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Rede de Bibliotecas Escolares

Bibliotecas Escolares – desafios não contexto da escola actual

Comentário ao artigo de Doug Johnson: The Seven Most Critical Challenges That
Face Our Profession

Maria Raquel Medeiros Oliveira Ramos

Janeiro 2011
Comentário ao artigo: The Seven Most Challenges That Face Our Profession de Doug
Johnson

Resumo

“The Seven Most Critical Challenges That Face Our Profession”, escrito por
Doug Johnson, um proeminente especialista Americano na área da gestão e
organização das bibliotecas escolares, foi publicado em 2002 na revista Teacher-
Librarian.
O autor começa por referir que a carreira de professor bibliotecário no seu país
enfrenta hoje, como sempre enfrentou, alguns riscos de sobrevivência relacionados
com medidas políticas pouco favoráveis ao desenvolvimento de programas de
bibliotecas escolares, que incluem cortes substanciais no pessoal, incluindo o pessoal
auxiliar, orçamentos reduzidos, substituição de programas de bibliotecas escolares por
iniciativas relacionadas com as tecnologias, cancelamento de cursos universitários
com formação em biblioteconomia e a opção por programas muito dirigidos para
resultados imediatos através da realização constante de testes.
Afirma o autor, porém, que estes riscos não devem ser vistos como uma
ameaça, antes como desafios que as bibliotecas escolares devem encarar,
fortalecendo o seu campo de acção e afirmando-se nas instituições educativas como
estruturas essenciais ao sucesso das aprendizagens dos alunos.
Apresenta, neste contexto, sete áreas que na sua opinião devem merecer a
atenção dos especialistas da informação no sentido de estes mudarem a sua
actuação. Os desafios estão relacionados com a necessidade de o plano de
intervenção da biblioteca escolar enquadrar dentro das suas estratégias de actuação
acções que vão de encontro aos grandes objectivos do sistema educativo; a
necessidade de mostrar, através de evidências, o impacto do trabalho da biblioteca
junto dos parceiros; a pertinência de os professores bibliotecários serem especialistas
no domínio das tecnologias, ajudando os restantes professores à sua utilização no
contexto educativo; a relevância de pugnar pelo estatuto profissional; o imperativo de
atrair os melhores profissionais da educação para esta área; a necessidade de fazer
valer, através do trabalho realizado nos diferentes domínios, os valores essenciais da
profissão de professor bibliotecário e, finalmente, a vantagem de os profissionais da
informação se manterem ligados a outros, sempre actualizados.
O autor termina o artigo, afirmando que, apesar destes desafios, ele continua
muito optimista em relação à profissão, uma vez que cada vez mais, na sociedade do

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séc. XXI, ela vai ser necessária para contribuir que as pessoas sejam não apenas
“literate” mas sim “information literate”.

Comentário crítico

O artigo, apesar de ter sido escrito há oito anos, reflecte na sua globalidade
preocupações pertinentes relacionadas com os desafios que se impõem aos
especialistas da informação nos contextos educativos, que são as escolas do século
XXI. Num ambiente de mudança constante, em que trabalhar as diferentes literacias (a
digital, a visual, a textual, a tecnológica e a da informação) são imperativos que se
devem colocar às instituições educativas que pretendem preparar cidadãos capazes
de serem bem sucedidos na Sociedade do Conhecimento, existe um conjunto de
acções, de acordo com Doug Johnson, que devem ser privilegiadas pelos professores
bibliotecários.
De entre essas acções destaco a primeira, enumerada pelo autor no artigo,
porque me parece aquela que está mais directamente relacionada com a questão da
mudança de actuação. É, de facto, necessário adaptar os planos de trabalho das
bibliotecas escolares fazendo-os coincidir com os conteúdos programáticos, os
objectivos curriculares dos alunos e as competências gerais. Para que essa adaptação
resulte em planos de trabalho consistentes, consubstanciados em práticas educativas
que promovam o ensino integrado das literacias enunciadas e das competências
definidas para os alunos do século XXI, existe uma série de esforços a serem
conjugados. Em primeiro lugar, é necessário que o professor bibliotecário, o
especialista da informação por excelência tenha uma visão clara do que se pretende
do seu trabalho e que seja capaz, na escola onde trabalha, de partilhar essa visão
com os parceiros de trabalho.
A visão estratégica do trabalho a realizar pela biblioteca escolar deve, de
acordo com Goghlan (1998), ser definida num documento que estabeleça a política da
biblioteca e operacionalizada num plano de desenvolvimento. Segundo a mesma
autora, este plano deve ser estratégico, dando conta do ponto da situação num
determinado momento, do ponto onde se pretende chegar e das acções que é
necessário desenvolver. Torna-se imprescindível, pois, que o professor bibliotecário
desenvolva um trabalho colaborativo com os restantes docentes e com a direcção da
escola. Definir metodologias de trabalho que visem o desenvolvimento das

