Essa é uma pesquisa de iniciação científica que faz uma análise da
implantação do Projeto de Requalificação Urbana e Social PAC ZEIS SANTA FELICIDADE – MARINGÁ–PR, idealizado pela Prefeitura do município com um orçamento de 25 milhões de reais. O centro da intervenção é o bairro Santa Felicidade, caracterizado pela prefeitura como violento e de baixa renda, foi criado em um processo de desfavelização no final da década de 1970, área para onde foram remanejadas famílias de áreas centrais de Maringá. Com o argumento da necessidade de rápida tramitação de documentos e da iminência de repasses de recursos, o governo municipal apresentou à comunidade um projeto pronto de revitalização da área habitacional no qual consta a remoção de 1/3 das 246 residências. Nosso trabalho se propõe a levantar, mapear e analisar as ações recentes que fazem parte do projeto de intervenção.
Introdução
Essa pesquisa compõe, através de algumas atividades, um projeto de
pesquisa mais amplo denominado “Uma análise da apropriação de instrumentos do Estatuto da Cidade pelo mercado imobiliário: Projeto PAC ZEIS Santa Felicidade – Maringá –PR.”, coordenado pela profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues. A regulamentação do Estatuto da Cidade tem como objetivo principal garantir a função social da propriedade, desestimulando a prática especulativa no trato com a propriedade do solo urbano, ao constituir-se como o principal instrumento de política urbana. Embora Maringá apresente aspectos singulares no processo de ocupação urbana, oriundos do fato de ser uma cidade planejada, neste particular não se diferencia da maioria das cidades de todo o Brasil. O crescimento urbano se deu com a permissão, pelo poder público, da ocorrência desses vazios e do financiamento do ônus decorrente deles. A existência de espaços não ocupados no perímetro urbano se relaciona, normalmente, à prática de favorecimentos políticos, de administrações baseadas em benefício privado (próprio ou de terceiros), enfim, de clientelismos de toda ordem. O mercado imobiliário em Maringá - ao qual as baixas rendas não têm acesso, pois o preço dos imóveis é muito alto - mantém-se economicamente forte, congregando também forças políticas que se fazem representar em todos os fóruns de decisão do município, o que tem possibilitado o atendimento às suas demandas, desde a fundação da cidade. No extremo oposto, historicamente mal representada politicamente, a população de baixa renda que não consegue conquistar sequer o direito à moradia nos domínios do município. Essa é a equação que resultou no processo de segregação socioespacial em Maringá (RODRIGUES, 2004). Em meados de 2007, o Executivo Municipal obteve recursos do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento, destinados a um investimento que se insere na área “Saneamento e urbanização de favelas e áreas de risco social” e busca a “remoção de moradias localizadas em beiras de córregos e áreas de risco – Foz de Iguaçu, Londrina e Maringá” (PAC Paraná, home page MCidades, consultada em fevereiro de 2008). Esses recursos servirão à requalificação urbana e social do bairro Santa Felicidade e seu entorno localizado em área muito próxima ao centro da cidade.
Materiais e Métodos
A metodologia adotada para o desenvolvimento deste trabalho é composta
por um levantamento bibliográfico, leitura e fichamento de material teórico que discute as questões relativas à política urbana, instrumentos urbanísticos e função social da cidade, ocupação urbana segregadora, processos de gentrificação, desigualdade socioespacial etc., bem como da legislação (federal e municipal) pertinente aos objetivos deste trabalho; pela escolha e tabulação de algumas variáveis demográficas e de características dos domicílios no Banco de Dados do Universo (IBGE, Censo Demográfico de 2000) para a construção de um diagnóstico sócio-econômico dos moradores do entorno das ZEIS.
Resultados e Discussão
Para início do trabalho busquei o estudo de uma breve bibliografia sobre o
processo de apropriação e desenvolvimento das cidades ligado ao mercado capitalista com base em Henry Lefebvre, e a urbanização no Brasil nas obras de Ermínia Maricato, Luiz César de Queiroz Ribeiro e Tereza Pires do Rio Caldeira. A análise da intervenção do poder público no bairro Santa Felicidade mostra uma série de incongruências em relação às políticas urbanas de inspiração no Estatuto das Cidades. Preliminarmente se observa que as decisões recentes do gestor público estão na contramão das tendências que moldam as políticas urbanas a partir de seus instrumentos: de combate à especulação imobiliária, de ser participativa e ser includente. No Estatuto da Cidade, que trata dos instrumentos da política urbana, dispõe que “os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público Municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação da comunidade, movimentos e entidades da sociedade civil”. O Plano Diretor do Município de Maringá, no artigo 69, reza que são objetivos das ZEIS (inciso III), “garantir a melhoria da qualidade de vida e equidade social entre ocupações urbanas”. Para o dito processo de intervenção o Executivo Municipal usou da criação de ZEIS - Zona Especial de Interesse Social, como forma de possibilitar o uso de áreas públicas, antes reservadas à construção de equipamentos urbanos e sociais, agora destinadas a edificação das novas residências aos moradores remanejados pela intervenção. Um instrumento do Estatuto da Cidade usado de forma contrária, buscando legitimar um processo de revitalização urbana no qual a maioria da população local está sendo removida do espaço onde reside há 30 anos e, portanto, não usufruirá dos benefícios da intervenção. Foram criados ainda mapas temáticos para caracterizar cada ZEIS e associados aos dados demográficos, sociais e econômicos (Censo Demográfico do IBGE de 2000) de cada setor censitário dos quais as ZEIS fazem parte.
