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JURÍDICA
INTERPRETAÇÃO DE LACUNAS
Marcus Vinícius de Freitas Teixeira Leite
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Olá!
Você está na unidade Interpretação de lacunas. Conheça aqui algumas questões de extrema relevância para a
hermenêutica jurídica e para o direito como um todo. Iniciaremos analisando as antinomias e lacunas no
ordenamento jurídico, bem como a analogia e outros fatores igualmente interessantes. Posteriormente,
seguiremos com a hermenêutica e a jurisdição constitucional, para compreender as noções mais importantes
Bons estudos!
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1. Integração e aplicação do direito perante antinomias e
lacunas
Primeiramente, será apresentada aqui a classificação das antinomias e os critérios de resolução. Em seguida,
serão analisadas as classificações das lacunas no direito e, por fim, serão exploradas questões concernentes à
analogia, aos princípios gerais do direito, à equidade, aos costumes e aos fins sociais na hermenêutica
jurídica.
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1.1 Classificação das antinomias e critérios de resolução
Os ordenamentos jurídicos, via de regra, são bastante complexos, já que lidam com uma realidade ainda mais
complexa e dinâmica, de modo que as normas dificilmente conseguem acompanhar as mudanças sociais e, por
Nesse sentido, de acordo com Cardoso (2012, p. 691), antinomias são entendidas como um conflito entre
normas incompatíveis de um mesmo ordenamento jurídico, inseridas em um igual âmbito de validade temporal,
pessoal, material e espacial. Trata-se, então, segundo Soares (2019), de um problema de coerência do
ordenamento jurídico, ocorrido quando há uma contradição entre duas normas, como, por exemplo, casos em
que diferentes normas proíbem e permitem uma mesma conduta, gerando uma situação de contraposição entre
essas normas.
Há várias formas de classificar essas antinomias, de acordo com diferentes teóricos. Batista (1998) classifica as
antinomias no ordenamento jurídico em quatro tipos, separando-as, primeiramente, entre reais e aparentes. As
reais são aquelas que ocorrem, conforme afirma Batista (1997, p. 28),
quando não se dispõe de regras para solucionar as colisões de normas ou princípios ou, embora as
As aparentes, por sua vez, são aquelas em que a solução se encontra nas próprias normas. Por isso, não chegam a
Em segundo lugar, o autor subcategoriza as antinomias entre próprias e impróprias. As próprias são aquelas
que surgem por motivos formais, enquanto as impróprias decorrem do conteúdo da norma. Nessa
subclassificação, há ainda três subdivisões relevantes para o estudo proposto. A primeira delas é a antinomia
relativa a princípio, que é definida por Batista (1998, pp. 28-29) como o
Em seguida, há antinomias ditas de valoração, existentes quando, por exemplo, um crime mais leve possui
uma pena mais grave do que um crime considerado de menor gravidade. E, por fim, há antinomias teleológicas,
que são definidas por Batista (1998, pp. 28-29) como aquelas em que há incompatibilidade
entre os fins preconizados por uma norma e o meio prescrito por outro para obtenção daqueles
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É importante destacar, porém, que Bobbio (1995, p. 90-91), entre outros autores, não considera que essas
antinomias de princípios, de avaliação e teleológica sejam realmente antinomias. Isso se deve ao fato de que o
Batista (1998, p. 29) classifica, em terceiro lugar, as antinomias quanto ao âmbito. Nesse caso, as antinomias
conflitos entre normas internacionais com as de direito interno, ou apenas entre normas do próprio direito
interno.
