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ARTIGOS TRADUZIDOS
UNASP 2007
SUMÁRIO
de vista de que a expressão representa uma unidade de tempo, qual seja um dia completo.
5. A Septuaginta, grega, tanto na versão mais antiga quanto na de Teodósio, do
livro de Daniel, compreende a expressão como denotando “dias”. Ambas inserem a palavra
“dia” na passagem e dizem literalmente: “Até dias de tarde e manhã dois mil e trezentos...”
A expressão „ereb bōqer de Daniel 8:14 é interpretada na literatura corrente como
uma referencia aos sacrifícios matinais e vespertinos oferecidos diariamente no Templo. A
omissão de 2300 destes sacrifícios corresponderia a 1150 dias, o intervalo de tempo
durante o qual os serviços do Templo foram suspensos, em seguida à profanação do
mesmo e de seu altar por Antíoco Epifânio. Esta interpretação veio a tornar-se
praticamente normativa, de modo que os modernos eruditos raramente reservam algum
tempo para examiná-la de modo crítico.
Assim, por exemplo, A. Bentzen declara: “2300 tardes-manhãs, ou seja, 1150 dias,
é a forma peculiar de indicar o tempo do qual se está falando, uma vez que o total de
sacrifícios-tāmîd omitidos é fornecido; uma vez que cada manhã e tarde, de cada dia,
testemunhava um tāmîd, a omissão de 2300 destes sacrifícios significa 1150 dias”.1
Bentzen acrescenta a interessante observação de que esta interpretação data
retrospectivamente à época de Ephraem Syrus. A mesma explanação é repetida sem
qualquer preocupação crítica pela grande maioria dos modernos comentaristas. 2
Duas observações poderiam ser feitas aqui. Em primeiro lugar, nenhum destes
modernos comentaristas questiona a exatidão ou correção de que tāmîd efetivamente se
refira a cada um dos dois sacrifícios diários, o da manhã e o da tarde. Em segundo lugar,
a razão proposta por alguns comentaristas para o estranho fato de que “tarde” esteja a
preceder “manhã” em Daniel 8:14, não é sustentável à luz do uso bíblico comum.
Ao se examinar a primeira suposição, ou seja, que tāmîd possa referir-se a cada
um dos sacrifícios diários tomados separadamente, vale a pena observar que a palavra
tāmîd não é empregada como substantivo, exceto no livro de Daniel : 8:11, 12, 13; 11:31;
12:11. Em todo o restante do Velho Testamento o termo é muitas vezes utilizado como
advérbio, no sentido de “continuamente” ou “diariamente”, ou como adjetivo, com o
significado de “contínuo”, “perpétuo”, “regular”, etc. É empregada 26 vezes numa
construção de relação a fim de qualificar nomes, tais como “oferta queimada” “oferta de
manjares”, “fogo”, “pães da proposição”, “festa”, “compensação”, e assim por diante. Uma
vez que tāmîd é usado com maior freqüência para qualificar ofertas ou sacrifícios
queimados, a palavra “sacrifício” foi suprida por diferentes tradutores a fim de completar o
sentido do tāmîd elíptico nos cinco textos de Daniel. A Septuaginta simplesmente traduziu
tāmîd como thusia nestas passagens. Uma vez, porém, que a palavra era usada para
qualificar outros aspectos do serviço do Templo, alem dos sacrifícios, seria mais oportuno
suprir o termo “serviços” em lugar de “sacrifícios” nos mesmos textos. Quando o santuário
foi subvertido pelas atividades do “chifre pequeno”, não apenas os sacrifícios deixaram de
ser oferecidos, como ainda a totalidade dos serviços do Templo cessou.
Entretanto, ainda que a palavra “sacrifício” devesse ser suprida nos diferentes
textos de Daniel em que o termo tāmîd ocorre, dever-se-ia simultaneamente observar que
tāmîd é um termo técnico na linguagem do ritual a fim de designar o duplo sacrifício
queimado da manhã e da tarde, o qual deveria ser apresentado diariamente. A legislação
de Êxodo 29:38-42 é muito precisa. Depois de apresentar uma detalhada prescrição
quanto à oferta diária de dois cordeiros de um ano, sem qualquer mácula, o verso 42
resume todas as instruções ao dizer: “Este será o holocausto contínuo por vossas
gerações...” O texto hebraico apresenta o ponto de modo ainda mais claro: „ōlat tāmîd Ie
1
A. Bentzen, Daniel (Tubingen, 1972), p. 71.
2
J. Montgomery, The Book of Daniel (Edinburgh, 1927), p. 343; Jean Steinmann, Daniel (Paris, 1950), p.
124; N. W. Porteous, Das Danielbuch (Göttingen, 1962), p. 104; O. Plöger, Das Buch Daniel (Gütersloh,
1965), p. 127; M. Delcor, Le livre de Daniel (Paris, 1971), p. 177; André Lacocque, Le livre de Daniel (Paris,
1976), p. 49.
7
dōrotêkem. É evidente que a dupla oferta da manhã e da tarde formava uma unidade,
compreendida pela expressão „ōlat tāmîd.
O texto paralelo de Números 28:3-6 indica o mesmo uso técnico do termo: “dois
cordeiros de um ano, sem defeito, em contínuo holocausto” (verso 3), onde se lê no texto
hebraico: “ „olāh tāmîd, que provavelmente deva ser corrigido para “ „ōlat tāmîd.3 As
instruções precedentes são resumidas da seguinte forma (vs. 6): “É holocausto
contínuo...”, repetindo o termo técnico „ōlat tāmîd. Torna-se claro que na linguagem do
culto as ofertas da manhã e da tarde constituíam um só “holocausto contínuo.”
Nos versos restantes de Números 28 e no capítulo 29 pode-se ler um resumo de
todos os sacrifícios a serem oferecidos ao longo do ano religioso: os que eram
apresentados nos sábados (28:9 e 10); os das luas novas (versos 11-15); os dos sete
dias de pães asmos, festa que vinha após a celebração da Páscoa no 14º dia de Nisan
(versos 16-25); os do dia das primícias ou primeiros frutos (versos 26 a 31); os do
primeiro dia do sétimo mês (29:1-6); os do décimo dia do mesmo mês (versos 7-11); e os
que diziam respeito aos oito dias da festa dos tabernáculos (versos 12-38). Em todos os
casos os sacrifícios especiais deveriam ser oferecidos “além do holocausto contínuo”
(28:9, 15, 23, 31; 29:6, 11, 16, 19, 22, 25, 28, 31, 34 e 38) - ao todo, cerca de catorze
vezes. Sem levar em conta o número de sacrifícios a serem apresentados em ocasiões
de festas, o „ōlat tāmîd jamais deveria ser suspenso. A partir do contexto também se torna
claro que a expressão „ōlat tāmîd envolve o duplo holocausto da manhã e da tarde, sendo
a única exceção encontrada em Números 28:23 - “Estas cousas oferecereis, além do
holocausto da manhã que é o holocausto contínuo”. Estudo cuidadoso desta última
passagem indica que provavelmente o manuscrito tenha problemas, e que o copista,
depois de escrever „ōlat habbōqer, tentou corrigir o erro acrescentando „ aser le „ōlat
hattāmîd, da formula regular. Esta exceção isolada não invalida a regra de que, neste
longo texto, „ōlat tāmîd significa tecnicamente o duplo holocausto da manhã e da tarde.
Nossa afirmação de que o tāmîd aparece como símbolo do duplo holocausto da
manhã e da tarde, à primeira vista parece ser contraditada pelo texto de Ezequiel 46:14 e
15: “Juntamente com ele/cordeiro de um ano... - vide verso 13/ prepararás manhã após
manhã uma oferta de manjares... Assim prepararão o cordeiro, e a oferta de manjares, e o
azeite, manhã após manhã, em holocausto contínuo”. Esta objeção poderia ser
considerada importante se pudesse observar que as ordenanças do culto apresentadas
em Ezequiel, capítulos 45 e 46, pretendiam ser detalhadas e exaustivas - em vez apenas
um esboço simples das características essenciais da nova ordem que ele vislumbrava.
John Skinner, G. A. Cooke e Georg Fohrer tomam o texto para indicar que Ezequiel
nada sabia a respeito de um holocausto da tarde.4 O argumento padrão é que no período
pré-exílico existia apenas o „olāh matinal e o minhāh vespertino. Supostamente isto é
apoiado pelo fato de o rei Acaz haver ordenado ao sacerdote Urias: “Queima no grande
altar o holocausto da manhã, como também a oferta de manjares da tarde...” (II Reis 16:15).
Por outro lado, alguns eruditos têm entendido as instruções cúlticas de Ezequiel
como representando meramente um esboço dos serviços do templo, e não como
prescrições detalhadas. Assim, Johannes Pedersen, ao comentar Ezequiel 45:13-17,
chama a atenção para a omissão de dois importantes ítens na lista de ofertas que
deveriam ser feitas, e apresenta a seguinte explanação:
3
Cf. R. Kittel, Bíblia hebraica, 3ª edição.
4
John Skinner, The Book of Ezekiel (Nova Iorque, 1905), pp. 472-73; G. A. Cooke, The Book of Ezekiel
(Edinburgh, 1936), p. 511; Georg Fohrer, Ezechiel (Tübingen, 1955), p. 256
8
Que as prescrições rituais de Ezequiel não são mais que apenas um esboço, torna-
se também evidente a partir da referência à celebração da Páscoa no capítulo 45, verso
21. Esta declaração não pode ser tomada senão como uma fugaz referência ao
conhecido ritual, longamente praticado. Diz-se de Josias que ele celebrou a Páscoa com
toda a solenidade no décimo oitavo ano de seu reinado (II Reis 23:21-23).7 Dever-se-ia
conservar em mente que na maioria dos casos Ezequiel não estava inovando, e sim
padronizando antigas práticas de acordo com um plano ideal.
Deve-se acrescentar que o texto de II Reis 16:15 tampouco exclui a possibilidade
de que um sacrifício queimado vespertino estivesse sendo oferecido. O texto faz
referência ao “holocausto do rei, e a sua oferta de manjares”, assim como ao “holocausto
de todo o povo da terra, a sua oferta de manjares, e as suas libações”. Isso torna evidente
que os serviços diários eram compostos por algo mais, mesmo nos dias de Acaz, do que
“o holocausto da manhã /e/ a oferta de manjares”. Os comentários do profeta Isaías,
contemporâneo de Acaz, sobre o cerimonialismo da época, deixa a distinta impressão de
que o número de sacrifícios oferecidos no templo, nesta oportunidade, era imenso (Isa.
1:11-13).8 Não havia falta de zelo cerimonial, e sim uma clamorosa ausência de
moralidade e racionalidade na religião que então se praticava.
Não é possível emitir opinião final sobre a validade do argumento baseado em II
Reis 16:15 antes que se defina claramente o termo minhāh.
N. H. Snaith expressou a opinião de que, com o passar do tempo, minhāh adquiriu o
sentido limitado de “oferta de grãos (cereais)”, mas que poderia também haver conservado o
sentido original de “tributo, presente.” Ele argumenta que, “em virtude disto, poderia o termo
haver sido utilizado num sentido mais amplo, ou seja, referindo-se a toda a cerimônia”.9
Como exemplo deste sentido mais amplo, Snaith refere-se ao „olāt hamminhāh de I Reis
18:29 e 36, evidentemente oferecido à tarde, e ao „olāt hamminhāh de II Reis 3:20,
obviamente oferecido pela manhã. Ele prossegue dizendo que “as duas cerimônias
mencionadas são o tāmîd de Êxodo 29:38 e seguintes e Números 28:3 e seguintes”.
Parece razoável supor que o minhāh de II Reis 3:20, oferecido pela manhã, incluía
o holocausto padrão. Por outro lado, o minhāh a que se refere I Reis 18:29 e 36
certamente incluía, entre outras coisas, o holocausto oferecido naquela tarde pelo próprio
Elias, no topo do Monte Carmelo. Se se concede este sentido mais amplo ao minhāh de II
Reis 16:15, não existe razão para se excluir a possibilidade de que um holocausto
vespertino fosse incluído na cerimônia total conhecida como minhāh.
Temos suposto - corretamente, cremos - que o termo tāmîd de Daniel 8 significa a
5
J. Pedersen, Israel: Its Life and Culture, 3/4 (Londres, 1940):352.
6
W. Zimmerli, Ezechiel (Neukirchen, 1969), p. 1175.
7
Quanto á origem antiga da Páscoa, veja R. de Vaux, Les sacrifices de l‟Ancien Testament (Paris, 1964), p. 22.
8
Cf. as observações de Miquéias, contemporâneo de Isaías, em Miquéias 6:6-8.
9
N. H. Snaith, “Sacrifices in the Old Testament”, VT 7 (1957), p. 315.
9
reconhece que na Mesopotâmia o dia era contado de tarde a tarde, o que usualmente é o
caso quando se observa um calendário lunar.16 Conseqüentemente, se de Vaux estivesse
correto, seria de esperar que na literatura babilônica a expressão “noite e dia” fosse muito
mais comum que sua forma inversa “dia e noite”. Mas um conto metódico no Épico de
Gilgamés, o protótipo sumeriano do Dilúvio, que é “A Descida de Inana ao Mundo Inferior”
e também o Épico da Criação, apresentam preponderância da formula “dia e noite”, em
vez de “noite e dia”, mostrando a proporção de 4:1.17
A partir desta pesquisa superficial da literatura babilônica torna-se óbvio que não
existe correlação entre o tipo de calendário utilizado e o uso da fórmula “dia e noite” ou seu
reverso. A preferência universal pela modalidade “dia e noite” reflete, conforme salienta
Segal, “o curso ordinário do comportamento humano. É pela manhã que o homem começa o
trabalho ativo do dia e, por esta razão, a frase presente na boca humana é „dia e noite‟”.18
Não é de surpreender, pois, que a fórmula “dia e noite” seja presenciada com muito
maior freqüência que “noite e dia” na literatura bíblica pré-exílica, independentemente do
tipo de calendário usado. Pela mesma razão é ela que prossegue sendo a mais comum
nos livros pós-exílicos. Assim, Neemias prossegue pregando “dia e noite” (Neemias 1:6).
Em seus dias estabelece-se uma guarda como proteção contra o inimigo “dia e noite”
(Neemias 4:9). Siracide, escrevendo na porção inicial do segundo século a.C., ainda fala
de “manhã até tarde” (Sir. 18:26). Judas Macabeu ordenou ao povo que clamasse ao
Senhor “dia e noite” (II Mac. 13:10). Judite é apresentada como servindo ao Deus do Céu
(Judite 11:17). A fórmula estereotipada prossegue sendo usada continuamente ate o
início da era cristã, conforme o demonstra a literatura de Qumran. 19
A linguagem do Novo Testamento aponta à mesma direção, ou seja, que o uso da
expressão estereotipada “dia e noite”, ou sua forma reversa, não guarda relação com a
forma de se computar o dia. Assim, em o Novo Testamento a fórmula nuktos kai hēmeras
(“noite e dia”) é usada oito vezes (Atos 20:31; Romanos 13:12; II Coríntios 11:25; I
Tessalonicenses 2:9; 3:10; II Tessalonicenses 3:8; I Timóteo 5:5; II Timóteo 1:3), ao passo
que a fórmula reversa hēmeras kai nuktos (“dia e noite”) é usada dez vezes (Mateus 4:2;
12:40; Lucas 18:7; Atos 9:24; 26; 7; Apocalipse 5:8; 7:15; 12:10; 14:11; 20:10). Também
em muitas passagens do Talmude a expressão “dia e noite” é empregada, conforme
salienta C. H. Borenstein.20 E mesmo em nossos dias parece ser pequena a correlação
entre linguagem e sofisticação astronômica ou do calendário.
A evidência destacada acima demonstra que a expressão „ereb bōqer de Daniel
8:14 não poderia haver derivado da linguagem do culto, onde a ordem manhã-tarde é o
padrão em todas as oportunidades. Tampouco existe evidência de que a fórmula cúltica
“manha e tarde”, aplicada aos sacrifícios, foi modificada durante o cativeiro ou nos
períodos subseqüentes. Sendo este o caso, a procedência da expressão „ereb bōqer deve
ser buscada em outra parte, que não a linguagem do culto. É inadmissível que um escritor
tão familiarizado com o jargão do culto, conforme o foi o autor do livro de Daniel, pudesse
16
Veja O. Neugebauer, The Exact Sciences in Antiquity (Harper Torchbook, editor; Nova Iorque, 1962),
página 106; A. Parker é W. H. Dubberstein, Babylonian Chronology, 626 B.C. A.D. 45 (Providence, 1956), p.
26; Jack Finegan, Handbook of the Bible Chronology (Princeton, NJ, 1964), página 8; E. J. Bickermann,
Chronology of the Ancient World (Londres, 1968), páginas 13 e 14.
17
Quanto à fórmula “dia e noite”, veja o Épico de Gilgamesh, Tablet I, 2.24, 4.21, 5.19 (ANET, pp. 74-75); a
versão em babilônia antiga do Tablet II, 2.6 (ANET, p. 77) e X, 2.5,8 (ANET, pp. 89-90); a versão assíria do
Tablet XI, linhas 126 e 199 (ANET, pp. 94-95); o protótipo sumeriano do Dilúvio, linha 203 (ANET, p.44); o
mito sumeriano da descida de Inana ao Mundo Inferior, linha 169 (ANET, p. 55); o Épico da Criação, Tablet
I, linha 50 (ANET, p. 61). Quanto à fórmula “noite e dia”, veja o Épico da Criação, Tablet I, linha 129, e
Tablet III, linhas 19 e 78 (ANET, pp. 62, 64-65).
18
Segal, p. 254.
19
LQM 14:13; veja J. van der Ploeg, “La règle de la guerre: Traduction et notes”, VT 5 (1955): 389, 415.
20
Citado por S. Zeitlin, “The Beginning of the Jewish Day”, JQR 36 (1945-46): 410. Deve-se observar que
Zeitlin favorece a hipótese de que os israelitas contavam o dia de manhã a manhã nos tempos pré-exílicos.
11
21
De Vaux, Ancient Israel, p. 181. De Vaux usa a ordem „ereb bóqer como argumento em favor da hipótese
de que em tempos pré-exílicos o dia fosse contado de manhã a manhã. G. Von Rad, Genesis (Philadelphia,
1961), página 51, esboça a mesma conclusão: “O dia parece ser aqui contado de manhã a manhã, em
estranho contraste com sua contagem na lei do culto”. Dever-se-ia dizer, contudo, que Gênesis l não foi escrito
com o propósito de reconhecer ou estabelecer qualquer calendário particular ou método de contagem do dia.
Para um ponto de vista diferente, veja E. A. Speiser, Gênesis (Garden City, NY, 1964), p. 5.
22
K. Marti, Das Buch Daniel (Tübingen, 1901), p. 60.
Reimpresso de AUSS 16 (Outono 1978): 375-85. Usado sob permissão.
12
I. Introdução
II. Terminologia Cultual
III. Sdq na Terminologia Cultual
IV. Sdq em Daniel 8:14
V. O Dia da Expiação e Daniel 8:14
VI. Conclusão
2.2. INTRODUÇÃO
23
Veja James A. Montgomery, A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel
(Edinburgh, 1927), p. 316.
24
William L. Holladay, A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the OT (Grand Rapids, 1971), p.
194, e que daqui para frente será referido como CHAL.
25
Veja Niels-Erik Andreasen, “The Heavenly Sanctuary in the Old Testament”, The Sanctuary and
the Atonement, edição de Arnold V. Wallenkampf e W. Richard Lesher (Washington, DC, 1981), p. 70;
Gerhard F. Hasel , “The „Little Horn‟, the Saints, and the Sanctuary in Daniel 8”, in The Sanctuary and
the Atonement, página 192. Veja ainda, por G. F. Hasel, neste volume, o capitulo 6, “The „Little Horn”,
the Heavenly Sanctuary, and the Time of the End: A Study of Daniel 8:9-14”.
26
Veja Hasel. Em Levítico 16:33 encontramos a frase peculiar miqdaś haqqódeś como designativa do
“Lugar Santíssimo”; veja Martin Noth, Leviticus: A Commentary, The OT Library (Philadelphia, 1977), p. 126.
27
B. W. Anderson, “Hosts, Hosts of Heaven”, IDB 2 (1962): 655.
15
28
Ibidem; H. Wilberger, Jesaja, Biblischer Kommentar Altes Testament (Neukirche-Vluyn), p. 248.
29
Veja Jacob Milgrom; “The Sôq Hatterûmá: A Chapter in Cultic History”, Studies in Cultic Theology
and Terminology (Leiden, 1983), p. 160.
30
Angel M. Rodríguez, “Substitution in the Hebrew Cultus and in Cultic Related Texts, “Th.D.
dissertation (Andrews University, 1979), p. 140.
31
Alfred Jepsen, “„áman”, TDOT 1 (1974):310.
32
Veja André Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 163.
33
Holladay, p. 391.
34
Arthur Jeffery, “The Book of Daniel”, IB 6 (New York, 1956): 474.
16
culto. Hattāmîd deveria ser entendido nos mais amplo sentido possível.
O estudo de tāmîd no contexto do culto e capaz de revelar que o termo era
usado em muitas atividades que ao sacerdote era ordenado desempenhar
continuamente no santuário. Adicionalmente, o tāmîd era usado como referência as
atividades sacerdotais executadas no pátio e no lugar sagrado (santo) do santuário.
Não deveríamos desprezar a importância do fato de que tāmîd jamais é usado em
conexão com as atividades desempenhadas no lugar santíssimo.
É mais provável que quando tāmîd é usado na forma absoluta, como em
Daniel, refere-se o termo aos atos cultuais desempenhados no lugar santo ou que
possuem relação direta ou indireta com o lugar santo. O conceito teológico
subjacente a estas atividades era o de intercessão. A expressão hattāmîd poderia
ser melhor traduzido como “contínua intercessão”. Neste caso, referir-se-ia ao
contínuo ministério do sacerdote no santuário, em favor do povo.
santuário - seu verdadeiro objetivo. Apresenta capacidade suficiente para tirar (rûm,
forma Hophal) do Príncipe o Seu contínuo ministério sacerdotal no santuário, o
tāmîd. Ao tirar do Príncipe o que pertence exclusivamente a Ele, o chifre pequeno
indica que é sua pretensão também agir como sacerdote. Num esforço para obter
exaltação adicional, o chifre “deita abaixo” o lugar do santuário do Príncipe. Isto
sugere uma destruição literal ou metafórica da base do santuário. O chifre pequeno
é bem sucedido e sua atividade anti-Yahweh.
De acordo com 8:12, o chifre efetua algo mais. Existem algumas dificuldades
neste verso. Contudo, a idéia geral é bastante clara.
O verbo tinnātēn (lhe foi entregue) é passivo. Seu sujeito é provavelmente o
chifre pequeno. O objeto do verbo é o “exército” e o objeto indireto parece ser o
tāmîd.37 Uma tradução literal do texto seria mais ou menos a seguinte: “E um
exército foi dado sobre o tāmîd”. O que isto significa? Uma vez que o chifre toma o
tāmîd do Príncipe, ele estabelece seu próprio exército para o controle do tāmîd.
O chifre pequeno exerce completo controle sobre o tāmîd. Ele também possui
uma guarda cultual a fim de “proteger” o tāmîd. O poder anti-Jeová tem a
capacidade de efetuar isto “por causa das transgressões” (bepeša‟). O chifre revolta-
se contra Deus. A rebelião, (peša‟), que poderia ser expiada pelo santuário (Levítico
16:16), neste caso não poderia ser expiada porque o chifre pequeno ataca os
próprios instrumentos da expiação. Isto é rebelião levada a seu grau máximo.
O controle do chifre sobre o tāmîd implica em que ele também controla a tôrāh
(“instrução”). Este inimigo do santuário de Deus é capaz de lançar por terra a verdade
(„emet), a divina instrução que antes se achava sob o controle do sacerdócio. Daniel
7:25 refere-se a mesma atividade, através da tentativa de “mudar os tempos e a lei”.
Torna-se bastante claro que o profeta, através da linguagem cultual, revela a
essência da natureza do chifre e de suas reais intenções. Este poder rebelde ataca o
santuário e controla o tāmîd; é um poder anti-Yahweh.
Em quarto lugar, a linguagem cultual usada em 8:9-14 deixa claro que o chifre
pequeno não contamina o santuário. Neste perícope não existe um único termo
cultual capaz de sugerir a idéia de contaminação.38 O que temos aqui é um ataque
contra o santuário. O anjo-intérprete define esta atividade como uma profanação
(hālal). Lemos em 11:31 - “Dele sairão forças que profanarão /hālal/ o santuário, a
fortaleza nossa, e tirarão o /tāmîd/”.
Este poder não demonstra respeito pela santidade do templo. Trata-o, e a seus
serviços, de um modo vulgar (hālal, “manejar de modo comum”).39 Na utilização
cultual dos termos, “profanação” e “contaminação” não representam a mesma coisa.
Portanto, o chifre não é um agente contaminante, e sim rebelde ou profano.
Em quinto lugar, a linguagem cultual em 8:9-14 deixa aberta a questão: “De
qual santuário está falando o profeta?” Já observamos que os termos usados nestes
versos a fim de designar o santuário podem referir-se tanto ao santuário celestial
quanto ao terrestre. Provavelmente a referência esteja aqui sendo feita a ambos os
santuários a um só tempo. Ainda assim, a referência ao Príncipe parece indicar que
o principal tema com o qual o profeta se ocupa, é o santuário celestial.
A atividade do Príncipe é de significativa importância. O chifre pequeno deseja
controlar a Sua atividade. Atenção particular deveria ser oferecida ao fato de que o
37
Neste passo estamos acompanhando William H. Shea, Daniel and the Judgment (preparado para
o Comitê de Revisão do Santuário, 1980), página 402. Veja também neste volume, o capítulo 9, do
mesmo autor: “Spatial Dimensions In the Vision of Daniel 8”, com comentários sobre o verso 12.
38
Isso também fora destacado por Hasel, p. 205.
39
Veja Friedrich Kauck, “Koinos”, TDNT 3 (1965):190-91.
18
santuário. Assim, é um tanto natural constatar que a raiz sdq é utilizada nos Salmos com
uma clara associação cultual, e que ela expressa a ideologia do culto.
Talvez os Salmos que mais claramente expressam a conexão cultual de sdq
sejam aqueles que pertencem à classe conhecida como “Liturgia de Entrada” ou “Torāh
de Admissão”.46 Estes Salmos definem as condições requeridas daqueles que desejam
ter acesso ao santuário. O Salmo 24:3-6 ilustra muito bem o ponto. Ali podemos
detectar aquilo que parece ser uma conversa entre o sacerdote e o adorador:
46
Veja Sabourin, páginas 405-10;
47
Este padrão foi sugerido por Mowinckel, p. 178.
48
Gerhard von Rad, Old Testament Theology 1 (New York, 1962): 378.
49
A distinção entre mandamentos éticos e rituais é artificial. O mais provável é que na mente do
israelita esta distinção fosse desconhecida.
50
Cf. A. A. Anderson, The Book of Psalms, New Century Bible 1 (Greenwood, SC, 1972): 203.
51
Gerhard von Rad, “„Righteousness‟ and „Life‟ in the Cultic Language of the Psalms”, The Problem
of the Hexateuch and Other Essays (New York, 1966), p.249.
52
Hans K. Ia Rondelle, Perfection and Perfectionism (Berrien Springs, MI, 1971), páginas 113 e 114.
O autor declara que “os Salmos revelam a necessidade do contínuo perdão e manutenção da
redentora graça de Yahweh”.
20
53
Leo G. Perdue, Wisdom and Cult (Missoula, MT, 1977), página 303.
54
Veja Walther Zimmerli, OT Theology in Outline (Atlanta, 1978), página 143.
55
Quanto a declarações sacerdotais, veja Rolf Rendtorff, Die Gesteze in der Priesterschrift
(Göttingen, 1954), páginas 74-76; Gerhard von Rad, “Faith Reckoned as Righteousness”, Problem of
the Hexateuch, páginas 125 a 130; H. Ringgren, “hu”, TDOT, 3:342-43.
56
La Rondelle, p. 127.
57
Von Rad, “Faith”, p. 128.
58
W. Zimmerly declara: “Ezequiel 18 reflete uma ação real, a qual era executada no santuário /em
Jerusalém/, junto à porta do templo” (Ezékiel, Hermenia /Philadelphia, 1979, p. 376).
59
Ibidem; von Rad, “Faith”, p. 128; Ringgren, p. 343.
21
60
Veja Rodríguez, pp. 283-301.
61
Ibidem, pp. 291-92.
62
Jerome P. Justesen, “On the Meaning of Sādaq”, AUSS 2 (1964): 53-61; W. E. Read, “Further
Observations on Sādaq”, AUSS 4 (1966): 29-36; Hasel, pp. 203 e 204.
22
raiz sdq em termos e conceitos cultuais, representa uma clara indicação de que ela
desempenha um papel significativo no culto.
O livro de Salmos revela o significativo fato de que a raiz sdq se encontrava
no próprio cerne do culto. O culto, em sua inteireza, parece girar em torno do
conceito de sdq: o adorador adentra o templo através das “portas da justiça” (Salmo
118:19)63; ele traz um “sacrifício de justiça” (Salmo 4:5; 51:19; Malaquias 3:3); e o
“sacerdote “vestido de justiça” (Salmo 13 2;9) intercede em favor do ofertante diante
de Yahweh, o Deus da justiça (Salmo 11:7). Como resultado, o adorador recebe no
templo a “justiça de... Deus” (Salmo 24:5). Através do sacerdote Deus declara o
indivíduo como justo. Uma vez que o crente foi declarado justo/purificado/vindicado,
pode participar plenamente do culto e regozijar-se diante do Senhor.
63
A porta do templo é assim chamada não apenas porque era o local correto por onde se deveria
passar (veja Anderson, Psalms, 2:802), como também porque por de trás desta porta a justiça
poderia ser encontrada através do Justo. Mowinckel diz: “O próprio fato de que a congregação fosse
permitido passar pela Porta da Justiça, era ao mesmo tempo uma corroboração de sua justificação e
uma concessão da „justiça‟ e da felicidade”. (Psalms, 1:181).
64
Justensen, p. 61.
23
65
A expressão “tardes e manhãs” não é uma expressão cultual. Não deve ser equipara ao tāmîd.
Quanto a este assunto, veja S. J. Schwantes, “„ereb Bōqer of Dan. 8:14 Re-examind”, AUSS 16
(1978): 375-85. Veja o capitulo 7 deste volume para a reimpressão deste estudo. /NOTA DO
TRADUTOR: Este estudo se encontra traduzido para o português/.
66
Shea, p. 81, sugeriu que, uma vez que o termo “visão” é usado no verso 13, o tempo aí coberto
não se refere apenas ao tempo em que o chifre pequeno estaria em atividade, mas também ao
período necessário ao cumprimento de toda a visão do capitulo 8.
67
Veja Rodríguez, “Transfer of Sin in Leviticus”, The Seventy Weeks, Leviticus, and the Nature of
Prophecy (Washington, DC, 1986).
24
presença de Deus. Mas nem mesmo pecados pelos quais houvesse sido efetuada
expiação poderiam permanecer indefinidamente no lugar de habitação de Deus. O Dia
da Expiação proclamava que a santidade/pureza nada tinha em comum com o
pecado/impureza. Achavam-se separados um do outro de modo permanente,
revelando de forma especial a verdadeira natureza de Deus e de Seu santuário.
Durante aquele importante dia o pecado/impureza não apenas era removido do
santuário, como ainda transferido para Azazel. Esta figura demoníaca parece representar
a própria fonte da impureza. Ao transferi-la para Azazel, Yahweh a fazia retornar à sua
própria fonte. Forças do mal eram vencidas por Yahweh durante o Dia da Expiação.
Enquanto o povo descansava, o Senhor Se manifestava ativamente em seu favor.
2. O povo era purificado. A purificação do santuário e a purificação do
povo achavam-se intimamente relacionadas. Na purificação do santuário, no Dia da
Expiação, a purificação do povo encontrava sua consumação. Seus pecados eram
finalmente removidos da presença de Deus. Agora eles próprios podiam permanecer
na divina presença. O próprio intuito do concerto era então restabelecido: Deus quer
permanecer habitando em meio a Seu povo; Ele quer ser o seu Deus e eles
prosseguirão sendo o Seu povo escolhido.
3. Deus julgava Seu povo. Durante o Dia da Expiação Deus ordenava que
Seu povo descansasse das atividades e afligisse suas almas (Levítico 16:29). Afligir a
alma („ānāh nepeš) significa “humilhar-se”, provavelmente através de jejum. Não trabalhar
e humilhar-se eram atitudes que revelavam completa dependência da misericórdia de
Yahweh. Esta atitude pessoal relacionava-se com a purificação do santuário.
A remoção dos pecados do santuário significava limpeza final somente para
aqueles que permaneciam numa atitude de absoluta dependência da graça e poder
de Deus. Naquele Dia de Expiação Deus passava Seu povo em juízo. O indivíduo que
não se humilhava e não, repousava, era declarado culpado. Esta pessoa era
“eliminada de seu povo”, destruída de entre seu povo (Levítico 23:29-30). Esta fórmula
de exterminação era um veredito negativo pronunciado após a investigação divina. O
veredito positivo era a declaração de pureza. Yahweh estava julgando Seu povo.
Os três conceitos acima discutidos parecem haver sido de fundamental
importância no Dia da Expiação, dentro do culto israelita. Com base em nossa
discussão anterior podemos, pois, argumentar que a proclamação de
vindicação/purificação do santuário em Daniel também significa que:
A. Deus e Seu santuário devem ser vindicados. O ministério sacerdotal do
Príncipe do exército celestial, mencionado em 8:11 era executado em favor do povo
de Deus. Tratava-se de um ministério de intercessão e, portanto, de acordo com a
legislação levítica, de perdão de pecados. A purificação do santuário, citada em 8:14,
tornará patentemente claro que o envolvimento do santuário com o problema do
pecado, foi uma forma eficaz de lidar com o referido problema, e que a transferência
do pecado ao santuário de modo algum afetou o caráter de Deus. Ao remover os
pecados de Seu povo do santuário, Deus Se revela como um Ser santo, puro e justo.
Ele também Se revelará como um Deus Todo poderoso, que triunfa sobre as forças
do mal que operam neste mundo, e o faz de modo definitivo (cf. Daniel 2 e 7).
B. O povo de Deus será purificado. O livro de Daniel olha em direção ao
futuro, ao tempo em que se tornará final a salvação do povo de Deus. Eles já
ocupam a posição de santos do Altíssimo. Entretanto, aguardam ainda a
consumação de sua salvação. A vindicação/purificação do santuário mencionada em
8:14 é também a proclamação de vindicação/purificação do povo de Deus. Seus
pecados são apagados. A purificação deste povo alcançara sua consumação. E
agora que o reino eterno será estabelecido.
25
CONCLUSÃO
Nosso estudo demonstrou que Daniel utiliza linguagem cultual ao longo de 8:9-14,
com o propósito de expressar idéias cultuais. Portanto, existe uma conexão entre este
perícope e o culto. O estudo do termo tāmîd indicou que o termo designava a obra
mediatória do sacerdote, desempenhada em favor do povo no lugar santo do santuário.
Nossa investigação da raiz sdq revelou que ela é usada em contexto de culto, e que, na
verdade, representava um conceito chave dentro do culto. O uso de sdq, especialmente
nos Salmos, indica que no culto ela expressava a mesma idéia expressa por tāhēr em
Levítico. Daniel estava consciente deste fato e sentiu-se na liberdade de usar sdq para
referir-se ao trabalho sacerdotal no lugar santíssimo durante o Dia da Expiação.
O chifre pequeno, conforme salientamos, é capaz de assumir o controle do
santuário, numa atitude anti-culto. Ele afeta o trabalho do Príncipe no lugar santo.
Quando chega o tempo de o Príncipe começar Seu trabalho no lugar santíssimo, o
chifre pequeno perde o controle do santuário. Não é capaz de afetar o trabalho do
Príncipe no lugar santíssimo. Este trabalho e seu significado encontram-se descritos
em Levítico 16. Seu trabalho no lugar santíssimo inclui, portanto, a vindicação do
caráter de Deus, a purificação de Seu povo, e o julgamento dos santos antes que o
reino de Deus seja estabelecido na Terra.
68
Hasel, pp. 206-7.
26
literária de Levítico - foi designado para focalizar a atenção do penitente Israel para
além, do estado de perdão e aceitação pessoal, volvendo-se para os aspectos finais
do divino plano para resolver a questão do pecado: o dia do julgamento final.
I. Introdução
II. Conteúdo Temático de Levítico
III. Estrutura Literária de Levítico (Quiasma)
IV. Alguns Vislumbres Teológicos
V. Conclusões
3.2. INTRODUÇÃO
70
G. J. Wenham, “The Book of Leviticus”, The New International Commentary on the Old Testament
3 (Grand Rapids, 1959), página 117.
31
71
M. Noth, Leviticus, Old Testament Library (Philadelphia, 19 77), página 12.
72
Wenham, pagina 312.
32
O uso do quiasma como artifício literário é comum no AT. Parece que ele foi
utilizado freqüentemente a fim de demonstrar a unidade de um evento de duplo
aspecto. O grande quiasma sugerido por Levítico poderia igualmente destinar-se a
enfatizar a unidade de todo o livro.
da segunda seção tem a ver com festivais periódicos, os quais ocorriam a cada
sétimo ano e no qüinquagésimo ano (ano sabático; ano do jubileu).
