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CADERNO

DE EDUCAÇÃO
POLÍTICA
ANTIRRACISTA

mandato deputada federal


fernanda melchionna
(PSOL/RS)

•2021•
CRÉDITOS
Organização e Planejamento
Janaína Melchionna, Márcio Chagas e Vander Duarte.

AUTORES(AS)
Adriano Viaro, Ana dos Anjos, Bryan Rodrigues, Carla Zanella, Fabrício Sanches,
Fernanda Melchionna, Fran Lasevitch, Fran Rodrigues, Gilvandro Antunes, Janaína
Melchionna, Leandro Soares, Lorena Duarte, Marçal Carvalho, Marcelo Carvalho,
Márcio Chagas da Silva, Paola Rodrigues, Patrick Veiga, Priscila Vaz, Rafa Rafuagi, Tirza
Medeiros Moraes e Vander Duarte.

Revisão
Paola Rodrigues

Projeto Gráfico e Diagramação


Fran Lasevitch e Paola Rodrigues

MANDATO DEPUTADA FEDERAL FERNANDA MELCHIONNA (PSOL/RS)


Email: dep.fernandamelchionna@camara.leg.br
Whatsapp: (51) 98925-0864

Gabinete | Brasília
Câmara dos Deputados - Gabinete 621 - Anexo IV - Brasília/DF
(61) 3215-5621
Escritório | Porto Alegre
Rua Lima e Silva, 264/401 - Cidade Baixa
(51) 3779-5059
Cadastre-se para receber o Caderno: www.fernandapsol.com.br/cadernofeminista
ÍNDICE
Editorial Coleção de Cadernos de Educação Política ......................5

APRESENTAÇÃO ....................................................................................7

1. Racismo, Desigualdade e Preconceito no Brasil: uma questão para


a luta e a organização negras...........................................................9

2. Por que ler as literaturas africanas, afro-brasileiras e indíge-


nas?....................................................................................................11

3. Quais as principais diferenças entre os crimes de injúria racial e


racismo e como denunciá-los?..........................................................13

4. Em defesa do feminismo negro para revolucionar a sociedade!..17

5. Nossa negra feminilidade ainda resiste nas comunidades.........19

6. 13 de maio não é dia de negro - Sempre resistimos....................21

7. Racismo estrutural: compreendendo o conceito e o levando às


últimas consequências.......................................................................25

8. IV Conferência Nacional de promoção da igualdade racial e para-


lelos históricos.................................................................................29

9. Reflexões sobre o papel da branquitude e a luta antirracista ..31

10. Ações afirmativas, acesso e permanência na universidade......35

11. O racismo no futebol brasileiro na atualidade.........................37

12. Como educar de forma antirracista?........................................41

13. Dicas de obras literárias e audiovisuais negras e indígenas....43

14. Expressões racistas para nunca mais repetir...........................44

Leis, projetos e iniciativas do mandato (2019-2021).......................47

Emendas parlamentares ..................................................................50

Sobre os(as) autores(as) ..................................................................53

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

Roger Zaballa

“o colonialismo de
mais de 350 anos não
conseguiu calar a
negritude, que segue
resistindo até hoje. não
será o bolsonarismo
que o fará. a NOSSA
MILITÂNCIA ESTÁ A SERVIÇO
DA LUTA PARA COLOCAR A
extrema-direita NA LATA
DO LIXO DA HISTÓRIA”
Fernanda melchionna
deputada federal (PSOL/RS)

Deputada Federal mulher mais bem votada no RS nas elei-


ções de 2018. Vice-líder do PSOL e da Oposição na Câmara
dos Deputados. Eleita, pelo voto do júri popular, ao 11º lugar
no Prêmio Congresso em Foco 2021. Foi candidata à Prefeitura
de Porto Alegre em 2020 e líder da bancada do PSOL na Câma-
ra dos Deputados durante os primeiros 8 primeiros meses da
pandemia do coronavírus e autora de um dos primeiros pedidos
de impeachment contra Bolsonaro, que coletou 1 milhão de
assinaturas. Empenhou uma luta incansável para enfrentar a po-
lítica genocida e negacionista de Bolsonaro, garantir a vacinação
e salvar vidas. Autora da emenda que garantiu no Congresso
Nacional o duplo auxílio emergencial (R$ 1.200) para as mulhe-
res chefes de família. É a primeira parlamentar bibliotecária da
história da Câmara dos Deputados. Esteve como vereadora de
Porto Alegre durante 10 anos.

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Editorial Coleção de Cadernos de
Educação Política
Vivemos tempos conturbados e de de ação coletiva, organizada e cons-
grande polarização social e políti- ciente. Esta Coleção de Cadernos de
ca. Tempos como este são também Educação Política tem por objetivo
aqueles em que os debates e visões ajudar no trabalho de politização e
de mundo, ao confrontarem-se na organização popular, disponibilizando
prática, precisam passar na prova de maneira didática um conjunto de
da teoria. conceitos que nos permitam compre-
ender a realidade em que vivemos
A chegada da pandemia do corona- e, sobretudo, transformá-la. É um
vírus trouxe tristeza, lutos e lições. A desafio grande. Tudo que é humano
Covid-19 escancarou a desigualdade é passível ao erro, mas geralmente
social produzida pelo capi- quanto mais coletivo se é,
talismo global e a cadeia de
injustiças que dela decorre. “A VIDA SE menos se erra. Por isso,
estes cadernos são pro-
Escancarou a falência do
modo de vida que coloca o lu- RESOLVE duto de trabalho coletivo.
Grupos de Trabalho, com
cro acima das vidas. Escanca-
rou que vivemos uma crise de NA LUTA centenas de pessoas, que
debateram e se dedica-
dimensões humanitárias em
nosso país e no mundo. Por
CONCRETA, ram a elaborar e selecio-
nar o conjunto de textos
tudo isso, colocou uma per-
gunta na cabeça de milhões:
E A TEORIA que aqui estão.
se este mundo está cami-
nhando para um rumo errado,
nos serve Quando dizemos que
a construção de uma
qual rumo se deve tomar? como uma sociedade realmente jus-
ta, na qual a maioria do
Se você pegou este
caderno para ler, deve ter
ferramenta povo controla a política
e a economia necessita
essa pergunta em mente. É a
pergunta que marca nossos
para ação de ferramentas teóricas,
não estamos afirmando
tempos, mas ela só pode ser
respondida recorrendo aos
coletiva.” que os problemas que
vivemos se resolvem
recursos teóricos acumulados pela hu- apenas em um terreno abstrato de
manidade em sua história. Desde já, “muita teoria para pouca prática”,
alertamos que não apresentaremos como se diz. A vida se resolve na luta
aqui nenhuma receita de bolo para o concreta. Entretanto, se a política
mundo novo. Seria reconfortante, mas tem a tarefa de apresentar respostas
ela não existe. As respostas à crise aos problemas práticos, a teoria tem
que passamos (e estamos passando) e a importância de fazer as perguntas
a construção de uma saída necessitam corretas, que orientam as respostas

7
políticas. A teoria é ainda mais que as questões e proposições aqui
isso, ela permite que nos adiantemos desenvolvidas, portanto os textos
aos acontecimentos, pois nos fornece aqui apresentados respiram lutas. Os
ferramentas conceituais para apreen- Cadernos vêm de um lugar de lutas
der as tendências reais e como a rea- e para esse lugar buscam ser úteis -
lidade não é estanque nem imutável, foram pensados para serem materiais
a teoria nos serve como uma ferra- de suporte às inúmeras reuniões de
menta para ação coletiva. Tal como militantes atuantes nos movimentos
um martelo não pode ser usado para sociais e políticos espalhados pelo
apertar um parafuso, a teoria que país. Esperamos, com esta iniciativa,
quer conservar ou distorcer a realida- contribuir para socializar conhecimen-
de não serve para transformá-la. tos e, especialmente, para a educação
política de nosso povo, tão necessá-
Por isso, estes Cadernos são uma ria neste momento grave de nossa
iniciativa de nosso mandato e assumi- história. Um povo que conhece sua
mos a inteira responsabilidade pelo história, que pensa com sua própria
conteúdo aqui publicado, embora, cabeça, que acredita em suas próprias
felizmente, eles tenham sido constru- forças e que luta para mudar a vida é
ídos em conjunto com os diferentes invencível. Como dizia Freud, a razão
movimentos sociais e com intelec- pode falar baixo, mas ela nunca se
tuais e militantes que se dedicam às cala. Venceremos.
lutas do nosso tempo, o que os torna
muito mais ricos. Agradecemos muito Boa leitura!
tal disposição de todas, todos e todes.
É a partir da elaboração daquelas e Lute pelos seus direitos e conte
daqueles implicados na luta real pela com nosso mandato e com o PSOL.
transformação social que emergem
APRESENTAÇÃO
Nos últimos anos, estamos viven- escolar e universitário. Fazer com que
ciando um abismo racial no mundo, a lei 10639, de 2003, seja aplicada nas
a partir de lideranças e governos que escolas para dar o real significado e
legitimam a segregação com discur- importância do povo africano na cons-
sos de ódio e intolerância. trução da história do Brasil. Cobrar da
justiça que os crimes de racismo não
No Brasil, o racismo se constituiu caiam mais como injúria para ameni-
como algo natural e nunca foi assunto zar o criminoso.
prioritário quando proposto pelo mo-
vimento negro, sempre com a alega- Na Constituição de 1988, o crime
ção de que vivemos numa democracia de racismo se tornou imprescritível e
racial e que o problema seria social inafiançável, porém é um crime que
para essa desigualdade histórica. nunca prendeu ninguém, e os casos
de racismo são sempre tratados como
Estatisticamente, sabe-se que a isolados e não como ação criminosa.
cada vinte e três minutos, morre uma
pessoa negra no Brasil, na maioria das O Brasil é país mais negro fora do
vezes, vitimadas pelo Estado. continente africano, com mais de 56%
da população autodeclarada, e onde
É muito sério e preocupante a manei- estão os negros nos espaços de poder
ra como as abordagens policiais aconte- como protagonistas?
cem quando são pessoas negras e não
negras. A brutalidade e a truculência, A estrutura racista faz com que os
muitas vezes, resultam em mortes. A tataranetos dos senhores escravagis-
alegação de legítima defesa imaginária tas se perpetuem no poder valendo-
se tornou a justificativa aceita pela jus- -se da velha máxima meritocracia.
tiça, o que faz com que as vidas negras,
que já eram descartáveis, tornem-se Precisamos construir uma nova
desprezíveis para o sistema. perspectiva para que os negros e
negras tenham oportunidades de se
Com o objetivo de trazer à pauta a desenvolverem para ocupar seus de-
luta antirracista, nós, do mandato da vidos espaços na sociedade e atingir-
Deputada Federal Fernanda Mel- mos a tão sonhada equidade.
chionna, construímos esse caderno de
formação política antirracista junto a Com a colaboração de vocês, quere-
diversos colaboradores e apoiadores. mos construir um Brasil radicalmente
diferente do atual, e o compromisso
A luta é para agora. Não há mais do nosso mandato é que, através
tempo para que outros, como George deste caderno, possamos refletir e
Floyd, João Alberto, Gustavo Amaral, avançar juntos nesta construção.
tenham sua vida ceifada pelo racismo.
Queremos dialogar com os gover- Como diz Ângela Davis: “Não
nadores, prefeitos e principalmente basta não ser racista, é preciso ser
pautar essa discussão no ambiente antirracista.”

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

CLEONICE GONÇALVES
Empregada doméstica, primeira vítima
da covid-19 no brasil

10
1. Racismo, Desigualdade e Preconceito
no Brasil: uma questão para a luta e a
organização negras
Gilvandro Antunes relação entre indivíduos apenas. Mas
que todas as estruturas econômicas,
Quando assistimos fatos, envolven- sociais e institucionais são permeadas
do agressores e vítimas de racis- pela prática da discriminação racial.
mo, em telejornais, em notícias de Vejamos alguns números do racismo
veículos de comunicação via internet estrutural no Brasil.
ou nas redes sociais, percebemos que
elas são bastante comuns. Todos os Desigualdade salarial 1
anos, milhares de denúncias são feitas
nas delegacias em todo o Brasil. A renda média de uma pessoa ne-
gra representa só 59% de uma pessoa
Infelizmente, poucos casos se tor- branca.
nam denúncias efetivas de racismo.
Em muitos casos, sequer o inquéri- 75% das pessoas que vivem em
to cita injúria racial, mas somente situação de pobreza são negras.
calúnia. A relação entre esta quanti- Em média, uma mulher negra rece-
dade imensa de denúncias e o modo be menos da metade do salário de um
ineficaz como as mesmas são tratadas homem branco.
pela polícia, pelo Ministério Público e
pelo Poder Judiciário são a prova do 64% das pessoas desempregadas
racismo estrutural que há no Brasil. são negras.
Ou seja, excluir, ofender e violentar
pessoas negras é algo estabeleci- Violência de gênero e
do como comum em um país onde Desigualdade no mercado de
54% da população é negra (preta ou trabalho 2
parda). Quando se fala que o racis-
mo é estrutural no Brasil queremos Na média percentual anual, 66%
dizer que ele não se restringe a uma das mulheres que sofreram agressão
sexual ou física são negras.
“excluir, ofender e
A cada três mulheres assassinadas
violentar pessoas negras por feminicídio no Brasil, em 2020,
é algo estabelecido como duas são negras.

comum em um país onde No Brasil, há cerca de 450 mil mé-


dicos registrados no Conselho Federal
54% da população é negra de Medicina. Desses, só 18% são
(preta ou parda)” negros.

