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CAPÍTULO 3

INTEGRAÇÃO DE INDICADORES AMBIENTAIS E


SÓCIOECONÔMICOS NA AVALIAÇÃO E PLANEJAMENTO
DO DESENVOLVIMENTO

3.1. Introdução à Noção de Indicadores de Sustentabilidade

Os indicadores são entendidos como um tipo de informação quantificada que auxilia na


explicação de como as coisas se alteram ou sofrem mudanças ao longo do tempo,
possibilitando identificar tendências. Um indicador deve ter a capacidade de tornar
perceptível um fenômeno que não é detectável naturalmente, pelo menos de imediato,
sendo distinto de um dado estatístico ou primário, embora possa ser apresentado de forma
gráfica ou estatística (Adriaanse, 1993). Estão juntamente com índices (agregado de
indicadores) no topo da pirâmide de informação, Figura 3.1, que tem a base formada por
dados primários derivados do processo de monitoramento, e pela análise de dados
(Hammond et al., 1995).

Índices

Indicadores

Dados Analisados

Dados Primários

Figura 3.1. Pirâmide de Informação

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Com a aceitação dos princípios básicos do ‘desenvolvimento sustentável’, a gestão do
meio ambiente ganhou outra dimensão, que implica na adoção de novas práticas e na
reorientação das políticas públicas buscando adequá-las às diretrizes do ‘desenvolvimento
sustentável’. A sustentabilidade se tornou a meta a ser alcançada. Neste sentido existe a
necessidade de que as metas e medidas de progresso fiquem explícitos. Indicadores,
podem fornecer tais medidas permitindo o diagnóstico da situação e a tomada de decisão.

“Não se gerencia o que não se mede; não se mede o que não se


define; não se define o que não se mede; não há sucesso no
que não se gerencia”, Edward W. Deming.

Embora considerando as diversas dimensões que o conceito de sustentabilidade envolve


(conforme visto no capítulo 1), o tema comum é a interação entre os fatores da
socioeconomia e do meio ambiente. Assim, a ênfase é de avaliar as atividades
econômicas que sejam responsáveis por impactos sobre o meio ambiente, e de elementos
deste que sejam suscetíveis a mudanças através das atividades humanas. Indicadores de
sustentabilidade devem informar sobre:

- as pressões sobre os estoques de recursos naturais e as mudanças destes estoques ao


longo do tempo;
- impactos das atividades econômicas no capital natural, através de efeitos na qualidade
ambiental, nas emissões indesejáveis e demandas por recursos;
- respostas políticas e institucionais.

INDICADORES

Indicadores são entendidos como um tipo de informação


quantificada que auxilia na explicação de como as coisas se
alteram ou sofrem mudanças ao longo do tempo,
possibilitando identificar tendências.

INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE

Devem ser capazes de identificar e caracterizar as


populações e atividades humanas (indústria, agricultura,
obras de infra-estrutura, urbanização, etc.), relacionando-as
às pressões que elas exercem, e aos impactos resultantes
destas pressões sobre o meio ambiente (modificações
ambientais significativas), mensurando suas conseqüências
socioeconômicas, presentes e futuras.

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Alguns atributos desejáveis associados aos indicadores:

- quantificáveis e de fácil mensuração


- atender a objetivos definidos

- coerentes no tempo e no espaço


- elaborados de informações cuja coleta não seja difícil nem dispendiosa
- adequados ao nível de agregação do sistema sob análise
- permitir a comparação intertemporal e espacial.

Como exemplo de indicadores em escala macroeconômica, destaca-se a construção de


Indicadores do Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2002). Assim, tendo como base as recomendações da
Comissão para o Desenvolvimento Sustentável – CDS - das Nações Unidas, foi
construído à nível nacional um conjunto de 50 indicadores organizados em quatro
dimensões: Social, Ambiental, Econômica e Institucional, abrangendo os temas:
Eqüidade, Saúde, Educação, População, Habitação, segurança, Atmosfera, Terra,
Oceanos, Mares e Áreas Costeiras, Biodiversidade, Saneamento, Estrutura Econômica,
Padrões de Produção e Consumo, Estrutura e Capacidade Institucional.

Os indicadores de desenvolvimento sustentável podem ser interpretados como um


sistema de ‘sinais’ que facilitam avaliar o progresso dos países e regiões em direção ao
‘desenvolvimento sustentável’. Os indicadores são ferramentas concretas que apóiam o
trabalho de desenho e avaliação das políticas públicas, fortalecendo decisões informadas,
assim como a participação da cidadania, para impulsionar os países e regiões ao
‘desenvolvimento sustentável’ (Quiroga, 2001).

Como será visto, em escala de projeto (microeconômica) é preconizado o uso de


indicadores de desempenho ambiental, os quais devem ser capazes de expressar/medir os
objetivos ambientais do Sistema de Gestão Ambiental (SGA) do projeto, traduzíveis, de
maneira sintética, no binômio: prevenir/corrigir os efeitos deletérios de impactos
ambientais adversos e maximizar os benefícios sócio-econômico-ambientais potenciais.

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ATRIBUTOS DOS INDICADORES

- quantificáveis e de fácil mensuração;


- atender a objetivos definidos;
- coerentes no tempo e no espaço;
- elaborados de informações cuja coleta não seja difícil nem
dispendiosa;
- adequados ao nível de agregação do sistema sob
análise;permitir a comparação intertemporal e espacial.

3.2. Estrutura ‘Forçante-Pressão-Condicionamento-Impacto-


Resposta’ (FPCIR)

A estrutura Forçante (ou Força Motriz) - Pressão – Condicionamento (ou Estado) –


Impacto – Resposta –FPCIR- (ou, Socio-Economic Drivers-Pressure-State-Impact-
Response - DPSIR), foi desenvolvida a partir dos trabalhos pioneiros realizados pela
Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) nos anos 80 (OECD,
1994). A apresentação e discussão de estruturas do tipo FPCIR, na seqüência, baseiam-se
nos estudos elaborados por Turner et al (1998), Bidone et al (1999) e Bidone et al (2003).

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FINALIDADE DA ESTRUTURA FPCIR

É um subsídio operacional para o planejamento estratégico


objetivando o ‘desenvolvimento sustentável’. A avaliação de
iniciativas públicas (políticas, planos, programas) voltadas
para o desenvolvimento e o bem-estar social requer a
integração de estudos/informações socioeconômicas e
ambientais, em uma ampla estrutura metodológica/analítica.
A estrutura FPCIR oferece o contexto analítico para a
integração de informações sobre as forças motrizes
(‘forçantes’) socioeconômicas e biofísicas (ambientais), que
engendram a distribuição espacial das atividades econômicas
e as resultantes pressões ambientais relacionadas, de forma
a prover informações sobre as mudanças no
condicionamento (estado) ambiental presente e futuro, e
seus efeitos (impactos) sobre as atividades humanas, bem
como suas conseqüências sobre as possibilidades de
desenvolvimento futuro.