E, em quarto lugar, sendo essa uma classificação bastante utilizada, se encontram as antinomias total-total,
parcial-parcial e total-parcial, que são definidas por Cardoso (2012, p. 619) como
se as duas normas incompatíveis têm igual âmbito de validade, a antinomia é denominada total-total:
em nenhum caso uma das duas normas pode ser aplicada sem entrar em conflito com a outra; em
segundo lugar, a antinomia ocorre se as duas normas incompatíveis têm âmbito de validade em
parte igual e em parte diferente, a antinomia subsiste apenas para a parte comum, e pode chamar-se
parcial-parcial; e, por último, se, de duas normas incompatíveis, uma tem um âmbito de validade
igual ao da outra, porém mais restrito, ou, em outras palavras, se o âmbito de validade é, na íntegra,
igual a uma parte do da outra, a antinomia é total por parte da primeira norma com respeito à
segunda, e somente parcial por parte da segunda com respeito à primeira, e pode chamar total-
parcial.
Assim, pode-se observar, a seguir, um quadro ilustrativo que apresenta a classificação geral das antinomias.
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Figura 1 - Antinomias
Fonte: Elaborado pela autora.
#PraCegoVer: a imagem mostra um esquema hierárquico organizacional contendo a classificação geral das
Como se vê, independentemente da classificação que se possa aplicar às antinomias, trata-se de problemas de
conflitos normativos no ordenamento jurídico, que ocorrem por diversos fatores. Assim, é preciso pensar
também as formas de resolução dessas antinomias, a fim de garantir uma aplicação mais coerente possível do
Nesse sentido, diante de um conflito entre duas normas, certamente alguma delas irá prevalecer para aplicação
ao caso concreto. A questão que se coloca, então, é como escolher qual deve ser a norma a prevalecer. Bobbio
(1995) cita três regras principais para resolução de antinomias. A primeira delas se dá através do critério
entre duas normas incompatíveis, prevalece a posterior: lex posterior derogat priori.
Para o autor, essa regra justifica-se de maneira muito evidente ao pensar nos absurdos que poderiam ser
gerados se houvesse a prevalência de uma norma precedente, considerando que a norma posterior
provavelmente surgiu em razão de uma nova situação fática possivelmente mais próxima à realidade que se está
regulando.
A segunda regra diz respeito ao critério hierárquico, que, por sua vez, de acordo com Bobbio (1995, p. 93),
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é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex
suprior derogat inferiori. Não temos dificuldade em compreender a razão desse critério depois que
vimos (...) que as normas de um ordenamento são colocadas em planos diferentes: são colocadas em
ordem hierárquica. Uma das consequências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas
superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A
inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo;
essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que
Por fim, a terceira regra se refere ao critério da especialidade, que consiste na prevalência, a partir de um
conflito entre uma norma especial e uma norma geral, da primeira: lex specialis derogat generali. Para Bobbio
(1995, p. 95-96),
a passagem de uma regra mais extensa (que abrange um certo genus) para uma regra derrogatória
menos extensa (que abrange uma species do genus) corresponde a uma exigência fundamental de
justiça.
Inclusive, essa especialização das normas representa, de certa forma, a compreensão, por parte do legislador, da
diferenciação existente entre categorias de todo o tipo na sociedade, de modo que, segundo Bobbio (1995, p. 95-
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o desenvolvimento do ordenamento.
É importante ressaltar, ainda, que esses critérios de resolução servem quando o conflito se dá entre normas que
não sejam contemporâneas, mas que sejam do mesmo nível e ambas gerais. Entretanto, frequentemente, os
conflitos acontecem justamente de modo que esses critérios não se mostrem capazes de solucionar o problema.
Isso, portanto, ilustra a complexidade que as antinomias podem representar para o direito, sendo que, de acordo
com Bobbio (1995, p. 97-103), para o caso desses conflitos insolúveis, talvez o deslinde do problema se dê pela
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Assista aí
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1.2 Classificação das lacunas
Além da coerência do ordenamento jurídico, que abrange o estudo das antinomias, há também outro
importante aspecto do ordenamento: a completude. Por completude, compreende-se, conforme Bobbio (1995,
p. 115),
a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma
vez que a falta de uma norma se chama geralmente ‘lacuna’ (num dos sentidos do termo ‘lacuna’),
juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não
há caso que não possa ser regulado com uma norma tirada do sistema.