1.
Dados: Ipea

11
No entanto, quando se trata de cole- brasileira sob o jugo de uma exclusão
tores de resíduos orgânicos ou reciclá- que visa dominar os corpos negros.
veis a taxa é de 70% de pessoas negras. Mantendo-os de forma subjugada,
facilitando assim, sua exploração.
Violência institucional 3 Ao mesmo tempo em que o racismo
se esconde através de discursos que
A cada 10 pessoas mortas pelas
negam o seu próprio racismo, fala-se
polícias, 7 são negras.
em meritocracia para o ingresso em
66% dos presos no Brasil são universidades e serviços públicos, em
negros. possibilidade de escolha de caminho
alternativo à criminalidade, em esfor-
Nos últimos 15 anos, a população ço individual para garantir diferentes
carcerária branca diminuiu 19%, en- possibilidades de renda. O fato é que
quanto a negra cresceu 14%. o racismo persiste porque há um inte-
Somente 15,6% dos juízes federais resse em sua manutenção.
ou estaduais no Brasil são negros. Por isso, a organização popular em
Desses 14,2% se autodeclararam par- torno de uma pauta antirracista, que
dos e só 1,4% pretos. defenda a vida de pessoas negras, é
fundamental, pois nada será dado por
Assim, é possível ver que as desi-
essa elite que lucra com a exploração e a
gualdades econômica, social e insti- morte de nossos corpos. Assim, é preci-
tucional, variantes essas do racismo so denunciar o racismo e lutar contra ele
estrutural, têm a função de manter todos os dias. Com racismo não haverá
parte significativa da população nem igualdade e nem liberdade plena.

². Dados: FBSP, CFM,


UFRJ
12 3.
FBSP, CNJ
2. Por que ler as literaturas africanas,
afro-brasileiras e indígenas?
Ana Cristina dos Anjos

Porque é prazeroso revisitar a Porque povos e nações indígenas


infância e encontrar entre as boas e africanas, como todos os demais
memórias a presença do contador de povos, também possuem suas narra-
histórias. A mãe, a vó, o vô, a profes- tivas, seus heróis, deuses e deusas,
sora, enfim, todos aqueles que com o seus mitos de criação e permanência,
timbre da voz e a amplitude da imagi- suas infâncias, cânticos de amor, sua
nação nos levaram, levam a percorrer própria poesia, sua cosmogonia.
caminhos desconhecidos. Talvez revi-
sitar o papel com o olhar e sentidos, Porque nos espaços escolares é de-
percebendo lugares inexistentes, até ver fazer uso das leis que visam imple-
então não percebidos. Os contadores mentar ações e práticas antirracistas,
de histórias nos guiavam sim, e nos e por meio das leis 10639 e 11.645, o
guiam por mundos e para mundos ensino das culturas africanas e indí-
diversos, por povos e culturas que nos genas tornou-se obrigatório no Brasil.
formam, nos traduzem, ressignificam. E, para além da obrigatoriedade, o
desejo é que o contador de história,
Porque, dentre as muitas funções nas tradições africanas chamado griô,
da literatura, uma delas é apresen- se faça presente em espírito e graça
tar como os povos se organizam, se em todas as bibliotecas escolares, nos
constituem, se explicam. Fazer-se vida “cantinhos” da leitura presentes nas
eterna através da palavra, viver uma
experiência estética.

“é meu desejo que a voz do


contador de histórias nunca morra
na África, que todas as crianças da
África experimentem a maravilha
dos livros e que nunca percam a
capacidade de ampliar seu local
de morada terrestre com a
magia das histórias”
nelson mandela

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

reconhecer nosso lugar de fala e


pertencimento e ampliar nossa
percepção de mundo. Viver uma
experiência cognitiva e emocional.
Porque para quem sofre com o
racismo, a literatura antirracista, a
que apresenta o negro e o indígena
como portadores de saberes ances-
trais, afetivos, coletivos, carregados
de sabedoria própria, esta sim liberta
para que se possa ser o contador, o
escritor, o ouvinte e leitor atento, o
narrador e reinvindicar o direito de
ser gente, herói, princesa, rainha, ser
criança, ser inteligente, um corpo com
características belas, autoperceben-
do-se como parte fundamental da
criação. Viver uma experiência catárti-
ca e libertadora.
salas de aula, nas rodas de conversa e Porque é maravilhoso ler o mundo,
encontros familiares, nas celebrações e nele fazer e ser arte com identida-
religiosas, nas vivências comunitárias. de étnico-cultural, com poder de voz
E que as narrativas dos povos originá- e escuta.
rios do Brasil e das nações africanas
que para cá foram trazidas (à força), Porque escutar no meu e no teu
encantem com o imaginário e potente coração, no meu ventre e no teu, a
universo destas culturas. Porque to- voz dos que vieram antes de nós, bi-
das crianças, jovens, adultos negros e savôs e bisavós, e os que antes deles
não negros, podem através da escrita, vieram, é escutar, sentir… a minha, a
da fala e da escuta encontrar-se com nossa ancestralidade escrita na ponta
personagens africanos e ameríndios, da língua.
protagonistas de histórias de amor, Literar (ação de praticar literatura)
luta e resistência, de um viver com e libertar.
liberdade de sua condição humana.
Uma experiência político-social. Libertar a palavra negra e indígena,
para que todas e todos em todos os
Ler obras africanas, indígenas e cantos deste planeta, as escutem, se
afro-brasileiras é um convite, para que encantem, aprendam e respeitem!
na prática, possamos nos nutrir do que
há de melhor destes povos e curar-nos E que assim seja… Que sejamos
das marcas do racismo. Aprender a livres!

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3. Quais as principais
diferenças entre
os crimes de Injúria
Racial e Racismo e
como denunciá-los?
Leandro Soares e Marçal Carvalho

A cada dia que passa aumentam-se INJÚRIA RACIAL


os casos de pessoas que sofrem com
o crime do racismo e de injúria racial, O crime de injúria racial está pre-
em todos os estratos sociais, seja nas visto no artigo 140, parágrafo 3º do
ruas, nos estádios de futebol, nas Código Penal e ocorre quando o autor
escolas e principalmente nas redes ofende a dignidade ou o decoro utili-
sociais. Com o avanço tecnológico, e zando elementos de ‘raça’, cor, etnia,
a consolidação das redes sociais na religião, condições de pessoas idosas
dinâmica da sociedade, aliada à lógica e portadores de deficiência.
escravocrata e racial impregnada
nas instituições basilares do Estado A titularidade da ação penal neste
brasileiro, nota-se um aumento da caso é privativa da vítima, que ne-
velocidade e da voracidade na disse- cessita de auxílio de advogado, para
minação indiscriminada de discursos oferecimento de queixa-crime.
de ódio contra os negros.
Em se tratando de internet, o “Em se tratando de internet,
sentimento de impunidade e a falsa
sensação de anonimato, fazem com
o sentimento de impunida-
que crimes de injúria Racial e racismo de e a falsa sensação de
sejam cada vez mais comuns, princi-
pamente, por parte de uma parcela anonimato, fazem com que
específica da sociedade. crimes de Injúria Racial e
Importante frisar que, muito em-
bora, tanto o delito de injúria racial,
Racismo sejam cada vez mais
quanto o delito de racismo, repre- comuns e mais por parte de
sentem ofensas “à raça, cor, etnia,
religião ou origem”, apresentam uma parcela específica da
conceitos e peculiaridades jurídicas sociedade.”
diversas.

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Caderno de Educação PolíticA ANTIRRACISTA • 2021 •

A pena prevista para a prática deste as ofensas praticadas pelo autor


delito é de detenção de 1 (um) a 6 atingem toda uma coletividade, um
(seis) meses ou multa e é possível o número indeterminado de pessoa,
pagamento de fiança. ofendendo-os por sua ‘raça’, etnia,
religião ou origem, assim, impossível
Diferentemente do crime de racis- saber o número de vítimas atingidas.
mo, o autor não atinge uma coleti-
vidade, e sim a uma determinada A titularidade para a prática deste
pessoa, no caso, a vítima. Já a pena delito é a de reclusão de 1 (um) a 3
prevista é detenção de 1 (um) a 6 (três) anos e multa e é um dos poucos
(seis) meses ou multa e é possível o delitos previstos na legislação penal
pagamento de fiança. que é inafiançável.

RACISMO Os crimes de racismo e injúria racial,


apesar de possuírem significados e
O crime de RACISMO está previsto penas bem distintos, são facilmente
na Lei n.º 7.716/89 e ocorre quando confundidos pelos meios de comunica-
ção e consequentemente pelo cidadão
comum, muito pela falta de informação.
Tanto o crime de injúria racial, quan-
to o crime de racismo, possuem proce-
dimentos judiciais únicos e específicos.
Ao praticarem estes crimes, os
autores não têm dimensão do mal
que podem causar às vítimas, além de
estarem desrespeitando a Constitui-
ção Federal que busca garantir uma
sociedade igualitária e democrática.
Reforça-se que nenhuma manifes-
tação de menosprezo racial é ou pode

Delegacia de Polícia de
Combate à intolerância
Endereço: Av. Presidente
Franklin Roosevelt, 981 - Bairro
São Geraldo - Porto Alegre
E-mail: dpgv-dpci@pc.rs.gov.br
Telefone: (51)3224-6086
(51) 3338-6440

16
ser considerado como manifestação
de liberdade de expressão. Consti-
tuem por sua vez, crimes previstos em
lei, na logica do Estado Democrático
de Direito.
A Polícia Civil do Estado do Rio
Grande do Sul já conta com uma
delegacia especializada para apurar e
encaminhar ao judiciário delitos desta
natureza.
Estamos falando da Delegacia
de Polícia de Combate à intolerân-
cia (DPCI), junto ao Departamento
Estadual de Proteção a Grupos
Vulneráveis.

Não se cale frente ao Racismo.


Denuncie!

inafiançável e imprescritível:
STF equipara injúria racial a
crime de racismo
A limitação do direito penal bra-
sileiro não deve ser um balizador
para enfrentamento de todas as
formas de racismo no Brasil. O
entendimento firmado pelo Su-
premo Tribunal Federal – STF no
dia 28/10/2021 foi correto e as
decisões futuras que envolverão
expressões racistas terão trata-
mento adequado dentro do siste-
ma penal brasileiro. Não há mais
espaços para o racismo no Brasil e
a imprescritibilidade do crime de
injúria racial é um marco histórico
para o combate desta forma de ra-
cismo que infelizmente, permeia
o dia a dia da grande maioria da
população negra no Brasil.

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

Marielle franco vive!


#Justiçapormarielle
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4. Em defesa do
feminismo negro
para revolucionar a
sociedade!
Carla Zanella

Não há como negar os horrores


que o racismo e machismo relegam
a vida das mulheres, especialmente
das mulheres negras. Os dados do
14° Anuário Brasileiro de Seguran-
ça Pública apontam que a cada 10
minutos uma mulher é estuprada Ao longo da história, mulheres
no Brasil, dado que se torna ainda negras vem apresentando como
mais alarmante se considerarmos a crítica ao movimento feminista,
subnotificação desse tipo de crime. Já especialmente do feminismo liberal,
o Atlas da Violência 2021 revela que, o apagamento sistêmico de mulheres
em 2019, a cada 2 horas uma mulher negras. Lélia Gonzalez, expoente do
foi assassinada no Brasil, sendo que feminismo negro brasileiro e marxista,
66% delas eram mulheres negras. em um dos seus mais famosos artigos,
No mercado de trabalho mulheres Por Um Feminismo Afrolatino Ame-
seguem recebendo em média apenas ricano, é objetiva ao dizer que esse
77% do que recebe um homem, e esquecimento das feministas brancas
mulheres negras apenas 33% do que sobre os temas que importam às
um homem branco. mulheres negras, lhes é conveniente e
tem nome: chama-se racismo.
Os dados são taxativos. Por isso, a
luta das mulheres, e especialmente A condição de múltiplas opressões
das mulheres negras, por direitos impostas às mulheres negras, empur-
é mais que necessária, é uma luta ra o feminismo negro para uma luta
urgente. Em outros termos, para as essencialmente antissistêmica. Mulhe-
mulheres, a luta feminista é uma res negras sempre souberam que seus
questão de vida ou morte. Entretanto, inimigos não são os homens negros. A
existem horizontes que precisam se sua luta feminista por igualdade, não
escurecer nesse debate. As mulheres pode ser uma luta que as iguale às
não são iguais, não estão em uma condições sociais dos homens negros,
classe homogênea. Nesse sentido, não profundamente marcados pelo racis-
há como falarmos em um feminismo mo. É preciso lembrar que no Brasil,
singular. Se as mulheres são plurais, um jovem negro é assassinado a cada
também o é o feminismo. 23 minutos. Nem tão pouco, mulheres

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

brancas por si só encontram-se em Ao formular ferramentas de análise


outro campo de batalha. A força do como o feminismo interseccional,
feminismo negro está justamente na o feminismo negro nos convida a
ideia de que não é possível com- compreender que sujeitos atra-
bater o machismo fortalecendo o vessados por múltiplas opressões,
racismo e vice versa. O capitalismo precisam ser compreendidos a partir
se estrutura nessas opressões para de perspectivas diversas, que consi-
sua reprodução e sobrevivência. O derem as diferenças dos sujeitos ao
sistema capitalista é fundado em mesmo tempo que demonstra que o
bases escravagistas, e nunca foi de problema não está nas diferenças em
seu interesse conferir aos negros o si, mas no sistema que as acentua e
direito à cidadania completa, pois lu- oprime em prol do lucro de poucos
cra com a desumanização de corpos, homens, brancos, héteros e bilioná-
baixos salários e a morte. Ao mesmo rios. É por isso que a luta das mulhe-
tempo, que também se sustenta ao res negras trata-se essencialmente
não conferir ao trabalho reproduti- de uma luta anticapitalista, feminista
vo, ou seja, o trabalho doméstico, o e antirracista. Em 2017, quando An-
status de trabalho, empurrando para gela Davis esteve no Brasil, afirmou
as mulheres os afazeres da casa e que “quando a vida das mulheres
lhes conferindo jornadas triplas, sem negras importar, teremos a certeza
o devido reconhecimento. Mesmo de que todas as vidas importam”,
as mulheres que têm no trabalho ao defendermos uma sociedade de
doméstico a sua profissão, percebem bem estar para as mulheres negras,
a desvalorização desse trabalho, que estamos defendendo um modelo
só foi adquirir direitos básicos como completamente diferente de socie-
décimo terceiro e férias em 2013. Não dade. Para alcançar essa sociedade
por acaso também trata-se de uma radicalmente diferente é preciso
categoria majoritariamente formada combater a raiz dos problemas de
por mulheres negras. gênero, raça e classe.