Tanto em termos de eqüidade quanto de eficiência econômica, os custos relacionados à


degradação, assim como ao controle e manejo ambientais, devem ser considerados no
estabelecimento de políticas públicas, i.e., tanto os custos relacionados aos benefícios
ambientais líquidos perdidos em função da degradação ambiental gerada por planos,
programas e projetos de desenvolvimento, quanto os custos econômicos de oportunidade
envolvidos na conservação de ecossistemas, ou seja, os benefícios líquidos de projetos
comprometidos por medidas de conservação e/ou preservação.

Entretanto, em planejamentos para um desenvolvimento econômico ambientalmente


aceitável e no estabelecimento das políticas públicas decorrentes, há um risco grande em
se abordar apenas em termos individuais (p.ex., um projeto) ou, mesmo, setoriais (p.ex.,
uma única atividade econômica) temas ambientais os quais, necessariamente, requerem
uma abordagem integrada. Por vários motivos, dos quais destacamos três, tomando por
exemplo, como unidade de gestão territorial, bacias hidrográficas.
- Deve-se considerar que, do ponto de vista estritamente ambiental, uma bacia
hidrográfica, por exemplo situada no sistema costeiro, compreende um acqua continuum
total, incluindo os rios, lagunas, baias e estuários. Transferência de materiais através
deste continuum envolve a passagem através de ecossistemas, os quais podem atuar como
filtros efetivos e seletivos para esses materiais. A efetividade e a seletividade dos
processos de transformação, eliminação ou imobilização de materiais, durante a sua
transferência através do acqua continuum, dependem de seu comportamento
hidrobiogeoquímico e, também, são fortemente influenciadas pela hidrologia e uso da
terra (Billen, 1993).

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- Deve-se considerar, também, que sistemas socioeconômicos e sistemas naturais são, em
uma extensão variável, atualmente vistos de uma maneira co-evolucionária, caracterizada
por uma conjunção de complexos efeitos que se retroalimentam. Exercícios de avaliação
e modelagem desta conjunção, devem ser orientados no sentido de capturar corretamente
as causas e conseqüências das mudanças observadas nas áreas concernadas (Turner et al.,
1998).

- Essa conjunção entre os sistemas socioeconômico e natural, nos remete à questão da


capacidade (sustentabilidade) dos ecossistemas suportarem as trocas físicas através do
limite entre o sistema ecológico total e o subsistema econômico. Conforme discutido no
sub-capítulo 1.4, estas trocas (fluxos de materiais) devem ser considerados em termos de
sua escala ou volume relativo ao ecossistema. A ‘ótima escala’ da economia
relativamente aos ecossistemas é algo análogo à chamada ‘linha d’água’ de um barco.
Quando a alocação de pesos (ou seja, projetos e/ou atividades humanas individuais)
dentro de um barco (ou seja, no exemplo proposto, a bacia hidrográfica) é a melhor
possível (ou seja, todos os projetos e atividades individuais devidamente
‘ambientalizados’), quando a água atinge a ‘linha d’água’ diz-se que o barco alcançou sua
‘capacidade de suporte’ segura (ou seja sua ‘ótima escala’). Ultrapassada esta capacidade,
o barco afunda, estejam, ou não, os pesos bem distribuídos (Daly, 1991).

Portanto, para um desenvolvimento sustentável, seja em uma bacia na zona costeira ou


outra qualquer, antes de tudo, é necessário uma ampla estrutura analítica (mais do que
modelos específicos) na qual as questões expostas e outras possam ser consideradas de
maneira integrada.

A estrutura analítica preconizada, sob a forma de um ciclo de Forçantes Socioeconômicas


(ou Força Motriz) - Pressão – Condicionamento (ou Estado) – Impacto – Resposta
(Estrutura FPCIR, Figura 3.2), visa oferecer um contexto integrador. Nela a interação
entre os sistemas socioeconômico e natural permite uma melhor descrição e entendimento
do funcionamento dos ecossistemas em resposta às pressões sobre o meio ambiente,
antropogênicas, ou não: mudanças no uso do solo, urbanização, lançamento de efluentes a
partir de fontes pontuais (p.ex., industriais) e não pontuais (p.ex., agricultura), mudanças
climáticas etc.

A estrutura FPCIR fornece um caminho de identificação, entre outros aspectos, de


questões-chave, da disponibilidade de dados e informações, do padrão de uso dos
recursos, de desenvolvimentos propostos, da estrutura institucional existente,
considerações temporais (elaboração de cenários prognósticos) e espaciais. Allém disso,
ela fornece uma ferramenta interdisciplinar de trabalho para um amplo espectro de
usuários (Turner et al., 1998)..

Para qualquer área (p.ex., uma bacia hidrográfica), existirá uma distribuição espacial das
atividades econômicas e o uso relacionado dos recursos naturais. Esta distribuição
espacial das atividades humanas reflete a demanda final por uma variedade de bens e
serviços (medidos pelo PIB) mas, também, geram diferentes tipos e quantidades de
resíduos. Pressões ambientais são geradas via estas forçantes socioeconômicas

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(urbanização, indústrias, agricultura, pesca, comércio, obras de infra-estrutura como
transportes, barragens etc.) causando mudanças no condicionamento (i.e., na qualidade e
quantidade/disponibilidade) dos sistemas ambientais (p.ex., incremento dos fluxos de
substâncias contaminantes nas águas fluviais, na atmosfera etc.).

Estas mudanças no condicionamento ambiental geram impactos - p.ex., mudanças em


processos e funções ambientais gerando impactos sobre a saúde, produtividade
econômica, lazer e amenidades, valor de existência etc. - perceptíveis em termos de
mudanças do bem-estar social (custos e benefícios). Tais mudanças no bem-estar social
fornecem o estímulo para ações de gestão (respostas políticas), as quais dependem da
estrutura institucional, cultura e sistema de valores, demanda competitiva por recursos
escassos e por outros bens e serviços.

Os preceitos associados à operação da estrutura FPCIR podem, eventualmente, ser


aplicados na escala de projetos individuais. Entretanto, conforme exposto em sua
finalidade, ela é uma ferramenta voltada para a abordagem de políticas, planos e
programas públicos.

Neste sentido, pode ser utilizada em diferentes situações: simplesmente para avaliar a
situação atual (i.e., cenário de referência) e, eventualmente, construir cenário
considerando a projeção das condições vigentes (i.e., sem planejamento); construção de
cenários alternativos com planejamento da alocação de recursos (em ações, medidas,
investimentos em obras, etc.), visando a consecução de políticas públicas.