Conclusões
Todavia, a maioria da população local está sendo removida do espaço onde
reside há 30 anos e, portanto, não usufruirá dos benefícios da intervenção.
A pesquisa vem demonstrando e reafirmando até aqui a hipótese sobre a
qual o trabalho busca compreensão: intervenções dos órgãos públicos no planejamento urbano utilizando de forma contrária os instrumentos que visam democratizar o acesso à cidade, beneficiando o mercado imobiliário e perpetuando uma falsa imagem da cidade como livre de pobreza. Uma possível tentativa de dissolver o bairro Santa Felicidade ao invés de propiciar uma melhoria para seus moradores no geral. Bairro que carrega um estigma de violento (ARAÚJO, 2005), reforçado no texto de autoria do Executivo Municipal: ZEIS Santa Felicidade - Projeto de Requalificação Urbana e Social. Relacionamos essa dissolução ainda à imagem que a cidade tenta vender através de sua publicidade, escondendo suas desigualdades e déficits sociais, dando visibilidade unicamente a região central. Retira-se então 56% dos moradores de uma área construída há 30 anos pulverizando- os para as franjas periféricas, muitas delas distantes de equipamentos urbanos básicos, ocupando lotes públicos antes reservados à construção de infra-estrutura necessária. Caracteriza-se até agora, nos termos de Kowarick, como um caso de clara Espoliação Urbana. Temos a percepção de um processo de gentrificação (BIDOU, 2006), visto que o bairro Santa Felicidade, apesar do título do projeto “PAC – ZEIS Santa Felicidade”, não foi instituído como ZEIS deixando-o fragilizado à especulação imobiliária. A crescente aproximação da área central e condomínios fechados construídos ao lado do bairro vêm valorizando seus lotes. Diferentemente de quando fundou-se o bairro, vizinho a um matadouro, sem infra-estrutura adequada e distante da região central, mostra-se agora um interesse do poder público em uma requalificação do espaço, associada a remoção de moradores.
Agradecimentos Agradecimentos a Ana Lúcia Rodrigues, Celene Tonella, ao Observatório das Metrópoles e a todos que auxiliaram na pesquisa.
Referências
ARAÚJO, Marivânia Conceição de. O Bairro Santa Felicidade por ele
mesmo. Espaço Urbano e Formas de Representações Sociais em Maringá, Paraná. Tese de Doutorado, UNESP-Araraquara, 2005. BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De Volta à Cidade: dos Processos de Gentrificação às Políticas de Revitalização dos Centros Urbanos. São Paulo: Ed. AnnaBlume, 2006. BRASIL. ESTATUTO DA CIDADE (2001). Estatuto da Cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho DE 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. 273 p. – Série fonte de referência. Legislação; n. 40). CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo, São Paulo: Edit. 34/Edusp, 2000. LEFEBVRE, Henry. 1901 – O direito à cidade; tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001. KOWARICK, L. A espoliação urbana. Rio, Paz e Terra, 1979. MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades Alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ-PR. ZEIS Santa Felicidade - Projeto de Requalificação Urbana e Social, Maringá, 2007. RIBEIRO, Luiz C de Q . Segregação Residencial e Políticas Públicas: análise do espaço social da cidade na gestão do território, págs 155 a 180. In Saúde nos aglomerados urbanos: uma visão integrada, Elias Rassi Neto, Claúdia Maria Bógus (orgs.). - Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003. - (Série Técnica Projeto de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de saúde, 3). RIBEIRO, Luiz C de Q. & CARDOSO, Adauto L. Da cidade à nação: gênese e evolução do urbanismo no Brasil. In: RIBEIRO, Luiz C de Q. & PECHMAN, Robert (Org.) Cidade, Povo e Nação. Gênese do Urbanismo Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 53-78. RODRIGUES, Ana Lúcia. A pobreza mora ao lado: segregação socioespacial na Região Metropolitana de Maringá, 2004. Tese (Doutoramento em Ciências Sociais) – PUC / São Paulo.