe dar um novo poder sobre o oceano. Ele podia
respirar debaixo d’água. Não pela primeira vez, Lucas se perguntou se ela
tinha dado a ele mais poderes do que isso.
— Meus Descendentes sempre foram mais fortes do que os seus,
sobrinha, e aqui de novo, meu Dédalo provou a superioridade física da
minha descendência, matando o seu Phaon.
— Como se eu me preocupasse com uma demonstração de força
bruta — disse outra voz que ronronou sedutoramente.
Mais uma vez, o grupo virou como um só para ver uma mulher alta,
seu cabelo loiro caindo em nuvens para baixo da parte de trás de seus
joelhos e seu ondulante corpo voluptuoso como ondas abaixo dele.
Vestida apenas com um vestido branco e leve, ela passeou pela praia, os
dedos dos pés tocando o vinco espumoso onde as ondas se reuniam na
areia.
— Não é a força do braço, mas a paixão dentro dos corações daqueles
que lutam que finalmente determina o vencedor da guerra, Poseidon. Nós
já passamos por isso. — Ela foi diretamente para Helen e ficou na frente
dela enquanto ela falava. — Muitas vezes, em muitas guerras, vimos
como os corações dos homens e mulheres decidem o resultado das
batalhas. — Ela sorriu e pegou as duas mãos de Helen nas dela. — Olá
de novo, Helen.
— Olá, Afrodite — Helen respondeu, lágrimas se reunindo em seus
olhos.
Helen realmente se lembrava dela, Lucas pensou. Pela primeira vez
ele considerou o que isso significava. Helen se lembrava de Troia. Ela
sabia o que realmente aconteceu.
— Eu senti tanto sua falta — disse Afrodite.
— E eu senti a sua — disse Helen, sua voz presa, como se ela não
estivesse apenas surpresa por estar dizendo isso, mas surpresa por estar
sentindo isso também.
— Engraçado, não é? Eu conheci todo amor possível, mas quando
os anos passaram, o amor que eu ansiava mais é o que eu partilhava com
a minha irmã.
As duas mulheres se abraçaram com ternura e o brilho dourado que
cresceu em torno delas era fascinante de se ver, como olhar para a magia.
Lucas podia ouvir os corações dos Descendentes baterem lentamente
com Helen e Afrodite. Foi uma sincronicidade forte, uma ligação que
Lucas sabia que todos eles iriam se lembrar, não importa quão opostos
estariam no futuro.
Medo inchou dentro de Lucas. Não porque os deuses estavam entre
eles novamente, mas porque Helen estava no centro de tudo. Ela inspirou
tal amor nele, em Orion, até mesmo em uma deusa. Não havia ódio, sem
amor, e Lucas não poderia evitar de achar que todos eles em breve
estariam enfrentando uma luta desesperada por causa do amor puro que
todos eles sentiram naquele momento.
— Uma reunião tocante — disse o homem de peito nu com cabelo
preto. — Mas seu homem perdeu, Afrodite. E você ainda me deve a nossa
aposta.
Lucas abriu caminho entre o grupo e enfrentou o que parecia uma
versão molhada e ligeiramente cruel de si mesmo. — Isso não é um jogo
para os deuses apostarem. Estas são as nossas vidas.
Poseidon estudou Lucas, e riu. — As Moiras colocaram meu rosto
em um tolo moralizante. Deixe-me dizer-lhe uma coisa, rapaz. Eu não
ligo para o que as Moiras querem. No mar, os peixes grandes comem os
pequenos. Você vai ter que crescer um pouco de pele mais espessa, se for
você aquele que deveria tentar me substituir.
— Pelo menos ele é inteligente — disse outra voz familiar. Um deus
que parecia gêmeo de Hector desceu da outra extremidade da praia,
interrompendo Lucas antes que ele pudesse questionar a última
observação de Poseidon. — Meu candidato a substituto é valente, mas ele
tem que ser o mais idiota de todos os mestiços Descendentes. Na verdade,
ele realmente queria me desafiar, mesmo sendo um mortal, como ele é. É
constrangedor, na verdade.
Lucas agarrou Hector automaticamente pelo braço. Ele podia sentir
seu primo coçando para saltar em Apolo, imortal ou não, e que,
provavelmente, faria todos serem mortos.
Uma explosão de ar gelado a partir do centro do círculo interrompeu
uma luta antes que pudesse começar.
— Ora, ora, Apolo — disse o jovem loiro que estava no pedaço de
gelo recém-formado. Uma rajada de ar passou sobre Lucas, mas não foi
ar do mar. Cheirava como as montanhas, carregado com ervas e
fracamente o cheiro de pedras. Tinha que ser de outro mundo. —
Nenhum de nós toma decisões sábias quando se trata de mulheres.
Hector não é exceção. Ele quer sua Andrômaca para si mesmo. Você pode
culpá-lo?
O jovem loiro era alto, mas não gigante. Ele não era
excepcionalmente musculoso, também, mas apesar do fato de tanto
Poseidon quanto Apolo serem maiores e mais fisicamente desenvolvidos,
ele irradiava poder enquanto caminhava para Helen e Afrodite. A deusa
acenou para o deus respeitosamente, mas foi a Helen a quem ele se
dirigiu.
— Bem, filha. Você tem estado ocupada — Zeus disse em um tom
suavemente repreensivo.
Lucas paralisou seu rosto para que ele não mostrasse suas emoções
enquanto ele pensava sobre isso freneticamente. Ele havia sabido há
algum tempo que as Moiras atribuíam papéis, criando novos atores em
cada novo ciclo para que tudo permanecesse o mesmo até mesmo quando
isso mudasse. Lucas rapidamente olhou para os deuses e seus
Descendentes duplicata antes do seu olhar cair sobre Orion. O gêmeo de
Orion estava faltando.
— O que você quer de nós? — perguntou Helen, encarando Zeus.
Lucas não poderia deixar de se sentir orgulhoso dela, mesmo que fosse
louco falar com um deus assim. Zeus tinha amaldiçoado gerações inteiras
por delitos menores, mas Helen não mostrava nenhuma gota de medo.
— Não nós. É o que eu quero de você, Helen. — Zeus falou baixinho,
mas sua voz ainda parecia aumentar.
— O que é? — Helen perguntou com cautela, sua bravata esgotando.
Poseidon e Apolo se posicionaram atrás de Zeus. Afrodite beijou o
rosto de Helen, soltou sua mão e relutantemente foi ficar atrás de seu
pai. Hector, Lucas e Jason reagiram do mesmo jeito, e se angularam atrás
de Helen e Orion.
— Eu quero o seu novo mundo brilhante — Zeus respondeu.
Mais deuses se juntaram a ele. Uma enorme mulher em armadura
veio primeiro. Em seguida, um rapaz que se moveu tão rápido que parecia
zumbir como um colibri, um corcunda carregando um martelo, um
homem com videiras em seu cabelo, e, finalmente, uma outra mulher
com um vestido de penas de pavão; todos foram para trás de Zeus.
Helen olhou para Orion. Lucas mordeu com força, rangendo os
dentes para se impedir de gritar. Ela não acabou de dizer-lhe algumas
horas atrás que ele era a pessoa que a ajudava a descobrir tudo? Lucas
assistiu quando uma compreensão passou entre Orion e Helen. Ele não
sabia o que era porque ela estava retendo informações. Novamente. Helen
e Orion fizeram um acordo silencioso e ela virou-se para enfrentar Zeus.
— Você não pode tê-lo — Helen disse deliberadamente.
Zeus sorriu como se Helen tivesse acabado de lhe dar as chaves para
o mundo que ele realmente queria. — Desafio.

***
Helen esperava que isso funcionasse.
— Aceito — disse Hector, movendo-se para frente até que ele estava
à direita de Helen e olhando para Zeus sobre alguns centímetros de areia.
Vozes gritaram, e vários desafios foram feitos de uma só vez, enquanto
toda a multidão de Descendentes reagia ao movimento de Hector contra
os deuses.
— Espera! — Helen levantou um braço para impedir Hector de
começar uma luta ali mesmo. Lucas e Jason vieram para manter Hector
sob controle.
— Eu não vi tal fogo em uma centena de gerações — disse Zeus,
rindo. — Você está certo, Apolo. Ele é corajoso, até mesmo mais corajoso
do que o seu menino em Troia, mas mais burro do que um bloco de
mármore.
— Calma — Orion disse a Hector. — Confie em nós.
Zeus se inclinou para perto de Hector, perto o suficiente para Helen
ver os raios que brilhavam dentro de seus olhos âmbar. — Se ele tivesse
um pingo de juízo, ele iria lembrar que não importa quão habilidoso ele
seja, ele não pode me matar.
— Exatamente — disse Helen em uma voz controlada. — Portanto,
não é um verdadeiro desafio. Os deuses não estão autorizados a lutar
com mortais em duelos, razão pela qual em Troia apenas semideuses
lutaram com semideuses. Os deuses podem tentar matar Descendentes
com ondas do mar, relâmpagos e maldições. Mas eles não estão
autorizados a participar no combate corpo-a-corpo com a gente, a menos
que eles sejam mortais também. Como quando Ares me torturou no
portal. Ele não era imortal lá, então ele podia me matar. Mas longe de um
portal, os deuses precisam encontrar uma forma de nos fazer lutar uns
contra os outros ao invés. Como fizeram em Troia.
— E como eles estão fazendo agora — Orion continuou
incisivamente, de modo que mais Descendentes podiam ouvir e entender
que os deuses estavam apenas tentando matar a todos.
— Existem regras para estas coisas. Você já é meu campeão
escolhido — disse Helen. — E você é mortal, de modo que Zeus tem que
escolher um campeão mortal, também.
— Como você aprendeu tudo isso? — Zeus perguntou a Helen com
os olhos apertados.
— Um pequeno rio me disse — ela respondeu, internamente
suspirando de alívio que suas memórias de Helena de Troia estivessem
corretas.
Helen viu Hector relaxar e sorrir. Lucas e Jason recuaram,
finalmente confiando que Helen e Orion sabiam o que estavam fazendo.
A maioria dos outros Descendentes relaxaram também. Mesmo que
as outras Casas não conhecessem Hector pessoalmente, todos tinham
ouvido falar de sua reputação. Ele tinha matado Creon, um Mestre das
Sombras, com as mãos nuas. Para eles, aquilo era prova suficiente de
sua habilidade em combate livre.
Realmente não havia Descendente que poderia estar no mesmo nível
de Hector, exceto talvez a própria Helen. Ele era o herói perfeito. A maior
ameaça física era Daphne e ela adorava Hector. Não importa quais eram
os motivos de Daphne, e Helen admitiu abertamente a si mesma que ela
não tinha ideia do que eles poderiam ser, Helen sentia que sua mãe
nunca iria matar Hector. Ele a lembrava muito de Ajax.
Pelo menos, é nisso o que Orion e Helen estavam apostando.
Nenhum deles poderia pensar em um Descendente que poderia derrotar
Hector, então eles esperavam que o número de mortos do dia iria
terminar em dois — Phaon e qualquer outro pobre coitado, que ela
esperava que fosse um dos Cem Primos ou um ramo distante da Casa de
Atenas.
Todo esse último segundo de planejamento que ela e Orion tinha
feito deveria ter deixado Helen à vontade, mas isso não aconteceu.
Quando ela olhou para Zeus, seu sorriso tinha ficado mais amplo.
Helen notou uma perturbação em torno deles, como se as dunas de
areia estivessem se tornando vivas. Um momento depois, as dunas
estavam cobertas de homens estranhos, vestidos com armadura arcaica.
Helen podia ver que alguns tinham os olhos vermelhos brilhantes, e
outros tinham pele dura tipo armadura ou tenazes como mãos.
Myrmidons. Ela lembrou-se de Automedon matando Zach, e as pontas
dos seus dedos crepitaram com raios raivosos.
— Você acha que você pode derrotar um Myrmidon? — Helen
perguntou à parte para Hector, percebendo que ela e Orion não tinham
contado com isso.
— Eu consigo — ele sussurrou de volta com confiança. Helen olhou
de Hector para Lucas, que apertou os lábios e balançou a cabeça, em
silêncio, confirmando que ele achava que Hector poderia derrotá-lo
também.
— Eu escolhi um campeão também, Helen — Zeus anunciou.
Triunfo brilhava em seus olhos. — Aquiles, para combinar com seu
Hector.
Os Myrmidons se separaram e deixaram um único guerreiro passar
por suas fileiras para ficar em frente a Hector. Helen conhecia este
guerreiro — seu caminhar, o seu corte de cabelo, até mesmo a camisa
que ele vestia, embora naquele momento estava na maior parte coberta
por uma armadura estranha. Ele tinha aquela camisa por dois anos
agora, e Helen sabia que era a sua favorita. Tudo nele era familiar para
Helen, exceto pelo poder recém-desenvolvido que ela podia sentir nele
agora.
— Matt? — Helen gritou, incrédula. — O que diabos você está
fazendo saindo com um monte de Myrmidons?
Ele olhou para ela e rapidamente voltou sua atenção para Hector.
— Não é você que eu quero — disse Matt para Hector. — Há apenas
uma vida que eu quero tirar, e nunca foi a sua. Eu vim para matar o
Tirano.
— Matt — Lucas disse calmamente enquanto Hector e Matt olhavam
um para o outro. — Não há nenhum Tirano.
— Oh, sim, há — Matt disse duramente. Ele olhou para Helen.
Eles tinham sido amigos desde que eram muito pequenos para ficar
de pé, e ela nunca tinha visto seu rosto assim. Era como se ele a odiasse.
— Ela pode não fazer nada para prejudicá-lo agora, Lucas — ele
continuou. — Mas o poder absoluto corrompe absolutamente, e nunca
houve um ser com mais poder do que Helen.
Helen sentiu-se tonta e um pouco enjoada. Porque ela sabia que ele
estava certo.
— Helen? O Tirano? — Orion disse, gargalhando com descrença.
Tantalus, Dédalo e Pallas se afastaram de Helen e se posicionaram
atrás de Matt.
— Pai — Orion sibilou, mas rapidamente fechou a boca. Helen viu
seus olhos endurecerem, e ela podia ver em seu coração que Orion estava
repreendendo-se por não ter previsto isso.
Helen olhou para Hector e viu-o olhando para seu pai, Pallas. Havia
uma verdadeira dor em seus olhos, mas nenhuma culpa. Eles eram tão
diferentes que não era surpreendente qualquer um encontrar o outro no
lado oposto da guerra.
Castor ficou firmemente atrás de Lucas, olhando para os seus
irmãos. Helen sentiu Daphne tomar uma posição atrás dela e de Orion.
Mais Descendentes se misturaram ao redor na periferia do grupo.
Argumentos tensos e murmurados inflamaram-se e depois diminuíram
quando membros individuais desertaram de suas Casas e decidiram por
si mesmos que lado eles preferiam — o de Helen ou dos deuses. Dois
lados distintos foram sendo desenhados. Matt levantou a voz para que
todos pudessem ouvi-lo.
— A profecia diz que o Tirano é o receptáculo onde o sangue das
Quatro Casas foi misturado. Diga-me, Orion, quantos poderes Helen
adquiriu no intercâmbio de irmãos-de-sangue com você e Lucas? — disse
Matt. — Quase todos eles, certo? Isso é o que nós imaginamos.
Matt fez um gesto para Claire e Ariadne, e elas se moveram para se
juntar ao seu lado. Helen sentiu-se deslizar de barriga para baixo como
se estivesse em uma montanha russa. De repente, ela não conseguia
respirar.
Perder Matt foi um golpe grande o suficiente, mas perder Claire era
impensável. Sua Risadinha. Sua melhor amiga, escolheu o outro lado.
Helen sabia que Claire tinha dúvidas sobre ela. Ela deveria ter tentado
falar com Claire em vez de guardar segredos, mas em vez disso ela deixou
a fenda entre elas crescer mais e mais. E todo aquele medo que ela viu
no coração de Claire tinha assumido.
Helen ouviu Jason sussurrar o nome de Claire para si mesmo, e
quando ela olhou para ele, parecia que ele estava morrendo por dentro.
Helen teve um breve flash de memória de Troilus, cuja esposa, Cressida,
o traiu, escolhendo um amante grego ao invés dele. Helen podia ver o
coração de Claire, e era óbvio quão despedaçada ela estava. Mas quando
Helen olhou para o coração de Matt, não havia conflito. Ele acreditava
que ele estava fazendo o certo.
— Matt. Como você pode fazer isso? — perguntou Helen, tentando
ser dura para não chorar.
— Porque você pode controlar a terra, o mar e o céu — Matt disse
enquanto mais e mais Descendentes se juntavam ao seu lado. — Você
pode convocar relâmpagos, manipular a gravidade e retirar todas as
espadas das mãos de um exército através da geração de um campo
magnético. Você pode controlar corações, e agora eu descobri que você
até mesmo criou seu próprio mundo. Helen, há alguma força que você
não comanda, exceto talvez a si mesma? Você quase matou Lucas quando
suas emoções estavam fora de controle, e pelo que eu vi o seu
comportamento está ficando cada vez mais errático à medida que o tempo
passa, e não menos. — Helen olhou para o lado e fez um som frustrado,
mas Matt continuou. — O mais importante, por favor, explique-me, se
você pode criar o seu próprio mundo, um mundo perfeito que você
controla totalmente, o que impede você de destruir este se não fizermos
exatamente como você disser?
Silêncio.
Tudo que Helen podia ouvir eram ondas e gaivotas. Matt seria o
primeiro a descobrir isso. Ele sempre foi tão inteligente.
— Você se lembra das boas-vindas do primeiro ano? — perguntou
Matt. Ele mudou de posição de pé para pé, hesitante, com os olhos tristes.
— Sim — disse Helen, com um encolher de ombros. — Vários de nós
passamos a noite inteira conversando ao redor da fogueira, uns cinco
minutos da praia a partir daqui.
— Você se lembra de Zach nos perguntando se pudéssemos
construir uma máquina do tempo, poderíamos usá-la para voltar e
assassinar Hitler quando ele era apenas um bebê?
— Sim — Helen respondeu, sua voz saindo como um coaxar. — Eu
lembro. Então eu levo você a pensar que eu sou Hitler.
— Não. Eu acho que você é o Tirano — disse Matt. — Você tem o
potencial para ser muito pior.
— Minha filha não pode ser o Tirano. Me escutem! — Daphne disse
apaixonadamente enquanto ela agitava as mãos para chamar a atenção
de todos.
Era a primeira vez que Daphne defendia ela, e mesmo que Helen
ainda estivesse furiosa com sua mãe pelo que ela tinha feito com Jerry,
ela não podia deixar de se sentir tocada.
— O Tirano deveria substituir Hades. Ele deveria se tornar o
Descendente senhor dos mortos. Helen foi feita para governar o céu e
substituir Zeus, e é exatamente por isso que ele escolheu um campeão
para desafiá-la. — Daphne apontou um dedo acusador para Zeus e
ganhou ao longo alguns crentes. — Pensem nisso. Zeus está prestes a ser
derrubado por uma Descendente com mais poderes do que ele tem, e ele
está tentando nos voltar contra ela para a matarmos para ele. Ela é
poderosa, sim, mas Helen não pode ser o Tirano.
— Onde está escrito que o Tirano tem que substituir Hades? —
perguntou Matt, sua voz assustadoramente calma. — Os três deuses
principais devem ser substituídos por três Descendentes... isso é o que
sabemos da profecia. Nós sempre assumimos que o Tirano governaria
Hades, mas o tirano poderia facilmente governar o céu.
Daphne fez uma pausa. Todo o vigor saiu do seu argumento, e um
olhar temeroso atravessou seu rosto. — Sinto muito — Daphne
sussurrou para Helen, com o rosto pálido.
— Está tudo bem, mãe. Eu já suspeitava disso a alguns dias.
Nascido da amargura? — perguntou Helen, lembrando a sua mãe sem
maldade da profecia. — Existe alguém no mundo mais amarga do que
você?
— Não. Você não entende — Daphne continuou, e depois parou
quando Helen deu um passo adiante e se atreveu a pisar na linha na
areia que se formou entre os dois lados.
— Matt está certo. Eu sou o Tirano. Ou eu deveria ser, se as Moiras
fizerem as coisas à sua maneira. Mas vocês têm que confiar em mim. Eu
vou me certificar de que isso não aconteça.
— Eu sei que você vai tentar — disse Matt, e suspirou
profundamente. — Você vai querer fazer apenas coisas boas com os seus
poderes, e, no início, você vai corrigir erros e defender os mais fracos. Eu
sei que você vai. Mas isso vai mudar eventualmente. Nenhuma pessoa,
não importa quão bem-intencionada, serve para governar o mundo.
Helen podia ver a mudança elétrica nele que ela tinha notado antes,
aquela coisa que o tornava mais do que apenas Matt. Ele estava diferente,
mais forte e cheio de magia estranha, mas ainda assim, Helen sabia que
ele estava fazendo as mesmas escolhas que ele teria feito um ano atrás.
Ele ainda era Matt — uma bússola da verdadeira moral — e, como de
costume, ele estava certo.
— Você sempre odiou os valentões. E eu acho que eu sou a maior
valentona do bloco agora, hein? — disse Helen com um sorriso carinhoso.
Matt sorriu com ela. Nenhum dos dois queria que isso acontecesse.
— Todo mundo espere um momento — Claire disse ansiosamente,
correndo para ficar entre as facções como se ela pudesse fazer uma ponte
entre as duas. — Lennie, talvez haja uma maneira de você poder devolver
alguns desses poderes? Existe algo que você possa fazer para, eu não sei,
ser você de novo para que não tenhamos que surtar?
— Desculpe, Risadinha — Helen respondeu, sabendo que ela estava
prejudicando sua melhor amiga mais do que ela já fez antes. — Esta sou
eu. Sempre foi.
Os olhos de Claire se encheram de lágrimas. Mas não importava o
quanto ela amava todas as pessoas que estavam do outro lado do muro
imaginário que estava sendo construído entre as duas facções, Helen
sabia que Claire iria fazer o que ela achava que era certo.
Quando ela tomou seu lugar novamente atrás de Matt, Helen não a
culpou. Na verdade, ela admirava Claire por sua força e coragem, mesmo
que isso magoasse bastante.
Helen desejou que ela pudesse gritar seu plano, dizer a seus amigos
e familiares por que ela estava fazendo isso, mas ela não podia. As Moiras
podiam não ser capazes de ouvi-la enquanto ela estava com Orion, mas
Zeus certamente podia, e enquanto as Moiras podiam ser seu pior
inimigo, Zeus era aquele que ela tinha que encontrar uma maneira de
aprisionar. Até que ela fizesse isso, Helen não poderia dar para trás
nenhuma pitada de poder ou ela sabia que não seria forte o suficiente
para lutar com ele. E então Zeus iria encontrar uma maneira de matar
cada um deles.
Como Helena de Troia antes dela, Helen Hamilton sabia que ela iria
felizmente interpretar o cara mau e fazer com que todos a odiassem antes
de ela permitir que todas as pessoas que ela amava morressem. Ela
lembrou-se de Ariadne dizendo a ela uma vez que um Descendente
nomear sua filha de Helen era como um cristão nomear seu filho de
Judas. Como todas as outras Helens antes dela, Helen Hamilton tinha
decidido que ser Judas para sua família valia a pena — contanto que ela
sobrevivesse.
— Sinto muito, Claire — ela disse, tentando em vão fazer um elo
mental com sua amiga e levá-la a entender sem dizer nada. — Mas eu
não vou desistir dos meus poderes.
— E é isso — disse Matt, verdadeiramente entristecido. — Ela nunca
vai ser nossa “Lennie” novamente, Claire. Ela fez a sua escolha, poder ao
invés de nós.
Matt inclinou a cabeça sobre o ombro e fez um barulho desumano.
Helen reconheceu. Automedon tinha usado para comandar os seus
homens quando atacou Helen, Hector e Claire nos bosques em um
encontro numa pista de corrida.
Os Myrmidons reagiram ao comando de Matt se endireitando e
formando um semicírculo em seu lado do “muro”. Um deles avançou e
recuperou o corpo de Phaon, e um segundo grupo veio para frente e
limpou a areia. Eles eram tão eficientes como um exército de formigas, e
em poucos segundos um novo campo de batalha tinha sido feito dentro
da arena improvisada na praia.
Uma oferenda foi trazida para o círculo. Uma abóbora.
— O que está acontecendo? — Helen perguntou a Orion, enquanto
memórias de cozinhar com o seu pai, transformando abóboras em
panquecas, tortas e picolés lotaram sua mente.
— É um de seus símbolos. O poder de Hécate abrange uma série de
coisas diferentes — ele sussurrou em resposta à sua pergunta meio-
formada. — Portais, encruzilhadas, fronteiras, permutas e negócios são
os maiores, e é por isso que ela oficializa os duelos, que são uma espécie
de negócio, se você pensar sobre isso. Mas ela é também a deusa bruxa.
Algo sobre Macbeth e a negociação de sua alma. A abóbora é um de seus
símbolos, porque ela é a primeira bruxa.
Helen olhou para essa abóbora tola, certa de que as Moiras estavam
rindo dela. Ela adorava abóboras. De todas as memórias das muitas vidas
as quais Helen tinha sido recentemente submetida, as memórias que ela
criou em Nantucket eram suas favoritas. Jerry tinha lhe dado a melhor
vida que ela tinha tido em todas as suas muitas existências. Daphne
tinha razão quando ela disse que Helen deveria agradecê-la por fazê-la
pensar que Jerry era o pai dela.
Um olhar para aquela maldita abóbora, e ela sabia que ela trocaria
toda essa bobagem de Descendente, todos os seus poderes maravilhosos,
por mais uma noite de baseball e sorvete com seu pai. Apenas uma noite
em que Lucas poderia vir para comer alguma massa, comer
desajeitadamente na frente do seu pai superprotetor, e, em seguida,
todos podiam assistir a eventos desportivos e discutir sobre política,
como todos os outros em Massachusetts. Mas aquela noite perfeita nunca
iria acontecer.
Helen nunca seria uma criança normal do ensino médio novamente.
Um flash luminoso e um fogo laranja estranho entrou em erupção
em torno dos limites da arena. Hécate não reapareceu, mas sua presença
foi manifestada no zumbido de poder que rodeava o ringue. A abóbora
desapareceu. O fogo se apagou. O desafio foi definido.
A multidão atrás de Helen sussurrou freneticamente. Nuvens de
trovoada rolaram para fora da água, e relâmpagos brilharam à distância.
Zeus e os olimpianos rearranjaram-se para terem a melhor vista. Eles
estavam gostando disso.
Helen tentou entrar na arena e descobriu que não podia. Um fogo
laranja brilhou. Uma pessoa normal teria sido queimada por ele, mas ele
só jogou Helen alguns passos para trás. Matt andou facilmente para seu
lugar, três metros de distância da linha na areia no meio do ringue oval.
Ele desembainhou sua espada, uma coisa de má aparência e espessa que
fez a respiração de Helen parar. Ela tentou de novo entrar no círculo,
apenas para descobrir uma barreira invisível impedindo-a. Helen tentou
usar seu talento para criar um portal para entrar no ringue, mas nada
aconteceu. Hécate poderia mesmo impedir uma Criadora de Mundos de
cruzar uma fronteira, se quisesse. Helen fez uma pausa para meditar
sobre isso.
— O que você está fazendo, bobinha? — Hector perguntou a ela,
metade de um riso em sua voz. Enquanto ela tinha estado rememorando
panquecas de abóbora e contemplando o poder de Hécate, Lucas, Jason
e Orion tinham estado ocupados colocando uma armadura peça por peça
em Hector no que parecia a ela como um ritual.
— O que você quer dizer com o que eu estou fazendo? — Helen
perguntou — irritada como de costume quando Hector ria dela. — Ele
não quer lutar com você, ele disse que quer a mim.
Hector apenas riu mais forte com o seu tom melodramático. — Você
não vai roubar a minha glória, princesa.
Ela realmente odiava quando ele a chamava assim.
— Não me chame...
— Ele é seu campeão, Helen! — Lucas estalou, e seu tom não era
brincalhão como o de Hector.
Helen olhou para Lucas. O medo e a frustração em seus olhos a
silenciou imediatamente. Ela sabia que Lucas estava chateado com ela
por não entregar Everyland quando Zeus pediu por ele. Ela queria gritar
para ele que ela tinha um plano, caramba, mas é claro, ela não se atreveu
a fazer isso.
— Você fez um juramento, e para nós, isso não são apenas palavras
— Lucas continuou. — Você não pode entrar nessa arena. Apenas Hector
pode aceitar seu desafio agora.
— E... espera — disse Helen tropeçando, sua língua ficando pesada
em sua boca com o medo quando a primeira parte de seu plano foi
desfeita. — Matt disse que ele não queria Hector, ele só quer a mim.
Portanto, esta é a minha luta.
— Não, não é — disse Hector, sério. Toda a sua brincadeira
despreocupada desapareceu, e Helen podia ouvir a voz de um antigo herói
nele.
Por um momento ela viu Hector de pé sobre uma grande muralha,
observando Aquiles meio louco de pesar pela morte de Pátroclo,
golpeando os cavalos de sua carruagem, enquanto chamava o nome de
Heitor para encontrá-lo em um combate. Matt não parecia Aquiles, mas
ele tinha a mesma presença, o mesmo poder. Ela não sabia como tinha
acontecido, mas de alguma forma, Matt tinha se tornado Aquiles, o
Guerreiro.
— Essa sempre foi a minha luta — Hector disse gentilmente.
— Não faça isso — ela sussurrou, sua voz falhando ao se lembrar do
que aconteceu da última vez.
— Não faça isso! — ecoou outra voz muito mais estridente.
Helen virou-se e viu Andy empurrando seu caminho através da
multidão perturbada. Seu rosto ficou chocado, como se não pudesse
acreditar no que estava dizendo e fazendo, mas não conseguia se conter.
Andy fez seu caminho através da confusão e ficou a centímetros de
distância de Hector, implorando-lhe com os olhos. — Não lute contra ele.
— Tentador — ele disse, sorrindo para o rosto lindo e totalmente
confuso. — Mas quem eu seria se eu não lutasse? Não eu mesmo, isso é
certo. Você sabe que eu tenho que fazer isso, Andy.
— Eu te amo — ela deixou escapar, completamente horrorizada que
ela estivesse dizendo algo tão sentimental na frente de uma multidão
como essa.
— Bem, já estava na hora — Hector respondeu sarcasticamente.
Por um segundo, parecia que Andy ia dar um soco nele, então Hector
fez a coisa sensata e a beijou. Quando ele finalmente se afastou ele o fez
com relutância.
— Você espera aqui? — ele perguntou a ela, seus olhos vulneráveis.
Andy balançou a cabeça lentamente e libertou-o.
Hector virou-se para Lucas, Jason e Orion, estendendo a mão para
a espada. Lucas entregou a ele, com o rosto escurecido com frustração.
Abraçando seus irmãos um por um, Hector entrou no ringue sozinho.
Helen foi para Lucas, pedindo em voz baixa. — Existe alguma coisa
que possamos fazer para impedir isso? Pense, Lucas.
— Não. Apenas um deles pode deixar esse ringue vivo — ele
respondeu, irritado. — Eu espero que você saiba o que está fazendo.
Ela não sabia. Helen não tinha ideia se o seu plano iria funcionar. A
única coisa que ela sabia era que ela tinha que tentar mudar as coisas, e
ficar perto de seu Escudo enquanto ela pensava era a única chance que
ela tinha. Helen recuou até que ela estava encostada em Orion para
preparar-se. Lucas engoliu em seco e desviou o olhar.
— Ele está magoado — Orion sussurrou em seu ouvido. — Ele acha
que você está me escolhendo ao invés dele.
Helen sabia disso. Ela também sabia que a cada segundo que ela
ficava perto de Orion feria Lucas ainda mais. Mas não havia nada que ela
pudesse fazer sobre isso nesse momento.
— Só me ajude a descobrir uma maneira de salvar Hector — Helen
sussurrou de volta.
— Eu não posso — Orion respondeu. Ele passou os braços em torno
de Helen e apertou, mais para confortar-se do que a ela. Ela ficou perto
dele, esperando que não só ela fosse protegida das Moiras pela presença
de Orion, mas que Hector também fosse.
— Poderia ser diferente desta vez — ela disse, sentindo-se otimista,
enquanto observava Hector e Matt se enfrentarem. Ela baixou a voz ao
mais suave dos sussurros e apertou os lábios ao ouvido de Orion para se
certificar de que os deuses não ouvissem. — Com você por perto, as
Moiras não podem usá-lo.
Orion assentiu, e quando ele se afastou e olhou para Helen havia
um otimismo cauteloso em seus olhos.
Os primeiros golpes vieram tão rápidos que Helen mal podia vê-los.
Mesmo que Helen tivesse lutado com Hector muitas vezes, e mesmo que
ele a tivesse treinado desde o primeiro dia, ela ainda não podia acreditar
que um cara tão grande poderia se mover tão graciosamente e com tanta
rapidez.
Mas este novo e sobrecarregado Matt era tão rápido quanto ele. Ele
desviou de golpes ofuscantes de Hector, girou e manteve o equilíbrio,
apesar de seu adversário tentar usar o seu tamanho maior para
pressionar e intensificar o ângulo. Em vez de ficar preso sob a chuva de
movimentos descendentes de Hector, Matt foi capaz de criar um espaço
entre eles sem perder o equilíbrio na areia.
Helen sentiu Lucas, Orion e Jason inalarem bruscamente quando
viu Matt avançar e tirar o primeiro sangue.
— Hector! — gritou Ariadne.
Hector se afastou de Matt, deixando cair a ponta da espada e
tocando suas costelas. Sua mão voltou vermelha. Ele olhou através da
arena para sua irmã e seu pai, que estavam com Tantalus. Eles haviam
se aliado contra ele.
Assim que Hector olhou para ela, Ariadne correu para a borda do
círculo, quase dançando na ponta dos pés ao longo da borda selada
magicamente, como se ela estivesse tentando atirar-se para ele e acabar
com essa luta. Hector sorriu para a irmã.
— Está tudo bem, Ari — ele disse, perdoando-a. — Eu entendo.
Hector enfrentou Matt novamente de forma severa, consciente agora
que ele tinha descoberto sua jogada. Ele não perdeu tempo, fintando e
girando através de Matt, e cortando o calcanhar de Matt quando ele se
afastou. O sangue correu livremente do calcanhar de Aquiles de Matt,
mas ele não morreu. Ele mancou para longe de Hector e tomou posição
do outro lado da arena.
— Calcanhar errado, meu amigo — Matt disse simpaticamente
quando a ferida foi fechada imediatamente.
— Valeu a pena a tentativa — Hector respondeu com um encolher
de ombros, e então ele pressionou novamente com abandono imprudente.
Descendentes se curavam rapidamente, mas para Matt levou apenas
segundos para que sua pele selasse de volta como se nada tivesse
acontecido. Depois de ver isso, Hector sabia que sua única chance de
derrotar Matt era encontrar sua única fraqueza. Matt tinha que ter uma.
Ele tinha que ser pelo menos parcialmente mortal ou Hécate não teria lhe
permitido participar desta luta, mas havia um monte de partes do corpo
para escolher. Hector tentou o outro calcanhar primeiro, mas Matt só se
recuperou mais rápido desta vez.
— Corte a cabeça dele! — Daphne gritou, os olhos arregalados de
medo por Hector agora que esfaquear os dois calcanhares de Aquiles não
funcionou.
— O coração dele! Atinja o coração dele! — Orion gritou depois dela.
Assim que essas duas primeiras ideias foram oferecidas, os
Descendentes do lado de Helen começaram a gritar sugestões em um
turbilhão de vozes. Hector lutou, apunhalando no coração, no fígado de
Matt, e até mesmo tentando cortar a cabeça dele, mas nenhum deles
acabou por ser o certo. Matt sentia a lesão, mas curava imediatamente,
e todo o tempo Hector estava ficando ferido e não curava tão rapidamente.
Com cada troca furiosa, Hector era o único que ficava mais fraco.
Os deuses olhavam com expressões extasiadas. Estava claro que
esta era a melhor luta que eles tinham visto em mais de três mil anos.
Eles foram absorvendo cada minuto de dor de Hector e Matt como se
estivessem torcendo em um jogo de futebol. Isso era um esporte para eles.
Incapaz de suportar assistir os deuses sanguinários, Helen olhou
para Lucas por conforto. Ele nem estava mais assistindo a luta. Ele
estava olhando fixamente para a areia, quebrando seu cérebro em torno
de que parte do corpo que Matt iria escolher como sua única fraqueza.
Ela podia vê-lo falando sozinho, frenético por uma maneira de descobrir
isso. Ela pensou ter ouvido Lucas repetindo a palavra “calcanhar”
repetidamente para si mesmo.
Lucas levantou a cabeça e fez contato visual com Helen, seu rosto
brilhante de esperança.
Ele tinha descoberto.
Naquele exato momento, Helen e Lucas ouviram Hector gritar. Suas
cabeças viraram-se a tempo de ver Hector cair de joelhos. A espada de
Matt foi enterrada até o punho em seu peito.
Muitas vozes gritaram ao mesmo tempo, e os corpos dos dois lados
do círculo da arena se pressionaram contra a barricada invisível em uma
onda, enquanto membros amorosos de ambas as facções tentavam correr
para a arena e vir em auxílio de Hector. Mas a magia do campo de batalha
impediu qualquer ser de interferir.
Matt estava sobre Hector, seus lábios tremendo e os ombros
curvados com pesar. Quase fora de si, Ariadne estava gritando coisas
odiosas para Matt enquanto Claire tentava segurá-la.
Hector caiu para o lado, ainda segurando a lâmina grossa que tinha
corrido através do seu coração. Ele bateu no chão com a cabeça voltada
para cima, seus olhos olhando diretamente para o sol nublado. Ele puxou
uma respiração tensa, depois outra e depois nenhuma. Sua boca parecia
sorrir para o céu, mas seus olhos, que sempre tinham sido tão ferozes e
cheios de vida, secaram.
Hector estava morto.
CAPÍTULO 14
Traduzido por I&E BookStore