Estes dois tipos de legislação festival (Levítico 23 e 25) se relacionam, no
sentido que o segundo é modelado aproximadamente de acordo com o primeiro. Por
exemplo, o sábado semanal (Levítico 23:1-3) é expandido para o ano sabático
(Levítico 25:1-7). Da mesma forma, a Festa das Semanas-Pentecoste (Levítico
23:15-21) é expandida para o ano jubileu (Levítico 25:8-55). Idéias similares são
novamente repetidas, mas elas recebem diferentes aplicações.
É igualmente esse o tipo de relacionamento existente entre Levítico 1-5 e
Levítico 6-7, na primeira metade do livro. Por exemplo, cinco sacrifícios principais
são apresentados duas vezes. Mas na primeira vez (capítulos 1-5) eles são vistos a
partir do ponto de vista da pessoa que os oferece; na segunda vez (capítulos 6 e 7),
são vislumbrados a partir do ponto de vista do sacerdote que apresenta o sacrifício.
Ambos os grupos de materiais têm conteúdo cultual, já que lidam com o sistema
sacrificial.
De modo semelhante, ambos os grupos de materiais encontrados no final do
livro (capítulos 23-25) são de caráter cultual, embora sejam um tanto diferentes os
aspectos do culto com os quais eles lidam. A extensa lista de sacrifícios oferecidos
nos festivais (veja Números 28-29) ilustra claramente a íntima conexão entre os
sacrifícios de Levítico 1-7 e os festivais de Levítico 23-25.
Entre estes dois capítulos que tratam dos dois tipos de festivais, encontra-se
Levítico 24. Os versos 1 a 9 contém alguma legislação relativa ao tabernáculo; os
versos 10 a 23 registram uma narrativa histórica. Não se percebe unidade literária
entre Levítico 1-5 e 6-7, que corresponda a estes materiais. Contudo, alguns
vínculos de relacionamento podem ser detectados se o material for examinado mais
de perto.
Levítico 24:1-9 prove instruções quanto ao cuidado que os sacerdotes devem
tomar com o candelabro de ouro e suas sete lâmpadas, com a mesa e seus pães - e
ambos estão situados no lugar santo. Para servir em relação atestes objetos,
necessário era que o sacerdote adentrasse o tabernáculo em base regular. Tinha ele
também de entrar no tabernáculo em conexão com certos sacrifícios e para poder
aspergir o sangue diante do véu interior e imprimir um pouco deste sangue nos
cantos do altar de incenso (Levítico 4:5-7, 17-18).
Havia três peças de mobiliário no lugar santo. A legislação de Levítico 4
refere-se ao ministério do sacerdote em conexão com o altar de incenso, ao passo
que Levítico 24 se refere a seu ministério em conexão com o castiçal e a mesa.
Assim, as duas passagens em cada metade do livro complementam-se mutuamente
e completam o quadro. Embora não exista unidade estrutural correspondente, direta,
que permita equilibrar Levítico 1-7 com Levítico 24, uma correspondência temática
acha-se presente em ambas as seções, pois elas se referem ao mesmo local de
ministração, o lugar santo, com suas três peças de mobiliário.
Outro aspecto da relação entre Levítico 1-7 e Levítico 23-25, é a progressão
numérica que os textos demonstram. Por exemplo, nos sacrifícios de Levítico 1-7,
cinco são listados na primeira subseção (capítulos 1-5). Dois outros são adicionados
na segunda subseção (capítulos 6 e 7): a oferta do sumo sacerdote no aniversário
de sua posse (Levítico 6:20-23) e a oferta de ação de graças (Levítico 7:12-21).
Na passagem de Levítico 23-25 são mencionados sete festivais na primeira
subseção (Levítico 23). Estes não são repetidos na segunda subseção (Levítico 25),
mas dois outros elementos são adicionados: o ano sabático e o ano jubileu.
Portanto, os sacrifícios começam sendo cinco, dois outros são adicionados, de modo
35
a serem sete. Por outro lado, os festivais começam com sete e dois outros são
adicionados. Mas os festivais não são repetidos ao serem agregados dois outros, de
modo que, em certo sentido, ocorre um decréscimo, e não acréscimo. Isto resulta
num padrão crescendo: decrescendo entre estes dois blocos de material.
Em Levítico 24:10-23 o autor se afasta brevemente de preocupações cultuais
a fim de recontar um evento ocorrido na peregrinação de Israel, envolvendo um caso
de blasfêmia. Um homem, por um lado descendente de israelita, foi considerado
culpado de blasfêmia contra Deus, havendo sido apedrejado por seu crime. A
narrativa parece interromper a legislação cultual apresentada em Levítico 23-25. Em
certo sentido isto é verdade, mas o evento torna-se também uma ocasião para que
legislação adicional seja apresentada.
Sendo assim as coisas, em termos de estrutura literária é mais importante
observar a natureza deste material. Trata-se primariamente de um recital de um
episódio histórico. Apenas secundariamente relaciona-se ele com a apresentação de
leis naquela ocasião. Embora Levítico seja apresentado numa moldura histórica
(conforme tem sido enfatizado por comentaristas)73,a apresentação de eventos
históricos efetivos é rara, Tem sido salientado que apenas duas narrativas históricas
se encontram registradas em todo o livro (Levítico 8-10; 24:10-23).74 O que
poderíamos aqui salientar, é que estas duas narrativas acontecem nas duas
metades diferentes do livro, de modo que ambas se balançam entre si. Elas não se
correspondem diretamente, em termos de sua localização dentro da estrutura em
quiasma do livro, mas este balanço ocorre no sentido de fazer com que cada metade
de Levítico apresente uma narrativa histórica.
3. C‟ Leis morais pessoais (capítulos 17-20). Os elementos finais do livro
a requererem comparação, encontram-se nas seções de Levítico 11-15 (na primeira
metade do livro) e Levítico 17-20 (em sua segunda metade). Ao passo que os
capítulos 11-15 tratam de leis pessoais de impurezas, os capítulos 17 a 20 abordam
leis morais pessoais.
Ambos os blocos de materiais começam com legislação acerca de alimentos.
Levítico 11 trata de diferentes aspectos de animais, peixes, aves, etc., os quais os
tornam imundos. Depois de tratar deste assunto no sentido de algumas observações
quanto a animais sacrificiais, Levítico 17 acrescenta a proibição do uso alimentar do
sangue dos animais. A passagem de Levítico 17:15-17, acerca do contato com
animais mortos, é quase que uma citação direta de Levítico 11:39 e 40. Também as
penalidades e as instruções quanto à retificação são as mesmas em ambos os
casos.
A seção sobre impurezas da primeira metade do livro prossegue então com
as leis acerca do parto e puerpério (Levítico 12). As leis morais da segunda metade
do livro prosseguem com instruções relativas ao assunto do matrimônio (Levítico
18).
Levítico 13 a 14:32 abrange o diagnóstico e o tratamento (ritual) de 21
diferentes espécies de doenças dermatológicas do ser humano e mais três relativas
a vestuário, alcançando o total de duas dúzias de casos diversos. Levítico 19
encarrega-se de uma série de duas dúzias de leis diferentes, derivadas dos Dez
Mandamentos.75
73
Ibidem, página 6; Noth, página 9.
74
Noth, página 10.
75
Virtualmente todos os Dez Mandamentos são aqui representados por via das aplicações
ampliadas, mas elas não necessariamente ocorrem na ordem oferecida por Êxodo 20. Minha própria
divisão pessoal deste capítulo, tendo em vista chegar a um total de 24 leis principais, começa com os
36
O padrão neste grupamento não é do tipo quiasma dentro das seções em si.
Em lugar disto, cada um deles segue um paralelismo sinonímico, sob o padrão
A:B:C:D:E: :A‟:B‟:C‟ :D‟:E‟. Entretanto, estes dois blocos de materiais estão
localizados em posições do tipo quiasma, uma vez que ocorrem de ambos os lados
da legislação do Dia da Expiação (Levítico 16), que representa o centro do livro de
Levítico.
versos 3a, 3b, 4, 5, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23, 26a, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 35.
76
As cinco principais seções do concerto são: (1) preâmbulo, (2) prólogo, (3) estipulações, (4)
testemunhas e (5) bênçãos e maldições. Para este esboço, veja especialmente George E.
Mendenhall, Law and Covenant in Israel and the Ancient Near East (Pittsburgh, 1955); Idem,
“Covenant”, IDB (Nashville, 1962”).
37
3.5.1. Justificação/Santificação
Nossa primeira observação teológica tem a ver com a natureza dos materiais
encontrados nas duas metades de Levítico. Em termos amplos, pode-se dizer que a
primeira metade do livro dá cobertura ao sistema de sacrifícios; a segunda metade
esboça a forma como as pessoas devem viver. O. T. Allis observou que Levítico
pode ser visto como o mais legalista dos livros do VT, uma vez que parece governar
através de preceitos ou princípios todos os aspectos da vida. Ainda assim, nenhum
outro livro do VT enuncia de modo mais claro a redenção que é encontrada em
Cristo.77
O sistema sacrificial da primeira metade de Levítico traz à cena os sacrifícios
expiatórios. Em o Novo Testamento, a morte expiatória de Cristo tornou certa e
segura à verdade da justificação pela fé. Os sacrifícios prescritos em Levítico
antecipavam Sua morte viçária. Podemos assim inferir que esta é a seção do livro
que trata do assunto da justificação, conforme mediada através do sistema do VT.
Anotamos este ponto em nosso quadro ao colocarmos o termo “Justificação” no alto
da primeira seção do quiasma.
77
O. T. Allis, “Leviticus”, New Bible Commentary, 29 edição (Grand Rapids, 1954), página 135.
38
“JUSTIFICAÇÃO” “SANTIFICAÇÃO”
D
Capítulo 16
Dia da Expiação
LEIS PESSOAIS DE
LEIS MORAIS PESSOAIS
IMPUREZAS
(e a)
Cap. 15, leis sexuais: dejetos Leis sobre alimentos, cap. 17
(d b)
Cap. 14, casas humanas
Leis sexuais: matrimônio, cap. 18
imundas
(c c)
C C‟ Leis variadas, cap. 19
Cap. 13, doenças várias
Caps. Caps.
11-15 17-20
Cap. 11, leis sobre alimentos (a e) Leis sexuais: intercurso, cap. 20b
História Sacerdotal Legislação Sacerdotal
(c a)
Cap. 10, mau desempenho Aptidão ao sacerdócio, cap. 21
Cap. 9, fim da inauguração
(b b)
Adequação sacrificial, cap. 22
B B‟
Caps. Caps.
8-10 21-22
Cap. 8, início da inauguração (a o)
Legislação Cultual Legislação Cultual
(b a)
Caps. 6-7, série de sacrifícios Série de festivais A, cap. 23
A A‟
Caps. Caps.
1-7 23-25
(o b)
Sustento do santuário, cap. 24a
História: caso de blasfêmia cap.
(o c) 24b
78
Veja Gerhard P. Hasel, “Studies in Biblical Atonement I: Continual Sacrifice, Defilement/Cleansing
and Sanctuary”, The Sanctuary and the Atonement. V. Wallenkampf e W. R. Lesher (editores)
(Washington, DC, 1981); Angel M. Rodríguez, “Sacrificial Substitution and the Old Testament
Sacrifices”, The Sanctuary and the Atonement. Veja também o capitulo 6 deste volume, pelo mesmo
autor: “Transfer of Sin in Leviticus”.
40
e novilhos e bodes eram sacrificados como ofertas especiais pelo pecado no Dia da
Expiação - e todos recebiam à mesma designação, qual seja ofertas pelo pecado. Às
ofertas do Dia da Expiação não eram identificadas como ofertas pela “expiação”! O
fato de que ambos os grupos de sacrifícios fossem identificados como ofertas pelo
pecado, indica a similaridade entre ambos.
A identificação destes dois conjuntos de animais sacrificiais em Levítico 4 e 16
pode ser estabelecida de modo ainda mais nítido ao se observar a similaridade no
modo em que o sacerdote manipulava o sangue. Por exemplo, o sangue das ofertas
regulares pelo pecado (pelo sacerdote ou por toda a congregação) era levado ao
santuário. Da mesma forma, o sangue do novilho e do bode sacrificados no Dia da
Expiação era levado para o interior do santuário. Podemos observar quatro outros
pontos de identidade ou correspondência ao revisar os dois rituais:
1. Oferta regular pelo pecado. O sacerdote efetuava quatro coisas
principais com o sangue dos novilhos oferecidos como oferta pelo pecado, pelo
sacerdote ou por toda a congregação (Levítico 4:5-12, 17-20).
A. Levava alguma porção do sangue ao lugar santo do santuário e o
espargia sete vezes “diante do Senhor”, em frente ao véu que
delimitava o lugar santíssimo.
B. Colocava algum sangue nos cornos do altar do incenso, no lugar santo.
C. Derramava o restante do sangue junto à base do altar dos holocaustos,
no pátio do santuário.
D. Ele fazia remover a carcaça e a pele do animal para um lugar fora do
acampamento, onde eram queimados. Nenhuma carne destes
sacrifícios era comida pelo sacerdote.
2. Oferta pelo pecado do Dia da Expiação. Bom número de semelhanças
(e algumas diferenças significativas) podem ser vistas na maneira em que o sangue
do novilho selecionado em favor do sacerdote e sua ordem e o sangue do bode do
Senhor eram manipulados no Dia da Expiação (Levítico 16:11-19, 27-28).
A. O sumo sacerdote tomava o sangue do novilho e então o sangue do
bode e o levava ao lugar santíssimo. Cada um deles era espargido
sobre o propiciatório e diante do mesmo, sete vezes.
B. O sumo sacerdote deveria fazer o mesmo pela “tenda da congregação”
(o lugar santo). Esta parte do ritual não é especificada, mas o contexto
implica em que o procedimento era similar àquilo que era feito no lugar
santíssimo e no pátio. Portanto, podemos supor que ele aplicava algum
sangue do novilho e do bode nos cornos do altar do incenso e também
o espargia sete vezes (cf. Êxodo 30:10).
C. O sumo sacerdote colocava então algum sangue de ambos os animais
sacrificais sobre os cornos do altar dos holocaustos e, assim como
antes, o espargia ali sete vezes.
D. As carcaças destes dois animais, junto com suas peles, eram
removidas para fora do acampamento e quimadas. Nenhuma carne
destes animais podia ser comida pelo sumo sacerdote.
3. Comparações adicionais. Comparações adicionais podem ser obtidas a
partir destas descrições. De momento, poder-se-ia observar que os dois conjuntos
de ritos ocorriam num sentido inverso. No primeiro passo, o sacerdote levava o
sangue para dentro do santuário, ao seu ponto mais distante, ao desempenhar os
ritos: ao véu interior no caso da oferta regular pelo pecado, e ao lugar santíssimo no
caso da oferta pelo pecado apresentada no Dia da Expiação. Começava ele então a
tratar cada área sucessiva à medida que saia do lugar mais íntimo. No Dia da
42
altar, em vez de uma deposição do mesmo junto à sua base. Assim, a oferta pelo
pecado do Dia da Expiação, no que diz respeito ao rito do sangue, não apenas
purificava o altar dos holocaustos (Levítico 16:19), como ainda o preparava para a
ministração de outra rodada anual de, sacrifícios.
As diferenças básicas entre estes dois conjuntos de ofertas pelo pecado
mostram que o sangue da oferta regular pelo pecado (pelo sacerdote/por toda a
congregação) era usado exclusivamente no lugar santo; já o sacrifício do Dia da
Expiação era ministrado em ambos os compartimentos e no altar exterior. Além
disso, o objetivo imediato era diferente. Na oferta regular pelo pecado o sacerdote ou
a congregação recebia a expiação e a purificação diretamente. No Dia da Expiação
a expiação era feita em favor do santuário, assim como a purificação; a purificação
do povo ocorria indiretamente.
Embora a quarta fase de ambos os conjuntos de rituais de sangue não seja
particularmente importante, poder-se-ia observar que a remoção das carcaças e
couros para um lugar externo ao acampamento, e sua subseqüente consumação
através de fogo, era similar nos dois casos.
Na revisão que fizemos destes dois ritos de ofertas pelo pecado, várias
similaridades foram identificadas. Cada rito passava por um procedimento de quatro
fases, em localizações do santuário que eram essencialmente semelhantes. Ambos
os conjuntos de sacrifícios são designados como ofertas pelo pecado, e de ambos
se diz que efetuavam expiação. Alguns dos detalhes quanto à maneira de
administrar o sangue também são semelhantes.
Estas semelhanças aparecem em marcante contraste com a maneira pela
qual eram manuseadas as demais ofertas do sistema sacrifical. O sangue
proveniente dos outros tipos de sacrifícios não era levado ao santuário e seus
elementos particulares não eram manipulados com a mesma forma detalhada
observada nas ofertas pelo pecado.
O propósito do escritor bíblico ao detalhar estás semelhanças, parece ter sido
o seu desejo de indicar as correspondências entre a oferta regular pelo pecado do
sacerdote e de toda a congregação (Levítico 4) e a oferta pelo pecado oferecida pelo
sacerdócio é aquela apresentada por toda a congregação, no Dia da Expiação
(Levítico 16). A ordem é sempre a mesma. Primeiro vem o sacerdote em Levítico 4,
do mesmo modo como o sumo sacerdote oferecia seu novilho em primeiro lugar no
Dia da Expiação. A oferta por toda a congregação vinha em segundo lugar em
Levítico 4, assim como vinha em segundo lugar o bode apresentado por toda a
congregação para a purificação do santuário, no Dia da Expiação. As ofertas pelo
pecado do Dia da Expiação parecem ser vistas, portanto, como uma extensão às
ofertas pelo pecado apresentadas durante todo o ano, com estas identificadas,
porém avançando para além delas.
Existe um sentido, portanto, em que as ofertas pelo pecado oferecidas no Dia
da Expiação ocupam o lugar, ou substituem, ou resumem todas as realizações
ocorridas até o dia deste festival, representadas pelas ofertas regulares pelo pecado
- e até mesmo os demais sacrifícios. Da mesma forma como as ofertas do Dia da
Expiação eram corporativas (em favor de todo verdadeiro penitente que ocupasse o
acampamento de Israel), eram também corporativas no sentido de que apareciam
em lugar de todas as ofertas pelo pecado que haviam sido oferecidas antes daquela
oportunidade, ao longo do ano. Sua posição de “camada final” dos estratos de
ofertas, na porção sacrificial do quiasma literário do livro, é igualmente sugestiva
disto.
A natureza coletiva destas ofertas pelo pecado deveria ser comparada e
44
enfatizada. Quatro categorias de ofertas pelo pecado (e não duas) são listadas em
Levítico 4. As duas primeiras envolviam o sacerdote e toda a congregação; as duas
últimas envolviam os indivíduos (dirigentes/pessoas comuns). A maneira pela qual
os ritos das duas últimas classes eram conduzidos, era também diferente. Assim, a
oferta pelo pecado do sacerdote ou de toda a congregação é enfatizada pelos
paralelismos com os ritos de sangue do Dia da Expiação. O Dia da Expiação não era
a oportunidade de lidar com indivíduos e seus pecados (embora, do ponto de vista
prático, o perdão se encontrasse disponível através dos sacrifícios da manhã e da
tarde). Em certo sentido, o dia da oportunidade havia vindo e passado durante o ano
cultual. Agora, no Dia da Expiação, era a ocasião de lidar com todos os pecados dos
filhos de Israel numa atividade coletiva.
Por boas razoes, portanto, a oferta pelo pecado (o bode do Senhor)
sacrificada no Dia da Expiação, servia para toda a congregação, à medida que ela
parece haver sido modelada de acordo com a oferta regular pelo pecado oferecida
em favor de toda a congregação (Levítico 4). Era um sacrifício corporativo, em favor
do santuário e do povo. O mesmo é também verdade quanto à oferta pelo pecado
efetuada pelo sumo sacerdote no Dia da Expiação. Tratava-se igualmente de um
sacrifício coletivo, efetuado em favor de todo o sacerdócio (Levítico 16:6, 11, 33).
por outro lado, seu significado é de “ofertas pelo pecado”, o texto apresenta muito
mais sentido e representaria algo mais que apenas um sinônimo de mau
procedimento. Esta aparente redundância sugere (embora não prove) que este
termo pode ter sido designado pelo autor para uma função e propósito mais
contrastante, qual seja indicar “ofertas pelo pecado”.
3. Preposições relacionadas. A mais importante linha de evidências
indicativas da função e significado de hattā‟ōt no verso 16 é o modo como as
preposições se vinculam ao termo e a outras palavras do contexto. Existem várias
passagens pertinentes ao presente estudo. Acham-se listadas em ordem e oferecem
aqui em tradução e parcial transliteração, com a tradução sugestiva de “ofertas pelo
pecado”:
comumente com o sentido de “de”, e associa-se com “pecados”. Esta distinção prove
uma indicação preliminar de que nossa palavra pode ser traduzida melhor como
“ofertas pelo pecado” em Levítico 16:16. sta hipótese de trabalho conduz a um
exame mais detalhado da passagem em si.
4. Conjunção relacionada, Em adição ao uso destas duas preposições (le
e min), dois outros pontos podem ser observados com relação à nossa palavra
(hattā‟ōt) em Levítico 16:16. Um deles tem a ver com o uso de waw - conjunção (“e”),
a qual vincula os dois substantivos “impurezas e transgressões” (“das impurezas dos
filhos de Israel e das suas transgressões”). As conjunções servem para unir termos.
Se a intenção fosse que hattā‟ōt se vinculasse aos dois termos anteriores a fim de
formar um trio (ou terno), outra conjunção deveria ter sido adicionada „(“impurezas” e
“transgressões” e “pecados”). Mas este não é o caso, conforme pode ser observado
por uma simples leitura do verso /no original/.
5. Adjetivo relacionado. O adjetivo “todos” (kol) é outro termo situado no
contexto de nossa passagem principal. Ele é usado com hattā‟ōt, mas não com os
termos “impurezas” e “transgressões” que o precederam. Aqui o contraste é entre
“as impurezas dos filhos de Israel” e “suas transgressões”, de um lado, e “todas as
suas hattā‟ōt”, por outro. Se o significado das últimas palavras for “ofertas pelo
pecado” em lugar de “pecados”, então o significado poderia abranger muito bem
tudo aquilo que fora tratado dentro das duas primeiras categorias através de seus
respectivos sacrifícios. Neste caso, o termo não seria apenas uma outra categoria de
mau procedimento.
Existem, pois, três principais distinções feitas entre o modo como “impurezas”
e “transgressões” são tratadas gramaticalmente, e o modo como hattā‟ōt é tratado
no mesmo verso (Levítico 16:18). (1) “Impurezas/transgressões” são precedidas da
mesma preposição (min), enquanto hattā‟ōt é separado daqueles termos por uma
preposição diferente (l e). (2) “Impurezas”/transgressões” são unidos por uma
conjunção (“e”), ao passo que hattā‟ōt é separado dos dois termos anteriores pela
ausência de uma conjunção. (3) Hattā‟ōt é mais abrangente pelo fato da adição do
modificador “todos”, ao passo que tanto “impurezas” quanto “transgressões” não
apresentam tal distinção. Estas distinções separam hattā‟ōt do par precedente e
colocam a palavra numa categoria distinta, mais remota e mais isolada em
significado.
Em resumo, podemos dizer que existem dois significados lexicamente
possíveis para hattā‟ōt neste verso - “pecados” e “ofertas pelo pecado”. “Pecados
teria um sentido muito próximo ao de “transgressões”, que e um termo precedente
no verso. Apenas uma sombra de diferença em significado medeia os dois termos.
Se por outro lado, as três distinções, observadas efetivamente separam, esta
palavra dos termos precedentes, tanto gramaticalmente quanto em termos de
significado, então poderíamos examinar com olhos mais favoráveis a alternativa
léxica de significado, qual seja, “ofertas pelo pecado”. É opinião deste autor que a
tradução do termo como “ofertas pelo pecado” deve ser mantida em aberto como
uma possível opção.
Um relacionamento similar obtém-se da sintaxe de Levítico 16:21 (veja o ítem
4 das seis traduções listadas antes). Os três termos envolvidos nesta passagem são
“iniqüidades”, “transgressões” e hattā‟ōt. Também aqui podemos observar três
distinções.
(1) Existe uma distinção feita em termos de preposições. Ao passo que
“iniqüidades” e “transgressões” são objetos diretos do verbo neste verso,
não são precedidos de preposição. Entretanto, hattā‟ōt retém a preposição
48
e
(l ) que a separa dos dois outros termos.
(2) “Iniqüidades” e “transgressões” são ambas precedidas pelo sinal de objeto
direto („et), mas nenhum sinal de objeto direto precede hattā‟ōt.
(3) “Iniqüidades” e “transgressões” são unidas entre si pela conjunção (“e”), ao
passo que hattā‟ōt não se relaciona com as duas palavras anteriores a fim
de formar um termo.
Em virtude destas separações sintáticas entre as duas primeiras palavras e a
última, mais uma vez podemos esperar que o significado desta seja diferente do
daquelas. É o significado “ofertas pelo pecado” que oferece uma distinção mais
direta.
Nossa conclusão, a partir destas considerações, é de que nossa palavra
possivelmente pudesse ser traduzida como “ofertas pelo pecado” em Levítico 16:16
e 21, em lugar de “pecados”. Se tal significado for estabelecido para a palavra,
segue-se naturalmente a pergunta: Qual o sentido particular que um tal significado
traria a passagem?
Durante nossa discussão foi observado que se pode observar uma
identificação entre a oferta regular gelo pecado e as ofertas pelo pecado sacrificadas
no Dia da Expiação. Estas deveriam identificar-se com aquelas no sentido de
servirem como substitutas, resumo e tratamento apical e coletivo das ofertas
regulares. Diante desta espécie de compreensão acerca do relacionamento entre as
ofertas pelo pecado, diárias e anuais, a interpretação de hattā‟ōt como “ofertas pelo
pecado” nos versos 16 e 21, é algo que faria muito sentido.
As ofertas regulares pelo pecado - sacrificadas ao longo do ano - faziam
expiação pelos dois principais aspectos negativos da vida dos israelitas: pecados e
impurezas. Estas duas categorias de ofensas eram expiadas através de ofertas pelo
pecado. Nossa tradução sugestiva de “ofertas pelo pecado” para o texto de Levítico
16:16 e 21 referir-se-ia retrospectivamente às ofertas regulares (ou diárias) pelo
pecado, apresentadas durante todo o ano anterior. O sangue da oferta anual pelo
pecado (o bode do Senhor) aparecia então a fim de completar seu trabalho e
registro, conduzindo-os a um final completo.
A identificação das ofertas regulares pelo pecado e a finalidade que
possuíam, com o propósito último da oferta final pelo pecado no Dia da Expiação,
são fortemente sustentadas pela tradução potencial de hattā‟ōt em seu contexto:
“Assim /o sumo sacerdote/ fará expiação pelo santuário /lugar santíssimo/ por causa
das impurezas dos filhos de Israel e das suas transgressões, por /por conta de, em
favor de/ todas as suas ofertas pelo pecado” (verso 16).
A palavra traduzida como “transgressões” neste verso, convenientemente
sumariza tudo aquilo de que tratou Levítico 1-7. A palavra traduzida como
“impurezas” resume tudo àquilo de que tratou Levítico 11-15. E a palavra que
traduzimos como “ofertas pelo pecado”, de igual modo poderia resumir todas as
ofertas sacrificadas em favor de ambas estas principais condições que foram
tratadas na primeira metade de Levítico (capítulos 1-15), e que agora são coroadas
pela oferta pelo pecado todo abrangente, representada pelo bode do Senhor no Dia
da Expiação (Levítico 16).
Tal tradução indica fortemente que o ritual da oferta pelo pecado do Dia da
Expiação funcionava na purificação do santuário apenas dos pecados confessados
pelos israelitas penitentes. Ou seja, funcionava a fim de remover os pecados que
haviam sido confessados e transferidos ao santuário por intermédio das ofertas pelo
pecado oferecidas durante todo o ano então findo.
Estas são algumas das reações que vêm à tona quando se traduz Levítico
49
16:16 da forma sugerida, e mediante o seu posicionamento como porção apical dos
rituais das ofertas pelo pecado e centro da estrutura literária do livro.
Outra importante comparação poderia ser feita entre os rituais das ofertas
pelo pecado, diárias e anuais. Pode-se situar a pergunta: Em que ponto do tempo
ocorria ao israelita penitente o perdão e a aceitação pelo fato de participar do
sistema do santuário?
Esta questão é respondida enfaticamente em Levítico 4 e 5. Quando esta
pessoa trazia sua oferta pelo pecado ao santuário, confessando seu pecado, era-lhe
estendido o perdão. Repetidamente é feita a declaração neste sentido, segundo as
passagens indicadas: “E o sacerdote por eles /pelos pecados/ fará expiação, e eles
serão perdoados” (veja Levítico 4:20, 26, 31, 35; 5:10, 13 e 18).
Em contraste, nenhuma tal declaração acerca de perdão é jamais proferida na
legislação do Dia da Expiação. Diferentes formas do verbo que significa “fazer
expiação” aparecem em Levítico 16 mais de uma dúzia de vezes (versos 6, 10-11,
16-18, 20, 24, 27, 30, 33-34). Contudo, jamais estas passagens indicam que o
perdão resultasse para a congregação como um todo ou para indivíduos.
O Dia da Expiação tinha a ver com o perdão apenas num sentido indireto.
Tratava-se de um ritual especial para a purificação do santuário. O israelita individual
era perdoado ao oferecer sua oferta pelo pecado e ao confessar seu pecado.
Através do processo do ritual do sangue seu pecado e responsabilidade eram
transferidos dele ao santuário onde permaneciam até que fossem tratados em
termos finais no Dia da Expiação. O crente arrependido, apegando-se à graça divina,
era então perdoado ao haver assumido sua parcela no processo. O restante
aguardava a ação de Deus, em cooperação com os sacerdotes que manejavam o
sistema sacrificial de acordo com Suas instruções.
E evidente, portanto, que o ritual do Dia da Expiação, em virtude de sua
posição apical no sistema do santuário (apoiado ainda por sua porção central dentro
da estrutura literária de Levítico), designava-se a focalizar a atenção do israelita
penitente para além do estado de perdão e aceitação pessoal, aos aspectos finais
do plano divino para a solução do problema do pecado. Estes aspectos, a parte
todos os simbolismos, envolvem as fases do julgamento final, o qual é a culminação
do plano da salvação e, ao banir o pecado e seu instigador, salienta a honra de
Deus e completa a redenção de Seu povo.
CONCLUSÃO
Uma vez que era a mediação do sangue o que efetuava expiação pelo pecado e
trazia o pecador ao perdão e aceitação de Deus, devemos referir-nos ao seu centro
teológico básico como orientando-se em torno da justificação.
A segunda metade de Levítico gira em torno dos mandamentos ou
orientações pelos quais devia pautar-se a vida de Israel. A motivação para que se
observasse a vontade de Deus, encapsula-se na repetida declaração do Senhor:
“Santos sereis, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Levítico 19:2). Por esta
razão, a segunda metade de Levítico por vezes é vista como o Código da Santidade.
Este chamado a santidade era um chamado ao viver santificado. Desta maneira, a
segunda metade de Levítico centraliza-se no tópico geral da santificação.
O ponto focal deste ensaio repousou grandemente sobre o Dia da Expiação,
cujos rituais de sangue apareciam como culminação das ofertas pelo pecado
discutidas em certa porção do primeiro braço do quiasma. A importância do Dia da
Expiação é apoiada por sua posição central, na estrutura literária de Levítico. Varias
comparações significativas podem ser traçadas entre as ofertas anuais pelo pecado
(o bode do Senhor) e as ofertas regulares pelo pecado, sacrificadas em favor dos
sacerdotes e de toda a congregação durante o ano. Isto é especialmente verdade se
a expressão “ofertas pelo pecado” é aceita como tradução válida para o termo
hattā‟ōt, presente nas passagens-chaves de Levítico 16: 16 e 21.
Se esta tradução for aceita, estes versos poderiam indicar mais claramente
que em outros estudos, que a expiação era feita neste dia especial a fim de remover
do santuário as impurezas e transgressões dos filhos de Israel, transferidos para ali
por meio das ofertas pelo pecado, previamente oferecidas durante o ano. Portanto, o
Dia da Expiação lida de maneira final com as duas áreas de comportamento
discutidas no primeiro braço do quiasma transgressões (Levítico 1-7) e impurezas
(Levítico 11-15), onde ambos eram expiados através de ofertas pelo pecado.
Levítico é um definido caso em que a forma complementa a função. Colocado
no centro do livro através de cuidadoso projeto teológico, o Dia da Expiação
completava o ritual sacrificial simbólico do santuário e antecipava a realidade pela
qual Deus completará o plano da salvação através do julgamento final. Servindo
também como fulcro literário do livro, a narrativa do Dia da Expiação provê uma
transição apropriada para a segunda metade de Levítico, que mostra como o povo
perdoado poderia e deveria conduzir suas vidas em responsabilidade, diante de
Deus. A forma complementa a função, numa forma esteticamente apelante e,
teologicamente significativa, na mensagem e meio da mensagem de Levítico.
51
4.1. INTRODUÇÃO
pode ser aceita como ponto de partida para a ênfase particular aqui atribuída a este
julgamento: sua importância teológica.
Existem algumas coisas ensinadas pelas Escrituras, tais como a natureza
factual de alguns eventos históricos do passado, que parecem não ser
especialmente importantes para os cristãos da atualidade. Deveria o ensinamento
bíblico quanto ao juízo pré-advento ser relegado a este nível menor de importância?
É essa doutrina, por exemplo, apenas uma posição teológica herdada dos pioneiros
da Igreja Adventista do Sétimo Dia, e que não mais representa para a presente
geração a importância que demonstrou para aqueles?
São enumeradas, a seguir, várias razões para explanar, por que este
ensinamento ainda é de grande importância para a igreja e para o cristão individual
de hoje. Estas razões são apresentadas como proposições individuais, e uma breve
discussão do ponto em questão 5 feita após sua proposição. Não se pretende que a
lista seja exaustiva; julga-se, apenas, que ela é representativa do pensamento
bíblico quanto ao assunto.
1. O juízo pré-advento é uma atividade presente (atual) de Deus.
As aplicações corretas determinadas pelas grandes profecias cronológicas de
Daniel e Apocalipse indicam que estamos vivendo agora naquilo que estas profecias
apontam como o “tempo do fim”. E no “tempo do fim”, mas antes do segundo
advento de Cristo, que esta obra de julgamento esta sendo levada a cabo no Céu.
Uma vez que estamos vivendo agora nesse período profeticamente demarcado, o
significado é que o juízo está ocorrendo presentemente no Céu.
De todas as coisas a respeito de Deus, que os cristãos deveriam estar
interessados em conhecer, uma das mais importantes é quanto ao que Ele esta
fazendo agora. Portanto, sendo uma atividade presente de Deus, o juízo pré-advento
deveria ser assunto de grande interesse por parte dos cristãos contemporâneos.
2. O juízo pré-advento é um ponto notável de mudança ou de junção na
história da salvação.
Na visão de Daniel 7 é mostrado ao profeta o surgimento e a queda de uma
série de grandes reinos da história terrestre da humanidade, assim como a trajetória
de uma entidade político-religiosa. Depois de haver presenciado a atividade do
último destes poderes, a atenção do profeta é dirigida à corte celestial, onde lhe é
dado contemplar o Ancião de Dias e as hostes do Céu no ponto em que começam a
engajar-se na atividade de julgamento final.
Como resultado deste julgamento, uma ordem inteiramente nova da história
humana se abre, uma ordem que se projeta para a própria eternidade, no grande
reino de Deus. O julgamento que Daniel observava em visão, portanto, aparece na
junção da presente ordem da existência humana e a ordem eterna que sucederá a
primeira.
3. O juízo pré-advento delimita o “tempo do fim” do fim do tempo.
O “tempo do fim” é conhecido, a partir das profecias de Daniel, como um
período durante o qual ocorrem vários eventos. O povo pesquisaria o livro de Daniel
neste período, é nesse mesmo período que o rei do norte faria algumas coisas, etc.
O evento mais notável a ocorrer no “tempo do fim” e o julgamento no Céu.
Ao encerrar-se o julgamento, o “tempo do fim”, durante o qual funcionou o
tribunal, chega ao término. Ao isto ocorrer, Deus estabelecera Seu próprio reino
eterno. Chegará também ao fim a história humana tal qual hoje a conhecemos. Isto é
o fim do tempo. Portanto, o “tempo do fim” inicia aproximadamente com o começo do
juízo pré-advento, e o fim do tempo sobrevém quando o julgamento termina.
4. O juízo pré-advento ocupa a primeira de três grandes fases da obra
53
final de julgamento executada por Deus, que encontrará seu término com o
estabelecimento de Seu reino eterno.
O juízo pré-advento descrito em Daniel, não é o único julgamento de escopo
cósmico que conhecemos a partir da Bíblia. Ele é seguido de um julgamento
executado no Céu, por Cristo e Seus santos, durante o milênio (Apocalipse 20:4-6; I
Coríntios 6:2 e 3). Um terceiro julgamento deverá ocorrer diante do grande trono
branco de Deus, ao final do milênio (Apocalipse 20:11-15). Uma vez que essas três
cenas de julgamento fluem de uma para a seguinte, numa sucessão ininterrupta,
podemos vê-las como três fases de uma mesma obra de julgamento final. Mediante
a terceira e última destas fases o plano da salvação é levado a seu cumprimento
final.
Cada uma das fases do julgamento final tem seu próprio objeto de atenção.