Nesse sentido, Bobbio (1995, p. 117) afirma que, enquanto a coerência diz respeito a um excesso de normas que
acabam entrando em contradição a respeito de uma dada situação, o problema das lacunas relaciona-se com a
falta de norma para regular determinados fatos. Trata-se, de acordo com Soares (2019), de vazios e imperfeições
Como aponta Bobbio (1995, p. 118-119), essa completude é importante para os sistemas jurídicos nos quais
todas as contradições que se apresentem ao juiz devam ser julgadas tomando como base uma norma do sistema.
O autor ainda faz menção a duas teorias acerca das lacunas no ordenamento jurídico. A primeira delas é a do
espaço jurídico vazio, segundo a qual Bobbio (1995., p. 129), simplificadamente, afirma que
um caso ou está regulado pelo Direito, e então é um caso jurídico ou juridicamente relevante, ou não
está regulado pelo Direito, e então pertence àquela esfera de livre desenvolvimento da atividade
humana, que é a esfera do juridicamente irrelevante. Não há lugar para a lacuna do Direito.
Ou seja, segundo essa perspectiva, não há lacuna no ordenamento, pois se não há norma regulando determinada
situação, ela não diz respeito ao direito, de modo que uma norma particular inclusiva solucionaria o problema
Diferentemente, a teoria da norma geral exclusiva, segundo Bobbio (1995, p. 132-133), sustenta que
não há lacunas pela razão inversa, isto é, pelo fato de que o Direito nunca falta.
Em outras palavras, Bobbio (1995, p. 132-133) afirma que essa perspectiva consiste na defesa de que
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uma norma que regula um comportamento não só limita a regulamentação, e portanto, as
consequências jurídicas que desta regulamentação derivam para aquele comportamento, mas ao
Assim, ao regular uma situação, a norma está automaticamente deixando de regular as outras, de modo que
também não haveria lacuna, mas apenas a exclusão da regulação a partir da regulação de outros fatos.
não só nos parece impossível excluir as lacunas, em contraste com a teoria da norma geral exclusiva,
mas ficou mais claro o conceito de lacuna: a lacuna se verifica não mais por falta de uma norma
expressa pela regulamentação de um determinado caso, mas pela falta de um critério para a escolha
de qual das duas regras gerais, a exclusiva ou a inclusiva, deva ser aplicada. (...) devemos concluir
que um ordenamento jurídico, apesar da norma geral exclusiva, pode ser incompleto. E pode ser
incompleto porque entre a norma particular inclusiva e a geral exclusiva introduz-se normalmente a
norma geral inclusiva, que estabelece uma zona intermediária entre o regulamentado e o não
regulamentado, em direção à qual tende a penetrar o ordenamento jurídico, de forma quase sempre
indeterminada e indeterminável.
Assim, ao entender que o ordenamento pode ser incompleto e, portanto, possuir lacunas, o autor traça quais
seriam as classificações de lacunas do ordenamento jurídico. O primeiro tipo de lacuna que vale ser destaca é a
lacuna ideológica (ou imprópria). Nesse caso, conforme Bobbio (1995, p. 139-140), há não exatamente a falta de
uma solução, mas sim a falta de uma solução considerada satisfatória, isto é, não a falta de uma norma, mas a
Nesse sentido, o problema se coloca, de acordo com Bobbio (1995, p. 140-141), a partir de
uma norma que se desejaria que existisse, mas que não existe. Uma vez que essas lacunas derivam
não da consideração do ordenamento jurídico como ele é, mas da comparação entre ordenamento
Para o autor, o problema das lacunas somente tem sentido porque comparamos o ordenamento jurídico real
com o ordenamento jurídico ideal. De fato, quando se percebe uma lacuna, uma falta, isso geralmente se origina a
partir de uma situação fática não prevista pelo legislador e pelas leis, mas que, diante da realidade, mostra-se
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Há, ainda, as lacunas reais (ou próprias). Essas encontram-se dentro do próprio ordenamento jurídico, tal qual
temos a lacuna própria somente onde, ao lado da norma geral exclusiva, existe também a norma
geral inclusiva, e o caso não-regulamentado pode ser encaixado tanto numa como na outra.