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competências implica estar consciente do que se pretende e planificar unidades de


trabalho a serem desenvolvidas com o apoio do professor bibliotecário.
Não menos importante é o segundo desafio apontado por Johnson e que tem
cada vez mais pertinência: é necessário mostrar perante a comunidade educativa o
impacto do trabalho realizado pela biblioteca escolar. Segundo o autor, esse trabalho,
como já aqui afirmámos, passa pela articulação com os docentes da escola no que diz
respeito à definição das competências de literacia a desenvolver, pela planificação e
execução de unidades de trabalho que desenvolvam essas competências, pela
avaliação do processo e do impacto dessas acções e pela divulgação junto dos
professores, pais e comunidade dos resultados obtidos.
Tal como refere Ross Todd (2002), será através das evidências que a
biblioteca pode demonstrar que o impacto do trabalho realizado sobre as
aprendizagens dos alunos lhe garante um lugar integral no processo educativo e não
periférico. Essas evidências deverão, de acordo com este autor, ser testemunho de
uma nova forma de abordar as grandes questões relacionadas com as aprendizagens
neste século. Ou seja, mais importante do que basear as evidências na quantidade de
informação que as bibliotecas detêm, é demonstrar, através de acções, qual o impacto
do trabalho realizado na biblioteca escolar no processo de aquisição de conhecimento
dos alunos.
Este lugar da biblioteca escolar é tão ou mais importante quanto o é o papel do
professor bibliotecário que deve ser uma pessoa com formação acrescida no domínio
das tecnologias, enquanto ferramentas que podem ser postas ao serviço da prática
lectiva. De facto, hoje, mais do que nunca, dominar competências associadas à
literacia da informação significa, de acordo com Johnson, saber utilizar as tecnologias
para resolver problemas e ter consciência de quando é que essas mesmas tecnologias
não servem para resolver os problemas. Asselin e Doiron (2008) chamam a este
domínio das tecnologias as novas literacias, ou seja, a capacidade para procurar,
seleccionar criticamente e tratar a informação pertinente em formatos diferentes
daqueles, que não o papel.
Ora, este é um grande desafio que se coloca ao professor bibliotecário, já que
estudos recentes (Asselin e Doiron, 2008) mostram que os alunos não dominam
minimamente estas competências, tornando-se a questão ainda mais séria na medida
em que estas novas literacias não são estáticas, estão, no momento actual, a evoluir
constantemente, tal como o conhecimento. Segundo os autores, também as práticas
de pesquisa da informação nas escolas se baseiam muito mais na procura de

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informação factual do que na verdadeira pesquisa, o que tem implicações naquele que
deve ser o verdadeiro trabalho do professor bibliotecário.
Este precisa, portanto, de desenvolver um trabalho que o torne imprescindível
na escola, o que equivale a dizer que tem de ser um profissional com um estatuto que
o distinga dos demais docentes pela formação acrescida que detém e visão alargada
das metodologias que é necessário desenvolver no sentido de criar uma escola que
coloca o enfoque da sua acção no desenvolvimento da literacia da informação, como
refere Rosenberg. De acordo com Kuhlthau (2007), as metodologias que se baseiam
numa abordagem construtivista da aprendizagem como a pesquisa orientada são as
que, a par de um trabalho articulado com os docentes das diferentes disciplinas,
melhor servem o propósito do desenvolvimento das competências do século XXI.
O estatuto do professor bibliotecário está, portanto, associado ao
reconhecimento que lhe é atribuído pelos parceiros e à capacidade de liderança que
este deve demonstrar, ou seja, como afirma Johnson, à capacidade de demonstrar
“why our skills are vital to schools”. Esta capacidade de liderar significa agir de modo a
mobilizar os outros em prol da mesma visão estratégica, o que implica analisar o
campo de acção, reunir dados, estabelecer objectivos, definir planos de trabalho,
actuar, avaliar e rever (Meyers). No fundo, como corrobora Eisenberg (2002), o
professor bibliotecário precisa de exercer a sua liderança articulando uma visão clara e
uma agenda de trabalho com a direcção da escola e os professores, agindo
estrategicamente e comunicando continuamente.
A capacidade de antecipar problemas e oportunidades, a atitude proactiva, a
flexibilidade, a capacidade de analisar, decidir, implementar e comunicar são de
acordo com Eisenberg, requisitos fundamentais para um profissional que se pretende
“active and engaged!”. Será esta capacidade de liderança, aquilo que faz com que um
professor bibliotecário possa desempenhar um papel crucial na escola enquanto
promotor de um programa que, envolvendo vários agentes, visa o desenvolvimento de
competências relacionadas com a leitura e a literacia da informação, contribuindo
desse modo para a mudança de atitude face ao seu trabalho (Todd, 2001).
Este é, portanto, também um dos grandes desafios que o autor do artigo
apresenta. Johnson acaba por considerar que uma das formas de responder a este
desafio engloba a nossa capacidade de atrair os melhores profissionais para esta
carreira, os quais são imprescindíveis nas escolas do séc. XXI. A este respeito,
permito-me considerar que uma visão política e educativa daquilo que se pretende da
educação poderá ajudar na conquista desses profissionais na medida em que muitos

