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O GERENCIAMENTO E A LIDERANÇA NO TRABALHO DA

ENFERMAGEM

O gerenciamento em enfermagem, especialmente no ambiente hospitalar,


sofre forte influência da administração clássica, em particular do modelo
taylorista/fordista e burocrático 1, caracterizado por divisão do trabalho, hierarquia,
autoridade legal, sistema de procedimentos e rotinas, impessoalidade nas relações
interpessoais e outros (LORENZETTI; et al, 2014).

Atualmente, a enfermagem brasileira tem se empenhado, junto às instituições


de saúde, em desenvolver as atividades gerenciais inerentes à administração das
unidades não mais como mero trabalho subdividido, centrado nas funções, mas sim,
como trabalho articulado, integrado com os demais serviços, compartilhado, em uma
inter-relação mútua, que envolve os diversos atores presentes nesse sistema de
cuidado (PROCHNOW; LEITE; ERDMANN, (2005).

Nesse contexto, o gerenciamento compreende o processo de trabalhar com


pessoas, envolvendo diversos outros recursos para realizar os objetivos
organizacionais e, quando adequadamente executado, envolve uma gama de
atividades que incluem, entre outras, planejar, avaliar, organizar, liderar e controlar.
Assim, é importante associar os processos de trabalho cuidar/assistir/intervir da
enfermagem ao processo de trabalho gerenciar, específico do enfermeiro, uma vez
que essa atividade tem como propósito fundamental lidar com a condição humana,
em diferentes contextos de vida e saúde, o que demanda resolução de conflitos,
tomada de decisões e ações compartilhadas no cuidado de enfermagem
(CASSIANO; et al, 2011).

Para isso, a enfermagem se aproxima de outras áreas do conhecimento,


sobretudo da administração e suas teorias, a exemplo da teoria clássica, acima
ressaltada, visto que esta, busca aperfeiçoar as regras da organização,
visualizando-a de modo idealizado e planejado racionalmente. Somente conhecendo
1
Ressalte-se que, no modelo da administração científica do Taylorismo (1903), com o ênfase nas
tarefas, buscava a racionalização do trabalho no nível operacional, ou seja, o foco era no empregado.
Taylor propôs a racionalização do trabalho por meio do estudo dos tempos e movimentos, o qual
contava com cinco princípios fundamentais, quais sejam: planejamento, preparo, execução, cargos e
tarefas e, padronização. Apesar de apresentar como vantagens a produtividade e a eficiência, não
levava em consideração as necessidades sociais dos funcionários. A Teoria Burocrática (Weber),
1909, com ênfase na estrutura, tinha como objetivo a racionalidade organizacional e a organização
formal (baseada em regras e normas). Focava na organização inteira. Apresentava muita rigidez e
lentidão, apesar de ter como vantagens a consistência e a eficiência. Suas características, são
reconhecidas pela autoridade, formalidade, impessoalidade, hierarquia e divisão do trabalho. Logo, a
Teoria Clássica (Fayol) de 1916, apresentava ênfase na estrutura. No entanto, o foco estava no
gerente (visão de cima para baixo). Defendia o planejamento como uma das funções principais do
administrador, o qual teve a profissionalização de seu papel como gerente. Visualizando o homem
econômico elencou 14 princípios fundamentais: divisão do trabalho, autoridade e responsabilidade,
unidade de comando, unidade de direção, disciplina, remuneração, interesses gerais, centralização,
hierarquia, ordem, equidade, estabilidade, iniciativa e espírito de equipe (MOTTA, Fernando Carlos
Prestes; ISABELLA Gouveia de Vasconcelos. Teoria Geral da Administração. 3. ed. São Paulo:
Cengage Learning, 2015). BERTOCHI, G.; NICODEM, V.; MARTINS MOSER, A. M. As teorias
administrativas e suas influências na enfermagem. Anuário Pesquisa e Extensão Unoesc São Miguel
do Oeste, [S. l.], v. 5, p. e26341, 2020. Disponível em:
https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/apeusmo/article/view/26341. Acesso em: Ago. 2021.
os princípios em que se fundamenta a administração e possuindo habilidades para
tomar decisões é que o profissional de enfermagem poderá usar adequadamente as
teorias para planejar, executar e avaliar as ações na prática do serviço de saúde
(SANTOS, 2007).