Na fase do juízo pré-advento, “encerram-se as contas” de todos os santos, que
viveram em todas as eras, e que participarão do eterno reino de Deus. Durante a
fase milenial do julgamento estes mesmos santos julgarão ou avaliarão os registros
daqueles que não foram aceitos no reino eterno. Depois, ao final do milênio, na
terceira fase, ou executiva, o final veredito sobre os ímpios ser-lhes-á apresentado, e
os justos serão admitidos a sua final recompensa.
Deste modo, todas as três fases do juízo final podem ser vistas como
complementares. O juízo pré-advento começa esta seqüência, a qual findará com a
cena de julgamento em que os justos recebem a posse da Terra feita nova.
5. O juízo pré-advento focaliza a Cristo e diz algo a Seu respeito em seu
clímax.
De acordo com a descrição da visão em Daniel 7, o profeta vê duas diferentes
cenas neste julgamento, Na primeira visão é lhe mostrado o início da obra de
julgamento na corte presidida pelo Ancião de Dias que é Deus Pai.
A conclusão do julgamento é mostrada ao profeta como uma segunda cena.
Nesta cena de encerramento o Filho do homem, Jesus Cristo, recebe o domínio final
sobre toda a Terra e seus habitantes. O grande clímax deste julgamento é então
apresentado ao profeta, e seu centro focal é Jesus Cristo.
Evidentemente isto não significa que Jesus Cristo terá de esperar ate o
julgamento final a fim de descobrir se irá ou não receber o domínio sobre o reino
eterno. Em vez disso, a obra de revisão e sumário conduzida ao longo deste
julgamento, resulta numa grande e final reafirmação de tudo aquilo que Ele executou
através do plano da salvação. Da mesma forma, este juízo representa um resumo e
afirmação da salvação que os crentes individuais obtiveram previamente por
intermédio de seu relacionamento pessoal com Cristo.
6. O juízo pré-advento diz algo a respeito dos ímpios e de sua sorte.
A entidade corporativa daqueles que de modo especial se opõem a Deus, é
representada nas profecias de Daniel 7 e 8 sob o símbolo do chifre pequeno.
Contudo, mesmo aqueles que compartilham da sorte do chifre pequeno podem ter a
garantia de que receberão sua sentença de um Deus justo. As decisões as quais se
chegou em seus casos não resultam de alguma ação arbitrária de Sua parte. Ao
contrário, serão derivadas do exame de seus próprios registros. Este exame não é
conduzido em segredo; ocorre sob o testemunho de toda a hoste angélica.
7. O juízo pré-advento diz algo a respeito dos justos e de seu destino.
O evento que ocorre imediatamente após a conclusão deste julgamento, é a
entrada dos santos do Altíssimo em Seu eterno reino. Em virtude deste íntimo
relacionamento, os dois eventos podem ser percebidos como causa e efeito. Assim,
é evidente que uma das funções deste julgamento é servir como revisão final que
54
como a Bíblia o apresenta - não pode ser reconciliado com a pressuposição acerca
da imortalidade humana. Todavia, se por outro lado o assunto passa a ser visto a
partir da perspectiva bíblica quanto à natureza do homem, este julgamento pré-
advento é uma conseqüência lógica e natural, ou até mesmo um requisito, desta
mais adequada compreensão da Bíblia.
9. O juízo pré-advento prove uma demonstração do caráter de Deus.
Adicionalmente, em virtude do modo como Ele conduz este juízo pré-advento,
a correção, justiça e misericórdia de Deus serão proclamadas pelas inteligências
terrestres e celestiais (Isaías 45:23; Romanos 3:26; 14:10 e 11; Filipenses 2:10 e 11
; Apocalipse 15:3 e 4; 16:5 e 7; 19:2 e 11). Desta forma o amorável caráter de Deus,
que tem estado sob disputa durante a controvérsia com Satanás (Apocalipse 12:7-
9), será vindicado. Esta vindicação última de Deus pode outorgar-nos presentemente
confiança quanto ao tipo de Juiz e Advogado que hoje temos na corte celestial.
10. O juízo pré-advento prove uma conclusão lógica à primeira fase da
ministração sacerdotal de Cristo no Céu.
O divino plano de redenção tem estado a operar desde a queda do homem.
Durante este período de sua atividade, grandes foram os resultados obtidos. É tão
somente lógico e natural, portanto, que as realizações acumuladas do plano da
redenção sejam demonstradas quando de sua conclusão. O juízo pré-advento
oferece a oportunidade de semelhante demonstração. Esta é obtida ao se prover
uma revisão e resumo de todas as realizações do plano, apresentadas diante das
criaturas leais e não caídas do Universo. Trata-se, pois, de uma conclusão lógica do
que veio antes.
Um paralelo pode aqui ser estabelecido com o curso de ministração no antigo
tabernáculo/templo dos hebreus. Durante o decorrer do ano religioso, executava-se
uma “rodada completa” de sacrifícios. Estes serviam ao propósito de efetuar
expiação ou prover reconciliação entre o pecador e Deus. Esta rodada de cerimônias
culminava com os serviços conduzidos ao longo do Dia da Expiação.
No que ao povo dizia respeito, os serviços do Dia da Expiação serviam a dois
propósitos principais: (1) Eles efetuavam a expiação final por todos aqueles cujos
pecados haviam sido confessados, dos quais houvera arrependimento, e pelos quais
sacrifícios houveram sido oferecidos no curso do ano. (2) Aquele dia funcionava
como dia de julgamento para os pecadores impenitentes e endurecidos. Estes
deveriam ser eliminados do acampamento. (O Dia da Expiação servia também para
purificar o santuário e seu equipamento, preparando-os para a nova rodada de
serviços do ano que logo iniciaria). Assim, este dia cultual de julgamento servia
como adequada conclusão para a rodada ministerial que ocorrera no acampamento
e no santuário durante todo o ano prévio.
Da mesma forma, o juízo pré-advento pode ser visto como a fase final da
ministração de Cristo no santuário celestial. Tal ministério de reconciliação e
intercessão iniciou quando de Sua ascensão (Hebreus 8 e 9), Servia também como
a validação daquilo que havia sido alcançado por Intermédio dos serviços do
tabernáculo e do templo terrestres nos tempos do VT (Hebreus 9:15). Com o juízo
pré-advento chega o tempo para o resumo final e para a verificação daquilo que foi
possível conseguir mediante este ministério. Portanto, esta fase serve como
adequada conclusão ao processo anterior.
De passagem, dever-se-ia observar aqui que, pelo fato de haver Cristo
ingressado nesta segunda fase de Seu ministério em 1844, isto não significa que Ele
tenha deixado de desempenhar as funções da primeira fase. A salvação acha-se
ainda disponível aos pecadores arrependidos, Com base nos antigos paralelismos
56
5. JUSTIFICAÇÃO E JULGAMENTO
Ivan T. BIazen
Fonte: DRCS, vol. 3, pp. 339-338
I. Introdução
II. Razão e Revelação
III. Justificação Pela Fé e Julgamento de Acordo com as Obras
IV. Justificação e Garantia
V. Julgamento e Garantia
VI. Resolvida a Tensão
58
5.3. INTRODUÇÃO
A princípio, é necessário - com base nas Escrituras - lidar com uma forma
falaciosa de raciocínio, que trata erroneamente os dados da divina revelação. Tal
raciocínio, se não enfrentado e deixado a operar, poderia tornar impossível uma
solução biblicamente balanceada do relacionamento entre justificação e juízo.
Um texto apropriado a esta discussão, pois que pertinente à temática com que
se ocupa o presente estudo, é o de Romanos 3:1-8. Nesta passagem Paulo está
desenvolvendo um debate com o judaísmo, no que diz respeito ao assunto da
fidelidade de Deus. Em Romanos 1 e 2 Paulo demonstrou que os seres humanos
foram infiéis a Deus. Todas as pessoas - não apenas os gentios, mas igualmente os
judeus, muitos dos quais haviam condenados os gentios - eram e são pecadoras
diante de Deus, encontrando-se sob o Seu julgamento (Romanos 2:2) e dignos de
Sua ira. Surge então a pergunta - e ela possui especial relevância no tocante aos
judeus, que eram recipientes dos oráculos de Deus (Romanos 3:1 e 2): Não seria o
caso de a infidelidade humana cancelar a fidelidade de Deus (verso 3)? Em outras
palavras: Não seria o caso de o pecado humano, e em particular o pecado dos judeus,
tornar sem efeito as promessas de Deus? Paulo responde a questão com um
retumbante Não! Deus é genuíno embora todos os seres humanos sejam falsos. Ele
prevalece ao ser julgado em termos de Sua palavra e fidelidade (verso 4).
Com isto a questão ganha uma nova direção, um enredo oposto. Ela não mais
se preocupa com a manutenção da fidelidade de Deus - pois agora já se presume que
este e o caso - e sim com a manutenção da infidelidade humana. A questão não mais
diz respeito ao julgamento que o homem possa fazer de Deus, e sim do julgamento
59
que Deus faz do homem. Se a fidelidade divina não pode ser anulada, não deveria a
infidelidade humana ser cancelada como algo que merece o julgamento? Se a
fidelidade de Deus permanece, mesmo quando todas as pessoas se demonstraram
infiéis, então poder-se-ia pensar que a infidelidade humana não é algo indesejável, ao
contrário - e, de todos os modos, não passível de punição, já que referida infidelidade
apenas coloca em maior destaque a fidelidade de Deus. Não estaria Deus sendo
injusto ao infligir Sua ira sobre alguém (verso 5), ou julgando como pecador esta
pessoa cuja mentira fez com que a verdade de Deus abundasse para a Sua glória
(verso 7)? De fato, não seria até elogiável que o mal fosse praticado para que
“venham bens” (verso 8)? O “bem”, neste caso, provavelmente se referiria em primeiro
lugar a luz favorável sob a qual a maldade humana coloca a bondade de Deus; em
segundo lugar, pode referir-se ao bem, ou graça, que vem de Deus em direção aos
seres humanos que pecaram (veja Romanos 5:20 e 6:1).
Tal espécie de argumentação era utilizada, por parte dos que a empregavam,
com o objetivo de desacreditar a doutrina de Paulo quanto à justificação dos maus, ao
mostrar que ela levaria a uma perpetuação do mal, e até mesmo a um convite à sua
prática, em vez de representar a sua erradicação.
Paulo responde ao dizer que se fosse válido este raciocínio quando a “deixar
no gancho” os seres humanos pecadores, “como julgará Deus o mundo?” (Romanos
3:6). Com esta questão Paulo nega a lógica de seus oponentes, não mediante uma
discussão - pois esta virá mais tarde, em Romanos 6, depois que Paulo houver
desenvolvido plenamente seu ponto de vista sobre a justificação pela fé (Romanos
3:21 a 4:25) e suas conseqüências (Romanos 5) e sim mediante o apelo a um dado
dogmático da divina revelação - Deus julgará o mundo.
Se isto é verdade, conforme criam tanto o apóstolo quanto seus oponentes
judeus, não poderia ser válido nenhum tipo de raciocínio que procurasse minimizar ou
eliminar este julgamento. A revelação divina sobrepõe-se à lógica ordinária humana.
(Observe como a objeção judaica apresentada em Romanos 3:5 é acompanha da
pelo comentário de Paulo: “Falo como homem”).
A razão deve funcionar como serva da revelação. É a revelação que ilumina a
razão, e assim é tarefa da razão explicar a revelação e não contradizê-la. Uma vez
que se estabeleça a realidade do julgamento com base na revelação, a revelação
deve Operar no sentido de explanar sua importância, e não no de reduzir ou destruir a
mesma.
cobertura do pecado ou sua não imputação ao crente (para esta última idéia, veja II
Coríntios 5:19). Perdão pleno e gratuito - isto é justificação. Esta realidade é tão
maravilhosa que aquele que a vivenciou é identificado como “bem-aventurado”, ou
feliz (Romanos 4:7).
Em Romanos 5:9 e 10, dois versos que correm paralelos entre si, justificação é
coordenada com reconciliação. Ambos os termos referem-se à mesma realidade e
são tornados possíveis pelo mesmo mecanismo - através da morte de Cristo - e
conduzem ao mesmo resultado - salvação final. A sinonímia entre justificação e
reconciliação é observada também em II Coríntios 5:18-21, onde reconciliação é
vinculada à não imputação do pecado, tal como em Romanos 4:8, e com a justiça de
Deus. É interessante perceber que estes conceitos são, por sua vez, relacionados
com o da nova criação de que fala II Coríntios 5:17. A idéia de uma nova criação é
ainda encontrada em Romanos 4:17, onde Deus, o mesmo que justifica é descrito
como alguém “que vivifica os mortos e chama à existência as cousas que não
existem”.
De modo geral, quando se introduz o conceito de nova criação, as pessoas
pensam primeiramente em termos de santificação, no sentido de crescimento moral.
Contudo, segundo podemos observar a partir de II Coríntios 5 e Romanos 4, a nova
criação é relacionada de modo imediato com justificação e reconciliação. Entretanto,
segundo é demonstrado em II Coríntios 5:14 e 15, o propósito da morte reconciliatória
de Cristo é que aqueles que vivem como resultado da mesma possam não mais viver
para si, e sim para Aquele que por eles morreu e ressuscitou. A nova criação envolve
a ausência de bifurcação entre a nova vida garantida e a nova vida vivida.
Existem outros conceitos e realidades que lançam luz sobre a justificação. Ao
apresentar sua tese sobre justificação em Gálatas, Paulo chega ao ponto em que
explica a nova situação criada pela justificadora atividade de Deus em termos de
adoção ou filiação (Gálatas 4:5-7; veja Gálatas 3:24-26). O significado da justificação
chega à pungente expressão de exclamação em Gálatas 4:6 - “Aba, Pai!” (“Meu Pai,
meu Pai!”). Essa exclamação torna-se possível pelo Espírito do Filho inundando o
coração do crente.
Efetivamente, a justificação envolve a recepção do Espírito, conforme
claramente se observa aqui e em Gálatas 3:1-5, onde, imediatamente após um dos
maiores argumentos de Paulo em favor da justificação pela fé e não por obras da lei.
(Gálatas 2:15-21), o apóstolo pergunta aos Gálatas se “recebestes o Espírito pelas
obras da lei, ou pela pregação da fé?” Sem qualquer dúvida, a recepção do Espírito
faz parte do evento da justificação. Neste sentido, pode-se mais uma vez observar II
Coríntios 3. Não apenas é o “ministério da justiça” contrastado com o “ministério da
condenação” (verso 9), como também o “ministério do Espírito” é contrastado com o
“ministério da morte” (versos 7 e 8). É óbvio que a ministração de justiça por parte de
Deus (no sentido de Sua ação justificadora) ocorre com a presença do Espírito. Em
Romanos 5:5 a esperança de compartilhamento futuro da glória de Deus por parte do
cristão, baseia-se sobre a presente experiência do amor de Deus, provida através do
Espírito. O significado de o Espírito fazer com que o crente se sinta “em casa”, é que
ao mesmo tempo em que ele é ainda ímpio e fraco (verso 6), pecador (verso 8) e
inimigo (verso 10), “Cristo morreu por nós” (verso 8), e isso tornou possível a nossa
justificação (verso 9), ou reconciliação (verso 10).
5.6.1. Garantia
4:4).
Esta implicação é obvia - julgar aos outros ou desprezá-los (ou, de acordo com
Romanos 14:15, causar a “ruína de alguém por quem Cristo morreu”) afetará o
destino da pessoa no julgamento. Isto representa uma reafirmação do ensinamento de
Cristo, de que seremos julgados de acordo com o juízo que aplicarmos. Em vez de o
crente julgar e desprezar os outros, sua atitude deveria ser: “Ora, nós que somos
fortes, devemos suportar as debilidades dos fracos, e não agradar-nos a nós mesmos.
Portanto cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para edificação. Porque
também Cristo não Se agradou a Si mesmo” (Romanos 15:1-3). De todos os modos,
Paulo instrui os cristãos a não entreterem julgamento desfavorável de outros, porque
“cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus” (Romanos 14:12).
Romanos 2:16. Esse texto fala do dia em que, segundo o ensinamento do
evangelho de Paulo, Deus julgará os segredos dos seres humanos por Cristo Jesus.
Segundo retrata Romanos 2:6-10, Deus dará a cada pessoa segundo as suas obras.
Haverá ira e furor para aqueles que não obedecem a verdade, antes a iniqüidade; e
vida eterna para os que, ao praticarem pacientemente o bem, demonstram que estão
à busca de gloria, honra e imortalidade. Sendo isto verdade, a pessoa não deve
buscar refúgio em apenas ouvir a lei, pois “os que praticam a lei hão de ser justifica-
dos” (verso 13). Ao passo que Romanos 2 tem corno propósito mostrar que os judeus
que se gloriavam em sua justiça própria e criticavam os gentios por agirem mal,
também agiam erradamente (versos 1-3, 21-24) e assim não podiam ser justificados
por suas obras, o capítulo apresenta ainda o verdadeiro paradigma do julgamento.
Entretanto, não se deve confundir o padrão (ou paradigma) do julgamento com
o método através do qual ele é realizado. Paulo gasta o restante da epístola aos
Romanos, a partir de 3:21, na exposição do método. Sua explanação, sugiro eu,
abrange não apenas a porção teológica do livro (até o capitulo 11), onde o indicativo
da salvadora graça de Deus é apresentado como o fundamento da redenção, como
também a porção ética do livro, que inicia com o capítulo 12, onde o divino imperativo,
surgindo da redenção oferecida no evangelho, é apresentado. Isto não significa
misturar justificação e santificação, e sim revelar que a verdadeira justificação sempre
resulta em santificação.
demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um, o
próprio fogo o provará”. Mais tarde examinaremos a função desse texto em seu
contexto.
I Coríntios 4:5. “Portanto, nada julgueis antes de tempo, até que venha o
Senhor, o qual não somente trará à plena luz as cousas ocultas das trevas, mas
também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá o seu
louvor da parte de Deus”.
Embora Paulo saliente o “louvor” na última parte do verso, torna-se claro que a
exposição das “cousas ocultas das trevas” pode, no caso de algumas pessoas,
apresentar resultado oposto. Não é aqui o propósito de Paulo detalhar este ponto,
antes é ele uma legítima inferência a partir da linguagem usada pelo apóstolo. A razão
pela qual ele apenas destaca o “louvor” é algo pessoal. Este louvor aparece em
contraste com a preocupação de Paulo no verso 3, quanto à possibilidade de ser ele
julgado pelos coríntios ou por qualquer corte humana. Ele não está preocupado em
receber o louvor de seus leitores, e sim o de Deus.
O ponto primário do verso, portanto, tem a ver com a vindicação última do
ministério apostólico de Paulo. Entretanto, as implicações do fato de que Deus “trará à
plena luz as cousas ocultas das trevas” estendem-se para um aspecto mais amplo.
Manifestamente, Paulo aplicou linguagem pertencente ao conceito mais amplo do
julgamento, a seu próprio ministério, (Veja Romanos 2:16).
Colossenses 3:5 e 6, “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena:
prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno, e a avareza, que é idolātria.
Por estas cousas é que vem a ira de Deus”.
I Tessalonicenses 4:6. Com relação e suas exortações no tocante à pureza
sexual, diz Paulo: “Ninguém defraude a seu irmão, porque o Senhor, contra todas
estas cousas, como antes vos avisamos e testificamos claramente, é vingador”.
Gálatas 5:21. A forte ênfase quanto à advertência prévia, que apareceu em I
Tessalonicenses 4:6, também é apresentada aqui. Após outra lista de vícios, Paulo
diz: “A respeito das quais /coisas/ eu vos declaro, como já outrora vos preveni, que
não herdarão o reino de Deus os que /as/ praticam”.
I Coríntios 6:9. Este e outro texto com um rol de vícios. Esta “mania” de ênfase
do apóstolo Paulo é instrutiva. “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de
Deus? Não vos enganeis”. Certamente vocês sabem disso, diz Paulo. Entretanto, ele
admite que e assunto a respeito do qual a pessoa pode enganar-se. Ele adverte
contra um tal engano.
Efésios 5:5 e 6. O texto apresenta advertência similar quanto a não deixar-se
enganar. “Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é
idolātra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com
palavras vãs: porque por estas cousas vem a ira de Deus sobre os filhos da
desobediência”.
Gálatas 6:7 e 8. Aqui, o pensamento de não se deixar enganar acompanha
outro pensamento. “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o
homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne,
da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito, do Espírito colherá
vida eterna”.
Esse texto oferece importante contribuição ao informar que de Deus não se
zomba (ou que Deus não Se deixa escarnecer). Certamente seria zombar de Deus a
pessoa pretender haver recebido a Sua aceitação e depois recusar-se a viver de
modo aceitável, através do Espírito. Uma vida desenvolvida deliberadamente a favor
da carne, jamais poderá estar de acordo com a realidade e o propósito da justificadora
69
graça de Deus.
Cada cristão deveria interrogar-se se sua forma de vida não está zombando do
Deus que lhe outorgou a vida. O ponto saliente em Gálatas 6:7 e 8, quanto a ser
enganado e zombar de Deus, encontra notável paralelo em Jeremias 7:8-10: “Eis que
vós confiais em palavras falsas, que para nada vos aproveitam. Que é isso? Furtais e
matais, cometeis adultério e jurais falsamente; queimais incenso a Baal e andais após
outros deuses que não conheceis, e depois vindes e vos pondes diante de Mim nesta
casa, que se chama pelo Meu nome, e dizeis: „Estamos salvos‟; sim, só para
continuardes a praticar estas abominações”.
Romanos 8:5-13. Esse texto estabelece o mesmo contraste entre carne e
Espírito. Diz o verso 13: “Porque se viverdes segundo a carne, caminhais para a
morte; mas, se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, certamente vivereis”.
Hebreus 2:1-3. “Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais
firmeza, as verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se
tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão e desobediência
recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande
salvação?”
Hebreus 10:26-31. Aquilo que é brevemente citado em Hebreus 2:1-3, é
plenamente desenvolvido no texto de Hebreus 10. O texto fala por si próprio: “Porque,
se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno
conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa
expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários. Sem
misericórdia morre pelo depoimento de duas ou três testemunhas quem tiver rejeitado
a lei de Moisés. De quanto mais severo castigo julgais vós, será considerado digno
aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o
qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça? Ora, nós conhecemos Aquele que
disse: „A Mim pertence a vingança; Eu retribuirei‟. E outra vez: „O Senhor julgará o Seu
povo‟. Horrível cousa é cair nas mãos do Deus vivo”.
Várias tentativas têm sido empreendidas para resolver a tensão existente entre
justificação e julgamento.
1. Algumas pessoas argumentam que os textos que falam do juízo de
acordo com as obras, representam um resquício do judaísmo passado de Paulo, no
qual os aspectos apocalípticos desempenharam importante papel. Diriam estas
pessoas que os textos sobre o julgamento são uma espécie de “penduricalho”
apocalíptico. Portanto, deve-se dar preferência aos textos paulinos sobre a
justificação.
De acordo com esta posição, existe na verdade apenas um ponto focal – e não
dois - na pregação de Paulo. Deste modo, a idéia do juízo é pronunciada como não
funcional para Paulo. Este ponto de vista apocalíptico rejeicionista é inteiramente
inaceitável como interpretação do pensamento paulino. Salta à vista a freqüência com
que Paulo cita textos sobre o juízo, assim como a severidade de seu pensamento e a
posição central do juízo em seu argumento.
2. Alguns advogam o que pode ser identificado como o ponto de vista
imperfeccionista. Argumentam que, uma vez que as pessoas jamais poderão ser
perfeitas em virtude do pecado interior, a fé é o único princípio operativo de
julgamento, assim como a atribuição original de justificação. Por esta razão, a única
função real das declarações bíblicas a respeito de julgamento segundo as obras, é
levar as pessoas a correr em busca da justificação pela fé, onde pode ser encontrada
a necessária misericórdia. Assim, o julgamento segundo as obras, não é efetivamente
uma realidade futura, exceto para a pessoa desligada de Cristo. Para o cristão, o
julgamento segundo as obras na verdade significa “de acordo com as obras de
Cristo”, em lugar das obras do cristão.
Este ponto de vista contém um elemento positivo ao sublinhar a primazia da
justificação pela fé, mas no esforço por obter facilmente a harmonia com a justificação,
ele despreza os textos atinentes ao julgamento. De modo muito claro, indicam as
Escrituras que as obras do cristão - tornadas possíveis através de Cristo, sem dúvida -
é que estarão sob julgamento, e que a perda da vida eterna pode ocorrer se a graça
não conduzir ao discipulado. Adicionalmente, este ponto de vista não leva seriamente
em conta o tema “cumprimento da lei”, encontrado nos escritos de Paulo (Romanos
8:4; 13:8-10; Gálatas 5:13-14; 6:2). Onde esse tema ocorre, não diz ele respeito à
imputação da justiça da lei e sim à efetivação de sua justiça na vida do cristão, através
do poder do Espírito. Reconhecemos que esta realização não consegue preencher o
caráter de absoluta perfeição, mas afirmamos que a vontade de Deus chega a
expressar-se em termos concretos na vida do cristão. Mais que isto, a visão
imperfeccionista compreende erroneamente o imperativo de Paulo. Percebe-o como
funcionando apenas ao falar daquilo que não fazemos diante de Deus, em vez de
apresentar a nossa prática da vontade de Deus, o que é realmente a ênfase de Paulo
e outros textos bíblicos.
De fato, a Escritura nos pede tanto, sem quaisquer reservas, que ficamos como
que sem fôlego. Todavia, permanece sendo verdadeiro que através do Espírito (que é
outorgado aos crentes junto com a justificadora graça de Deus em primeira mão; cf.
Gálatas 2:16 e 21 com 3:1-3), os crentes podem deveras “andar em novidade de vida”
agora (Romanos 6:4).
Por meio de Cristo e tal como Ele, pode-se dizer do cristão que a vida por ele
vivida, deve sê-lo para Deus. (Veja Romanos 6:11). A ética bíblica não apenas conduz
a pessoa de volta à justificação, como ainda é o próprio fruto vivo da justificação. Se
71
for verdade que devemos correr continuamente de volta à cruz em virtude do rigor das
demandas divinas, também é verdade que deve mos dirigir-nos ao mundo com a cruz,
na qualidade de discípulos de Cristo que Lhe seguem os passos.
3. A terceira forma de compreensão pode ser identificada como o ponto de
vista “particionista” ou perfeccionistas (Devemos distinguir, desde já, entre a
“perfeição”, à qual a Bíblia nos convoca, e o “perfeccionismo”, que é a pretensão de já
havermos “chegado lã”). De acordo com este ponto de vista, a justificação pela fé
refere-se ao começo da existência cristã, e ao final da mesma encontraremos o
julgamento segundo as obras. Somos justificados inicialmente pela fé, mas finalmente
por alcançarmos, através da graça, o padrão da perfeição. A partir deste raciocínio, na
realidade não se faz necessária a misericórdia no julgamento, pois o crente ter-se-á
separado de todos os procedimentos imperfeitos.
A visão perfeccionista possui elementos positivos: ela reconhece que Deus nos
convoca à perfeição, leva a sério o discipulado e indica o propósito divino de cumprir a
lei através da experiência, e não o de destruí-la.
Não obstante, este ponto de vista apresenta sérias restrições. Em primeiro
lugar, deixa para trás a fé e a justificação, o que Paulo não faz. Para o apóstolo, a fé
que assegura a justificação de Deus representa o fundamento da correta relação com
Deus em todos os tempos - passado, presente e futuro. Isto se encontra inerente na
frase “de fé em fé”, em Romanos 1:17, e é explicitamente ensinado em Gálatas 5:5,
onde é através do Espírito, pela fé, que aguardamos “a esperança da justiça” (com o
significado de “justiça almejada”). Em outros termos, a fé abarca a futura justiça de
Deus, tanto quanto sua presente manifestação. Segundo Romanos 5:1 e 2, a
justificação pela fé nos conduz à glória.
Uma vez mais Paulo, o mesmo que poderosamente apresenta tanto a
justificação pela fé somente quanto o julgamento segundo as obras, recusa-se a
pretender a perfeição - e isto até mesmo no final de sua vida, conforme vemos em
Filipenses 3:12-14. Sabia ele que Cristo o havia tornado plenamente Seu, mas ele
próprio ainda não fizera plenamente suas as infinitas riquezas de Cristo (3:12b).
mostrar que ser um judeu, um professo crente, sem os feitos de bondade, não oferece
qualquer vantagem, e sim apenas perda em comparação com os “descrentes” gentios
que fazem a vontade de Deus - o claro ensino aqui é o princípio de que os “crentes”
poderão perder-se se não representarem a essência do caráter do reino.
Utilizando mais uma vez Mateus 25 - desta vez o verso 23 - George Ladd
afirma que o “bem está, servo bom e fiel” não será pronunciado sobre aqueles que, de
acordo com I Coríntios 3:12-15, construíram pobremente sobre o alicerce que é Cristo.
Estas pessoas serão salvas, mas perderão a recompensa que a salvação oferece
aqueles que construíram adequadamente. Ladd faz mau uso tanto do texto de Mateus
quanto da passagem de Coríntios. Deve-se observar que em Mateus 25:23, o “bem
está” é seguido, e representa o pressuposto para o “entra no gozo de teu Senhor”.
Este gozo não é somente um aspecto do reino reservado para algumas pessoas (os
bons edificadores) que entram no reino, e não para outras (maus edificadores) que
também entram no reino. Em vez disso, o gozo é um termo que sumaria o reino como
um todo. Sem o “bem está”, ninguém entra no reino, e de forma alguma estará apto a
participar de qualquer aspecto de seu gozo.
No que tange a I Coríntios 3:12-15, esta passagem é mal compreendida se
usada para ensinar que, não importa o que o crente pratique em sua vida pessoal,
ainda permanece com a salvação garantida no fim do tempo. A declaração, “esse
mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo”, não é tanto uma promessa
evidente, e sim uma advertência implícita. Desafia aqueles em posição de liderança,
que estão talvez construindo pobremente o templo de Deus pelo fato de encorajarem
facções em vez de unidade na igreja - e observe que este é o tema de I Coríntios 3, e
não os pecados pessoais de cada membro da congregação, conforme Ladd gostaria
que crêssemos. Representa um desafio para que sejam cuidadosos, pois no fogo do
julgamento divino poderão talvez escapar somente “como que através do fogo”, ou
seja, “pela pele dos dentes”.
O quadro é o de alguém que corre por dentro do incendiado edifício que
construiu, a fim de salvar a vida. Nenhum líder de igreja responsável poderia repousar
confortavelmente diante de uma concepção como esta. A intensidade do pensamento
de Paulo e a fatalidade do juízo chegam a uma expressão apical quando Paulo diz
nos versos imediatamente seguintes a 3:12-15, que a igreja constitui o templo de
Deus e que “se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá”. Aqui não
existe espaço para a salvação incondicional! Que todos tomem cuidado. Edificadores
pobres mal chegarão lá; destruidores de modo algum chegarão.
O ponto de vista de que o julgamento determina somente somas de bênçãos,
entra em conflito com um dos pilares do pensamento de Paulo. O verdadeiro
significado da declaração de Paulo quanto ao julgamento, é frustrado em virtude de
um certo ponto de vista quanto à justificação. Aqui se acha envolvida mera lógica
humana, que opera sem o conjunto de dados das Escrituras.
5. Em minha opinião, o ponto de vista que melhor recomenda a si próprio
diante da totalidade dos dados apresentados no pensamento de Paulo, é aquilo que
poderíamos denominar como ponto de vista dinâmico, salvífico-histórico. Ele
apresenta dois pólos, tão proeminentes em Paulo: o “já” da salvação iniciada e o
“ainda não” da salvação completada. O “já” e o “ainda não” são operacionais tanto na
experiência salvífico-histórica de Deus quanto na experiência individual humana, na
medida em que esta se vincula àquela história. A essência deste ponto de vista é que
74
apenas uma justificação existe, e esta acompanha o crente desde a ocasião em que a
fé inicia (o “já”), ao longo de todo o caminho rumo ao julgamento final, onde sua
realidade e vitalidade são testadas e atestadas por seus frutos (o “ainda não”).
A Bíblia ensina que a justificação pertence as “últimas coisas”, pois ela traz a
almejada sentença de absolvição do julgamento final, ao momento presente. É
interessante observar, contudo, de acordo com as Escrituras, que as próprias coisas
finais têm um começo e um fim. O princípio é: “Aquele que começou boa obra em vós,
ha de completá-la até ao dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1:6). Portanto, contradiz-se o
testemunho das Escrituras quando a lógica humana conclui que, pertencendo à
justificação - uma realidade presente, por meio da fé - às últimas coisas, coisa alguma
adicional pode ser pedida ao crente no julgamento final. Embora a bênção da
absolvição no julgamento futuro efetivamente se torne operacional mesmo agora, as
Escrituras são claras em dizer que o que Deus deseja Ver no julgamento final, são
crentes justificados que através de Sua graça, produziram frutos para Sua glória
(versos 9-11).
A nova história que Deus oferece a cada crente, não termina quando ele vem a
Cristo e é justificado; isto é, apenas o começo. No final Deus reclama justificação com
seus, frutos - não sob a fórmula “fé mais obras salvam”, e sim no sentido de que a
justificação é a fonte de frutos santificados.
No julgamento final Cristo, como Salvador e Senhor, pode legitimamente
perguntar aqueles aos quais justificou: “Foste tu, pela força de Minha graça, Meu
verdadeiro discípulo?” A realidade devera responder: “Sim!” Esta resposta não poderia
haver sido dada quando os crentes pela primeira vez vieram a Cristo e receberam a
Sua justificação. O discipulado somente pode iniciar quando a pessoa encontra a
Jesus, o Justificador, mas ele inicia efetivamente quando o crente submete toda a sua
vida futura a soberania do agora presente amor de Deus.
I. Introdução
II. Cristo: Salvador e Senhor
III. Juízo Pré-Advento
IV. Julgamento nos Escritos de João
V. Conclusões
6.2. INTRODUÇÃO
81
Referem-se à tradução dos textos bíblicos, páginas 27 e 28.
82
Referem-se à tradução dos textos bíblicos, páginas 27 e 28.
80
Neste ponto devemos dizer mais uma palavra quanto ã certeza de salvação.
Sem completa garantia de que Deus nos perdoa e aceita, possivelmente não
possamos viver para Cristo e em harmonia com Seus reclamos. Se não
compreendemos plenamente nossa aceitação, não nos é possível a liberdade diante
da preocupação e ansiedade por nós mesmos, a fim de podermos dedicar suficiente
interesse e tempo aos outros. Adicionalmente, sem esta certeza pessoal não
teremos a iluminação interior ou a força necessárias para aceitar plenamente os
demais. De que modo posso compreender a aceitação e realmente aceitar outros se
não conheço a minha aceitação por parte de Cristo?
Aquilo que recebemos de Cristo determina aquilo que por Ele fazemos. O
dom de Cristo só pode ser repassado depois de haver sido vivenciado. Neste
aspecto, é relevante o texto de I João 1:1-3: “O que era desde o princípio, o que
temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos... e as nossas mãos
apalparam, com respeito ao Verbo da vida... anunciamos também a vós outros”.
De acordo com o NT, o evento que assegura nossa absolvição também
assegura a nossa renovação. O perdão acha-se vinculado com a nova criação.
Lembro-me de um telefonema que recebi depois de haver pregado um
sermão que falava sobre perdão e nova criação. Dizia o meu interlocutor: “Durante a
primeira metade do sermão eu pensava: „Lá vem tudo outra vez; outro sermão sobre
o perdão‟. Mas quando o irmão começou a segunda parte, sobre a nova criação,
iniciou a verdadeira pregação do evangelho!” Apreciei o fato de que alguém tivesse o
trabalho de ligar-me para falar do sermão, mas de alguma forma tive a sensação de
que o ponto principal não havia sido captado.
O que eu estava tentando mostrar era que a renovação nasce do perdão.
Sem o perdão não é possível a renovação, e sem renovação o perdão se torna
truncado, ineficaz, mal compreendido.
Ellen White abordou o assunto de modo feliz em duas citações quanto ao
perdão. Escritas a partir de diferentes perspectivas, elas unem-se na visão que
apresentam quanto àquilo que a salvação de Cristo inclui:
“A religião de Cristo significa mais que o perdão dos pecados; significa
remover nossos pecados e encher o vácuo com as graças do Espírito Santo.
Significa iluminação divina e regozijo em Deus. Significa um coração despojado do
próprio eu e abençoado pela presença de Cristo. Quando Cristo reina na alma há
pureza e, libertação do pecado. A glória, a plenitude, a perfeição do plano do
evangelho são cumpridas na vida. A aceitação do Salvador traz paz perfeita, perfeito
amor, segurança perfeita. A beleza e fragrância do caráter de Cristo manifestadas na
vida, testificam de que em verdade Deus enviou Seu Filho ao mundo para o salvar.83
“O perdão, porém, tem sentido mais amplo do que muitos supõem. Dando a
promessa de que perdoará „abundantemente‟, Deus acrescenta, como se o
significado dessa promessa excedesse a tudo que pudéssemos compreender: „Os
Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os Meus caminhos os
vossos caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os céus são mais altos do que
a Terra, assim são os Meus pensamentos mais altos do que os vossos
pensamentos‟. Isaías 55:7-9. O perdão de Deus não é meramente um ato judicial
pelo qual Ele nos livra da condenação. E não somente perdão pelo pecado, mas
livramento do pecado. E o transbordamento de amor redentor que transforma o
83
Parábolas de Jesus, páginas 419 e 420.
81
É difícil de ver como pode surgir uma objeção como aquela a que se refere
Romanos 6:1. Certamente a consideração da radical bondade de Deus para
conosco é o fundamento de uma nova ética, e não o seu descarte. Seria possível
que fôssemos verdadeiramente perdoados e então prosseguíssemos ferindo a Deus
e a nossos companheiros humanos? Em vez disso, não é verdade que o genuíno
perdão nos conduz à verdadeira liberdade, não apenas da penalidade do pecado,
como também de seu poder?