Considerando o exposto, a estrutura FPCIR pode ser, também, uma útil ferramenta
metodológica para a realização de Avaliação Ambiental Estratégica (Strategic
Environmental Assessment - SEA).

“SEA: a systematic, on-going process for evaluating, at the earliest appropriate stage of
publicly accountable decision-making, the environmental quality, and consequences, of
alternative visions and development intentions incorporated in policy, planning or
programme initiatives, ensuring full integration of relevant biophysical, economic, social
and political considerations”, Partidário (2001).

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Forçantes Socioeconômicas

Pressão s/ Meio Ambiente

Respostas Mudanças no
(políticas, sociais Condicionamento
e econômicas) Ambiental

Impactos

Figura 3.2. Estrutura FPCIR: Forçante - Pressão – Condicionamento – Impacto –


Resposta

3.3. Operação com Indicadores na Estrutura FPCIR

3.3.1. Contexto analítico das ‘Forçantes Socioeconômicas’ e das


‘Pressões’ geradas

O contexto de análise das Forçantes Socioeconômicas e das Pressões por elas geradas
sobre o meio ambiente e os recursos naturais, constitui um domínio metodológico
essencialmente descritivo.

Os termos-chave necessários são: a delimitação da unidade territorial sendo avaliada;


suas características fisiográficas e outros elementos descritores; ocupação humana, perfil
socioeconômico e sua disposição/localização espacial; perfil das atividades econômicas e
sua disposição/localização espacial; caracterização dos (multi) usos dos recursos naturais;

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e identificação das principais fontes de degradação ambiental (pontuais e difusas) e dos
ecossistemas e/ou setores espaciais mais atingidos.

Os principais instrumentos de levantamento e integração das informações básicas neste


contexto analítico são: geoprocesssamento, cartografias temáticas, sistemas de
informações geográficas, censos estatísticos, cadastros de atividades econômicas etc.

TERMOS-CHAVE

-Delimitação da unidade territorial e características


fisiográficas
-Ocupação humana, perfil socioeconômico e distribuição
espacial
-Perfil das atividades econômicas e distribuição espacial
-Multi usos dos recursos naturais
-Fontes de degradação ambiental
-Análise de tendência de evolução das forçantes
socioeconômicas e pressões ambientais geradas

Com exceção dos dois primeiros termos (delimitação da unidade territorial e de suas
características fisiográficas), os demais exercem função de ‘nível de base atual’
referencial da distribuição espacial das atividades humanas (i.e., forçantes
socioeconômicas) e o uso relacionado dos recursos naturais (i.e., pressões sobre os
sistemas naturais).

Entretanto, considerações temporais baseadas na análise da evolução histórica das


forçantes socioeconômicas e dos indicadores das pressões por elas geradas, permitem a
análise de tendências e, assim, a elaboração de cenários prognósticos do seu
comportamento.
Neste sentido, os indicadores de pressão devem ser capazes de informar sobre as
características das forçantes socioeconômicas na atualidade, assim como sobre as
mudanças nelas ocorridas e sua tendência evolutiva. O estabelecimento de indicadores de
pressão deve priorizar as informações sobre as mudanças: no uso dos recursos naturais
realizado pelas atividades econômicas; na ocupação (espacial/territorial) dos solos; e na
demografia e perfil socioeconômico das populações. Alguns exemplos destes indicadores
estão abaixo, seguindo a priorização proposta.

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EXEMPLOS DE INDICADORES DE PRESSÃO

Indicadores Relativos às Atividades Humanas


- PIB e taxa de crescimento médio anual (% a.a.)
- Indústria
Quantidade de industrias (no de industrias)
Poluentes produzidos/emitidos (t poluente.ano-1 ou kg
poluente.t de produto fabricado-1)
- Agropecuária
Produção agrícola (t.ano-1)
Aplicação de fertilizantes (t.ha-1.ano-1)
- Urbanização
Efluentes domésticos (gDBO.hab-1.dia-1)
Lixo doméstico (kg.residência-1.dia-1)
Índice de Saneamento Ambiental (ISA)
Indicadores Demográficos (incluem Perfil Socioeconômico)
População (hab) e taxa de crescimento (% a.a.)
Densidade demográfica (hab.km-2)
PIB per capita
Distribuição de Renda (Coeficiente de Gini)
Índice de Qualidade de Vida (IQV)
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Indicadores ‘Territoriais’
Área ocupada (km2)
Razão Área Ocupada:Área Total)
Incremento médio anual da área ocupada (km2.ano-1)

3.3.2. Contexto analítico do ‘Condicionamento ou Estado’ do


meio ambiente e recursos naturais

As pressões geradas pelas forçantes socioeconômicas sobre os sistemas ambientais (ar,


água, solo, vegetação) causam mudanças no seu condicionamento, isto é, na sua
qualidade e quantidade, ou seja na sua disponibilidade para os usos humanos, sejam estes
usos diretos, indiretos ou funcionais, opcionais e, mesmo, de existência ou de não uso.

Este contexto analítico envolve a utilização de dados e informações resultantes de


levantamentos e monitoramentos da qualidade (e da quantidade) ambiental: dados e
informações cartográficas georreferenciadas; análises químicas, físicas e biológicas;
cobertura florestal; mensuração de fluxos materiais (p.ex., vazão de rios, precipitação
atmosférica, material erodido, cargas de materiais nas correntes fluviais), etc.

Os dados e informações obtidos deverão ser comparados com referenciais de qualidade (e


quantidade) ambiental: padrões definidos pela legislação ambiental e/ou ‘níveis de base

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naturais’ (sobretudo no caso das contaminações de corpos hídricos, ar, solos etc.); áreas
controle ou testemunho dos sistemas naturais originais e/ou com baixa
intervenção/ocupação humana; mesma área/sistema natural em diferentes períodos.

TERMOS-CHAVE

-Levantamento e monitoramento da qualidade e quantidade


ambiental
-Comparação com referenciais de qualidade e quantidade
ambiental
-Identificação e mensuração de ecossistemas e/ou setores
mais atingidos
-Análise de tendência de evolução da qualidade e quantidade
ambiental

Similarmente ao contexto analítico das forçantes socioeconômicas e das pressões, séries


históricas dos dados e informações sobre a qualidade e quantidade ambiental são
desejáveis porque permitem a análise de tendências e, assim, a elaboração de cenários
prognósticos do seu comportamento.

Neste sentido, os indicadores de condicionamento ambiental devem ser capazes de


informar, tanto sobre o estado atual dos sistemas ambientais como sobre as mudanças
neles ocorridas, assim como sobre a tendência evolutiva destas mudanças.

