Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
não lavram, nem criam”, e sobre a terra: “Pelo sertão nos pareceu, vista do mar,
muito grande, porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra com
arvoredos, que nos parecia muito longa (...) é de muito bons ares, assim frios e
temperados (...) Águas são muitas; infinitas”. PEREIRA, Paulo Ribeiro (Org.). Os três
únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.
48 Tem crescido na ultima década o número de estudos em história indígena, os
quais têm mostrado que a documentação existente permite que se discuta o índio
na história do Brasil. Uma importante obra é: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.).
História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1992.
John Manuel Monteiro possui um site onde expõe uma bibliografia extensa sobre
história indígena, assim como disponibiliza integralmente alguns desses estudos.
Vide: www.ifch.unicamp.br/ihb.
63 Revista de Economia Política e História Econômica, número 10, dezembro de 2007
ver aquilo que não tinha sido visto antes, ainda que estivesse
presente, e nos leva a procurar uma mensagem – um tipo
específico de mensagem”. 49
A historiografia brasileira tratou a noção de paisagem,
definindo-a como o reflexo das formas de apropriação e
exploração da terra. Esses intelectuais construíram os cenários
que representavam o Brasil-colônia a partir do que foi
visualizado pelos cronistas, padres, viajantes, soldados e
sertanistas, assim como pelo que imaginaram analisando
dados sobre a estrutura agrária. Em sua maioria, aqueles que
se preocuparam com o cenário geográfico, pano de fundo
de suas argumentações, foram pesquisadores ligados à
história da agricultura e à econômica.50 Lembremos o nome
de Caio Prado Júnior, Alice Canabrava, Maria Yeda Linhares e
Maria Thereza Petrone, entre outros. As matrizes dessas
narrativas são Capistrano de Abreu e, especialmente, Caio
Prado Júnior. Centrados, como ensinou este ultimo, nos fatos e
dados que revelavam o fundamental e permanente, ou seja,
o “sentido” dessa história, os historiadores despreocuparam-se
com a presença do índio; em conseqüência, deixaram de
refletir sobre as representações que envolviam essas
sociedades, suas terras e paisagens.
A representação sobre como era a paisagem ao longo
dos três séculos da colonização portuguesa do que viria a
formar o Brasil induz a um imaginário sobre o período pré-
cabralino e foi fixada por Caio Prado Júnior. Em 1942, o
historiador paulista publicou Formação do Brasil
49 Agnes Heller aponta três estágios ligados à reconstrução dos eventos históricos:
recepção de mensagens, interpretação delas e atribuição de significado. A visão
de mundo antecede a recepção da mensagem é constitui a própria
“disponibilidade para a mensagem”. Vide: HELLER, Agnes. Uma teoria da História.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993. p. 175.
50 Sobre os historiadores que se debruçaram sobre o meio ambiente vide: CORRÊA,
Dora Shellard. História e meio ambiente. Revista Unifieo. Osasco, ano I, no 1, junho
de 1999, p. 135-144.
Revista de Economia Política e História Econômica, número 10, dezembro de 2007
64
contemporâneo e desenvolveu, partindo de Capistrano de
Abreu, o que se tornou um modelo de descrição da
paisagem. Narrou o avanço irregular e vagaroso do
povoamento europeu a partir da costa, embaraçado pelos
índios e, principalmente, pela geografia do continente.
Construiu um cenário, localizando o narrador na marinha, de
costas para o mar, mirando as terras apropriadas e exploradas
pelos colonos, numa perspectiva de quem acompanha a
fronteira econômica. Além desta, como toda porção do
continente ocupada pelas sociedades indígenas, as terras
foram definidas como “trópicos brutos e indevassos (...)
entregues ao livre jogo da natureza”.51 Dentro da abordagem
a que se propôs e da tese que defendeu, avançar além
daquele limite seria irrelevante. Esse retrato físico do Brasil foi
reproduzido não só em textos, mas figurativamente também.