O lhando para o corpo de Hector deitado na areia, Helen não poderia


evitar de pensar “Eu o escolhi como meu campeão porque eu não
podia suportar isso se Lucas ou Orion estivesse ali. Isso é minha culpa”.
— Desafio! — Lucas gritou, sua voz profunda perfurando através da
comoção.
Os deuses contraíram em um grupo apertado para conferir.
— Como pode ser isso? — perguntou Poseidon. — Eu pensei que
você tinha dito que o Rosto o levou para o seu mundo.
— Ela levou — Hermes respondeu defensivamente. — Ela não deve
tê-lo tornado...
— Espera — Zeus disse, levantando a mão para silenciá-los antes
de Hermes conseguir finalizar. — Hécate ainda tem que decidir.
Lucas chegou à beira da arena e caminhou para o ringue sem
impedimentos pela barreira que mantinha todos os outros fora. Seja qual
for a velha magia que testava a aptidão do desafiante, ela tinha aceitado
Lucas. Os deuses trocaram olhares de confusão.
Helen seguiu Lucas em transe, sem se preocupar com a reação dos
deuses. Ela sabia por que era possível para Lucas entrar no ringue. Ela
só não sabia por que ele iria querer. Não fazia qualquer sentido. Matt
tinha matado seu campeão e agora ele deveria desafiá-la.
— Lucas? O que você está fazendo? — ela perguntou, o medo fazendo
sua respiração vibrar. Ele não respondeu nem mesmo reconheceu que
ele tinha ouvido ela.
— Lucas é o segundo de Hector, Helen. É o seu direito desafiar Matt
antes de Matt poder desafiar você. — A voz de Jason estava falhando.
Helen olhou para ele. Lágrimas estavam caindo livremente pelo seu rosto
por causa de seu irmão. Ela pegou sua mão e apertou-a.
— Eu posso detê-los? — ela sussurrou.
— Não. É isso o que significa ser o segundo de um campeão.
Helen sabia que era tolice dela não ter percebido isso, mas
sinceramente nunca lhe ocorreu que alguém pudesse derrotar Hector em
primeiro lugar. E se o derrotassem, ela achava que era ela própria quem
iria lutar. Ela olhou para Orion suplicantemente, e ele deu de ombros,
impotente.
Dentro do círculo, Lucas tinha se agachado sobre o corpo de Hector.
Matt se afastou respeitosamente quando Lucas fechou os olhos de seu
irmão morto. Helen podia ouvir Pallas e Ariadne chorando do outro lado
da arena. Helen sabia que ela estava chorando, também, mas mais
importante para ela do que sua própria tristeza era a culpa que ela via
em Lucas.
— Só mais um segundo — Lucas sussurrou para o corpo de Hector.
Um soluço explodiu dele de forma inesperada, como se tivesse escapado
sem a sua permissão. Era um ruído áspero e zangado.
Lucas pegou Hector e o carregou para Orion e Jason que estavam à
espera na borda da barreira. Quando ele entregou o corpo de Hector,
Andy abriu caminho para o círculo apertado que esperava para
reivindicar o herói caído.
— Acorde! — Andy ordenou, sua voz carregando uma nota de
assombro que fazia terminações nervosas se esforçarem para obedecer.
Ele não se moveu. Suas bochechas coraram com um vermelho brilhante
enquanto ela concentrava cada pitada de poder que tinha.
— Eu disse, acorde! — ela repetiu, agarrando-o pelos ombros e
sacudindo-o.
Sua voz de sereia ecoou através das dunas e da água. Areia e
salpicos saltaram para o ar como se eles estivessem tentando fugir dela.
Mas ainda assim, Hector não se mexeu. Quando Andy começou a gritar
e chamá-lo de todos os tipos de nomes feios por deixá-la para trás, Castor
foi o único a ir até ela e, finalmente, arrastá-la para longe do corpo de
Hector.
— É o suficiente! Ele se foi, e nem mesmo você pode acordá-lo —
Castor disse, tentando chegar até ela. Ela não tinha a força de um
Descendente, mas ela lutou com ele por um momento antes de ela
desmoronar.
Noel estava lá para segurá-la enquanto ela chorava. Mas mesmo que
ela confortasse Andy, seus olhos estavam fixos em Lucas, que ainda tinha
que lutar. Lucas estava com a mão no bolso direito, seus dedos
preocupados com algo que ele guardava ali.
— Arco e flecha — Lucas pediu para Jason.
Um murmúrio assustado começou a se elevar entre os espectadores.
Vários dos deuses riram.
— Este não decepcionou — Apolo disse com entusiasmo à deusa na
armadura. Helen assumiu que ela era Atena. — É como da última vez.
— É isso que me preocupa — disse Atena de volta para Apolo. Seus
olhos astutos estavam grudados em Lucas.
— Por que ele não pega uma espada? — Helen perguntou a Orion,
ignorando os deuses enquanto eles faziam apostas.
— Eu não faço ideia — respondeu Orion.
— Bem... quantas flechas ele ganha?
— Apenas uma.
A cabeça de Helen girou e ela olhou para Lucas enquanto ele estava
de pé calmamente no ringue. — Por que ele iria pegar essa arma, então?
Isso não faz nenhum sentido — ela pressionou. O olhar perplexo de Orion
aprofundou o medo de Helen.
— Vamos, Luke — disse Jason, levantando as mãos em um gesto
exasperado, como se ele não soubesse o que Lucas esperava dele.
— Arco e flecha — Lucas repetiu distintamente.
Vermelho de raiva por causa da escolha aparentemente suicida de
Lucas, Jason pegou um arco e uma flecha da caixa de armas mantida na
beira da terra do duelo. Ele puxou o arco e olhou para baixo no eixo da
flecha para testá-lo e, em seguida, levou para Lucas.
— Você não está nem mesmo usando uma armadura — disse Jason
para ele em um tom áspero. — Você está tentando se matar?
Assim que Helen ouviu Jason dizer isso, ela percebeu que não tinha
considerado essa possibilidade. E se Lucas estivesse tão farto que ele
queria morrer?
Lucas pegou sua arma sem responder Jason e se afastou da borda
do ringue. Ele não tentou se comunicar com o pai ou a mãe. Ele não
abraçou Jason ou deu um discurso de última hora sobre o que ele estava
fazendo e por quê. Ele nem sequer olhou para Helen ou tentou avisá-la
que ele ia ficar bem. Lucas simplesmente pegou sua arma e se enquadrou
ao lado de Matt, sinalizando que ele estava pronto.
Mas Helen não estava. — Espera aí — ela disse, com a voz saindo
ofegante e estridente de medo. — Você não quer morrer realmente, não
é? — ela perguntou freneticamente. Quando ela olhou para seu peito,
tudo o que ela viu foi uma massa sem brilho e sem vida dentro dele que
eram partes iguais de tristeza e resignação. Parecia para Helen como se
ele não se importasse muito se ele morresse ou não. E essa era a única
coisa que poderia matá-lo.
Ela correu para a barreira invisível em torno da arena, enviando fogo
laranja percorrendo ao longo da superfície da barreira em estilo cúpula.
Mesmo se ela pudesse encontrar uma maneira de derrubá-la, ela sabia
que era tarde demais.
Tudo pareceu acontecer em câmera lenta. Lucas levantou seu arco,
e Matt sua espada antes de Helen poder gritar. Quando ela se jogou na
barreira e foi impedida uma segunda vez, Matt avançou. Ambas as suas
mãos estavam envolvidas em torno do punho da sua espada e os braços
erguidos sobre um ombro, a lâmina erguida, para cortar Lucas para baixo
com um único golpe poderoso. Lucas soltou sua flecha.
Matt parou abruptamente, com o rosto chocado. A flecha prendeu
na mão esquerda de Matt.
Dentre o calcanhar de sua mão esquerda.
Matt deixou cair a espada, e Lucas baixou o arco. Olhando para a
mão por um momento, Matt sorriu e acenou.
— Eu não deveria ter dito aquilo — disse Matt, olhando para Lucas
enquanto suas pernas vacilavam e enfraqueciam. — Eu não deveria ter
dito a palavra calcanhar para Hector. Eu deveria saber que você
descobriria isso.
Lucas deixou cair o arco e alcançou Matt quando ele tombou para
pegá-lo e aparar sua queda. Lucas colocou seu inimigo derrotado
respeitosamente na areia.
— Ela é muito poderosa — Matt sussurrou enquanto sua vida era
drenada.
— Eu estarei aqui para equilibrá-la — Lucas prometeu.
— Pior do que os olimpianos — disse Matt, sua voz falhando. — Pelo
menos com eles, haviam doze.
— Nós não queremos governar, Matt — Lucas disse-lhe suavemente,
mas em vão.
Matt já estava morto.
Lucas fechou seus olhos, assim como ele tinha feito há alguns
minutos com Hector anteriormente. Por um momento, o único som era
de Ariadne chorando. Sombras escuras saíram de Lucas como um
nevoeiro negro, e Helen ouviu suspiros ao redor dela, enquanto a
multidão temerosa sussurrava a palavra Mestre das Sombras. Ele se
levantou e apontou o dedo para Helen.
— Não me siga — ele ordenou.
A escuridão aumentou em torno dele como uma capa e o escondeu.
Antes de Helen poder sequer processar o que ele disse, Lucas lançou-se
para o céu e desapareceu.