O ‘nível de base atual’ da qualidade e quantidade ambiental não deve ser confundido com
o ‘nível de base natural’ (NBN), o qual reflete as características de um sistema natural
não submetido à ação humana. Este, como foi visto no sub-capítulo 2.5, tem grande
importância estratégica para a estimativa da depreciação física do capital natural (DCN).
A sua determinação é elemento importante a ser considerado no presente contexto
analítico. Por exemplo, a qualidade (original) dos recursos naturais (águas, ar, solos,
florestas) pode ser mensurada em setores não submetidos à ação humana na unidade
territorial sendo avaliada; e/ou em áreas-controle das características originais, de mesmas
ou similares características, situadas na região; ou, ainda, em um período precedente à
ocupação humana mais intensa, evidentemente desde que registros para isso sejam
disponíveis.

Alguns exemplos de indicadores de condicionamento estão citados abaixo.

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EXEMPLOS DE INDICADORES DE CONDICIONAMENTO

Concentrações, fluxos de materiais


Substâncias tóxicas em águas (mg.L-1), ar (mg.m-3), solos,
plantas e animais (mg.kg-1)
Substâncias tóxicas em corpos hídricos (t ou kg.ano-1)
Material em suspensão em corpos hídricos (t.ano-1)
Perdas de solo (t.ha-1.ano-1)
Assoreamento (mm ou cm.ano-1)
Deposição de particulado atmosférico (kg.ha-1.ano-1)
Indicadores ‘Territoriais’
Desmatamento (km2.ou ha-1.ano-1) e incremento (% a.a.)
Áreas degradadas (no e área total km2) e incremento (% a.a.)
Sítios contaminados (no) e incremento (% a.a.)
Áreas de risco (inundação, deslizamentos de terreno etc.) - (no)
e incremento (% a.a.)
Índices de qualidade ambiental
Índice de Qualidade de Água (IQA)
Índice de Qualidade do Ar
Índice de Risco Ecológico Potencial (IREP)
Índice de Preservação Ambiental (IPA)
Razão Σ (Áreas degradadas + Sítios contaminados + Áreas de
risco):Área Total

3.3.3. Exemplos da integração de indicadores de ‘Pressão’ e de


‘Condicionamento’

Antes da discussão dos contextos analíticos em que se processam os indicadores de


‘Impacto’ e, na seqüência, os de ‘Resposta’, é interessante discutir-se a possibilidade de
integração de indicadores de ‘Pressão’ e de ‘Condicionamento’. Isto é feito neste item
através de alguns exemplos práticos.

Conforme exposto, tanto os indicadores de ‘Pressão’ quanto os de ‘Condicionamento’


devem ser capazes de descrever e integrar informações sobre a situação atual, assim
como possibilitar a realização de históricos evolutivos e análises de tendências
(prognósticos) das mudanças a que estão sujeitos.

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Exercícios de modelagem matemática, visando a interação de
parâmetros indicadores, é um caminho adequado para tecer-se
considerações relacionadas à evolução das pressões, exercidas
pelas forçantes socioeconômicas, e das resultantes mudanças
sobre o condicionamento dos sistemas ambientais. Esta
modelagem constitui uma ferramenta essencial na construção
de cenários de desenvolvimento, o qual é intrinsecamente
dependente das relações entre as atividades humanas e o
substrato de sua sustentação constituído pelos recursos
naturais.

a) Primeiro exemplo: o caso da geração de energia termelétrica a carvão no Rio


Grande do Sul.

Na região do Baixo rio Jacuí, principal contribuinte do lago Guaíba, se situa a região
carbonífera tradicional do Estado do Rio Grande do Sul (Figura 3.3). O presente estudo
de caso baseia-se em Bidone et al (1999).

Nos estudos citados, as forçantes socioeconômicas consideradas são a mineração de


carvão e as usinas termelétricas. As pressões verificadas estão relacionadas ao incremento
do uso do solo pela atividade mineradora (incluindo as atividades de beneficiamento de
carvão, e os dispositivos de controle, p.ex., barragens de rejeitos), e pelas disposições de
cinzas e rejeitos originados pela queima do carvão para geração de energia nas usinas
termelétricas. A análise das mudanças no condicionamento (estado) dos recursos naturais
considera os efeitos das pressões sobre o próprio solo (tendo como indicadores a
acidificação, a perda de fertilidade, a eliminação da biota dos solos, entre outros) e sobre
as águas superficiais e subterrâneas (tendo como indicadores a acidificação, a
contaminação por metais pesados, o comprometimento da biota aquática, entre outros).
Para simplificar, neste exemplo, será considerado como indicador da mudança de
condicionamento ambiental, apenas a relação entre as áreas degradadas e de risco
ambiental relativamente a área total da bacia onde se encontram concentradas.
Nos estudos é proposta a construção de um modelo prognóstico para a ampliação das
áreas degradadas, relacionando estas Áreas Impactadas Prognosticadas (AIP em ha ou
km2) ao Potencial Carbonífero para Geração de Energia Elétrica (PCGE em MW),
associado às unidades mineiras (i.e., minas de carvão, UM) e às unidades/usinas
termelétricas (UTE), em operação e projetadas:

AIP (ha ou Km2) = tAIatual (ha ou Km2/MW) x PCGE

PCGE = PAC x VUM / HaUTE x VUTE x FcUTE x CeC

Onde, tAIatual = taxa de Área Impactada atualmente relacionada à potência instalada de


energia termelétrica (em ha ou km2/MW); PCGE = Potencial Carbonífero para Geração

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de Energia Elétrica, PAC = produção anual de carvão, com vocação termelétrica, por
tipo, em toneladas; VUM = vida útil da UM em anos; HaUTE = horas/ano disponíveis
para operação da UTE (8760 horas); VUTE = vida útil da UTE (30 anos); FcUTE = fator
de capacidade da UTE (0,5 ou 50%); CeC = consumo específico de carvão (em t/MWh).

O fator de capacidade da UTE (FcUTE) é estimado em 50% porque o sistema de


abastecimento de energia é suprido, prioritariamente, pelas usinas hidrelétricas; assim, as
UTE deverão ser operadas, ao longo de suas vidas úteis, com fator de capacidade médio
de 50%, devendo estar em condições de, nos períodos de hidraulicidade crítica, operar
com fator médio anual de até 80%.

O consumo específico (CeC) varia conforme as características do carvão, regime de


operação e rendimento da unidade. Abaixo são apresentados os consumos específicos
considerados para os diversos tipos de carvão energético (CE).