Outras correntes elaboram diferentes classificações acerca das lacunas. Soares (2019) faz menção às lacunas
normativas, fáticas e valorativas. As lacunas normativas são aquelas em que não há norma que regule
expressamente determinado tipo de situação. Por sua vez, as lacunas fáticas consistem no não cumprimento da
norma por parte das pessoas em geral, gerando o que o autor chama de revolta dos fatos contra o sistema
jurídico. Por fim, as lacunas valorativas se dão quando a norma não é valorada como justa, de modo a estar em
Bobbio (1995) também faz outras classificações interessantes ao estudo proposto. Para o autor, há as lacunas
subjetivas, que dependem de algum motivo imputável ao legislador, e as objetivas, que são decorrentes de
mudanças nas relações sociais. Dentre as subjetivas, há as voluntárias, em que, propositalmente, o legislador
deixou a regulação mais em aberto, e as involuntárias, decorrentes de um descuido por parte do legislador.
Segundo a concepção de Bobbio (1995, p. 144-145), porém, as voluntárias não seriam exatamente uma lacuna, já
que o legislador optou por delegar a regulação de determinada situação ao arbítrio do juiz.
Assim, pode-se observar, a seguir, um quadro ilustrativo que apresenta a classificação geral das lacunas.
Figura 2 - Lacunas
Fonte: Elaborado pela autora.
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#PraCegoVer: a imagem mostra um esquema hierárquico organizacional contendo a classificação geral das
Como visto, então, o problema das lacunas no ordenamento jurídico pode ser estudado por diferentes
perspectivas. De toda forma, fica evidente a complexidade do ordenamento e do direito em si, na medida em que
a regulação da vida social é uma tarefa extremamente difícil e sempre suscetível a esse tipo de fenômeno.
Assista aí
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1.3 Analogia, princípios gerais do direito, equidade, costumes e fins sociais
Diante do problema das lacunas no ordenamento jurídico, existem algumas formas de se buscar soluções que
reduzam as brechas e conflitos que podem ser gerados por tais lacunas, chamadas de formas de integração do
ordenamento jurídico.
Primeiramente, tem-se a analogia, que consiste basicamente, segundo Bobbio (1995, p. 151), em um
procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulamentado a mesma disciplina que a um caso
regulamentado semelhante. (...) A analogia é certamente o mais típico e o mais importante dos
qual se explica a assim chamada tendência de cada ordenamento jurídico a expandir-se além dos
Nesse sentido, trata-se de um recurso utilizado na ausência de uma legislação para determinado caso concreto,
mas cuja comparação se dê a partir de razões jurídicas análogas, ou seja, com semelhanças relevantes entre o
caso regulado e aquele que se apresenta no momento. Entretanto, Iamundo (2017) ressalta que a analogia deve
ser utilizada com cuidado, pois pode ocasionar problemas se aplicada equivocadamente.
Os problemas na aplicação da analogia geralmente decorrem da falta de similitude entre as situações. Assim,
ignoram-se diferenças particulares relevantes e aplica-se a analogia apenas em razão de uma semelhança geral.
Nesse caso, segundo o autor, haveria uma espécie de semelhança enganadora, originada em regra por uma
diferença fática ou por uma diferença valorativa, já que a analogia deve ser encarada também como um
Bobbio (1995, p. 155), entretanto, aponta que a analogia difere da interpretação extensiva, na medida em que
a primeira acaba por originar uma nova norma jurídica a partir do reconhecimento de semelhanças importantes
entre as duas situações comparadas, enquanto a segunda diz respeito à extensão de uma norma já existente para
Além disso, os princípios gerais do direito também possuem importância para se pensar no problema das
[o]s princípios gerais são apenas (...) normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas
mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os
princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas
as outras.