***
Lucas subiu até as nuvens carregadas e turbulentas, escondido em
seu manto de sombras. Ele conhecia Helen bem o suficiente para saber
que ordenar-lhe para não segui-lo iria deixá-la determinada a fazer
exatamente isso. Lucas queria chutar a si mesmo. Ele apostaria uma de
suas pernas que Helen tinha o talento de Mestre das Sombras também e
podia ver através da escuridão, mas ele tinha certeza que ela não tinha
aprendido a usá-lo ainda. Essa era a única vantagem de Lucas, e quando
ele se virou para trás e confirmou que Helen não estava seguindo ele, ele
foi direto para a casa dela.
Do ar, ele podia ver que estava milagrosamente intacta, embora
ninguém estivesse em casa a dias. A lona azul ainda estava cobrindo a
janela do quarto dela de quando Helen tinha atirado acidentalmente uma
pedra através dela. Lucas passou por baixo dela e voou para o quarto
dela.
Estava frio, vazio e o cheiro dela ao redor o fez sentir dor.
Lucas foi diretamente para sua cama, ainda desforrada e suja do
momento que Orion e Helen tinham emergido do Mundo Inferior para ela
— pousando em cima de Lucas no processo. Jogando a roupa de cama
no chão, ele deitou-se em cima do colchão nu.
Alcançando no bolso direito da frente da calça jeans, Lucas tirou o
último dos três óbolos que ele tinha roubado do Getty e enfiou debaixo
da sua língua.
Ele fechou os olhos e os abriu de novo.
— Sabe, perseguir um ente querido para o Mundo Inferior nunca
acaba bem, meu amigo. — Morfeu suspirou.
Lucas sentou-se ao lado do deus dos sonhos, pegou o óbolo de
debaixo da sua língua e ofereceu a ele.
— Por favor — ele implorou, estendendo o pagamento do deus. —
Por favor, deixe-me, pelo menos, falar com Hades.
— Oh, você é tão nobre — Morfeu bufou, esmurrando uma de suas
almofadas de seda para mostrar o quão ofendido ele estava. — Você
realmente pensou em tudo? Você acha que Helen ia querer que você
fizesse isso?
— É claro que ela não iria querer. Mas Helen não está tomando esta
decisão, e sim, eu tenho pensado sobre isso — Lucas disse calmamente.
— Não há nada mais para mim lá.
Ele não estava tendo autopiedade; era a verdade simples. Depois de
Lucas ter se recusado a beijá-la em Everyland, Helen havia deixado claro
que ela tinha escolhido Orion logo que eles estavam de volta na Terra.
Ela mal conseguia tirar as mãos de cima dele, e Lucas só podia culpar a
si mesmo. Ele não poderia esperar que Helen se comprometesse com ele,
se ele não iria nem mesmo beijá-la. Lucas sempre soube que Orion
poderia dar a Helen o que ela precisava, e agora ele estava apenas
tornando mais fácil para ela e tornando-se útil ao mesmo tempo.
Andy realmente amava Hector. Todo mundo adorava Hector. Lucas
era um corpo extra agora, o amante que não foi autorizado a amar. Então
por que não fazer algo de bom com a sua vida?
— Eu só quero falar com ele — repetiu Lucas.
— Tudo bem — Morfeu disse relutantemente, pegando a sua moeda
e levantando-se da cama enorme. — Vou levá-lo para a árvore.
Morfeu levou Lucas através das muitas salas do seu palácio dos
sonhos. Ao passarem, os elfos impossivelmente longos e magros que
dançavam dentro dos círculos incandescentes de cogumelos e
perseguiam as bolhas brilhantes e iridescentes que pareciam acenar
“sigam-me, pararam de pular para olhar.
Lucas podia ouvi-los ofegarem enquanto ele passava. Ele pensou ter
ouvido um sussurro baixo de “Mão da Escuridão”, mas ele não podia ter
certeza.
Fora do palácio, eles atravessaram a planície que beirava Hades e
pararam na beira da terra de Morfeu. Ambos pararam por um momento,
olhando para a árvore dos pesadelos.
Ela era tão grande que parecia ocupar acres ao longo da fronteira
entre a terra dos sonhos e a terra dos mortos. Os ramos entalhados
alargavam para fora como se fossem um milhão de dedos de ossos se
estendendo e tentando arranhar o céu noturno muito negro.
— Fique sob os ramos — Morfeu começou.
— E não olhe para cima — Lucas terminou por ele, lembrando-se de
sua última viagem à árvore.
— Tente não ser condenado ou lançado no Tártaro ou qualquer coisa
horrível assim, está bem? — disse Morfeu com carinho genuíno.
— Obrigado, Morfeu — Lucas disse sinceramente. — Devo-lhe uma.
— Você e Helen devem — Morfeu respondeu com um aceno
preguiçoso de sua mão. Ele se virou e se afastou, sumindo no borrão das
luzes irritantes para os olhos.
Lucas podia ouvir os pesadelos que se deslocavam através dos
ramos. Ele prendeu a respiração quando uma sensação de calor passou
por ele. Ele se forçou a caminhar sob os galhos, as pernas marchando
para frente com passos um pouco duros.
Era um medo frio que ele sentia, respondendo a pesadelos que não
o ameaçavam da maneira usual. A árvore sabia que ele não tinha medo
de morrer ou de dor como tinha sido da última vez que ele estava sob
estes ramos. Essas coisas não eram o que ele realmente mais temia.
Desta vez, em vez de garras e dentes raspando a casca, Lucas ouviu vozes
familiares que sussurravam acima dele.
Ele ouviu Matt. Ele ouviu Hector. Ele ouviu sua tia Pandora. Ele
ouviu Helen chorando “Eu estou sangrando” repetidamente. As vozes e
as formas de todas as pessoas que ele tinha amado e perdido pairavam
sobre ele nos galhos da árvore do pesadelo.
Lucas ficou surpreso que a presença e o tom de voz de Matt eram
tão familiares para ele depois de apenas alguns meses curtos de amizade.
Mas, no entanto, eles haviam compartilhado muito mais do que apenas
mesas de almoço e trabalhos de casa. Eles tinham compartilhado o
último momento da vida de Matt, e como Lucas foi aquele quem a tirou,
ele carregaria uma parte de Matt com ele para sempre.
— Hades! — Lucas chamou, forçando-se a gritar por cima do som
do pesadelo de Helen chorando. — Por favor, apenas me ouça!
Os pesadelos ficaram em silêncio e desapareceram. Lucas olhou
para cima para ver Hades caminhando em direção a ele. Ele parou do seu
lado da fronteira. Era a primeira vez que Lucas tinha visto o senhor dos
mortos, mas quando Hades tirou o Elmo da Escuridão e revelou o rosto
de Orion, Lucas não se surpreendeu. Ele já tinha adivinhado a conexão
entre Hades e Orion.
O que Lucas não esperava era ver Hades envolto em sombras,
exatamente como as sombras que Lucas fazia. Enquanto Lucas olhava,
Hades enfiou o elmo que o tornava invisível debaixo do braço. Eu posso
me tornar invisível, Lucas pensou.
Algo sinalizou em sua cabeça. Lucas queria gritar que isso era tão
irônico.
— Olá, filho — Hades disse suavemente, confirmando a suspeita de
Lucas.
— Como? — perguntou Lucas, embora ele não tivesse certeza se
queria saber. — A minha mãe...?
— Não — Hades disse com firmeza. — Eu tive um filho com uma
mulher da Casa de Tebas centenas de anos atrás. — Ele parou por um
momento quando um olhar de arrependimento passou por seu rosto,
mesmo que tivesse acontecido há muito tempo. — O sangue de um deus
não dilui... somos imortais e também os nossos... bem, os nossos genes,
eu acho que você poderia chamá-los. Você é meu e de Apolo, mas eu vejo
mais de mim do que dele em você.
— Você pode aquecer a si mesmo?
— Não. Essa característica você pegou de Apolo. Você pode suportar
qualquer calor, com exceção do de Helen. Ela pode ficar ainda mais
quente do que o sol.
— Eu percebi — disse Lucas com um risinho triste.
— Mas a maioria dos seus talentos, você tem de mim. Tenho certeza
que você acha tudo isso perturbador.
— Nem um pouco — Lucas respondeu. — Isso realmente torna tudo
mais fácil. Como se tivesse que ser desse jeito.
— Vá para casa, meu filho — ele disse gentilmente. — Sua ausência
está causando turbulência onde é menos necessária.
— Como alguém pode saber que eu estou ausente? — perguntou
Lucas, confuso. — Eu pensei que o tempo parava no Mundo Inferior.
— Ele para, a menos que você esteja com Morfeu ou comigo, nesse
caso o tempo passa como acontece na Terra. Nós devemos viver no tempo
certo a fim de afetar a vida.
Lucas pensou sobre isso rapidamente e assentiu. — Ou vocês
estariam presos em um eterno momento, e ninguém jamais iria encontrar
qualquer um de vocês.
— Muito bom — Hades disse pensativo. — Nem mesmo Helen notou
isso, e ela é muito inteligente. — Ele sorriu para Lucas como se ele
estivesse satisfeito com ele antes de continuar. — Eu sei que você chora
pelo seu primo, mas eu não permito que as pessoas se troquem pelos
seus entes queridos falecidos. Se eu o fizesse, colocaria muita culpa sobre
aqueles que preferem viver do que sacrificar-se pelos mortos. Isso iria
prejudicar mais pessoas do que iria ajudar.
Ele até soava como Orion, exceto que sua maneira de falar era um
pouco mais formal. Ambos tinham a compaixão pelos outros que Lucas
respeitava.
— Isso faz todo o sentido — Lucas admitiu. — E eu acho que você
está absolutamente certo. Mas eu não vim aqui para me trocar por
Hector. Eu vim aqui para me trocar por você.
— Por mim? — repetiu Hades, surpreendido pela primeira vez no
que Lucas assumiu serem milênios.
— Eu sei que você não escolheu ser o senhor dos mortos. Isso foi
forçado em você. Eu sei como é isso. Eu sinto como se as Moiras
estivessem tentando me forçar ao papel de Poseidon. Mas eu vou rejeitar
esse destino de minha própria vontade em favor de outro.
Lucas passou por cima da fronteira e entrou na terra de Hades,
sabendo que se ele conseguisse, ele nunca poderia deixá-lo novamente.
— Traga Hector de volta à vida, e eu vou tomar o seu lugar no Mundo
Inferior pelo resto da eternidade.

***
Helen olhou para Lucas, facilmente vendo dentro de sua nuvem de
sombras. Ela sabia que poderia segui-lo, mas se o fizesse, ela teria de
deixar todos os outros desprotegidos. Orion e Jason eram grandes
lutadores, Daphne era um monstro a pleno vapor, e Helen sabia que
Castor tinha habilidades, mas havia vinte vezes mais lutadores do lado
dos deuses do que do dela. Quase toda a Casa de Roma e metade da Casa
de Atenas se juntou a ela e Orion, mas ainda não era suficiente para
vencer ambos os Cem Primos e os Myrmidons. Se Helen partisse ela sabia
que seu lado não teria a menor chance.
— Queremos honrar nossos mortos — Castor falou do outro lado da
arena, da areia que ainda estava manchada com o sangue de Hector... e
com o de Matt.
Helen sentiu seus olhos se encherem e seu peito aquecer com os
soluços. Duas pessoas que ela amava muito estavam mortas. Isso não
era o que ela tinha planejado.
Enquanto os deuses aconselhavam-se com os generais de seu
exército mortal, uma determinação solidificou Helen e congelou as
lágrimas em seu caminho. Ela sabia que, se ela se permitisse ceder à
tristeza, ela não seria de qualquer utilidade para ninguém. Deixe Andy
chorar por Hector, e deixe Ariadne chorar por Matt. Helen já não tinha o
luxo de chorar.
— Não podemos negar-lhes o direito de preparar seus mortos —
Tantalus gritou para Castor, suas emoções iluminando suas entranhas
como espadas sendo afiadas em rochas. — Mas o campeão do Tirano
desapareceu. — Tantalus continuou em um tom falsamente inocente. —
Como vocês podem provar que ele não fugiu porque ele recebeu um
ferimento mortal do nosso campeão?
— Ridículo! — Orion gritou. — Matt nunca sequer tocou em Lucas.
Todos vimos o duelo.
Helen se virou e olhou para sua mãe. — O que está acontecendo? —
ela perguntou em um sussurro.
— Você está em perigo — Daphne respondeu laconicamente, mas
ela não teve a chance de elaborar antes de Tantalus continuar.
— O Campeão do Tirano não está aqui para provar que ele está ileso
— Tantalus disse com um aceno de proibição de sua cabeça. — Provem
que o seu campeão ainda está vivo ou entreguem o Tirano.
— E quem irá impor isso? — Orion falou de volta. — Os deuses não
podem lutar contra nós.
— Meu exército irá — Tantalus respondeu calmamente.
Orion e seu séquito de atenienses leais se moveram como um
enxame, se reunindo entre Helen e o batalhão de Cem Primos que parecia
se materializar do ar em torno de Tantalus.
— A Casa de Tebas foi longe demais! — sibilou um parente de Orion
que Helen não conhecia.
— Mais uma vez, Tantalus quer acabar com todas as outras Casas,
começando com Atreu e Atenas — disse outro, ainda mais corajosamente.
— E quando estivermos mortos, os deuses vão deixá-lo saquear nossas
Casas. Novamente.
Helen sentiu uma mão em seu ombro e olhou para ver que sua mãe
estava puxando-a para trás. De repente, parecia que a praia estava cheia
de centenas de homens. De onde é que todos eles vieram? Helen se
perguntou atordoada.
— Para trás deles — disse Daphne para Helen em voz baixa. Uma
inundação de romanos com armaduras parecia se mover adiante para
ficar com os atenienses ao lado de Orion. — Para trás, para trás! —
Daphne rosnou no ouvido de Helen quando ela puxou sua filha longe das
linhas de frente.
Na debandada de homens armados, Helen foi derrubada no chão.
Daphne estava sobre sua filha, suas mãos crepitantes com um
relâmpago. O cheiro seco e ruim de ozônio queimado flutuava ao redor
dela, e o brilho acre fez a leva de soldados decolar em torno delas quando
Daphne ajudou Helen a ficar de pé.
— Castor! — Daphne gritou desesperadamente, procurando nas
multidões de soldados amontoados por um rosto familiar. — Abrigo para
a Herdeira de Atreu!
Helen colocou os braços ao redor de sua mãe desesperadamente e
disparou para o ar, levando as duas para longe do perigo do exército
pisoteio.
— Você pode me carregar? — perguntou Daphne, atordoada. — Ajax
não podia me carregar quando ele voava. — Daphne sorriu, emocionada
com a sensação do voo, apesar da situação desesperadora.
— Meu pai podia voar? — perguntou Helen, curiosa que ninguém
tivesse mencionado isso para ela antes.
— Oh, sim, ele podia voar.
A voz de Daphne soou fora de sintonia no ouvido de Helen.
— Meu pai pode voar? — Helen perguntou de novo, levantando voo
acima dos exércitos amontoados na praia.
— Sim — Daphne repetiu distraidamente, ainda rindo com a
sensação edificante de leveza que Helen lhe deu.
Helen encolheu-se com a mentira e o sorriso de Daphne murchou.
— Você é uma Detectora de Mentiras agora, não é? — Daphne
perguntou resignadamente, como se soubesse que ela já tinha perdido.
— Sim — Helen sussurrou.
O meio felpudo de uma nova nuvem cobriu as faces da mãe e da
filha. A luz solar nublada atravessou as nuvens de tempestade densas
que Zeus tinha invocado, fazendo com que o orvalho nos cabelos loiros
idênticos de Helen e Daphne parecessem pequenos arco-íris. Dois pares
de olhos cor de âmbar se cruzaram, mas o raio azul da cicatriz na íris
direita de Helen brilhou quando ela falou.
— Ajax é o meu pai? — Helen perguntou em um tom monótono
perigoso, já sabendo a resposta — isso estava bem na cara dela por uma
semana agora, mas ela tinha acabado de juntar os pedaços em sua
mente.
Ajax parecia Hector — eles eram o mesmo personagem na grande
peça das Moiras, separados por uma geração. E Orion tinha dito a Helen
que os personagens principais de Troia eram substituídos com um novo
bebê quando eles morriam. Hector tinha substituído Ajax quando Ajax
morreu. Mas Hector era um ano mais velho que Helen, então Ajax tinha
que ter sido morto um ano antes de Helen ser concebida.
— Me responda — Helen ameaçou, necessitando ouvir isso de
Daphne.
— Não — Daphne respondeu, sua voz oca. — Jerry é seu pai.
Helen se perguntou se ela deixasse sua mãe cair desta altura ela iria
sobreviver. Daphne olhou para baixo, como se soubesse o que Helen
estava pensando. Sua respiração acelerou em pânico.
— Foi por isso que você o drogou? Para impedi-lo de acordar e me
dizer a verdade?
— Não levaria muito tempo para você descobrir que eu menti se você
falasse com ele. Eu sabia que não era uma solução permanente, mas eu
só precisava de mais alguns dias — Daphne respondeu assumidamente.
Elas derivaram por alguns momentos, as palavras de Daphne
correndo na cabeça de Helen como se fossem grandes e horríveis demais
para parar e pousar em algum lugar.
— Diga-me por que eu não deveria matá-la. — A voz de Helen estava
completamente estável.
— Porque eu não matei Jerry, e eu poderia ter matado — Daphne
respondeu imediatamente. — Você me deve por isso.
— Por quê? — A voz de Helen vacilou, e mergulhou perigosamente
no céu. — Por que você mentiu?
— Helen... devíamos ir para baixo agora — Daphne disse
ansiosamente quando ela agarrou Helen mais perto. — Me matar não irá
beneficiá-la. Pense com clareza.
— Eu estou pensando com clareza. Você nunca fez nada além de me
machucar. Por que eu deveria deixá-la viver?
— Eu mandei Orion para você.
— E por que você fez isso? — Helen perguntou, desconfiada. — Eu
tenho certeza que você tinha uma razão que serviu aos seus fins e não
aos meus.
Daphne abriu a boca para responder e a fechou novamente.
— Você acabou de se lembrar que você não pode mais mentir para
mim e decidiu segurar sua língua? — Helen zombou.
— É isso mesmo — Daphne respondeu, seus olhos duros. — E se
você realmente quer respostas de mim, você vai ter de pousar. Se você
me matar agora, você nunca saberá. Eu não vou dizer outra palavra até
que você me leve de volta para a casa de Castor.
— Tudo bem — disse Helen, com os lábios apertados com ódio. —
Mas não acho que você está mais segura no chão do que você está aqui
em cima.
Helen voou em um ritmo desconfortavelmente rápido para a casa
Delos e sentiu Daphne se contorcer em seus braços com medo. Quando
elas ainda estavam seis metros acima, Helen soltou Daphne e a deixou
cair no gramado. Enquanto ela observava sua mãe rolar o ombro para
evitar quebrar uma perna, Helen percebeu que ela pousou no mesmo
local que Lucas a levou para voar pela primeira vez.
Lucas. Não seu primo. Tudo o que tinham passado juntos, a maneira
que eles tinham torturado um ao outro e empurrado o outro para longe,
foi baseado em uma mentira.
Helen pousou na grama centímetros longe de Daphne, criando uma
grande vala no quintal de Noel e envolvendo Daphne com a sujeira. Helen
apenas tinha sentido este tipo de ódio por um outro ser, e ela o mandou
para o Tártaro. Enquanto Daphne se debatia sobre o terreno irregular
tentando ficar longe de sua filha furiosa, Helen agarrou-a pela parte de
trás de sua jaqueta e puxou-a para cima como se ela estivesse lidando
com uma boneca, e, em seguida, jogou-a para o terreno mais plano.
— Comece a falar — Helen ordenou quando ela caminhou para sua
mãe, que estava lutando para ficar longe dela nas mãos e nos joelhos. —
Eu quero saber de tudo.
— Helen! — Castor gritou, e um segundo depois ele estava
segurando seus braços e tentando puxá-la para trás. — O que aconteceu?
— ele perguntou, sem fôlego com o esforço para controlá-la.
Helen poderia facilmente dominar Castor, mas mesmo quando ela
pensou em fazer exatamente isso, ele falou em seu ouvido.
— Não vale a pena — disse Castor em um tom simpático. — Tudo o
que ela fez com você, não vale a pena. Isso é o que eles querem que
façamos, Helen. Eles querem que a gente mate uns aos outros e, em
seguida, todos os seus problemas estarão resolvidos. Lembre-se disso.
Ela se lembrava. Isso já havia acontecido em várias das vidas que
ela podia recordar. Os piores casos queimavam mais brilhante.
Ela se lembrou de quando Arthur, o campeão dos deuses, tinha
lutado com seu sobrinho Mordred, o campeão de Avalon. Dois grandes
homens ferindo mortalmente um ao outro, e ambos foram mortos em
uma luta. Avalon se dissolveu nas névoas, e Camelot ruiu, apagando as
duas luzes brilhantes em uma era de escuridão. Os únicos vencedores
dessa luta foram os deuses.
Helen relaxou e acenou com a cabeça para deixar Castor saber que
ela não ia matar sua mãe. Ele a soltou, e ela se virou para ver Noel se
juntar ao marido.
— O que está acontecendo? — disse Noel, olhando para o quintal
destruído. — Por favor. Venham para dentro e se acalmem.
— Ela mentiu. Eu não sou filha de Ajax. Eu sou filha de Jerry —
disse Helen em uma voz robótica. — Lucas e eu não somos primos.
— Como? — perguntou Noel. Ela e Castor trocaram olhares
confusos. — Lucas ouviu ela dizer...
— Que todos éramos uma família — Helen interrompeu, descobrindo
como Daphne tinha feito isso. — Foi isso o que ela disse, palavra por
palavra, na frente de Lucas. E, tecnicamente, ela está certa. Todos os
deuses estão relacionados, por isso estamos também, bem distante. —
Ela parou e engoliu o sentimento engasgado em sua garganta. — Fui eu
quem disse a Lucas que eu era filha de Ajax quando ele e eu estávamos
sozinhos, não ela.
Helen fez uma pausa, lembrando como ela quase cedeu a Lucas na
estufa, justo antes de ela falar a grande mentira da sua mãe. Ela se
lembrou de como Lucas a beijou como se ele pudesse respirá-la através
de sua pele. Como ele puxou suas roupas quando ele guiou-a para o chão
tão suavemente. Ela ainda podia senti-lo, ainda podia ver a forma de seus
grandes ombros sobre ela, e ela sabia que o momento em que ela o
empurrou para longe dela foi o momento em que ela tinha decidido toda
a sua vida.
Lucas. Sua casa. A mansão que ela tinha pago um milhão de vezes,
mas não tinha vivido nela ainda.
Ela e Lucas estavam destinados a ficar juntos. Eles deveriam ter
ficado juntos naquela noite, mas em vez disso, ela empurrou para longe
a maior bênção de sua vida por causa de sua mãe. Ódio a atingiu como
uma cãibra, e Helen pairou em algum lugar entre a náusea e a dor.
— Eu acreditava nisso, então Lucas ouviu a verdade, mesmo que
fosse uma mentira. — Helen terminou em voz baixa, tentando controlar
a necessidade quase física de esmurrar sua mãe.
— Meu pai costumava fazer isso comigo — admitiu Castor, como se
ele entendesse o que Helen estava sentindo. — Ele me fazia acreditar em
uma mentira, em seguida, me fazia dizer para Tantalus, então tudo o que
meu irmão iria ouvir era a verdade, a verdade como eu entendia. Essa é
a única maneira de contornar um Detector de Mentiras. Tornar as
pessoas que você mais confia em bodes expiatórios.
— Ajax me disse que Paris costumava fazer isso com todos vocês
para contornar o talento de Tantalus — Daphne sussurrou. — Onde você
acha que eu tive a ideia? — Ela e Castor trocaram um olhar, recordando
algo que ambos pareciam se lembrar.
— Bem, você está sem bodes expiatórios, mãe — Helen disse
amargamente. — Levante-se.
— Helen — Castor disse, tentando lembrá-la de manter a calma.
Helen ignorou e manteve sua raiva acumulada focada em sua mãe.
— Levante-se e me diga por que você fez isso comigo.
Daphne olhou para ela, mas antes que Helen pudesse obter uma
resposta, todos ouviram um barulho vindo de dentro da cada dos Delos
— sons de suspiros e gritos.
— Todo mundo, entrem aqui! — Jason gritou para eles. — Ele está
vivo! Hector está vivo!
— Ele não pode estar — disse Daphne, saltando para cima. Todos
eles correram para dentro.
Hector estava deitado na mesa da cozinha, sua armadura e a maioria
de suas roupas arrancadas. Tigelas de água sangrenta o cercavam, e uma
esponja estava ao lado dele, manchada de vermelho. Jason já tinha
começado a limpar seu irmão em preparação para a pira. Mas Hector
certamente não estava morto. Não mais.
Ele estava pálido e fraco pela perda de sangue. Seus lábios estavam
azuis, e suas mãos tremiam terrivelmente quando ele sentou-se e agarrou
os ombros de Jason, tentando falar. Algo tiniu contra seus dentes, e
fazendo caretas, ele cuspiu uma moeda de ouro. Era o óbolo que seu pai
tinha colocado sob sua língua para pagar o barqueiro. Hector levou um
momento para olhar para o disco brilhante na mão, contemplando o
equivalente de sua própria lápide para os Descendentes.
— É a primeira vez — ele murmurou. Ele deu o óbolo para Andy. —
Para mais tarde — ele murmurou para ela, com a voz fraca.
— Muito, muito mais tarde. Não faça isso de novo — ela repreendeu,
com o belo rosto inchado e coberto de lágrimas de alegria.
— Você entendeu.
Todo o corpo de Hector de repente tremeu quando ele tentou ficar
sentado.
— Ele precisa de sangue — disse Jason, preocupado, quando ele
apoiou seu irmão e colocou-o de volta na mesa. Jason ergueu as mãos e
elas começaram a brilhar. Ele colocou as mãos sobre Hector para
começar a curá-lo, mas Hector o deteve.
— Espere, Jase — disse Hector, sua voz quase um sussurro. — Não
me nocauteie ainda. Onde está Helen?
— Aqui — Helen respondeu, dando um passo à frente de seu lugar
atrás de Noel para Hector poder vê-la. — O que foi?
— Vá para o Mundo Inferior. Agora. Tente falar com Hades para
desfazer — ele disse em um tom fraco se tornando urgente.
— Desfazer o quê? — perguntou Helen.
— Desfazer a troca. Não deixe que Lucas fique lá por mim — ele
disse, agarrando o braço de Helen e sacudindo-o como se para acordá-la.
— Luke trocou a si mesmo.
— Impossível! — Daphne gritou, assustando a todos com sua
veemência. — Hades não deixa ninguém se trocar por outro. Eu tentei
uma dúzia de vezes.
— Luke não negociou a si mesmo por mim — Hector disse ofegante,
os olhos rolando em sua cabeça com o esforço para ficar consciente.
— Shhh, não — disse Noel, vindo para a frente para colocar uma
mão reconfortante no ombro de Hector. — Jason. Nocauteie ele antes que
ele se mate novamente.
— Ele trocou-se por Hades — disse Hector para Noel. Ele puxou o
braço de Helen até que seu rosto estava centímetros longe do dele. —
Lucas tomou o lugar de Hades como o senhor dos mortos.
CAPÍTULO 15
Traduzido por I&E BookStore