“No momento em que


começamos a falar do
racismo e suas
práticas em termos de
mulher negra já não houve
mais unanimidade” 1

Lélia Gonzalez

1.
GONZALEZ, Lelia. O movimento negro na última década. In: Lugar de negro. Rio de
Janeiro: Marco Zero, 1982
20
5. Nossa negra
embora essa dura realidade tenha
sido imposta a todas as mulheres,
há não obstante aquelas que vivem
feminilidade realidades ainda mais cruéis. O que se
vê nas periferias do Brasil é o exemplo
ainda resiste nas dessa desigualdade. Essas localidades
são formadas em sua maioria por
comunidades famílias compostas de pessoas negras
e pardas. Para ser mais precisa, 66.1%
são mulheres negras responsáveis
Priscila Vaz sozinhas por 26% dessas famílias, en-
Desde os mais remotos tempos, quanto mulheres brancas de periferias
houve uma imposição às pessoas de alcançam apenas 11.7% e homens
sexo feminino que as responsabilizava brancos chefiam somente 21.3%
por todo trabalho que fosse domésti- desses lares. Essa realidade é ainda
co, considerado como “não essencial”; agravada atualmente devido à crise
ou seja, ficava a cargo das mulheres sanitária mundial pela qual estamos
– não por decisão própria delas, é pre- passando, que, atingindo sobretudo
ciso dizer – todas as tarefas de casa: as mulheres moradoras de periferia,
lavar, cozinhar, arrumar, cuidar dos principalmente negras, tem eviden-
filhos. Cuidados esses que se iniciam ciado desde março de 2020 o abismo
tão logo se tenha certeza da concep- social que existe neste país.
ção deles até que fossem (ou, ainda As mulheres pretas e pardas que
hoje, sejam) considerados adultos pro- vivem na periferia estão ainda mais
dutivos pela sociedade, além do fato expostas às violências domésticas,
de as mulheres serem responsáveis que se acentuaram com a crise de
pela reprodução da força de trabalho, covid-19, o que também está dificul-
como por todo o trabalho mental que tando ainda mais o acesso a serviços
gerir uma família também exige. básicos de saúde, já tão precarizados.
No geral, ainda hoje pouco se O desemprego as atingiu em maior es-
avançou nesse debate (ainda que não cala, principalmente, porque são elas
por falta de engajamento na luta por que ainda realizam os tais serviços
direitos e deveres iguais por parte das “não essenciais”. De acordo com o
mulheres), mas sim porque as classes Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
dominantes ganham com a superex- cada (Ipea), hoje a participação das
ploração de nossos corpos, e essa mulheres no mercado de trabalho é a
lógica mantém viva toda a engrena- menor em 30 anos. O percentual de
gem que move o sistema machista e mulheres que estavam trabalhando
patriarcal. Desde os primórdios da his- ficou em 45,8% no terceiro trimestre
tória humana todas as mulheres vêm de 2020 - o nível mais baixo desde
sendo exploradas ininterruptamente 1990, quando a taxa era de 44,2%. E
pelo patriarcado. pior, além de mais mulheres desem-
pregadas, muitas também deixaram
Observa-se, além disso, que, de buscar uma vaga de emprego,

21
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

revertendo uma tendência de aumen- populacional destes indivíduos, pro-


to na participação feminina da força e movendo sistematicamente a morte e
trabalho de três décadas. o encarceramento do povo preto, aqui
majoritariamente homens jovens;
O que explica também essa queda mas não a ponto que prejudique a
na participação feminina no mercado reprodução da força de trabalho (mão
de trabalho é que são essas mulhe- de obra barata para eles). A segunda
res que realizam, em sua maioria, os e talvez mais importante tarefa desse
subtrabalhos, justamente os que mais projeto político é conter o avanço
encerraram os postos, colocando-as social de homens e mulheres negras,
em situação totalmente adversa. O para que se mantenham em condi-
abandono social ao qual esta parcela ções desfavoráveis, não lhes permitin-
significativa da população brasileira do a ascensão social.
está sujeita, para além da crise sanitá-
ria, está sendo imensuravelmente agra- Ainda assim, mesmo enfrentando
vada pela necropolítica de Jair Bolsona- todas essas adversidades, a feminili-
ro, Paulo Guedes e seus asseclas. dade dessas mulheres pretas e pardas
de periferia ainda resiste, somando-se
Sabe-se que todo esse processo àquela de tantas outras, sejam elas
catastrófico é um projeto político, que indígenas, brancas, trans ou LGBTQI.
tem cumprido com excelência seu Elas resistem e fazem ecoar suas lutas.
propósito de encerrar a população Resistiram à chacina do Jacarezinho,
negra, prioritariamente as mulheres, mesmo com corações dilacerados
no local onde o sistema capitalista diante do assassinato dos seus.
e patriarcal predeterminou. Sua pri- Seguem resistindo à perda de cada
meira tarefa tem sido fazer o controle criança assassinada pelas mãos do Es-
tado, como João Pedro e Ágatha Félix.
Seguem lutando por Justiça diante de
assassinatos, como o do jovem negro
Gustavo Amaral, em Marau, cujo
policial foi “inocentado” sob argu-
mento injustificável de legítima defesa
imaginária; e do homem negro, João
Alberto, vitimado no Carrefour por
seguranças privados. Essas mulheres
resistem pois é a feminilidade que as
torna fortes, mas não fortes apenas
de força física, mas também, e sobre-
tudo, fortes no sentido de uma força
interna. Essa negra feminilidade vai
sempre resistir não só nas comunida-
des, mas em todos os espaços em que
se propuserem estar, pois não temem
o opressor e avançam superando o
mais hostil dos cenários.

22
6. 13 de maio não
é dia de negro -
Sempre resistimos
Lorena Duarte
Uma grande parte do pensamento
social brasileiro – historiográfico,
econômico, antropológico e socioló- artística e intelectual. O aumento de
gico – popularizou e conseguiu crista- pesquisadores e intelectuais negros
lizar no nosso senso comum algumas nas universidades nas duas últimas
ideias muito enganosas sobre a histó- décadas, em razão da implementação
ria dos trabalhadores e trabalhado- das ações afirmativas, tem mudado
ras negras no Brasil (sejam escravi- esse quadro, tanto pela produção de
zadas ou livres). A primeira delas, e pesquisas inovadoras e críticas sobre
talvez a mais persistente, é a de que a história negra no Brasil, quanto pelo
o Brasil é fruto de uma escravidão de resgate da produção artística e inte-
certa forma paternalista, que permitiu lectual negras que foram apagadas no
com que a mistura de raças aconte- último século.
cesse de maneira natural, criando
uma democracia racial. Uma outra é a O Brasil não é uma democracia
de que negros e negras contribuíram racial. Existe um fosso profundo entre
para a formação do Brasil apenas de as condições de vida da população
forma pontual, com aspectos linguís- branca e a não-branca no Brasil. Opor-
ticos e culturais, retratados com o tunidades de educação e emprego,
folclore. Uma outra, esta das mais nível salarial, acesso à moradia e à
graves, é a de que negros e negras es- cidade são distribuídos de maneira
cravizados aceitaram de bom grado o desigual entre esses dois grupos. A
tráfico de seus corpos; o roubo de sua violência que nos atinge a todos tam-
língua, de seus nomes, de sua religião bém atinge de formas diferentes essas
e de sua liberdade: a mentira de que duas parcelas da população. Dados do
nós não resistimos. Ipea1 revelam que a 77% das vítimas
de homicídio no Brasil são negras e
Em primeiro lugar, é preciso dizer que 66% das mulheres assassinadas
que essas inverdades só foram tidas no país são negras. Mulheres negras
como verdades durante tanto tempo são as que recebem, em média, os sa-
porque ao mesmo tempo em que lários mais baixos no país e têm maior
havia um esforço deliberado de afas- dificuldade em sair do desemprego,
tar-nos da academia, da literatura, das enquanto homens brancos recebem
ciências, de forma que não pudés- na média as mais altas remunerações
semos contar a nossa própria histó- e ficam menos desempregados. A vio-
ria, havia também uma ignorância lência racial no Brasil é, além de todas
generalizada sobre a nossa produção as outras formas, econômica.
1.
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes

23
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

os conhecimentos,
“A liberdade não foi uma hábitos, línguas, re-
ligião e costumes de
concessão, mas uma África, considerados
conquista alcançada na diabólicos ou selva-
gens pelo coloniza-
luta travada por essas dor europeu. Outras
ocorriam em campo
pessoas antes de nós. ” aberto e tinham
como objetivo a
A contribui- luta pela liberdade.
ção negra para O livro “Rebeliões de Senzala”, do
a formação do Brasil grande marxista negro brasileiro Clóvis
é imensa, incalculável. Os africanos Moura, conta histórias dessas diversas
trazidos para o Brasil como mercado- formas de resistência. Foram muitas
ria e como força de trabalho trouxe- as rebeliões, revoltas, guerrilhas,
ram consigo todo o conhecimento dentro e fora dos milhares de qui-
que os seus povos detinham em lombos que se espalharam pelo Brasil
África. Política, técnicas de agricultu- ao longo de todo o longo período de
ra, culinária e economia, assim como duração da escravidão negra no Brasil.
conhecimentos matemáticos, astro- Especialmente a Bahia do século XIX
nômicos e militares, língua, religião, foi palco de diversos levantes de ne-
música, filosofia. No Brasil, seja no gros livres e escravizados, que lutavam
trabalho sob julgo da escravidão, seja pela abolição da escravidão e da ex-
de forma remunerada, trabalhadores ploração, e o fim da violência. O mais
e trabalhadoras negras exerceram famoso desses levantes talvez seja
inúmeras atividades profissionais ao a Revolta dos Malês, liderados por
longo dos séculos e contribuíram para trabalhadores negros (livres e escravi-
a formação territorial, econômica e zados) em Salvador, no ano de 1835,
cultural do país, frequentemente sob que reivindicavam o fim da escravidão,
grande violência. da perseguição religiosa e da imposi-
ção do catolicismo e a criação de uma
Negros e negras africados trazidos república, entre outras reivindicações.
à força para as Américas resistiram à Foi uma revolta violenta, em que cerca
escravidão, à exploração e à violência de 70 rebeldes foram assassinados e
desde os primeiros navios negreiros outros quase 300 presos e degreda-
que aportaram aqui. Há registros de dos. Esta, no entanto, é apenas uma
que os primeiros quilombos no Brasil das inúmeras revoltas lideradas por
tenham se organizado poucos anos trabalhadores e trabalhadoras negras
depois da chegada dos primeiros ao longo do período sangrento da
trabalhadores africanos. Ao longo dos escravidão.
séculos, muitas foram as formas de
resistência dos trabalhadores escra- O 13 de maio, data da assinatura da
vizados. Algumas, mais silenciosas, Lei Áurea, que acabou com o instituto
tinham como objetivo manter vivos jurídico da escravidão no Brasil, foi

24
celebrada durante muitas décadas foi assassinado Zumbi do Quilombo
como o dia da libertação dos trabalha- de Palmares, como uma data a ser
dores escravizados. De certa forma, celebrada pela negritude brasileira,
a celebração dessa data tem uma condizente com a sua história de
relação íntima com a visão do fim da resistência à escravidão. E é com isso
escravidão como uma concessão gene- em mente que o belo afoxé “Quilombo
rosa de uma princesa branca cheia de axé”, composto pelo músico baiano
compaixão a uma multidão de pessoas Mestre Zumbi e eternizado pelo grupo
escravizadas que aceitavam de bom Afoxé Oyá Alaxé, diz:
grado o destino infeliz que receberam.
Esta é uma visão distorcida da história. “Eu vou pegar minha viola. Eu sou
Ela ignora o papel ativo e combativo um negro cantador. A negra canta,
de luta e resistência que essa massa deita e rola é na senzala do senhor. Vou
imensa e diversa de pessoas negras – tocar fogo no engenho, meu pai, onde o
africanas e brasileiras -, em relação de negro apanhou.
íntima solidariedade com indígenas e (...)
trabalhadores brancos, exerceram em
território brasileiro. A liberdade não Irmãos e irmãs, assuma sua raça,
foi uma concessão, mas uma conquista assuma sua cor. Essa beleza negra
alcançada na luta travada por essas Olorum que criou. Vem pro Quilombo
pessoas antes de nós. Reconhecendo Axé dançar o Nagô. Todos unidos num
esse papel e a necessidade de resgatar só pensamento, levando a origem desse
essas histórias silenciadas, é que o carnaval, desse toque colossal. Pra
Grupo Palmares, de Porto Alegre, em denunciar o racismo. Contra o Apar-
1971, passou a reivindicar a data do 20 theid Brasileiro. 13 de Maio não é dia de
de novembro, em que no ano de 1695 negro. 13 de Maio não é dia de negro.”