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Para Soares (2019), os princípios gerais podem ser considerados diretrizes éticas, implícitas ou expressas na
legislação, que indicam a realização das finalidades e dos valores principais da ordem jurídica. Assim,
potencializa-se as tomadas de decisão mais justas nas hipóteses de lacunas, sobretudo as ditas valorativas.
Em geral, os princípios implícitos na norma/ordenamento, tais como a boa-fé, a moralidade, a igualdade, dentre
tantos outros, embora tenham um caráter mais genérico e abstrato, podem ter muita utilidade para a resolução
de casos complexos em que as normas propriamente ditas não regulam de maneira precisa a situação, de modo
que, aliados a outras normas, esses princípios podem dar direção à solução da controvérsia.
Tem-se como forma de integração do ordenamento, também, a equidade. Dito de maneira simples, conforme
Soares (2019), a equidade consiste em uma aplicação prudente, por parte do legislador, do próprio sentimento
de justiça, ao se deparar com casos de difícil solução e cuja regulação é deficitária normativamente.
Nesse sentido, França (2009, p. 55-56) considera que existem cinco requisitos da equidade como forma de
“a despeito da existência de casos de autorização expressa em lei, concernente ao uso da equidade, essa
autorização não é indispensável, uma vez que não apenas pode ser implícita, como ainda o recurso a ela decorre
mesmo que haja determinação legal expressa a respeito do objeto, “a equidade tem lugar, se este for defeituoso
observada a omissão, defeito ou significativa generalidade da lei, deve-se apelar para as formas complementares
tal construção da norma de equidade não pode ser sentimental ou arbitrária, mas sim fruto de uma elaboração
científica, em coerência “com o espírito que rege o sistema e especialmente com os princípios que informam o
Assim, Bobbio (1995, p. 149) entende que os juízos de equidade constituem um poder criativo do juiz. Tais
juízos formariam, então, uma espécie de direito judiciário, em que o juiz poderia decidir o caso em que há uma
É necessário ressaltar, ainda, que o artigo quarto da Lei de introdução ao código civil dispõe que
[q]uando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito.
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Assim, o próprio ordenamento jurídico brasileiro já prevê a possibilidade desse poder criativo do juiz com base
Dessa forma, no que tange aos costumes, Bobbio (1995, p. 149) considera que se trata de uma fonte subsidiária
da lei, com função integradora. Para ele há duas formas de aplicação do costume nos casos de lacuna, a ampla e a
[a] aplicação ampla tem lugar quando o costume é relacionado com uma norma deste gênero: ‘O
costume tem vigência em todas as matérias não-reguladas pela Lei’. A aplicação restrita ocorre
quando a relação está contida em uma norma deste gênero: ‘O costume tem vigência somente nos
[n]a aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Nesse sentido, de acordo com Barros Monteiro (apud FRANÇA, 2009, p. 33), é possível afirmar, então, que os fins
sociais são como balizas traçadas no ordenamento em relação às quais se pretende avançar. Simplificadamente,
os fins sociais são valores tidos como importantes e consignados no ordenamento para servir de orientação à
Fique de olho
A Lei de introdução ao código civil (LICC), também chamada de Lei de introdução às normas do
direito brasileiro, foi usada, no passado, para questões referentes estritamente ao Código civil,
sendo, atualmente, uma lei do direito em geral.
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2. Hermenêutica e jurisdição constitucional
Aqui, será explanado sobre a hermenêutica e a jurisdição constitucional, ou seja, os processos de
Figura 3 - Balança
Fonte: Wildpixel, iStock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra uma balança, tendo seus dois pratos equilibrados segurados por diversas mãos.
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2.1 Conflitos no tempo e no espaço
Ao se pensar a hermenêutica e sua relação com a jurisdição constitucional, a questão que se coloca é sobre a
forma pela qual os processos interpretativos devem estar em constante comunicação com a Constituição, já que
esta constitui a norma principal que serve como norte para o ordenamento jurídico como um todo. Por isso,
[a] Constituição é o elo conteudístico que liga a política e o direito, d’onde se pode dizer que o grande
salto paradigmático nesta quadra da história está exatamente no fato de que o direito deve servir
contra maiorias, mas, ao mesmo tempo, serve como garantia destas. Assim, na medida em que
força normativa da Constituição e o grau de autonomia do direito diante das tentativas usurpadoras
provenientes do processo político (compreendido lato sensu). Nesse contexto, a grande engenharia a
ser feita é, de um lado, preservar a força normativa da Constituição e, de outro, não colocar a política
a reboque do direito. E não permitir que a moral corrija o direito produzido democraticamente.