H elen sabia que sua mãe estava dizendo alguma coisa várias vezes,
mas levou um momento para sua mente sobrecarregada
realmente entendê-la.
— Deveria ser Orion — Daphne se manteve murmurando para si
mesma. Quando ela encontrou os olhos de Helen, como se estivesse
tentando se explicar, parecia que ela estava prestes a ruir. — Quer dizer...
Orion é Hades. Eles parecem exatamente o mesmo, não é? Orion é o único
além de você que pode ir para o Mundo Inferior. Ele é um Criador de
Terremotos e pode “reduzir todas as cidades mortais a escombros”, então
eu pensei que ele fosse o Tirano... todos nós pensamos. Todos nós
pensamos que o Tirano deveria substituir Hades. Todos os sinais estavam
lá. Sempre se supôs que seria Orion.
Como se convocado pela repetição de seu nome por Daphne, Orion
apareceu na porta da cozinha com Cassandra ao seu lado.
— Castor — disse Orion caminhando apressadamente. — Os deuses
exigem que mostremos Lucas, ou Tantalus enviará o seu exército contra
nós. E os Myrmidons quererem matar Helen com ou sem Matt
conduzindo-os. Sei que você está de luto... todos nós estamos, mas eu
preciso de você na linha de frente.
— Ele está vivo! — Cassandra gritou antes que seu pai pudesse
responder e correu para Hector.
— Fique aí atrás, Cass — Jason disse em advertência enquanto suas
mãos brilhavam azul. — Deixe-me trabalhar nele.
— Como? — perguntou Orion, com os olhos colados ao peito de
Hector enquanto ele se enchia de respirações óbvias. — Seu coração foi
cortado em dois. Ele estava morto.
— Uma troca — respondeu Noel. Ela estava tão dividida entre sentir-
se feliz que Hector estava vivo e destruída pelo que Lucas tinha feito que
ela não conseguia terminar.
— Lucas concordou em tomar o lugar de Hades no Mundo Inferior,
a fim de trazer Hector de volta — Andy terminou por ela.
— Por quê? — perguntou Cassandra, com o rosto suplicante. — Será
que ele pensa que o amamos menos do que amamos Hector?
Orion olhou para Helen. — Ele fez isso porque ele acha que estamos
juntos. Lucas acha que nós...
— Eu sei — Helen sussurrou, tentando desesperadamente descobrir
uma maneira de consertar isso. — Eu tenho que descer e dizer-lhe que
não é verdade.
— Helen. Eu sinto muito — Daphne disse, com os olhos arregalados
de pânico. — Você tem que acreditar em mim. Se eu soubesse que ia ser
Lucas, eu teria deixado vocês dois em paz. Você tem que explicar isso
para Lucas... fazê-lo entender que não era que eu não gostava dele. Por
favor.
— Do que você está falando? — perguntou Helen, com uma sensação
de afundamento em seu estômago. — Mãe, o que você fez?
— Foi por isso que eu menti — ela disse rapidamente e bem
baixinho, como se estivesse tentando acelerar a história. — Se Orion fosse
se tornar o novo senhor dos mortos, por que ele não iria querer restaurar
a vida do pai do seu único amor verdadeiro?
— O quê? — disse Helen, perplexa.
— Uma dúzia de vezes eu quase morri. Toda vez que eu fui para
baixo para o rio Styx, eu implorei a Hades, mas por que ele deveria me
ouvir? Minha única esperança era a profecia que dizia que um
Descendente viria a substituí-lo — ela disse, uma luz desesperada em
seus olhos. — Quem mais poderia ser além de Orion? Orion é gêmeo de
Hades! — Ela olhou para todos suplicantemente.
— E se eu substituísse Hades? — perguntou Orion, com um olhar
de horror em seu rosto.
— Você ainda teria que concordar em me dar o que eu quero, e
mesmo que você se importasse comigo, não havia nenhuma garantia. Eu
tive que me perguntar, o que me obrigaria a fazer alguma coisa? Amor,
obviamente. Se você se apaixonasse por uma menina, e essa menina
achasse que ela havia perdido seu pai, por que você não iria restaurar
seu pai à vida por ela?
Helen estremeceu, como se alguém tivesse se aproximado de seu
túmulo.
— Ela não deveria se apaixonar por Lucas — disse Daphne, girando
sobre Helen e apontando um dedo acusador para ela irracionalmente. —
Você deveria encontrar Orion primeiro e se apaixonar por ele. Teria sido
perfeito. Você teria Orion e eu teria Ajax e ninguém teria se machucado.
Tentei mantê-la longe de Lucas. Tentei levá-la para fora da ilha logo que
vi a conexão que vocês dois tinham.
Helen se lembrou. Quando a família Delos mudou-se para
Nantucket, sua mãe, disfarçada como uma mulher mais velha, tinha
tentado sequestrá-la várias vezes para levá-la para longe deles. Daphne
havia dito a Helen que era para protegê-la da família Delos para que eles
não a matassem, mas sua mãe sempre soube que Helen usava o cinturão
e era imune às armas. Ela também sabia que Helen era mais forte do que
todos eles juntos e não precisava ser resgatada. O objetivo real de Daphne
tinha sido tentar manter Helen longe de Lucas.
— Eu pretendia que você encontrasse Orion primeiro. Eu pensei que
eu tinha mais tempo, você não tinha dezessete anos ainda, e o único
menino que você já tinha beijado foi Matt. Eu achei que tinha mais tempo
— ela repetiu, como se isso fosse o que ela mais lamentava.
Helen meio entrou em colapso meio se sentou no banco que havia
sido empurrado para trás da mesa da cozinha e olhou para o chão.
— Quanto tempo você tem estado me observando? — perguntou
Helen, atordoada.
— Toda a sua vida. Sempre com um rosto diferente, mas eu nunca
deixei você por muito tempo, Helen — disse Daphne, caindo de joelhos
na frente de sua filha e pegando suas mãos. — Um dia, eu era a turista
pedindo para tirar uma foto sua, outro dia a cliente na News Store que
conversou com você, fazendo perguntas sobre o seu dia na escola. Uma
vez, eu era até mesmo uma estudante de intercâmbio que veio por um
mês. Você se lembra de Ingrid? Ela soube de todas as fofocas, e depois
desapareceu? Todas elas eram eu. Eu nunca deixei você por muito tempo.
Rostos pareciam brilhar na frente dos olhos de Helen. Dezenas de
pessoas que tinham iniciado conversas com ela ao longo dos anos eram
todas Daphne para Helen agora, e ela teve a sensação assustadora que a
maior parte de sua vida tinha sido encenada. Ela olhou para Orion e viu
um olhar correspondente de descrença no seu rosto.
Mas mesmo através do choque, Helen percebeu que Daphne não
tinha estado tão longe da verdade. Orion era o único cara com quem
Helen já tinha considerado realmente ficar além de Lucas. E ela sabia
que Orion faria qualquer coisa por ela — até mesmo trazer à vida seu
“pai” morto, que ela nunca teve a chance de conhecer, por ela — se ele
tivesse o poder de fazê-lo.
O plano de sua mãe, tão louco quanto parecia, poderia ter realmente
funcionado. Exceto pelo fato de que ele não funcionou e, no processo,
tinha partido os corações de todos eles.
— Você é louca — Helen sussurrou.
— Não. Apenas disposta a fazer qualquer coisa pelo homem que eu
amo.
Helen viu Andy, Noel e Cassandra se assustarem com essa
admissão, como se fosse perto demais da verdade para seu conforto.
— Então todos nós temos algo em comum — Helen disse
calmamente enquanto se levantava.
Ela olhou para Orion. Lucas tinha se trocado, mas não era uma
troca justa, porque ele tinha sido enganado. Até quem ela poderia ir se
ela quisesse se opor a troca? Quem poderia sequer ouvir seu caso no
Mundo Inferior? Helen teve uma ideia — ela só esperava que desse certo.
— Fique perto de Cassandra — disse Orion. — Mesmo que as Moiras
sejam capazes de me ver no Mundo Inferior, elas não serão capazes de
falar por ela e talvez eu possa consertar isso.
Ele balançou a cabeça uma vez em entendimento.
— Peça a Lucas para me dar Ajax. Por favor, Helen. Eu estou te
implorando! — Daphne soluçou, agarrando o braço de Helen. Todos os
seus planos foram arruinados, mas ela ainda estava tentando tê-lo de
volta. Helen se perguntou se ela agiria diferente se fosse Lucas. Ela só
podia esperar que o faria, mas ela duvidava.
Helen puxou o braço de sua mãe e desapareceu em uma nuvem de
ar que era tão fria que deixou um disco de geada no chão da cozinha de
Noel.

***
A crosta de gelo mal tinha começado a derreter quando Daphne
percebeu o que ela precisava fazer e correu para a porta da cozinha.
— Onde você está indo? — Orion exigiu, bloqueando seu caminho
para impedi-la.
— Descobrir o que está acontecendo no outro campo, e tentar dar a
Helen algum tempo para trazer Lucas de volta. — Ela se esquivou ao
redor dele para correr para fora.
Ela ouviu Castor dizer: — Deixe-a ir — e continuou sem obstáculos
a ir para a praia.
Quando ela correu para a linha de frente ela mudou de aparência
para esconder-se. Lembrando que havia Myrmidons do lado de Tantalus,
ela alterou o cheiro de seu corpo também.
Ela elevou sua altura e olhou para baixo para examinar a situação.
Havia pessoas demais se acumulando na praia — centenas de homens e
mulheres. Quando Daphne olhou mais de perto, percebeu que mais do
que apenas Descendentes estavam se juntando a multidão. Mortais
normais estavam correndo a partir do centro da cidade e de todos os tipos
de barcos que vinham da água para engrossar as fileiras dos deuses.
Alguns dos soldados dos deuses estavam até começando a flanquear
os soldados de Orion para o sul e oeste. Na água, Daphne viu todos os
tipos de barcos que chegavam à costa. Iates, navios de pesca, até mesmo
pequenos barcos a remos estavam se juntando a Tantalus para lutar pelo
Olimpo. Claro, a maioria dos novos recrutas eram completos mortais, e
dezenas deles poderiam facilmente ser ceifados por um punhado de
Descendentes com armaduras, mas a perda de vidas seria
surpreendente. Por que um mortal completo consideraria lutar nesta
guerra? Não fazia sentido.
Daphne se aproximou e percebeu que todos os mortais se moviam
de uma forma rígida e pouco natural, como marionetes. Quando ela
chegou ainda mais perto, ela viu os olhos abertos e os olhares mortos em
todos os seus rostos. Daphne se encolheu. Era como se eles fossem todos
zumbis.
Ou estivessem hipnotizados.
— Hipnos — Daphne murmurou para si mesma. Hipnos, o deus do
estado de transe em qualquer pessoa que pode ser facilmente controlada,
obviamente estava trabalhando com os olimpianos.
Não a surpreendeu que os olimpianos estivessem fazendo os
pequenos deuses como Hipnos ajudarem os Doze. Os pequenos deuses
não podiam lutar e matar mortais, mas eles ainda poderiam usar seus
talentos para ajudar o Olimpo a vencer. Agora que o Olimpo estava
aberto, os pequenos deuses teriam que lidar com os olimpianos pelo resto
da eternidade, a menos que Helen conseguisse enviar todos para o
Tártaro. Helen tinha conseguido com Ares, mas Daphne podia ver que os
pequenos deuses não estavam tão certos que Helen poderia fazê-lo com
Zeus. Eles estavam fazendo suas apostas através do apoio ao Olimpo.
O exército de humanos hipnotizados que vinham por terra e por mar
era apenas o começo. Daphne pensou em todos os diferentes pequenos
deuses e sabia que horrores maiores aguardavam os defensores leais de
Helen. Havia verdadeiros monstros pelo mundo. Daphne tinha visto
alguns deles em sua vida, e ela sabia que Zeus não hesitaria em soltá-
los.
Daphne correu passando pelas multidões hipnotizadas, indo rápido
demais para os seus olhos atordoados verem, mesmo em plena luz do
dia. Ela tinha que saber se os deuses estavam planejando uma guerra de
proporções míticas, e se eles estivessem, ela tinha que encontrar uma
maneira de retardá-la ou, pelo menos, advertir Helen sobre o que estava
por vir.
Alterando o rosto para corresponder a um dos Cem Primos, Daphne
atravessou o grupo em rápido crescimento, procurando nas tendas o
mais rápido que pôde as únicas pessoas que ela poderia pedir
informações. Finalmente, ela ouviu a voz familiar que ela procurava e
correu em direção a ela.
— Os deuses não poderiam estar mais felizes com Hector e Matt
estarem mortos — disse Claire, seu tom pesado com amargura. Daphne
se aproximou ao lado da tenda e ouviu.
— Eles querem isso. Eles querem que a gente mate uns aos outros
até que esteja tudo acabado — Ariadne fungou. — Isso não pode estar
certo. Matt não poderia ter sabido sobre esta parte. É como se os deuses
estivessem ficando de fora vendo pessoas que se amam lutarem até a
morte.
— Isto está tudo errado. Nós temos que ir, Ari. Agora — Claire
sussurrou com medo. — Matt foi enganado pelos deuses. E nós também.
Daphne tinha ouvido o suficiente. Ela se apressou através da aba
frontal da tenda, e viu as duas meninas olhando para ela, espantadas.
Ela permitiu que seu rosto mudasse de volta para o verdadeiro.
— Eu posso conseguir tirar Claire daqui — Daphne disse
rapidamente, pois ambas engasgaram com sua identidade revelada.
Daphne ignorou seus protestos e continuou a falar. — Claire é apenas
uma mortal para eles e não é uma ameaça. Mas Ariadne, eu sinto muito.
Você é uma curandeira, o que a torna muito valiosa. Eles não podem se
dar ao luxo de deixá-la ficar com Helen, então você tem que ficar aqui.
— Por que nós confiaríamos em você? — disse Claire, um olhar de
desgosto em seu rosto. — Você drogou o Sr. Hamilton!
— Oh, é verdade, eu esqueci. Porque nenhuma de vocês já traiu as
pessoas que vocês amam. — As palavras frias de Daphne fizeram Claire
e Ariadne recuarem.
— Não foi nada disso — disse Ariadne em um tom abafado. Daphne
a ignorou, sabendo que tudo que Ariadne dissesse a partir desse ponto
seria apenas uma desculpa para o seu comportamento, não uma solução
para o problema.
— O que vocês descobriram para ajudar a causa de Helen desde que
vocês entraram para o lado errado? — Daphne perguntou impaciente.
Claire e Ariadne se entreolharam, se aconselhando com os olhos.
Claire foi a primeira a falar.
— Bastante — Claire admitiu. — Mas eu não acho que eu deveria
dizer-lhe nada disso.
— Eu não esperaria que você confiasse em mim, Claire. Mas se eu a
levasse até Orion, você diria a ele o que você descobriu? — Daphne
estendeu as mãos em tom de queixa.
— Sim — disse Claire, balançando a cabeça em um movimento
definido. — E quanto a Ariadne?
— Não se preocupe comigo, Claire. Meu pai está aqui comigo. Diga
a Jason... — Ariadne fez uma pausa enquanto os olhos dragavam outra
rodada de lágrimas. — Eu não sei. Que faça alguma coisa por mim.
— Ok — Claire respondeu com um encolher de ombros derrotado.
— Mas eu duvido que ele vá me ouvir novamente.
As duas meninas se abraçaram, sussurrando encorajamentos para
a outra e, em seguida, Claire virou e olhou para Daphne com um olhar
nivelado, tão determinada quanto Daphne lembrava que ela era quando
ela era uma garotinha.
— Você precisa que eu faça alguma coisa para fazermos isso? — ela
perguntou.
— Apenas pareça como uma prisioneira — Daphne respondeu
quando ela agarrou Claire pelo pescoço e empurrou-a rudemente para
fora da tenda.
Daphne instantaneamente mudou seu rosto para se parecer com
uma das meninas da Casa de Roma — uma das poucas da Casa que se
voltaram contra Orion, Daphne recordou — e fez um pequeno show como
se ela tivesse tomado Claire como refém enquanto ela a arrastava através
do acampamento.
Os Myrmidons notaram imediatamente, como sempre faziam.
— Por que você está maltratando ela? — perguntou o que eles
chamavam de Telamon. — Ela foi leal ao meu senhor até o fim.
— Até o fim e não mais, ao que aparece. Desde a morte de seu
mestre, o coração dela mostra sinais de dúvida — Daphne respondeu,
olhando para o peito de Claire como se tivesse o talento romano de ler
emoções. — Pergunte a qualquer outra pessoa da Casa de Roma. Esta
menina tem dúvidas. Ela não tem mais o compromisso de matar o Tirano.
— Então ela deve morrer — Telamon respondeu com um aceno de
cabeça triste. Claire tremia sob as mãos de Daphne, mas ela não tentou
fugir.
Daphne tinha muitas vezes desejado que ela tivesse tido uma filha
que não a lembrasse tanto de si mesma. Claire era tudo que uma garota
deveria ser. Inteligente, forte, brava e ela não tinha o maldito Rosto.
— Isso não é necessário — Daphne respondeu calmamente,
puxando Claire para perto dela para que o Myrmidon não tivesse ideias
sobre levá-la embora. — Ela ainda é útil. Eu só vou levá-la para Hipnos
e fazê-la mudar de ideia.
Telamon olhou para Claire ceticamente. Tudo o que ele viu foi uma
garota mortal magra que poderia ser cortada em dois pelo mesmo
Descendente.
— Ela foi a melhor amiga do Tirano durante toda a sua vida —
Daphne disse sedutoramente. — Ela pode saber os planos do inimigo.
O rosto de Telamon mudou, e ele assentiu com a cabeça. — Leve-a
para Hipnos, então — ele disse. — Ele está no desembarque da balsa no
centro da cidade, recrutando os mortais do continente que estão
chegando.
Daphne e Claire correram pelo acampamento. Ele havia aumentado
a uma taxa exponencial. Claire olhou ao redor, dominada pela explosão
populacional. Tendas surgiram abaixo da costa. Os sons de armaduras
rangendo e o cheiro de fogueiras pairava no ar do mar de nevoeiro. As
nuvens de tempestade de Zeus escureciam o céu da tarde e Poseidon fez
o oceano agitar, enviando ondas raivosas se quebrando na areia.
— Mas só se passaram algumas horas — Claire murmurou,
espantada.
— Eles são deuses, Claire. Eles fazem as coisas rapidamente.
Claire esticou a cabeça e observou um dos “recrutas” hipnotizados
passar por elas, com os olhos em branco. — Eu o conheço — ela
sussurrou freneticamente, praticamente apontando para o menino com
o fetiche de couro. — Ele é um sênior na minha escola.
— Bem, se ele viver, eu duvido que ele vai se lembrar de algo disto.
— Daphne forçou Claire a continuar caminhando como se ela fosse uma
prisioneira de verdade.
— Os meus pais — disse Claire, sua voz fina.
— A melhor maneira de protegê-los agora é ajudar Helen — disse
Daphne.
— Eu queria parar isso — disse Claire, apontando para o exército
crescente.
— Eu sei — respondeu Daphne, silenciando-a com uma pequena
sacudida.
Hermes passou por elas, seus olhos e ouvidos abertos por
informações que ele poderia levar para Zeus. Por um momento, seu olhar
pousou em Claire, mas ele desviou o olhar e passou acelerado. Daphne e
Claire alcançaram a terra sem dono entre os dois campos e começaram
a correr para a tenda de Orion.
No meio do caminho, o céu escureceu como uma sombra passando
sobre o sol. Daphne olhou para cima para ver a tempestade de flechas
dos arcos dos Myrmidon atingindo um alvo no céu.
— Anda, anda, anda! — Daphne gritou para Claire, pedindo-lhe para
ir em frente. As flechas atingiram seu ápice e começaram uma queda
mortal de volta à Terra.