É bem claro e triste que, por detrás da objeção de que a graça produz
pecado, em vez de serviço, encontra-se alguém que, pela própria pergunta que faz -
“Pratiquemos males para que venham bens?” – demonstra que possui um
84
O Maior Discurso de Cristo, página 114.
82
Será útil que nos volvamos agora para certos aspectos dos ensinos de João
quanto ao julgamento. Por vezes estes ensinos têm sido utilizados a fim de tornar de
pouco ou nenhum efeito o ensinamento geral do NT quanto ao julgamento vindouro
e às questões envolvidas neste julgamento. Assim, o que aqui será dito é relevante
tanto para a fase pré-advento quanto para a fase do advento, do julgamento final.
De acordo com João, o fato é que a cruz representa o julgamento de Deus
sobre o pecado (João 12:31-33; 16:11) e que o julgamento do crente, tanto quanto
do descrente, acha-se no passado. Isto depende da aceitação ou rejeição da luz
trazida por Cristo (João 3:18-21) - e estas verdades deveriam ser amplamente
reconhecidas. Elas contribuem significativamente para a compreensão geral do NT
quanto ao julgamento.
Entretanto, estas verdades joaninas não devem ser levadas a ignorar aquilo
que Paulo e o restante do NT ensinam claramente, ou seja, que ainda está por vir
um dia de julgamento para o mundo, e que até mesmo os crentes serão chamados a
prestar contas diante do Rei. Em outros termos, a realidade pretérita do julgamento
em João não deveria ser utilizada a fim de negar a realidade futura do julgamento,
segundo apresentada em outras partes das Escrituras.
Contudo, falar desta forma é simplificar muito as coisas, pois não se trata de o
julgamento em João ser apenas passado, e apenas futuro nos demais lugares.
Paulo, por exemplo, ensina um julgamento passado tanto quanto um julgamento
futuro. Trata-se de um ensinamento explicito em Romanos 8:3, onde ele diz que
Deus enviou Seu Filho e “condenou... na carne o pecado”. É também esta a
implicação óbvia da justificação pela fé. Justificação pela fé significa que o veredito
do julgamento futuro deslocou-se para o presente, iniciando assim a experiência
cristã (mas sem negar o futuro julgamento de acordo com as obras, conforme, vimos
em ponto anterior de nosso estudo).
João, por outro lado, é capaz de falar de um julgamento futuro, tanto quanto
do presente. De acordo com João 12:48, temos que: “Quem Me rejeita e não recebe
as Minhas palavras, tem quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa
o julgará no último dia”. João 5:29 fala daqueles que ressuscitarão “para à
ressurreição do juízo.” Em I João 4:17 lemos a respeito de estar o cristão confiante
no juízo. Assim, tanto Paulo quanto João tem a sua teologia “já ainda não”. Mas nos
ensinamentos paulinos o “ainda não”, do julgamento envolve os crentes, e o
resultado pode ser negativo se Cristo não houver sido honrado através do corpo. O
que ocorre com João? Porventura entram os crentes num julgamento futuro, e,
especialmente, existe a possibilidade de um resultado negativo?
Alguns têm respondido esta pergunta com um enfático NÃO, baseando suas
respostas em João 5:24, onde Jesus diz: “Em verdade, em verdade, vos digo: Quem
ouve a Minha palavra e crê nAquele que Me enviou, tem a vida eterna, não entra em
juízo, mas passou da morte para a vida”. Ao passo que esse texto contém a
maravilhosa notícia de um movimento já realizado, da morte para a vida eterna, por
parte daqueles que ouvem e crêem na palavra de Jesus, várias considerações
88
mostram que seria errado utilizar esse texto a fim de ensinar que João pensava que
os crentes não tinham relação com um julgamento futuro.
Uma vez que “juízo” é o oposto de “vida eterna” em João 5:24, o texto deve
estar dizendo que o crente não entrará em juízo de condenação, com o significado
de julgamento cujo tema é a condenação. De que modo pode o crente evitar um tal
julgamento? Isso traz à baila o segundo ponto.
Estes são testes da vida porque, de acordo com João, por sua presença ou
ausência se demonstra se a pessoa possui ou não a vida. Observe, por exemplo, I
João 3:14 (que pode ser comparado com João 5:24): “Nós sabemos que já
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama
permanece na morte. “De acordo com I João 4 :16 e 17, “aquele que permanece no
amor permanece em Deus, e Deus nele”, e assim “no dia do juízo mantenhamos
confiança.” A implicação parece óbvia: aquele que não permanece no amor não
pode ter confiança no dia do juízo.
A luz dos padrões mais amplos do pensamento joanino, assim como a partir
dos pormenores exegéticos mais imediatos de João 5:24, não podemos concluir que
para João não existe relação do crente com o julgamento futuro. Tal conclusão é
fortalecida ao se inquirir de João 5:28 e 29, uma passagem que se relaciona
intimamente com João 5:24. Aqui, seriam aqueles que fazem o bem, e assim
ressuscitam para a vida eterna, os mesmos que apenas creram - e neste caso “fazer
o bem” seria equivalente a “crer” em João 5:24? Ou seriam eles os que teriam
praticado o bem como conseqüência de haverem crido, sendo aqui a inferência de
que se a fé não produzir boas obras, resta apenas à ressurreição do juízo
(condenação)? Seguramente a segunda opção é a melhor. É mais que provável que
o fazer o bem a que se refere João 5:29, diga respeito, pelo menos em parte, a amar
outras pessoas, como em I João 3:14, um texto que, à semelhança de João 5:24,
fala de passar da morte para a vida.
6.6. CONCLUSÕES
justificados.
Em Seu ofício dual como Salvador e Senhor, Cristo julgou o pecado na cruz,
justifica o pecador pela fé e julga os justificados através de suas obras. A cruz é o
meio pelo qual a justificação é efetivada; a fé e o meio pelo qual a justificação é
aceita; e as boas obras são o meio pelo qual se manifesta a justificação. Obras de
justiça testificam da realidade e vitalidade da justificação. Sua ausência indica um
arruinado relacionamento com Cristo.
Como Salvador, Cristo obedeceu a Deus em nosso favor; como Senhor, insta
em que obedeçamos a Deus por amor a Ele. Como Salvador, Cristo ofereceu Sua
vida por nos; como Senhor, pede-nos que vivamos para Ele.
Quanto mais profundamente a pessoa compreender as riquezas da graça de
Cristo, tanto mais atendera o chamado de Cristo à obediência. O crente atende ao
chamado, porém, não como uma feroz obrigação, e sim como algo que o coração
alegremente aprecia. No contexto do infinito amor de Cristo, cessa a obrigação e o
pesado dever, tornando-se fácil conduzir o jugo de Cristo. O apóstolo Paulo captou o
belo equilíbrio presente na salvação oferecida por Deus ao dizer:
“Porque sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser
chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o
que sou; e a Sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã, antes trabalhei
muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus comigo” (I
Coríntios 15:9 e 10).
Como resultado de sua aceitação do dom da justificadora graça de Deus, as
palavras de Paulo podem aplicar-se a você: “E também faço esta oração: que o
vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, para
aprovardes as cousas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o dia de
Cristo, cheios do fruto de justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e
louvor de Deus” (Filipenses 1:9-11).
7. TEOLOGIA DO SANTUÁRIO
Alwyn P. Salom
Fonte: DRCS, vol. 4, pp. 199-218
I. Introdução
II. Interpretação Atual de Hebreus
III. O Santuário Celestial em Hebreus
IV. O Ministério Celestial de Cristo em Hebreus
V. O Tema da “Destra de Deus”
VI. O Tema do “Livre Acesso”
VII. Alusões ao “Dia da Expiação”
VIII. Ministério em Duas Fases e Eventos no Tempo
IX. Conclusões
7.2. INTRODUÇÃO
oferece pouca informação direta a respeito daquilo que Cristo tem estado a realizar
desde Sua ascensão.
Portanto, é de considerável importância que Hebreus seja examinado em
detalhe a fim de se descobrir o que é dito em relação a preocupações teológicas
específicas dos adventistas.87
Apresenta ele declarações explícitas relacionadas com a doutrina adventista
do santuário? O que se pode ver legitimamente como implícito em Hebreus, e que
seja relevante para o ensina mento do santuário? E o livro silente diante de pontos
cruciais? Ou chega ele a negar alguma área de ensino adventista? Quais os
refinamentos ocorridos no pensamento adventista ortodoxo quanto a estes assuntos
ao longo dos anos? Estas são questões básicas, que o presente estudo aborda.
87
A este respeito, veja especialmente os dois estudos de William G. Johnsson, “The Heavenly
Sanctuary - Figurative or Real?” e “Day of Atonement Allusions”. Em virtude da natureza deste
estudo, a documentação se restringiu, tanto quanto possível, apenas a autores adventistas.
88
Veja Donald Guthrie, “Questions on Introduction”, New Testament Interpretation: Essays on
Principles and Methods, edição de I. Marshall (Exeter, 1977, página 114.
89
Gerhard F. Hasel, “Principles of Biblical Interpretation”, A Symposium on Biblical Hermeneutics,
edição de Gordon M. Hyde (Washington, D. C., 1974), página 185.
90
Ibidem, p. 168. Veja também O Grande Conflito, p. 348; Testimonies for the Church, 6:19-20;
Profetas e Reis, p. 731; Educação, p. 183. Dever-se-ia observar que o presente estudo, não anota as
declarações de Ellen White XXXativas a Hebreus. Tais declarações merecem um estudo separado.
94
94
Johnsson, In Absolute Confidence, p. 29.
95
Veja Guthrie, New Testament Introduction, pp. 704-5.
96
Hebreus 7:27; 9:12, 26, 28; 10:10.
97
Veja Johnsson, In Absolute Confidence, pp. 114-18.
98
Hebreus 4:14, 16; 6:19-20; 9:11-12, 24 s 10:19-20; cf. 7:23-25; 9:7-8; 10:11-12.
96
Embora ele não faça uma descrição do santuário celestial e sua liturgia, sua
linguagem sugere várias conclusões importantes. Em primeiro lugar,
assegura a sua realidade. Sua preocupação ao longo do sermão é alicerçar
a confiança do cristão em fatos objetivos, conforme vimos. Divindade real,
humanidade real, sacerdócio real - e poderíamos acrescentar, ministério
99
real num santuário real.
99
Johnsson, In Absolute Confidence, p. 91.
100
William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other
Early Christian Literature, 2ª edição revista e ampliada (Chicago, 1979), p. 37.
101
Veja, por exemplo, Hebreus 10:19 (“Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos
Santos”).
97
102
The SDA Bible Commentary, 7:445.
103
Ibidem, página 451.
104
Veja Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine (Washington, D.C. 1957), pp. 365-
368.
105
Cf. Hebreus 9:11.
106
Johnsson, In Absolute Confidence, pp. 16-17; veja também página 32, n. 10.
98
terrestre como uma precisa miniatura do celestial em todos os aspectos. Esta falta
de cuidado sugere que estes detalhes da descrição do santuário terrestres não são
significativos para a compreensão do santuário celestial. Efetivamente, concernente
a tais coisas, diz ele, “não falaremos agora pormenorizadamente” (Hebreus 9:5b).
Embora a escolha de termos feita por ele deixe algo a desejar, Johnsson
acha-se correto ao traçar a distinção entre uma visão “literalista” e “literalizante” do
santuário celestial.107 Ele descreve a interpretação literalista como aquela em que
“cada termo possui valor definido - ou seja, diante do santuário celestial, o terrestre
seria uma miniatura em todos os aspectos”.108 A interpretação literalizante é aquela
em que “a realidade do santuário celestial e seu ministério podem ser mantidos com
que salvaguardando a objetividade do trabalho de Cristo, onde, porém, detalhes
precisos do santuário podem não nos estar claros”.109
Quanto às duas categorias de Johnsson, o peso das evidências oferece apoio
à segunda. “Portanto é aparente que, ao passo que afirmamos a realidade do
santuário celestial no livro de Hebreus, temos comparativamente poucos dados de
interpretação literal quanto ao seu aspecto”. 110 Tal posição é apoiada pelo que
segue? “... não deveríamos permitir que qualquer perplexidade finita na visualização
do santuário celestial diante do terrestre, obscurecesse em nossas mentes as
grandes verdades ensinadas por esta „figura‟ terrestre...”111
107
Ibidem, “The Heavenly Sanctuary”, p. 51, neste livro.
108
Ibidem.
109
Ibidem. Observe também: “Não devemos pensar numa tenda literal no Céu, literalmente montada
por Deus.” - The DAS Bible Commentary, 7:444.
110
Johnsson, “The Heavenly Sanctuary”, p. 51, neste livro.
111
The SDA Bible Commentary, 7:468.
112
Johnsson, “The Heavenly Sanctuary”, p. 51, neste livro.
113
Idem, In Absolute Confidence, p. 91. Isto não significa negar que a sombra proveja alguns
importantes vislumbres do ministério sacerdotal de Cristo, tais como seu ministério em duas fases, o
qual corresponde à ministração nos dois compartimentos - Editor.
99
Em cinco pontos de Hebreus (1:3, 13; 8:1; 10:12; 12:2) o autor descreve a
Cristo como “assentado à destra do trono de Deus” logo após Sua ascensão. Tal
afirmativa constitui parte de um tema mais amplo do NT, o qual inclui um total de 19
passagens.119 O contexto de três textos - Marcos 16:19; Efésios 1:20; I Pedro 3:22 -
114
Merril C. Tenney, New Testament Survey, edição revista (Londres, 1961), p, 362.
115
Brooke Foss Westcott, The Epistle to the Hebrews: The Greek Text With Notes and Essays, 2ª
edição (Londres, 1892) p. 257.
116
Ibidem, p. 229.
117
George Wesley Buchanan, To the Hebrews, AB (Garden City, NY, 1972), p. 162.
118
Ibidem.
119
Veja também Marcos 16:19; Efésios 1:20; Colossenses 3:1. Apocalipse 3:21 diz a mesma coisa,
com uma pequena variante. As seguintes passagens descrevem a Cristo como estando à direita de
Deus, sem utilizar o verbo “sentar” ou equivalente: Mateus 22:44 (e paralelas - Marcos 12:36; Lucas
20:42); Atos 2; 33-34; 5:31; Romanos 8:34; I Pedro 3:22; Atos 7:55 e 56.
100
indica claramente que Cristo assumiu esta posição quando de Sua ascensão. É
também significativo observar que o contexto de bom número de passagens quanto
à “destra de Deus” é de natureza cultural.120 Isto sugere que a expressão se refere a
algo mais que a inauguração, dedicação e exaltação de Cristo e Sua atividade no
santuário celestial. Por vezes deve ela incluir também uma referência à Sua contínua
atividade sumo sacerdotal.121
A repetição desse tema em Hebreus indubitavelmente pretendia assegurar
aos leitores o significado do ministério celestial de Cristo. Alguns estavam
fraquejando em sua determinação de se manterem fiéis à nova fé. O autor lhes
assegura que Aquele a quem haviam aceitado como Salvador era o mesmo que
ministrava em seu favor na própria presença de Deus.
Tal como muitas vezes ocorre em Hebreus, existe também a implicação de
que se o Sumo Sacerdote Se acha na presença de Deus, existe pleno e livre
acesso, por a partir de Seus seguidores, à divina presença.122 Esta garantia é ainda
hoje provida por estes versos. Primariamente, dizem eles ainda que nosso Senhor e
Salvador de forma alguma está separado do Pai - antes, acha-Se Ele na própria
presença deste.
O tema da “destra de Deus” declara que Cristo tem estado a ministrar na
presença de Deus desde Sua ascensão. Isto não nega a possibilidade de um
ministério de duas fases, no Céu, por parte de Cristo. Entretanto, poderia negar a
visão literalista do santuário celestial, pois esta confinaria a Cristo num
compartimento separado de Deus. O tema focaliza tanto o lugar quanto a natureza
do ministério de Cristo.
celestial de Cristo, e desafia seus leitores a se disporem a dar este passo. Com a
entrada de Cristo à presença de Deus, um novo e direto método de acesso havia
sido criado. Este é o enfoque das passagens que falam da enteada de Cristo à
presença de Deus.
Hebreus 6:19 e 20 constitui um exemplo do tema do “livre acesso” num
importante contexto.123 O autor assegura a seus leitores de que eles dispõem de
acesso a Deus pelo fato de haver Cristo entrado à presença divina. Com a força de
duas coisas imutáveis - a promessa de Deus (verso 15) e Seu juramento (verso 17)
– é lhes assegurado chegar livremente a Deus, mediante Cristo. Deseja ele que eles
creiam que em Cristo possuem “âncora da alma, segura e firme” (verso 19a). Esta
âncora é a esperança “que penetra além do véu” (verso 19b). Apresenta ele então
sua mais forte garantia. Cristo, tal como a esperança do cristão, também
compareceu diante de Deus, como alguém que faz as vezes de precursor nosso,
“tendo-Se tornado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de
Melquisedeque” (verso 20). Em virtude do acesso de Cristo à presença de Deus, os
leitores também podem ter livre acesso a Deus.
O contexto imediato (versos 13-20) e o tema do “livre acesso” revelam o
intento do autor em 6:19 e 20. A frase, “alem do véu” (verso 19) pode ser entendida
como uma referência ao Segundo Compartimento 124 sem que represente qualquer
idéia quanto à segunda fase do ministério de Cristo começando quando da
Ascensão.125
O intento original do autor era assegurar a seus leitores do fato de que o
ministério celestial de Cristo providenciara a base para “melhor” forma de adoração
do que aquela vivenciada pelo culto levítico, e que ela lhes provia pleno e livre
acesso a Deus.
Não acreditamos que fosse intenção da frase significar que por ocasião de
Sua ascensão, Cristo houvesse começado um ministério equivalente aquele
que o sumo sacerdote desempenhava, no Velho Testamento, uma vez ao
ano, no segundo compartimento do tabernáculo, no Dia da Expiação,
excluindo assim a fase diária do ministério sacerdotal. “Além do véu” tinha a
intenção, acreditamos-nos de apresentar a convicção de que, desde a
ascensão de Cristo, temos nos livre e direto acesso a própria presença de
Deus. 126
123
Veja também Hebreus 10:19-20.
124
Veja Salom, pp. 17-19; e Norman H. Young, “The Checkered History of the Phrase „Within the
Veil‟: Where Did Christ Go?”, Ministry, Dezembro de 1983, pp. 4-7.
125
“Além do véu” refere-se a este quadro simbólico da presença de Deus numa aplicação do
primeiro século, das figuras do Dia da Expiação, em vez de aplicar-se a um cumprimento antitípico do
tipo do Velho Testamento. Esta forma de falar de modo algum obsta nossa compreensão do
ministério mediatório em duas fases, desempenhado por Cristo no santuário celestial... “Declaração
do Documento de Desmond Ford” (Glacier View, CO), Adventist Review, 4 de Setembro de 1980, p.
9.
126
Ibidem, p. 8 (ênfase suprida).
102
9:24-28; 10 :1 - 4).127
na fé cristã. Este pano de fundo deve ser mantido em mente à medida que se busca
a interpretação para os dias de hoje.
Os comentaristas têm volvido as costas à visão da necessidade, de
“purificação” do santuário celestial, em correspondência com os serviços do Dia da
Expiação do santuário terrestre. Têm procurado evadir-se à questão ao sugerirem
várias soluções para a elipse do verso 23. O verbo “inaugurar” tem por vezes sido
suprido a fim de preencher o vazio da segunda cláusula. O bispo Westcott,
entretanto, identificou claramente a relação do pecado com o santuário celestial, e
assim a necessidade de sua “purificação”.
134
Westcott, p. 270. Buchanan acrescenta: “Também parece um pouco surpreendente pensar no
céu como um lugar onde pudesse haver pecado e se fizesse necessária a purificação da contamina-
ção. Entretanto, o autor de Hebreus não encontrou dificuldade nisto” (p. 162).
135
Johnsson, In Absolute Confidence, p. 116.
136
Veja Hebreus 5:1-3; 7:27; 9:9-10, 12-13, 18-21; 10:8, 11, 29; 11:4, 28; 12:24.
137
William G. Johnsson, “Defilement and Purgation in the Book of Hebrews” (Dissertação doutoral,
Vanderbilt University, 1973), pp. 102-361.
138
Johnsson, “Day of Atonement Allusions”, pp. 118-19.
104
Sem chegar a identificá-la como tal, Hebreus claramente fala da primeira fase
do ministério celestial de Cristo. Hebreus 7:25 discute um tanto explicitamente o
ministério intercessório de Cristo. Adicionalmente, 4:14-16 apresenta fortes
implicações de Sua intercessão para aqueles que se achegam ao trono da graça a
busca de “misericórdia” e “graça”.
Johnsson, pp. 44-45, 109; Kiesler, pp. 60-62; Davidson, pp. 175-76, neste volume.
145
Veja Desmond Ford, “Daniel 8:14, the Day of Atonement, and the Investigative Judgment” (ensaio
não publicado, Glacier View, 1980), pp. 183-864.
146
Westcott, p. 252.
147
Johnsson, “Day of Atonement Allusions”, p. 114; também: “Assim todo o santuário terrestre, não
meramente o primeiro compartimento, era uma parábola da velha era...” (Idem, “The Heavenly
Sanctuary”, p. 47; The SDA Bible Commentary, 7:451).
148
Embora o resultado final seja o mesmo, o Comitê de Daniel e Apocalipse adotou uma exposição
diferente de Hebreus 9:8. Veja o relatório, pp. 4-5.
106
12:25-27/ mas não vai além - sua preocupação é com aquilo que Cristo já efetuou e
com Seu atual ministério celestial”.149
Este ponto de vista é endossado pelo SDA Bible Commentary quando este,
ao discutir as duas fases do ministério celestial de Cristo, diz: “O livro de Hebreus
dificilmente seria o lugar onde se encontrar uma apresentação definitiva do tema”. 150
Outra declaração adventista recente assumiu posição semelhante! “Também existe
aceitação geral de que nem Daniel, nem o ministério em duas fases são
mencionados na Epístola aos Hebreus”.151
Uma vez mais, Hebreus não faz referência à questão do tempo futuro. A parte
de referências ao Segundo Advento e alusões gerais ao julgamento futuro, o livro
não avança em direção futura. Está mais preocupado em olhar em direção ao
passado, quanto àquilo que foi alcançado no Calvário, e em fazer seu apelo aos
leitores originais com base nisto. “Ele está seguro quanto à realidade do ministério
sumo sacerdotal de Cristo no santuário celestial, mas seu argumento volve-se para o
passado, do ponto em que escreve para aquilo que já aconteceu no Calvário”. 152
Hebreus não oferece “dicas” quanto à questão dos eventos escatológicos no tempo.
“Na verdade, Hebreus não se preocupa com a questão do tempo; em vez disso,
concentra-se na todo suficiência do Calvário”.153
7.10. CONCLUSÕES
149
William G. Johnsson, “Hebrews, Adventist Storm Centre”, Collegiate Sabbath School Quarterly, 30
de Setembro de 1981, p. 16.
150
The SDA Bible Commentary, 7:468.
151
“Statement”, p. 8; veja também: “Esta forma de falar de modo algum obsta nossa compreensão
do ministério mediatório em duas fases de Cristo no santuário celestial, que a epístola aos Hebreus
não ensina e nem nega”, p. 9.
152
Johnsson, “Storm Center”, p. 16. “O apóstolo definitivamente não trata aqui da obra de Cristo no
tabernáculo celestial a partir de uma perspectiva de tempo” (Johnsson, In Absolute Confidence, p.
116).
153
“Christ in the Heavenly Sanctuary”, p. 13.
154
Johnsson, In Absolute Confidence, p. 116.
107
Ta hagia (e suas variantes) ocorrem cerca de dez vezes NT, e todas elas
estão em Hebreus.155 O exame casual de traduções e comentários torna evidente
que existe considerável confusão de expressão (quando não de pensamento) entre
tradutores e comentaristas em seu manuseio da palavra. A Tabela I ilustra a
variedade oferecida por traduções que vão desde a King James até Phillips. Fez-se
uma tentativa para escolher um grupo representativo, incluindo-se o comitê de
tradução, a tradução em linguagem moderna, e a paráfrase. Das dez traduções
escolhidas, existe completa concordância em apenas um ponto (9:1). Em seis dos
versos sob consideração (9:2, 8, 12, 25; 10: 19; 13:11) existe desacordo quanto a se
ta hagia se refere ao santuário em geral ou a uma parte específica do mesmo. Das
100 traduções representa das na Tabela I, 65-69 são em termos do santuário em
geral, 11-13 são em termos do compartimento externo do santuário, e 20-22 são em
termos do compartimento interior.156 A mesma divisão de opinião foi descoberta
entre os comentaristas,157 onde se julgou necessário explicar que “Lugar Santo” em
alguns casos não se refere ao Lugar Santo, e sim ao Santo dos Santos!
Em vista do fato de que o auctor ad Hebraeos repousou fortemente sobre a
158
LXX, pareceria este o lugar lógico onde se buscar evidência quanto ao significado
que ele atribui ao uso de ta hagia. O estudo da LXX revela os resultados resumidos
na Tabela II. Dos 170 usos desta palavra que faziam referência ao Tabernáculo ou
Templo,159 a dominadora maioria (142) refere-se ao santuário em geral, quando
usada desta forma, ta hagia parecia apresentar-se indiscriminadamente no singular
ou no plural, embora mais de duas vezes mais freqüentemente no plural. 160 Ao
155
Hebreus 8:2; 9:1, 2, 3, 8, 12, 24, 25; 10:19; 13:11.
156
A variação ocorre, em alguns lugares, porque a intenção do tradutor não é clara. Tendo em vista
evitar a confusão introduzida por termos como “Lugar Santo”, “Lugar santo”, “lugar Santo”, “lugares
santos”, etc., a seguinte terminologia passa a ser adotada daqui por diante, sempre que possível:
“santuário” é uma referência ao Tabernáculo ou Templo em geral; “compartimento exterior (ou
externo) e compartimento interior (ou interno)” referem-se ao Lugar Santo e ao Lugar Santíssimo,
respectivamente. O sumário refletido no texto pode ser assim apresentado: 8:2, “santuário” 10 vezes;
9:1 “santuário” 10 vezes; 9:2 “santuário” 3 vezes (?) e “compartimento externo” 7 vezes; 9:3
“compartimento interno” 10 vezes; 9:8 “santuário” 6 vezes, “compartimento interno” 4 vezes; 9:12
“santuário” 5 vezes, “compartimento externo” 3 vezes, “compartimento interno” 2 vezes; 9:25
“santuário” 7 vezes, “compartimento externo” 2 vezes, “compartimento interno” 1 vez; 9:24 “santuário”
10 Vezes; 10:19, “santuário” 6 vezes, “compartimento interno” 4 vezes; 13:11 “santuário” 8 vezes,
“compartimento externo” 1 vez, “compartimento interno” 1 vez.
157
Veja abaixo, página 66 e seguintes.
158
Para uma discussão recente do uso da LXX por Hebreus, veja Kenneth J. Thomas, “The Old
Testament Citations in Hebrews”, NTS 11 (1965), 303-25. Veja também B. F. Westcott, The Epistle to
the Hebrews (Londres, 1903), pp. 469-80; J. van dep Ploeg, “L‟exégese de L‟Ancien Testament dans
I‟Épitre aux Hébreux”, RB 54 (1947), 187 e seguintes; R. A. Stewart, The Old Testament Usage in
Philo, Rabbinic Writings, and Hebrews (tese de M. Ltt. não publicada, University of Cambridge, 1947);
C. Spicq, L‟Épitre aux Hébreux (Paris, 1952), I, 330 e seguintes; F. C. Synge, Hebrews and the
Scriptures (Londres, 1959); M. Barth, “The Old Testament in Hebrews”, Current Issues in NT
Interpretation, edição de W. Klassen e G. F. Snyder (Nova Iorque, 1962), página 53 e seguintes.
159
Adicionalmente houve 16 usos em que a construção utilizou , e 13 nas quais ocorreu
(e suas variantes), Estes casos foram tratados separadamente.
160
A possível razão pela qual o plural foi utilizado com tanta assiduidade não foi pesquisada neste
estudo. Veja F. Blass e A. Debrunner, A Greek Grammar of the New Testament and Other Early
108
Christian Literature (tradução e revisão de Robert W. Funk, Cambridge, 1961), p. 78; Nigel Turner, em
James Hope Moulton, A Grammar of New Testament Greek (Edinburg, 1963), III, 25-28; J.
Wackernagel, Vorlesungen über Syntax mit besonderer Berücksichtigunq von Griechisch, Lateinisch
und Ueutsch (Basel, 1926), I, pp. 99 e seguintes.
161
Dos nove usos que em Hebreus correspondem a ta hagia (em 9:3 a construção é ),
oito aparecem no plural e sete são articulares.
162
As restantes 62 são traduções de [£C«W, que é paralelo a .
163
Levítico 16:2, 3, 16, 17, 20, 23, 27.
164
Veja especialmente Levítico 16:2, onde “dentro do véu, diante do proprietário” especifica qual a
porção do santuário que está sendo mencionada.
165
Êxodo 26:34; I Reis 6:16; 7:36; 8:6; I Crônicas 6:49; II Crônicas 3:8, 10; 4:22; 5:7; Ezequiel 41:4;
Daniel 9:24. Em adição existem dois usos, o significando dos mesmos sendo discutível: Lev. 16:33;
Num. 18:10.
166
Veja infra, p. 64.
167
Êxodo 29:31; Lev. 6:9 (MT 6:16), 19 (MT 26); 8:31; 10:13, 17, 18; 14:13; 16:24; 24:9; Salmo 23:3
(MT 24:3); 67:6 (MT 68:5); Ecles. 8:10; Isa. 60:13; II Macabeus 2:18; 8:17.
109
Goodspeed
Referência
Phillips
Moffatt
Wuest
Grego
Knox
NEB
ERV
ASV
RSV
KJV
8:2 1b 1 1 1 1 1 1 1 10 1
9:1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
9:2 1 1 2 2 2 2 1 2 2 2A
9:3 1A 1A 3 4 4 4 5 4 4 4
9:8 1 1 1 9 9 1 5 6 7 4
9:12 1 1 1 9 9 2 9 2 4 4
9:24 1 1 1 9 9 1 10 9 10 10
9:25 1 1 1 9 9 2 9 9 10 4
10:19 1 1 1 9 9 1 7 8 4 4
13:11 1 1 1 9 9 1 1 2 4 1
(a)
As traduções estão arranjadas (a partir da esquerda) em ordem de consistência de
tradução. Embora se reconheça que isto não é um sine qua non de tradução, representa, não
obstante, um fator de avaliação e, para o presente propósito, um padrão conveniente de
comparação. O estudo desta Tabela revela alguns resultados esperados, por exemplo, a íntima
conexão entre ERV e ASV, e o grau de inconsistência da tradução na versão “expandida” de Wuest
e na paráfrase de Phillips. Também aparecem algumas surpresas, por exemplo, a consistência da
tradução NEB e a similaridade entre Knox e Goodspeed.
1A = “santuário interior”;
1b = “santuário”;
2= “Lugar Santo”, “Lugar santo”, “lugar Santo”;
2A = “compartimento exterior”;
3= “Lugar Santíssimo”;
4= “Santo dos Santos”, “Santo dos santos”, “santo dos santos”;
5= “Mais santo”, “mais santo”;
6= “Mais santa Presença”;
7= “Mais Santo”, “mais santo”;
8= “santa Presença”;
9= “lugar santo”;
10 = “lugares santos”;
o sentido de templo na inscrição de Canopus, de Ptolomeu III (239 A. C.). 168 Tanto
Filo169 quanto Josefo170 também a usaram neste sentido. Schlatter salienta que
Josefo a usou parcimoniosamente neste sentido, provavelmente porque ela teria
soado estranha aos ouvidos dos gregos, acostumados a ouvir .171 Procksch172
173
concorda com Flasher , em que e foram introduzidas na LXX a
fim de evitar o uso de, pois esta palavra possuía conotações pagãs.
Somente três dos usos de ta hagia em Hebreus são anarthrous. Destes
casos, Hebreus 9:24 é qualificado pelo termo acompanhante , de modo
que a palavra tem o valor de ser definida, ainda que não articular. Os casos
restantes, em 9:2 ( ) e 9:3 ( ), referem-se ambos às partes
específicas do santuário (o compartimento exterior e o interior, respectivamente),
conforme é claramente indicado pelo contexto. Estava o autor tentando estabelecer
uma distinção entre estes dois usos (deixando-os na forma anarthrous) e os demais
usos em Hebreus, indicando assim que somente estes dois casos se referiam a
partes especificas do santuário? Teria sido este um artifício empregado
deliberadamente, de modo a apresentar uma diferença entre os dois grupos? 174 Se
este foi o caso, isto representa evidencia adicional de que ta hagia deve ser
entendida em Hebreus, exceto em 9:2 e 3, como referindo-se ao santuário como um
todo.
A conclusão geral obtida do estudo da LXX quanto ao uso de ta hagia e a
comparação de seu uso em Hebreus, é que a expressão se refere basicamente ao
santuário em geral. A questão que resta por ser respondida é a que diz respeito à
tradução. De que modo deve a palavra ser traduzida em Hebreus? Deveria ela
permanecer na tradução com a ênfase recaindo sobre seu sentido básico, e deste
modo aparecer todas às vezes como “santuário” (tal como ocorre em Goodspeed e
Knox)? Ou deveria ela ser interpretada à luz do contexto e da teologia da passagem,
sendo traduzida de acordo com a porção específica do santuário que parece estar
na mente do autor naquele instante? É a tese do presente autor que o significado
168
W. Dittenberger, editor, Orientes Graeci Inscriptiones Selectae (Leipzig, 1903-1905), n° 56, linha
59. Veja também U. Wilcken, Urkunden der Ptolemäerzeit, 1 (Berlin, 1922), n° 119, linha 12 (15 A. C.).
169
Legum Allegoriae, iii. 125.
170
Josefo o utilizou tanto para o templo de Jerusalém (Ant., iii, 6.4), para o compartimento interior
(Bell., i. 7.6) e para o santuário com o pátio externo e os muros do templo (Bell., iv. 3.10; vi. 2.1; Ant.,
xii. 10.6).
171
A. Schlatter, Der Evangelist Mattäus (Stuttgart, 1929), p. 12.
172
Otto Procksch, TDNT (Grand Rapids, 1964), I, 95.
173
M. Flasher em ZAW, 32 (1929): 245, n. 2.
174
Westcott, op. cit., p. 245, observou que “a forma anarthrous / em 9:2/ parece ser única neste
sentido”. Ele também a vincula com em 9:3. Entretanto, ele sentia que o texto fixava a
atenção sobre o caráter do santuário. Helmut Koester disputa quanto ao uso de aqui (“„Outside
Camp‟: Hebrews 13:9-14”, HThR 55 /1962/: 309, n. 34), e isto pode ser resolvido pela sugestão
acima. Sua declaração de que “em todas as demais partes o simples é o termo técnico para
„tabernáculo interior‟”, não leva em consideração a peculiar natureza anarthrous da expressão em 9:2,
nem toma em conta o uso desta palavra em 9:1, 24. Sua exposição de 9:2, em termos de
dependência de uma “Vorlage” na descrição do tabernáculo, é tanto insatisfatória. O próprio Koester
parece preferir a sugestão de J. Moffatt, A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the
Hebrews (Nova Iorque, 1924), p. 133, no sentido de que as palavras de 9:2
estariam em melhor posição imediatamente após . A partir disso, Koester toma o passo
seguinte a fim de sugerir que as palavras são uma glosa marginal “que mais tarde se incorporou ao
texto, e isto num lugar errado”. É verdade que existe alguma confusão textual neste ponto, mas
nenhuma das leituras sugere uma posição diferente para esta cláusula. Deve-se destacar também
embora existam leituras com artigo antes de em 9:2 e de em 9:3, a evidência não é
forte em favor de qualquer destes casos.
111
básico da palavra deve permanecer na mente do tradutor e, provido que tal tradução
faça sentido no contexto, ela é que deve ser usada.175 Portanto, “santuário” deveria
ser a tradução em Hebreus, com exceção de 9:2 e 3. Seria então trabalho do
comentarista, com base em seu estudo do contexto e da teologia da passagem,
decidir a qual parte especifica do santuário (se é que alguma deva ser considerada)
o autor pretendeu aplicar o termo.
8:2 – . Refere-se aqui em santuário celestial como um todo. Tal
posição recebe apoio pela declaração epexegética que segue
176
. É usada mais ou menos regularmente na LXX
onde tanto quanto representam o tabernáculo como um todo, Ao passo que é
argumentado por Koester177 e Hewitt178 que o autor esta falando aqui de duas coisas
separadas, a posição deles não recebe forte apoio. Em vista da evidência já
apresentada por parte da LXX para o uso de ta hagia, pareceria que o significado
primário aqui é do santuário como um todo, e não do compartimento interior (a base
dos argumentos de Koester e Hewitt). Moffatt apóia fortemente esta conclusão.179
No contexto mais amplo do argumento do autor, a ênfase está aqui sendo
posta sobre a existência do santuário celestial Da mesma forma como Israel possuía
seu lugar de adoração e um sumo sacerdote, assim (diz o autor) o cristianismo, em
escala mais ampla, possuía o mesmo. Nas palavras de Moule, “o santuário e o
sacrifício são nossos”.180 É bem verdade que a referência no contexto é quanto à
função do sumo sacerdote (8:1, 3), e que a função singular do sumo sacerdote tinha
a ver com o compartimento interior do santuário. Assim, ao passo que “santuário”
deve ser corretamente entendido como a tradução de num nível
secundário, ao menos, pode-se considerar que o autor tinha em vista referir-se a
uma porção especifica do santuário.