CeC CE 3100 CE 3300 CE 3700 CE 4500 CE 6000


t/MWh 1,10 1,00 0,68 0,55 0,41

Por exemplo, as unidades mineiras em funcionamento na área do estudo têm capacidade


nominal conjunta de produção de ~ 2 milhões de toneladas anuais de carvão (tipos CE
3100 e CE 3700). Aplicando-se a fórmula acima para o cálculo do PGCE, observa-se que,
neste ritmo, ter-se-ia a exaustão das minas ocorrendo a partir do oitavo ano, o que, ao se
agregar a manutenção dos mercados atuais (92 MW, usinas S. Jerônimo e
TERMOCHAR), não se traduz em capacidade de oferta suficiente de carvão para
justificar acréscimo de potência em termeletricidade. Uma usina como a de Jacuí I (em
fase final de construção na época dos estudos realizados), com sua potência (350 MW)
precisaria destas (ou similares) minas funcionando, pela fórmula, ~ 25 anos.

Por isso, estão previstos a implantação de vários projetos de unidades mineiras (UM) na
área do Médio e Baixo Jacuí que, no seu conjunto, são capazes de implementar a
produção do carvão com potencial termelétrico em ~ 4 milhões de toneladas anuais, ou
seja, segundo a fórmula, ~1060 MW de potencial carbonífero para geração de energia
elétrica.

Tomando-se por base que ~ 11% da área da bacia do Arroio do Conde (~ 40 km2 de sua
área total de 370 Km2), onde se encontram, principalmente, as minas em funcionamento
na área do estudo, estão diretamente impactadas atualmente; considerando, ainda, uma
potência instalada atualmente de 92 MW, tem-se uma tAIatual (taxa de área impactada
atualmente relacionada a potência instalada de energia termelétrica) de ~ 0,5 Km2/MW.
Este valor nos fornece uma medida preliminar da intensificação dos efeitos potenciais
passíveis de vir a ocorrer sobre os solos e águas fluviais da região estudada. A AIP para
1060 MW seria de ~ 530 Km2.

Mesmo ‘linear' e, portanto, passível de superestimações, o modelo proposto serve de base


para projeções (cenários futuros) dos efeitos gerados pelas pressões sobre o
condicionamento do meio ambiente na região enfocada. No entanto, com a ampliação das

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atividades mineradoras de carvão e termelétricas previstas, se não houver uma real
preocupação com o aporte de tecnologias ambientais apropriadas, talvez o modelo esteja
apenas subestimando os impactos futuros. Em todo caso, presta-se como uma ferramenta
no planejamento e estudos de viabilidade técnico-econômica relacionados a estas
atividades.

Figura 3.3. Região carbonífera tradicional do Estado do Rio Grande do Sul

b) Segundo exemplo: o caso do desmatamento na área de influência de rodovias


na Amazônia.

A título de exemplo neste item é considerado o desmatamento relacionado à construção


de rodovias no Estado do Acre (Figura 3.4). O presente estudo de caso baseia-se em
Bidone e Cadaxo Sobrinho (1997), Scarcello (2003).

Nos estudos citados, as forçantes socioeconômicas consideradas são a construção de


rodovias e as atividades agropecuárias desenvolvidas na sua área de influência. Portanto,
as pressões verificadas estão relacionadas ao crescimento da malha rodoviária e das
atividades agropecuárias (produção e áreas utilizadas). A análise das mudanças no
condicionamento (estado) dos recursos naturais considera os efeitos das pressões sobre a

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floresta tropical (tendo como indicadores a perda de fertilidade e erosão dos solos, as
emissões de gases do efeito estufa para a atmosfera devido às queimadas, as alterações na
qualidade das águas fluviais, a perda de biodiversidade, entre outros). Para simplificar,
neste exemplo, será considerado como indicador da mudança de condicionamento
ambiental, apenas o desmatamento para atividades agropecuárias, tendo em vista que os
demais indicadores de condicionamento estão diretamente a ele relacionados.

O Estado do Acre com 153.000 km2 está localizado na parte sudoeste da Amazônia tendo
como limites os estados de Rondônia e Amazonas no Brasil e, internacionalmente, o Peru
e a Bolívia. No Acre a vegetação original é classificada como do tipo floresta tropical
úmida densa (57%) e aberta (43%). A partir de 1970 a estratégia de inserção da
Amazônia à economia nacional foi baseada na construção de grandes obras de infra-
estrutura (sobretudo rodovias e usinas hidrelétricas), na expansão da agropecuária e na
mobilização humana através da migração incentivada. A frente agropecuária chega ao
Acre em meados da década de 70. A agropecuária, sua principal atividade econômica (em
substituição ao extrativismo tradicional), está baseada na pecuária extensiva e na
agricultura itinerante, praticadas através do sistema de ‘derruba e queima’ da floresta, se
expande através dos eixos rodoviários BR-317 e BR-364. No rastro das grandes rodovias
a expansão da fronteira agropecuária provocou grandes mudanças na cobertura original.
No período de 1970-2000 o Estado Acre duplicou a sua população, passando de 216.999
habitantes para 567.636 habitantes, com 66% da população residindo atualmente em
áreas urbanas.

Os métodos correntes para a estimativa do desmatamento na Amazônia, se utilizam do


monitoramento das áreas desmatadas por sensoriamento remoto orbital. O uso do
sensoriamento remoto via satélite para monitorar o desmatamento bruto anual iniciou em
1974 através do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mas somente a partir
de 1988 com a implementação do Programa de Monitoramento Desmatamento Bruto da
Amazônia (PRODES) passou a ter uma periodicidade anual, cobrindo todos os estados
da Amazônia.
O melhoramento e a ampliação, espacial e temporal, do monitoramento e prognóstico do
desmatamento na Amazônia necessitam da associação do monitoramento convencional
por sensoriamento remoto orbital com a avaliação do comportamento (histórico, atual e
de tendência futura) da principal forçante econômica responsável pelo desmatamento, ou
seja, as atividades agropecuárias que substituem a floresta tropical. Existe uma relação
intrínseca entre o contínuo incremento da produção agropecuária, as baixas
produtividades (i.e., relação entre produção e área utilizada) observadas para os produtos
agropecuários e o incremento do desmatamento para apropriação de novas áreas para
produção. A taxa de incremento do desmatamento na Amazônia brasileira pode ser
estimada pela taxa de incremento da produção menos a taxa de incremento da
produtividade das atividades agropecuárias. Essa relação é histórica e, dentro do espectro
das políticas praticadas atualmente, é forçoso considerar-se a sua permanência, no
mínimo, em futuro de médio prazo.