***
Quando ela desceu, Helen esperava encontrar-se em uma das
muitas paisagens do Mundo Inferior que se tornou familiar para ela. Ela
estava esperando aparecer na praia infinita, que nunca levava a um
oceano, ou no cemitério dos gigantes de gelo, onde Cerberus tinha
perseguido ela e Orion, ou até mesmo nos campos cada vez mais
assustadores de Asfódelo onde os fantasmas famintos se alimentavam na
florescência branca das flores de asfódelo. Mas em vez disso ela
encontrou-se dentro de um grande salão que ela nunca tinha visto antes.
Pisos de mármore pretos cravejados de colunas dóricas se estendiam
como uma floresta escura e petrificada subindo e descendo em um espaço
aparentemente infinito. Braseiros de bronze gigantes, com o dobro de sua
altura, cintilavam com o fogo de ouro do óleo de queima limpa perfumado
com jasmim e âmbar. O ar estava seco do deserto. Joias, incorporadas
em cada costura decorativa nas colunas, captavam a luz. Elas a
refratavam em torno de Helen de modo que onde quer que ela olhasse,
havia pequenos arco-íris — arco-íris noturnos que não eram criados nem
com sol nem com chuva.
Houve uma outra vez que Helen tinha visto o brilho do ar como esse
ao seu redor. Foi quando Lucas a tornou invisível.
— Lucas? — Helen gritou, sua voz baixa se ramificando nos muitos
corredores de colunas no que ela só poderia assumir que era o palácio de
Hades.
— Eu estou aqui — Lucas respondeu.
Helen correu em direção a sua voz, o som de seus sapatos batendo
contra o chão, tocando em todas as direções através da floresta
petrificada de colunas. Ela atingiu o começo do corredor e derrapou até
parar na frente de um gigante trono de mármore branco em cima de uma
plataforma elevada. Foi esculpido para se parecer com centenas de
esqueletos contorcidos em agonia para apoiar o homem que tinha
reivindicado ele. Ela parou.
Lucas estava sentado no trono da morte, com sombras negras
escoando para fora dele como alcatrão escorrendo. Helen olhou para o
seu coração e viu apenas escuridão.
— Oh, Lucas — ela disse, com a voz alta e ofegante com descrença.
— O que você fez?
— A única coisa útil que me restava a fazer.
— Você geralmente está certo — ela disse, cerrando os punhos em
frustração. — Mas desta vez você está tão errado.
— Hector é o único que todo mundo precisa em suas vidas. Não eu.
— Eu preciso de você.
— Você tem Orion.
— Eu não tenho Orion. Nós somos apenas amigos.
— Helen. — Ele suspirou cansado como se ele não quisesse ouvir
isso.
— Eu sei que o senhor dos mortos tem que ser capaz de julgar
corações. Então julgue o meu — ela disse, caminhando para a frente e
subindo os degraus que levavam ao seu trono. — Olhe para mim, Lucas.
Eu estou mentindo?
Ele estudou-a enquanto ela se aproximava, e a dúvida começou a
rastejar em seus olhos.
— Eu não estou com Orion — Helen continuou, subindo os degraus
lentamente em direção ao seu trono. — Eu realmente nunca estive, e
tenho certeza agora que eu nunca estarei, e você sabe por quê? Porque é
impossível para mim amar alguém como eu te amo... e eu realmente
tentei com Orion.
— Tenho certeza que você tentou — disse Lucas, tentando parecer
ameaçador, mas havia a sugestão de um riso em sua voz.
— Não funcionou. É como se eu tivesse uma pessoa desordeira
dentro da minha cabeça. Eu não posso nem mesmo sair com outro cara
sem ouvir esta voz estúpida, me dizendo que eu sou uma idiota e eu estou
estragando tudo. — Helen subiu mais alguns degraus, e toda a
brincadeira deixou seu tom. — Você é a única pessoa que eu sempre vou
amar. O único que eu sou capaz de amar completamente. Você é feito
para mim.
Ele desviou o olhar e engoliu em seco. — Então nós nos amamos. E
daí? Isso não muda o fato de que não podemos ficar juntos.
Sua voz soou convincente, mas, mesmo quando ele falou, o olhar de
dúvida em seu rosto começou a se aprofundar, como se ele não
acreditasse no que ele estava dizendo. Como se ele não entendesse
completamente por que eles não poderiam ficar juntos.
Helen se arrastou até os últimos degraus, o peso do que ela estava
prestes a dizer de repente pressionando ela para baixo, diminuindo seu
ritmo.
Ela sabia qual era a sensação de ter seu coração partido. Lucas tinha
feito isso com ela uma vez. Isso não era simples e direto assim — como
uma única facada que era tão dolorosa que você preferiria que apenas
matasse você logo. O que ela sentia agora tinha tantas farpas ligadas a
ele que não importava o modo que ela girasse a situação em torno de sua
cabeça, ela encontrava uma nova maneira de ser ferida por ela.
Ela atravessou o estrado onde Lucas estava sentado em seu trono e
subiu em seu colo. Ele endureceu com surpresa quando ela caiu contra
ele, mas ficou tão impressionado com sua tristeza que ele instintivamente
a abraçou. Ela não podia fazer-se dizer em voz alta, então ela colocou os
braços em volta do seu pescoço, colocou seus lábios perto de seu ouvido,
e sussurrou toda a verdade para ele.
Helen podia sentir sua pele esquentar com emoção enquanto ela lhe
contava sobre o plano desesperado de Daphne para levantar Ajax dos
mortos. Helen não tinha certeza do que ela disse. Ela simplesmente
deixou toda a bagunça feia sair de sua boca para o ouvido dele. Algumas
vezes ela o sentiu estremecer e a respiração dele acelerar em descrença
quando uma nova revelação era descoberta. Finalmente, quando ela
começou a falar sobre o seu comportamento em relação a Orion na praia
e disse a palavra “Escudo”, Lucas recostou-se e segurou um dedo em
seus lábios.
— Não me diga mais nada — ele sussurrou. Ele entendeu que,
quando ela deixava a presença de Orion, qualquer esperança de salvar
seu plano para derrotar os deuses estava em perigo. — Nem sequer pense
nisso aqui. Você precisa voltar para Orion imediatamente.
— Eu não vou a lugar nenhum sem você.
— Você tem que voltar, Helen — ele disse com firmeza, mas em vez
de empurrá-la para longe, só a segurou mais apertado. — Eu tenho que
ficar aqui. Eu fiz um juramento. — Ele engasgou com a palavra,
percebendo a enormidade de seu erro.
— Mas Lucas, os deuses estão usando a sua ausência para dizer que
você está morto e que você não venceu realmente o duelo. Isso não é
apenas sobre você e eu. Você tem que vir e aparecer para os deuses, ou
eles vão enviar o exército de Tantalus contra nós.
— Meu irmão mais novo irá enviar o seu exército contra você,
independente do que você fizer, sobrinha. Se Lucas retornar ao campo de
batalha e provar que ele está vivo, Zeus vai apenas encontrar outra razão
para atacar — disse a voz triste de Hades. Helen levantou do colo de
Lucas e os dois ficaram lado a lado, de mãos dadas, enquanto Hades se
aproximava da escada.
— Você sabia? — Helen perguntou a Hades. — Sobre Daphne? Você
sabia o que ela estava fazendo?
— Eu vejo um monte, mas eu não vejo tudo — disse Hades,
balançando a cabeça. — Nenhum ser é onisciente. Até mesmo as Moiras
têm Nêmesis para bloqueá-las.
— Eu preciso dele — ela sussurrou, apertando a mão de Lucas.
— E eu disse isso a ele várias vezes, mas ele não quis me ouvir —
Hades respondeu, olhando para longe. — Não importa o quanto eu sinta
por vocês dois, não posso libertá-lo. Ele fez um juramento, um que me
compromete, também.
— Não era ele quem deveria fazer esse juramento. Ele não está apto
para ser seu sucessor. — Helen separou-se de Lucas e ergueu a voz. —
Eu chamo as Euménides para testemunharem a minha reivindicação.
Lucas não está apto para governar os mortos.
— Menina inteligente — Hades disse em voz baixa, num tom
meditador, como se a tática de Helen não tivesse ocorrido a ele.
Quando as três meninas que costumavam ser as Fúrias vieram
deslizando para fora da escuridão por trás do trono, Hades sorriu para
Helen quase como se ele estivesse orgulhoso dela. As três ex-Fúrias,
agora conhecidas como as Euménides ou As Gentis, eram como as
advogadas de defesa sobrenaturais para o Mundo Inferior, e deviam
bastante a Helen.
As Euménides dispuseram-se à direita do trono de Lucas, enquanto
Hades ficou à esquerda. A menor sorriu brevemente para Helen, e Helen
sorriu de volta, resistindo à vontade de acenar para ela como uma amiga.
A menor acalmou o rosto completamente e desviou os olhos. As
Euménides podiam dever a Helen sua liberdade do sofrimento que elas
suportaram como as Fúrias, mas Helen podia ver agora que elas iriam
fazer o que era certo, não importava o que Helen precisasse.
— Deixem os mortos entrarem e julgarem — as Euménides disseram
como uma só.
Houve suspiros fantasmagóricas no ar quando presenças invisíveis
pressionaram contra Helen e Lucas, esbarrando neles de um lado e do
outro enquanto eles passavam. Em momentos, a sala encheu-se com
centenas, depois milhares, então bilhões de almas mortas empilhadas até
a escuridão impenetrável do teto e abrigadas na esquina mais distante.
— Que as qualidades do candidato sejam conhecidas — a líder das
Euménides disse, caminhando para frente e acenando com um braço
pálido na direção de Lucas. — Em primeiro lugar, ele é inteligente. Prova
disso, ele é o único suplicante a oferecer ao senhor dos mortos um prêmio
que ele procura, oferecendo-se como substituto de Hades. Em termos de
inteligência, o candidato é o melhor que eu já vi.
Helen mordeu o lábio e franziu a testa. Claro, Lucas era a pessoa
mais inteligente que Helen já conhecera. Inteligente o suficiente para
lidar com ser o senhor de um lugar confuso como o Mundo Inferior.
— Ele comanda as sombras e pode tornar-se invisível à vontade. Ele
pode caminhar entre os vivos sem ser visto, como Hades faz — disse a
única que Helen sempre achou que era uma chorona. Mais uma vez,
Helen não tinha uma contraprova.
O ar crepitava baixinho, como o som de folhas queimadas, enquanto
os mortos se reuniam.
— Ele é um Detector de Mentiras e pode julgar corações, como o
senhor dos mortos deve — disse a menor das Euménides, quase como se
ela estivesse triste por adicionar sua voz ao caso contra Lucas. — E ele é
imortal.
— Não, ele não é — Helen opôs imediatamente.
— Fato. Ele não pode ficar doente, envelhecer, ser morto por
qualquer um dos elementos naturais ou por qualquer arma — a líder
lembrou ao júri dos mortos, como uma moderadora de um debate. — Ele
carrega a luz de um imortal nele. Os mortos podem vê-la.
Helen ouviu Lucas suspirar e o sentiu voltar-se para ela, prestes a
fazer um milhão de perguntas. Ela estendeu a mão para impedir Lucas
de dizer qualquer coisa e continuou.
— Eu entendo. E você está certa. Ele não pode ser morto por uma
fonte externa — Helen respondeu com um aceno de cabeça. — Mas Lucas
ainda pode morrer. Prova disso foi dada quando Hécate o deixou entrar
no ringue de fogo para lutar contra Matt. Ele não poderia ter lutado com
Matt se ele fosse um imortal.
— Helen fala a verdade — Hades disse, impressionando Helen com
a justiça, mesmo sabendo que a justiça era uma de suas maiores
preocupações. — Hécate nunca permitiria que um imortal lutasse contra
um mortal até a morte. Deve haver algo que possa matar Lucas.
As Euménides falaram em voz baixa entre si. Finalmente, a chorona
levantou a voz. — Se isso é um truque, e ele só pode ser morto por algo
que é impossível, como uma lâmina feita de um metal faz-de-conta que
não existe, então vamos considerá-lo imortal.
— Exigimos saber o que é que pode matá-lo — disse a líder.
— Sua própria vontade — disse Helen. — Se ele não quiser mais
viver, ele vai morrer. É sua escolha. Eu nunca tiraria isso dele. — Helen
virou-se para Lucas para se certificar de que ele estava bem com isso,
mas o olhar em seu rosto era ilegível. Ela se virou para a multidão de
mortos e continuou. — Se ele quiser morrer, ele irá, e se vocês o tornarem
o senhor dos mortos o que o impede de um dia ele ficar cansado de tudo
e apenas deixar-se morrer, deixando vocês sem ninguém para liderar?
Os mortos movimentaram-se em agitação, tornando a ferver o ar.
Helen viu a menor Euménides inclinar a cabeça, como se estivesse
ouvindo uma voz em seu ouvido.
— Os mortos julgaram que ele é honrado demais para quebrar sua
palavra, agora ou nunca — ela disse. — Hades pode ver que seu coração
tem o compromisso de que necessitam, e eles confiam que o candidato
não vai deixar-se morrer e deixá-los ao caos.
— Mas como vocês podem ter certeza? Ele não quer isso — Helen
alegou.
— Nem Hades. Mas o candidato escolheu isso, o que é mais do que
Hades fez — disse a líder das Euménides. Ela olhou para Helen
desculpando-se por um momento, e depois continuou estoicamente. — O
candidato não foi coagido ou subornado de qualquer forma. Hades tentou
o seu melhor para dissuadi-lo de voltar para a luz, mas ele não quis. Ele
voluntariamente e conscientemente escolheu ser a Mão da Escuridão. O
candidato nega isso?
— Não — Lucas disse, deixando cair a cabeça. — Eu não nego isso.
Helen sabia que Lucas não diria que ele foi enganado, apesar de ele
ter sido, porque ele era muito honroso para fugir da sua
responsabilidade. Helen foi lembrada do tempo que Lucas tinha agarrado
ela à deriva na borda do espaço e puxado de volta à Terra. Eles tinham
resolvido sua luta horrível na caminhada de volta, e ela lhe perguntou se
Castor tinha sido aquele a fazer ele afastá-la, mas Lucas não colocou a
culpa em seu pai. Ele só disse que tinha sido a sua escolha.
Ela o amava ainda mais por seu senso de responsabilidade. O que
só reforçou sua determinação de dizer o pior sobre ele — quer ela
acreditasse ou não. Ela só esperava que seu palpite sobre o que Perséfone
tinha dito no Halloween estivesse correto.
— Ele é inteligente e leal, e ele tem um forte senso de justiça. Ele
tem todos os talentos de Hades. Mas ele está perdendo a qualidade mais
importante — disse Helen em voz alta para todas as almas que podiam
ouvi-la. — Orion e eu fomos os que passaram no teste das Fúrias. Nós as
libertamos com compaixão e os mortos nos julgaram dignos de governar.
Lucas nunca passou por esse tipo de teste.
Helen fez uma pausa e respirou fundo, porque ela sabia que o que
ela estava prestes a dizer feriria Lucas e, provavelmente, mudaria a
maneira como ele a via. Independentemente disso, ela sabia que tinham
acabado suas opções e ela tinha que fazer isso.
— Lucas não está apto para ser o senhor dos mortos, porque ele não
provou a ninguém que ele é um homem compassivo — Helen disse em
voz alta.
A cabeça de Lucas girou para olhar para Helen em surpresa. Ela não
olhou de volta, mesmo que ela o sentisse olhando para ela. As Euménides
pararam de falar umas com as outras em silêncio. O tempo todo Lucas
ficou olhando para Helen, mas ela não iria olhar para ele.
— Ele trocou a si mesmo por seu primo — a líder das Euménides
disse em refutação. — Isso necessita de compaixão.
— Isso foi culpa — disse Helen, deliberadamente, voltando-se para
Hades para que ele pudesse ler a verdade nela. — Quando Hector morreu,
eu vi culpa, tristeza e resignação no coração de Lucas. Essas foram as
emoções que o tornaram disposto a trocar a si mesmo. Não compaixão.
Se é a compaixão que os mortos valorizam acima de todas as outras
qualidades, então Lucas não está apto para governar aqui.
Os mortos conversaram, o farfalhar e ranger de suas vozes
lembrando Helen do som do vento em um campo de grama alta do
pântano. Helen não podia suportar olhar para Lucas. Ela só esperava que
ele a perdoasse por isso algum dia. Em vez disso, ela olhou para Hades,
que estava olhando para ela com um pequeno sorriso no rosto. Ela queria
dizer a ele que ela estava triste por agir contra ele assim, mas ela sabia
que não era preciso. Ele podia ler o pesar no seu coração.
A líder das Euménides inclinou a cabeça para o lado, ouvindo o
veredito dos mortos.
— O candidato foi julgado indigno — ela disse, e Helen quase entrou
em colapso com alívio. Mas as Euménides não tinham concluído. —
Contudo, ele ainda deve cumprir o seu juramento.
— O que isso significa? — Helen perguntou aos espíritos no ar,
mesmo que ela não conseguisse entender sua fala sussurrante.
— Isso significa que algum dia a Mão da Escuridão deve substituir
Hades — respondeu a menor das Euménides. — Ele não pode governar
até que ele seja considerado digno, mas algum dia ele deve oferecer-se
para ser testado pelos mortos, e se ele passar, ele deve tomar o lugar de
Hades no Mundo Inferior.
Helen não podia falar. Ela vasculhou seu cérebro por uma razão
para se opor, algo que sobrepujaria o juramento de Lucas, mas ela não
descobriu nada.
— Helen — Lucas sussurrou em seu ouvido. — Deixe para lá. Está
tudo bem.
— Não, não está! — Helen sibilou para ele. — Isso significa que a
qualquer momento você pode ser chamado aqui em baixo. Nós não
sabemos quando ou como, mas algum dia os mortos vão chamar o seu
número e você vai ter que vir para Hades.
Lucas riu e balançou a cabeça. — Assim é a vida, Helen. Isso é o que
todo mundo enfrenta. Significa apenas que eu vou ter que viver cada dia
como se ele pudesse ser meu último dia na Terra. Eu posso fazer isso. —
Ele olhou para Hades, com os olhos brilhando com a luz interior que
Helen não tinha visto nele em semanas. — Obrigado.
— Você deve ir. Agora — Hades respondeu gravemente. — Vocês dois
são necessários na Terra. E Helen? Não deixe que Zeus vença. Não
importa o que você tenha que fazer para detê-lo... faça.
Helen suspirou e acenou com a cabeça, sabendo o que Hades queria
dizer, mas não tendo certeza se ela era forte o suficiente para passar por
isso agora que ela sabia que Lucas teria que governar Hades algum dia.
Ela poderia enfrentar o longo futuro, sabendo que, se ela quisesse ficar
com Lucas teria que fazê-lo em Hades? Será que ela acabaria como
Perséfone?
— Obrigada novamente, tio — ela disse. — Mande lembranças à sua
rainha.
CAPÍTULO 16
Traduzido por I&E BookStore

H elen e Lucas apareceram na praia. Na esperança de acabar perto


de Orion, Helen achou que o melhor lugar para aparecer seria
perto do local da arena improvisada onde os duelos tinham ocorrido. Ela
estava esperando descobrir que as linhas de batalha que estavam sendo
formadas na praia não estariam muito maiores do que quando ela tinha
partido, para que ela pudesse saber instantaneamente qual caminho
percorrer para encontrar Orion. Ela não poderia ter estado mais errada.
Quando Helen e Lucas deram um passo para fora do ringue de gelo,
eles encontraram-se no meio de um campo gigantesco cheio de milhares
de combatentes. Descendentes, Myrmidons e mortais, todos estavam se
preparando para a batalha.
— Filho da mãe — disse Helen, de boca aberta como uma caipira
quando pessoas da cidade surgiram ao longo da praia. Helen viu o Sr.
Tanis da loja de ferragens afiar uma espada em uma pedra grande e
redonda. Seus olhos pareciam em branco e estranhos. Helen estava
prestes a gritar para o Sr. Tanis e verificar se ele estava bem, quando
sentiu Lucas puxar rudemente o seu braço.
— Para cima! — ele rosnou com medo e jogou-a para o ar. Quando
ela liberou a gravidade, ele passou voando por ela e pegou sua mão para
puxá-la. — Lado errado! — ele gritou de volta para ela, dirigindo-os para
longe do mar.
Do ar, Helen pôde ver os dois campos, mas ela ainda não podia
acreditar na dimensão de tudo isso. Ela e Lucas flutuaram por alguns
momentos, estudando o novo mapa que tinha sido elaborado sobre a
praia no lado ocidental da ilha de Nantucket. De Nantucket até o Lago
Sesachacha, a costa estava alinhada com as tendas do exército de
Tantalus. Orion e seus soldados tinham recuado para as dunas, onde
eles se amontoaram no chão alto, ridiculamente em desvantagem. Helen
podia ouvir Lucas sussurrando para si mesmo, como se estivesse
memorizando uma lista de coisas para mais tarde.
— Nós não acabamos de sair? — Helen disse ofegante, incrédula.
Havia muitas pessoas lá em baixo, muitas tendas. — Como isso
aconteceu tão rápido?
— Hefesto tem suficientes armas armazenadas no Monte Olimpo
para colocar uma espada nas mãos de cada homem, mulher e criança no
mundo — Lucas respondeu distraidamente. Helen observava seus olhos
saltarem ao redor, e seus lábios se moverem enquanto contava as tendas
baixinho e as linhas de suprimentos marcadas.
Flechas começaram a zunir ao redor deles. Algumas delas
ricochetearam Helen, e Lucas instintivamente empurrou-a para fora do
seu caminho. Eles haviam sido localizados por um grupo de Myrmidons,
e mais flechas se seguiram até que o ar estava espesso com elas.
— Eu estou bem — ela disse, tirando uma chuva de flechas longe de
seu rosto. Ela tocou o coração de ouro que ela usava no pescoço para
lembrar Lucas que ela usava a metade do cinturão que a protegia de
armas. — Elas doem, mas as flechas não podem me matar. Nem matar
você, também.
Lucas assistiu quando flechas ricochetearam ao redor dele, sua
expressão vazia. Helen olhou para o seu coração e viu uma dúzia de
emoções diferentes girando dentro dele.
— Você está com raiva de mim? — ela perguntou suplicante,
colocando a mão em seu peito. Lucas olhou para Helen, mas seus olhos
estavam tão selvagens que ela não tinha ideia do que se passava em sua
cabeça. — Eu sei que eu te tornei em maior parte imortal sem sequer
perguntar-lhe primeiro. Mas ainda depende de você. Se você quiser
morrer, você ainda pode, no momento que quiser. Não que você queira
morrer agora. Mas digamos que algum dia no futuro... você sabe, você
ainda pode.
O rosto de Lucas enrugou com confusão.
Uma bola de fogo catapultou ao redor deles, quase acertando-os,
mas nem Helen nem Lucas prestaram atenção. Outra chuva de flechas
escureceram o céu em torno deles, mas era tudo um ruído de fundo,
facilmente ignorados, agora que ela teve essa oportunidade de dizer tudo
a Lucas.
— E então há todas as coisas que eu disse sobre você não ser
compassivo — Helen continuou, os olhos subitamente cheios de
lágrimas. — Você tem que saber que eu realmente não acho isso de você.
Eu só disse isso porque você não tinha sido testado como Orion e eu. Era
a única coisa que eu poderia pensar para usar no julgamento, a única
razão para os mortos votarem contra você.
A expressão de Lucas ainda estava em branco. Helen achou que isso
significava que o que ela tinha dito sobre ele durante o julgamento o havia
feito vê-la de forma diferente, assim como ela temia. A fim de salvá-lo, ela
o fez parar de amá-la. Lágrimas escorreram pelo rosto de Helen.
— Você me odeia agora, não é? Mas eu tinha de apontar uma grande
falha sua, mesmo que o fizesse mudar a maneira como você se sente
sobre mim. Eu fiz isso para ter você de volta, mesmo que isso signifique
que eu perca você.
— Você não pode me perder, Helen. Nem mesmo se você tentar —
ele disse, puxando seu braço para trazê-la para perto dele. — E para que
conste, eu concordo com você. Eu deveria ser mais compassivo. Eu nunca
esperei que você achasse que eu era perfeito. Eu sei que eu não sou.
— Você é para mim.
— Isso é tudo que importa para mim — Lucas disse calmamente. —
Não-mais-minha-prima Helen.
Por apenas um momento, Helen temeu que ele não fizesse isso. Ela
elevou suas esperanças tantas vezes e se desapontou, que ela duvidava
que jamais iria realmente acontecer novamente. Mas aconteceu. Ele
enterrou suas mãos em seu cabelo, a puxou para ele, e beijou-a.
O céu encheu de flechas flamejantes e projéteis gigantes que
cheirava como asfalto derretido. Tudo começou explodindo em torno
deles, mas Helen não poderia se importar menos. Ela estava em casa, e
ela nunca mais queria partir novamente.
Helen apertou os braços ao redor dele desesperadamente, e o beijo
ficou frenético. Flechas voaram de um lado e do outro enquanto soldados
de Orion retaliavam contra os Myrmidons. Notando que eles foram pegos
no fogo cruzado, Lucas terminou o beijo, mas ainda a manteve perto.
— Nós vamos terminar isso mais tarde — ele prometeu, sem fôlego,
pressionando sua testa na dela por um momento para se acalmar. Então
ele se virou e levou-a de volta ao chão.
Eles voaram rapidamente, evitando o ataque pungente do
armamento da melhor forma que podiam, e pousaram sobre o seu lado
da linha de batalha. Arqueiros atiravam suas flechas. Armaduras tiniam
e couro rangia. Um exército de Descendentes, por pequeno que fosse,
enfrentava a primeira onda do Exército de Tantalus — trinta e três
Myrmidons que estavam em frente a eles em uma ampla faixa de areia,
com Tantalus em pé na parte de trás como seu líder. Helen ouviu ordens
gritadas por Tantalus para o exército a postos e decidiu que ela tinha que
dar-lhe algum crédito. Ele tinha sido seu bicho-papão pessoal há vários
meses, mas ele não era um covarde.
Assim que Helen e Lucas pousaram, Orion e Castor correram para
encontrá-los.
— Como você...? — Orion perguntou a Helen enquanto observavam
Castor abraçar seu filho com firmeza.
— Eu conto mais tarde — Helen respondeu.
— Onde está Hector? — perguntou Lucas.
— Na minha tenda — Orion respondeu, levando Helen e Lucas até
ela. — Ele realmente acha que ele vai lutar.
— Eu não acho que eu vou lutar, eu vou lutar — disse Hector em
sua voz queixosa de dentro da tenda.
— Hector, se você se matar de novo, quando eu assumir Hades eu
vou te dar um tempo muito longo no Tártaro — Lucas disse brincando
quando eles entraram.
Helen e Lucas entraram, e a primeira coisa que Helen notou foram
seis conjuntos de armaduras, penduradas em suas prateleiras como
soldados ocos de guarda sobre a sala.
Bronze para Hector, branca para Orion, prata para Castor, vermelha
para Jason e preta para Lucas, Helen pensou. Além do resto, havia um
conjunto de armadura dourada de um tamanho e forma que indicavam
que ela foi feita para uma mulher. Essa é minha.
Sob os conjuntos de armaduras, Jason estava enrolando uma gaze
em volta do peito de Hector. Jason estava pálido e trêmulo de curar seu
irmão.
— Lucas! — disse Cassandra, e lançou-se para o irmão. Ele pegou
sua irmã e a abraçou. Seus primos rodearam ele, abraçando-o e batendo
em suas costas, mas apesar de sua felicidade ao vê-lo, todos tinham
ouvido o que ele tinha dito.
— O que você quis dizer com “quando você assumir Hades”? —
perguntou Cassandra, liberando Lucas.
— O que aconteceu? — Castor perguntou a Helen acusadoramente,
como se ela só tivesse feito metade do seu trabalho.
— Pai, olha, não há nenhuma maneira de escapar do juramento que
eu fiz. Mas, graças a Helen, eu não tenho que assumir agora. Vamos focar
na batalha próxima. — Lucas apertou o ombro de seu pai, em seguida,
virou-se para Hector. — Helen e eu vimos por trás das linhas inimigas do
ar. Onde está o mapa? — Parecia que ele tinha planejado uma batalha
um milhão de vezes.
Cassandra levou os homens a uma mesa no canto, e Lucas
imediatamente começou a analisar a organização do campo inimigo.
Helen estava prestes a se juntar a eles quando ouviu uma voz familiar.
Era distante e fraca, chamando a partir da terra sem dono entre os dois
lados.
— Alguém me ajude! — Claire estava gritando.
Ela estava com dor.
— Risadinha? — Helen chamou, e correu para fora da tenda às cegas
em direção à borda da linha de ação. As bolas flamejantes que os
Myrmidons tinham lançado em Helen e Lucas apagaram com enormes
nuvens de fumaça negra.
— Aqui! — Claire gritou com uma voz rouca em algum lugar atrás
da cortina de fumaça.
— Helen, não! — Orion gritou, mas Helen não deu ouvidos.
Não importava para Helen se Claire tinha escolhido Matt ao invés
dela. O som da sua melhor amiga com dor apagou tudo. Helen caminhou
para a terra sem dono.
Uma nova onda de flechas foi desencadeada assim que Helen pôs os
pés na linha de fogo — tiros de alerta vieram a partir dos Myrmidons.
— Lennie! — Claire gritou, sua voz entrecortada com a dor.
Claire estava em algum lugar lá fora nas dunas, mas Helen não
podia vê-la. Muitas flechas estavam caindo, e os fogos lavravam nas
roseiras e na grama do pântano.
Helen sentiu uma onda gigantesca de poder surgir para dentro e
para fora dela, quando uma necessidade desesperada para encontrar
Claire ultrapassou ela. Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Os
incêndios no chão extinguiram em um silvo de gelo e vapor. Um grande
vento soprou e chicoteou toda a fumaça para trás, revelando Claire e
Daphne agachadas na areia. E uma centena de flechas pararam no ar,
suas pontas de bronze pendendo na borda do campo magnético de Helen.
Tudo ficou quieto por um momento.
Com o coração na garganta, Helen viu que embora Daphne estivesse
protegendo Claire do fogo com seu corpo, ambas haviam sido atingidas
várias vezes com flechas.
Claire estava sangrando muito.
Helen correu para ela, com as mãos formigando com pânico. Ela
tardiamente ficou ciente do fato de que, ao correr para a terra sem dono,
ela tinha tomado o campo. Inadvertidamente, Helen tinha feito com que
os Myrmidons pudessem ir para o outro lado fazer o mesmo.
Helen ouviu Lucas, Orion e Hector soarem seus gritos de guerra
atrás dela para chamarem seus soldados. Como um só, eles foram de
cabeça para a luta que Helen tinha involuntariamente começado. Tudo o
que ela podia ver eram risos, choros e flechas atingindo-a no peito.
— Saiam dela! — Helen gritou ilogicamente às flechas enfiadas em
Claire. Todas elas obedeceram e pularam para fora da pele de Claire,
tornando as coisas muito piores. Rios de sangue começaram a fluir do
corpo de Claire.
Helen chegou em Claire e Daphne antes dos exércitos armados. Ela
puxou ambas para perto e disparou para o ar quando os descendentes e
os Myrmidons reuniram-se em um choque de espadas e escudos debaixo
dela.
Enquanto ela levava Claire e Daphne para Jason, ela olhou para
baixo e viu Castor, Hector, Orion e Lucas a caminho do grupo de
Myrmidons sem suas armaduras. Lucas assumiu a liderança,
bloqueando furiosamente. A visão de Lucas tirando lâminas fora do
caminho com as próprias mãos enviou um arrepio através de Helen, e
mesmo sabendo que uma espada ou uma flecha não poderia matá-lo, ela
ficou aliviada de que ela tinha de se concentrar no voo e não podia
assistir. Em um momento ela levou Claire e Daphne para a tenda.
— Eu estou bem — Daphne insistiu, mancando em direção à mesa
e cadeiras. Helen colocou Claire para baixo na frente de Jason e
Cassandra. Jason reagiu imediatamente, as mãos azuis incandescentes
para parar o sangramento de Claire, mesmo com o seu coração cheio de
mágoa pelo que ela tinha feito.
— Jason, espera! — Claire pediu.
— Claire, por uma vez em sua vida, você poderia calar a boca? —
Jason disse com raiva. Helen olhou em seu coração, amarelo e magoado,
e ela podia ver que ele estava tão ferido pela traição de Claire que ele não
podia sequer olhar nos olhos dela.
— Pallas não vai lutar contra você e Hector — ela suspirou,
continuando teimosamente. — Dédalo se recusa a lutar com Orion, e os
deuses perderam o apoio da maioria dos Descendentes do lado deles,
porque eles estão hipnotizando mortais. — Sangue começou a verter para
fora da boca dela.
O único maldito poder que Helen não tinha, era o que ela mais
desejava — a capacidade de curar os seus entes queridos quando eles
estavam sofrendo.
— Faça alguma coisa! — Helen gritou com Jason.
— O pulmão dela está perfurado — ele disse, enquanto Claire lutava
sob suas mãos. — Eu tenho que colocá-la para baixo.
— Claire, por favor, acalme-se — Cassandra disse suavemente. —
Deixe Jason trabalhar.
— Não! — Claire respondeu, empurrando as mãos brilhantes de
Jason para longe. Ela tentou sentar-se, mas mais sangue derramou para
fora da sua boca. Ainda assim, ela lutou para entregar a sua mensagem.
— Tantalus, um punhado dos Cem Primos e os Myrmidons são tudo o
que resta — ela disse, engasgando com seu próprio sangue. — Tantalus
lidera todos eles. Ele é o cérebro, e ele está fortemente guardado pelos
Myrmidons.
— Tente ficar quieta — disse Cassandra, empurrando Claire de volta
para baixo.
— Eu sinto muito — Claire tossiu. — Ari e eu achamos que
estávamos fazendo a coisa certa.
— Eu sei — respondeu Jason, e a cor de mostarda da amargura que
Helen viu em seu coração se transformou em uma linda nuvem vermelho-
dourado. — Agora, sério, cale a boca — ele sussurrou com ternura.
Ele passou a mão brilhando sobre a cabeça de Claire, e ela
desmaiou. Helen observou por um momento quando as feridas de Claire
começaram a se fechar e o rosto de Jason ficou mais pálido com o esforço
para curá-la antes dela se virar para Daphne.
— Obrigada — Helen disse a contragosto. — Por protegê-la.
Daphne balançou a cabeça e olhou para uma ferida na coxa. — Eu
não estou em posição de pedir nada em troca. Mas eu estou lhe pedindo
para deixar Tantalus para mim.
— Ele é todo seu — Helen disse insensivelmente, antes de sair da
tenda para voar sobre a batalha e encontrar seus homens.
Ela viu Lucas primeiro. Ele estava lutando ao lado de seu pai. Ela
sabia que Lucas ficaria bem, e que ele iria proteger Castor. Ela olhou em
torno procurando Orion. Flechas zuniam ao redor dela enquanto os
Myrmidons por trás das linhas de frente esvaziavam suas aljavas. Vendo
as flechas saltarem para longe dela, eles rapidamente preparavam os
seus arcos, apontando e gritando com a visão impossível.
Do ar, Helen encontrou Orion e Hector lutando de costas um para
outro. Um círculo de seis Myrmidons os tinha fixado para baixo. Helen
voou para eles, e uma vez que ela estava na linha de tiro, ela tirou as
espadas das mãos dos Myrmidons. Seis espadas saltaram para o céu e
pairaram lá quando Helen pousou com um baque de tremer a terra ao
lado de Hector e Orion.
Sua chegada não teve o efeito que ela esperava. Em vez de fugir, os
Myrmidons começaram a se aproximar.
— O Tirano — gritavam em uníssono enquanto se moviam em
direção a ela como uma massa congelando de ódio. — Matem o Tirano.
— Não foi a sua melhor jogada, Princesa — Hector repreendeu. Ele
apontou um dedo frenético para Orion. — Leve-a para fora do campo de
batalha!
Antes de Helen conseguir descobrir por que Hector estava tão
empenhado em tirá-la dali, Orion a jogou por cima do ombro e começou
a correr para a tenda. Enquanto ela saltava desconfortavelmente contra
as costas de Orion, ela conseguiu sustentar-se o suficiente para ver todo
o grupo de trinta e poucos Myrmidons correrem atrás dela, e ela
descobriu porquê.
A rainha pode ser a peça mais versátil do tabuleiro de xadrez, mas
se ela for retirada, o jogo não termina. E só acaba quando o rei fica
encurralado e alguém fala xeque-mate. Tardiamente, Helen percebeu que
ela era o rei neste jogo, não a rainha.
Enquanto pensava isso, Helen notou alguém correndo pelo campo
de batalha vestido com uma armadura dourada — sua armadura
dourada.
— Espera! — Helen gritou, estendendo a mão para a menina em
dourado que estava tolamente representando ela. — Isso é suicídio!
Mas a menina desapareceu na fumaça, no nevoeiro, e as multidões
se combateram sem pausa.
Enquanto Descendentes da Casa de Atenas faziam fileiras atrás de
Orion e enfrentavam os Myrmidons perseguindo-os, Helen percebeu que
a menina em dourado só podia ser uma pessoa. A mãe dela.