Percebe-se o gerenciamento do cuidado a que se referem Lorenzetti; et al


(2014), como a expressão mais clara da boa prática de enfermagem, momento no
qual há articulação entre as dimensões gerencial e assistencial para atender às
necessidades de cuidado dos pacientes e ao mesmo tempo da equipe de
enfermagem e da instituição. Do mesmo modo, evidencia-se, de acordo com os
autores supracitados, a gestão como a possibilidade de conquista de novo papel
profissional para o enfermeiro e o desafio é tornar-se um líder de fato no sistema de
saúde.

Conforme os autores supracitados, a liderança é exigida nas mais diversas


atuações de enfermagem. Um exemplo é a gerência de caso, uma forma de
organização do trabalho utilizado pela enfermagem que associa ações
administrativas e assistenciais. Nessa gerência, a responsabilidade por toda atenção
ao paciente durante todo o processo clínico é do enfermeiro, que utiliza a liderança
em todas as fases do processo que incluem análise, tomada de decisão e resolução
de problemas.

Cabe ressaltar que, ao se dedicar sob o conceito de liderança aplicado à


enfermagem, pode-se compreender que o trabalho do enfermeiro-líder tem como
finalidade o alcance de objetivos comuns à instituição, às equipes de trabalho e ao
paciente. Silva e Pires (2011) ratificam que, no contexto específico da enfermagem,
o líder possui como desafio central compartilhar ideias, esforços e recursos para
satisfação dos pacientes e dos profissionais. Os autores ainda alegam que o
processo de trabalho em enfermagem é majoritariamente desenvolvido em equipe.

Logo, a Teoria das Relações Humanas 2, vem combater a desumanização do


trabalho, o formalismo na administração, oferecendo incentivos psicossociais, por
entender, justamente, que o ser humano não pode ser reduzido a esquemas simples
e mecanicistas, depositando na motivação a expectativa de levar o indivíduo a
trabalhar para atingir os objetivos da organização. Ela defende a participação do
trabalhador nas decisões que envolvam a tarefa. Tendo essa teoria, a maior relação
com o trabalho gerencial na enfermagem, pois o processo de trabalho da
enfermagem não é nada mecanicista, cada pessoa que procura assistência deve ser
tratada de forma individualizada, não é somente seguir um protocolo passo a passo
como uma receita de bolo pronta (BERTOCHI; et al 2020). E o profissional da
enfermagem precisa ser motivado para que faça seu trabalho com qualidade, além
da participação de todos os membros da equipe de enfermagem nas decisões.
Nessa teoria, também surge a discussão acerca da importância da liderança e da
2
Teoria das Relações Humanas (1932): como o próprio nome já indica, sua ênfase estava nas
pessoas. Iniciada a partir da experiência de Hawthorne (análise das relações da produtividade com a
iluminação da fábrica de equipamentos eletrônicos de Hawthorne), defendia um enfoque na
organização informal, na comunicação, liderança, motivação e dinâmicas de grupo. Possui três
características principais: o ser humano não possui comportamento mecânico, o homem é guiado
pelo sistema social e possui necessidades (segurança, afeto, aprovação, entre outras). (MOTTA;
GOUVEIA de VASCONCELOS, 2015). BERTOCHI; et al, 2020.
comunicação na formação do enfermeiro para qualificar o seu trabalho enquanto
equipe, assim como acerca do trabalho interdisciplinar.