9:1 - Aparecendo como aparece no começo de uma detalhada descrição das
porções e funções do santuário terrestre, a expressão
obviamente se refere ao santuário em: geral, e deve ser traduzida de
acordo com isto. Conforme salienta Bruce, o autor baseia sua descrição “no
tabernáculo do deserto descrito no livro de Êxodo... o santuário do velho
concerto”.181 Westcott salienta que o termo oferece naturalmente “a noção geral do
santuário, sem consideração a suas diferentes partes”.182 O singular não aparece em
175
O princípio geral aplicado à questão da ambigüidade de tradução é analisada nestes trabalhos:
Robert G. Bratcher e Eugene A. Nida, A Translator‟s Handbook on the Gospel of Mark (Leiden, 1961),
pp. 63, 69; Theophile J. Meek, “Old Testament Translation Principies”, JBL 81 (1962): 143-45; F. F.
Bruce, The English Bible: A History of Translations (Londres, 1961), p. 222.
176
Spicp, op. cit., II, 234: “Mais il désigne nettement le temple dans ix, 8, 12; x, 19; xii, 11, et il est
fréquemment l‟équivalent de dans les LXX (cf. Lev v, 15; 1 Macc iv, 36; xiv, 15). De fait, il est
parallèle ici à . “É digno de nota que Filo usa a exata frase (Leg. Alleg. iii. 46),
, de Arão. Ele a utiliza, contudo, no sentido de “coisas santas”.
177
Koester, loc. cit., “Isto não é um hendíades, mas expressa que o ofício de Cristo inclui tanto o
serviço do santuário celestial em si ( ) e a entrada ao passar através das regiões celestiais
( ) = a ascensão!”
178
Thomas Hewitt, The Epistle to the Hebrews (Grand Rapids, 1960), p. 135.
179
Moffatt, op. cit., p, 104; “Mas o autor usa noutras partes (98f, 1019, 1311) o termo para „o
santuário‟, uma tradução favorecida pelo contexto. Com ele quer referir-se, como muitas
vezes ocorre na LXX, ao santuário em geral, sem qualquer referência à distinção (cp. 92f) entre os
compartimentos exteriores e interiores”.
180
C. F. D. Moule, “Sanctuary and Sacrifice in the Church of the New Testament”, JThS, N. S., 1
(1950):37.
181
F. F. Bruce, The Epistle to the Hebrews (Grand Rapids, 1964), p. 182.
182
Westcott, op. cit., p. 244. Veja também Moffatt, op. cit., p. 112; Spicq, op. cit., p. 248 (“il designe
112
ice l‟esemble de ce lieu saint sans distinction de L‟une ou l‟autre de ses partfes”).
183
Por exemplo, Êxodo 36:3; Lev. 4:6; 10:18; Num. 3:47; Salmo 62:3 (MT 63:2); Ezeq. 45:18; Dan.
8:11, etc.
184
Supra, p. 64.
185
Hugh Montefiore, A Commentary on the Epistle to the Hebrews (Nova Iorque, 1964), p. 146.
186
P46 apresenta aqui em 9:2. Isto parece ser o resultado de alguma perturbação
antiga no texto.
187
XCB DC K L aparece como . Isto poderia ser uma assimilação do uso que a LXX
faz desta frase, que é sempre particular.
188
(como em 9:2, 6), refere-se ao compartimento externo. Veja Moffatt, op. cit., p.
118; Westcott, p. 252.
189
Spicq, op. cit., p. 253.
190
Bruce, The Epistle to the Hebrews, p. 192, n, 48: “Não está necessariamente implicado que o
santuário terrestre, como estrutura material, não mais existia; o que está implicado é que com a
passagem de Cristo para o Céu (4:14) e para a presença de Deus, a estrutura terrestre perdeu o seu
status de santuário”.
191
Westcott, op. cit., p. 252.
113
erro. O característico serviço do Dia da Expiação ao qual aqui se faz referência (cf.
verso 7), localizava-se no compartimento interior do santuário terrestre. Contudo,
pelo fato de ter o sumo sacerdote de atravessar o compartimento exterior, pode-se
dizer que ele “empregava” (cf. verso 11,
) todo o santuário neste serviço. “Ao
passo que Arão e seus sucessores entravam no Santos dos santos terrestre no Dia
da Expiação... Cristo entrou no santuário celestial”.192 Segue, pois, a sugestão de
que ta hagia, uma vez mais, seja traduzido como “santuário”, referindo-se agora ao
santuário celestial.
9:24 - Se em 9:12 ta hagia deve ser traduzido como “santuário”, claramente o
mesmo deve ocorrer em 9:24, pois o mesmo local é descrito. Não é uma porção
especifica do santuário que está na mente do autor, o que se torna evidente a partir
de sua frase adversativa . Os comentaristas são mais
ou menos unânimes ao considerar este uso de como uma referência ao
santuário celestial em geral.193
9:25 - Assim como em 9:12, a tradução “Lugar Santo” (e suas variantes) induz
ao erro. A referência, no contexto do serviço do Dia da Expiação por parte do sumo
sacerdote, não é quanto ao compartimento externo do santuário. Seu serviço
característico neste dia desempenhava-se no compartimento interior. Entretanto,
uma vez mais pelo fato de todo o santuário estar envolvido no serviço, “santuário”
deve ser a tradução preferida, enfatizando assim o significado básico da expressão.
Isto deixa com o comentarista a tarefa de salientar que o compartimento interior era
o lugar onde residia o significado deste dia.194
10:19 - Inquestionavelmente, o contexto (verso 20) indica que aqui o autor
está se referindo ao privilegio de livre acesso à própria presença de Deus, gozado
pelo cristão. Este acesso era negado tanto ao adorador quanto ao sacerdote comum
no santuário terrestre. Uma vez mais, porém, recomenda-se que a tradução de
seja feita como “santuário”, deixando que o leitor ou comentarista, com
base no contexto literário e teológico, esboce suas conclusões quanto às porções do
santuário que se encontravam particularmente no pensamento do autor.
13:11 - Embora Westcott admita que este verso possa aplicar-se a algo
diferente do ritual do Dia da Expiação,195 é mais provável, particularmente à vista do
capitulo 9, que este dia fosse o que ocupava a mente do autor. De Levítico 16:27 (cf.
verso 2), é possível descobrir que no Dia da Expiação o sangue do animal sacrificial
era conduzido ao compartimento interior do santuário. Assim, era esta parte do
santuário que se achava na mente do autor. Mas a maneira em que a LXX usa o
termo e a forma em que ele é utilizado em Hebreus, levar-nos-iam, uma vez mais, a
utilizar na tradução o sentido neutro, “santuário”.
Traduzido por: Hélio L. Grellmann
Outubro de 1990
192
Bruce, The Epistle to the Hebrews, p. 200. Veja também Montefiore, op. cit., p. 153.
193
Veja Montefiore, op. cit., p. 160; Bruce, The Epistle to the Hebrews, p. 220; Spicq, op. cit., p. 267;
Westcott, op. cit., p. 271 ; F. W. Farrar, The Epistle to the Hebrews, Cambridge Greek Testament
(Cambridge, 1888), p. 123.
194
F. D. Nichol, editor, The SDA Bible Commentary (Washington, DC, 1957), 7: 456: “Ta hagia pode
neste contexto, ser considerado como referindo-se particularmente ao lugar santíssimo, ou num
sentido geral como referindo-se ao santuário como um todo, assim como em 8:2”.
195
Westcott, op. cit., p. 440;
114
219
Veja o n° 216, acima.
220
Veja o n° 216, acima.
221
Levítico 16:6, 10, 11, 16, 17a, b, 18, 20, 24, 27, 30, 32. 33a, b, c, 34.
222
Quatro vezes a preposição becad, “para”, segue kippēr, isto nos versos 6, 11, 17, 24. Entre outros
usos da mesma seqüência, veja Êxodo 32:30; Levítico 9:7; Ezequiel 45:17; II Crônicas 30:18-19. Veja
J. Milgrom, “Kippēr cal/bcad”, Leshonenu 35 (1970): 16-17, mas as suas conclusões são criticadas por
ec
Levine, p, 64, n° 29. Este último sugere que kippér b ad significa “assegurar/realizar expiação em
favor de” (p. 66).
223
Levítico 16:10, 16, 18, 30, 33, 34.
224
E. Jenni, Das hebräische Picel (Zurique, 1968), p. 241.
225
Levine, p. 64.
226
Ibidem, p. 65, quanto às idéias de “de relação” e “espacial”.
227
Veja também kippēr + objeto direto em Levítico 16:20.
228
J. Milgrom, “Atonement in the OT”, IDBS (1976), pp. 78-79, argumenta que kippēr, em textos
rituais, significa “purgar”. Concordamos em que a “oferta pelo pecado” (hattā‟t) purga aquilo a que é
aplicada, mas restringimos isto ao dia da expiação apenas. Nos serviços diários o ofertante é
“purificado”, uma vez que apresenta confissão do pecado, e a manipulação de sangue contamina
aquilo que é tocado pelo sangue sacrificial. No dia da expiação não é mencionada a deposição de
mãos sobre o novilho ou sobre o bode, de modo que a “oferta pelo pecado” exerce uma função
purgadora.
118
pela tenda da congregação e pelo /kippēr + objeto direto/229 altar; também a fará
pelos /kippēr cal/ sacerdotes e por todo o povo” (Levítico 16:33).
Vemos assim que não existe qualquer tensão entre os serviços regulares do
sacrifício diário que “expiavam” tanto os pecados inadvertidos quanto os
intencionais, dos israelitas. Nos serviços diários eram eles transferidos para o
santuário. De acordo com isto o ritual do dia da expiação purificava o santuário em
relação às impurezas dos israelitas.
O sentido espacial da construção de kippēr cal é evidente em Levítico 16:16 -
Assim fará expiação pelo /kippēr cal/230 santuário, por causa das impurezas dos
filhos de Israel, das suas transgressões e de todos os seus pecados”. A ênfase
direta aqui diz respeito ao resultado obtido em termos do espaço que havia sido
contaminado e agora recebia purificação. Os atos rituais de manipulação do sangue
no santuário resultavam na limpeza ou purificação do santuário. Nesta passagem a
construção kippēr cal, expressando um processo espacial, é idêntica a kippēr +
objeto direto do verso 33.231
A segunda observação relaciona-se com o termo que é traduzido como “lugar
santo” em Levítico 16. O termo qōdes232 é usado ao longo de Levítico 16 com o
significado de santuário233 ou santo dos santos,234 exceto no verso 33, onde aparece
o termo miqdaŝ.
Nem sempre é inteiramente definido em que extensão qōdes em Levítico 16
se refere ao santuário como um todo ou a uma área mais específica dentro do
santuário, mais precisamente o santo dos santos. Este problema acha-se refletido na
tradução das versões inglesas.235 O substantivo qōdes pode referir-se ao santuário
em sua inteireza (Êxodo 38:24; Levítico 10:4). Pode também referir-se ao
compartimento exterior, conhecido como lugar santo (Êxodo 26:33) e ao
compartimento interior, conhecido como santo dos santos (Levítico 4:6), o qual é
também designado como qōdes haqqa dāsîm (Êxodo 26:33, 34; I Crônicas 6:49
/verso 34 em hebraico/).236 Evidentemente o sentido “santo dos santos” parece estar
sendo visado em Levítico 16:2. Os outros usos de qōdes em Levítico 16 não são tão
específicos, exceto nos versos 20 e 33, onde mais uma vez qōdes por certo está se
referindo ao santo dos santos, em distinção quanto à “tenda da congregação” e ao
“altar”. Mesmo considerando que o sentido de qōdes em Levítico 16 nem sempre
seja tão claro que não paire qualquer sombra de dúvida, em vários lugares a
229
Levine, p. 65, traduz corretamente como “purificar”. A idéia é claramente a purgação (veja
também Milgrom, Cult and Conscience, p. 127).
230
A idéia de “purificação/limpeza” acha-se mais uma vez subjacente. Veja o n° 229, acima.
231
A construção kippēr‟et em Levítico 16:20, na sentença, “havendo, pois, acabado de fazer
expiação /mikkappēr‟et/ pelo santuário, pela tenda da congregação”, é idêntica ao kíppēr cal espacial
e ao kippēr‟et do verso 33. De fato, o único uso no VT, de kippēr + objeto direto com et, encontra-se
em Levítico 16:20 e 33.
232
Quanto à etimologia de qōdes, veja N. H. Snaith, The Distinctive Ideas of the Old Testament
(Nova Iorque, 1964), pp. 24-32.
233
Levítico 16:2-3, 16-17, 20, 23, 27.
234
Este é evidentemente o sentido em Levítico 16:2.
235
Bom número de versões traduzem qōdes em Levítico 16, consistentemente, como “lugar santo”
(KJV, KSV, NASB), “santuário‟ (NEB, NAB), ou “lugar sagrado” (NJV), ao passo que a NIV traduz
como “Lugar Santíssimo”.
236
Veja F. Brown, S. R. Driver e C. A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament
(Oxford, 1974), p. 871. Em vista deste conjunto de fatos, as referências são incorretas na declaração
de O. Procksch, “ ”, TDNT, I:90 - “Em relação ao templo cdq / qōdes/ vem a significar santuário
em vez de santidade, e dentro dele faz-se distinção entre o santuário (Êxodo 26:33; Levítico 4:6:
haqqōdes) e o santo dos santos (Êxodo 26:34; Números 18:10)”.
119
referência e ao santo dos santos (versos 2, 20, 33), e em outros lugares do mesmo
capítulo é evidente que o ritual do dia da expiação incluía o santo dos santos, a
tenda da congregação e o altar (verso 33). Neste ponto poderíamos observar que
em Daniel 8:14 qōdes é o próprio termo utilizado para “santuário”. Levítico 16 e
Daniel 8:14 acham-se vinculados do ponto de vista terminológico, conceitual e teoló-
gico.237
A manipulação de sangue dentro do santo dos santos,238 no lugar santo239 e
sobre o altar,240 tinha o propósito de purificá-los das impurezas do povo de Israel, A
evidencia apresentada não apóia a teoria segundo a qual este rito anual de limpeza
do santuário dizia respeito apenas a “presumíveis pecados e impurezas /as quais/
não podem ser purgadas pela própria hattā‟t /oferta pelo pecado/ do ofensor”
(Números 1 5 :30-31).241 Levítico 16:16 fala da expiação sendo feita, por “todos os
seus pecados”, e isto milita contra a teoria da “purificação limitada. A abrangente
expressão “todos os seus pecados” aparece uma vez mais no verso 34 de Levítico
16. Parece que os pecados depositados no santuário eram “todos os pecados” que
os serviços regulares (diários) traziam ao santuário, ou seja, os pecados acumulados
de Israel, que haviam sido confessados e pelos quais haviam sido apresentados
sacrifícios nos serviços diários (regulares).
A grande ênfase em Levítico 16 é a purificação do santuário. A função dos
serviços diários (regulares) era libertar o ofensor de seu pecado, impureza e culpa,
pois Deus não pode prosseguir no coração da pessoa que interrompeu o
relacionamento Deus-homem. Portanto, o pecado, a impureza e a culpa eram
transferidos ao santuário, onde permaneceriam e seriam acumulados até o grande
dia da expiação. Uma vez que o pecado e a impureza se acumulam no santuário até
que Deus não mais possa permanecer neste, ordenou Ele que uma vez ao ano seja
este purificado de suas transgressões, pecados e impurezas acumulados, pois do
contrário abandonará Ele Seu povo e o deixará entregue a própria sorte. Assim, o
pecado e o mal jamais passam desapercebidos de Deus, mesmo quando o pecador
individual não é imediatamente punido. O pecador ou ofensor apresenta um
sacrifício por sua ofensa, transferindo assim sua ofensa ou pecado, através da
vítima. Este rito sacrificial não é inerentemente eficaz, ex opere operator. Da mesma
forma, “o rito não é um artifício para contrabalançar os efeitos da magia...” 242
Depende da atitude de remorso do ofensor.
É apropriado relembrar aqui que a legislação mosaica deixava bastante claro
que o pecador deveria apresentar sua confissão enquanto trazia o sacrifício. Isto era
verdade não apenas no caso do pecado intencional (Números 5:8-10), como
também nos casos de pecado não premeditado (Levítico 5:1-6). Isto significava,
entre outras coisas, que mediante a devida atitude de arrependimento e confissão de
qualquer pecado, mesmo aqueles que fossem intencionais e premeditados, podiam
ser perdoados.
Dificilmente poderia o perdão ser concebido como uma conseqüência
automática do ritual sacrificial diário, pois ele sempre aparece sob uma frase
237
Veja o estudo do presente autor, “The „Little Horn‟, the Saints and the Sanctuary in Daniel 8”,
também no presente volume.
238
Levítico 16:14-16.
239
Levítico 16:16-17, onde é possível tomar “tenda da congregação” no sentido de “lugar santo”, isto
é, o compartimento externo do santuário.
240
Êxodo 30:10.
241
Milgrom, “Atonement in the OT”, p. 79.
242
Idem, contra Levine, pp. 77-91.
120
passiva, “para que lhe seja perdoado”.243 244 O perdão depende de Deus. Não e
automático e nem pode ser conquistado.245 O sacrifício não é uma transação tipo
barganha, na qual Deus perdoa como que por consideração. 246 O sacrifício produz
efeitos porque Deus, em Sua misericórdia decide aceitar a oferta do ofensor como
substitutiva de sua própria vida.247 Deus assegura o perdão por conta de Sua graça.
Tal como no rito do sacrifício diário, “na primeira fase do processo de expiação,
assim a purificação do santuário no dia da expiação, com respeito aos pecados do
povo, é necessariamente o objetivo e fase final do processo de expiação, onde o
pecado é apagado e removido248 do santuário, sendo este purificado.
Subjetivamente, o crente sabe que os procedimentos do dia da expiação constituem
a segunda e final fase do processo de expiação. Assim a totalidade do processo de
expiação é alcançado em sua finalidade mediante uma forma irrevogável em favor
do pecador ou ofensor. Então a comunidade pode estar em pé diante de Deus numa
condição que torna possível a comunhão completa.
243
Veja RSV, NJV, NASB.
244
O hebraico wenislah é típico; veja Levítico 4:20, 26, 31. 35; 5:10, 13, 16, 18; Números 15:25-26,
28.
245
H. Thyen, Studien zur Sdridehvergebung (Göttingen, 1970), pp. 34-35.
246
W. A. Quanbeck, “Forgiveness”, IDB, 2:316 - “Sacrifício não é a compra do perdão, e sim o
reclamar da promessa divina de misericórdia”.
247
A dissertação de A. Rodríguez, Substitution in the Old Testament Cultus and in Cultic-Related
Texts (Dissertação de Th. D., Andrews University, 1979), trata em profundidade com a idéia de
substituição.
248
Particularmente impressionante é o uso paralelo, em passagens poéticas, de kippēr, “expiar”, e
māhah, “apagar”, em Jeremias 18:23 (cf. Salmo 51:11 /9/; Isaías 43:25; 44:22). Observe o paralelismo
entre kippēr e hēsir, “remover”, em Isaías 27:9.
249
A literatura quanto ao bode emissário é rica. São exemplos representativos os seguintes: C. L.
Feinberg, “The Scapegoat of Lev. 16”, Bibliotheca Sacra 115 (1958): 320-33; N. Micklem, “Leviticus”,
Interpreter‟s “Bible 2 (Nashville, 1953):77-84; L. Louf, “Caper emissarius ut typus Redemptoris apud
Padres”, Verbum Domini 38 (1960): 262-77; R. de Vaux, Ancient Israel, pp. 507-10;. J. A. Gladson,
The Enigma of “Azazel” in Leviticus 16 (Tese de M. A., Vanderbilt University, 1973); Lyonnet e
Sabourin, pp. 182-84.
250
Contra Landersdorfer, pp. 14-20, com Löhr, pp. 10-12; Levine, pp. 80-81, e muitos outros.
251
Com Maass, col. 849.
121
9-10 e 21.252 Declara-se explicitamente que o bode de Azazel “será apresentado vivo
perante o Senhor, para fazer expiação por meio dele /kipper cal/” (verso 10). A última
parte deste texto por certo não é uma interpolação.253 A expressão “para fazer
expiação por meio dele /le kappēr alaw/” pode ser considerada como significando
“para executar ritos de expiação além destes”, 254 ou em proximidade a estes.255 Do
verso 21 torna-se também claro que não era efetuada expiação por meio do bode
emissário. O rito deste bode era um rito de eliminação do pecado e impureza. 256
A posição no tempo, do rito da eliminação do bode emissário, é
particularmente significativa. Havendo executado a limpeza do santuário com o
sangue do bode “pelo Senhor” (Levítico 16:9), o sumo sacerdote deveria fazer
“chegar o bode vivo”257 (verso 20): “Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do
bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel, todas as
suas transgressões e todos os seus pecados: e os porá sobre a cabeça do bode, e
envi-lo-á ao deserto, pela mão dum homem à disposição para isso. Assim aquele
bode levará sobre si todas as iniqüidades deles para ter a solitária; e o homem
soltará o bode no deserto” (Levítico 16:21 e 22).
Esta é a única vez, nos três ritos singulares do dia da expiação, em que mãos
são postas sobre o animal, Não há dúvida quanto ao rito de deposição das mãos
sobre o bode vivo. Significava a deposição sobre ele, de todos os pecados do povo,
que se haviam acumulado no santuário, de modo que fossem agora levados para o
deserto.258 Não é um ato de benção,259 ou consagração260 ou posse,261 antes de
transferência do pecado, em figura o bode emissário.262 Levítico 16:21 observa, em
particular, que “Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele
confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel, todas as suas transgressões e
todos os seus pecados”.
O que é de particular importância aqui é que a deposição de mãos é
acompanhada de uma confissão oral da totalidade dos pecados do povo de Deus
sobre o bode vivo. Assim todos os pecados, do povo, dos quais o santuário fora
purificado através de confissão oral e deposição de mãos, eram transferidos ao bode
vivo para a eliminação dos mesmos do meio da comunidade israelita. O envio do
252
Com Löhr, p. 10, contra Landersdorfer, p. 14.
253
Veja M. Noth, Leviticus (Philadelphia, 1962), p. 121, e muitos outros exegetas.
254
Levine, p. 80.
255
Ibidem. “O bode emissário permanecia meramente estacionado próximo ao altar enquanto o
sacerdote tomava um pouco do sangue sacrificial /do outro bode/ para uso nos ritos expiatórios”.
256
Mass, col. 849; Levine, p. 81; e outros.
257
O termo hebraico é na verdade hiqrib, que significa literalmente “fará aproximar”, forma Hiphil de
qarab. A tradução da LXX, prosagein, “trazer para a frente”, é correta (assim como a NAB, NJV, NIV),
A tradução “oferecer” (Vulgata offerat; NASB) é incorreta.
258
Morris, p. 12.
259
Assim como em textos não-cultuais, tais como Gênesis 48:18; Isaías 44:3.
260
Veja Números 8:10.
261
Veja Números 27:18, 23; Deuteronômio 34:9.
262
H. G. Schütz, “Hand”, Dictionary of New Testament Theology (Grand Rapids, 1976), II:151; M.
Shepherd, Jr, “Hands, Laying on of”, IDB, II:521; R. K. Harrison, “Hands, Imposition of (Laying on of)”,
Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids, 1977), II:29. Levine, p. 82, sugere que
“o pronunciamento da confissão também fornece alguma evidencia de conflito com as forças do mal,
presentes nos pecados de Israel”. Isto não parece incorreto, mas existe falta de evidência bíblica para
a sua hipótese de “objetivo mágico” tanto para a confissão quanto para a imposição de mãos.: “A
confissão prende o pecado ao passo que a imposição de mãos impele o bode emissário, e este
conduz aqueles” (p. 83). A confissão e a deposição de mãos são procedimentos de transferência,
mas não de aprisionamento e propulsão. O bode vivo não é “impelido”. Deve ele ser conduzido por
um homem até ao deserto, “pela mão dum homem à disposição para isso” (Levítico 16:21).
122
bode ao deserto “pela mão de um homem à disposição para isso” (verso 21) é um
rito de eliminação que simboliza a retirada de todos os pecados acumulados de
Israel , enviados ao deserto (versos 10 e 22).
O que significa Azazel? Os eruditos têm debatido a origem e o significado do
termo cazāzēl, vez após outra, sem chegarem a um consenso.263 Existem varias
hipóteses principais: (1) O termo cazāzēl é o nome próprio do bode vivo, e que
significa “o bode enviado /e que parte/”. Este fato levou à tradução “bode emissário”
nas versões inglesas /e em português/, o que também ocorre em antigas versões
gregas e latinas.264 Entretanto, o bode vivo está sendo considerado “para Azazel
(Levítico 16:8 e 10), de acordo com o texto hebraico. A simetria na expressão “para
Yahweh” e “para Azazel”, nó verso 10, não parece favorecer esta hipótese. (2) O
termo cazā‟zél é um nome (substantivo) comum, com o significado de “precipício”, o
lugar onde o bode vivo era descartado.265 Este ponto de vista é também sustentado
pela maioria dos exegetas rabínicos266 e favorecido pela versão arábica Saadya, que
assim apresenta o texto: jubl cazaz, ou “monte Azaz”.267 Independente de valor
filológico, tem sido objetado que esta posição “realmente não condiz com o texto... A
tradução „para o precipício‟ /NEB/ não parece suficiente para o verdadeiro
paralelismo, pois este demanda que o segundo nome, tal como o primeiro, seja o
nome de uma pessoa”.268 (3) O termo cazā‟zél é o nome de um demônio,269 que no
livro de Enoque é o amotinado chefe dos anjos rebeldes.270 Alguns têm identificado o
demônio com um dos secirim, “sátiros” (RSV)271 ou “figuras semelhantes a bodes” 272
mencionadas em Levítico 17:7, diante de cuja adoração Israel prostituiu-se; este tem
sido sugerido como o “deus-bode Azazel”.273
Mas do ponto de vista lingüístico274 e contextual existe apoio insuficiente para
esta última sugestão e para a identificação do bode com um dos secirim.275 Ainda
assim, o paralelismo entre “para o Senhor” e “para Azazel” (verso 10) sugere o nome
de um ser sobrenatural, “um ser oposto a Yahweh”.276 De fato, Azazel parece um ser
263
Veja o estudo de Gladson (n° 249, acima) quanto a detalhes.
264
A LXX anota tou apopompaion, “o enviado”, e a Vulgata anota caprum emissarium, “bode
enviado”. Certas sugestões com relação a varias raízes (czl, “levar embora”, ou „zl, “retirar-se, ir
embora”) têm sido empregadas (veja W. Gesenius – E. Kautzsch, Hebrew Grammar /Oxford, 1898/, p.
102; Lyonnet e Sabourin, p. 271).
265
G. R. Driver, “Three Technical Terms in the Pentateuch”, Journal of Semitic Studies 1 (1956): 97-
98.
266
T. H. Gaster, “Azazel”, IDB, 1:326; H. Kaupel, Die Dämonen im Alten Testament (Augsburg,
1930), pp. 82-83.
267
Gaster, p. 326, apresenta o arábico como “penhasco escarpado”, ao passo que outros o traduzem
como “monte Azaz”. Veja Landersdorfer, pp. 22-25.
268
de Vaux, p. 509.
269
Veja T. K. Cheyne, “Azazel”, Encyclopedia Biblica (Londres, 1899), I: 397; E. Konig, Theologie
des Alten Testaments (Stuttgart, 1923), p. 230; E. Jacob, Theology of the Old Testament (Londres,
1958), p. 70; W. Eichrodt, Theology of the Old Testament (Philadelphia, 1967), II: 225; e muitos
outros.
270
Enoque 6:7; 8:1; 9:6; 10:4; 13;1; 54:5; 55:4; 69:2
271
Dentre os primeiros a descobrirem uma relação, está H. Grimme, “Das Alter des Israelitischen
Versöhnungstages”, Archiv für Religions-wissenschaft 14 (1911): 130-42.
272
Este é o significado dos sátiros na mitologia grega, de acordo com M. P. Nielsson, Geschichte der
Griechischen Religion (2ª edição, Munique, 1955), I: 233.
273
Lyonnet e Sabourin, p. 272.
274
Para os problemas em se estabelecer uma etimologia, veja H. Cazelles, Le Levitique (Paris,
1951), p. 80.
275
Com Kaupel, p. 89; Kaufmann, p. 114; e outros.
276
Eichrodt, p. 225.
123
demoníaco.277
No passado e no presente Azazel tem sido chamado “adversário de Deus,
figura correspondente a Satanás”. 278 Tem sido argumentado que nenhum ser
maligno subordinado poderia haver sido posto em antítese a Yahweh, e sim apenas
“o próprio demônio, o líder de todos os anjos caídos, que depois da queda foi
identificado como Satanás”.279 Com base no contexto pode ser sugerido, em vista
das expressões paralelas que envolvem Yahweh e Azazel (Levítico 16:8), que o
último pode ser de fato uma designação do ser maligno, o oponente de Yahweh.
Existe uma questão exegética que agora demanda atenção. A frase “para
Azazel”, na sentença, “enviá-lo ao deserto como bode para Azazel” (Levítico
16:10b), dá a impressão de que o bode vivo era enviado ao deserto onde Azazel
residia, ou onde tem o seu domínio. Pode-se sugerir, contudo, que o significado
exato da preposição hebraica “le” na frase Ia cazá‟zél tem uma função diferente.
Entre os amplos usos da preposição “le” no idioma hebraico, acha-se o significado
“no interesse de “280 ou “em favor de”.281 Utilizando este último significado para a
preposição, e seguindo a ordem das palavras na frase em hebraico, a tradução
literal da mesma poderia ser: “Enviá-lo em favor de Azazel ao deserto”.282 A
expressão prepositiva “em favor de” tem sido considerada como significando “em
lugar de Azazel”, ou seja, como substituto deste.283 Se a pessoa entender a
preposição no verso 10b como significando “em favor de” ou expressão equivalente,
então a antítese entre Yahweh e Azazel se mantêm e o mesmo ocorre com os dois
bodes - um é morto num rito expiatório e um é deixado vivo e levado ao deserto
num rito eliminatório. O sentido tipológico dos dois bodes também encontra sua
posição. O primeiro bode é visto como representando a Cristo,284 e o segundo, o
bode emissário, é visto como tipificando o oponente de Cristo, Satanás. 285 O
contraste entre as funções dos dois bodes é do mais alto significado, e dificilmente
poderia ser exageradamente enfatizado.
Podemos resumir os aspectos-chaves do rito de Azazel: (1) Este rito é o
último dos ritos do dia da expiação que ocorriam depois de haver sido efetuada a
expiação pelo santuário e dos pecados acumulados, ali depositados, (2) O bode vivo
277
Veja o n° 74 acima e H. Bietenhard, “Demon”, Dictionary of NT Theology (Grand Rapids,
Michigan, 1975), 1:451 ; Kaufmann, p. 114.
278
K. Galling, em Religion in Geschichte und Gegenwart (2ª edição, Tübingen, 1928), II: 964; veja
também W. Caldwell, “The Doctrine of Satan in the Old Testament”, The Biblical World (1913): 30;
Kaupel, pp. 91, 123-24; de Vaux, p. 509, fala de “um demônio”. Quanto a alguns comentaristas mais
antigos que identificam Azazel com Satanás, veja Questions on Doctrine (Washington, DC, 1957), pp.
393-94.
279
Keil, p. 398.
280
W. Baumgartner, Hebräisches und Aramaisches Lexikon zum Alten Testament II (Leiden, 1974),
p. 484; cf. W. Holladay, A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament (Grand Rapids,
1971 ), p. 168.
281
F. Brown, S. R. Driver e C. A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament
(Oxford, 1974), p. 515.
282
Hebraico: Iesallah cotô La caza‟zel hammidbārāh. A tradução recebe apoio a partir da frase
paralela no verso 21.
283
N. Wyatt, “Atonement Theology in Ugarit and Israel”, Ugarit-Forschungen 8, edição de K.
Bergerhof, M. Dietrich e O Loretz (Kevelaer/Neukirchen-Vluyn , 1976), p. 429.
284
Por exemplo, M. L. Andreasen, The Sanctuary Service (2ª edição, Washington, DC, 1947), p. 206;
Questions on Doctrine, p. 397; E. Heppenstall, Our High Priest (Washington, DC, 1927), p. 79;
“Leviticus”, IBC 775.
285
Veja o n° 94 a seguir, e O Grande Conflito 426; o bode emissário não tipifica a Cristo - veja
Lyonnet e Sabourin, pp. 273-87; A. Schlatter, Kämpfende Kirche, fase. 22, segundo citado por
Lyonnet e Sabourin, p. 284; F. Rienecker, Lexicon zur Bibel (2ª edição, Wuppertal, 1973), p. 122.
124
não era morto, de modo que não funcionava como sacrifício. (3) O bode vivo não se
engajava em ritos expiatórios, antes servia como veículo no rito de eliminação que
livrara Israel da presença do pecado. (4) A deposição de mãos e a confissão de
pecados sobre a cabeça do bode emissário por parte do sumo sacerdote, eram um
ato de transferência simbólica de todos os pecados de Israel, até ali acumulados no
santuário. (5) A remoção do bode vivo para o deserto, onde este deveria morrer,
indicava a permanente remoção do pecado. (6) O bode vivo é um tipo de Satanás,
ao passo que o primeiro bode é um tipo de Cristo.
Resta-nos ainda procurar reunir as principais correntes de pensamento
relativas ao dia da expiação. Este grande dia, celebrado apenas uma vez ao ano, no
final do ano religioso, era o grande clímax do culto do antigo Israel. Deus instituirá os
vários rituais sacrificais que os israelitas poderiam desempenhar no caso de caírem
em pecado inadvertido ou premeditado. A pessoa culpada de uma ofensa poderia
desta forma fazer uso do caminho prescrito a fim de livrar-se do pecado, da culpa e
da contaminação/impureza. Se o respectivo rito fosse seguido, dependendo do
conteúdo ofertado, poderia o ofensor esperar o perdão da parte de Deus e retomar a
certeza da correta relação de concerto com Yahweh. Deste modo o ofensor
experimentava purificação e remoção do pecado e da culpa, estando em ordem com
a comunidade do concerto de Israel. Através deste processo o pecado e a culpa do
ofensor eram figurativamente transferidos para o santuário.
Os ritos do dia da expiação constituem a segunda e final fase da
limpeza/purificação do santuário em relação a todos os pecados acumulados do
povo. Eles eram a fase de encerramento do processo de expiação. Para Israel este
dia era um dia de julgamento. Representava vida para todos aqueles que, durante o
ano cultual, haviam seguido adequadamente as instruções para a obtenção do
livramento do pecado e da contaminação; representava morte para todos aqueles
que, durante o ano cultual, haviam-se recusado a permitir que os ritos divinamente
indicados lhes trouxessem alívio do pecado e purificação da contaminação (Levítico
23:26-32). A pessoa que não afligisse sua alma no dia da expiação seria “eliminada
de seu povo” (verso 29). Isto implica em que Deus esperava que a comunidade do
concerto se unisse totalmente a Ele.
Os ritos sacrificiais para o sumo sacerdote e sua casa (Levítico 16:6, 11)
faziam expiação pelo santuário (verso 16). A manipulação de sangue do primeiro rito
era diferente da manipulação do serviço diário (regular) porque uma parte do sangue
do novilho devia ser aspergida diante do propiciatório (kapporet) sete vezes (verso
14). Esta manipulação de sangue destinava-se claramente ao propósito de
purificação e santificação do mesmo (verso 19).
Os ritos sacrificiais para a congregação do povo de Israel (Levítico 16:5)
envolviam um bode sacrifical e a manipulação de seu sangue era a mesma que para
o caso do novilho (versos 16 e 19). Estes dois ritos sacrificiais, que purificavam tanto
o santuário quanto o altar, possuíam um sentido de relação entre si, no sentido de
que expiavam o santuário e o altar em relação os filhos de Israel (versos 30 e 33). A
expiação dos sacerdotes e do povo era agora final.
Grande ênfase é atribuída ao fato de que os ritos sacrificiais do dia da
expiação envolviam a totalidade dos pecados confessados da comunidade israelita.
Levítico 16:16 refere-se a “todos os seus pecados”. Esta expressão é reenfatizada
várias vezes em Levítico 16 (veja os versos 16, 30, 34). A mesma linguagem todo
abrangente aparece em conexão com o pecado que o bode vivo carrega para o
deserto (verso 22). Evidentemente esta ênfase destaca que os pecados e ofensas
dos quais se ocupava o dia da expiação, eram os pecados acumulados de todo o
125
Israel, por cuja causa haviam sido apresentados sacrifícios e confissões durante o
ano religioso que precederá o dia da expiação. Qualquer coisa menos que isto, tal
como a limitação a “pecados e impurezas presunçosos”,286 “pecados
desconhecidos”,287 “pecados e impurezas do dia a dia”,288 “principalmente impurezas
rituais”,289 ou simplesmente uma “nova consagração”,290 do santuário, não pode
fazer justiça a repetida ênfase quanto a todos os pecados” em Levítico 16. Qualquer
coisa limitada ou parcial não é fiel aos reclamos do texto.