***
Daphne esperou até que Jason tivesse quase desmaiado para curar
Claire, e Cassandra tinha ido buscar para ele um pouco de comida e água
para reanimá-lo, antes dela pegar a armadura dourada da prateleira. Ela
vestiu-a rapidamente e, usando o rosto de Helen, caminhou para o campo
de batalha.
Ela sabia que nunca iria sair disso viva, mas ela nunca se preocupou
com sua própria vida. Ajax estava perdido para ela. Finalmente, depois
de todos esses anos, ela aceitou isso. Só havia uma coisa a fazer. Uma
última promessa que ela tinha que cumprir.
Tudo o que ela tinha que fazer era atravessar as linhas de batalha,
enquanto a maioria dos combatentes de Tantalus estivessem ocupados
com a batalha. Então ela estaria perto o suficiente para matá-lo.
Ela tinha negociado o seu coração para isso há meses — seu coração
pela ajuda de Hécate em tirar a vida de um homem. Não importava que
precauções Tantalus tenha tomado. Hécate, a guardiã de todas as
encruzilhadas e entradas, tinha prometido que iria abrir qualquer porta
para Daphne.
Enquanto corria através da terra sem dono, parte de Daphne
esperava que Helen acreditasse que ela estava fazendo isso para ajudá-
la. Uma parte ainda maior de Daphne desejava que fosse verdade. Mas
ela sabia a verdade. Ela estava fazendo isso principalmente por vingança.
O fato de que isso ajudaria Helen era apenas um bônus.
Os Myrmidons estavam distraídos, perseguindo a verdadeira Helen,
que estava jogada sobre o ombro de Orion e sendo levada de volta para
atrás das linhas. Embaraçoso, mas Daphne sabia que a remoção da sua
filha do campo de batalha era o melhor. Mesmo com todo o seu poder
intimidante-inspirador, Helen não era uma lutadora nata, e Daphne
estava feliz que Orion teve o bom senso de tirá-la do caminho.
Ao contrário de sua filha generosa e facilmente desnorteada, Daphne
tinha estado em muitas batalhas e sabia como usar uma espada.
Ignorando as feridas rapidamente se curando em sua coxa e em seu
ombro, ela passou por alguns membros dos Cem Primos onde eles se
erguiam e começavam a caminhar para a linha inimiga.
Daphne se virou em um círculo para envolver o maior número deles
que podia para distrair o inimigo de Hector, Lucas e Castor. Nenhum dos
homens de Helen estavam vestindo armadura e eles precisavam se
reagrupar. A única maneira para que isso aconteça seria se Daphne
pudesse ganhar o campo e empurrar o inimigo para trás. Enquanto os
Myrmidons estavam perseguindo a verdadeira Helen, Daphne só poderia
ter uma chance de andar através das linhas e ir ao seu objetivo real.
Ela matou três homens e eletrocutou outro antes de seu relâmpago
chamar a atenção de Castor.
— Helen! — ele gritou. Vendo Daphne cercada por mais e mais
soldados, ele começou a correr em seu socorro.
— Volte, Caz! — Daphne gritou, propositadamente usando seu
antigo apelido. Ele era um homem inteligente e rapidamente percebeu
que a menina na armadura dourada não era Helen, mesmo que ela
parecesse exatamente como ela.
Castor estendeu um braço para impedir Lucas de voar até ela e
explicou rapidamente as coisas ao seu filho. Os dois voltaram sua
atenção para a luta contra os Cem Primos, e Daphne matou o último dos
homens que a tinham cercado.
Caminhando através das linhas inimigas, Daphne chutou uns
poucos mortais hipnotizados para fora de seu caminho. Todos os
Descendentes e Myrmidons estavam no campo de batalha, e os mortais
reservas ainda não haviam sido posicionados. Daphne não queria usar
sua espada sobre os mortais completos e embainhou a espada em favor
do combate não-letal corpo a corpo.
Mesmo com as mãos nuas, ela derrotou as reservas em segundos e
se dirigiu para um aglomerado de barracas grandes, chamando seu
desafio.
— Tantalus! Vamos decidir isso agora! — Daphne-como-Helen
gritou. — Uma vida em vez de mil! — A multidão começou a sussurrar a
palavra Tirano ao redor de Daphne. Eles estavam acreditando. — Sua
vida ou a minha. Vamos acabar com esta guerra antes que comece.
Tantalus virou para trás a aba da frente de sua tenda e saiu em uma
armadura completa. Daphne deixou cair a viseira do rosto e torceu o
punho da sua espada entre as mãos.
— Mas eu não tenho nenhum raio. Eu não posso criar terremotos.
Eu não posso voar — disse Tantalus, estendendo as mãos enquanto
caminhava em direção a ela, como se ele não tivesse nada a esconder.
— Espada contra espada — Daphne-como-Helen respondeu. —
Nenhum outro talento será permitido. Apenas sua lâmina contra a
minha.
A multidão murmurou seu assentimento, com exceção de uma
pessoa.
— Helen, não! — Ariadne gritou. Seu pai a impedia de correr para o
lado de Daphne. — Ele é muito bom.
— Nenhum outro talento e nenhum truque? — Tantalus perguntou
a Daphne incertamente. Ele não queria enfrentá-la, a menos que ele
estivesse certo de que poderia ganhar.
— Nenhum — disse Daphne, sem pausa, sabendo que ela já havia
pago por essa mentira com todo o seu coração.
— Deixe Hécate decidir — disse Tantalus, se aquecendo com a ideia
de ser o grande herói ao vencer a guerra em um duelo. — Oferta!
Pallas avançou e jogou um punhado de açafrão no ar entre Tantalus
e Daphne. Um fogo laranja irrompeu para fora da areia para formar um
círculo oval. Tantalus e Daphne entraram sem obstáculos na arena.
Tantalus desembainhou sua espada lentamente e sorriu para ela.
— Pallas me disse que você é uma péssima espadachim — ele
sussurrou com um sorriso frio.
Daphne deixou seu próprio rosto aparecer por apenas um momento
para que Tantalus soubesse quem ele estava enfrentando. Quando ela
viu o reconhecimento paralisar sua expressão, ela rapidamente mudou
de volta para a versão juvenil do rosto de Helen e sorriu para ele.
— Eu acho que você vai me achar muito melhor — ela disse.
Os deuses convergiram para o duelo avidamente, cada um deles
tomando uma posição valorizada na borda da arena selada. Tantalus
virou, prestes a protestar que era Daphne e não Helen com quem ele
estava lutando, mas foi recebido com uma parede de fogo laranja. Vendo
que era impossível voltar atrás agora, Tantalus sorriu tristemente para si
mesmo e acenou para a areia.
— Cada coisa ruim que eu já fiz, eu fiz porque eu te amo — disse
Tantalus apenas alto o suficiente para Daphne ouvir. — Você, de todas
as pessoas, deveria entender isso por agora.
— Eu entendo — ela respondeu calmamente. — E eu te odeio por
me fazer entender.
Ele ficou em uma das extremidades da arena oval, e Daphne na
outra. Ao colocar a maior distância possível entre eles, eles tinham
optado por um duelo de um único golpe. Isso não ia ser uma luta longa,
cheia de sapateado e esgrima gentil. Como justadores medievais ou
pistoleiros de faroeste, ambos estavam indo para um único golpe mortal.
Eles começaram a correr ao mesmo tempo e alcançaram o outro.
Acabou em um momento.
Daphne ignorou a ferroada quente que rastejou através de seu
pescoço e cortou a cabeça de Tantalus com um golpe. Assim como ele
tinha feito com Ajax. Ela viu a cabeça de Tantalus rolar na frente dela e
atingir a barreira de fogo laranja, com os olhos mortos olhando para ela.
Finalmente tinha acabado. Daphne caiu de joelhos enquanto ela
ouvia seu corpo decapitado cair no chão em estágios atrás dela. Um
silêncio se seguiu — em seguida, um zumbido em seus ouvidos. Daphne
sentiu um frio familiar se infiltrando. Olhando para baixo, ela viu o
acúmulo de sangue na areia em volta dela. Ela tentou inspirar, e sugou
um líquido salgado em vez de ar, como lágrimas de aspiração. Seu corpo
entrou em colapso, e ela tombou na areia quando seu pescoço quase
completamente cortado sangrou em um instante.
Uma fala de “A Peça Escocesa” passou por sua cabeça: Os que
dormem e os mortos são como pinturas.
Ajax gostava de desenhá-la enquanto ela dormia. Ele era um artista
incrível...

***
Orion jogou Helen para baixo ao lado de Jason, que estava dormindo
— ou desmaiado — no chão ao lado de Claire. Ele estava tão irritado que
Helen não sabia se deveria ao menos tentar fazer com que ele se
acalmasse. Ela decidiu arriscar um pedido de desculpas.
— Orion, me descul... — ela começou.
— Psiu! — disse Orion, levantando a mão para silenciá-la. Ele tomou
algumas respirações profundas para se acalmar antes de começar
novamente. — Que diabos você estava pensando?
— Que esta é a minha luta, não a sua. Nem a de Lucas. Nem a de
Hector. Minha — disse Helen, de pé e de frente para Orion. — Eu estava
tentando lutar por mim mesma.
— Você sabe que não é assim que estas coisas são feitas, não é? Nós
escolhemos campeões por uma razão, porque se você morrer, nós
perdemos. Achei que você tivesse entendido isso.
— Sim, eu entendi. Helena de Troia não tinha escolha a não ser
sentar e deixar que outras pessoas lutassem por ela, e todos nós sabemos
o quanto isso deu certo para Troia — ela disse incisivamente. Orion
fechou a boca e se virou para o arsenal.
— Você realmente está me irritando, Helen — ele disse, tirando seu
cinto e arrancando suas roupas para que ele pudesse entrar em sua
armadura. Helen se moveu rapidamente para ajudá-lo.
— Eu sei que eu estou — ela respondeu, puxando para baixo do
peitoral branco de Orion. — Porque eu sou muito covarde para fazer o
que eu realmente tenho que fazer.
— E o que é? — ele perguntou, estendendo os braços para Helen
amarrar seu peitoral nas laterais. Cassandra apareceu no cotovelo de
Helen, a pulseira que Orion fez tilintando lindamente. — Kitty, o que você
ainda está fazendo aqui? — Orion perguntou a ela, impaciente, como se
tivesse acabado de notar sua presença.
— Eu... — ela começou.
— Vá para casa para Noel e Kate. Este lugar é muito perigoso para
você — ele repreendeu. Cassandra vacilou, a ponto de colocar as luvas
que ela carregava, mas Helen agarrou a mão dela e a deteve.
— Cassandra está aqui para estar perto de você para que ela não
profetize — Helen o lembrou. Ela se atrapalhou com as tiras na armadura
de Orion por um momento e rapidamente levantou as mãos. — E ela está
aqui para vesti-lo. Eu não tenho nenhuma ideia de como essas malditas
coisas são colocadas.
Helen recuou e deixou Cassandra fazer o que ela tão obviamente
queria fazer. Tocar Orion. Ele nem sequer olhou para ela.
— Então, continue. Estou morrendo de vontade de saber o que é que
você é “muito covarde” para fazer — Orion disse com um olhar duvidoso,
como se ele não acreditasse que Helen poderia ser covarde sobre qualquer
coisa.
— Me tornar imortal — Helen respondeu, com a voz embargada. —
E não em maior parte imortal... e não imortal exceto por uma cláusula
pequena onde eu possa morrer em alguns anos se eu ficar cansada de
tudo isso, mas realmente, honestamente imortal como as estrelas para
que eu possa lutar com o próprio Zeus. Eu não quero ser imortal. — Helen
sentiu as lágrimas pinicarem em seus olhos. — Eu estou com medo do
para sempre.
Orion se afastou de Cassandra como se ela não estivesse lá e
abraçou Helen.
— Ok, sim. Isso me aterroriza, também — Orion disse, segurando-a
com cuidado para que ele não a esmagasse contra sua armadura.
Helen abriu os olhos quando Orion segurou-a e viu Cassandra
olhando para eles, seus olhos azuis arregalados e vidrados com mágoa.
Helen se afastou de Orion e colocou alguma distância entre eles. Como
Orion poderia ser tão insensível com Cassandra?
Será que ele simplesmente não gostava dela? Helen sabia que isso
não era verdade. Ele realmente gostava da sua “gatinha” — ele
simplesmente não a via como uma mulher. Sim, ela era um pouco jovem
para ele no momento, mas ainda havia algo estranho sobre como ele não
conseguia ver dentro dela do jeito que ele podia com outras pessoas.
Como as Moiras não podiam ver através dele, ela pensou. Eneias era um
filho de Afrodite, mas ele nunca suspeitou que Cassandra de Troia o
amava, também.
Helen percebeu que as Moiras deviam esconder Cassandra de Orion
da mesma forma que Nêmesis escondeu Orion das Moiras.
— Por que você tem de se tornar imortal, em primeiro lugar? — ele
perguntou, interrompendo a linha de pensamento de Helen e trazendo-a
de volta para a situação mais premente.
— Para fazer ser minha luta. Como deveria ter sido desde o início —
Helen murmurou, esfregando as palmas das mãos contra o seu jeans
nervosamente.
Eles ouviram barulhos fora da tenda — o som de seu exército
recuando. Helen ouviu Descendentes da Casa de Roma, dizendo: — Ele
está morto! Tantalus está morto! Os deuses não têm mais campeões!
Mas Helen sabia que os deuses não seriam abatidos tão facilmente.
Eles desencadeariam cada tempestade, cada terremoto e cada onda à sua
disposição antes de permitirem Helen ir embora com uma vitória.
— Quem o matou? — Orion gritou feliz, caminhando até a entrada
da tenda.
— Minha mãe — Helen respondeu atrás dele. Ela correu e agarrou-
o pelos ombros antes que ele pudesse se juntar a seus homens na
celebração. — Orion. Não deixe Poseidon destruir esta ilha. Lute contra
seus terremotos e lute contra as ondas da maré. Você é forte o suficiente
para detê-lo assim?
— Eu vou tentar — disse Orion, com o rosto empalidecendo. — É
nesta direção que esta guerra está indo?
— Sim — Cassandra entoou. Helen estremeceu ao som, como se
alguém tivesse derramado água gelada em suas costas.
Orion e Helen viraram-se para olhar para o Oráculo. O ar ao redor
dela brilhou com cor, e seu corpo se ricocheteou como se estivesse sendo
perfurado a partir do interior, mas seu rosto e voz permaneceram sendo
dela mesma enquanto ela lutava contra as Moiras.
— Os Doze imortais não podem lutar com mortais em combate
aberto. Tirano, eles vão desencadear as suas armas mais obscuras para
lutar com você até você encontrar Zeus na batalha de igual para igual.
Não demorem. Um de vocês deve ir para o Tártaro e completar o ciclo.
— Veremos — Helen disse, desafiadoramente.
O frágil corpo de Cassandra sacudiu como se estivesse sendo
eletrocutado. Seu rosto enrugou e seus olhos giraram ao redor com
cataratas quando a mais terrível das três Moiras, Átropos — ela quem
corta o fio da vida — surgiu e possuiu Cassandra.
— O véu de Nêmesis nem sempre funciona para aquele já cego —
disse Átropos, enfiando o dedo no olho de Cassandra.
— Orion! — Helen gritou, e ele correu para Cassandra para parar a
profecia violenta que estava tentando quebrá-la de dentro para fora. Mas
a velha dançou para longe dele no corpo de Cassandra.
— Você não vai roubar o nosso receptáculo de novo, bonitão —
Átropos gargalhou. Ela fez os quadris de Cassandra balançarem
sugestivamente, provocando Orion. — Poseidon está elevando seus
animais de estimação mais obscuros do fundo do oceano. O Kraken irá
matá-lo desta vez!
Orion passou os braços em torno de Cassandra, e ela desmaiou
quando as Moiras foram finalmente expulsas. Ele a pegou tão facilmente
como se fosse uma boneca e levou-a para uma cadeira para que ele
pudesse se sentar e segurá-la no colo.
— Kitty? — ele disse gentilmente, tocando seu rosto. Ela não
respondeu. — Vamos, agora, acorde. — Ele sacudiu-a, o medo deixando-
o com raiva. — Cassandra! — ele ordenou, mas ela nem sequer
pestanejou.
Helen viu algo alargando dentro de Orion, e antes que ele pudesse
arrancar a emoção para longe, ela reconheceu. Era um flash brilhante de
amor.
Gritos e gritos de pânico começaram a soar dos soldados no campo
de batalha. Lucas, Hector e Castor entraram na tenda em uma corrida,
os rostos totalmente em branco e encarando.
— O que está acontecendo? — perguntou Helen, temendo o pior,
mas os homens ainda estavam atordoados demais para falar.
Do lado de fora da parte de trás da tenda, no lado interior, Helen
ouviu a voz de sereia de Andy comandando soldados para se manterem
alinhados. Um momento depois, Andy abaixou sob a aba na parte de trás
e fez uma dança enojada como se sua pele estivesse rastejando.
— Há coisas saindo da água! — Andy gritou, cheia de histeria. —
Homens-peixe esquisitos, mulheres-caranguejo e... — ela parou e mexeu
os dedos, um olhar de horror em seu rosto. — Eles são todos pegajosos!
Eu sou uma metade sereia. Eu vi a maioria dos bichos rastejantes no
fundo do mar, mas essas coisas são nojentas!
O surto de Andy acordou Jason e ele cambaleou até o grupo, com o
rosto tão esticado que estava quase esquelético. Ele apontou para
Cassandra esparramada no colo de Orion.
— O que aconteceu? — ele resmungou.
— Profecia — Orion respondeu. — Ela não vai acordar.
— O que ela disse? — perguntou Lucas.
— Que eu tenho que fazer alguma coisa, porque se não fizer os
deuses irão... e eu não posso acreditar que estou dizendo isso... soltar o
Kraken. — Helen ainda não conseguia compreender isso. — O Kraken é
mesmo grego? — ela falou rápido e desarticulado.
Castor foi o que reagiu primeiro, e correu para pegar todas as suas
armaduras. — Meninos! — ele disse asperamente. — Ajudem-se com as
suas armaduras. Rápido!
Helen ficou imóvel enquanto todos eles tiravam a roupa e, em
seguida, começaram a amarrar um ao outro em suas armaduras. Ela
podia ouvir seu coração batendo em seus ouvidos. Como ela podia ver
todas essas pessoas que ela amava morrerem?
— Todos vocês gostariam de ver Everyland? — ela gritou, com a voz
trêmula. Todo mundo parou, espantados com a oferta aparentemente
insana de Helen.
— Helen? — disse Lucas, sua voz mortalmente séria. — Você está
pensando em tornar todos imortais?
— Não — ela respondeu. — Se eu tornar todos imortais, e eu perder
para Zeus, ele não terá escolha a não ser colocar todos vocês no Tártaro
durante toda a eternidade. Não há outra maneira de se livrar de um
imortal completo. Eu não posso fazer isso com vocês. — Helen estava
ofegante. Ela não conseguia respirar. Quando ela falou em seguida, sua
voz estava tão alta que rangia. — Mas vocês gostariam de estar em maior
parte imortais, como Lucas?
Um som ensurdecedor ressoou pelo céu e sacudiu o chão. Caindo
de joelhos, Helen sentiu Lucas lançar-se sobre ela, cobrindo as orelhas.
Gritos de pânico foram abafados pelo único urro sobrenatural que Helen
sabia que só podia significar uma coisa.
O Kraken estava vindo.
CAPÍTULO 17
Traduzido por I&E BookStore