Ainda, com relação à abordagem das relações humanas, Motta (2015)


esclarece que, percebe-se o ser humano como ser cujo comportamento não pode
ser reduzido a esquemas simples e mecanicistas. O ser humano é visto como
condicionado pelo sistema social e pelas demandas de ordem biológica. Considera
que apesar das diferenças individuais, todo ser humano possui necessidades de
segurança, afeto, aprovação, prestígio e autorrealização. Conforme Mayo, cujo
nome mais conhecido foi George Elton Mayo, surge no contexto da grave crise dos
anos de 1930, afirmando que a produtividade e satisfação no trabalho estão
interligadas.

Viável se ressaltar aqui também a colaboração de Chiavenato (2021) ao


mencionar que o estudo da motivação foi a mola mestra dos estudiosos desta
escola. A expectativa era fazer com que, através da motivação, os trabalhadores
perseguissem o objetivo das organizações, ou seja, a produtividade. Tal fato,
contribuiu positivamente com a defesa da participação dos trabalhadores nas
decisões que envolvem o seu trabalho.

Colabora Capella (1996) aludindo que a enfermagem integra o trabalho


assistencial em saúde, e desenvolve uma gama de atividades relativas ao cuidado e
à administração do espaço hospitalar. Em conjunto com outros trabalhadores da
área da saúde, desenvolve na instituição hospitalar um trabalho coletivo, no qual
cada grupo profissional se responsabiliza por uma parcela do atendimento.

Devido à responsabilidade atrelada à liderança supracitada, conjectura-se que


a possibilidade de dividir a pressão e os desafios com outros membros é fator
fundamental para o funcionamento excelente e de cunho colaborativo na
organização. O trabalho colaborativo, como referido por Caveião; et al. (2016), é
caracterizado por um grupo no qual os integrantes estão envoltos em um mesmo
objetivo – usualmente organizacional – em que há dependência entre os seus
membros, fazendo com que haja o reconhecimento mútuo de que um necessita do
outro. Ao desenvolver o sistema de liderança compartilhada e de forma colaborativa
junto à organização, pressupõe-se que líderes atrelados produzam uma gestão mais
farta e capaz de facilitar uma gestão sustentável nas organizações (PEARCE;
MANZ; AKANNO, 2013).

Percebe-se que a liderança tem poucas chances de avançar na enfermagem


se não for incentivada através de ações inovadoras, de projetos e investimentos
pessoais e grupais e pela união de todos os enfermeiros. O estímulo à educação
continuada apresenta-se como fundamental para a formação de líderes e o
aperfeiçoamento dessa competência.

Concorda Capella (1998, p. 93) afirmando que a realização do trabalho na


enfermagem pressupõe sempre uma dimensão educativa, seja na atenção ao
usuário, seja no processo de auto capacitação dos trabalhadores. Capella (1998,
p.93) coloca a necessidade de um processo de educação continuada, que através
de reflexão coletiva, procure vislumbrar a construção de outras possibilidades para o
trabalho da enfermagem, pela unificação teoria/prática, levando a uma reorientação
de valores.
O enfermeiro, líder nato da equipe de enfermagem, deve trabalhar suas
potencialidades de forma a desenvolver as habilidades necessárias relacionadas
com liderança, notadamente, no desempenhar do processo de comunicação e no
desenvolvimento de um clima de apoio propício ao exercício da liderança, a qual
conduz ao aprimoramento do modelo de papel e estilo de gestão do enfermeiro nas
diferentes organizações (RODRIGUES; et al, 2016).

Enfim, segundo Freire (1999b) complementa-se o posicionamento acima


ressaltando-se que a educação como consequência da necessidade do ser humano
de adaptar-se ao novo, na busca de sua realização como pessoa e da consciência
que tem de si como ser inacabado, em constante busca. Pensar novas formas de
organização do trabalho utilizando-se para esta construção um processo educativo
reflexivo pressupõe, portanto, trabalhadores comprometidos com a sua realidade,
dispostos a exercer seu potencial criativo de participação, na esperança de
construção de uma outra realidade de vida e trabalho.

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