Revolta dos Malês - levante de escravos em Salvador (1835)

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

luiza mahin
líder da revolta dos malês
(1835) na bahia
26
7. RACISMO ESTRUTURAL: COMPREENDENDO
O CONCEITO E O LEVANDO ÀS ÚLTIMAS
CONSEQUÊNCIAS
Patrick Veiga

A ascensão da luta antirracista diferentes formas de manifestação do


em 2020, a partir do assassinato de racismo no Brasil e nos Estados Uni-
George Floyd nos Estados Unidos, dos. Por aqui, ocorreu, pós-escravi-
colocou o debate racial na ordem do dão, um processo de racismo velado.
dia na mídia tradicional, nas redes Não foi necessário um conjunto de
sociais, nos parlamentos e nas ruas. leis segregacionistas para que negras
Desde então, o termo “racismo estru- e negros fossem jogados para as
tural” tem sido bastante utilizado em periferias, por exemplo. Diferente dos
diferentes contextos. O uso indiscrimi- Estados Unidos, onde de fato existiu
nado do conceito demonstra, por um uma legislação que separava negros e
lado, a intenção de domesticar a luta negras em escolas, hospitais, bairros e
antirracista; por outro, revela o puro espaços públicos como praças, bares e
desconhecimento. transporte público.
Analisar o racismo enquanto ele- Foi a partir de uma análise equivo-
mento estrutural de uma sociedade cada das diferentes manifestações
pressupõe compreender os meca- do racismo nesses dois países que
nismos de reprodução das relações Gilberto Freyre, depois de passar uma
sociais que perpetuam as desigual- temporada nos Estados Unidos, for-
dades entre os diferentes grupos mulou a ideia da democracia racial no
racializados. A partir dessa análise Brasil. De acordo com ele, por aqui,
é possível entender o racismo não negros, indígenas e brancos conviviam
simplesmente como práticas individu- em plena harmonia. Essa formulação
ais ou de grupos, mas enquanto um tornou-se uma ideologia reproduzida
processo histórico e político consti- pelas elites brasileiras com o objetivo
tuído por um conjunto de práticas e de criar uma ideia de nação, a qual
políticas que, consciente ou incons- pressupõe homogeneidade, escon-
cientemente, conferem desvantagens dendo as diferenças e amenizando
a uns e privilégios a outros ao longo os conflitos, principalmente nos anos
de um determinado período histórico. de governo Vargas. Até hoje, parte
Entendendo que o racismo é processo da luta do movimento negro consiste
histórico e político, pode-se concluir em questionar e denunciar o mito da
que esse fenômeno social se manifes- democracia racial, demonstrando que
tará de formas variadas a depender da negros, negras e indígenas sofrem e
formação política e social na qual ele sofreram um processo de segregação
se manifesta. Um exemplo pode ser as e discriminação que até hoje faz com

27
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

que a população negra seja a maioria para a classificação e comparação das


nos presídios, favelas e postos de mais diversas culturas, dando origem
trabalho precarizados, além de estar à distinção filosófica-antropológica
mais distante dos espaços de poder entre civilizado e selvagem. Dessa
político e de destaque social. Portan- forma, o colonialismo receberia uma
to, conclui-se que é necessário ter em justificação moral: civilizar os povos
conta o caráter processual e histórico selvagens. Com isso, é possível com-
do racismo para se entender as pecu- preender como o conceito de raça vai
liaridades do racismo à brasileira. assumindo relevância, não somente
para classificar seres humanos, mas
Até aqui, buscou-se demonstrar para organizar econômica, social e
que o racismo precisa ser compre- politicamente a sociedade contempo-
endido enquanto processo histórico, rânea no contexto de ascensão do po-
porém, não é possível analisar como der burguês e do modo de produção
o racismo se constitui sem antes ana- capitalista. No século XIX, surge o cha-
lisar a formação do conceito de raça. mado “racismo científico”. O espírito
Muitos teóricos questionam a origem positivista torna a questão racial uma
desse termo. Alguns apontam uma indagação científica. Alguns cientistas,
origem bastante recuada no tempo. com base nas descobertas da biologia
Porém, é somente na modernidade, da época, sustentavam que deter-
a partir dos séculos XV e XVI, que os minadas características biológicas
homens passaram a classificar, pri- estariam ligadas a comportamentos
meiro plantas e animais, e, posterior- morais. Segundo eles, sujeitos de pele
mente, seres humanos em categorias não-branca seriam mais inclinados a
diversas. Segundo Silvio Almeida, comportamentos imorais, um exem-
as chamadas grandes navegações e plo é a obra de Cesare Lombroso. Os
a “descoberta do Novo Mundo”, no
contexto da expansão mercantilis-
ta, configuram a base material que
levou a cultura renascentista a refletir
sobre a unidade e a multiplicidade da
existência humana. A partir daí, os
europeus passaram a estabelecer
categorias e classificações aos po-
vos encontrados de acordo com os
aspectos fisionômicos e culturais
ao mesmo tempo em que estabe-
leciam juízos morais com base na
cultura europeia. No século XVIII,
o projeto iluminista de transfor-
mação social deu impulso ao
estudo do “Homem” enquanto
objeto do conhecimento fi-
losófico, formulando as fer-
ramentas que contribuíram

28
pressupostos do discriminação. A
racismo científico
serviram para em-
“parte da luta do diferença é que
a discrimina-
basar as barbáries movimento negro consiste ção pressupõe
cometidas pelo na- poder. Dessa
zismo na Alemanha em questionar e denunciar forma, tanto
no século XX. o mito da democracia o preconceito
racial quanto
Após passar racial, demonstrando que a discrimina-
brevemente pelo
histórico da consti- negros, negras e indígenas ção racial são
manifestações
tuição do conceito
de raça, é possível
sofrem e sofreram um do racismo. A
diferença é que
voltar à discussão processo de segregação e o racismo é a
sobre racismo. Já
foi dito que o ra- discriminação que até hoje forma sistemá-
tica de discrimi-
cismo constitui-se
enquanto processo
faz com que a população nação que tem a
raça como fun-
político e histórico negra seja a maioria nos damento. Não
no qual determina-
dos grupos são pri- presídios, favelas e postos se trata de casos
isolados, mas
vilegiados, enquan-
to outros sofrem
de trabalho precarizados” de um conjun-
to de práticas
desvantagens. É discriminatórias
preciso ainda, diferenciar racismo de cometidas pelos indivíduos e institui-
preconceito e de discriminação racial. ções recorrentemente, consciente ou
O preconceito racial é o juízo baseado inconscientemente.
em estereótipos acerca de indivíduos
que pertencem a um determinado Mas por que as pessoas e as
grupo racializado. Por exemplo, achar instituições são racistas? A respos-
que um negro é mais inclinado para ta está na concepção do racismo
ações criminosas ou que mulheres ne- estrutural. Este conceito é importante
gras são sempre mais raivosas. A dis- porque é o único que dá conta de
criminação racial, diferentemente do explicar como o racismo é produzido
preconceito racial, é a atribuição de e reproduzido nas relações sociais,
tratamento diferenciado a membros econômicas e políticas. Acima, foi
de grupos racialmente identificados. descrito como o conceito de raça foi
Para seguir o exemplo, acima, quando fundamental para justificar o colo-
uma pessoa atravessa a rua por ver nialismo e a escravidão, tornando-se
um homem negro se aproximando e um conceito fundamental para a
achando que poderia ser assaltada, formação da sociedade contemporâ-
está cometendo preconceito. Quando nea. Uma sociedade fundada sobre
a polícia aborda esse homem negro a exploração brutal de negros e
violentamente somente pelo fato de indígenas só poderia formar institui-
parecer suspeito, está cometendo ções e formular uma ideologia que

29
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

justificasse a exploração, ao mesmo Nesse sentido, é necessário com-


tempo em que garantisse a manuten- preender o racismo enquanto um
ção do poder dos grupos dominantes. processo sistemático de discriminação
No Brasil, o processo de escravidão que tem a raça por fundamento e que
formou uma elite branca detento- as instituições e indivíduos são racis-
ra do poder político e econômico. tas porque a sociedade é racista. Esta
A passagem da escravidão para o é a principal conclusão da concepção
capitalismo foi marcado pelo estigma estrutural do racismo. Se levado às
carregado pelos ex-escravizados e por últimas consequências, chegar-se-á
uma legislação que não incluiu negros a conclusão de que para acabar com
e negras na sociedade. Formou-se o racismo não basta simplesmente
uma vasta população negra que não políticas públicas para negros e negras
tinha acesso à moradia, saúde e edu- e punição para os racistas. É preciso
cação. Ao mesmo tempo, ocorreu um uma transformação radical da socie-
processo de higienização que afastou dade. É necessário subverter o estado
cada vez mais os ex-escravizados e de coisas com a tomada do poder
seus descendentes diretos dos cen- político pelos mais explorados. Não
tros das grandes cidades, formando será possível acabar com o racismo
as vilas e as favelas. A preferência por nos marcos do capitalismo. É por isso
trabalhadores brancos e europeus e que a luta antirracista precisar ser an-
a falta de acesso à educação também ticapitalista. É óbvio que a população
causaram a dificuldade de acesso negra e os brancos aliados precisam
de negros e negras ao mercado de lutar por melhores condições de
trabalho, o que os levou a ocupar os trabalho, acesso à saneamento básico
postos de trabalho mais precarizados, e à educação e por uma vida digna
sem direitos e com baixos salários. para a população negra. Isso é a vida
Com isso, percebe-se como a miséria real, são as demandas mais imediatas.
da população negra não é apenas Mas é preciso ir além. Somente a to-
uma herança da escravidão, mas sim mada de consciência da necessidade
um processo que se reproduz com histórica de superação da exploração
novos mecanismos na sociedade capi- de poucos sobre muitos e da condição
talista. Essa desigualdade existente de negro em uma sociedade racista
nas relações sociais de produção baseada na superexploração da mão
gera conflitos entre as elites e os de obra constituída em sua maioria
explorados. Estes conflitos, para que por negras e negros é que será pos-
a sociedade não entre em colapso, sível construir uma nova sociedade
precisam ser amenizados. Esse é o com as nossas próprias mãos. Todos
papel das instituições como a escola, os partidos políticos que se propõem
o judiciário, a polícia, o exército e os a transformação radical da sociedade
parlamentos, por exemplo. É por isso precisam compreender a centralidade
que as instituições e os indivíduos, da luta negra, não como uma luta se-
em uma sociedade racista, reprodu- torial, mas como uma luta estratégica
zem o racismo. fundamental.

30
8. IV Conferência Nacional
de Promoção da Igualdade
Racial e Paralelos
históricos
Rafa Rafuagi
Políticas
Em 2017 fui eleito um dos mais jo- de Igualda-
vens Delegados do movimento negro de Racial.
do Estado do Rio Grande do Sul para Só é possí-
a IV Conferência Nacional de Promo- vel discutir,
ção da Igualdade Racial - CONAPIR implantar e
com o tema “O Brasil na década dos ampliar políticas
afrodescendentes (2015 a 2024): públicas para a população negra se
reconhecimento, justiça, desenvolvi- tivermos o compromisso dos prefei-
mento e igualdade de direitos”. A IV tos, gestores e governadores com
CONAPIR aconteceu entre os dias 27 essas políticas. Para acessar o Sistema
e 30 de maio de 2018, em Brasília, Nacional, o estado ou o município
seis meses depois do previsto para precisa ter um órgão de igualdade
ocorrer entre os dias 5 e 7 de novem- racial e um conselho (municipal ou
bro de 2017, sendo adiada devido ao estadual) de igualdade racial criado.
contexto político de luta contra o gol- Com a adesão, torna-se possível bus-
pista Michel Temer, Eduardo Cunha car recursos federais para políticas de
e toda corja que compactuou com igualdade racial nessas localidades.
a injusta e ilegal criminalização da Porém, é preciso estarmos atentos(as)
guerreira Presidenta Dilma Rousseff, às mutações do racismo estrutural
impeachmada em 2016. e institucional durante as décadas
ou séculos, e entendermos que os
A meta da IV CONAPIR foi discutir poucos avanços obtidos pela popula-
e efetivar políticas públicas voltadas ção negra brasileira de 2013 até 2018
para população negra e combater a entre as conferências foram sistema-
discriminação racial, evidenciando ticamente pensados, como alguns
que é obrigação de todos os governos, paralelos históricos que escreverei a
independentemente de ideologia seguir para enegrecer o raciocínio e
política, agir acerca deste tema. Além fortalecer a luta antirracista no país.
de cobrar a realização de conferências
nos municípios e estados. É preciso o Uma das principais estratégias de
envolvimento dos estados e municí- neutralização das negras e dos negros
pios na formulação e implementação do Partido dos Panteras Negras duran-
de políticas públicas, começando te as décadas de 60, 70 e 80 utilizada
pela adesão ao Sistema Nacional de pelo governo norte-americano foi a

