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20435/2177-093X-2016-v8-n2(05) 55
Resumo
O presente artigo se propõe a apresentar uma experiência de estágio em Psicologia Social e
da Saúde com um grupo de jovens em um Centro de Referência em Assistência Social (CRAS)
de uma cidade no interior de Minas Gerais. O encontro do grupo ocorria semanalmente na
instituição e as intervenções das estagiárias aconteciam a partir da psicologia histórico-cultural
com o uso de recursos estéticos, disparadores dos encontros. Analisamos como tais recursos
consistiam em ser mais que disparadores de conversa, mas disparadores de potência. Ao estarem
em contato com diversas linguagens artísticas e por meio de conversas geradas a partir de tais
linguagens, percebemos que as reflexões originadas levavam à ação, havendo uma tendência
à mudança a partir de uma intensificação na autonomia dos participantes. Percebemos uma
possibilidade de grupo como potencializador, sendo um espaço onde vários assuntos abordados
levam-nos à reflexão e propriamente à ação, tornando-se, assim, uma busca de possibilidades
até então cristalizadas ou desconhecidas.
Palavras-chave: Psicologia social e da saúde; Recurso estético; Grupo; Juventude; CRAS.
Abstract
This article intends to present an experience due to an internship in Social and Health Psychology
1
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Uberlândia, Instituto de Psicologia. Av. Pará,1720, br. E-mail: anapaulaaaa@gmail.com
Umuarama, Uberlândia, MG, Brasil, CEP 38400-902.
“Prezo insetos mais que aviões. história dos seus antepassados. Isso tem
Prezo a velocidade das tartarugas proporcionado mudanças na realidade
Mais que a dos mísseis. social e na forma em que o indivíduo se
Tenho em mim posiciona diante do mundo, já que os
Esse atraso de nascença. sujeitos são tanto fruto quanto produ-
Eu fui aparelhado tores dessa realidade (Zanella, Lessa, &
Para gostar de passarinhos. Da Ros, 2002).
Tenho abundância Em uma sociedade que nos incentiva
De ser feliz por isso”. a ter sempre uma opinião sem reflexão,
(Barros, 2003). na qual aprender significa processar in-
formações e que nos distancia da histó-
O pensar, a reflexão e a experiência ria tanto pessoal quanto da humanida-
não têm tido muito espaço na socieda- de, nos propomos a intervir no sentido
de contemporânea. Pensando que muita oposto a esse movimento e provocar es-
coisa se passa no mundo e cada vez num sas experiências, assim como reflexões e
ritmo mais elevado, ao falar de experi- pensamentos críticos acerca da realida-
ência falamos no sentido que pontua de. Para a intervenção explicitada neste
Bondía (2002) daquilo que nos passa e artigo embasamo-nos na teoria históri-
daquilo que nos toca. A experiência de- co-cultural elaborada por Vigotski e seus
manda então uma pausa para pensar, colaboradores em meados do século XX,
olhar, sentir e refletir, vivências raras uma abordagem crítica preocupada com
hoje em dia. as dimensões históricas do desenvolvi-
Em decorrência da obsessão pelo mento humano sem desconsiderar a di-
novo, da concepção de que informação é mensão biológica, também concernente
sinônimo de conhecimento e da necessi- aos processos psicológicos complexos.
discutir sobre tais recursos, sempre com (Vigotski, 1996). Assim, novas formas de
a preocupação de não enviesarmos ou pensar e de agir sobre a realidade se fi-
restringirmos reflexões, mas sim de am- zeram possíveis a partir dos recursos es-
pliarmos os sentidos daquilo que traba- téticos e das discussões, o que nos leva à
lhávamos. De acordo com Maheirie et conclusão de que houve um processo de
al. (2012), o conceito estética a partir dos potencialização dos jovens envolvidos
autores Vygotsky e Vàzquez se refere a no grupo.
uma relação em que há uma sensibiliza- Espinosa (1983) contribui para a com-
ção do sujeito trazendo novas formas de preensão do termo potência, que aqui
compreender um objeto. usamos como sinônimo de força trans-
Ainda segundo os autores, as relações formadora e possibilitadora da criação
estéticas são aquelas que transfiguram os de novos sentidos e ações.
sentidos cristalizados e ampliam olhares, O racionalismo absoluto defendido
escutas e afetos, possibilitando desesta- por Espinosa representa a libertação
bilizar verdades. Os chamados recursos das causas da ignorância e do medo,
estéticos seriam então ferramentas que a fim de que não sejamos consequên-
possibilitam um disparar dessas experi- cia dos efeitos da política, da religião e
ências estéticas, a fim de suscitar novos da imaginação – que nos dá a imagem
olhares sobre suas vidas e o meio em que das coisas, sem proporcionar a nature-
vivem (Maheirie et al., 2012). za verdadeira delas. Em contrapartida,
Vigotski (2003) caracteriza a vivência é uma filosofia da ética da alegria, da
estética como sendo resultado da combi- felicidade, da satisfação intelectual e da
nação de excitação, elaboração e respos- liberdade individual e política. Há uma
ta, como qualquer reação comum. No valorização na capacidade liberadora da
entanto as influências sensíveis podem
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Recebido: 03/02/2016
Última revisão: 26/07/2016
Aceite final: 02/08/2016
Sobre os autores:
Ana Paula Alves Vieira: Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de
Uberlândia, mestranda em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá.
E-mail: anapaulaaaa@gmail.com
Carolina Nascimento Dias: Graduada em Psicologia pela Universidade Federal
de Uberlândia, mestranda em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Professora substituta da Escola de Educação Básica da Universidade
Federal de Uberlândia.
E-mail: carolina.ndias@gmail.com
Eliane Regina Pereira: Professora Doutora da Universidade Federal de Uberlândia.
E-mail: pereira.elianeregina@gmail.com