O rito não-sacrificial do bode vivo usualmente identificado como bode
emissário, ocorre após o término da expiação do santuário em relação aos pecados
do povo. O rito do bode vivo não somente era não-sacrificial, como também não-
expiatório. A frase segundo a qual “o bode emissário será apresentado vivo perante
o Senhor, para fazer expiação por meio dele /lekappēr cālāw/” (verso 10), será
melhor entendida como indicativa de que os ritos expiatórios são desempenhados ao
lado deste, ou em proximidade a ele conforme demonstrado acima.
Portanto, em contraste com os ritos sacrificiais do novilho e do bode - pelos
sacerdotes e pelo povo, respectivamente - o rito do bode vivo é um rito de
eliminação do pecado e seu envio para a região desértica, onde não existe vida.
Através da deposição de mãos e confissão, “todos os pecados” (verso 22)
eram transferidos pelo sumo sacerdote ao bode vivo, que seria enviado “ao deserto
como bode por Azazel” (verso 10).291 O bode vivo de Azazel corresponde
tipologicamente a Satanás, ao passo que o bode sacrifical tipificava a Cristo.
No antigo Israel o dia da expiação, com sua ênfase sobre purificação e
julgamento, sobre o pecado e a expiação, sobre o jejum e o repouso solene, era o
dia supremo do ano, o clímax do processo de expiação em favor de sacerdote e
povo. Apresentava com clareza a seriedade do pecado e os benefícios outorgadores
de vida do redentor plano divino, o qual reunificava Deus e o homem através de
confissão e sacrifícios diários, atingindo o clímax de sua finalidade no processo de
expiação que encerrava o desígnio divino para a salvação. Os rituais dos serviços
diários (regulares) encontravam sua complementação e encerramento nos ritos do
dia da expiação. Ambos eram grandes tipos que prefiguravam a antitípica obra
expiatória de Cristo no real (Hebreus 8:17 ou maior e mais perfeito tabernáculo
(Hebreus 9:11), o santuário celestial .
286
Milgrom, “Atonement in the OT”, p. 79.
287
Keil, p. 395.
288
Kaufmann, p. 210, n. 17.
289
Ibidem, p. 178.
290
A. Medebielle, “Expiation”, Dictionnaire de Ia Biblia: Suplément (Paris, 1938), IV: 61.
291
Veja o n° 87, acima.
126
Raoul Dederen
Fonte: Arnold Wallenkampf e Richard Lesher, editors.
The Sanctuary and the Atonement, pp, 292-325.
A palavra expiação aparece apenas uma vez na KJV (Romanos 5:11),292 mas na
RSV o original deste verso é traduzido de modo bastante adequado nos seguintes
termos: “Através de quem recebemos agora a nossa reconciliação”. Vemos assim que a
palavra não é propriamente um termo do NT, mas a idéia de que a morte de Cristo lidou
com a alienação humana de Deus, de tal forma que Sua morte (e ressurreição)
possibilitaram uma restauração geral da harmonia, possivelmente represente um dos
temas centrais do NT.293
A centralidade da morte de Jesus é bem ilustrada em face de sua proeminência
no “evangelho cristão”. Este evangelho, que Paulo não apenas recebeu como também
proclamou, começa - no dizer do apóstolo - pela declaração de que “Cristo morreu pelos
nossos pecados, segundo as Escrituras” (I Coríntios 15:3).
Seria difícil exagerar a importância da cruz para os escritores do NT. É ela o fato
notório do qual depende a salvação de todos os que crêem. Conceitos vitais, a exemplo
de perdão, salvação, redenção, justificação, reconciliação e o estado de “estar em
Cristo”, indicam algo da riqueza do pensamento neotestamentário no tocante à morte de
Cristo.
O seguinte ensaio - breve como é, pouco mais que “programático”, segundo
diriam os escritores europeus - representa uma tentativa de investigação no tocante aos
aspectos expiatórios da morte de Jesus Cristo.
O ponto de partida desta investigação é o ensino cristão primitivo atinente ao
assunto. Para este plano dependerei do livro de Atos e das epístolas do NT,
especialmente as cartas paulinas, já que dentre todos os escritores do NT, é Paulo quem
mais deliberada e continuamente reflete sobre a morte de Cristo.
Vira depois um exame da vida e dos ensinos do próprio Jesus, onde tentaremos
descobrir indicações de Seu pensamento a este respeito. Para esta análise, dependerei
do conteúdo dos Evangelhos.
Será então necessário considerar se – e, caso positivo, em que extensão e
sentido - algum aspecto expiatório/reconciliatório pode ser atribuído aos sofrimentos de
Cristo durante Sua vida, em distinção aos sofrimentos vividos na cruz. Para esta informa-
ção, farei uso de muitos escritos do NT.
Depois de uma pesquisa quanto as grandes teorias da expiação que
prevaleceram na igreja crista e das tendências que se desenvolvem na pesquisa
cristológica contemporânea, arriscar-me-ei a sugerir, numa seção final, algumas
292
O texto diz: “E não apenas isto, mas também nos regozijamos em Deus através de nosso Senhor
Jesus Cristo, por meio de quem recebemos agora a expiação.” Na tradição teológica cristã, a obra de
Cristo é “a expiação”. Aqui o termo deve ser entendido como significando o “estar em comum acordo
com”, isto é, estar reconciliado com alguém.
293
Embora este ensaio se limite a morte de Jesus Cristo, deveria a pessoa conservar em mente que
em o NT a morte e a ressurreição de Jesus são proclamadas como pertencendo juntamente ao
próprio coração do evangelho. É somente a luz da Páscoa que a cruz pode ser compreendida como
um evento salvífico.
127
Sacrifice /London, 1930/; Vincent Taylor, Jesus and His Sacrifice /London, 1948/. Mas uma pesquisa
das evidências do NT mostra que os hebreus entendiam habitualmente “sangue” no sentido de morte
violenta, significando o termo essencialmente a vida deposta na morte (Cf. Alan M. Stibbs, The
Meaning of the Word “Blood” in Scripture /London, 1947); Leon Morris, The Apostolic Preaching of the
Cross (Grand Rapids, 1956, cap, III): Philip Edgcumbe Hughes, “The Blood of Jesus and His
Heavenly Priesthood in Hebrews”, Bibliotheca Sacra 130 (1973): 99-109.
304
Poucos fizeram tanto a fim de demonstrar, conforme o fez C. H. Dodd, tanto o fato quanto o
significado desta diferença. Veja sua declaração clássica em The Bible and the Greeks (London,
1935), pp. 82-95. Veja também o artigo de Dodd em JTS 32 (1931): 352-360, onde é examinada cada
ocorrência de hilaskomai na LXX. Dodd conclui que o significado bíblico do Verbo é “executar um ato
pelo qual a culpa ou a contaminação são removidas”, e que, desta forma, “fazer expiação” seria uma
tradução melhor do que “fazer propiciação”.
305
Veja, por exemplo, C. H. Dodd, Romans (London, 1932), pp. 20 e seguintes.
306
Cf. Roger Nicole, “C. H. Dodd and the Doctrine of Propitiation”, Westminster Theological Journal
17 (1955): 117-157; David Hill, Greek Words and Hebrew Meaning (Edinburg, 1967), pp. 23-48;
Morris, pp. 125-185.
307
Ênfase, suprida. Cf. 2:2.
308
Entre os pagãos, imaginava-se a propiciação como uma atividade pela qual o adorador se
tornava apto, por si mesmo, a prover aquilo que induziria a uma mudança da mente da Divindade. Ele
simplesmente subornava seu deus para que este se tornasse favorável a ele. Nas Escrituras a
expiação-propiciação é imaginada como a produção, ou demonstração, do amor de Deus.
130
309
Como demonstração do amor divino, a morte de Cristo designa-se a evocar uma resposta de
amor no coração do homem, conforme consideraremos posteriormente neste estudo.
310
Vincent Taylor, The Atonement in New Testament Teaching (London, 1946), p. 177.
311
Embora suas obras ocultas já estejam presentes e ativas no mundo, a ira de Deus, nas
Escrituras, é essencialmente a “ira vindoura” (I Tessalonicenses 1:10), e inteiramente escatológica (G.
Stählin, TDNT, V:424f). Em sua epístola aos Romanos, Paulo uma vez mais nos oferece o mais
profundo estudo sobre o assunto. A ira de Deus é descrita como a inevitável conseqüência da justiça
de Deus, revelada contra toda impiedade e injustiça humana (Romanos 1:18). Em vista da
universalidade do pecado, toda a raça humana é objeto da ira de Deus (Romanos 3:9-18), tanto os
gentios que já não têm excusa (Romanos 1:18-32), quanto os judeus (Romanos 2). A humanidade
não redimida é “por natureza filha da ira” (Efésios 2:3; cf. 5:6). Cada ser humano, através da dureza
de seu coração, faz com que se estabeleça a ira contra si próprio, “para o dia da ira e da revelação do
justo juízo de Deus” (Romanos 2:5-8). Em Paulo, tanto quanto no NT em geral, a ira de Deus não é
algum tipo de impessoal e “inevitável processo de causa e efeito num universo moral” (C. H. Dodd, p.
23). Pode a pessoa racionalizar o conceito do modo como quiser, mas seria um equívoco imaginar
que os autores do NT assim procederam. A ira de Deus não é o egoísmo, a paixão irracional, a falta
de domínio próprio. É um zelo ardente pelo que é correto, acoplado à divina hostilidade contra o
pecado. Jesus nos livra do que é merecedora a nossa rebelião contra Deus (I Tessalonicenses 1:10).
Veja A. Richardson, An Introduction to the Theology of the New Testament (New York, 1958), pp. 75-
76.
312
Cf. Romanos 5:12-21; I Coríntios 15:21-22, 45-50.
313
Cristo, o poderoso guerreiro, venceu a batalha decisiva contra os poderes do mal que mantinham
o homem em cativeiro: pecado, morte, o demônio e a lei (Romanos 6:16; I Coríntios 15:20, 54-57; I
Coríntios 2:8; Colossenses 2:14-15; Hebreus 2:14-15; Gálatas 3:13; Romanos 5:9).
131
10.1.2. Resgate-Redenção
a morte de Cristo ocorreu com o fito de operar redenção. É o preço pago para livrar-nos
do pecado.
Existem outras passagens em que, no NT, ocorre o termo apolutrōsis.324 Embora
prossiga sendo impossível determinar com certeza, em cada caso, em que extensão
Paulo possa haver decidido apartar-se do significado original estrito do termo a fim de
optar pelo contexto mais amplo de sua teologia da salvação, o conceito de redenção por
resgate não, desempenha parte menos importante que o da morte sacrificial de Cristo.
Além disso, onde esta libertação está relacionada especificamente com a morte de
Cristo, a intenção de Paulo é claramente a de proclamar tal libertação no sentido original
prolífico de pagamento em dinheiro.325 A ênfase, portanto, repousa definitivamente sobre
o custo da redenção do pecador.326
2. Sendo “comprados por preço”. A redenção e sua metáfora quanto ao
pagamento de um valor é também encontrada em outras passagens em que o termo
grego agorazō, ordinariamente usado no sentido de “comprar”, é empregado. “Não sois
de vós mesmos; porque fostes comprados por preço”, explica Paulo em I Coríntios 6:19
e 20. “Por preço fostes comprados; não vos torneis escravos de homens” (I Coríntios
7:23).
De fato, o preço da compra não é declarado. Ainda assim, o assunto parece
suficientemente claro à mente de Paulo, pois em ambas as ocasiões se faz referência a
um “preço” (timē) antes pago. O que mais poderia ser este preço senão a morte de
Cristo? Em o Novo Testamento não se fala de outro preço ou pagamento (cf. I Pedro
1:19). Efetivamente, nas palavras de despedida de Paulo dirigidas aos irmãos Éfeso, em
Mileto, o apóstolo adverte: “Atendei por vós e por todo o rebanho... para pastoreardes a
igreja de Deus, a qual Ele comprou com o Seu próprio sangue” (Atos 20:28). Temos aqui
uma concepção profundamente paulina, ou seja, que os redimidos são escravos,
comprados por preço. A idéia cristã de redenção não é a de que os crentes são
comprados para uma liberdade centralizada em torno do eu. Em vez disso, havendo sido
comprados por Deus a um custo terrível, eles se tornam Seus servos, a fim de
empreender a Sua vontade.
O mesmo ponto de vista brota ainda da carta de Paulo aos Gálatas, onde a forma
composta exagorazo327 é empregada: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-
Se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: „Maldito todo aquele que for
pendurado em madeiro” (Gálatas 3:13). O pensamento é que uma maldição repousa
sobre todo aquele que não cumpre a lei (Deuteronômio 27:26). Cristo morreu de uma tal
forma a poder levar sobre Si - ou tornar-Se - a maldição. Assim, nós, que deveríamos ser
amaldiçoados, agora estamos em liberdade, redimidos (comprados por preço) da
maldição. Este pensamento envolve uma vez mais a idéia de substituição. Se eu,
estando sob maldição, acho-me agora livre pelo fato de haver Cristo me redimido, então
o ato de Cristo é do tipo substitutivo. H. Wheeler Robinson reconhece corretamente
nesta passagem “uma das mais claras indicações de que S. Paulo entendia a morte de
Cristo tanto em sentido substitutivo quanto em sentido penal”.328
324
Em duas ocasiões (Efésios 1:14; Colossenses 1:14) não há referência ao preço pago. Em três
ocasiões se faz referência a uma redenção futuro, de significado escatológico (Lucas 21:28; Romanos
8; 23; Efésios 4 :30). Uma vez a referência é geral (I Coríntios 1:30), e uma passagem final refere-se
a uma redenção não-cristã (Hebreus 11:35).
325
Otto Procksch - em contraste com Büchsel - no mesmo artigo de TDNT, simplesmente assume
isto (cf. IV: 335). O mesmo ocorre com W. F. Arndt e F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the
New Testament and Other Early Christian Literature (Chicago, 1957), p. 95.
326
W. Sanday e A. C. Headlam, The Epistle to the Romans (Edinburgh, 1895), p. 86.
327
Cf. Büchsel, “agorazō, exagorazō”, TDNT, I:124-128.
328
Redemption and Revelation (London, 1942), p. 231; Leon Morris, p. 55.
134
329
Vez por outra, por exemplo, os cristãos têm levantado a questão quanto a “para quem” é pago o
preço. É significativo que o NT não diz de quem fomos comprados e nem a quem é pago o preço.
Ainda assim, ao passo que não se deve pensar numa transação comercial entre Cristo e o Pai, não
deveria ser menor o cuidado em ver que o caráter objetivo daquilo que em o NT é identificado como
“redimir”, não seja comprometido.
330
Herman Ridderbos, Paul - An Outline of His Theology (Grand Rapids, 1975), pp. 196-197.
331
Katallagē (reconciliação) e katallassō (reconciliar) são ambos encontrados nestas duas
passagens. Reconciliação através da morte de Cristo recebe alusão através do uso do verbo
apokatallasso em Efésios 2:16 e Colossenses 1:20-21. Outras palavras deste mesmo grupo podem
ser encontradas em o NT, mas sem referência a expiação. O conceito também se acha presente, por
vezes, mesmo quando a palavra não ocorre. Por exemplo, quando o NT, ao falar de “fazer a paz”,
abre margem a toda a idéia de paz com Deus.
332
The Atonement in New Testament Teaching, p. 191. É semelhante a posição de T. H. Hughes:
“No NT a idéia básica de expiação, é a de reconciliação (The Atonement, London, 1949, p. 312).
333
Cf. Isaías 59:1-2. Esse estado de inimizade é mencionado em Tiago 4:4; Colossenses 1:21;
Romanos 5:10, onde as palavras “inimizade”, “estranhos”, “hostis” e “inimigos” são empregadas.
135
ocorre. Foi “enquanto ainda inimigos” que nós “fomos reconciliados com Deus mediante
a morte de Seu Filho” (Romanos 5:10).
2. Do pecador com Deus. O exame demorado da linguagem paulina quanto a
reconciliação destaca imediatamente que a reconciliação é do pecador com Deus, e não
de Deus com o pecador. Em parte alguma fala Paulo de Deus reconciliando-Se com o
homem. É este que precisa ser reconciliado. Assim, “Deus estava em Cristo,
reconciliando consigo o mundo” (II Coríntios 5:19).
Por vezes, nos dias de hoje, este texto tem sido empregado no sentido de afirmar
que a inimizade se encontra apenas de um lado. Esta situação torna simples a
reconciliação. Requer apenas que o homem compreenda quão longe ele se apartou de
Deus, se arrependa e retorne a Ele. Reconciliação e paz seguir-se-ão imediatamente.
É verdade que o homem está alienado de Deus. É verdade que se ele admitir,
seu estado e se arrepender; existirá reconciliação. Mas não é verdade que isto é a
história completa. Tal ponto de vista deixa de fora a cruz, ou pelo menos parte desta. E a
cruz deve ter posição central, Foi através da cruz que se operou a salvação do pecador
e se efetuou a sua reconciliação. Não apenas afirma Romanos 5:10 claramente que
enquanto éramos ainda pecadores, “fomos reconciliados com Deus”, mas também que
isto foi realizado “pela morte de Seu Filho”, Da mesma forma, em Efésios e Colossenses
encontramos toda uma série de declarações que estabelecem uma imediata conexão
entre a morte de Cristo e a paz e reconciliação forjadas contra o pecado. “Em Cristo
Jesus vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo” (Efésios
2:13); “Porque Ele é a nossa paz, o qual de334 ambos fez um... para que dos dois...
reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por
ela a inimizade” (Efésios 2:14-16).
Na carta de Paulo aos Colossenses, ele os faz lembrar que através de Cristo
Deus reconciliou todas as coisas, “havendo feito a paz pelo sangue de Sua cruz”
(Colossenses 1:20). “E a vós outros... vos reconciliou no corpo da Sua carne, mediante a
Sua morte” (Colossenses 1:21-22). A preocupação do apóstolo é que todo crente atribua
ao sofrimento e morte de Cristo na cruz o papel que eles merecem, na atividade
reconciliadora de Deus. A morte de Cristo é proferida como sendo um ato de Deus, um
divino ato em favor do homem. Deus não apenas iniciou a reconciliação, como ainda em
Cristo a completou. Reconciliação é obra de Deus. O homem não pode reconciliar a si
mesmo com Deus; ele deve ser reconciliado com Deus através da divina ação em Cristo
Jesus.
3. Dimensão em direção a Deus. Há outro aspecto nestas duas passagens,
sobre o qual maior ênfase deveria ser posto - mais do que usualmente é feito em
conexão com os ensinamentos de Paulo no tocante à morte de Cristo. Embora a
reconciliação seja empreendida em favor do homem e possa, assim, ser descrita como
possuindo uma dimensão que se dirige para o homem, também existe uma direção
rumo a Deus, de modo que me sinto compelido a dizer que existe um sentido em que se
pode afirmar que o próprio Deus Se reconcilia com o homem.
Pode-se alegar, evidentemente, que é necessário que o homem abandone o
pecado, que ao ele assim proceder ocorre à reconciliação com Deus. Entretanto, Paulo
destaca o fato essencial de que primariamente a reconciliação não representa uma
modificação da atitude do homem em direção a Deus. Em vez disso, a reconciliação é
antes de tudo um evento, um evento objetivo, realizado por Deus para a salvação dos
pecadores. As Escrituras efetivamente sustentam que até que a divina oferta de
334
Paulo refere-se aqui especificamente a separação existente entre judeus e gentios. Reconciliação
entre homem e homem, até mesmo abolindo as mais amargas hostilidades raciais, como a divisão
judeus-gentios, é uma conseqüência da reconciliação do homem com Deus “por meio da cruz”.
136
reconciliação seja recebida numa atitude de alegre submissão, nenhum pecador pode
reconciliar-se com Deus. Só então é que a reconciliação se torna efetiva; somente então
é o homem reconciliado com Deus. O amor de Deus, manifestado em reconciliação, não
focaliza o momento em que o pecador individual crê em Cristo e constata haver se
modificado a sua atitude para com Deus, de inimizade em amor. O amor de Deus
manifestado em reconciliação ocorreu muito antes, “quando éramos ainda inimigos” de
Deus, e isto no evento objetivo e histórico da morte de Cristo. O amor para com Deus
evocado nos corações dos pecadores pela revelação do estupendo amor de Deus para
conosco sobre a cruz, não constitui a - antes representa a aceitação da - reconciliação já
efetuada pela cruz, antes que os pecadores ouvissem dela falar e a ela
respondessem.335
Inquestionavelmente, a reconciliação tem a ver com a atitude humana em relação
a Deus. Ainda assim, a dimensão da atitude de Deus para com os pecadores e o pecado
não pode ser ignorada. Nas palavras de Paulo, Deus estava em Cristo reconciliando
consigo o mundo, “não imputando aos homens as suas transgressões” (II Coríntios
5:10).336 As transgressões que deveriam ser imputadas, não mais o foram em virtude de
Cristo. Deus lidou com elas em Cristo Jesus. Ele fez algo em relação a elas.
Reconciliação, no sentido bíblico, não é correr em face da oposição de Deus. Ela vem de
Deus e depende de mais que a resposta do homem à graciosa iniciativa divina. Ela se
fundamenta num ato de Deus, iniciada que é por Seu amor, e em virtude da qual Deus
não mais leva em conta as transgressões do homem contra Ele. Trata-se de urna obra
externa a nós, mediante a qual Deus age de tal modo em Cristo com o pecado do
mundo, que este não mais constituirá uma barreira entre Deus e o homem.
Isto não quer dizer que a morte de Cristo modificou os sentimentos de Deus em
relação a nós. O coração divino, que é eternamente amor, não necessitava de
alterações e modificações. Mas, no dizer de P. T. Forsyth - que estabelece uma distinção
entre mudança de sentimentos e mudança de tratamento - “os sentimentos de Deus em
relação a nós jamais necessitaram ser modificados. Mas o tratamento de Deus para
conosco, o relacionamento prático de Deus para conosco, este tinha de modificar-se.”337
A distinção é importante. O amor de Deus jamais varia. Mas o pecado - a causa do
estremecimento - é posto de lado. A reconciliação sobrepuja o estremecimento, de modo
que os pecadores arrependidos não mais são tratados como inimigos, e sim como
amigos. E o método de efetuar isto, de lidar com o pecado, foi a morte expiatória de
Jesus Cristo.
335
A. W. Argyle, p. 255. Nas clássicas palavras de James Denney, “A obra da reconciliação, em seu
sentido neotestamentário, é uma obra já acabada, na qual nós temos de concordar em ser
completados antes que o evangelho seja pregado. São as boas novas do evangelho, com a qual os
evangelistas avançam, de que Deus operou em Cristo uma obra de reconciliação, que põem à
disposição não menos que o mundo, e da qual o mundo inteiro recebe benefícios. O apelo do
evangelista é - „recebei a reconciliação; consenti que ela se torne efetiva em vosso caso‟”. (The Death
of Christ), pp. 144-145.
336
O conceito de que a ação reconciliatória é do Pai e que a iniciativa se encontra com Ele, requer a
adequada ênfase e reconhecimento. É esta uma das notas características do ensino de Paulo quanto
à reconciliação. Isto aparece diretamente em várias ocasiões em II Coríntios 5:18-21. A distinção de
pessoas nos títulos “Deus” e “Cristo” no verso 18, requer que “Deus” se refira ao Pai, e Ele é
claramente o sujeito da ação denotada pelo verbo “reconciliar”. Uma leitura atenta dos versos 19 e 20
revelarão a mesma ênfase.
337
The Work of Christ (London, 1958), p. 105. Neste ensaio não se tentou lidar com o escopo ou
extensão da reconciliação operada através de Cristo. Esta questão aplica-se ao debate que diz
respeito a expiação limitada ou ilimitada, redenção particular ou universal.
137
Os resultados de nossa investigação até este ponto nos permitem dizer que a
igreja primitiva, conforme retratada em o NT, aceitou desde o inicio o fato histórico da
cruz. A luz da ressurreição, seus membros reestudaram o Antigo Testamento, e sob a
inspiração do Espírito Santo, descobriram novo significado na morte de Jesus Cristo. Os
escritores do NT repetidamente a apresentam à luz de uma necessidade divina, e não
como uma necessidade cega. Ela é tratada por eles como um assunto de central e
permanente importância para a fé cristã. Por um lado, é o julgamento divino do pecado
humano. Por outro lado, é a suprema revelação das assombrosas profundidades do
amor de Deus pelo homem pecador. É também a decisiva ação de Deus, pela qual
somos livrados de todos os poderes do mal que nos mantinham em escravidão. É a
pedra angular, o próprio fundamento da salvação do crente.
Idéias sacrificiais e expiatórias, intimamente relacionando a morte de Cristo com a
salvação do homem, são freqüentemente assumidas. Um novo vocabulário se
desenvolve. Conforme observamos, houve referências a Cristo como “suportando
nossos pecados”, “morrendo pelo pecado”, “oferecendo-Se como resgate por nós”,
“redimindo-nos”, tornando-Se “expiação/propiciação”, etc. Esta forma mais definida de
conceber tudo aquilo relacionado com a salvação como sendo dependente da eficácia
redentora da morte de Cristo, conduziu a uma nova perspectiva. Acima de tudo, as
mentes volveram-se de modo crescente em direção à Pessoa através da qual à
redenção foi empreendida, à Sua morte como o meio de redenção, e a necessidade de
fé nEle como condição de salvação. O evangelho tornou-se “a palavra da cruz” (I
Coríntios 1:18), e Paulo pode afirmar que decidira “nada saber entre vos, senão a Jesus
Cristo, e este crucificado” (I Coríntios 2:2).
338
Veja, por exemplo, Tiago 4:25-26; Mateus 16:16-17, 20; 26:63-64; Marcos 12:35.
138
É bem verdade que publicamente Jesus falou pouco da relação entre Seus
sofrimentos e Sua missão salvadora, e foi somente na porção final de Seu ministério
terrestre que Ele falou abertamente aos discípulos quanto à proximidade de Sua morte.
Depois da cristológica confissão de Pedro, Jesus começou a falar com a clareza de Sua
morte divinamente predita e da ressurreição que deveria seguir. (Mateus 16:21).340 A
partir de então Sua morte passou a receber lugar dominante em Seu pensamento. Era
esta “o cálice” que Ele teria de sorver (Mateus 20:-2), o “batismo” com o qual deveria ser
batizado (Mateus 10:32, 38). Ele Se sentia “angustiado” até que este batismo se
realizasse (Lucas 12:50).
Mesmo assim, o silêncio de Cristo diante do assunto, antes do episódio de
Cesaréia de Filipe, longe estava de ser absoluto, No Evangelho segundo João, por
exemplo, encontramos algumas das mais claras declarações provindas dos lábios de
Jesus, no sentido de que deveria morrer e que Sua morte se relacionaria diretamente
com a salvação do mundo.
Aos fariseus que Lhe perguntavam com qual autoridade purificava Ele o templo,
Sua resposta foi: “Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei” (João 2:19). Sua
resposta, literalmente mal compreendida na época, declarava que Sua morte e
ressurreição eram a autoridade. A Nicodemos, perplexo diante das estranhas palavras
de Jesus, o Senhor replicou que assim como Moisés erguera a serpente no deserto,
“assim importa que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nEle crê
tenha a vida eterna” (João 3:14-15).341 A conexão existente entre a morte de Cristo e a
salvação do mundo, é inconfundível.342 Em Seu memorável discurso em Cafarnaum,
Jesus igualmente salientou que Sua carne seria dada para a salvação do mundo, bem
assim como o derramamento de Seu sangue (João 6:50-59).343
339
C. H. Dodd, According to the Scriptures (London, 1952), p. 94. Veja a lista de passagens citadas
em o NT às páginas 92-94. Mais recentemente, Joachim Jeremias mostrou de que modo Isaías 52:13
a 53:12 está subjacente a cada porção do NT (The Servant of the Lord, Nashville, Illinois, 1957). Em
sua obra The Central Message of the New Testament (New York, 1965), o mesmo autor explana
como Jesus via o cumprimento de Isaías 53 como Sua tarefa divinamente apontada, e que Ele
interpretava Sua morte vindoura, diante de Seus discípulos, como uma morte viçaria em favor das
incontáveis multidões daqueles que faziam sob o julgamento de Deus.
340
Veja também Mateus 17:9, 22-23; 20:18-19.
341
João 3:14-15. Quanto ao “ser levantado”, veja João 12:33.
342
Perceba o uso de Cristo, “importa que”.
343
Tais declarações lançam luz sobre outras, de caráter mais geral. Por exemplo, João 10:11, 15,
17-18; 12:24.
139
344
Cf. Marcos 2:19-20; Lucas 5:34-35.
345
Que Jesus pode haver pensado em Sua missão como um “dar a Sua vinda em resgate de
muitos”, é algo que tem sido muitas vezes questionado. O argumento usual é de que a declaração
representa uma inserção de Marcos na teologia paulina quanto ao ensino de Jesus. Mas existem
boas razoes para se aceitar a genuinidade destas palavras. Veja V. Taylor, Jesus and His Sacrifice,
pp. 97-105; Alan Richardson, An Introduction to the Theology of the New Testament (New York,
1958), pp. 220-221.
346
Reconhece-se, de modo geral, que o pensamento na mente de Jesus pode muito bem haver sido
o de Isaías 53:10-11. Cf. W. Manson, Jesus the Messiah (London, 1943), p. 131; A. M. Hunter, The
Work and Words of Jesus (Philadelphia, 1950), p. 100.
347
Cf. Marcos 14:22; Lucas 22:19.
348
Para um estudo adicional dos dizeres de Jesus quanto à Sua morte expiatória e a importância
destas declarações, veja George Smeaton em seu clássico The Doctrine of the Atonement as Taught
by Christ Himself, 2ª edição, 1871 (Reimpressão: Grand Rapids, 1953).
140
349
Cf. João 19:28; 4:6.
141
nossas fraquezas” (Hebreus 4:15), mas “naquilo que Ele mesmo sofreu, tendo sido
tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hebreus 2:18). Seus
sofrimentos inegavelmente contribuíram para com Sua habilidade em simpatizar. Sofreu
de modo a qualificar-Se para assumir Seu ofício como Sumo sacerdote.354
3. Sacrifício perfeito pelo pecado. O sacerdote, “sendo tomado dentre os
homens, é constituído nas cousas concernentes a Deus, a favor dos homens, para
oferecer assim dons como sacrifícios pelos pecados” (Hebreus 5:1). Tendo em vista
eliminar a alienação entre o homem e Deus, era necessário remover a sua base, a sua
causa fundamental - o pecado. Os sofrimentos de Cristo em vida não apenas. O
prepararam para desempenhar Suas funções mediatórias, como ainda O habilitaram a
oferecer o imaculado Cordeiro que tira o pecado do mundo. Ofereceu-Se a Si mesmo,
uma vez por todas, como sacrifício único pelo pecado (Hebreus 7:27),355 “tendo obtido
eterna redenção” (Hebreus 9:12).
Assim como por um ato de desobediência o mal reinou aqui na Terra, assim
também “por meio da obediência de um só muitos se tornarão justos” (Romanos 5:19).
Como Servo do Senhor, Cristo prestou Sua mais ampla obediência ao mandado divino,
e expressou Sua inalterável identificação com o propósito do Pai, em Seu ato de auto-
submissão diante da morte. Em o NT este sacrifício “uma vez por todas” não aparece
como um ato isolado no final da vida de Cristo; ao contrário, soma-se este ato a toda
uma vida de obediência, por Ele vivida. A cruz representa o clímax da vida de Cristo,
mas Sua vida é um elemento essencial dentro dos eventos redentivos.
354
Thomas Richard Rice, “The Meaning of the Obedience of Jesus Christ” (Estudo não publicado,
Andrews University, 1967), pp. 36-40.
355
Cf. Hebreus 10:10, 12, 14; 13:12.
356
Para a historia das doutrinas quanto à expiação e redenção em inglês, veja o clássico volume: A.
Ritschel, A Critical History of the Christian Doctrine of Justification and Reconciliation (Edinburgh,
1872); J, Riviere, The Doctrine of the Atonement. A Historical Essay (St. Louis, 1909), 2 volumes; H.
Rashdall, The Idea of Atonement in Christian Theology (London 1919). Quanto a literatura mais
recente, veja H. E. W. Turner, The Patristic Doctrine of Redemption (London, 1952); F. W. Dillistone,
The Christian Understanding of Atonement (Philadelphia 1968); Gustaf Aulén, Christus Victor. An
Historical Study of the Three Main Types of the Idea of Atonement (New York, 1969). A maioria das
enciclopédias e dicionários bíblicos, tanto quanto Systematic Theologies, apresentam artigos ou
capítulos referentes às principais teorias da expiação.
143
Para o propósito deste ensaio não pareceu necessário considerar outros pontos
de vista atinentes a expiação - expressa na morte de Cristo - tais como a dos
reformadores do século XVI, que é a visão “penal”, a “teoria do exemplo” sociniana, a
“teoria governamental” de Grócio, ou à teoria do “arrependimento vicário” de McLeod
Campbell. Com a possível exceção da “visão mística” de Schleiermacher,359
357
Outros proeminentes ensinadores nada desejam ter a ver com isto. Mais particularmente,
Gregório de Nazianzus, Atanásio e Anselmo.
358
Méritos supererrogatorios, são méritos que vão além daquilo que se ensina ser requerido ou
necessário à salvação.
359
O principio básico da teoria de Fr. Schleiermacher é que na encarnação de Cristo - e não em Sua
morte - a vida divina entrou na vida da humanidade. A mudança operada no pecador não é
144
basicamente todas podem ser acomodadas sob uma das três categorias anteriores. Elas
não acrescentam uma nova classe às interpretações já existentes, embora provejam,
sim, algumas novas e por vezes sugestivas representações daquelas aqui esboçadas.
1. A influência de Schleiermacher. No começo do século 19, Schleiermacher
– o pai da teologia liberal - estabeleceu as tendências que ainda agora estão a
desenvolver-se na maioria das teorias cristológicas. Particularmente importantes em
separar a moderna cristologia da cristologia clássica são os seguintes aspectos: (a) O
impulso antropológico na compreensão de Schleiermacher quanto à pessoa de Cristo.
Pensava ele em Cristo como todos os homens - mas distinto destes - não por possuir
uma “natureza divina”, e sim uma constante potência em Sua consciência divina. Esta
seria a própria existência de Deus em Cristo.360 (b) A insistência em que Cristo é nosso
substituto apenas no sentido de que, como arquétipo, serve Ele como nosso exemplo
até que o arquétipo seja plenamente realizado em nós. Ele é nosso substituto no sentido
de ser nosso exemplo; e Sua obra é o fortalecimento da consciência divina nas
pessoas.361 (c) Sua compreensão da expiação como uma modificação psicológica
ocorrendo no homem. Sua opinião era de que coisa alguma na expiação se dirigia a
Deus.
Poder-se-iam mencionar pontos adicionais, mas estas distinções têm sido
determinantes para a maioria dos escritos cristológicos do século passado. Nos dias de
hoje a maioria das iniciativas de Schleiermacher triunfaram no catolicismo e no
protestantismo, embora existam amplas variações no grau de proeminência que
teólogos individuais lhes têm dado.362
2. Advogados de uma expiação objetiva. Poucos eruditos amplamente
conhecidos têm remado contra a corrente, convocando a um retorno à expiação objetiva.
Por exemplo, Emil Brunner, em The Mediator, representa um forte apelo a tal
ponto de vista.363 Karl Barth insistiu em que a expiação é um ato da história, e de que na
cruz o Pai “deu efeito a Sua /de Cristo/ morte e paixão como uma satisfação por nós,
como nossa conversão a Deus, e portanto a nossa redenção da morte para a vida”;364 e
também que nEle Deus, o Juiz, ofereceu-Se a Si mesmo para ser julgado em lugar do
pecador.365
G. C. Berkouwer, de Amsterdã, o mais apto teólogo sistemático do calvinismo
primariamente uma mudança ética em sua vida consciente – tal como ocorre na interpretação da
influência moral - mas uma mais profunda mudança da vida subconsciente, trazida a lume através de
um modo místico. Cristo, o homem ideal, em quem a consciência divina controla a consciência mais
baixa, desde o começo torna-se uma nova levedura na humanidade. Ele libera a consciência divina
do crente da dominação da consciência mais baixa, tornado a pessoa semelhante a Ele. Nesta forma
mística Ele transforma e redime o pecador penitente.
360
The Christian Faith (Edinburgh, 1928), art. 94, p. 385.
361
Ibidem, pp. 425 e seguintes.
362
Para uma introdução à influência do ponto de vista antropológico de Schleiermacher sobre
teólogos contemporâneos enquanto divergentes em seus pontos de vista confessionais, tais como
Karl Rahner, Wolfhart Pannenberg, John A. T. Robinson e John Knox, veja John Macquarrie, “Recent
Thinking on Christian Beliefs. Part I: Christology”, Expository Times 88 (1976):
37-39.
363
Para o teólogo suíço, a morte de Cristo “representa de fato uma transação objetiva, na qual Deus
efetivamente faz alguma coisa, e alguma coisa absolutamente necessária”. Convidando seus leitores
a manter em mente a seriedade do pecado do homem, ele conclui: “Quanto mais séria nossa visão do
pecado, tanto mais claramente percebemos a necessidade de uma objetiva - e não meramente
subjetiva - expiação. Negar esta necessidade significa o nondum consideravisse pondus peccati” (The
Mediator. A Study of the Central Doctrine of the Christian Faith /Philadelphia, 1947/, pp. 439, 451, com
ênfase suprida).
364
Church Dogmatics (Edinburgh, 1936), IV/1:157; cf. II/1:446.
365
Church Dogmatics IV/1:157.