31
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

fabricação de acusações que levou par-


tidários à prisão. Alguns dos Panteras “A mesma estratégia
estão presos até hoje. Igualmente, no
Brasil, há séculos, forjam-se crimes e utilizada nos EUA se
criam-se leis que, sob pretexto de re-
dução da violência, mostram-se racis-
faz presente no Brasil
tas ao promoverem o encarceramento
em massa da população negra brasi-
de hoje, legitimando a
leira. A mesma estratégia utilizada nos “Guerra às Drogas” no
EUA se faz presente no Brasil de hoje,
legitimando a “Guerra às Drogas” no Estado brasileiro dentro
Estado brasileiro dentro da Favela, mas
nunca de Alphaville. Assim como a Lei da Favela, mas nunca de
Antidrogas de 2006 (a lei 11.343/2006
instituiu o Sistema Nacional de Polí-
Alphaville”
ticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), Ainda assim, nossa resistência e
que estabeleceu normas para repres- afrontamento está conectada ao afro-
são à produção e ao tráfico de drogas futurismo, que nos faz encontrar na
e definiu usuário e traficante, sem ancestralidade, ações que podem dar
estabelecer uma distinção clara entre respostas e meios para agora e para o
eles), carrega um viés racista, no século futuro. Os Panteras Negras, por exem-
19 também o Decreto nº 847, de 11 plo, mesmo com a perseguição das
de outubro de 1890, foi pensado pela autoridades, continuaram a promover
branquitude racista brasileira. Conhe- a doação de lanches, cestas básicas,
cido como Código Penal dos Estados testes de anemia nas crianças negras,
Unidos do Brazil, implementou a Lei escolas para a comunidade. As atitu-
de Vadios e Capoeiras, criminalizando des inspiraram o mundo inteiro, inclu-
a cultura negra em suas manifestações sive o Programa Hip Hop Alimentação
da capoeira e das práticas de matriz da Casa da Cultura Hip Hop de Esteio
africana. Foi uma forma de dominação (@achesteio), que atua de modo se-
pós-abolição da escravatura em 1888, melhante aos Panteras Negras em dez
que, sem promover qualquer tipo de das maiores cidades do Rio Grande do
indenização, deixou negros e negras Sul, com ações emancipatórias em re-
em situação de mendicância, descrita lação à fome, ao pensamento crítico e
pelo Estado, de forma maquiavéli- à economia, colocando a negritude no
ca, como vagabundagem, levando a centro do orçamento, tendo já doado
severas punições de até 300 açoites, 94 toneladas de alimentos em menos
calabouço e “prisão cellular por dous a de 3 anos de existência, e gerado mais
seis mezes”, mostrando o quão presen- de 200 vagas de trabalho decente.
te ainda estava o fazer relembrar do
horripilante período da escravidão no
país. Absurdamente, de 1889 a 1937, a
capoeira foi considerada crime previsto
pelo Código Penal.

32
9. RefLexões
autoafirmação de nada serve.
Mas voltemos ao ponto do auto-
sobre o papel da diagnóstico, pois parece-me que este
sim não só é válido como necessário:
branquitude e a luta nós, enquanto pessoas brancas, somos
oriundos de uma sociedade racista,

antirracista ou melhor, de um racismo endêmico.


Mesmo o mais bem intencionado dos
brancos, mesmo que não queira, será,
Adriano Viaro e Fernanda Melchionna em algum momento (ou em vários)
beneficiado pelo privilégio da cor.
Não consigo imaginar uma pessoa Muitos dos não negros que querem
branca, independentemente de sua dizer que não têm responsabilidade
condição social (e isso é importante pelo racismo, afirmam “mas não fui eu
ser dito e destacado) que, não só quem escravizei”. Em primeiro lugar, é
para combater o racismo, como, preciso dizer que todos nós, brancos,
sobretudo, participar de um processo somos descendentes de pessoas que
de educação antirracista, possa fazê- diretamente ou indiretamente se bene-
-lo sem primeiramente identificar o ficiaram da escravização no seu tempo.
racismo como um sistema estrutural. E que seguem desfrutando dos privilé-
Ou seja, vai além da simples falta de gios na raça na atualidade. Não é à toa
empatia ou aceitação do outro. Claro que a “carne mais barata” do mundo
que existem indivíduos mais violen- do trabalho segue sendo a negra, em
tos e conscientemente se organizam especial a das mulheres negras.
como supremacistas brancos, etc. Mas
quando falamos em um sistema estru-
tural, estamos falando de um proces-
so econômico, político, ideológico que
“Em primeiro lugar, é
permeia séculos na sociedade. preciso dizer que todos
Este sistema está na estrutura como nós, brancos, somos
um todo: cultura, política, educação,
acessos em geral, autoestima estética e descendentes de pessoas
intelectual, além, é claro, da economia.
E se partirmos do ponto em que, em
que diretamente ou indire-
todos estes aspectos, a pessoa negra é tamente se beneficiaram da
preterida por outra, apenas pela cor de
sua pele, teremos a dimensão de que escravização no seu tempo.
não basta um discurso ou uma autoa-
firmação “não racista”. Primeiramente,
E que seguem desfrutando
em relação aos “autoafirmados” ou dos privilégios na raça na
“autodesconstruídos”, a filosofia já
nos ensinou, desde os tempos antigos, atualidade.”
que toda virtude é silenciosa. Logo, a

33
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

Em resumo, antes de falarmos no reconhecimento, assimilação e, sobre-


papel da branquitude, precisamos sa- tudo, ação. Não nos basta apenas o
ber onde estamos inseridos no racismo discurso e muito menos a postagem de
de nossa sociedade. Poucos de nós já hashtags do tipo “vidas negras impor-
pararam para se perguntar por que tão tam” na foto do perfil de redes sociais.
poucos médicos negros conhecem na Aliás, isso está mais para álibi para a
vida (se é que conheceu), se questionar sequência de práticas racistas do que
por que nas novelas e outras expres- para algo de efetivo no assunto.
sões de reprodução de ideologia na
sociedade, em geral, cabe aos negros A comunidade branca em geral pre-
o papel de doméstica ou mesmo de cisa educar e conscientizar as novas
bandido. Porque, em geral, não somos gerações de pessoas brancas, através
nós os perseguidos no supermercado do resgate da memória, da história,
ou nunca seremos confundidos com da estética, da cultura e da bravura
bandidos por estarmos fazendo um dos negros, que aqui chegaram e,
simples passeio de bicicleta. sobretudo, que construíram este país.
Creio que o processo de resgate deva
Por incrível que possa parecer, a ser feito não só por questões históri-
partir do momento em que a pessoa cas (passado – embora sejam funda-
branca se reconhece numa socieda- mentais), mas também pela percep-
de racista, e portanto, reproduzindo ção do presente e das injustiças que
consciente ou inconscientemente o seguem sendo perpetuadas desde
racismo, a sua função em um pro- o oito de maio de mil oitocentos e
cesso de conscientização e educação oitenta e oito. Porém, isso não pode
antirracista torna-se mais fácil. Aliás, passar a impressão de que o papel, ou
“mais fácil” é algo que se encaixa per- melhor, a responsabilidade, é apenas
feitamente com pessoas brancas. Mas de educadores – até porque estes
vamos ao processo como um todo.
Em sendo racista (em algum per-
centual ou privilégio) é preciso que
busquemos nessa estrutura que nos
beneficia a antecipação das situações
em que pessoas negras são preteridas
por cada um de nós. Até porque, e
aqui me coloco em local de fala da
branquitude, a “não busca” de tal
antecipação passa a ser uma espécie
de conivência com o sistema opressor
do qual falei.
A educação antirracista, a partir
da perspectiva de papel da branqui-
tude, precisa, primeiramente, ser
ressignificada de “papel” para “res-
ponsabilidade”. Somos responsáveis
por mudar o que aí está a partir de

34
Pegando o gancho no parágrafo
“A educação anterior, creio que passe também por
antirracista, a partir aí a responsabilidade da branquitude:
mostrar às pessoas brancas as mais
da perspectiva de diversas situações do dia a dia, além,
é claro, de uma educação voltada a
papel da branquitude, não aceitação de piadas e estereó-
tipos com pessoas negras, em seus
precisa, primeiramente, mais diversos espaços de convivência,
a começar pelo seio familiar. Outro
ser ressignificada aspecto importante, está no enten-
de “papel” para dimento, reconhecimento e reivin-
dicação para que as tropas policiais
“responsabilidade.” tratem a população com equidade
de protocolos, atitudes e respeito.
Não podemos esquecer que as forças
policiais cumprem papel fundamental
também carecem de tal consciência na manutenção do racismo estrutural
(basta lembrar da natureza endêmica em nosso país, assim como a famige-
do racismo e do fato de que um curso rada Guerra às Drogas, que tem sido
de licenciatura não é nenhum tipo de usada historicamente para encarcerar
processo de canonização) – mas sim a juventude negra do nosso país.
de toda pessoa branca da nação.
Dito isso, e lembrando Ângela Davis,
Quando falamos em processo, não basta não ser racista, precisamos
já temos a impressão de que tudo ser antirracistas. Porém, de forma
levará tempo, mas que quanto mais efetiva e eficaz e não apenas cumprin-
protelarmos, mais teremos prorro- do protocolos sociais de convivência
gada a solução desta que é a maior ao afirmarmos nosso pretensioso “não
mácula, ou mancha branca, de nossa racismo” – enquanto calamos diante
história. Outro aspecto importante na das injustiças sociais praticadas contra
responsabilidade da branquitude, é o a população negra ao usufruirmos de
entendimento concreto de seus privi- nossos privilégios em posturas típicas
légios, desde as ruas de seu bairro até de Pôncio Pilatos. A educação antirra-
as dimensões mais expressivas de sua cista passa pela branquitude também
vida social. O trânsito livre pelas ruas – entender seus privilégios e usar essa
sem causar constrangimento ou pânico educação para enfrentar o racismo.
em quem vem na direção oposta; o Não se pode usar o legítimo debate so-
lugar que não fica vago ao seu lado bre lugar de fala para silenciar e ajudar
no transporte público; o filho que não na reprodução sistêmica do racismo.
recebe a recomendação de cortar o ca- Evidente, que os principais protogonis-
belo ou se sentar no fundo da sala de tas da luta antirracista são os negros e
aula, entre outros, são situações que a negras, mas é nosso dever, nossa obri-
pessoa branca pode não perceber, pois gação, nossa responsabilidade e nosso
lhe são absolutamente normativas. compromisso moral ser parte da luta.

35
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

GUSTAVO AMARAL,
PRESENTE!
36
10. Ações
afirmativas, acesso
e permanência na
universidade
Bryan Rodrigues e Fran Rodrigues

As ações afirmativas têm um


papel fundamental para o avanço
da população negra nos espaços em
que são aplicadas, porque, através
do que chamamos também de cotas
raciais, negros e negras ingressaram
nas universidades públicas fazendo
com que a qualidade das universi- estrutural e essas ações paliativas não
dades e a diversidade dentro delas acabam, portanto, com o racismo na
acontecesse. sociedade como um todo.
As ações afirmativas servem de for-
ma mais direta para barrar as desigual- Papel do Movimento negro nas
dades sociais, fazendo com que grupos ações afirmativas da UFRGS
historicamente subalternizados tenham A política de cotas tem um papel
acesso a espaços como as universida- de disputa objetiva sobre o que a
des, mercado de trabalho, entre outros. universidade irá produzir enquanto
Vivemos no país que está entre os Ciência e para quem. Se nós, negros
dez mais desiguais do mundo e essa e negras, somos os mais penalizados
desigualdade tem cor no nosso país. hoje, formamos grande parte da
massa carcerária e os mais vitimados
Em 2020 o Ipea, apontou que a nesse país, não ter um rosto negro
população negra e de baixa renda é produzindo Ciência é contribuir para o
a população que possui mais dificul- aprofundamento dessa injustiça.
dades para acessar trabalho, saúde e
educação. Com a implementação das Nessa perpectiva o papel do movi-
cotas vimos um avanço da população mento negro no próximo periodo nos
negra e pobre dentro da universida- traz grandes desafios. Se para nós está
de e do mercado de trabalho, mas muito claro que avançamos ao vermos
somente isso não basta. É preciso os filhos da doméstica dentro da uni-
políticas de permanência na gradu- versidade, temos certeza de que ainda
ação para esses estudantes. E não temos muito a conquistar e que as
podemos esquecer que o racismo é cotas devem permanecer. Além disso,

37
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

a ampliação dessas medidas precisa Acesso ao ensino superior


ser garantida em 2022, ano de revisão
da política de cotas. Será nossa tarefa, Uma parte importante dos ne-
enquanto movimento negro, lutar gros e negras que acessam o ensino
para garantir mais esse avanço. superior vem de cursinhos pré-ves-
tibulares populares. Como exemplo,
Está mais do que provado que as temos o Emancipa, que cumpre um
desigualdades sociais nesse país têm papel fundamental, auxiliando esses
recortes de gênero e de raça, e, para estudantes ao se deparar com provas
nós que, em grande maioria, preci- elitizadas e fora do contexto social
samos trabalhar e estudar, além de das escolas públicas que sofrem com
assumir ainda uma tripla jornada de a precariedade de recursos.
trabalho, precisamos lutar para fazer
com que as universidades garantam Nesse sentido, vimos o Ministério
condições para a nossa permanência. da Educação, em meio a uma pande-
Não por qualquer benevolência, e sim mia com altíssimos níveis de evasão
porque produzimos pesquisa, ciência - escolar, construir uma prova que só
condição essa que, por muito tempo, beneficia aqueles que tiveram acesso
nos foi negada. a recursos para estudar. Prova disso
é o Enem, que, em 2016, contou
Muitos de nós já sentimos os impac-
com 1,1 milhão de pessoas pretas
tos da desigualdade muito antes de
inscritas, e, em 2021, teve apenas
entrarmos na universidade. Quando
vemos, por exemplo, que até 90% da 362,3 mil candidatos. Uma redução
nossa nota no ENEM pode ser influen- drástica. Isso mostra que precisamos
ciada por fatores socioeconômicos e garantir cada vez mais condições
culturais, como demonstrado em uma para que o povo preto e pobre aces-
pesquisa do Gaúcha ZH1, de 2019. se as universidades.