No Brasil, as variáveis produção e produtividade da agropecuária têm séries de dados


confiáveis que vêm sendo geradas anualmente a nível municipal pelo Instituto Brasileiro

16
de Geografia e Estatística (IBGE) desde 1974. Sua utilização, em conjunção com dados
de monitoramento via satélite, além da ampliação espacial e temporal do universo
amostral, permite a integração de indicadores socioeconômicos e ambientais para a
gestão da Amazônia.

Nos estudos citados é proposto um modelo baseado em uma formulação que relaciona o
desmatamento com os parâmetros econométricos produção e produtividade dos principais
produtos agropecuários, que mostrou-se capaz de realizar o histórico evolutivo e o
prognóstico do incremento da área desmatada para fins agropecuários.

IA = [(Pn - Po) / p] * [1- (tip / tiP)] (Equação 1)


AUi = AUi-1 ± IA (Equação 2)
EDi bruto = (Σ AUi + Σ AL)*F (Equação 3)

IA - expressa o incremento de áreas para produção no período considerado onde um


valor negativo resultante da estimativa de IA representa a área desmatada não utilizada
(AL) ,i.e. área colocada à margem do processo produtivo, temporariamente e/ou
definitivamente no período entre os dois anos considerados,
Pn - é a produção no último ano do período considerado
Po - é a produção no primeiro ano do período considerado
p - é a produtividade média observada no período considerado
tiP - é a taxa de incremento médio anual da produção no período
tip - é a taxa de incremento médio anual da produtividade no período.
AUi - área individual utilizada para a produção de cada produto agropecuário no ano i
AUi-1 - área individual utilizada no ano anterior
Σ AUi - área total utilizada no ano i
AL - área desmatada não utilizada acumulada até o ano i
ΣAL- área total desmatada não utilizada acumulada até o ano i
F- fator empírico
EDibruta- - área desmatada bruta estimada para o ano i

As estimativas do desmatamento bruto anual (EDi), utilizando a formulação proposta


foram inicialmente comparadas com os 12 dados de medidas anuais de desmatamento,
entre os anos de 1988 a 2000, gerados por sensoriamento remoto pelo Programa de
Monitoramento do Desmatamento Bruto da Amazônia – PRODES. Assim, os dois
conjuntos de dados, EDi e os dados de desmatamento do PRODES, apresentaram
diferenças que variaram de 2% a 15% com uma diferença média de 9% ±4%. Os dois
conjuntos de dados apresentaram, através do teste de regressão linear, correlação linear
positiva e significativa ( r2= 0,89; n=12 e p<0,05).

17
Figura 3.4. Estado do Acre e rodovias.

18
c) Terceiro exemplo: o caso da contaminação dos rios afluentes da Baía de
Guanabara no Estado do Rio de Janeiro.

A título de exemplo neste item é considerada a contaminação das águas fluviais dos rios
afluentes da Baía de Guanabara (Figura 3.5). O presente estudo de caso baseia-se em
Bidone et alli (1999), Bidone e Lacerda (2001) e Bidone e Lacerda (2003).

Nos estudos citados, as forçantes socioeconômicas consideradas são o crescimento


populacional (urbanização: 12 distritos municipais e 7,8 milhões de habitantes) e a
industrialização (aproximadamente 12.500 indústrias) na bacia da Baía de Guanabara. As
pressões verificadas estão relacionadas ao lançamento de efluentes domésticos
(aproximadamente 350 t diárias de DBO) e industriais (metais pesados, fenóis, óleo etc.)
nos rios drenando para a baía. A análise das mudanças no condicionamento (estado) dos
recursos naturais considera os efeitos das pressões sobre a qualidade das águas fluviais
(tendo como indicadores as concentrações e fluxos de substâncias contaminantes).

A bacia da Baía de Guanabara (4.000 km2) é compartimentada por altos relevos (1000 m a
1500m) do complexo geológico Serra do Mar. Ela é caracterizada por um grande número
de pequenas bacias hidrográficas afluentes (mais de 40), no geral menores do que 100
km2. O perfil característico dos rios apresenta uma forte mudança na declividade
(passagem rápida entre os altos relevos e a planície costeira). A descarga média dos rios
varia de 10-2 a 10-1 m3.s-1. Em áreas densamente povoadas, as descargas podem, mesmo,
aumentar devido ao lançamento in natura de efluentes domésticos. Por causa de suas
pequenas áreas, as bacias apresentam um baixo tempo de retenção hidráulica. Durante
grandes chuvas (80 mm ou mais), os efeitos sobre as descargas fluviais são quase
instantâneos e estas podem alcançar vários m3.s-1. Em áreas urbanas os efeitos podem ser
catastróficos.

Com base no critério de ocupação e uso dos solos estas bacias variam de bem preservadas
em suas características originais a fracamente impactadas com preservação de Mata
Atlântica ou vegetação similar abundante nas cabeceiras e encostas, até altamente
impactadas, densamente povoadas e industrializadas.

O principal indicador de pressão, utilizado pelos autores supracitados, relacionado à


forçante urbanização é a densidade populacional, a qual mantém uma significativa
relação linear positiva com os fluxos de materiais biogeoquímicos (p.ex., Nitrogênio e
Fósforo) utilizados como indicadores de condicionamento nos estudos realizados.

Em bacias contaminadas por efluentes domésticos, os fluxos de Nitrogênio (N) e de


Fósforo (P) aumentam até três ordens de grandeza, quando comparados com águas
fluviais não contaminadas. A razão N:P indica o nível de contaminação das águas fluviais
e reflete as diferentes intensidades de ocupação de uma bacia, como pode ser observado
no quadro abaixo. As razões decrescem de maneira inversamente proporcional ao grau de
contaminação das águas.

19
Razão N:P (mol : mol) para diferentes intensidades de ocupação de pequenas bacias
hidrográficas drenando para a Baía de Guanabara.
Dens. Pop. (hab.km-2) N:P Condicionamento das Águas Fluviais
10-1 100 ou mais Rios em florestas
10 10 – 100 Rios não poluídos
102 1 – 10 Rios fracamente poluídos
3
10 0,1 – 1 Rios poluídos
104 0,01 – 0,1 Rios altamente poluídos

A partir da estimativa dos fluxos de materiais nas águas fluviais, é possível derivar as
cargas de substâncias (fatores de emissão) relacionadas aos efluentes domésticos. Para a
bacia da Baía de Guanabara, as cargas per capita de DBO, N e P foram estimadas em
0,03 kgDBO.hab-1.dia-1, 0.01 kgN.hab-1.dia-1 e 0.002 kgP.hab-1.dia-1.