145
clássico no mundo atual, aceita o mistério e o paradoxo das narrativas bíblicas e evita
impor a lógica em pontos nos quais as Escrituras silenciam.366 Leon Morris, de
Melbourne, Austrália, vindica que a redenção em Cristo operou como libertação por meio
do preço de Sua morte.367 T, F. Torrance,368 Gustaf Aulén,369 Vincent Taylor,370 Donald
M. Baillie371 e outros, embora por vezes com grande variação em suas interpretações da
cruz, têm estado a insistir conosco quanto ao retorno à doutrina da redenção que
considera a cruz como um poderoso ato de Deus em Cristo, para modificar todo o
relacionamento objetivo entre Deus e Suas criaturas pecaminosas.
De todos os modos, o ponto de vista mais popular, em nossos dias, é uma ou
outra variação da teoria representativa, segundo à qual Cristo não foi nosso substituto,
nem foi Sua morte um sacrifício como tal, e sim que Ele fez algo que serve como base
para à reconciliação.
366
Veja especialmente The Work of Christ (Grand Rapids, 1965).
367
The Apostolic Preaching of the Cross e The Cross in the New Testament (Grand Rapids, 1965).
368
Theology In Reconstruction (Grand Rapids, 1966).
369
Em Christus Victor, Aulén recuperou aquilo que ele identifica como os aspectos triunfantes e
Vitoriosos da expiação.
370
Jesus and His Sacrifice; The Atonement in New Testament Teaching; Forgiveness and
Reconciliation (London, 1941). Com a exceção do católico romano Jean Riviere, ninguém, no 20°
século escreveu tão longamente e durante tão grande número de anos sobre o assunto. Taylor
sustenta que a obra de Cristo era “representativa”, mas rejeita o seu caráter substitutivo.
371
God Was in Christ (New York, 1948). Baillie luta com o problema da definição de uma teoria que
seja objetiva e ainda assim evite a noção de sacrifício, substituição e propiciação.
146
que é o pecado, e também do que é capaz o coração humano. Aqui a arrogância última
do ser humano se desmascara. Somos expostos e tornados conhecidos. Temos de
reconhecer que somos criaturas orgulhosas, que desejam ser Deus e senhoras.372 Com
razão observa Brunner: “Somente junto a cruz de Cristo pode o homem ver claramente o
que o separa de Deus... Em parte alguma que não aqui, a inviolável santidade de Deus,
a impossibilidade de se passar por alto a culpa do homem, aparece mais claramente”.373
3. O julgamento do pecado por Deus. Mas a cruz de Cristo não somente nos
revela o que o pecado é, como também declara o que Deus pensa a respeito do mesmo.
Aqui se revelam o pensamento e o julgamento de Deus em relação ao pecado. O
pecado não pode ser tolerado. Se, conforme observamos antes, o amor deve lidar com o
pecado, não deve existir qualquer atenuação quanto à eterna diferença entre o certo e o
errado. De fato, o amor lidou com o pecado sob uma forma que se recusa a minimizar a
gravidade deste. Na cruz, o mesmo ato que mediou o perdão também proclamou o juízo.
A misericórdia não substitui a justiça; antes, tornou-se justiça. O perdão ali estava, pleno
e gratuito; mas a própria maneira de agir da perdoadora graça de Deus, foi a inapelável
condenação do pecado para sempre.374
4. A dimensão substitutiva. Finalmente, na cruz Deus não apenas revela
aquilo que com justiça merecemos, como ainda fez repousar sobre Seu Filho aquilo que
cada pecador trouxe ,sobro si mesmo através da rebelião contra Deus, isto é, a morte,
que de outra forma, teria eliminado a sua existência. Esta solução para o problema do
pecado foi o voluntário sacrifício da parte de Cristo. Voluntariamente Ele suportou os
pecados do mundo e depôs Sua vida de modo a poder trazer vida e imortalidade ao
mundo.
A cruz, portanto, possui uma dimensão objetiva. Na morte de Cristo, Deus
efetivamente empreende algo, e algo absolutamente necessário e que o pecador não
pode fazer de si mesmo - algo que procede do amor de Deus e do amor de Cristo, e que
torna possível ser Deus misericordioso e justo ao mesmo tempo. Se o homem, em
arrependimento, se volve para Deus - não importa quão pecaminosa seja a sua vida -
por conta de Cristo é ele considerado justo. A justiça de Cristo é aceita em lugar do
fracasso do pecador; este é aceito diante de Deus como se jamais houvesse pecado.
Aqui está o ato substitutivo que ocupa posição central em o NT, quanto à
compreensão da cruz. O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo não é qualquer
outro ser, senão a eterna Palavra através de quem todas as coisas foram criadas. Desta
forma, a expiação foi operada no coração e na vida do próprio Deus. A cruz significa que
é Deus quem, em termos finais, paga o preço por nossos atos repugnantes. Os pregos
cravados nas mãos de Cristo traspassaram o coração de Deus, pois, no dizer de Paulo,
“Deus estava em Cristo” (II Coríntios 5:19). O pecador penitente agora está reconciliado
com Deus.
Parece-me que qualquer conceito de expiação que fracasse em considerar com
seriedade estes aspectos, terá de ser responsabilizado por isto.
Neste ponto mais uma dimensão deve ser mencionada. A morte substitutiva de
Cristo não deve ser entendida como uma transação totalmente legal e externa, uma
372
Karl Barth, IV/1:515.
373
E. Brunner, p. 452.
374
J. S. Stewart, A Man in Christ (New York, 1955), p. 233. Em comentário de J. S. Whale, Jemos
que “o perdão não é inteligível e nem mesmo digno de credito a menos que a justiça seja vindicada e
a culpa confirmada” (Victor and Victim /Cambridge, 1960/, p. 190).
147
10.6. CONCLUSÃO
O que devemos dizer de tudo isto? Esta breve investigação das evidências
bíblicas relacionadas com a morte de Cristo e suas subseqüentes interpretações ao
longo de dois milênios de história cristã têm, espero eu, nos impressionado quanto aos
seguintes aspectos: (a) quão deficiente é a melhor das teorias humanas na tentativa de
expressar toda a verdade a respeito deste assunto de central importância; (b) que
praticamente todas as teorias - a legal e objetiva, a moral e subjetiva, a dramática e
vitoriosa - contém certos elementos de verdade, cuja negligência pode prejudicar
seriamente a plenitude do ensinamento bíblico a este respeito; (c) o fato de que as
metáforas bíblicas sobre as quais foram traçadas estas teorias, devem prosseguir
servindo-nos como fonte e corretivo diante de qualquer tentativa de proclamar a “palavra
da cruz”.
375
Na igreja primitiva os discípulos eram seguidores do “Caminho”. Veja Atos 9:2; 16:17; 18:25-26;
19:23; 22:4.
376
Gálatas 2:20 nos faz lembrar que fomos “crucificados com Cristo”; Romanos 6:1-11 diz que fomos
batizados “na morte de Cristo”. Os crentes são também admoestados a reproduzir a mente de Cristo,
sobretudo no tocante a Sua mais completa auto-renúncia (Filipenses 2:5-11). De fato, eles são
descritos como havendo morrido em Cristo (Colossenses 2:20).
377
Frank Stagg, New Testament Theology (Nashville, 1962), pp. 145-147.
148
378
Isto num tempo de estruturas feudais, com a honra prometida pelo vassalo ao senhor, o que
estimulou as imagens da satisfação e formulações de Anselmo; o crescente nacionalismo dos séculos
16 e 17, com seus padrões de lei e justiça, trouxeram à proeminência a metáfora da corte de justiça e
a teoria penal. Dois séculos mais tarde, um período de grande reação contrária ao conceito judicial da
expiação e o desenvolvimento dos aspectos antropológicos na compreensão dos indivíduos quanto à
pessoa de Cristo, preparou a rejeição da expiação objetiva e reconciliação correlata, efetuada através
da modificação das condições morais do pecador.
379
Alguns têm igualmente fracassado em compreender e reconhecer que as analogias bíblicas não
podem ser levadas a corresponder ao quadro real em todos os pontos.
380
Alexandre Vinet, Etudes et méditations évangéliques (Lausanne, 1952), II:248, 255. Tradução de
Roger Nicole, “The Nature of Redemption”, Christian Faith and Modern Theology, edição de C. H. F.
Henry (New York, 1954), p. 222.
149
I. Introdução
II. A Interpretação Metafórica
III. Critica da Interpretação Metafórica
IV. A Interpretação Realística (Literal)
/London, 1970/).
388
CT. Moffatt, página xxxi: “O autor escreve a partir de sua própria filosofia religiosa; ou seja, sua
própria entre os autores do NT. O elemento filosófico de seu ponto de vista quanto ao mundo e a
Deus, é fundamentalmente platônico”.
389
O Desejado de Todas as Nações, pp. 165-66.
390
The SDA Bible Commentary, vol. 6, p. 1077.
391
O Grande Conflito, p. 416 (25° edição).
152
por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo Céu, para agora comparecer por nos
perante a face de Deus‟” (Hebreus 9:24).
“O ministério do sacerdote, durante o ano todo, no primeiro compartimento do
santuário, „para dentro do véu‟ que formava a porta e separava o lugar santo do pátio
externo, representa o ministério em que Cristo entrou ao ascender ao Céu. Era a obra
do sacerdote no ministério diário, a fim de apresentar perante Deus o sangue da oferta
pelo pecado, bem como o incenso que ascendia com as orações de Israel. Assim
pleiteava Cristo com Seu sangue, perante o Pai, em favor dos pecadores, apresentando
também, com o precioso aroma de Sua justiça, as orações dos crentes arrependidos.
Esta era a obra ministerial no primeiro compartimento do santuário celeste.
“Para ali a fé dos discípulos acompanhou a Cristo quando, diante de seus olhos,
Ele ascendeu. Ali se centralizava sua esperança, e esta esperança, diz S. Paulo, „temos
como âncora da alma segura e firme, e que penetra até ao interior do véu, onde Jesus,
nosso Precursor, entrou por nós, feito eternamente Sumo Sacerdote‟. „Nem por sangue
de bodes e bezerros, mas por Seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário,
havendo efetuado uma eterna redenção‟ (Hebreus 6:19 e 20; 9:12).
“Durante dezoito séculos este ministério continuou no primeiro compartimento do
santuário”.392
Em contraste, a interpretação “metafórica” ou “espiritualizante” (utilizaremos
estes termos de forma intercambiável nesse estudo, sempre em oposição à
interpretação “realística” ou “literal”) apresenta os seguintes conceitos: (1) Não existe
real santuário no Céu - o “santuário celestial” é uma metáfora para o “universo”; (2) não
existe real sacerdócio celestial de Cristo - a linguagem é eventualmente interpretada em
termos subjetivos, a fim de significar que experiência cristã da salvação (mesmo alguns
intérpretes conservadores por vezes chegam a esta conclusão);393 (3) não existe
“purificação” do santuário celestial; portanto, não há possibilidade de se fixar 1844 como
indicativo de um evento celestial objetivo, que representasse o início de uma nova fase
do ministério celestial objetivo de Cristo.
É possível que alguns estudiosos adventistas do sétimo dia tenham sido
influenciados, no estudo de Hebreus, pela escola metafórica de interpretação.
Evidentemente a pessoa poderia argumentar que semelhante ponto de vista não
necessariamente sinaliza à um abandono de nossa histórica doutrina do santuário -
seria possível apelar a Daniel e Apocalipse como base de sustentação. Pareceria,
entretanto, que se interpretarmos Hebreus metaforicamente, essa doutrina seria
seriamente enfraquecida; de modo bem claro é Hebreus que, diante de sua exposição,
apresenta as mais poderosas declarações bíblicas em apoio a um verdadeiro santuário
e ministério no Céu.
Neste capitulo, portanto, abordaremos esta questão extremamente básica para a
compreensão de Hebreus: A linguagem cultual de Hebreus deve ser interpretada
metaforicamente (espiritualmente), ou de forma realística (literal)?394 Avançaremos em
três passos: (1) a argumentação em favor da interpretação metafórica (2) uma crítica do
ponto de vista metafórico e (3) a argumentação em favor de uma interpretação
392
Ibidem, pp. 419-420.
393
Observe, por exemplo, como F. F. Bruce, em seu comentário de Hebreus (The Epistle to the
Hebrews /London, 1971/) parece favorecer um santuário celestial real em Hebreus 8:1-5, mas em
10:19-22 alegoriza o véu, apresentando-o como a carne de Cristo.
394
Nota: Este capítulo não apresenta as declarações de Ellen G. White relativas a Hebreus. Estas
declarações por si mesmas levantam algumas questões, embora obviamente sempre relacionadas
com um santuário celestial real. As questões levantadas por suas declarações são analisadas em
outro capitulo de The Sanctuary and the Atonement (editores: A. V. Wallenkampf e W. R. Lesher
/Washington, DC, 1981/).
153
realística.
Os argumentos em favor deste ponto de vista podem ser classificados tanto sob
o aspecto conceitual quanto exegético. Ou seja, apela-se numa ampla frente à
cosmologia de Hebreus, enquanto versos específicos envolvendo linguagem cultual são
aduzidos como sendo chaves para o intento metafórico do documento. Analisaremos
cada um destes pontos por vez.
compartilha com Filo e Platão o dualismo cosmológico pelo qual o invisível é, em termos
últimos, o real - aquilo que se percebe é apenas transitório. Hebreus 8:2 fala de
alēthinos - o genuíno, ou real - enquanto que ao longo do capítulo 11 se esboça o
contraste entre o terrestre, que é temporário e, em termos últimos, irreal - ainda que
visível - e o celestial, que é o permanente de Deus e, em termos últimos, real - ainda
que invisível.400
A idéia de ir à procura de Filo a fim de encontrar a chave conceitual para
Hebreus, possui forte tradição entre os comentaristas. Moffatt, no ICC,401 é
provavelmente o mais influente destes. Entretanto, ainda que a relação com Filo não
seja diretamente reconhecida, os exegetas muitas vezes traem pelo menos sua adesão
parcial a esta interpretação.
Recente dissertação em Harvard, The Intermediary World and Patterns of
Perfection in Philo and Hebrews,402 de autoria de, L. K. K. Dey, argumenta
extensivamente em favor do mundo de Hebreus à moda de Filo. Avançando para além
dos velhos argumentos baseados nos capítulos 8, 9 e 11, a análise dos capítulos 1 a 7
raciocina que a discussão de anjos, Moisés, “perfeição”, Arão e Melquisedeque - todos
provêm das bases oferecidas pelas categorias de Filo.403
Assim, pois, se Hebreus estiver utilizando a linguagem do santuário celestial e
sua liturgia do modo como Filo o faz (embora num sentido cristianizado, a fim de
oferecer o lugar de honra a Cristo), seria grave erro entender, a partir do documento,
que existe um templo e um trabalho real /no Céu/.
400
Veja especialmente Hebreus 11:1, 2, 6, 7, 10, 13-16, 26-27, 30-40.
401
Veja o n° 387.
402
SBL Dissertation Series 25 (Missoula, MT, 1975).
403
É significativo que Dey não tente abranger Hebreus 8 a 10 em sua tese.
404
A. P. Salom (“ta hagia in the Epistle to the Hebrews”, AUSS 5 /Janeiro de 1967/: 60), sustenta que
dos 170 usos de to hagion, 142 referem-se ao santuário em geral. Veja o Apêndice A para a
reimpressão deste artigo.
405
Ant. III. 6:4; III, 7:7.
406
Moffatt, p. 113.
155
407
O mesmo ocorre em Schierse, pp. 29-33.
408
Veja também U. Luk, “Himmlisches und Irdisches Geschehen im Hebrärief”, NovT (1963), p. 211.
409
Hebreus 9:11-12 forma uma sentença contínua; portanto, argumenta-se que dia deveria ser
usado consistentemente em toda ela (ou seja, de modo instrumental).
410
Luk, pp. 209-10.
411
É interessante observar o modo como G. W. Buchanan (To the Hebrews, AB /New York, 1972/)
manuseia esta passagem. Seu comentário opõe-se rigidamente à visão metafórica em seu todo,
argumentando em favor de uma interpretação extremamente literalística. Aqui, entretanto, ele sugere
que a frase “isto é, Sua carne” representa uma glosa posterior - certamente, esta é uma resposta
fraca!
412
N. Dahl, “A New and Living Way”, Int., 5:401-12.
156
413
Ele pertence, de fato, ao pensamento do antigo Oriente Próximo em geral.
414
R. Williamnson, “Platonism and Hebrews”, SJT 16 (1963): 419.
415
Hebreus 6:4; 9:7, 26-28; 10:2; 12:26-27 (hapax); Hebreus 7:27; 9:12; 10:10 (ephapax).
157
lugar, o Seu auto-sacrifício no Calvário. Estas duas realizações O habilitam a iniciar Seu
ministério celestial.
Diante destas idéias, vê-se que a linguagem de Hebreus diverge fortemente do
modelo de Filo. Não mais podemos prender-nos a uma ordem celestial eterna, imutável
e jamais modificada, vastamente distante e intocada pelos eventos desta Terra.416
3. O terceiro ponto é ainda mais drástico. “Era necessário, portanto, que as
figuras das cousas que se acham nos céus se purificassem com tais sacrifícios, mas as
próprias cousas celestiais com sacrifícios a eles superiores” (Hebreus 9:23). O
pensamento de que houvesse qualquer necessidade de modificar as coisas celestiais, é
algo de fazer titubear a mente, e até se pode entender que confunda por completo a
alguns comentaristas!417 O modelo platônico, sozinho, é claramente inadequado aqui.
Parece assim que Hebreus, embora empregando terminologia e alguns
conceitos paralelos aos utilizados por Filo, possui seu próprio conteúdo de significado
distinto. Deveria a obra ser estudada quanto a seus próprios termos, sem relação com
idéias de Filo. Alguns intérpretes recentes de Hebreus tem reexaminado a alegada
relação com Filo e chegaram a um veredito negativo. Foi esta a conclusão de Ronald
Williamson em sua dissertação, Philo and the Epistle to the Hebrews,418 que versou
sobre esse tópico especifico. A. McNicol, em The Relationship of the Image of the
Highest Angel to the High Priest Concept in Hebrews,419 igualmente argumenta em
sentido contrário a uma base de Filo para a epístola
Temos agora de examinar o material exegético. Havendo já assegurado que a
estrutura conceitual de Hebreus diverge da de Filo, temos ainda de testar a linguagem
cultual a fim de ver se ela está sendo usada sob uma forma espiritualizante. Examinare-
mos, portanto, aquelas passagens previamente identificadas como sendo as que,
pretensamente, apresentam evidência em favor da conexão com Filo.
como. tēs skēnēs tēs alēthinēs (“do verdadeiro tabernáculo”). Esta referência, sozinha,
pareceria capaz de negar a interpretação metafórica de 9:11.
O que dizer, pois, da força de dia no verso 11? O tantas vezes repetido
argumento da consistência - ou seja, uma vez que no verso 12, dia possui claramente
um sentido instrumental (“pelo Seu próprio sangue”), deve o termo ter o mesmo sentido
no ponto anterior desta longa sentença (ou seja, no começo do verso 11) - não é
correto. Foi claramente demonstrado que em outras partes do NT a mesma preposição
pode funcionar em diferentes sentidos, mesmo quando em sucessão imediata.427
Assim, dia no verso 11 deve ser interpretada localmente. Temos uma descrição de
Cristo ascendendo ao santuário real, o celeste. A passagem é paralela a 4:14, “grande
sumo sacerdote que penetrou os céus”; a 6:19-20, “Jesus... entrou... além do véu”; a
8:1-2, “possuímos tal sumo sacerdote, que Se assentou à destra do trono da Majestade
nos céus”; e a 9:24-25, “Cristo não entrou em santuário feito por mãos... porém no
mesmo Céu.”
4. “Pelo véu, isto é, pela Sua carne” (10:19-20). É aqui que a interpretação
metafórica procura seu último ponto de apoio. Ao exame, contudo, este ponto de vista,
que ao leitor casual da KJV parece convincente, é impossível. Se queremos dizer que
katapetasma é igual a carne, o que faremos com as anteriores referências ao véu? O
“segundo véu” de 9:3 é indubitavelmente uma cortina literal, o divisor entre o lugar santo
e o Lugar Santíssimo do santuário do VT. A passagem de 6 :19-20 , adicionalmente,
não pode ser interpretada alegoricamente. Cristo, como nosso precursor, entrou “além
do véu... tendo-Se tornado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de
Melquisedeque”. Diante de nenhum esforço de imaginação pode katapetasma (“véu”)
igualar-se aqui à carne de Cristo. Deve-se assegurar um uso local, e observe os
paralelismos entre 6:19-20 e 10:19-20, 22:
6:19-20 10:19-20, 22
Confiança, ”âncora da alma” Plena certeza de fé
Cristo entrou Cristo inaugurou
Sumo sacerdote Grande sacerdote
Véu Véu
Precursor Por nós... aproximemo-nos
Como, pois, deveremos entender a expressão “pelo véu, isto é, pela Sua carne”?
Somente podemos entendê-la mediante o reestudo de 10:19-20 em sua totalidade.
Simplesmente porque “isto é, pela Sua carne” segue imediatamente katapetasmos, não
necessariamente significa isto que esta palavra deve estar vinculada àquela em sentido.
A alternativa é ver hodon (“caminho”) como o ponto de referência, conforme o fizeram
os tradutores da NEB – “Assim, meus amigos, o sangue de Jesus nos torna livres para
entrarmos audaciosamente no santuário pelo novo e vivo caminho que Ele abriu para
nós através do véu, o caminho da Sua carne” (10:19-20).
Argumento adicional foi suprido por Jeremias,428 que convincentemente
destacou a estrutura em quiasma do texto de 10:19-20, e isto mostra que hodon deve,
de fato, ser vinculado com o significado de tout‟ estin tes sarkos autou (isto é, da Sua
carne).
427
O. Hofius, “Inkarnation und Opfertod Jesu nach Hebr 10, 19f.”, Der Ruf Jesu und die Antwort der
Gemeinde, edição de E. Lohse, C. Burchard e B. Schaller (Göttingen, 1970), pp. 132-141.
428
J. Jeremias, “Hebräer 10:20 - tout éstin tés sarkos autou”, ZNW 62 (1971): 31. Este artigo oferece
apoio à conclusão anteriormente alcançada por O. Hofius (n° 46).
160
Verso 19 Verso 20
(a) pelo novo e vivo caminho
(a) para entrar no
(hodon prosphaton kai zōsan)
(eis tēn eisodon)
(b) pelo véu
(b) Santo dos Santos
(dia tou katapetasmatos)
(tōn hagiōn)
(c) isto é, pela Sua carne
(c) pelo sangue de Jesus.
(tout‟ estin tēs sarkos autou)
(en tō haimiti lēsou)
Assim, após o exame de cada uma das passagens de Hebreus que são citadas
como pretensamente oferecendo apoio à interpretação metafórica do culto celestial,
vemos que elas não provêem o apoio tantas vezes imaginado.
429
Johnsson, Defilement and Purgation.
430
Hebreus 2:1-4; 3:7 a 4:16; 5; 11 a 6:18; 10:32-39; 12:1 a 13:21.
431
Test. of Levi 3:5-7.
161
santos”.432 “Aproxima-te de Deus e do anjo que intercede por ti, pois ele é um mediador
entre Deus e o homem”.433
Ao mostrar estes paralelos, não queremos sugerir que Hebreus depende de tais
fontes não bíblicas. Efetivamente, a apresentação de Hebreus é singular em seu caráter
cristão e cristocêntrico. Em vez de ministros angélicos, o livro reconhece apenas um
Sumo Sacerdote - Jesus Cristo. Em vez de exaltar Melquisedeque, mostra o livro que
este meramente tipificava a Cristo.434 Contudo, estando conscientes destas outras
idéias relativas ao culto celestial, paralelamente ao cristianismo do primeiro século,
vemos sua utilidade em pelo menos dois aspectos: (1) Estamos em melhores condições
de compreender a linguagem cultual de Hebreus; ao passo que o texto compartilha de
conceitos encontrados nos apocalipticistas, assim como dos de Filo, não se pode
considerar que o livro é inspirado em Filo, sem séria qualificação. (2) Podemos
compreender a preocupação de Hebreus em analisar o papel dos anjos e o de
Melquisedeque.435
Finalmente, segundo parece claro, uma interpretação realística/literal da
linguagem cultual de Hebreus é requerida pela evidência do texto. Até que ponto
deveríamos ser literalísticos? Por exemplo, ao lermos sobre o “sangue” de Cristo,436
deveríamos entendê-lo como o Seu sangue real, sendo oferecido no santuário
celestial? Somos conduzidos, assim, a vislumbrar três possíveis formas de interpretar
Hebreus: (1) a visão metafórica ou espiritual, que é deficiente, conforme tentamos
demonstrar no presente capítulo; (2) a visão literalística, na qual cada termo possui
valor literal - diante do santuário celestial, o terrestre seria uma miniatura em todos os
aspectos; e (3) a visão literalizante, na qual a realidade do santuário e do ministério
celestial deveriam ser mantidos para a salvaguarda da objetividade do trabalho de
Cristo, mas em que detalhes precisos deste santuário poderiam não nos ser claros.
Em meu juízo, o livro de Hebreus não nos ajuda decisivamente na solução de 2
e 3, citados acima. Embora o argumento não necessariamente exclua a possibilidade
de ser o santuário celestial uma versão glorificada do terrestre, deveríamos observar o
seguinte: (1) O celestial é o genuíno, o verdadeiro, de modo que deveríamos ver o
terrestre à luz do celestial, e não ao contrario.437 (2) Em 9:24 lemos apenas “céu”,
certamente uma descrição demasiado curta e geral. (3) A falta de interesse em estabe-
lecer linhas de comparação entre o santuário terrestre e o celestial é demonstrada nas
concisas palavras de 9:5. E (4) a ênfase em 9:1 a 10:18 recai sobre o trabalho realizado
por Cristo; parece não haver interesse em oferecer detalhes quanto aos aspectos que
lhe estão à volta. Portanto, é aparente que, ao mesmo tempo em que afirmamos a
realidade do santuário celestial no livro de Hebreus, estamos diante de relativamente
pouco dados literais quanto à sua aparência.
432
Jubilles 31:14.
433
Test. of Dan. 6:2.
434
Existem fortes evidências quanto à exaltação de Melquisedeque no âmbito da seita de Qumran.
435
Um dos Manuscritos do Mar Morto faz referência à obra mediatória de Melquisedeque no
santuário celestial.
436
Hebreus 9:12, 14; 10:19, 29; 12:24; 13:12, 20.
437
Hebreus 8:1-5.
162
I. Introdução
II. O Tratamento de Ballenger Para "Além do Véu"
III. Alusões ao Dia da Expiação em Hebreus
IV. Interpretações das Alusões ao Dia da Expiação
164
Lesher (Washington, DC, 1981), pp. 582-603; reimpresso em Frank B Holbrook, editor, Doctrine of the
Sanctuary: A Historical Survey (Washington, DC, 1988), Apêndice B.
450
Ballenger, pp. 20-21.
451
Ibidem, pp. 21-27.
166
porque Eu sou o Senhor que os santifico" (Levítico 21:23); e (2) "Mas tu e teus filhos
contigo atendereis ao vosso sacerdócio em tudo concernente ao altar, e ao que
estiver para dentro do véu, isto é vosso serviço; Eu vos tenho entregue o vosso
sacerdócio por ofício como dádiva; porém o estranho que se aproximar morrerá"
(Números'18:7).
Adicionalmente, deveríamos observar que o segundo véu nem sempre é
designado apenas como "o véu", ou seja, pelo termo pārōket, sem aplicação: "o véu
que está diante do testemunho" (Êxodo 27:21), "véu que está diante da arca do
testemunho" (Êxodo 30:6), "véu do reposteiro" (Êxodo 35:12), "véu do reposteiro"
(Êxodo 39:34), "véu do reposteiro" (Êxodo 40:21), "véu do santuário" (Levítico 4:6),
"véu que está diante do testemunho" (Levítico 24:3) e "véu de cobrir" (Números 4:5).
Assim, embora os dados do VT apóiem Ballenger aqui, ele superestimou o
argumento ao declarar que "o Senhor invariavelmente aplica o termo /'véu'/ à cortina
que separava o Santo do Santíssimo. Jamais Ele identificou a primeira cortina como
'o véu‟ nas Escrituras hebraicas... O Senhor foi cuidadoso em nomear as duas
cortinas, dando a uma delas o nome 'a porta do tabernáculo' e á segunda o nome de
„véu'".452
452
Ibidem, p. 27.
453
Ibidem.
454
Ibidem, pp. 27-28. Sinto-me endividado para com um estudante doutoral da Andrews University,
Lloyd A. Willis, por haver trazido este ponto a lume.
455
Veja Êxodo 38:18; 39:40; Números 3:26; 4:32; veja também o Apêndice B deste volume.
167
O apelo final de Ballenger dirige-se ao prório NT.458 Suas citações partem dos
três relatórios sinópticos quanto ao "rasgar do véu'' quando da morte de Cristo
(Mateus 27:50-52; Marcos 15:37-38; Lucas 23:44-45). Evidentemente, em todos
estes casos ele encontrará "o véu do templo", e não apenas "o véu". As passagens
provavelmente se refiram ao segundo véu; contudo, esta seção não faz avançar
significativamente o argumento. As três últimas referências a katapetasma em o NT
provêm do livro de Hebreus (6:19-20; 9:3; 10:19-20).
456
Ballenger, p. 29.
457
Ibidem, p. 30 (itálicos supridos).
458
Ibidem, pp. 30-34.
168
Hebreus 6:19-20 de per se; deveria ele haver considerado as alusões ao Dia da
Expiação presentes no livro de Hebreus. É isto que pretendemos fazer agora.
459
Veja F. F. Bruce, The Epistle to the Hebrews (Grand Rapids, 1971), pp. 203-4.
170
460
Os autores do NT equilibram a esperança da Parousia e o cumprimento final do plano da
redenção com aquilo que foi realizado ou inaugurado pelo Primeiro Advento na cruz, ou seja, o tema
do "reino".
461
Veja Primeiros Escritos, pp. 244, 251-54; O Grande Conflito, pp. 352, 400, 421-22, 433, 480, etc.
(paginação do original).
462
O Desejado de Todas as Nações, p. 727 (139 edição).
463
The SDA Bible Commentary, voI. 5, p. 1109.
464
Ibidem.
465
Carta n° 329, 1905.
171
466
Ellen White apresentou reiteradas advertências contra os ensinos de A. F. Ballenger, sem indicar
em que áreas sem particular ele se achava em erro. Ás seguintes declarações são representativas:
"Não existe verdade nas explanações das Escrituras que o irmão Ballenger e seus associados estão
apresentando. As palavras são corretas, mas estão sendo mal aplicadas a fim de vindicar o erro. Não
devemos prestar atenção ao seu raciocínio. Ele não está sendo conduzido por Deus... Sou instruída a
dizer: 'Irmão B., suas teorias, que possuem tantas finas tramas e necessitam de tantas explanações,
não são verdadeiras, e não devem ser apresentadas ao rebanho de Deus'". - MS Release 737 (20 de
Maio de 1905). "Se as teorias que o irmão B. apresenta, fossem recebidas, levariam muitos a se
desviarem da fé. Elas operariam em sentido contrário às verdades sobre as quais o povo de Deus
tem estado em pé durante os últimos cinqüenta anos. Sou instada a dizer, em nome do Senhor, que o
irmão B. está a seguir uma falsa luz. O Senhor não lhe concedeu a mensagem que ele está
apresentando, em relação ao serviço do santuário". - MS 62, 1905 (24 de Maio de 1905). “O irmão B.
pensa que possui nova luz, e sente-se sob o fardo de apresentá-la ao povo; mas o Senhor instruiu-
me de que ele está aplicando mal os textos das Escrituras, dando-lhes uma aplicação errada.
'Arrependa-se da inclinação de distinguir a si próprio como um homem que possui grande luz. Sua
suposta luz foi-me apresentada como sendo trevas, as quais conduzirão a estranhos caminhos'". -
MS 145, 1905. "Assim os irmãos vêem que nos é impossível ter qualquer acordo com as posições
assumidas pelo irmão A. F. Ballenger, pois a mentira não pode estar em companhia da verdade. Suas
provas não pertencem ao lugar em que ele as coloca, e ainda que ele possa levar mentes a crerem
em suas teorias relacionadas com o santuário, não existem evidências de que sua teoria seja a
verdade." - Carta 50 (30 de Janeiro de 1906).
467
Ballenger, p. 45.
468
Ibidem, p. 56.
469
Ibidem, p. 83.
470
Ibidem, pp. 45-46.
471
Ibidem, p. 56.
472
Ibidem, pp. 40-41.
473
Andross, p. 53.
172
474
William G. Johnsson, Defilement and Purgation in the Book of Hebrews (Dissertação de Ph. D.
não publicada, Vanderbilt University , 1913), capítulo 4.
173
dos pecados.
Foi assim que todo o culto antigo, com o passar do tempo deveria ser posto
de lado, de acordo com o divino plano ("até ao templo oportuno de reforma", 9:10).
Se o sistema sacrifical fica aquém das necessidades em seu mais alto ponto, deve-
se considerar toda a estrutura como inadequada. Entretanto, diz Hebreus, a boa
nova é que existe melhor sangue! Tudo aquilo que o velho sistema falhou em
conseguir, em virtude de suas insuficiências inerentes, tudo o que os repetidos dias
de expiação não foram capazes de realizar, agora foi obtido através do Calvário. Em
lugar de muitos sacrifícios repetidos, existe um sacrifício, apresentado de uma vez
por todas. Por este único ato, todas as barreiras entre Deus e o homem foram
abolidas, de modo que agora podemos comparecer ousadamente a presença de
Deus. Finalmente foi oferecido um sacrifício capaz de prover a mais completa
purificação dos pecados.
As referências de Hebreus, ao Dia da Expiação, portanto, não se destinam a
mostrar que o dia antitípico da expiação começou na Ascensão (contrariando
Ballenger), nem a sugerir uma breve entrada no santíssimo a fim de inaugurá-lo
(contrariando Andross) nem a sugerir o estabelecimento do primeiro cumprimento do
ponto alto do VT, iniciando-se o cumprimento pleno em 1844 (não abordado em
Hebreus). Em vez disso, o argumento gira em torno do valor relativo do sacrifício,
contrastando o ápice do culto do VT com as muito melhores realizações de Jesus
Cristo no Calvário. Do modo como o vejo, o elemento tempo em nenhum momento
está sob exame aqui (9:1-5 já deveria ter-nos afastado da tentativa de raciocinar do
tipo para o antítipo nesta seção). A comparação e contraste, conforme claramente
apresentada em 9:13-14, centraliza-se na eficácia do sacrifício.
Conforme observamos sob a primeira interpretação das alusões ao Dia da
Expiação, Ellen White por vezes emprega a linguagem de Hebreus do “novo e vivo
caminho" e do "véu". Ao assim fazer, ela compartilha as concepções de Hebreus -
um Sacrifício que proveu a total purificação do pecado e o desimpedido acesso a
Deus.
12.6. CONCLUSÃO
475
Por exemplo, edições de The Open Gates of Heaven (Ann Arbor, MI, 1969 e 1972) e de seu
sucessor, Interpreting the Book of Revelation (Worthington, OH, 1976 e Naples, FL, 1979); também
"Apocalyptic Prophecy and the Church", Parte I, em Ministry, Outubro de 1983. pp. 22-23. Veja
especialmente a discussão em Interpreting, pp. 43-51, e o diagrama à pagina 52. A divisão exata
entre blocos de textos, no Apocalipse, tem várias vezes sido modificada levemente, no presente
artigo, em relação à forma em que tais divisões aparecem em publicações anteriores.
476
Tais intérpretes aparentemente chegaram à conclusão de que, sendo o número sete um símbolo
importante no Apocalipse - pois ocorre explicitamente quatro vezes: igrejas, selos, trombetas e taças -
deve ele ser também apoiado por sete visões básicas. Quanto a exemplos da abordagem de sete
visões, veja Ernst Lohmeyer, Die Offenbarung des Johannes (Tübingen, 1926); John Wick Bowman,
The Drama of the Book of Revelation (Philadelphia, 1955) e "Revelation" em IDB 4:64-65; e Thomas
S. Kepler. The Book of Revelation (New York, 1957). Lohmeyer e Bowman encontraram septetos,
igualmente, dentro de suas sete grandes visões, embora eles não concordem nem mesmo quanto ao
que são as sete grandes visões. Kepler, por outro lado, encontrou apenas um total de dez subseções
(identificadas como "cenas") dentro de suas sete grandes visões (cujos limites variam apenas
levemente em relação aos limites das sete grandes visões esboçadas por Bowman).
175
Neste ponto é útil procurar uma visão geral do conteúdo de cada uma das oito
visões. Os sumários aqui apresentados, seguem as linhas gerais de estrutura acima
indicadas. Deve ser enfatizado que estes são realmente resumos, e o leitor
encontrará detalhes ao consultar os textos indicados para cada visão.
477
Apresentado no AUSS, vol. 25, n° 3, pp. 267-288. (Traduzido para o português pelo mesmo
tradutor do presente artigo. - N. do T).
478
Paul S. Minear falou agudamente deste assunto em conexão com o "interlúdio" que ocorre em
16:15. Veja a seguir a referência n° 9 e o material citado, ao qual se refere a nota.
177
trombetas, enquanto outro anjo se dirige ao altar de ouro e ali oferece incenso, cuja
fumaça, misturada às orações dos santos, ascende a Deus. Em seguida, o anjo
enche um incensário com brasas vivas do altar e lança-o sobre a Terra, o que
resulta nos símbolos de juízos: vozes, trovões, relâmpagos e terremoto.