1
https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2019/07/90-da-nota-do-enem-e-in-
fluenciada-por-fatores-economicos-e-culturais-indica-analise-feita-por-gauchazh-com-uso-de-inteli-
38 gencia-artificial-cjyk4u1jq054u01msvn171rj2.html
11. O racismo no
assevera o quanto o quadro é preocu-
pante, pois estamos relatando apenas
a ponta do iceberg que são os insultos
futebol brasileiro e xingamentos.

na atualidade Pelo sétimo ano consecutivo produzi-


mos o Relatório Anual da Discriminação
Racial no Futebol e acreditamos que
Márcio Chagas e Marcelo Carvalho ainda exista um longo caminho a trilhar
para que os casos de preconceito e
O racismo estrutura a sociedade discriminação deixem de existir, afinal
brasileira e está em todo lugar. No eles são reflexos e parte estruturante
futebol não poderia ser diferente. de uma sociedade preconceituosa e
Mesmo que tenhamos grandes ídolos racista, sendo os estádios de futebol
negros dentro dos clubes no Brasil é e a internet apenas mais um palco no
impossível negarmos a presença do qual é possível ver todo o tipo de ódio
racismo, contudo muitas vezes essa e violência ser disparado contra atletas,
presença foi usada para afirmar que dirigentes, torcedores e outras tantas
no futebol discriminação racial não pessoas envolvidas no mundo esporti-
existe. Mas a presença dos negros e vo. No entanto, é importante salientar
negras no futebol não é uma comple- que os constantes casos de racismo nos
ta aceitação e, sim, uma tolerância estádios, na internet e demais espaços
baseada em desempenho. Afinal no derrubam o antigo mito da democracia
primeiro erro ou no entendimento racial que durante muitos anos existiu
de baixo rendimento, os torcedores no Brasil e que teve no futebol um falso
e dirigentes se sentem autorizados a exemplo de como as diversas raças
desumanizar jogadores e jogadoras viviam em harmonia no nosso país.
negras. O trabalho do Observatório
da Discriminação Racial no Futebol de Um olhar descompromissado pela
monitorar as denúncias de racismo “fotografia” da seleção brasileira era
capaz de nos fazer acreditar que atle-
tas negros e não negros, assim como
torcedores vivem uma relação sem

“a presença dos negros e


negras no futebol não é
uma completa aceitação
e, sim, uma tolerância
baseada em desempenho”

39
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

Destacamos que de 2016 a 2019,


anualmente os números dos casos de
discriminação no esporte brasileiro
aumentavam ano após ano. No ano
de 2020, os casos tiveram uma queda
significativa de 50,65% (cinquenta
e sessenta e cinco por cento) em
sua totalidade entre todos os tipos
de preconceito trabalhados neste
relatório. Entretanto não podemos
esquecer que foi um ano atípico, com
pandemia e sem público nos estádios.
Mesmo assim, destacamos um núme-
ro elevado de incidentes discriminató-
rios, sendo que o público nas compe-
tições nacionais, não completaram
exatos três meses no Brasil.
A intolerância demonstrada das
conflitos nos estádios brasileiros, mas formas mais diversas não está mais
os inúmeros casos já denunciados nos restrita aos estádios e à internet, como
em nossos Relatórios, de 2014 a 2019, visualizado ano a ano em nossos Relató-
(ver abaixo) comprovam que essa har- rios. As denúncias envolvem programas
monia não é plena e que no momento esportivos ou telejornais de rádio, tele-
de derrota o culpado tem uma cor, visão, sede administrativa de entidades,
seja na seleção, seja nos clubes. transporte público, locais sociais e de

Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol

2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Discriminações
Brasil (Racial, 20 41 35 69 80 136 58
LGBTFobia, Machismo
e Xenofobia)
Discriminações
Exterior (Racial, 8 9 7 8 8 18 8
LGBTFobia, Machismo
e Xenofobia)

Total
28 50 42 77 88 154 76

40
lazer, entre os mais variados espaços. orientação sexual:
A luta por espaços das chamadas gays e lésbicas.
minorias (negros, homossexuais, Invibilizando,
mulheres, transgêneros, entre outros) dessa manei-
tem seu reflexo no futebol, seja no ra, bissexuais,
aumento dos incidentes ou no cresci- transsexuais
mento das denúncias. e pessoas não-
-binárias, por
A partir do Relatório 2017, passa- exemplo. Sendo
mos a utilizar o termo LGBTfobia no assim, a utilização
lugar de homofobia. Decidimos por de LGBTfobia é no
essa alteração porque homofobia diz sentido de trazer
respeito à homossexualidade, sendo também essas questões de identidade
“fobia”, a aversão, e o “homo”, igual; de gênero que extrapolam a questão
portanto diz respeito especificamente da sexualidade, para que se fale tam-
a relações entre pessoas da mesma bém sobre outras vivências.

Total de casos anuais do Racismo no futebol (2014 - 2020)

180
160
140
120
100
80
60
40
20
0

2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Soma dos casos do Brasil + exterior

41
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

laudelina de campos melo


pioneira na luta pelos direitos de
trabalhadores e trabalhadoras
domésticas no Brasil
42
12. cOMO
Os fatores culturais podem ser
abordados dentro de inúmeras face-
tas dentro da educação, trazendo a
EDUCAR DE FORMA historicidade negra como protagonis-
ta, demonstrando seus processos de
antirracista? resistência e o porquê da importância
de reconhecer a Cultura Afro-Brasi-
Tirza Medeiros Moraes leira como uma das formadoras da
história do país, fazendo entender que
é parte da história como um todo e
Mesmo com o implemento da Lei não algo separado, como por muitas
10.639/03, que tornou obrigatório no vezes é ensinada.
ensino brasileiro os conhecimentos
de História e Cultura Afro-Brasileira, A integração destas demandas
na prática, de fato, alguns fatores culturais e históricas é um fator que
passam despercebidos. É importante apresenta uma questão latente den-
que, para além da lei, também se tro da sociedade brasileira: o apaga-
apresente parte da função de uma mento da história negra, o silêncio de
didática antirracista, ou seja, a manei- suas batalhas sofridas, perdidas e das
ra como serão abordados os pontos vitoriosas. Portanto é extremamente
culturais e históricos a serem traba- necessária esta integração para que
lhados. O assunto tende a ser abor- se possa reconhecer os processos
dado em datas específicas, como o históricos passados, assim como os
20 de novembro, porém é importante de aqui e agora. A inclusão pode se
ressaltar que a educação antirracista dar a partir de práticas pedagógicas
é um fator de movimento, sendo ne- que prezem por um diálogo, onde os
cessário um trabalho intenso e diário, educandos também sejam portadores
para que de fato esta seja implemen- da sabedoria, para que assim enten-
tada com sucesso. dam como os ancestrais negros, es-
cravizados e os que resistiram fizeram
Quando se trata de conteúdo pro- parte da formação histórica do país.
gramático, não basta que este esteja Estes educandos também fazem parte
inserido apenas em datas específicas, desta construção, por isso é tam-
mas sim dentro dos assuntos que bém importante demonstrar a sua
serão trabalhados durante todo o ano importância nos processos históricos,
escolar, e que haja alguma continui- econômicos e culturais.
dade nesses aprendizados. É também
imprescindível o cuidado ao formular A educação antirracista deve ser
estes conteúdos, por exemplo, ao trabalhada sempre em diálogo com as
apresentar a história do Brasil, dialo- realidades as quais as escolas estejam
gar sobre as referências negras dentro inseridas, após apresentar e propor
do seu espaço geográfico, as influên- certas atividades, com seus conheci-
cias, os sofrimentos e principalmente mentos específicos, demonstrar como
as suas resistências dentro das suas se apresentam no cotidiano, e se não
cidades, de seus bairros. se apresentam, o porque deste.

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

A didática deve ser aberta, dialética, preconceitos, porém ainda longe de


buscando o conhecimento e entendi- estar liberto deles, fazendo com que
mento do Brasil como um país racista os educandos entendam o papel so-
e que está em desconstrução destes cial deles dentro desta desconstrução.

Educação Antirracista

HISTORICIDADE DIREITOS
- Apresentar conceitos histó- - Dialogar sobre a importância
ricos demonstrando a influência da Lei 10.039/03 para a educa-
da etnia afrodescendente e afri- ção antirracista;
cana na constituição da socieda-
de brasileira; - Questionar os estudantes
sobre a sua visão referente ao
- Demonstrar através de tex- racismo dentro da escola;
tos, documentários e imagens os
primeiros processos de resistên- - Propor atividades que
cias dentro do Rio Grande do exponham a Lei, distribuir pela
Sul. Ex.: formação dos guetos, escola, após esta retomar o
associações culturais; diálogo para analisar a aceitação
da atividade;
- Propor práticas de aprendi-
zado com ênfase nas culturas - Propor debate de experiên-
afrodescendentes. cias vividas e/ou compartilhadas
referente ao racismo.

RESISTÊNCIA
- Apresentar os processos de resistência históricos demonstrando como
ainda estão presentes na atualidade;
- Possibilitar a inserção de movimentos culturais e /ou políticos ligados à
luta antirracista;
- Expor em atividades estas pluralidades convidando a comunidade onde
a escola esteja inserida a participar;
- Exemplo: propor uma semana integrada sobre antirracismo, estando
presente estes movimentos sociais bem como culturais.

elaborado por Fabrício Sanches

44
13. DICAS de
O leão e a jóia (Wole Soyinka)
Obra reunida (Oliveira Silveira)
obras literárias E Cadernos negros (Contos
afro-brasileiros)
AUDIOVISUAIS negras Racismo Estrutural (Silvio Almeida)
e indígenas: Racismo Recreativo (Adilson
Moreira)
Meus contos africanos (Seleção
Nelson Mandela) Peles Negras, Máscaras Brancas
(Frantz Fannon)
Menina bonita do laço de fita (Ana
maria Machado) O avesso da pele (Jeferson Tenório)
O menino Nito (Sonia Rosa) Marrom e Amarelo (Paulo Scott)
Caderno de rimas do João e Cader- Tornar-se Negro (Neusa Santos)
no de rimas da Maria (Lázaro Ramos)
Manual Antirracista (Djamila Ribeiro)
A semente que veio da África (He-
loisa Pires Lima) FILMES

Duula, a mulher canibal (Rogério Kiriku e a feiticeira


Andrade Barbosa) Tainá, a menina que viu o Brasil
Ideias para adiar o fim do mundo neném
(Ailton Krenak) Faça a Coisa Certa
Histórias de índio (Daniel Amistad
Munduruku)
Infiltrados na Klan
Canção para ninar menino grande
(Conceição Evaristo) Duelo de Titãs
Insubmissas lágrimas de mulheres Malcom X
(Conceição Evaristo)
Selma
Um defeito de cor (Ana Maria
Gonçalves) Besouro

Quarto de despejo (Carolina maria Morte ao Presidente


de Jesus) Cidade de Deus
Ninguém segura essa mulher (Alice Ó Pai Ô
Walker)
American Son
Para educar crianças feministas
(Chimamanda Ngozi Adichie) O menino 23

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

14. EXPRESSÕES RACISTAS PARA NUNCA


MAIS REPETIR:
Janaína Melchionna

1. Mulata que seja negro, pode ser considerado


racista e ofensivo. Pode ser substituí-
Muitas pessoas ainda usam esse da por difamar ou caluniar.
termo carregado de racismo para se
referir a uma pessoa descendente de 4. Inveja branca
brancos e negros. A origem etimológi-
ca mais aceita é a do latim mulus, que Outro termo racista, indicaria que
se refere a um “animal híbrido, estéril, se trata de uma inveja “boa”, que
produto do cruzamento do cavalo com não deseja o mal. Na prática, porém,
a jumenta, ou da égua com o jumen- reforça a ideia de que a cor branca é
to”. Os espanhóis passaram a usar algo positivo, puro, inocente.
o termo “mulato” para designar um
mulo jovem e, por essa analogia com o 5. Cor de pele
caráter mestiço do animal, passaram a Aprende-se desde criança que “cor
chamar filhos e filhas de brancos (mui- de pele” é aquele lápis meio rosado,
tas vezes, senhores de escravos que meio bege. Mas é evidente que o
estupravam as mulheres escravizadas) tom não representa a pele de todas
com negras, ou vice-versa. Há quem as pessoas, principalmente em um
defenda também que a palavra deriva país como o Brasil. Segundo dados
do árabe muwallad, usado para desig- da Pesquisa Nacional por Amostra de
nar filhos de muçulmanos com pessoas Domicílios (PNAD) de 2014, realiza-
que não praticavam a fé do Islã. da pelo IBGE, 53% dos brasileiros se
declararam pardos ou negros.
2. Da cor do pecado
É uma expressão não rara usada para 6. Doméstica
descrever a cor de pele negra e repeti- Negros eram tratados como animais
da por pessoas brancas como elogio. O rebeldes e que precisavam de “corre-
problema é que ela propaga a ideia de tivos”, para serem “domesticados”.
que essa cor de pele é algo pecamino-
so e sexualiza o corpo negro. 7. Estampa étnica
3. Denegrir Estampa parece ser, no mundo da
moda, apenas aquela criada pelo
Na definição do dicionário Micha- olhar eurocêntrico. Quando o dese-
elis, denegrir é “ficar ou fazer ficar nho vem da África ou de outra parte
escuro, ou manchar a reputação”. Por do mundo considerada “exótica”
atribuir um caráter negativo a algo segundo essa visão, torna-se “étnica”.