Por outro lado, as pressões sobre os ecossistemas geradas pela urbanização nas bacias
hidrográficas estão diretamente relacionadas ao perfil socioeconômico da população. No
caso da Baía de Guanabara, os níveis de renda da população expressam bastante bem a
falta de condições adequadas de saneamento básico responsável direto pela qualidade do
meio ambiente em que vive grande parte desta população.

Nas áreas críticas do entorno da baia (sobretudo o seu setor NW) menos de 60% da
população possui acesso a instalações adequadas de esgoto doméstico. Além disso,
mesmo nas áreas com instalações adequadas de esgoto doméstico, apenas
aproximadamente 10% do volume total de esgoto coletado é tratado antes de ser lançado
na baia. Portanto, aproximadamente 90% do esgoto total é lançado diretamente nos rios
tributários da baia. Nestes setores o Índice de Desenvolvimento Humano é próximo ou
inferior a 0,500.

Observação: o IDH varia de 0 a 1. Quanto maior o valor, mais alto o nível de


desenvolvimento alcançado pela população: IDH > 0,800 (alto); IDH entre 0,500 e 0,800
(médio) e IDH < 0,500 (baixo).

20
Figura 3.5. Baía de Guanabara

21
3.3.4. Contexto analítico dos indicadores de ‘Impacto’ e de
‘Resposta’

Este item propõe-se esclarecer como os ‘impactos’ são percebidos e avaliados


(mensurados), e qual a forma assumida pelas ‘respostas’ na estrutura FPCIR, bem como
sugerir alguns indicadores para ‘impactos’ e ‘respostas’.

As mudanças no condicionamento ambiental geram impactos. Na legislação ambiental


brasileira, a expressão ‘impacto ambiental’ relaciona-se às alterações das propriedades
físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, por qualquer forma de matéria ou
energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente possam afetar a
saúde, a segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas e a
biota (art. 1° da Resolução CONAMA 001/86 e art. 3° da Lei 6.938/81, que trata da
Política Nacional de Meio Ambiente).

Esta definição engloba praticamente todos os termos da estrutura FPCIR. O termo


‘qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas’ corresponde às
pressões geradas sobre o meio ambiente por forçantes socioeconômicas. O termo
‘alterações das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente’
correspondem às mudanças no condicionamento ou estado do meio ambiente. O termo
diretamente vinculado à noção de ‘impacto’ na estrutura FPCIR corresponde à ‘afetar a
saúde, a segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas e a
biota’.

Na estrutura FPCIR, a percepção dos impactos, situa-se no contexto dos efeitos


(alterações) sobre as atividades humanas, gerados pelas mudanças no condicionamento
ambiental. Estes efeitos configuram alterações no bem-estar social, relacionado à saúde
das populações, à produção, ao valor de propriedade, ao lazer e amenidades, ao valor de
existência dos ecossistemas etc. Portanto, a mensuração dos impactos pode ser realizada
no contexto de análises custos-benefícios (ACB), considerando as estratégias - e as suas
limitações e dificuldades de caráter operacional - expostas no Capítulo 2.

Conforme exposto naquele capítulo, estratégias baseadas nos custos das medidas de
proteção ambiental, i.e., custos de medidas/investimentos (de caráter preventivo ou
corretivo) visando a conservação das funções/usos dos recursos naturais, não necessitam
da valoração de bens e serviços ambientais sendo, assim, mais favoráveis para a operação
de ACB.

Em qualquer situação envolvendo o multiuso de recursos naturais, é necessário identificar


o mais completo conjunto de agentes socioeconômicos interessados (multiusuários), e
suas pressões, impactos, aspirações e influência. Os diferentes pontos de vista dos
multiusuários do(s) recurso(s) potencializam conflitos de valores. Uma maneira de
caracterizar estes conflitos ao longo do tempo é através da formulação e análise de
‘cenários de mudanças ambientais’. Para que esta abordagem produza resultados efetivos,
um cenário de tendência (i.e., as implicações das tendências correntes permanecendo
substancialmente inalteradas em um determinado horizonte temporal) precisa ser

22
contrastado com os resultados derivados de um ou mais cenários alternativos futuros. As
diferentes situações conflituosas identificadas podem ser avaliadas através de métodos de
análise multi-critérios. Ela tem a vantagem de envolver tanto procedimentos de valoração
monetária quanto não-monetários para um amplo espectro de efeitos ambientais,
socioeconômicos e políticos (Pearce e Turner, 1992).

Em linhas gerais, o primeiro passo neste tipo de análise é definir da melhor maneira
possível o problema atual (i.e., a degradação do recurso considerado), idealmente através
de medidas discretas de indicadores (p.ex., tamanho da área envolvida). Uma série de
alternativas (cenários) possíveis para recuperar/melhorar a qualidade do recurso deve ser
identificada e, para cada uma, é realizado o prognóstico de seus efeitos potenciais
(considerando critérios que reflitam os diferentes aspectos socioeconômicos – ‘forçantes’
– relevantes para a área). Cada cenário é, então, medido ou valorado segundo os critérios
estabelecidos (efeitos potenciais). Para ranquear os cenários alternativos, a
importância/relevância dos critérios precisa ser ponderada, tanto para cada critério (p.ex.,
diferentes impactos econômicos) quanto entre critérios (p.ex., impacto econômico versus
impacto ambiental), Turner et al (1998).

No planejamento de ações e políticas públicas, a necessidade do envolvimento da


população e partes interessadas e a complexidade do mesmo é usual que diversas
questões sejam avaliadas segundos critérios subjetivos. Essa subjetividade vem sendo
tratada, em outras áreas do conhecimento humano, segundo uma abordagem neuro-fuzzy,
que considera a transformação de qualquer variável utilizada no processo, em termos
lingüísticos. Essa transformação, ponderada por processo lógico que considere a
utilização de conjuntos fuzzy, bem como suas operações, proporciona, segundo estruturas
neurais que simulam o processo de raciocínio humano, uma abordagem heurística e a
obtenção de indicadores de desenvolvimento dos ambientes sob análise.

Esses indicadores refletem a interação entre os usuários e especialistas, ponderados pelas


regras fuzzy e que guarda as características de todas as variáveis avaliadas. O resultado
final permite a observação de quão alto, médio ou baixo encontra-se o desenvolvimento
de uma região, bem como as partes do sistema que influenciam positiva e negativamente
para cada cenário de planejamento (Quadros e Morales, 2003).

Os efeitos (impactos) sobre as atividades humanas fornecem (ou deveriam fornecer) o


estímulo para políticas/ações de planejamento e gestão (respostas da sociedade), que
considerem a demanda competitiva pelo(s) uso(s) dos (escassos) recursos naturais, e a
efetiva participação das partes interessadas.