Aroldo de Azevedo, na década de 60, produziu três mapas
que sintetizavam visualmente esse quadro exposto, o que
ajudou a difusão do modelo. Posteriormente, essas cartas
geográficas foram reproduzidas na coleção História da
Civilização Brasileira, dirigida por Sérgio Buarque de Holanda e
mais recentemente na História da Vida Privada, no volume
sobre o Brasil-colônia, organizado por Laura de Mello e Souza
e no livro História do Brasil de Boris Fausto.52
Nesta comunicação, nós propomos rever Formação do
Brasil contemporâneo como um exercício de reflexão sobre o
modelo de descrição proposto. Num primeiro momento,
51 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. Colônia, 14ª. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1976. p. 27.
52 AZEVEDO, Aroldo de. Terra brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1963
HOLANDA, Sérgio Buarque de (Dir.). História geral da civilização brasileira. I Época
colonial. 2. Administração, economia, sociedade. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
do Brasil, 1993.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
SOUZA, Laura de Mello e (Org.). História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida
privada na América portuguesa. V. 1. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
65 Revista de Economia Política e História Econômica, número 10, dezembro de 2007
53 Caberia mencionar alguns livros e tese sobre Caio Prado Júnior recentemente
publicados:
IUMATTI, Paulo Teixeira. Caio Prado Júnior: uma trajetória intelectual. São Paulo:
Brasiliense, 2007.
RÊGO, Rubem Murilo Leão. Sentimento do Brasil. Caio Prado – Continuidades e
mudanças no desenvolvimento da sociedade brasileira. Campinas: Unicamp, 2000.
MARTINEZ, Paulo. A dinâmica de um pensamento crítico: Caio Prado Júnior (1928-
1935). Tese (Doutorado em História) – Departamento de História da FFLCH da
Universidade de São Paulo, São Paulo.
RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no Brasil. São
Paulo: Fapesp; Editora 34, 2000.
Não tão recente, mas significativa foi a obra publicada em homenagem ao
historiador, contendo depoimentos e análises de intelectuais sobre a sua vida e
produção: D’INCAO, M. Angela (Org). História e Ideal. Ensaios sobre Caio Prado
Júnior. São Paulo: Brasiliense, 1989.
Revista de Economia Política e História Econômica, número 10, dezembro de 2007
66
criada Universidade de São Paulo - Pierre Defontaines e Pierre
Monbeig.
A sua importância para a historiografia brasileira é
inquestionável como mostra a constatação feita por Stuart
Schwartz:
“Desde a década de 1930, e por cerca de meio
século, um único paradigma dominou as
interpretações históricas do Brasil colonial, tornado-
se quase universalmente aceite por indivíduos
portadores de posições políticas e de
metodologias de investigação amplamente
distintas. Este paradigma perspectiva o Brasil no
quadro da expansão européia e do
desenvolvimento precoce do capital comercial
(ainda que não necessariamente do capitalismo)
português. O Brasil era visto como um grande
empreendimento colonial, baseado na
escravatura africana e na exploração dos recursos
locais e dos povos indígenas para benefício
exclusivo da metrópole, Portugal”.54
65 Bandeira verde é uma alusão ao artigo em que Agnes Heller discute e distingue,
quanto a valores predominantes, os movimentos sociais da década de 60 e de 80.
Enquanto os primeiros lutavam pela liberdade e levantavam a bandeira vermelha,
os outros lutavam pela vida, representada pela cor verde do movimento
ambientalista. Ela conclui afirmando que devemos lutar pela vida, mas com
liberdade. Vide: HELLER, Agnes. From red to green. Telos. New York, no 59, p. 35-44,
1984.
66HELLER, Agnes. Uma teoria … p. 218.
Revista de Economia Política e História Econômica, número 10, dezembro de 2007
74
Os problemas que colocamos quanto à utilização do
modelo de descrição proposto por Caio Prado Júnior é que,
se, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, ele foi uma
importante ferramenta para pensar o Brasil, hoje se apresenta
como um entrave ao debate sobre conservação do meio
ambiente e justiça social. É a crença do que existiam terras
virgens no Brasil que suporta e dá força à concepção de que
ainda existem áreas com pouca ou nenhuma interferência
cultural na natureza. E que as áreas naturais são territórios
inexplorados e apropriados culturalmente pelos homens. É a
partir dessas concepções que se tem tomado decisões que
têm representado a desapropriação ou adaptação cultural
de parcelas da população brasileira.
Referências Bibliográficas
HELLER, Agnes. From red to green. Telos. New York, no. 59, p.
35-44, 1984.