46
8. A dar com pau de outra forma, como “morena” ou
“mulata”, embranquecendo a pessoa,
Expressão originada nos navios “amenizaria” o “incômodo”.
negreiros. Muitos dos capturados
preferiam morrer a serem escravizados 13. Negro(a) de traços finos
e faziam greve de fome na travessia
entre o continente africano e o Brasil. A mesma lógica do clareamento
Para obrigá-los a se alimentar, um “pau se aplica à “beleza exótica”, tratando
de comer” foi criado para jogar angu, o que está fora da estética branca e
sopa e outras comidas pela boca. europeia como incomum.

9. Meia tigela 14. Cabelo ruim

Os negros que trabalhavam à Fios “rebeldes”, “cabelo duro”, “ca-


força nas minas de ouro nem sempre rapinha”, “mafuá”, “piaçava” e outros
conseguiam alcançar suas “metas”. tantos derivados depreciam o cabelo
Quando isso acontecia, recebiam afro. Por vários séculos, causaram a
como punição apenas metade da tige- negação do próprio corpo e a baixa
la de comida e ganhavam o apelido de autoestima entre as mulheres negras
“meia tigela”, que hoje significa algo sem o “desejado” cabelo liso. Nem é
sem valor e medíocre. preciso dizer o quanto as indústrias
de cosméticos, muitas originárias
10. Samba do crioulo doido de países europeus, se beneficiaram
do padrão de beleza que excluía os
Título do samba que satirizava o en- negros.
sino de História do Brasil nas escolas
do país nos tempos da ditadura, com- 15. Não sou tuas negas
posto por Sérgio Porto (ele assinava
com o pseudônimo de Stanislaw A mulher negra como “qualquer
Ponte Preta). No entanto, a expressão uma” ou “de todo mundo” indica a
debochada, que significa confusão ou forma como a sociedade a percebe:
trapalhada, reafirma um estereótipo alguém com quem se pode fazer tudo.
e a discriminação aos negros. Escravas negras eram literalmente pro-
priedade dos homens brancos e utiliza-
11. Ter um pé na cozinha das para satisfazer desejos sexuais, em
um tempo no qual assédios e estupros
Forma racista de falar de uma pessoa eram ainda mais recorrentes. Portan-
com origem negra. Infeliz recordação do to, além de profundamente racista, o
período da escravidão em que o único termo é carregado de machismo.
lugar permitido às mulheres negras era
a cozinha da casa grande. Uma realida- 16. A coisa tá preta
de ainda longe de mudar no Brasil.
A fala racista se reflete na associação
12. Moreno(a) entre “preto” e uma situação descon-
fortável, desagradável, difícil, perigosa.
Racistas acreditam que chamar
alguém de negro é ofensivo. Falar

47
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

17. Serviço de preto referir-se ao mal cheiro, forte odor, no


entanto Inhaca é uma ilha de Mapu-
Mais uma vez a palavra preto apa- to, em Moçambique, onde vivem até
rece como algo ruim. Desta vez, repre- hoje os povos Nhacas, um povo Ban.
senta uma tarefa malfeita, realizada
de forma errada, em uma associação 20. Nega Maluca
racista ao trabalho que seria realizado
pelo negro. A personagem nega maluca é a re-
presentação exacerbada e totalmente
Existem ainda aquelas expressões estereotipada da mulher negra: preta,
que são utilizadas com tanta naturali- pobre, descabelada, com sua sexu-
dade que muita gente sequer percebe alidade explorada, exposta e hiper-
a conotação negativa que tem para o valorizada, sorridente ao extremo, o
negro. Por exemplo: que muitas vezes pode representar
uma falta de senso crítico diante das
Mercado negro, magia negra, lista mazelas da vida.
negra e ovelha negra
Entre outras inúmeras expressões 21. Fazer nas coxas
em que a palavra ‘negro’ representa Para produzir telhas, os escravos
algo pejorativo, prejudicial, ilegal. utilizavam suas coxas para moldá-las.
Obviamente, as telhas seguiam os
18. Amanhã é dia de branco formatos individuais dos corpos e
Também nesse uso da palavra tinham cada uma um tamanho, não
“branco” como algo bom, essa expres- se encaixando bem umas nas outras.
são é utilizada para remeter a um dia Eram consideradas mal feitas. No
de muito trabalho e compromissos, lugar, diga “mal feito”.
mas traz uma visão de que só pessoas
brancas trabalham duro. Isso porque, 22. Macumba, macumbeiro,
na época da escravidão, o trabalho chuta que é macumba
dos escravos não era visto como
Essa expressão é uma mistura de
um trabalho de fato e isso continua
racismo com intolerância religiosa,
perpetuado até hoje com expressões
já que discrimina religiões de matriz
como essa.
africana e trata esse tipo de prática
19. Nhaca como algo negativo. "Macumba" é, na
verdade, um instrumento de percus-
Desde o português do Brasil Colô- são de origem africana semelhante a
nia, a palavra vem sendo usada para um reco reco.

48
leis, PROJETOS E INICIATIVAS do mandato
(2019-2021)
para perseguir os movimentos sociais,
2021: opositores e censurar o contraditório.
Leis de autoria da deputada O projeto permite a interferência do
Executivo na Abin, na Polícia Federal,
Fernanda Melchionna (PSOL/RS)
no GSI e nas próprias Forças Armadas,
Lei 14128/21: Mais que palmas aos ou seja, no sistema único de seguran-
profissionais da saúde. A lei garante ça pública. E o mais grave, cria sistema
indenização de R$ 50 mil a dependen- paralelo de inteligência e secreto do
tes de profissionais e auxiliares da saú- governo, com grande influência do Po-
de incapacitados ou aos familiares de der Executivo, para vigiar, controlar de
trabalhadores da saúde vítimas da Co- forma ilimitada e criminalizar ativis-
vid-19. Construído junto ao movimento tas, organizações da sociedade civil e
Mais do Que Palmas, mobilizado pelo movimentos sociais.
ator Gregório Duvivier e o Nossas. (O
Ação no STF para assegurar a gra-
PL 1826/20 foi aprovado e Bolsonaro
tuidade no ENEM 2021: O PSOL assi-
acionou o STF para vetar a lei)
nou, conjuntamente a outros partidos
Lei 14171/21: Prioridade do auxílio e entidades, a ADPF no STF para pedir
emergencial às mulheres chefes de mudanças na regra para gratuidade do
família. A lei garantiu prioridade à Exame Nacional do Ensino Médio para
mulher provedora e chefe de família beneficiar candidatos de baixa renda
no recebimento do auxílio emergen- em 2021. A ação foi uma iniciativa da
cial no valor de R$ 600. (Originalmen- Educafro em conjunto com a UNE,
te PL 2508/20, vetado por Bolsonaro e UBES, OAB e a Frente Antirracista.
o veto foi derrubado) Além disso, o PSOL já havido pedido
providências ao Ministério Público Fe-
Outras iniciativas: deral após o governo federal dificultar
o pedido de isenção da taxa de inscri-
Denúncia contra o PL 1595/19 ção vedando o direito dos estudantes
(Ações Terroristas) no Alto Comissa- brasileiros, sobretudo os mais vulne-
riado da ONU: o projeto é uma reedi- ráveis, ao Enem, principal instrumento
ção da proposta apresentada por Jair de acesso ao ensino superior.
Bolsonaro, quando deputado federal,
em 2016, e visa criar mecanismos de REQ 87/21: requereu ao Ministro da
repressão a supostas “ameaças terro- Educação informações sobre a imple-
ristas” no Brasil, em que na história mentação da Lei nº 10.639, de janeiro
recente, não há registros de atenta- de 2003, que inclui no currículo oficial
dos ou tentativas. Sob pretexto de da Rede de Ensino a obrigatoriedade
combater o terrorismo, o projeto cria, da presença da temática “História e
na verdade, um Estado de exceção Cultura Afro-Brasileira e Africana”.

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

PDL 225/21: Decreto que susta a Projetos


decisão do presidente da Fundação
Palmares, Sérgio Camargo, de revogar PL 5515/20: institui o dia 2 de maio
a Instrução Normativa nº 1, de 2018, como o Dia Nacional da Luta Contra
que estabelece procedimentos admi- o Racismo no Futebol. O projeto foi
nistrativos de responsabilidade da Fun- uma iniciativa do ex-árbitro, ativista
dação Cultural Palmares nos processos antirracista Márcio Chagas, e do Dire-
de licenciamento ambiental de obras, tor-executivo do Observatório da Dis-
atividades ou empreendimentos que criminação Racial no Futebol, Marcelo
impactem comunidades quilombolas. Medeiros Carvalho. (Em tramitação)

Manifesto contra a Censura na PL 5232/20: responsabiliza empre-


Fundação Palmares: nosso mandato sas por crimes de racismo cometidos
foi parte da construção do manifesto por funcionários. O projeto estabele-
contra a censura de livros do acervo ce que as empresas cujos empregados
da Fundação Palmares, uma atitude ou prestadores de serviços praticarem
autoritária e racista que faz parte do atos discriminatórios serão respon-
projeto obscurantista do governo Bol- sabilizadas civilmente pelos danos
sonaro, que quer acabar com pensa- materiais e morais decorrentes desses
mento crítico e aniquilar a diversidade atos, independentemente de culpa. O
que marca a nossa literatura nacional. projeto foi uma iniciativa do ativista
Mais de 5 mil livros, que representam Márcio Chagas diante do crime ocorri-
54% do total do acervo da entidade, do no Carrefour em Porto Alegre, que
foram excluídos sob justificativas levou ao assassinato de João Alberto,
absurdas como “desserviço à cultura”, homem negro, na véspera do dia da
“clássicos da delinquência” e “intromis- Consciência Negra. (Em tramitação)
são partidária”.
PL 1552/20: Medidas para abrigar
mulheres em situação de violência. O
2020: projeto garante ações para o abriga-
mento de mulheres em situação de
Leis de autoria da deputada violência doméstica durante a pande-
Fernanda Melchionna (PSOL/RS) mia. Em co-autoria com Sâmia Bom-
fim e deputados do PSOL. (Aprovado
Lei 14021/20: assegura medidas na Câmara dos Deputados e aguarda
urgentíssimas de apoio aos povos apreciação pelo Senado)
indígenas em razão da pandemia
(originalmente PL 1142/20) PL 5096/20: Amplia a proteção de
mulheres vítimas de violência sexual
Lei 14017/20 - Aldir Blanc: Lei da (Aprovado na Câmara dos Deputados
Emergência Cultural, que garantiu e aguarda apreciação pelo Senado)
medidas emergenciais para o setor cul- PL 2968/2020: Proteger quem
tural de todo país durante a pandemia, cuida. O projeto prevê a ampliação
destinando R$ 69,7 milhões para a cul- do auxílio emergencial de quem
tura no RS (originalmente PL 1075/20) chefia famílias monoparentais para

50
12 meses. Com colaboração de Luana instituiu a isenção de taxas para re-
Pires e Débora Diniz. (Em tramitação) tificação de nomes civis e de gênero
de pessoas transgênero, travestis,
PL 3791/2020: Prioridade na tes- intersexuais ou não-binárias e tam-
tagem para COVID-19 às mulheres bém a isenção das taxas para geração
cuidadoras: garante prioridade para de segunda via de documento após a
mulheres de baixa condição sócio-e- mudança do nome. (Em tramitação)
conômica e que ocupam o posto de
cuidadoras das famílias e comunida- Outras iniciativas
des na testagem para a COVID-19.
Com colaboração de Luana Pires e Emenda de Plenário: garantiu o
Débora Diniz. (Em tramitação) duplo benefício (R$ 1200) do auxílio
emergencial às mulheres chefes de
PL 1267/20: Ampliação da divulga- família monoparentais (Aprovada e
ção do Disque 180 na pandemia. O ficou em vigor até março/21)
projeto prevê ampliação e divulgação
do Disque 180 para proteção da vida PDL 286/20: anula a portaria do
das mulheres em situação de violên- MEC que acabou com cotas em pós-
cia. (Em tramitação) -graduação. O projeto pede a revoga-
ção da portaria que anulou a política
PL 5208/20: Ampliação da pro- de cotas voltada para a população ne-
teção social às vítimas de crimes gra, indígena e pessoas com deficiên-
sexuais. O projeto altera a Lei Maria cia em programas de pós-graduação
da Penha para ampliar a proteção das universidades federais.
às vítimas de crimes sexuais, esten-
dendo às vítimas de crimes contra REQ 1861/20: requer a constituição
a dignidade sexual o atendimento de Comissão Externa com a finalidade
especializado que hoje é dado às de acompanhar as graves denúncias
mulheres sobreviventes de violên- de violência policial, uso despropor-
cia doméstica. Foi proposto no Dia cional da força e letalidade policial em
Internacional pela Eliminação da comunidades periféricas no país no
Violência Contra as Mulheres e faz ano de 2020.
referência ao caso da influenciadora
REQ 2287/20: requereu a urgência
digital Mariana Ferrer, que foi vítima
da aprovação do projeto que ratifica
de abuso sexual e, durante a audiên-
a Convenção Interamericana contra
cia judicial que analisava o caso, teve
o Racismo, a Discriminação Racial e
seus direitos humanos violados. (Em
Formas Correlatas de Intolerância,
tramitação)
adotada na Guatemala, por ocasião da
PL 4399/20: Dia Nacional da Visibi- 43ª Sessão Ordinária da Assembleia
lidade Lésbica. O projeto institui o dia Geral da Organização dos Estados
29 de agosto como o “Dia Nacional da Americanos. (A articulação foi realiza-
Visibilidade Lésbica”. (Em tramitação) da através dos membros da Comissão
Externa da Câmara dos Deputados, da
PL 3667/20: Isenção de taxas para qual Fernanda fez parte, que acom-
transexuais, travestis e intersexuais panhava as ações de investigação da
na retificação de nome. O projeto morte de João Alberto Silveira Freitas,