Bloco B, Descrição Profética Básica, 8:7-9:21. Soam as seis primeiras
trombetas, liberando forças de devastação que abrangem um temporal de saraiva a
cair sobre a Terra, uma grande montanha ardente lançada no mar, etc. As cinco
primeiras destas trombetas utilizam imagens das pragas do antigo Egito, mas a
sexta trombeta desvia o foco para Babilônia, ao mencionar "o grande rio Eufrates"
em 9:14.479
Bloco C, Interlúdio, 10:1-11:13. Um anjo que segura um rolo aberto anuncia
(10:6) que "já não haverá demora”.480 João recebe ordem de comer o rolo e
obedece, descobrindo um sabor doce na boca, mas algo amargo no ventre; o profeta
é instruído a medir o templo, o altar e as pessoas (uma alusão direta, conforme
demonstrei noutra parte, ao ritual do fim do ano religioso no culto judaico antigo, o
"Dia da Expiação";481 também são descritas a carreira e o testemunho das duas
testemunhas.
Bloco D, Culminação Escatológica, 11:14.18. Soa a sétima trombeta,
resultando no anúncio de que "o reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do
seu Cristo";482 ergue-se outro cântico de louvor, o qual salienta, entre outras coisas,
que chegou o tempo do julgamento dos mortos, da recompensa dos santos e da
destruição daqueles que "destroem a Terra."
ira de Deus.
483
Paul S. Minear, I Saw a New Earth (Washington, DC, 1968), p. 150.
180
484
Veja William H. Shea, "Chiasm by Theme and by Form in Revelation 18", AUSS 20 (1982):249-
256; e Kenneth A. Strand, "Two Aspects of Babylon's Judgment Portrayed in Revelation 18". AUSS 20
(1982):53-60.
485
Veja Strand, "Two Aspects of Babylon's Judgment", pp. 55-59; para uma versão atualizada e mais
literal de Apocalipse 18:20b, veja idem, "Some Modalities of Symbolic Usage in Revelation 18", AUSS
24(1986): 43 45. Subjacente tanto a Apocalipse 18:4-8 quanto ao verso 20, acha-se a lei do
testemunho malicioso (cf. Deuteronômio 19:16-19; veja também Ester 7:9-10).
181
um fato tornado igualmente claro pelo conteúdo das antífonas das duas visões. A
primeira visão pertence claramente à era histórica, ao passo que a última pertence
de modo igualmente claro a era do julgamento escatológico.
Bloco B, Descrição Profética Básica, 19:11-20:5. É retrata do dramaticamente
o segundo advento de Cristo, sendo também apresentadas as conseqüências do
mesmo. Entre os resultados negativos enumerados, está o banquete das aves, que
consiste da carne dos inimigos de Deus (19:17-18), o destino da besta e do falso
profeta no lago de fogo (19:19 20) e a prisão de Satanás no "poço do abismo"
durante mil anos (20:1-3). Do lado positivo acham-se a primeira ressurreição e a
conseqüente nova vida dos santos martirizados. Eles vivem e reinam com Cristo
durante mil anos (20:4-5).
Bloco C, Interlúdio, 20:6. "Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na
primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade..."
Bloco D, Culminação Escatológica, 20:7-21:4. Os eventos culminantes ao
final dos mil anos são apresentados. Do lado negativo estão a soltura de Satanás, o
reaparecimento de sua obra de engano, o vão esforço de sua confederação maligna
em capturar o "acampamento dos santos", e a final destruição deste grupo pelo fogo.
Pelo lado positivo, está a visão do apóstolo, de "novo céu e nova terra", com a santa
cidade, Nova Jerusalém, descendo do céu a terra, e o próprio Deus estabelecendo o
Seu tabernáculo com Seu povo.
Com base no que vimos antes, podemos agora partir para algumas
generalizações adicionais concernentes à natureza das respectivas seções (A, B,
etc.), dentro das oito visões. Podemos também sugerir notações adicionais para a
captação destes blocos de textos, além daquilo que já foi indicado nas seções
precedentes deste artigo e no Diagrama 2.
Quando consideramos a "Cena de Introdução-Vitória" de cada uma das oito
visões, constatamos que sempre existe um pano de fundo retratando o templo ou
alguma espécie de quadro do templo.486 Portanto, nossa forma de ver a "Cena de
486
Em alguns casos o templo no Céu é mencionado explicitamente como nas cenas introdutórias às
visões IV e V; em outros casos, a alusão ao mobiliário do templo oferece evidência de ser o templo o
cenário, mesmo que a palavra "templo" não ocorra, tal como nas cenas das visões I, II e III. As únicas
cenas introdutórias que não possuem uma indicação tão clara às imagens do ambiente do templo,
são as visões VI e VIII. No caso da primeira, contudo, existe no verso precedente (16:17, a última
praga, mas também um "elemento de ligação" com o que segue) a menção a uma voz provinda "do
templo, do trono". Com relação à visão VIII, existe uma referência ao que está "assentado no trono" -
identificado previamente como Deus em Seu templo (cf., por exemplo, 4:2-11, 19:1-5); mais que isto,
182
13.6. CONCLUSÃO
Neste artigo observamos que existe uma estrutura literária muito consistente e
equilibrada no livro de Apocalipse. Esta estrutura não apenas possui valor e
qualidades estéticas e mnemônicas, como ainda fala significativamente da
mensagem teológica do livro. Vários aspectos da teologia serão abordados num
artigo de seguimento que explorará em maiores detalhes as "cenas de introdução-
vitória" das oito visões, mas um ponto focal teológico importante pode aqui ser
citado: A estrutura em quiasma, como um todo, enfatiza um tema de duplo aspecto
que abrange e está subjacente às várias mensagens do livro - (1) Que Cristo é o Alfa
o bloco de texto imediatamente precedente (mais uma vez, uma espécie de "elemento de ligação")
fala de Deus estabelecendo Seu "tabernáculo" na "nova terra" / "Nova Jerusalém", junto a Seu povo
(21:3). Poder-se-ia observar adicionalmente que o bloco de textos seguinte, ou "Descrição Profética
Básica" da visão VIII, declara que o templo na santa cidade ou Nova Jerusalém "é o Senhor Deus
Todo poderoso e o Cordeiro" (21:22). Meu segundo artigo desta série tratará da natureza e
significado teológico das imagens do templo que a parecem nas cenas introdutórias das oito grandes
visões do Apocalipse.
183
e o Ômega e (2) que Ele retornará ao final das eras a fim de recompensar as
pessoas de acordo com suas obras (Apocalipse 1:7-8 e 22:12-13). Em outras
palavras, Ele é um auxiliador confiável, consistente e sempre presente, que apóia
Seus fiéis durante a era histórica de adversidade (cf. Apocalipse 1:17, 8; Mateus
28:20b; João 16:33; Hebreus 12:2a; 13:8); e Ele retornará pessoalmente a fim de
desencadear as séries que destroem os "destruidores da Terra" e que provêem a
Seus fiéis seguidores a herança da "nova terra" e o cumprimento de todo o bem a
eles prometido (veja Apocalipse 11:15-18; 21:1-4, 7, 22-27; 22:1-5).487 As quatro
seqüências proféticas que precedem a linha divisória do quiasma lidam
primariamente com o primeiro aspecto, ao passo que as quatro grandes visões
subseqüentes à linha divisória são devotadas principalmente ao segundo aspecto.
Como palavra final, mais um item pode ser brevemente apresentado aqui: é
digno de nota que nas cenas introdutórias das oito visões, os quadros pictórios do
templo revelam em primeiro lugar um padrão de jurisdição terrestre na visão I
(castiçais que representam as igrejas sobre a Terra), seguido de uma jurisdição
celestial nas visões II-VII (onde aparecem tanto /a/ uma menção explícita ao "templo
no Céu" ou seu mobiliário e/ou /b/ um antecedente que indica este cenário
celestial,488 e seguido finalmente por um novo retorno à jurisdição terrestre na visão
VIII (o tabernáculo de Deus na "nova terra"/Nova Jerusalém /cf. 21:3, 221). Este é
um fenômeno surpreendente, cujo significado teológico e cuja correlação com a
ênfase da teologia geral do Novo Testamento serão apresentados no artigo
subseqüente desta série.
487
É digno de nota que os ítens das promessas feitas aos "vencedores" das sete igrejas (2:7b, 11b,
17b, 26-28; 3:5, 12, 21) são em sua maior parte mencionados outra vez especificamente em 21:5-
22:5 como já cumpridos (por exemplo, 21:27, 22:24), e também recebem uma alusão geral na
declaração de que o vencedor herdará "estas coisas" (21:7).
488
Concernente a aparente exceção no caso da visão VI, veja a nota n° 486, acima.
184
489
Kenneth A. Strand, "The Eight Basic Visions in the Book of Revelation", AUSS 25 (1987):107-121.
490
Entretanto, cumpre destacar que aqui os resumos são, em muitos casos, bem mais extensos que
os sumários paralelos, geralmente muito breves, providos em ibidem, pp. 112-117 (onde também
procurei preparar resumos para o conteúdo dos blocos B, C e D das várias visões).
186
posterior visão de Apocalipse 11, "o templo e as duas testemunhas". 491 Podem,
ainda, existir múltiplos cenários de fundo intencionais.492 Para nós, aqui, o principal
ponto, de todas as formas, é que o ambiente desta visão e suas imagens do templo
referem-se à Terra, e não ao Céu. Este fato deve estar claro a partir de duas
considerações principais: o Cristo celeste encontra João na Terra (em Patmos) e os
"castiçais" entre os quais Cristo manifesta Sua presença são igrejas sobre a Terra. O
fato de que a visão seguinte indica uma transição para o Céu, conforme veremos
quando nossa atenção se voltar para referida visão, pode ser considerado como a
terceira evidência a apontar em direção a uma jurisdição terrestre para esta primeira
cena introdutória.
Um ponto adicional digno de nota é que a cena de introdução-vitória
funciona no sentido de prover conforto e segurança aos fiéis seguidores de Cristo:
Sua presença acha-se entre eles, à medida que necessitam enfrentar as forças do
engano e da perseguição. 493 Um aspecto positivo como este é, de fato,
característico de todas as oito cenas introdutórias das grandes visões do
Apocalipse.
491
Existem indicações teológicas que favorecem a hipótese dos castiçais de Zacarias como sendo pelo
menos uma provável origem destas imagens. Veja Kenneth A. Strand, "The Two Witnesses of Rev. 11:3-
12", AUSS 19 (1981):127-135, especialmente 131-134; e cf. idem, "The Two Olive Trees of Zechariah 4
and Revelation 11", AUSS 20 (1982):257-261. Não somente dever-se-iam perceber certas afinidades
teológicas, como ainda deveria ser dada consideração a quadros de fundo adicionais (além de Zacarias 4)
para as imagens de oliveiras/castiçais de Apocalipse 11:4 - quais sejam, os pilares do templo Jaquim e
Boaz (cf. I Reis 7:21; também II Reis 11:12-14 e 23:1-3), e além destes o "pilar da nuvem" na qual o
Senhor aparecia a Moisés e Josué na "entrada" do tabernáculo do deserto (Deuteronômio 33:14-15). Se o
quadro de fundo dos sete candeeiros de Apocalipse aponta a esta direção, é o pátio - e não os dois
compartimentos do tabernáculo ou templo propriamente dito - que estaria sendo aqui focalizado (uma
possibilidade que se amplia através da consideração das implicações teológicas de Apocalipse 11:2 em
relação ao "pátio exterior" do templo). Entretanto, não devemos esquecer o fato ou possibilidade de que
existam múltiplos panos de fundo para este simbolismo dos sete candeeiros, bem como para as outras
imagens do livro de Apocalipse; cf. n° 492, abaixo.
492
Paul S. Minear, "Ontology and Ecclesiology in the Apocalypse", NTS 13 (1965-66): 96, chamou a
atenção para este fenômeno do tipo "múltiplas bases", naquilo que ele identifica como "modelo trans-
histórico" e "modo de ver e pensar abrangente, em lugar de disjuntivo". Tanto neste artigo quanto no livro I
Saw a New Earth (Washington, DC, 1968), p. 102, faz ele referência a Apocalipse 11:8, onde existe a
coalescência de várias entidades - Sodoma, Egito e Jerusalém - numa só imagem, que é a "grande
cidade". Minear sugere que "EXISTE uma cidade que em termos proféticos veio a tornar-se todas as
cidades - Sodoma, Tiro, Egito, Babilônia, Nínive, Roma..." (I Saw a New Earth, p. 102). Em vários
trabalhos e ensaios elaborei adicionalmente este fenômeno, referindo-me a ele como a "fusão" ou "junção"
de imagens. Veja, por exemplo, meu artigo "Na Overlooked Old-Testament Background to Revelation
11;1" , AUSS 22 (1984): 318-319, onde não apenas faço referência às observações perspectivas de
Minear (especialmente o n° 6, à pagina 319), como ainda acrescento alguns exemplos. Confira, da mesma
forma, a discussão em Strand, "Two Witnesses", pp. 130-131, onde mais uma ilustração foi apresenta da
em relação a isto.
493
Engano e perseguição são as duas armas básicas manifestadas pelas forças adversas ao longo do
livro de Apocalipse, da mesma forma como no Evangelho de João estas mesmas duas características
más resumem a atitude do demônio e de seus seguidores (por exemplo, em João 8:44 Satanás é
identificado como "assassino desde o princípio" e o "pai da mentira"). Encontramos proeminente
ilustração, em Apocalipse, nas mensagens às sete igrejas, onde se faz advertência contra o engano (quer
externo, quer auto-imposto) nas cartas a Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodicéia; e onde o risco de
perseguição é particularmente salientado nas cartas a Esmirna e Filadélfia. As atividades do triunvirato
anti-divino em Apocalipse 12 e 13, ilustra adicionalmente, e de modo poderoso, estas armas demoníacas
(observe, por exemplo, os "sinais" enganadores e as atividades de morte e de embargo mencionadas em
13:13-17).
188
Resumo: João vê uma porta aberta "no Céu" e ouve uma voz que o convida a
"subir até ali". Ele se recebe imediatamente "no Espírito" e vê "um trono" "no Céu", com
Alguém sentado sobre o trono (ou seja, Deus, segundo o próprio contexto e também de
acordo com outras visões do Apocalipse, que deixam claro o ponto /cf. 4:9-11; 7:10;
19:1-5/). Ao redor do trono estão vinte e quatro anciãos, também assentados em tronos;
diante do trono acham-se "sete tochas de fogo" e um "mar de vidro" semelhante a
cristal; e "no meio" e "ao redor" do trono encontram-se quatro criaturas viventes. Depois
de uma antífona em louvor a Deus por ser Ele o Criador, a cena volta-se para um rolo
selado com sete selos, e que se encontra em Sua mão -. rolo que "ninguém" era capaz
de abrir, nem no Céu, nem na Terra, nem sob a Terra. Todavia, ao progredir o drama,
foi achado um ser digno de abrir o rolo - especificamente, o Cordeiro, "como havendo
sido morto". Quando o Cordeiro toma o rolo da mão dAquele que se assentava no
trono, uma série de antífonas de louvor se erguem.
Comentário: A primeira característica surpreendente com que somos
confrontados nesta cena, é a dupla referência a uma nova jurisdição - o Céu, em
contraste com o ambiente terrestre da cena introdutória da visão I. Este cenário
celestial é, de fato, enfatizado pela dupla referência ao "Céu" - a porta aberta "no céu"
e o trono "no céu". As "sete tochas de fogo" localizariam a cena mais especificamente
no Lugar Santo, ou compartimento externo do templo celestial (o termo "templo no
céu" é usado especificamente em 11:19 e certos outros textos).494 Se o "mar de vidro"
é uma figura baseada na "pia" do tabernáculo do deserto (Êxodo 30:18; 38:8) ou no
"mar de fundição" e/ou nas dez pias do templo de Salomão (I Reis 7 :23-39), conforme
sugerem vários comentaristas, parecer-nos-ia que temos aqui imagens da "área
externa" do templo, em vez de imagens do "primeiro compartimento" do mesmo. Isto,
de per si, não traria qualquer problema quanto à declaração de que o mar está
localizado "diante do trono", pois todas as facetas da construção do templo poderiam
ser consideradas a partir desta perspectiva. É mais provável, contudo, que o pano de
fundo simbólico para este "mar de vidro" seja o "firmamento" acima das criaturas
viventes e sob o trono de Deus, em Ezequiel 1:22-28 e 10:1.495
494
As imagens relacionadas com o mobiliário do templo fornecem "chaves" para a localização e
movimentação, que foram brevemente mencionadas nos sumários de meu artigo anterior, "Oito Visões
Básicas..." pp. 112-117. Aqui elas se tornarão mais visíveis à medida que alisarmos as cenas de
introdução-vitória. Embora os dois compartimentos não sejam especificamente mencionados em conexão
com este arquétipo "templo no Céu", do tabernáculo ou templo do antigo Israel, o "mobiliário" mencionado
por certo relaciona-se a estes dois compartimentos - conforme se pode ver não apenas no VT e nas fontes
tradicionais judaicas, mas igualmente na descrição no livro neotestamentário de Hebreus (veja Hebreus
9:1-5; cf. Êxodo 25:8 e 26:30-35). Poderá parecer que a presença do trono no contexto do "compartimento
exterior", nas imagens mencionadas em Apocalipse 4, reduz o templo celestial a apenas um
compartimento, do ponto de vista "arquitetônico" (ainda que não funcionalmente), mas este não é
necessariamente o caso (e, de todos os modos, não é este aspecto de importância primaria). Veja
também o n° 11, adiante. Para uma discussão muito útil das imagens do "templo celestial" no livro de
Hebreus (discussão esta que possui também considerável importância para o caso de Apocalipse), veja
Richard M. Davidson, Typology in Scripture: AStudy of Hermeneutical TYIIOZ Structures, Andrews
University Seminary Doctoral Dissertation Series, vol. 2 (Berrien Springs, MI, 1981), pp. 336-367.
495
Robert H. Mounce, The Book of Revelation, NICNT, vol. 17 (Grand Rapids, MI, 1977), pp. 136-137,
observou adequadamente isto, e também chamou a atenção para II Enoque 3:3 e Salmo 104:3 (p. 136),
embora não fique claro se o próprio Mounce considera as imagens destas passagens como "pano de
fundo" para o "mar de vidro" em Apocalipse. Para uma análise recente, detalhada, dos quadros pictóricos
189
de Apocalipse 4 e 5, veja R. Dean Davis, "The Heavenly Court Scene of Revelation 4-5" (Dissertação de
Ph. D., Andrews University, 1986).
496
"Rolo do destino" e "livro do destino" são termos aplicados pelos vários exegetas e comentaristas a
este documento fechado com sete selos. Muitos que não utilizam esta exata terminologia, indicam o
mesmo conceito em suas discussões do rolo. Edwin R. Thiele, Outline Studies in Revelation, edição
revista (Berrien Springs, MI, 1959), p. 97 (a paginação poderá variar em outras edições), utiliza
especificamente o termo "livro do destino". Charles M. Laymon, The Book of Revelation: Its Messages and
Meaning (New York, 1960), p. 77, refere-se à cena de Apocalipse 5 como a "preparação para o destino"; e
Mounce, p. 142, fala do rolo como contendo "o relato pleno daquilo que Deus, em Sua soberania,
determinou como sendo o destino do mundo”. Entretanto, remanesce uma questão fundamental: O que se
pretende designar com o termo destino? Seria a história futura da Terra a partir da perspectiva de João?
Por outro lado, seria a recompensa escatológica que se definirá no final da história terrestre? Ou seria,
talvez, uma combinação de ambos os aspectos? William Hendriksen, More Than Conquerors: An
Interpretation of the Book of Revelation (Grand Rapids, MI, 1940), p. 109, parece haver optado pela
terceira possibilidade: O rolo,se deixado fechado, para ele sugeriria "a ausência da proteção divina para os
filhos de Deus nas horas de mais amarga prova; ausência de julgamento sobre um mundo perseguidor;
ausência do final triunfo para os crentes; ausência de novo Céu e nova Terra; nenhuma herança futura!"
Mounce, p. 142, optou pela primeira alternativa. Ao lado de Thiele, pp. 97-98, eu adoto a alternativa do
meio. Minha base para isto é a probabilidade distinta (em minha opinião) de que o pano de fundo para
este rolo selado com sete selos deva ser encontrado num dos formulários de testamento da antiga Roma,
como também no documento de propriedade de Jeremias (capitulo 32). Thiele, pg. 95-96, chamou a
atenção à documentação do conceito da referência ao testamento romano; adicionalmente, podemos
acrescentar aqui uma referência específica a tal testamento, traduzida para o inglês por Naphtali Lewis e
Meyer Reinhold, Roman Civilization, vol. 2, The Empire (New York, 1955), pp. 279-280.
497
RSV. A partir deste ponto as citações escriturísticas, em inglês, são extraídas da RSV, exceto quanto
a frases curtas ocasionais.
498
Para um estudo em nível de NT, da relação entre este altar de ouro e o compartimento interior ("Lugar
Santíssimo"), veja, por exemplo, a discussão apresentada por Harold S. Camacho, "The Altar of Incense in
Hebrews 9:3-4", AUSS 24 (1986): 5-12.
190
Cordeiro". Na segunda seção desta cena, João observa "o templo" ou "santuário do
tabernáculo do testemunho" no Céu; encontra-se aberto, e dele saem os sete anjos
com as taças da ira. O templo "se encheu de fumaça, procedente da gloria de Deus e
do Seu poder", de tal modo que "ninguém podia penetrar no santuário" até que as
sete pragas cessassem. Então ouviu-se uma voz provinda do templo, ordenando aos
sete anjos que fossem derramar sobre a Terra as taças da ira de Deus.
Comentário: Uma vez mais o ambiente da visão é o do Céu – mais
especificamente, o templo no Céu. É deste templo que emergem os sete anjos com
as taças da ira. E em conexão com este templo que antes havia sido visto o "mar de
vidro" (Apocalipse 4). É este mesmo templo que agora se enche de fumaça, Existe
uma ênfase positiva no fato de que os santos sobre o mar de vidro entoam o cântico
de Moisés e do Cordeiro, do mesmo modo como o antigo Israel havia entoado o
cântico de Moisés após seu libertamento da escravidão do antigo Egito (Êxodo 14 e
15). Existe um duplo aspecto negativo nesta cena: em primeiro lugar, os anjos levam
consigo taças de ira a partir do templo, com instruções para derramá-las sobre a
Terra; em segundo lugar, o templo enche-se de fumaça durante o tempo das pragas,
a ponto de ninguém poder nele penetrar - sem dúvida, uma sugestão de que não
haverá ministério de misericórdia no templo durante este período.500
Resumo: Depois de haver o sétimo anjo lançado no ar sua taça, "saiu grande
voz do santuário, do lado do trono", declarando: "Feito está" (16:17). (Este pode ser
considerado como uma espécie de elemento de transição, que conclui a sétima
praga e introduz esta nova cena- de introdução-vitória.501 Imediatamente seguem os
sinais do julgamento divino: "Sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões, e ocorreu
grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a Terra; tal foi
o terremoto, forte e grande". A cidade de Babilônia se divide, as cidades das nações
entram em colapso e cai do Céu grande saraivada, "com pedras que pesavam cerca
de um talento". Depois disto um dos sete anjos que seguravam as sete taças fala
com João, dizendo-lhe que observe o julgamento da grande prostitua (Babilônia,
conforme deixa claro o comentário profético que segue).
Comentário: A primeira vista, parecereria que apenas um aspecto negativo é
enfatizado nesta cena de introdução-vitória, pois ela utiliza imediatamente os simbolismos
do juízo - desta vez ainda mais pesados, enfatizando-se a natureza excessivamente
feroz, tanto do terremoto quanto da saraivada. Embora exista apenas juízo negativo na
500
Esta conclusão se fortalece com os seguintes fatos: (1) As próprias sete pragas são descritas em
15:1 como "últimas" e como completando a "ira de Deus"? (2) a descrição do derramamento desta ira
divina através das taças, encontrada no capítulo 16, não revela qualquer efeito salvífico, e sim
exatamente o contrário (cf., por exemplo, 16:6, 9. 10 e 14); e (3) o julgamento de Babilônia é descrito
em 16:19 como sendo a "lembrança" de Deus, que a faz "beber o cálice do furor de Sua ira".
501
A divisão mais nítida entre as seqüências da primeira grande porção de Apocalipse (visões I-IV)
abre caminho, na segunda grande porção do livro (visões V-VIII) à presença de elementos de
"ligação". É bastante interessante que isto parece fazer paralelismo ao fato de que a natureza
"recapitulatória" das próprias seqüências nas duas grandes porções difere consideravelmente no
aspecto de serem as estruturas "cronológicas" ou de "sucessão" menos distintas na segunda grande
porção do livro. Observe, por exemplo, as implicações decorrentes deste breve resumo oferecido por
Kenneth A. Strand, Interpreting the Book of Revelation: Hermeneutical Guidelines, with Brief
Introduction to Literary Analysis, 2ª edição (Naples, FL, 1979), pp. 48-49.
192
502
Para um valioso estudo das antífonas apresentadas nestas duas passagens, veja William H.
Shea, "Revelation 5 and 19 as Literary Reciprocals", AUSS 22 (1984): 249-257 .
193
Em qualquer análise das cenas introdutórias das oito grandes visões do livro
de Apocalipse, a primeira consideração lógica deve ser o fato de que existe íntima
relação entre estas cenas e o restante das seqüências proféticas que elas
apresentam. Assim, no tocante à visão I, a retratação de Cristo como estando a
andar por entre os candeeiros/igrejas, adequadamente precede Seus conselhos às
mesmas igrejas; para a visão II, a cena com o Cordeiro, sendo proclamado digno de
abrir o rolo selado com sete selos, e depois efetivamente recebendo o rolo da mão
dAquele assentado sobre o trono - provê um pano de fundo apropriado para a
efetiva abertura dos selos por parte do Cordeiro.
Estas cenas introdutórias provêem, desta forma, um cenário positivamente
orientado - como se fosse uma mensagem de segurança - que se relaciona com a
seqüência que vem depois. Neste primeiro exemplo, Cristo assegura a Seu povo que
estará com eles em suas lutas contra o engano e a perseguição - batalhas que dEle
requerem palavras de conselho e estímulo, e muitas vezes reprovação (capítulos 2 e 3).
Da mesma forma, na segunda visão existe a certeza de que as forças
liberadas pelo rompimento dos selos acham-se dentro da estrutura redentiva da obra
do Cordeiro morto, efetuada no Céu, e que eventualmente resultará na abertura do
194
livro do destino eterno para os fiéis.503 Os selos são sucessivamente abertos nos
capítulos 6 a 8:1, intensificando a cada passo a progressão, até que um dramático
silêncio ocorre guando finalmente o rolo é aberto. O "interlúdio" do capítulo 7 é
visivelmente um "holofote sobre eventos finais" para esta seqüência particular. Ao
destacar o selamento do povo de Deus, existe neste interlúdio uma espécie de
pratica da terminologia dos "selos". Mas todo o conceito de propriedade e
preservação inerente ao simbolismo do selo, também conecta de modo muito direto
esta cena do capítulo 7 com o rompimento dos selos.504 Os 144.000 selados de
Deus são protegidos contra a selvageria dos cavaleiros dos quatro primeiros
selos,505 e mesmo sob a sorte do martírio retratado sob o quinto selo; podem eles
repousar na plena segurança do cuidado de Deus.506 Esta ênfase no cuidado de
Deus é salientada ainda mais na apresentação das seções b e c do capítulo 7
(versos 9-17), em que aparece a multidão que procede da grande tribulação (estes,
tais quais os mártires do quinto selo, possuem vestiduras brancas!).
Os exemplos analisados ilustram a maneira pela qual existe íntima correlação
entre as cenas de introdução-vitória e o restante das respectivas visões, que estas
cenas introduzem, e não será necessário trabalhar mais do que estes dois casos. De
fato, uma breve revisão do conteúdo principal de cada visão pode ser obtida ao
consultar a segunda seção de meu artigo anterior desta série. A observação
adicional que aqui deveria ser feita, é que embora todas as cenas de introdução-
vitória tenham a nota positiva da certeza de Cristo a Seus fiéis, algumas
especialmente as das visões III-VI (a dupla série dos temas "Êxodo do Egito"/"Queda
de Babilônia") - também retratam aspectos negativos. Este assunto receberá
atenção adicional mais tarde.
503
Cf. n° 496, acima.
504
Os dicionários léxicos e teológicos (tais como TDNT) e obras de referência similares (sphragis)
elucidaram amplamente o significado do "selo" e do processo ou prática de "selamento" no mundo
antigo. Para uma referência sucinta a seis significados possíveis, veja J. Massyngberge Ford,
Revelation, AB 38 (Garden City, NY, 1975), pp. 116-117. Cf. também a análise um tanto detalhada de
"Seals and Scarabs" em IDB 4: 254-259.
505
Os comentaristas em geral perdem de vista este vínculo em virtude do fracasso de observar com
suficiente atenção a base do VT encontrada em Zacarias 6, onde cavalos de várias cores saem para
"percorrer" a Terra (verso 7) e onde, em resposta à pergunta do profeta quanto a identidade dos
quatro grupos de cavalos, um anjo os define como os quatro ruhôt ("ventos") do céu que saem da
presença do Senhor de toda a Terra (versos 4 e 5). Comentaristas que estabeleceram estas
conexões, incluem G. R. Beasley-Murray, The Book of Revelation New Century Bible (London, 1974),
p. 142; e Leon Morris, The Revelation of St. John Tyndale NT Commentaries (Grand Rapids, MI,
1969), p. 113. Infelizmente, nesta passagem a RSV distorce completamente o significado do hebraico
mediante as palavras que usa. "Estes /os grupos de cavalos/ saem para os quatro ventos do céu",
quando na realidade são os ventos (=cavalos) que saem.
506
Para um estudo abrangente do quinto selo, veja agora Joel Nobel Musvosvi, "The Concept of
Vengeance in the Book of Revelation in the Old Testament and Near Eastern Context" (Dissertação
de Ph. D., Andrews University, 1986).
195
"nova terra", em que o próprio Deus estabelece Seu tabernáculo junto a Seu povo
(21:3-4) e com "Deus e o Cordeiro" sendo descritos como o "templo" da Nova
Jerusalém (21:22).
É imediatamente aparente que todas as três principais aplicações
neotestamentárias das imagens do templo vêm à baila nestas cenas introdutórias.
Na primeira visão, temos o conceito neotestamentário da igreja cristã como o "novo
templo". O loci clássico para este conceito é indubitavelmente I Coríntios 3:16-17 e II
Coríntios 6:16-17, mas por certo existem reflexos do mesmo em I Pedro 2:5, e
também na proclamação de Tiago ao Concílio de Jerusalém, mencionada em Atos
15:13-18. Nesta última referência, Tiago faz aplicação da profecia de Amos 9:11-12,
referindo-se ao retorno de Deus para construir outra vez o "tabernáculo de Davi",
que havia fracassado, como referindo-se e aplicando-se diretamente à entrada de
gentios na igreja apostólica.
O paralelo do NT que mais se aproxima do uso refletido nas cenas
introdutórias das visões II-VII no livro de Apocalipse, é aquele que encontramos no
livro de Hebreus. Ali se fala de Cristo como sendo "sumo sacerdote, assentado à
destra do trono da majestade no Céu" - e como "ministro do santuário e do
verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem" (Hebreus 8:1-2; veja
também o verso 5).507
Finalmente, a mais central e mais básica aplicação do NT em termos de
imagens do templo, é aquela ilustrada na cena introdutória e na descrição profética
da visão VIII de Apocalipse, ou seja: uma referência à presença divina direta. No
prólogo ao Evangelho de João, declara-se que Cristo "habitou entre nós"(João 1:14;
cf. a situação na "nova terra" após a descida, do Céu, da Nova Jerusalém, onde se
declara que Deus habitará com a humanidade /21:3/). Talvez uma referência ainda
mais nítida seja aquela em que Jesus declara: "Destruí este templo, e em três dias o
reedificarei". Os judeus entenderam esta declaração como referindo-se ao templo de
Herodes, mas o evangelista explicou que "Ele /Cristo/... Se referia ao santuário do
seu corpo" e que após a ressurreição dentre os mortos, de Jesus, Seus discípulos
lembraram-se de que Ele dissera isto (João 2:19-22).
A presença divina era o foco central da economia do antigo
tabernáculo/templo de Israel.508 Moisés recebeu instrução quanto a construir "um
santuário, e habitarei /Deus/ no meio deles /do povo de Israel" (Êxodo 25:8). Ao
completar - se a construção do tabernáculo, "a nuvem cobriu a tenda da
congregação, e a glória do Senhor encheu o tabernáculo" (Êxodo 40:34). É este
pensamento fundamental - o da divina presença - que da mesma forma perpassa as
cenas introdutórias de todas as oito visões do Apocalipse. O divino e sempre vivo
Cristo é, neste caso, retratado como estando presente com Seu povo na Terra,
sustentando-o 'e provendo-lhe mensagens através de Seu Santo Espírito (visão I);509
então a cena se modifica e passa ao santuário celestial, onde Cristo ministra
ativamente em favor de Seu povo (visões II-VII): finalmente, quando Deus e o
Cordeiro habitam com os seres humanos na "nova terra" e na "Nova Jerusalém", é
trazida a Terra a própria intimidade e tangibilidade da presença divina (visão VIII).
507
Veja novamente a excelente discussão em Davidson, pp. 336-367; veja também, em Davidson,
as estruturas "Excursus" ou tupos para Êxodo 25:40, às páginas 367-388.
508
Para uma boa visão geral deste tema fundamental, veja Angel Manuel Rodríguez, "Sanctuary
Theology in the Book of Exodus", AUSS 24 (1986): 127-145.
509
É interessante observar que cada uma das sete mensagens é iniciada por Cristo e então é
resumida, em cada caso, como "aquilo que o Espírito diz às igrejas" - fazendo um paralelo às
declarações do Quarto Evangelho no sentido de que o Paracleto apresentaria as palavras de Cristo
(veja, por exemplo, João 14:25-26; 15:26; 16:12-15).
196
de ouro/altar do incenso situado diante do trono, e então a visão IV abre a visão para
a arca da aliança de Deus, no compartimento interior, ou Lugar Santíssimo.512
Assim, no que tange as visões pertencentes à era histórica, temos um movimento
para dentro do templo. Isto parece correlacionar-se com a crescente ênfase quanto
ao tempo do fim na respectiva "Descrição Profética Básica" e nos "Interlúdios",
embora todas estas seqüências cubram a era desde os dias do profeta até ao fim.
(Este fenômeno foi tratado suficientemente no artigo anterior, de modo que aqui não
se requer elaboração adicional).
Após a linha divisória do quiasma, as imagens do templo não mais incluem o
mobiliário deste, pois as funções representadas por dito mobiliário ou as atividades
salvíficas por eles indicadas - não mais existem. Em lugar deles, o fumo enche o templo
de tal forma que não mais prossegue o ministério da misericórdia (15:8); ocorrem
proclamações e/ou sinais de julgamento, fazendo-se apenas referências gerais à sua
origem no templo, do trono, e/ou ao Céu. (cf. 16:17 e seguintes; 19:1-5; " 21:5).
Imagens Negativas de Julgamento. As quatro visões centrais do Apocalipse -
visões III a VI - possuem introduções que apresentam simbolismo de juízo
fortemente negativo. Uma característica interessante é a intensificação deste
impulso negativo. Os sinais na visão III são trovões, vozes, relâmpagos e terremoto
(8:5): a estes, a visão IV acrescenta "forte saraivada" (11:19); e finalmente, a visão
VI apresenta os mesmos arautos do juízo, mas intensifica consideravelmente tanto
o terremoto ("tal como nunca houve desde que há gente sobre a Terra", 16:18)
quanto a saraivada "cerca do peso de um talento, 16:21). A visão V omite esta série
particular de símbolos de juízo, possivelmente porque inaugura a apresentação da
era escatológica, onde sua ênfase central recai já sobre um aspecto altamente
negativo: a plenitude da ira de Deus sendo conduzida para fora do templo em sete
taças, e o próprio templo aparecendo cheio de fumaça e não-ocupado (15:5-8).
Em todos os casos, as duas primeiras visões com o tema "Êxodo do Egito" /
"Queda de Babilônia" (visões III e IV) começam com uma cena introdutória que já
por si mesma revela uma progressão na intensidade do juízo. Esta intensidade é
adicionalmente destacada pela segunda dupla de visões (V e VI). O significado
teológico aqui parece ser o conceito de que a crescente sorte negativa se relaciona
com contínua e mais flagrante rejeição da oferta de salvação apresentada por Cristo.
Neste caso, isto pareceria uma espécie de comentário ampliado do princípio que
Jesus enunciou ao declarar a sorte, no juízo, de Betsaida, Corazim, Cafarnaum e
outras cidades que rejeitaram Sua oferta de misericórdia, esta seria pior que a de
Sodoma e Gomorra (cf., por exemplo, Mateus 10:14-15 e 11:20-24).
513
Cf. novamente o n° 509, acima.
514
"Estruturas em envelope" ou "inclusões" são comuns nos padrões literários do Apocalipse. Veja, por
exemplo, William H. Shea, "The Parallel Literary Structure of Revelation 12 and 20", AUSS 23 (1.9.85):
37-54 (especialmente as páginas 44 e 45), para duas surpreendentes ilustrações deste fenômeno.
515
Com respeito ao assunto de aspectos positivos e negativos, nossa referência se faz, por certo,
unicamente as cenas de introduçao-vitória - os blocos designados como "A" no Diagrama 1. Para
outros blocos de materiais nas visões I, II e VII, existem efetivamente muitos aspectos negativos, mas
este fato não afeta o padrão distintivo que observamos nas cenas introdutórias.
200