Dito isso, os conflitos no tempo e no espaço dizem respeito a situações em que potencialmente duas ou mais
normas seriam aplicáveis. No caso do conflito temporal, a questão está voltada, por exemplo, para situações em
que há uma nova norma que revogaria uma lei anterior e, portanto, é gerada uma dúvida quanto à qual norma
seria aplicável no caso concreto. Nos conflitos de lei no espaço, a problemática está, geralmente, relacionada à
territorialidade, por exemplo, quando há uma diversidade de legislação oriunda de dois países, gerando uma
No que tange ao conflito de leis no espaço, a Constituição brasileira não traz diretrizes muito específicas sobre a
questão. Contudo, a Lei de introdução ao código civil estabelece algumas formas de solução em determinados
[a] lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da
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[p]ara qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que
estiverem situados.
Assim, nota-se que o ordenamento jurídico brasileiro dá uma primazia ao local de domicílio para que se defina a
lei aplicável a um caso em que leis de diferentes países poderiam ser aplicáveis.
De todo modo, é muito importante destacar que essas questões de conflitos normativos entre legislações de
diferentes países são tratadas de maneira mais específica pelo direito internacional. Nesse sentido, há uma
série de complexidades que podem envolver essas situações, conforme os países e legislações envolvidos, a
Já em relação ao conflito de normas no tempo, as diretrizes também são mais especificamente traçadas pela Lei
de introdução ao código civil, como se verifica nos seus artigos primeiro e segundo.
Art. 1º - Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias
§ 1º - Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três
§ 3º - Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o
prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue.
§ 1º - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
§ 2º - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga
§ 3º - Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a
vigência.
Como se verifica, há uma série de disposições que tratam da vigência da norma no ordenamento jurídico. Apesar
de haver especificidades em relação a alguns tipos normativos, tais disposições são basicamente as principais.
É importante atentar ao fato de que a revogação de uma lei só se dá quando outra, mais nova, expressamente
traz a revogação em seu texto. No entanto, no Brasil há muitas normas em vigor para tratar de um mesmo
assunto e, em vários casos, uma lei passa a valer trazendo disposições que contrariam outra norma, mas sem
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revoga-la expressamente. Nesses casos, há um conflito de normas no tempo, resolvido através, por exemplo, do
critério cronológico.
É possível afirmar, então, que o conflito de normas no tempo e no espaço possui bastante relevância e deve ser
bem observado tanto pelo legislador quando pelos aplicadores do direito, pois a sua resolução serve também
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2.2 Retroatividade e impedimentos à retroatividade
Outra importante questão em relação aos efeitos de uma norma diz respeito à retroatividade da lei.
a qualidade do ato ou da ação que seja apta a surtir efeitos em acontecimentos que já sucederam.
Retroagir implica modificar o que está feito. Assim, por interferir em atos e fatos pretéritos, a
retroatividade é exceção no sistema jurídico vigente, podendo ocorrer apenas nos casos
expressamente autorizados por lei. Na prática de alguns atos, a retroatividade de seus efeitos é
intrínseca, isto é, é da natureza do próprio ato. São eles a ratificação e a confirmação, pois, em ambos,
estar-se-á praticando um novo ato, a fim de convalidar o anteriormente realizado. Isto posto, a ideia
lei no rol de direitos e garantias fundamentais, em seu artigo quinto, inciso XL, no qual se afirma que
assegurar a previsibilidade das condutas reguladas, isto é, a não surpresa do cidadão. Isto posto,
perfectibilizadas.