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dos melhores apenas enveredarão por este caminho se o mesmo for valorizado
socialmente.
O valor social atribuído às funções do professor bibliotecário será, portanto,
alcançado, por um lado, se existir uma visão educativa que valorize o impacto do seu
trabalho e, por outro, se os próprios professores bibliotecários demonstrarem, através
das suas funções, que o seu papel não deve ser subestimado nem confundido com
outros como sejam o de babysitter, o de técnico ou de funcionário.
Essa valorização, segundo Johnson, é conquistada através de um trabalho que
inclui tarefas que os outros profissionais não sabem fazer ou não fazem tão bem,
como seja a utilização correcta das tecnologias, o desenvolvimento de projectos de
literacia da informação, a tónica no uso ético da informação, a defesa da liberdade
intelectual ou a promoção da leitura respeitando os projectos individuais de cada
aluno.
Como referimos anteriormente, este trabalho não é alheio a uma prática
constante de recolha de evidências que comprovem o trabalho desenvolvido, nem a
uma operação de marketing necessária à preservação e consolidação das boas
práticas.
Johnson termina o artigo reafirmando a sua posição optimista face aos desafios
que a profissão enfrenta, considerando, porém que o apoio mútuo de todos os
professores bibliotecários, bem como a actualização constante são imprescindíveis
para que nos possamos considerar “indispensabele to schools” e ter um poder
decisivo especial na mudança que é necessário operar nas escolas e nas práticas
educativas deste novo milénio.

As bibliotecas escolares em Portugal à luz do artigo de Doug Johnson

A leitura deste artigo não permite que me esquive a fazer um paralelismo entre
os desafios apresentados pelo autor e a situação das bibliotecas escolares no nosso
país. De facto, apesar de o artigo já ter quase uma década, o seu conteúdo
encaminha-nos para uma reflexão crítica sobre a recente realidade do professor
bibliotecário entre nós. Os receios enunciados por Johnson e que o mesmo considera
poderem ser oportunidades, encontram também, no nosso pais, uma razão de ser.
A afirmação de Johnson “Sometimes I sense we work very, very hard to climb
one mountain only to find the rest f the school on a completely different peak” ilucida de
forma clara uma das questões mais pertinentes do trabalho do professor bibliotecário.
De facto, verificamos ainda que o trabalho articulado entre este e os restantes

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docentes da escola no que respeita à planificação e execução de unidades de trabalho


que visam o desenvolvimento das competências deste novo século é, de alguma
forma, ainda pouco consistente.
São vários os motivos que, como já referimos anteriormente de um modo geral,
também se aplicam particularmente no nosso país: a falta de práticas de trabalho em
equipa, a fraca liderança de alguns professores bibliotecários, a assunção débil do
verdadeiro papel da biblioteca escolar, o espírito menos proactivo de outros
profissionais são desafios que as bibliotecas têm de enfrentar, mas que podem
simultaneamente ser vistos como oportunidades.
O processo de mudança a que assistimos, neste mundo global, relacionado
com a evolução vertiginosa das tecnologias da informação e do impacto que as
mesmas têm nas nossas vidas exige professores de todas as áreas mais
intervenientes, capazes de integrarem os artefactos tecnológicos nas situações de
aprendizagem que planificam para os seus alunos. Neste panorama o professor
bibliotecário, se for um líder, tiver uma visão estratégica, souber comunicar
continuamente, detiver uma formação acrescida na área da gestão da informação,
estiver interessado numa aprendizagem contínua e conseguir evidenciar perante os
parceiros a mais-valia que representa o trabalho de um gestor da informação,
assumirá um papel que todos poderão vir a reconhecer.
Estamos neste momento numa fase embrionária, com alguns bons
profissionais a desempenhar o cargo de professor bibliotecário, cujo perfil se aproxima
daquele que Doug Johnson já em 2002 considerava ser o necessário para responder
aos sete desafios da profissão. Temos escolas equipadas com artefactos tecnológicos
e fundo documental variado e adequado. Temos, acima de tudo, um Programa
Nacional (Rede de Bibliotecas Escolares) bem estruturado que define linhas
orientadoras, produz documentos como o Modelo de auto-avaliação e investe em
formação de muitos professores bibliotecários, contribuindo de forma inequívoca para
que consigamos enfrentar os “seven most critical challenges” enunciados por Johnson.
Falta-nos querer fugir à inércia e saber agarrar a oportunidade!

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Referências bibliográficas:

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