H elen sentiu Lucas puxando-a de pé e, em seguida, eles correram


para a frente da tenda com Orion e Hector para olhar para fora
para a cena apocalíptica que se desenrolava na frente deles.
O sol e o céu foram apagados por uma enorme cúpula que surgia
acima da água. Uma coisa longa como uma corda, com a largura de um
quarteirão da cidade, disparou para o ar e depois desabou em frente à
praia, esmagando mortais, Descendentes e Myrmidons
indiscriminadamente. O Kraken era tão grande que a ponta de seu
tentáculo atingia todo o caminho desde o fundo do oceano e ao largo de
onde a cabeça da lula gigante irrompia da superfície, cruzava léguas de
água e terminava dentro do campo de Helen. Tinha uma cor vermelha de
raiva, era estriado com veias grossas como troncos de árvore e coberto de
ventosas.
Soldados eram cortados pelo tentáculo do Kraken uma vez que ele
deslizava por eles, tentando cortá-lo. Em retaliação, o tentáculo agarrou
um dos seus agressores, se envolvendo em torno dele como uma cobra e
o apertando. Lucas puxou Helen de volta para a tenda enquanto o
soldado tinha uma morte horrível. Mesmo que ela não tivesse que
assistir, ela ainda podia ouvi-lo gritar.
Helen se virou para ver olhares estupefatos e horrorizados em cada
rosto. Eles não tinham ideia de como lidar com algo tão enorme. Ela olhou
para as formas inconscientes de Claire e Cassandra. Voltando-se para
todos os outros, ela viu um consenso sendo construído.
— Quem está comigo? — perguntou Helen.
Hector olhou para Andy, suas emoções nuas de uma maneira que
nunca eram com mais ninguém. — Só se você vir também — ele disse.
— Ok — ela sussurrou, e pegou a mão dele. Ele a pegou e a puxou
contra seu lado, acenando para Helen para avisá-la que eles estavam.
— E quanto a Claire? — Jason perguntou ansiosamente.
— Leve-a — disse Helen. — Orion. Leve Cassandra. — Orion
estreitou os olhos em interrogação. Ele olhou para baixo para o coração
de Helen, o leu, e um olhar perturbado vincou sua testa. — Confie em
mim — ela disse a ele.
— Castor? — perguntou Helen, voltando-se para ele.
— Sinto muito, Helen. Eu sonhei com Atlântida toda a minha vida.
Mas eu não posso ir com você — Castor disse com tristeza. — Não sem
Noel.
— Pai — Lucas começou a discutir, mas Castor levantou a mão para
detê-lo.
— Eu vivi tempo suficiente para saber que eu não quero viver muito
além do tempo estipulado para mim, de qualquer maneira — ele disse
balançando a cabeça com firmeza. — Isso não significa que eu estou fora
da luta. Eu ainda estou do seu lado, Helen.
— Se você não vier com a gente você não pode lutar — Lucas insistiu.
— É muito perigoso.
— Não, não é — disse Helen quando um pensamento lhe ocorreu.
Ela soltou o colar de coração que ela tinha usado desde que era um bebê,
e deu a Castor. — Eu não sei se você é capaz de usar isso ou não.
Castor assentiu e puxou sua adaga. — Pode ser uma relíquia que
apenas as filhas da Casa de Atreu podem usar — ele disse com
conhecimento de causa. Ele entregou a adaga para Helen e mostrou seu
antebraço para ela, encontrando seus olhos sem um pingo de medo. Sem
tempo a perder, Helen passou a lâmina rapidamente através de sua pele.
Ela não o cortou.
— Só não deixe o Kraken capturar você — disse Helen, aliviado que
ela não tinha ferido ele. — O cinturão só irá protegê-lo de armas, não das
forças da natureza.
— Vou me lembrar disso — disse Castor, fixando o fecho atrás do
seu pescoço. Assim que Castor o estava usando, a forma de coração foi
alterada, mas ele rapidamente colocou-o sob a sua armadura antes que
alguém pudesse ver a forma que ele assumiu.
— Obrigado — Castor disse, abraçando Helen firmemente antes de
deixá-la ir. — Agora se apressem.
— Todo mundo junte as mãos — disse Helen. Orion pegou
Cassandra quando Jason levantou Claire.
Todas as pessoas que eles não estavam trazendo com eles passou
pela cabeça de Helen — seu pai, Kate, Ariadne, e sim, até mesmo Matt.
Havia tantas pessoas que eles tiveram de deixar para trás a fim de fazer
isso que ela mal conseguia se forçar a sair. Mas ela sabia que tinha que
fazer isso, ou todos eles morreriam neste dia.
— Volto em um segundo — ela prometeu.
Helen ouviu o Kraken fazer aquele som terrível de novo, e depois
desapareceu.

***
O único som era o vento nas flores silvestres. O sol estava alto e
quente, e as montanhas que margeavam o vale ao noroeste estavam
cobertas com neve. A leste, a linha do horizonte eclética de Everycity
brilhava, parte de vidro e aço moderno e parte cidadela de pedra antiga.
Ao sul, o cheiro do mar acenava.
— Linda — Andy arfou em admiração quando uma borboleta
iridescente passou, apenas a centímetros de seu rosto.
— Definitivamente — Hector murmurou, olhando para Andy e não
para a borboleta.
Os olhos de Cassandra se abriram sonolentos, e ela se abraçou como
um gatinho nos braços de Orion, sorrindo para ele. Orion observou
Cassandra e aquele mesmo olhar perturbado atravessou seu rosto
novamente. Helen podia ver seu coração vacilar entre a ternura e o medo.
— Você se lembra daquela conversa que tivemos sobre mais na praia
naquela noite? — disse Helen para Orion. Ele assentiu. Helen fez um
gesto para Cassandra com o queixo. — Confie em mim, é ela — ela disse
a ele.
Enquanto Orion estava intrigado com isso, Claire inalou
bruscamente quando ela recobrou a consciência, se debateu e,
acidentalmente, bateu no rosto de Jason.
— Obrigado — Jason disse sarcasticamente quando ele a colocou no
chão.
— Desculpa! — Claire timidamente tocou no ponto em seu queixo
onde ela tinha atingido ele. O tom dela murchou, mas manteve a mão em
seu rosto. — Você me perdoa? — ela sussurrou, querendo dizer além do
tapa acidental. Jason balançou a cabeça e puxou-a para um abraço.
— Onde estamos? — Cassandra perguntou grogue quando Orion
colocou-a no chão.
— Everyland — Lucas respondeu, sorrindo para Helen de uma forma
que a fez vibrar. — O mundo de Helen.
Lucas se abaixou e pegou uma única flor selvagem branca do campo,
tirou a carteira do bolso de trás e dobrou-a com segurança dentro dela.
Ele olhou para Helen e sorriu, derretendo-a.
Seus ferimentos foram curados e todos eles foram atualizados.
Todos os seus sentidos foram aumentados, como se um filme chato
tivesse sido eliminado, tornando o mundo em torno deles mais brilhante.
Cada sensação, desde o vento fresco em suas bochechas até o sol quente
em seus braços era como uma torrente de prazer. Enquanto sua família
embebia tudo isso, Helen tomou o momento de silêncio para fazer a
escolha mais difícil de sua vida.
— Helen? — disse Lucas, daquela forma astuciosa dele, como se ele
pudesse sentir algo de errado com ela. — O que você está fazendo?
— Está feito. — Helen sorriu e balançou a cabeça, recusando-se a
dizer a ele. — O tempo não para aqui. Nós temos que voltar para a luta.
— O que está feito? — Claire sussurrou para Jason.
— Ah... — ele começou, e olhou para Helen suplicantemente.
— Eu tornei você praticamente imortal, Risadinha — disse Helen. —
Todos vocês. Vocês só podem morrer quando vocês decidirem que não
querem mais viver.
Claire olhou para Helen, ainda não acreditando nisso totalmente.
— Então não se preocupe em ser morta na batalha, apenas
mantenha a sua cabeça abaixada e fique fora do caminho. Todo mundo
junte as mãos — Helen disse urgentemente. Quando eles juntaram as
mãos, ela olhou para o círculo, o círculo que ela iria levar com ela tão
longe para o futuro quanto poderiam ir, e ela estava grata pela
companhia, mesmo que eles achassem que não podiam ficar com ela para
sempre.
Ela olhou nos olhos de Lucas por último, seus olhos azuis brilhantes
que possuíam uma piscina de força mais profunda do que qualquer
oceano, e pensou sobre o seu juramento de tomar o lugar de Hades algum
dia. Helen sabia que quando chegasse a hora, ela iria para baixo com ele.
O inferno era em qualquer lugar onde Lucas não estava. Eles nunca se
separariam novamente, não importa quanto tempo o para sempre seria.
A menos, é claro, que Zeus vencesse e a mandasse para o Tártaro.
Nessa eternidade, Helen sabia, ela teria de sofrer sozinha.

***
O ar estava espesso com fumaça acre e preta. Assim que Helen e seu
grupo apareceram, corpos pareciam correr para eles de todos os lados.
Um Myrmidon com a pele vermelha e lisa e olhos negros correu até Helen,
sua espada balançando sobre sua cabeça. Quando a lâmina desceu,
Helen a pegou com sua mão nua e arrancou a espada da sua mão. Ela
virou-se, atingindo ele, e o assistiu cair.
Ela olhou para a espada na sua mão, e não tinha ideia do que fazer
com ela, então ela entregou a Jason. Quando em seguida ela olhou para
cima, ela viu que Lucas, Orion, Hector e Jason tinham formado sua
própria linha de defesa com Andy, Claire e Cassandra atrás deles. Elas
podiam ser em maior parte imortais, mas Claire, Cassandra e Andy não
eram Descendentes fortes, e elas eram lutadoras piores do que Helen.
Helen ouviu o grito de gelar o sangue de Cassandra e viu Orion ficar
na frente dela para cortar a cabeça de um dos monstros do mar de
Poseidon. A criatura continuou indo até Cassandra de qualquer maneira,
como se ele não precisasse de sua cabeça, e provavelmente não precisava.
— Profeta! — a criatura sibilou de um dos seus muitos buracos.
Orion balançou sua espada e cortou sua carapaça em duas — cortando
a criatura parecendo uma lagosta ao meio e matando-a, mas era tarde
demais.
Alertados pela presença dela, uma onda de criaturas disformes
começou a deslizar em direção à Cassandra. Como pesadelos sem graça,
eles não eram feitos para a terra, e as suas partes do corpo demasiadas
moles ou muito duras desabavam terrivelmente enquanto eles se
arrastavam em direção à preciosa Oráculo.
— Zeus precisa dela! Apolo anseia por ela! Poseidon exige que a
capturemos para o Olimpo! — eles gargarejavam, esticando seus
membros fedendo a peixe em direção a Cassandra. Ela gritou de terror
quando a maior das criaturas agarrou seu braço com uma de suas
garras, e num piscar de olhos, arrastou-a sob sua concha.
— Não! — Orion berrou, pulando em cima da criatura-caranguejo
que havia aprisionado Cassandra, martelando sua concha blindada com
as próprias mãos.
O Kraken soou novamente, agitando Helen de dentro para fora. O
barulho intolerável fez ela e todos ao seu redor taparem suas orelhas e
cair em seus joelhos. Uma sombra escureceu o céu acima dela. Helen
esticou a cabeça para ver um dos tentáculos do Kraken descer
diretamente sobre ela.
— Pare! — Helen gritou.
O tentáculo do Kraken caiu em cima dela e ela o pegou, tal como
tinha feito segundos antes com a lâmina do Myrmidon. Cada músculo
em seu corpo ficou tenso sob o peso impossível do golpe do Kraken, mas
Helen não cedeu. Em vez disso, ela jogou o membro elástico coberto de
ventosas de lado e lançou-se no ar.
Helen convocou nuvens de tempestade e relâmpagos até a sua
presença. Ela fez o vento uivar ao redor dela. Ela parou as ondas e tornou
o Atlântico em um espelho aguado. Ela torceu o campo magnético da
Terra até a Aurora Boreal se curvar e brilhar ao seu redor como as
pegadas dos anjos.
— Eu desafio Zeus! — ela gritou, sua voz ecoando através de sua
ilha natal e a vasta extensão de oceano além dela. — Enfrente-me ou
perca o Olimpo!
Nada aconteceu. Helen percebeu tardiamente que não tinha oferta
para fornecer a Hécate a fim de tornar o duelo oficial.
O número três apareceu na cabeça de Helen, e por algum motivo ela
pensou em desejos. Ela não tinha ideia se imortais trabalhavam em um
sistema de trocas ou não, mas, naquele momento, Helen não tinha nada
para dar além da sua palavra e nada a perder além do mundo inteiro.
— Titã Hécate. Eu ofereço-lhe três favores em troca de sua guarda
sobre os limites. — Helen mordeu o lábio e tentou não pensar em nada
muito incriminador, caso as Moiras estivessem ouvindo. — Contanto que
você guarde todos os limites. Faça isso por mim, eu lhe peço, e eu vou
fazer o que você ordenar três vezes no futuro.
Fogo laranja surgiu em uma bola gigante em torno de Helen, fazendo
uma arena no ar. Um jovem de peito nu passou pelas chamas e flutuou
na frente dela. Zeus era lindo e cruel e tão parecido com Helen que ela
mal podia ficar olhando para ele.
Eles estavam sozinhos aqui. Ninguém estava olhando além da Titã
Hécate. Esta batalha não era para espetáculo ou para a diversão dos
olimpianos. Toda a Terra, Everyland e o Olimpo estavam por um fio, mas
isso era tão privado que Helen sentiu como se tivesse entrado no quarto
dele.
— Olá, filha — Zeus ronronou.
Ela sentiu a atração. Mesmo sabendo que ela precisava derrotá-lo,
Helen não era imune à presença meio-animal, meio-divina que o rodeava.
E ele era fascinante.
— Como você é poderosa — ele disse, aproximando-se dela. — As
nuvens mudam de cor ao seu comando, mas elas ainda são pálidas em
comparação com a sua beleza. Elas choram de inveja se você
simplesmente as faz chover.
— Eu não sou sua filha — ela respondeu calmamente. — Meu pai é
um lojista. Ele foi o único pai que me criou sozinho. Ele trabalhava doze
horas por dia, seis dias por semana, toda a sua vida, a fim de manter um
teto sobre nossas cabeças. Meu pai dá de dez a zero para você, e
provavelmente de dez a zero para mim, também. Você não pode dizer que
você é meu pai. Você não ganhou esse direito como Jerry.
— Ele está acordado, sabia — Zeus disse de forma improvisada. —
Me dê Everyland, e eu vou deixar Jerry e sua mulher, Kate, em paz.
Depois que eu enviar-lhe para o Tártaro, é claro.
Helen estreitou os olhos para ele. — Você vai deixá-los em paz se eu
lhe der Everyland?
— Juro pelo rio Styx — ele disse, e o céu rolou ao redor deles como
um lençol em um varal, ondulando ao vento. — Não tenho nenhum
interesse em punir os mortais que não me ofenderam. Eu nunca tive.
Helen sabia que isso era verdade. Zeus nunca teve ressentimentos
contra os mortais. Era sua esposa, Hera, que tinha.
— E quanto a minha família quase imortal? — perguntou Helen. —
Lucas, Hector, Orion, Cassandra, Jason, Claire, Andy... você vai deixá-
los em paz, também?
— Sim, sim. Eles também — Zeus disse com um aceno entediado de
sua mão. — Por que não? Eles não vão querer enfrentar a eternidade sem
você, de qualquer maneira. Alguns séculos e eles vão optar por uma
morte pacífica.
— Sim — Helen disse recatadamente. Ela olhou para ele através de
seus cílios. — Mas você não vai amaldiçoar nenhum deles, ou Ariadne,
de qualquer maneira, contanto que eu dê Everyland a você?
— Pelo rio Styx — ele jurou, e estendeu a mão para tocar seu rosto
com a mão. — Tão preocupada com aqueles que você ama. Mas você
entende que você enfrentará uma eternidade no Tártaro, não é?
— Eu já estive lá — Helen disse com firmeza. — Eu acho que passar
a eternidade preso em qualquer lugar, mesmo no paraíso, é o mesmo que
o inferno depois de muito tempo. Em mil anos, eu aposto que mesmo um
campo de flores silvestres começa a parecer como um pântano
apodrecido.
— Como você está certa — Zeus murmurou sombriamente. Seus
olhos mudaram estranhamente, descontroladamente, quase como se ele
tivesse perdido o controle sobre o aqui e o agora. — E tanto tempo de
sobra.
— E o que acontece com o resto do Olimpo? Será que eles vão retaliar
contra os meus amigos e família com maldições se eu fizer esse acordo?
— Helen perguntou inocentemente.
— Juro pelo rio Styx que os olimpianos não vão amaldiçoar seu
grupinho — disse Zeus.
Helen fingiu pensar sobre isso. Ela mordeu o lábio e torceu as mãos.
Por fim, ela concordou rapidamente em assentimento, como se para tirar
isso do caminho.
— Hécate não permitirá que você cumpra esse acordo uma vez que
você concorde com ele — Zeus lembrou-lhe timidamente, apontando para
o espaço sagrado em torno deles, esculpido em pleno ar no fogo laranja.
— Eu sei — disse Helen, realmente triste por um momento que ela
tinha que desistir de seu mundo. Ela podia senti-lo dentro dela. Cada
lago, cada árvore e cada painel de vidro em sua cidade arrebatadora era
uma parte dela — uma parte dela que ela teria que abandonar para
sempre para o seu inimigo para salvar sua família. Sua voz falhou com
verdadeira dor quando ela falou. — Vou te dar Everyland.
— Jure perante Hécate.
— Juro perante Hécate que lhe dou Everyland em troca da
segurança dos meus amigos e família.
Zeus sorriu para ela, um raio piscando através de seu rosto. —
Afrodite me disse que você faria qualquer coisa para proteger as pessoas
que você ama. Ela disse que era a qualidade que ela mais adorava em
você. Isso certamente irá salvar muitas vidas. Por agora.
Helen baixou o olhar, então ele não veria a ânsia e o pesar em guerra
um com o outro em seus olhos. — Então, como isso funciona? Nós vamos
para Everyland primeiro?
— Sim. Quando chegarmos lá, você simplesmente criará uma nova
regra para que Everyland responda apenas a mim — Zeus disse,
colocando seu cabelo atrás da orelha, quase como se ele se importasse
com ela. — E então eu vou levá-la para o Tártaro.

***
Lucas viu Helen lançar os tentáculos do Kraken para o lado e lançar-
se no ar. Ele estava prestes a segui-la por puro hábito, mas ele viu Orion
no topo de um monstro caranguejo gigante, gritando o nome de
Cassandra. A irmã mais nova de Lucas era quase imortal, mas isso não
significava que ela não poderia ser capturada pelos olimpianos e usada
como seu Oráculo até que ela se obrigasse a morrer.
Depois de ver como ela lidou com o Kraken, Lucas confiava que
Helen poderia cuidar de si mesma e correu para ajudar Orion a pegar sua
irmã de volta. O monstro era enorme, e tinha espinhos projetados de seus
lados e um longo membro parecendo uma espada como uma cauda que
era utilizado para cortar qualquer um que chegasse perto. Evitando a
cauda afiada, Lucas correu para a frente, se agachou e tentou girá-lo,
apenas para descobrir uma dúzia de pernas peludas que terminavam em
tenazes sob a parte de cima de sua carapaça superior, estendendo-se
para ele. Ele ouviu sua irmã gritando em algum lugar de lá com todas
aquelas pernas.
— Luke, segure-o para que ele não possa chegar à água! — Orion
gritou, e deslizou para o lado da carapaça.
Lucas segurou o monstro no lugar enquanto Orion começava a
cortar seu caminho através da floresta de membros. Ambos podiam ouvir
Cassandra gritar o nome de Orion freneticamente e, finalmente, eles
viram seu rosto branco e sua mão pequena estendendo-se para fora dos
pêlos sufocantes e garras. Orion puxou Cassandra, enquanto Lucas
girava o monstro de costas.
— Como se mata ele? — perguntou Lucas, subindo nele e cortando-
o na barriga sem nenhuma ideia de onde apontar.
— Eu não sei — respondeu Orion, pasmo.
— Você é o cara deus do mar! — Lucas gritou.
— Ele não tem um coração central ou um cérebro! — Orion gritou
de volta. — Talvez tentar queimá-lo?
— Filho de uma... — Lucas xingou, e pulou da criatura lutando.
Lucas queria acabar com sua miséria, mas ele não sabia como. Ele se
arrastou para longe e voltou sua atenção para sua irmã mais nova.
— Orion! — Cassandra soluçou contra seu peito.
— Está tudo bem, Kitty — Orion disse suavemente, passando as
mãos sobre ela para ter certeza que nada foi quebrado ou estava
sangrando.
Cassandra se acalmou, e ele verificou cada membro e todas as
articulações em seu corpo. Em seguida, ela estendeu a mão para colocar
os dedos em seu cabelo espesso e virou a boca até a dele como uma flor
tímida se abrindo pela primeira vez. Atordoado, Orion baixou os lábios e
beijou-a.
O pé de Lucas bateu no lado da cabeça de Orion antes de Lucas
sequer estar ciente de que ele estava com raiva.
— Ela é apenas uma criança! — Lucas rosnou, saltando em cima do
corpo estendido de Orion e batendo nele tão forte e tão rápido quanto
podia.
— Eu não sou! — Cassandra gritou.
Lucas estava vagamente consciente de que Cassandra estava
arranhando seu rosto e tentando afastá-lo de Orion. Ela repetia que ela
o amava, mas não importava muito para Lucas. Sua irmã mais nova era
realmente como uma gatinha. Suas unhas furavam, mas elas não tinham
força para ferir.
— Eu sei! — Orion gritou. — Eu não deveria ter... me desculpe!
Orion estava segurando seus braços para proteger a si mesmo, e
Lucas notou que ele não estava nem mesmo tentando lutar de volta.
— É melhor você me matar agora, Lucas, porque eu não vou ficar
longe dela. Eu não posso. — A voz de Orion estava rompendo com a
emoção.
— O que diabos vocês dois idiotas estão fazendo? — Hector gritou,
puxando Lucas de cima de Orion.
Antes que Lucas tivesse a chance de dizer a Hector o que Orion tinha
feito, a voz de Helen ressoou através da ilha emitindo um desafio para
Zeus. Lucas percebeu que como uma completa imortal, ela poderia
encontrá-lo em um combate, e nenhum de seus campeões parcialmente
mortais poderia intervir para detê-lo, nem mesmo ele. Menina inteligente,
Lucas pensou. Eu poderia estrangulá-la agora mesmo.
Todos olharam para cima e viram as nuvens relampejarem com
relâmpagos. As ondas se acalmaram como se o tempo tivesse parado e a
aurora boreal apareceu, enviando cores neon sinistras dançando através
do céu.
A batalha caótica na praia parou por um momento, enquanto
homens e animais esticavam a cabeça para assistir ao espetáculo
impossível.
Trovões soaram. Um fogo laranja irrompeu no ar quando Hécate
definiu o campo de batalha no céu. Lucas pensou em voar até Helen.
— Ela pode lidar com isso, Luke — Hector disse urgentemente. —
Preciso de você aqui.
Os Myrmidons usaram aquele momento em particular para se
reagruparem em seu grupo estrito, com escudos na frente e em cima,
lanças apontadas como um porco-espinho. Como uma unidade completa
de novo, eles avançaram como uma máquina de guerra antiga.
— Formar a linha! — Hector ordenou, segurando sua espada
sangrenta no alto.
Lucas, Orion e Jason pularam como se um chip em suas cabeças os
tivesse feito responder automaticamente ao seu general. Eles se
espalharam em toda a linha de frente, cada um deles tendo um batalhão
para conduzir, e sua infantaria formou fileiras atrás deles.
Os Myrmidons avançaram.