No Brasil, grande parte dos recursos ‘ambientais’ são aplicados na recuperação de


ecossistemas impactados (p.ex., programa de despoluição da Baía de Guanabara-RJ e do
rio Tietê-SP, macrodrenagem em Belém-PA, lago Guaíba-RS, recuperação de passivos
ambientais nas rodovias federais, entre muitos outros). Estes recursos montam a bilhões
de dólares, geralmente emprestados a organismos internacionais de financiamento. Pode-
se dizer que o país incorre nestes custos precisamente por não ter havido o planejamento
e a gestão necessários ao uso de seus recursos naturais. Provavelmente, a soma destes

23
recursos supera de muito aqueles destinados às medidas preventivas visando a
conservação.

Considerando, ainda, que os custos para reabilitar/recuperar o meio ambiente são de 10 a


50 vezes maiores do que os custos de prevenção (World Bank, 1992), pode-se ter uma
primeira aproximação dos custos econômicos (sociais) de oportunidade relacionados.

Vejamos, a título de exemplo, o Programa de Recuperação da Baía de Guanabara. A


implantação do programa iniciou em 1995 com um custo projetado de US$ 793 milhões,
visando a redução de, aproximadamente, 80% das cargas poluentes transportadas pelos
rios para a baia (através de medidas técnicas essencialmente de saneamento).

Utilizando informações das bacias de drenagem do setor NW da Guanabara Bay, o mais


crítico em termos sócio-econômicos e de contaminação ambiental, Bidone e Lacerda
(2003), com o auxílio do modelo de ACB descrito no sub-capítulo 2.6 (o qual não recorre
à valoração de bens e serviços ambientais), demonstram que o custo das medidas técnicas
de controle é de nove vezes a renda familiar per capita (em uma área onde o IDH é
<0,500). Isto para obter valores de qualidade de águas fluviais drenando para a baía -
prognosticados pelos autores com base nos (indicadores) fluxos de demanda bioquímica
de oxigênio (DBO), nitrogênio total e fósforo total – de até uma ordem de grandeza
abaixo de padrões de sustentabilidade (estabelecidos, de maneira conservadora, com base
nos níveis observados para águas fracamente poluídas na região), e de até duas ordens de
grandeza quando comparados com os níveis de base naturais (NBN). Portanto, mesmo se
atingidas in totem as metas originais do programa, um importante passivo ambiental
relativo à qualidade das águas fluviais é deixado na ‘conta’ das futuras gerações. Isto
pode ser aproximado através do conceito de depreciação física do capital natural (DCN).
Os autores estimaram esta DCN em US$ 62 milhões para o PNCD, o que corresponde à
aproximadamente 10% do orçamento global do programa.

Dados recentes de concentração de indicadores biogeoquímicos de amostras de águas


fluviais e da baia, coletadas no setor NW da Guanabara Bay, mostram praticamente os
mesmos valores do período 1990 a 1995, anterior ao início do programa. O Relatório de
Desenvolvimento Humano do Rio de Janeiro, elaborado pela prefeitura do Rio de Janeiro
com o apoio do United Nations Development Program (UNDP), sustenta que o programa
- tendo completado oito anos (iniciou em 1995) e consumido mais de US$ 600 milhões -
não tem sido desempenhado com eficiência e que o impacto positivo esperado não se fez
presente. O cronograma de implantação não foi obedecido e o estado mostrou não ter
capacidade para gerenciar o programa.

Estes fatos remetem à uma questão básica na análise da sustentabilidade de políticas,


planos e programas públicos voltados para o meio ambiente e a melhoria da qualidade de
vida da população. A definição de sustentabilidade, como exposto no Capítulo 1, envolve
diversas dimensões e não somente a ambiental: social, política, econômica, moral,
cultural, institucional, entre outras. Por exemplo, a dimensão econômica implica uma
gestão eficiente dos recursos em geral e caracteriza-se pela regularidade de fluxos do
investimento público e privado - o que quer dizer que a eficiência pode e deve ser

24
avaliada por processos macrossociais. Da mesma forma, do ponto de vista da
‘sustentabilidade institucional’, por ter característica multisetorial é preciso que o
planejamento seja efetivamente intersetorial, com a efetiva integração de todos os
organismos envolvidos.

Relativamente aos indicadores de ‘impacto’ e ‘resposta’, estes situam-se, entre outros


possíveis, nos contextos da própria existência de instrumentos legais de organização do
uso do espaço e dos recursos naturais; da avaliação de desempenho de investimentos
específicos realizados (p.ex., indicadores de metas definidas para uma política, plano ou
programa); da correção de contas convencionais pela inserção dos custos e benefícios
ambientais (construção de ‘contas-satélite’).

Nas ‘contas-satélite’ os benefícios são supostos estarem incluídos diretamente no cálculo


convencional – realizado anualmente - do PIB da área considerada. Estes benefícios são o
resultado do incremento da produção e produtividade das atividades econômicas, das
economias geradas com a redução de gastos com saúde, da valorização dos preços de
propriedade, e outros benefícios advindos da melhoria das condições sanitárias e
ambientais.

25
CONTEXTO ANALÍTICO DE ‘IMPACTO’ E DE ‘RESPOSTA’

Os impactos relacionam-se aos efeitos (alterações) sobre as


atividades humanas, gerados pelas mudanças no
condicionamento ambiental.

A mensuração dos impactos pode ser realizada no contexto de


análises custos-benefícios (ACB).

A mensuração dos impactos fornecem o estímulo para


‘respostas’ da sociedade: políticas e ações (planos e
programas) voltados ao planejamento e gestão da demanda
competitiva pelo(s) uso(s) dos (escassos) recursos naturais.

Formulação e análise de ‘cenários de mudanças ambientais’


considerando os conflitos de valores devidos aos diferentes
pontos de vista dos multiusuários do(s) recurso(s).

As diferentes situações conflituosas identificadas podem ser


avaliadas através de métodos tipo análise multi-critérios.

Políticas, planos e programas públicos têm característica


multisetorial, envolvendo todas as dimensões de
‘sustentabilidade’. O seu planejamento deve incluir a efetiva
articulação intersetorial.

Alguns contextos dos indicadores de ‘impacto’ e ‘resposta’

- Instrumentos legais de organização do uso do espaço e dos


recursos naturais (p.ex., Zoneamento Econômico Ecológico -
ZEE; Planos Diretores urbanos; ‘master plans’ setoriais;
comitês gestores de bacias hidrográficas).

- Indicadores de metas definidas para uma política, plano ou


programa (inclui indicadores de sustentabilidade em suas
diferentes dimensões).

- Indicadores de desempenho institucional na execução e


gestão de políticas, planos ou programas.

- Correção de contas convencionais (construção de ‘contas-


satélite’).

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