Além disso, a segurança jurídica e a relativa estabilidade almejada no ordenamento jurídico também estão
positivadas na Constituição, especificamente no inciso XXXVI do artigo quinto, no qual é dito que
a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Essa é uma forma de proteger a sociedade em geral de alterações legislativas repentinas que venham a
Contudo, é importante ressaltar que o princípio da irretroatividade não é absoluto e já foi relativizado pelo
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o STF já se pronunciou ao interpretar o preceito constitucional na medida em que positivado. O
princípio da irretroatividade aplica-se nos casos em que a ação estatal se mostre gravosa (i) ao
status libertatis da pessoa (CF, art. 5º, XL), (ii) ao status subjectionais do contribuinte em matéria
tributária (CF, art. 150, III, ‘a’) e (iii) à segurança jurídica no domínio das relações sociais. Caso a
atuação estatal não se revele tendente a macular nenhum desses preceitos, o STF entende que
inexiste vedação à edição de atos normativos retroativos. O quanto exposto foi consignado no voto
Convém destacar, ainda, no que tange ao citado artigo quinto, inciso XL, da Constituição, que nele está implícita a
retroatividade benéfica. Ou seja, caso alguém esteja hoje preso pelo cometimento de um crime cuja conduta
deixará de ser considerada ilegal pelo ordenamento jurídico, não há motivo para que a pessoa continue
cumprindo a pena por algo que a lei atual sequer entende como ilícito, de modo que haverá a retroatividade em
possui uma grande relevância não só do ponto de vista da hermenêutica, mas para o direito como um todo.
[c]onsagra-se, assim, o princípio da certeza do direito, de onde erige a necessidade de que (i) a
norma jurídica especifique o fato e a conduta que pretende regular, bem como (ii) a previsibilidade
do conteúdo normativo que se objetiva regular. Justamente por ser indispensável ao cidadão o
prévio conhecimento do conteúdo da lei ao tempo em que praticar a sua conduta é que se assegura a
sua irretroatividade. Caso contrário, seria inviável o planejamento de ações futuras, bem como a
disciplina dos fatos já consumados. Permitir a retroatividade das leis implicaria a completa ausência
de segurança nas relações jurídicas já consumadas, uma vez que a norma superveniente poderia
alterar a sua disciplina. Propiciar a segurança das relações jurídicas proporciona ao direito atingir o
valor justiça.
Por isso, é necessário ter em mente a importância do impedimento à irretroatividade, atentando aos motivos que
levaram o constituinte a consignar desse modo a Constituição, bem como compreender as exceções, sobretudo
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2.3 Metarregras na hermenêutica constitucional
Outro aspecto importante da hermenêutica constitucional consiste nas metarregras, ou metanormas. Essas
metarregras podem ser entendidas, segundo Gonçalves (2016), como normas que incidem sobre outras normas,
ou sobre atividades pertinentes a outras normas, como interpretação, produção e revogação, por exemplo.
Gonçalves (2016), para explicar o que se compreende por metarregras no direito, cita a teoria de Mazzarese e
aborda diversos autores na sua teorização sobre as metanormas, dentre os quais merece destaque
Searle, de quem ela aproveita a diferenciação entre regras regulativas e constitutivas. Como
sabemos, para Searle, as regras regulativas se relacionam a comportamentos que independem delas
– é o caso, por exemplo, das normas de etiqueta que regulam comportamentos que existem
comportamentos que dependem delas – é o caso, por exemplo, das regras do jogo de xadrez, sem as
As metanormas, então, possuem uma enorme relevância para o direito, na medida em que, de alguma forma,
servem para a organização de questões muito importantes, como as legislaturas ou elementos procedimentais da
aplicação do direito. Sem normas assim, poderia haver maiores incertezas quanto às regras do jogo, o que
(a) metanormas constitutivas que incidem sobre normas (...); (b) metanormas constitutivas que
incidem sobre atividade relacionada à norma, (...); (c) metanormas regulativas que incidem sobre as
normas; (d) metanormas regulativas que incidem sobre atividade relacionada à norma.