***
Helen e Zeus apareceram no meio do campo de flores silvestres. Zeus
olhou em volta, observando as montanhas roxas e as metrópoles meio-
modernas, meio antigas, que funcionavam como um contrapeso à
distância através da pastagem alpina. Ele olhou para cada flor, cada erro,
cada rajada de vento, medindo todos eles.
— Muito bem — ele disse, aprovando. — Vivo em cada detalhe.
Hades lhe ensinou muito sobre a vida, fazendo você se cansar daquela
vista infernal e estéril dele, não foi?
— Ele ensinou. Por mais difícil que fosse, eu o amo pelo treinamento
que ele me deu. Eu posso ver mais claramente por causa disso.
Zeus respirou o ar, deixando a cabeça cair para o lado de prazer,
apreciando todas as nuances do mundo de Helen, como um gourmet faria
com um bom vinho. — Você aprendeu bem. Você é realmente talentosa,
doce menina. Pena que você não pode fazer mais com Everyland. Ainda
está inacabado.
— Não, não está. Ele serviu ao seu objetivo — Helen disse
calmamente. — E eu dou a você sem reserva. Você é o único governante
de Everyland.
Zeus testou o comando de Helen fazendo uma flor branca se tornar
vermelha e depois branca novamente com um pensamento.
— Obrigado — ele disse, sorrindo para ela. Ele estendeu a mão
galantemente. — Vamos para o Tártaro?
Helen olhou para a mão oferecida e balançou a cabeça lentamente.
— Esse não foi realmente o trato, como você vai se lembrar — ela disse.
— Eu concordei em dar-lhe Everyland em troca da segurança da minha
família. Eu nunca concordei em ir para o Tártaro.
Zeus suspirou como se ele lamentasse a decisão de Helen. — Eu
realmente queria evitar uma luta. Você sabe que eu vou ter que destruí-
la se você fizer isso — ele disse relutantemente.
— Como? — perguntou Helen, afastando-se dele. — Eu lhe dei
Everyland... meu presente para você... mas eu não lhe dei suas fronteiras.
Eu as guardei para mim.
Zeus olhou em volta em pânico. Helen sabia que ele estava tentando
abrir um portal e sair. Ela podia sentir isso, mas ele não podia. E
enquanto Helen existisse e mantivesse a posse das fronteiras, ele nunca
seria capaz de sair.
— Bem-vindo ao meu cavalo de Troia — ela disse com um sorriso
tenso. — Aprecie. Você vai ficar preso dentro dele pela eternidade.
Helen viu o rosto de Zeus congelar com horror, e então ela o deixou,
trancado em sua prisão celestial para sempre.

***
Helen apareceu no campo de batalha e olhou ao redor
freneticamente. Uma parte dela esperava encontrar Zeus em pé bem
atrás dela, rindo de sua tentativa insana de prendê-lo, mas ele não
estava. Ela se concentrou e pôde senti-lo em Everyland, gritando para o
céu azul bonito. Ele realmente estava preso. Helen permitiu-se um riso
meio enlouquecido antes dela começar a correr.
Helen observou o terreno irregular, tentando espiar pela confusão
de fumaça, gritos e os combatentes que corriam de um lado para o outro.
O Kraken ainda estava andando pela praia com seus tentáculos, matando
indiscriminadamente. Combatentes de ambos os lados se moviam sobre
as dunas na sua tentativa desesperada de fugir dele.
Ela cambaleou para frente, seus pés tropeçando em algo e enviando-
a ao chão. Quando ela olhou para trás, viu que ela tropeçou em um
Myrmidon morto. Algo se moveu debaixo dela, e ela percebeu que tinha
caído em outro Myrmidon. Este estava quase morto, mas ele ainda a
reconheceu.
— Tirano — ele sussurrou, apertando seus pulsos.
Helen se soltou e saiu de cima dele. Ela olhou em volta e viu dezenas
de corpos — de Descendentes, Myrmidons e monstros estranhos do mar
— todos mortos e enredados após o que deve ter sido um grande
confronto. Ela subiu de pé e correu para a tenda. Felizmente, ela
encontrou sua família lá enquanto ela esperava.
Havia várias dezenas de soldados restantes, reunidos em torno da
mesa do mapa, que tinham colocado do lado de fora na frente da tenda
para que eles tivessem espaço para se reunir em torno dela.
Lucas viu Helen primeiro e correu para ela.
— O que aconteceu? — ele perguntou, segurando-a com força contra
seu peito. — Nós ouvimos você desafiar Zeus.
Helen se afastou e olhou Lucas nos olhos. — Eu o venci — ela disse,
nem ela mesma acreditando totalmente nisso ainda. Os outros
Descendentes agruparam em torno dela, fazendo sons chocados. — Eu o
enganei e prendi em Everyland. Enquanto eu existir, ele nunca sairá. E
quanto aos Myrmidons? — ela perguntou.
— Achamos que há apenas três deles sobrando — Castor disse
sombriamente. — Telamon os fez recuar. Eles estão acabados... por hoje,
pelo menos.
— Nós ainda temos o Kraken para lidar — Hector lembrou a ela, seu
rosto sombrio.
Helen balançou a cabeça e virou-se para Orion. — É Poseidon quem
controla o Kraken? — ela perguntou.
— Mais ou menos — Orion respondeu. — Ele pode libertá-lo e
chamá-lo de volta, mas uma vez que ele está livre, ele na maior parte faz
o que ele quiser. — Ele apontou para a carnificina descuidada em torno
deles.
— Tudo bem — disse Helen, com um aceno de cabeça afiado. — Eu
acho que Poseidon é o próximo.
— Helen? Tem certeza que isso é o mais sensato... — Jason
começou, mas Helen não o deixou terminar.
— Desafio! Eu desafio Poseidon! — ela gritou, em algum lugar na
direção do oceano. Nada aconteceu. — Droga! — Helen xingou, virando-
se para o grupo. — Alguém tem uma abóbora?
Cassandra foi para uma das fogueiras e puxou uma panela do fogo.
Ela despejou o líquido rapidamente e voltou para Helen, colocando a
panela sobre a areia na frente dela. Helen olhou para a panela com
ceticismo.
— Caldeirão — Cassandra disse com um encolher de ombros, como
se fosse autoexplicativo. A panela desapareceu, e um fogo laranja entrou
em erupção em um círculo quando Hécate aceitou a oferta.
Poseidon apareceu acima da praia, ladeado por todos os lados por
seus colegas olimpianos. Ele parou do lado de fora do anel de fogo, mas
não entrou. Hermes estava ao seu lado, falando com ele urgentemente.
— Ela fez o quê? — Poseidon observou, sua surpresa fazendo-o soar
alto o suficiente para Helen ouvir. Ele olhou para Atenas, e ela acenou
uma vez para confirmar o que Hades tinha dito a ela.
— Ela derrotou Zeus — Atenas anunciou. Helen podia jurar que viu
um pequeno sorriso inclinar-se nas bordas da linda boca de Afrodite
antes que ela a deixasse em linha reta novamente.
— Poseidon. Eu estou te desafiando. Entre no ringue — Helen
ordenou, tentando ignorar o fato de que ele parecia exatamente com
Lucas.
— E por que eu faria isso? — Poseidon respondeu com um sorriso
de escárnio. — Então você pode me enviar direto para o Tártaro? Eu não
sou nenhum Criador de Mundos. Eu não posso controlar os portais como
você.
— Está certo. Eu posso controlar os portais, e nenhum de vocês
pode. É melhor vocês se lembrarem disso — Helen gritou de volta, sua
raiva subindo até suas bochechas ficarem quentes e seus dedos
faiscarem nas pontas, como se suas mãos estivessem derramando
estrelas na areia. — E se qualquer um de vocês sequer respirar perto de
um mortal, eu juro que vou lhe caçar e enviá-lo para o Tártaro. Agora,
entre no ringue, Poseidon. Ou perca essa luta, pegue todos os seus
monstros fedorentos e vá para bem longe da minha família.
Poseidon deu um passo adiante e olhou para Helen através do ringue
enquanto Atenas sussurrava freneticamente em seu ouvido. Finalmente,
ele se assentou, mas Helen viu um ressentimento crescente em seus
olhos.
— Eu perdi! — Poseidon rosnou. Helen sentiu os joelhos tremerem
com alívio, mas ela não podia relaxar ainda.
— Mais alguém? — ela disse, olhando cada olímpico no rosto. —
Alguém mais quer lutar comigo? — Todos eles desviaram seus olhares.
— Ótimo! Agora tirem daqui essa lula gigante e podre ou eu vou enviar
ele... e um de vocês... para o Tártaro por princípio.
Helen lançou um longo olhar extra para Apolo, apenas para que ele
soubesse quem iria se juntar ao Kraken no Tártaro se chegasse a isso.
Os olhos de Poseidon perfuraram os dela do outro lado do ringue.
Seu peito nu inchou com respirações enraivecidas. Helen encontrou seu
olhar e não vacilou. Ela tinha todas as cartas. Ele não poderia nem
mesmo amaldiçoá-la, e de alguma forma, ele parecia saber disso. Depois
de alguns momentos tensos, ele levantou a mão, concentrado, e o Kraken
começou a recuar. Trombetas estranhas soaram, e o resto de seu exército
de criaturas do mar recuaram, deslizando ou correndo para a água.
— A eternidade é muito tempo, Helen — Poseidon avisou enquanto
seu exército recuava. Ele estreitou os olhos para ela. — Nós a veremos
novamente.
— E nós vamos estar de olho em vocês — Helen alertou, apontando
para seu grupo de Descendentes. A menos que Helen colocasse todos os
deuses no Tártaro, ela não poderia impedi-los de vagar pela Terra. Tudo
o que ela e sua família podia fazer era garantir que os olimpianos não
ferissem ninguém. Ela compartilhou um olhar com Hector e viu sua
preocupação espelhada lá. Os Descendentes podiam ter ganho a guerra,
mas isso não significava que a ameaça tinha desaparecido.
Poseidon virou-se e caminhou até as ondas, desaparecendo abaixo
delas. Quando o resto dos olimpianos dispersaram, alguns com
aparência de amargura, outros com respeito, Afrodite veio para a frente
e pegou as duas mãos de Helen nas dela.
— Irmã — ela disse, beijando Helen na bochecha como se tivessem
acabado de se encontrar para o almoço. Helen riu, sacudindo a cabeça.
Afrodite sempre odiou guerras e tendia a ignorar que elas estavam
acontecendo por completo. — Venha me visitar em breve. Você e Lucas.
Vou deixar que vocês saibam onde eu estou, mas estou pensando em
Chipre no inverno.
— Veremos você em breve — Helen prometeu, rindo e balançando a
cabeça.
Mesmo que Afrodite tivesse causado a Helen tantos problemas
quanto Zeus, não havia nenhuma maneira de ela poder ficar chateada
com ela por muito tempo. Como Claire, não importava o que Afrodite
fizesse, Helen sabia que ela acabaria por perdoá-la em cerca de cinco
segundos. Irmãs eram chatas dessa forma.
Afrodite deu um passo para trás e acariciou o rosto de Helen. — Que
belo rosto — ela murmurou, antes de voar em um halo de luz dourada.
Helen virou-se para olhar para a multidão reunida atrás dela e viu
seu pai pela primeira vez. Jerry estava apoiado entre Kate e Noel. Ele
parecia pálido e magro, mas ele conseguiu levantar-se principalmente por
si mesmo.
— Pai! — disse Helen, surpresa.
— Ei, Len — ele disse. Ele deu-lhe um aceno fraco, parecendo
estranho e incerto — e com um pouco de medo dela.
— Você vai ficar todo estranho comigo agora? — ela perguntou,
temendo isso.
— Não — ele respondeu um pouco rápido demais.
— É melhor não — ela disse, dando-lhe um abraço. Demorou um
segundo antes de ele relaxar e abraçá-la de volta, mas quando o fez, ela
sabia que as coisas iriam se resolver entre os dois, depois de algum
tempo.
Depois que ela e seu pai se separaram, houve um borrão de
parabéns e abraços de todos — com exceção de Lucas. Ela examinou a
cena ao seu redor, procurando por ele.
Helen viu Hector ordenando as pessoas a ficarem ocupadas,
direcionando-os para desmontar o acampamento e levar os mortais
atordoados para longe da multidão de corpos estranhos na praia antes
que acordassem da influência de Hipnos. Ela viu Pallas e Dédalo
tentando explicar-se a Castor, que os ouviu em um silêncio sepulcral. Ela
viu Jason e Ariadne correndo para ajudar o maior número de feridos mais
graves que podiam. Ela até mesmo viu Orion e Cassandra. Eles tinham
se separado do grupo e estavam falando coisas bobas um para o outro.
Mas nada de Lucas.
Helen girou ao redor em um círculo, o coração afundando enquanto
procurava por ele. Ela encontrou-o a alguns passos atrás dela, esperando
pacientemente que ela o encontrasse lá.
— É a minha vez? — ele perguntou com um pequeno sorriso. Helen
balançou a cabeça, pensando como era estranho que ele e Poseidon
parecessem exatamente iguais, mas Poseidon fazia sua pele arrepiar,
enquanto Lucas a fazia formigar.
— Eu acho que é a nossa vez — ela disse, caminhando para seus
braços.
— Finalmente — ele respirou, e beijou-a, sem culpa ou vergonha ou
qualquer preocupação sobre o que isso significava para o futuro. Ele
beijou-a lá fora abertamente, na frente de todos, e pela primeira vez não
havia nada a esconder e não havia razão para qualquer um deles parar.
Era como se eles estivessem se beijando pela primeira vez.
EPÍLOGO
Traduzido por I&E BookStore

O s Patriots ganharam, então o pai de Helen estava de ótimo humor


durante toda a noite. Kate fez Lucas e Helen comerem bastante
no jantar, insistindo que já que o Natal era daqui a três dias, não havia
nenhum motivo em tentar comer saudavelmente até depois do Ano Novo,
de qualquer maneira. Kate não tinha oficialmente se mudado ainda, mas
ela estava lá quase todos os dias. Jerry e Kate estavam esperando até
depois do casamento em maio para viver oficialmente juntos. Para Helen,
era o domingo à noite perfeito “jantando com o namorado” que ela pensou
que nunca teria. Eles ainda argumentaram um pouco sobre política.
Eles ficaram acordados até tarde, apenas conversando. Helen e
Lucas não tinham escola de manhã — não porque a escola ainda estava
passando por uma grande reconstrução (o que estava), mas porque eles
estavam em férias de inverno. Apesar do fato de a escola secundária ter
sido metade derrubada, os estudantes tinham continuado a ter as suas
aulas regulares se esquivando dos escombros e vestindo suas jaquetas
nas salas de aula congelando sem perder muitos dias, porque os Whalers
são teimosos assim. O clube de teatro tinha até mesmo começado a
ensaiar Sonho de uma Noite de Verão novamente, embora eles tivessem
que fazê-lo no estacionamento com um frio abaixo de zero e nada de verão
porque o auditório não existia mais. O show tem que continuar. Hergie
teria ficado orgulhoso.
Ainda havia muita confusão sobre o que tinha acontecido. Durante
o mês passado e meio, todos em Nantucket tinham estado ao redor
coçando suas cabeças sobre a “onda” que tinha invadido a praia,
matando doze pessoas infelizes, e ferindo muitas mais, logo após os
motins do Halloween. Esse foi o único tema de conversas na News Store
e na Bolos da Kate. Cada vez que um cliente perguntava a Helen o que
ela se lembrava daquele dia, ela dizia que ela estava muito longe do mar
para ver realmente a onda, e ela estava feliz por isso. Então ela se
apressava para longe para pegar mais café.
Algumas pessoas se lembravam do Kraken, mas eles estavam
lentamente falando que isso eram as chamadas alucinações. Quando
alguém ficava beligerante sobre o que tinha visto, a família Delos se
certificava de que Andy se encontrasse com ele para ter uma pequena
“conversa”. Seus poderes como uma sereia vieram a calhar quando eles
precisavam se certificar de que ninguém entrasse em pânico e contasse
uma história para os repórteres que tinham começado a passear em torno
de Nantucket. Helen tinha encarregado Hipnos de reabilitar os piores
casos — hipnotizando-os para relembrarem da coisa toda como algo
mais. Isso funcionou na maior parte, mas sempre haveria histórias sobre
a lula gigante que tinha atacado a Ilha de Nantucket. Um novo mito tinha
nascido, e Helen se perguntou se era assim que a maioria deles tinha
começado.
Como Hipnos, os outros pequenos deuses estavam ansiosos para
ficarem do lado de Helen. Eles apostaram errado quando eles ficaram do
lado do Olimpo e agora eles estavam fazendo tudo o que ela pedia para
fazer as pazes com ela — começando por limpar a bagunça que a batalha
tinha deixado para trás e ajudando a espalhar a mentira do maremoto.
Helen não poderia dar a essas doze pessoas suas vidas de volta; ela estava
apenas feliz que as vítimas mortais tinham sido tão baixas.
Os Descendentes não tinham tido tanta sorte. Cada casa tinha
sofrido severas perdas, mas principalmente a Casa de Tebas. Castor era
agora o Chefe, e havia muitos adeptos que sussurravam que ele sempre
deveria ter sido, independentemente de qual irmão Delos nasceu
primeiro. Dédalo tinha de alguma forma encontrado um jeito de não ser
derrubado. Ele tinha dado um grande discurso, concordado em
compartilhar a liderança com Orion, e sua casa o havia perdoado. Todas
as Casas iriam se reconstruir, como o faria o exército de criaturas de
Poseidon, infelizmente. Helen sabia que algum dia os Descendentes
teriam que lidar com essa ameaça novamente. Poseidon e os outros
olimpianos não podiam amaldiçoar seus amigos e familiares, mas eles
ainda poderiam encontrar maneiras de trabalhar contra eles. Os
Descendentes teriam que estar sempre prontos para isso.
Assim como Helen teria que estar pronta para pagar as três tarefas
que ela prometeu a Hécate. Helen esperava que a Titã não pedisse para
ela fazer qualquer coisa imoral. Mas mesmo que ela o fizesse, um dia
Hécate cobraria a dívida, e Helen teria que pagar, não importa o que fosse
pedido dela. Sua dívida não preocupava Helen tanto quanto a de Lucas.
Ambos estavam dolorosamente conscientes do fato de que Lucas
ainda podia ser chamado para servir no Mundo Inferior a qualquer
momento. Ele tinha insistido que Helen ficaria na Terra quando ele fosse
para Hades, o que ela achava que era uma ideia ridícula. Era um
argumento em processo, mas Helen tinha certeza que ela ia ganhar. Não
havia nenhuma maneira de ela viver sem ele novamente, e ela sabia que
ele não podia viver sem ela, tampouco. Ela imaginava que em outro século
ou dois, ele desistiria.
Ao contrário dos Myrmidons. Havia apenas três deles sobrando, para
o qual Helen estava grata. Ela sabia que eles iriam caçá-la para sempre,
sempre procurando uma maneira de se livrar dela. Hector observava sua
família como um falcão e se mantinha em alerta por causa dos
Myrmidons. Helen tinha a suspeita de que ele gostava que fosse dessa
forma. Hector era sempre mais feliz quando havia alguém próximo a ele
que precisava de proteção.
A única pessoa que Hector não poderia salvar era Ariadne. Ela ficou
arrasada por causa de Matt e estava começando a se afastar da família.
Helen checava ela todos os dias, mas ela sabia que não havia solução.
Ariadne iria sentir falta dele para sempre. Pelo menos ela e Helen tinham
isso em comum.
As coisas ainda estavam um pouco instáveis entre Lucas e Orion,
apesar do fato de Orion ter feito pouco mais do que segurar a mão de
Cassandra. Helen sabia por experiência que Orion iria esperar o tempo
que ele tivesse para Cassandra estar pronta para algo mais, mas Lucas
ainda estava se mantendo de olho na situação. Helen supunha que um
irmão mais velho era um irmão mais velho, especialmente quando o cara
que está seguindo sua irmãzinha como um cachorrinho era um Adônis
de verdade, como Orion. Eventualmente, Lucas iria aceitar. Cassandra e
Orion eram opostos de muitas maneiras, mas eles obviamente adoravam
um ao outro mais e mais a cada dia que passava. Helen não conseguia
pensar em duas pessoas que mereciam a felicidade mais do que eles.
Exceto, talvez, Daphne.
Helen sabia que sua mãe tinha feito algumas coisas terríveis; a
maioria delas para a própria Helen, mas Helen não sentia raiva quando
pensava em Daphne. Ela sentia tristeza. Ela realmente esperava que
Hades concedesse a Daphne seu desejo e a reunisse com Ajax nos
Campos Elísios. Ela tinha ganho, afinal. No final, a bruxa má da mãe de
Helen acabou por ser uma heroína.
O último na lista de preocupações intermináveis de Helen era Zeus.
Ela ainda podia senti-lo em Everyland quando ela direcionava sua
concentração para ele, o que ela fazia várias vezes ao dia, só para ter
certeza.
Everyland. A perda dele ainda doía bastante, mas só pôr os pés lá
seria impossível para Helen agora. Ela tinha pego Zeus de surpresa
quando ela o enganou, mas ela não tinha ilusões sobre o que aconteceria
se ela tentasse voltar para Everyland. Zeus estaria pronto para ela, e ele
a mandaria para o Tártaro antes que ela desse três passos. Isso não
impedia Helen de sonhar com isso todas as noites. Quando ela fechava
os olhos, Helen podia cheirar as flores silvestres e ouvir o vento.
— Helen — Lucas sussurrou, acordando-a. Sua cabeça estava em
seu colo, e sua mão estava acariciando seus cabelos. — Eu tenho que ir.
Helen sentou-se no sofá e balançou a cabeça, esfregando a testa e
tentando afastar o sonho. Lucas estreitou os olhos, estudando-a.
— Você está bem? — ele perguntou delicadamente. — Foi Everyland
de novo?
— Sempre — ela admitiu, olhando para as mãos.
— Helen! Para cima, agora — seu pai chamou impaciente. — É hora
de Lucas ir para casa.
Helen e Lucas sorriram um para o outro e se levantaram. Ambos
pensaram que era adorável quando Jerry ficava todo superprotetor.
— Eu já volto — Lucas sussurrou em seu ouvido, roçando seus
lábios através da pele sensível de sua mandíbula antes de se afastar
rapidamente.
— Provocação — Helen sussurrou enquanto ele ia para a porta.
— Boa noite, Sr. Hamilton — Lucas falou lá para cima enquanto ele
ia.
— Boa noite, Lucas — Jerry respondeu, irritado.
Cerca de uma hora depois, Helen ouviu uma batida na janela que o
Sr. Tanis tinha finalmente consertado cerca de uma semana antes, e ela
correu para abri-la. Lucas subiu para o quarto silenciosamente,
polvilhado com neve. Helen começou a beijá-lo antes que ele tivesse a
chance de pousar, direcionando seu corpo sem peso para sua cama e
puxando-o para baixo sobre ela.
— Espere um segundo — ele disse com um sorriso caloroso. Lucas
levantou um presente embrulhado e deu a Helen. — Eu não podia esperar
para o Natal.
Ela retirou o papel de embrulho o mais silenciosamente possível,
ambos ouvindo o som de seu pai em alerta, e encontrou uma foto
emoldurada de uma única flor branca. Quando Helen olhou mais de
perto, viu que era na verdade uma flor silvestre seca, prensada e montada
por trás do vidro.
Lágrimas encheram seus olhos instantaneamente. Era a única coisa
de seu mundo que existia neste — a única recordação que ela tinha de
Everyland.
— Obrigada — Helen sussurrou, agarrando o quadro ao peito.
Lucas acenou, enxugando suas lágrimas. Ele tirou o retrato das
mãos dela e colocou-o sobre a mesa ao lado de sua cama antes de se
levantar.
— Onde está sua roupa de banho? — ele perguntou, esfregando as
mãos com entusiasmo.
— P... por quê? — Helen respondeu, confusa. Estava vinte graus lá
fora. E nevando. Helen era imortal, não louca.
— Porque você vai precisar dele quando chegar em Porto Rico. Ainda
vai ficar escuro por mais algumas horas, mas podemos nadar, ver o sol
nascer e estar de volta antes de seu pai acordar.
Helen saltou da cama e correu para sua cômoda. Ela tirou um
pequeno biquíni de bolinhas vermelho e acenou-o no ar como uma
bandeira antes de pegar o casaco e colocá-lo no bolso.
— Viver cada dia como se fosse o nosso último dia na Terra juntos
— ela disse, começando o seu novo lema enquanto ela saltava para fora
da janela.
— Para sempre, se pudermos escapar ilesos — Lucas terminou,
alegremente seguindo-a.

FIM!
Starcrossed Trilogy

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