51
Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

espancado até a morte em uma uni- publicação de lista pública das em-
dade do supermercado Carrefour, em presas machistas no site do Ministério
Porto Alegre) da Economia. (Em tramitação)
PL 878/19: Combate à violência
obstétrica. O projeto dispõe sobre o
2019: atendimento humanizado no parto e
Projetos pós-parto para combater a violência
obstétrica. (Em tramitação)
PL 173/19: Trabalho Igual, Salário
Igual. O projeto institui o Programa Outras iniciativas
Nacional de Igualdade de Gênero
nas relações salariais e de trabalho, Representação na Procurado-
criando instrumentos para combater ria-Geral da República para anular
a desigualdade salarial entre homens nomeação de presidente da Fundação
e mulheres e cria o Selo Nacional Palmares Sérgio Camargo por atacar
Empresa Machista para as empre- o Movimento Negro brasileiro, suas
sas que não respeitarem a regra e a bandeiras e lideranças.

EMENDAS PARLAMENTARES
Sempre construímos nosso trabalho
parlamentar junto ao povo e aos mo-
2021:
vimentos sociais e encaramos nosso
mandato como um megafone das R$ 345.600: Oficinas culturais Casa
lutas sociais. Não seria diferente com da Cultura Hip Hop de Esteio e IFSul
a definição da destinação das nossas Sapucaia do Sul (A casa é a primeira
emendas parlamentares. Do total de iniciativa do gênero no sul do país. As
nossos recursos anuais, 50% são de atividades culturais serão voltadas à
investimento mínimo obrigatório para prevenção e redução da vitimização
área da saúde. Priorizamos o repasse letal da população negra e promoção
para locais de atendimento 100% SUS dos direitos humanos das juventudes)
pelo nosso compromisso com a garan- R$ 500 mil: Plano Municipal do
tia da saúde pública. As demais foram Livro e Leitura de Porto Alegre
distribuídas em diferentes áreas, vi-
sando fortalecer a construção de uma R$ 150 mil: Biblioteca Comunitária
sociedade menos desigual, que amplie do Arquipélago (Primeira Casa de leitu-
o acesso ao livro, à leitura e à cultura ra de Porto Alegre, localizada nas Ilhas
aos mais desfavorecidos, principalmen- do Guaíba para promoção de atividades
te à população negra e moradores de como empréstimos de livros, saraus,
periferia, e iniciativas que impulsionem mediações de leitura e palestras)
a luta antirracista e ajudem no comba-
R$ 500 mil: Espaço Transcender
te a outras formas de discriminação:

52
- Policlínica do Rosário (primeiro Guarani (Tekoa Nhundy - Aldeia Gua-
ambulatório para atendimento da rani da Estiva)
população trans em Santa Maria)
R$ 1 milhão: Apoio à Regularização
R$ 1,5 milhão: Teatro Popular Ter- Fundiária da Comunidade Vida Nova
reira da Tribo (fomentar a arte pública
através da realização de atividades R$ 522 mil: Compra de 3 viaturas
culturais focadas em quatro eixos: ter- para a Patrulha Maria da Penha para
ritório, memória, formação e criação) acolhimento e monitoramento a mu-
lheres vítimas de violência (Alegrete,
R$ 170 mil: Projeto Lendo para o Guaíba e Novo Hamburgo)
Amanhã (acesso à leitura e a literatu-
ra a crianças e aos adolescentes) 2020:
R$ 242,3 mil: Laboratórios de Ro-
R$ 500 mil: Luta contra o Racismo
bótica Include (compra de ferramen- e em defesa dos direitos dos Povos
tas de ensino de robótica e material Tradicionais de Matriz Africana.
metodológico para viabilização de (Construída conjuntamente ao Fórum
laboratórios) Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional dos Povos Tradicionais e
R$ 260 mil: Primeira Incubadora de
Matriz Africana, a verba destinada será
Empreendimentos Econômicos Solidá-
para a promoção da saúde, da Sobe-
rios (em parceria com a Unipampa de
rania e da Segurança Alimentar dos
Santana do Livramento. Com recursos da
Povos Tradicionais de Matriz Africana e
emenda projetos também serão desen-
para o combate ao Racismo)
volvidos em Dom Pedrito e São Gabriel)
R$ 200 mil: Projeto Periferia Brasi-
R$ 1,5 milhão: Reforma Campus
leira de Letras (fomento à promoção
Faculdade de Direito da UFRGS
do livro, da leitura e da criação literária
R$ 439,9 mil: Núcleo de Gerência nas favelas e periferias de Porto Alegre
de Equidade e Inclusão da Saúde da em parceria com a Fiocruz)
população negra
R$ 350 mil: Laboratório de produção
R$ 700 mil: Centro de Referência audiovisual Odilon Lopez (Iecine/RS)
LGBTIA+ da UFRGS (criação do primei- - em homenagem ao cineasta negro
ro centro de referência à comunidade pioneiro do cinema gaúcho
LGBTI+ de Porto Alegre - espaço de
R$ 200 mil: Projeto Embolamento
acolhimento das demandas da comu-
Cultural Pela Juventude Viva! para re-
nidade e encaminhamento para os
alização de atividades culturais em três
órgãos de Estado)
bairros de maior vulnerabilidade social
R$ 500 mil: Construção de Restau- de Porto Alegre (Cruzeiro, Rubem Berta
rante Comunitário na Comunidade e Restinga) e Centro Histórico
Vida Nova, na Restinga em Porto Alegre
R$ 250 mil: Assistência Estudantil do
R$ 250 mil: Aquisição de terras Instituto Federal Sul-Rio-Grandense
para uso da aldeia indígena Mbya (Pelotas)

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Caderno de Educação PolíticA aNTIRRACISTA • 2021 •

R$ 300 mil: Programa Literatura em R$ 200 mil: Compra de viatura


Ação. A verba foi destinada, através de para aparelhamento da Delegacia de
editais públicos, para promoção de po- Polícia de Combate à Intolerância da
líticas públicas para fomento do livro, Polícia Civil do RS (POA)
da leitura e de ações de preservação
e valorização das bibliotecas do RS e R$ 500 mil: Apoio à Regularização
para realização de atividades literárias Fundiária
e culturais. (Plano Estadual do Livro, R$ 2 milhões: Construção da Casa
Leitura e Literatura e a Leitura do RS) do Estudante - Campus do Vale da
R$ 250 mil: Reforma do Estádio Mu- UFRGS
nicipal Farroupilha, onde é realizado o R$ 450 mil: Pelo fim da revista vexa-
Encontro de Futebol Infantil Pan-Ame- tória nos presídios femininos. Compra
ricano EFIPAN (Alegrete) de dois escâneres corporais, utilizados
R$ 150 mil: 66ª Feira do Livro de para fazer a segurança pública da Peni-
Porto Alegre. A Feira do Livro de Porto tenciária Feminina Madre Pelletier e à
Alegre tem uma importância histó- Penitenciária Feminina de Guaíba.
rica e social para a capital gaúcha ao R$ 2 milhões: Pela valorização do
promover o livro, a leitura e diversas atendimento a pacientes vítimas de
atividades culturais abertas ao público violência no Hospital Fêmina.
e de forma gratuita.
R$ 250 mil: Por mais empregos
R$ 250 mil: Mais melhorias para o para a população trans. Destinamos
IFRS (desenvolvimento de ações visan- a verba para a Secretaria da Justiça,
do o funcionamento dos cursos do IFRS)
Cidadania e Direitos Humanos do
R$ 250 mil: IFFar livre de preconcei- RS ofertar editais de financiamento
to. A verba visa potencializar as ações de projetos da sociedade civil orga-
dos núcleos de ações afirmativas, Gru- nizada para a realização de ações
pos de Trabalhos, Comitês e Comissões que estimulem e/ou desenvolvam a
relacionadas às temáticas de raça, et- empregabilidade de pessoas travestis
nia, gênero, sexualidade, pessoas com e transexuais ou a qualificação destas
deficiência da IFFar (Farroupilha) pessoas para o mercado de trabalho.

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SOBRE OS(as) aUTORes(AS)
Adriano Viaro é Mestre em História pela UPF. Pesquisador de Palmares e Zum-
bi. (twitter: @prof_viaro)
Ana dos Anjos é pedagoga. Das Letras. Especialista em Educação Indígena.
Ativista antirracista, feminista e integrante das Rodas de Cuidado e Autocuidado
entre mulheres ativistas e MVNI. (@anacristinadosanjose | teacheranaanjos@
gmail.com)
Bryan Rodrigues é estudante de economia na UFRGS e militante do coletivo
Juntos! (@bryanrodrigs)
Carla Zanella é socióloga e coordenadora da Emancipa Mulher - Escola Fe-
minista e Antirracista em Porto Alegre. (@carlinha.zanella | carlinha.zanellas@
gmail.com)
Fabrício Sanches é professor de biologia, dicente no Mestrado em Educação
da Ufpel, militante do MES e Juntos! Pelotas e membro do DCE UFPel. (@euofa-
bricio | euofabricio@gmail.com)
Fernanda Melchionna é deputada federal pelo PSOL e ex-líder da bancada do
PSOL na Câmara dos Deputados. (@fernandapsol | dep.fernandamelchionna@
camara.leg.br)
Fran Lasevitch é é artista visual e publicitária, especialista em design gráfico.
(@ella.mascara)
Fran Rodrigues é graduanda em Direito na UFRGS e militante do Coletivo
Juntos! (@franrodriguespsoll)
Gilvandro Antunes é sociólogo, ativista antirracista e integrante do Movimen-
to Vidas Negras Importam. (@gilvandroantunes | vidasnegrasimportamrs@
gmail.com)
Janaína Melchionna é graduada em Administração de Empresas com Habili-
tação em Marketing, Especialista em Gestão. (@janamelchionna | janamelmot-
ta@gmail.com)
Leandro Soares é advogado, mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS.
Membro da Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto - OAB/RS. (@leandro-
soaresadv | leandro@leandrosoaresadv.com.br)
Lorena Duarte é advogada e assessora jurídica do mandato da deputada fede-
ral Fernanda Melchionna. (@ldguarda)
Marçal Carvalho é advogado criminalista, Mestre em Ciências Criminais -
PUC/RS, Especialista em Ciências Penais - PUC/RS, Professor de Direito Penal,
Processo Penal e Criminologia. (@marcal_carvalho.adv)
Marcelo Carvalho é diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial

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no Futebol (@mmcarvalho8)
Márcio Chagas da Silva é professor de Educação Física, especialista em Pe-
dagogias do Corpo e da Saúde e Jornalismo Esportivo e ex-árbitro de Futebol.
(@_omarciochagas)
Paola Rodrigues é jornalista, militante do PSOL, especialista em Designer Grá-
fico e coordenadora de comunicação do mandato da Deputada Federal Fernan-
da Melchionna. (@paola_mocka)
Patrik Veiga é graduando em História na UFRGS e membro do Grupo de Tra-
balho Nacional do Juntos! (@patrickv_50)
Priscila Vaz é bacharelanda em Direito e Ativista Social. (@vaz_priscila)
Rafa Rafuagi é Mc do grupo Rafuagi, Fundador da Casa da Cultura Hip Hop de
Esteio, Museu da Cultura Hip Hop RS e Universidade Popular dos Movimentos
Sociais Vozes da Periferia, Consultor do BID, Diretor do Festival Cuida Natura BR,
Membro do HeForShe, Acadêmico de Direito na FMP RS, Formado no Curso de
Epistemologias do Sul pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coim-
bra e Publicitário. (@rafuagi | rafarafuagi@gmail.com)
Tirza Medeiros Moraes é professora de Filosofia, educadora popular pelo
Emancipa Pelotas, monitora de escola pela rede municipal de Pelotas, militante
do Juntos e do MES/PSOL. (@tirzamoraes | tirzamedeirosmoraes@gmail.com)
Vander Duarte é professor Historiador, Mestre em Patrimônio Cultural, Bacha-
rel em Arquivologia, Especialista em Ética e Educação em Direitos Humanos.
(@profvanderduarte)

56
George fLoyd
HOMEM NEGRO NORTE-AMERICANO
ASSASSINADO POR UM POLICIAL
BRANCO EM Minneapolis (EUA)

57
/fernandapsol (51) 98925-0864 dep.fernandamelchionna@camara.leg.br

www.fernandapsol.com.br

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