No ordenamento jurídico, é possível pensar em diferentes metanormas. Um exemplo simples consiste nos
regimentos internos das casas parlamentares. Nesses regimentos, encontram-se normas que regulam a forma de
se fazer outras normas, incluindo desde a atividade dos parlamentares em si até o tempo de tramitação, a
No mesmo sentido, algumas normas da Lei de introdução ao código civil também podem ser consideradas
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[q]uando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito.
Essa não é uma norma que regula um comportamento social genérico, mas está voltada a uma atividade
É importante ressaltar, ainda, que as metanormas não se confundem com os princípios. Embora existam
inúmeros entendimentos sobre o que são os princípios, é possível considerá-los, muito simplificadamente, de
acordo com Gonçalves (2016), como uma referência da qual a ordem jurídica pode partir. As metanormas, por
sua vez, regulam mais diretamente as normas e as atividades a elas relacionadas, não sendo exatamente esses os
De toda forma, sua importância é autoexplicativa para o direito. Sem as metanormas, possivelmente poderia
Fique de olho
É importante ressaltar que vários dos conflitos entre normas destacados aqui possuem
diferentes tratamentos conforme o ramo do direito. No direito penal e no direito tributário,
por exemplo, existe uma série de especificidades que tornam esses conflitos mais particulares
conforme a situação e o âmbito nos quais estão inseridos. Por isso, faz-se necessário conjugar o
estudo da hermenêutica com casos concretos a partir de um ramo específico do direito.
Assista aí
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/2466b42030c58c3d3abd12a28d7a27b9
é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• as antinomias são entendidas como um conflito entre normas incompatíveis (problema de coerência) de
um mesmo ordenamento jurídico, inseridas em um igual âmbito de validade temporal, pessoal, material e
espacial;
• os critérios de resolução das antinomias são o cronológico, o hierárquico e o de especialidade;
• o problema das lacunas relaciona-se com a falta de norma para regular determinados fatos, uma vez que
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• os critérios de resolução das antinomias são o cronológico, o hierárquico e o de especialidade;
• o problema das lacunas relaciona-se com a falta de norma para regular determinados fatos, uma vez que
elas são vazios e imperfeições que comprometem a almejada completude do ordenamento jurídico;
• a analogia é um recurso utilizado na ausência de uma legislação para determinado caso concreto, mas
em que é possível fazer uma comparação a partir de razões jurídicas análogas a outros casos, ou seja, com
semelhanças relevantes entre o caso regulado e aquele que se apresenta no momento;
• a questão da retroatividade e o impedimento à retroatividade, previsto no ordenamento jurídico
brasileiro, tem por objetivo assegurar a segurança jurídica e algum grau de previsibilidade nas relações,
de modo a estabilizar as normas e os fatos por elas regulados.
Referências
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/verbete/288/edicao-1/retroatividade
BATISTA, R. C. Antinomias jurídicas e critérios de resolução. Revista. Dout. Jurisp., Brasília, n. 58, p. 13-78, set.
/dez. 1998.
BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.
BRASIL. Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de introdução ao código civil. Diário oficial da união:
1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/94, pelas Emendas
Constitucionais n. 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo n. 186/2008. Brasília, DF: Senado Federal,
CARDOSO, F. S. O Direito como sistema: dever de coerência e as antinomias segundo Norberto Bobbio. R. Fac.
Dir. Univ. São Paulo, São Paulo, v. 106/107, p. 613-25, jan./dez. 2011/2012.
FRANÇA, R. L. Hermenêutica jurídica. 9 ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
GONÇALVES, F. P. F. Sobre palavras, seus usos e significados: o modelo normativo de Marcelo Neves entre as
normas e as metanormas. Rev. direito GV, São Paulo, vol. 12, n. 1, jan./abr. 2016.
SOARES, R. M. F. Hermenêutica e interpretação jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
Constitucional. 1 ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em:
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/18/edicao-1/hermeneutica-constitucional
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