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EIXO 5.

Direitos Humanos e Acesso à Justiça: dinâmicas, limites e perspectivas no


Brasil contemporâneo

JUDICIALIZAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA: DEMANDAS SOCIAIS EM FOCO

Michelly Laurita Wiese1


Andressa Cadorin2
Júlia Coelho3
Nathália de Oliveira4
1. Introdução

A década de 1990 foi marcada pela institucionalização de direitos com a promulgação


da Constituição Federal de 1988 e suas leis infraconstitucionais. Este processo veio a ocorrer
quarenta anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Na chamada
Constituição Cidadã Brasileira, no capítulo “dos Direitos Sociais” tem-se no artigo 6º como
definição que, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, 1988).

Apesar desses direitos estarem assegurados formalmente, estes ainda assim não
encontram condições objetivas de concretização através das políticas sociais responsáveis por
sua efetivação. Neste contexto de afirmação dos direitos legalmente constituídos e da ausência
de respostas do poder público para atender às demandas dos cidadãos, iniciam-se os processos
de reivindicação desses direitos através da justiça, conhecidos como processos de
judicialização das políticas sociais.

A disparidade social no Brasil não é recente, sendo inconteste perceber que a


sociedade capitalista, sob o jugo do neoliberalismo, vem imprimindo inúmeras
contrarreformas com impasses diretos e desafios para as políticas sociais “visto que, na
medida em que se registram avanços em relação à defesa e garantia dos direitos humanos,
muitos obstáculos ainda se fazem presentes e acompanham o processo tardio de conquistas
legais para a defesa e efetivação desses direitos.” (SOUTO MAIOR et al., 2018, p. 130).
Ademais, segundo Foscarini (2012), mesmo a justiça representando a instância máxima a se

1
Universidade Federal de Santa Catarina; Doutora em Serviço Social; michelly.wiese@ufsc.br.
2
Universidade Federal de Santa Catarina; Graduanda em Serviço Social; andressacadorin@gmail.com.
3
Universidade Federal de Santa Catarina; Graduanda em Serviço Social; juliacoelhoam@gmail.com.
4
Universidade Federal de Santa Catarina; Graduanda em Serviço Social; nathioliveira@live.com.
recorrer para a efetiva garantia dos direitos, “a complexidade se intensifica e a dificuldade do
acesso à justiça no Brasil ganha forma quando se vislumbra que na prática o direito de uns
não é o direito de outros.” (p. 287)

Nesta direção, o presente artigo tem por objetivo debater sobre a política social e a
judicialização dos direitos sociais legalmente reconhecidos no âmbito da família e infância,
analisando em que medida as demandas sociais judicializadas caminham para a efetivação de
um direito social – seja individual ou coletivo – ou, tendem a se direcionar para a
responsabilização das famílias pela proteção social de seus membros. Adiante serão
apresentados alguns dados e apontamentos preliminares da pesquisa intitulada “As
representações ao sistema de justiça catarinense, a partir do Ministério Público e seu
prosseguimento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no que se refere à efetivação dos
direitos sociais básicos no âmbito da família e infância”5.

Além da presente introdução, o artigo apresenta a problematização do tema sobre a


judicialização das demandas sociais de assistência social, educação e saúde e sua relação com
a judicialização. No mesmo subtítulo são apresentados os caminhos metodológicos da
pesquisa, em destaque a documental e os resultados parciais do estudo. Para encerrar são
destacadas as considerações finais.

2. Demandas sociais de assistência social, educação e saúde: caminhos possíveis para a


judicialização

A Constituição Federal de 1988 instituiu um importante marco na afirmação dos


direitos humanos em nosso país, incorporando ainda uma determinada ampliação dos direitos
positivados, porém por outro lado, se constata ao longo dos anos sua negação, e dificuldade
de efetivação em diferentes instâncias por parte do Estado. Conforme destaca Netto,

A inviabilização da alternativa constitucional da construção de um Estado com


amplas responsabilidades sociais, garantidor de direitos sociais universalizados, foi
conduzida por FHC simultaneamente à implementação do projeto político do grande
capital e acrescenta que [...] um projeto desta envergadura e significação, colidindo

5
A pesquisa é desenvolvida através da articulação entre o Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Sociedade,
Família e Política Social (NISFAPS) e o Núcleo de Estudos da Criança, Adolescente e Família (NECAD). Foi
contemplada com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
através da chamada do Edital Universal MCTIC/CNPq n. 28/2018. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética
em Pesquisa com Seres Humanos, com o parecer de aprovação de número 4.250.300/2020.
com a ordem constitucional e com as aspirações da massa trabalhadora [...] só seria
viável se pensado num lapso temporal mais largo que o de um só mandato
presidencial [...] muitas das vezes, é a própria atividade governamental realizada
pelo executivo que impede a consolidação dos direitos sociais, a sociedade passa a
incumbir o judiciário na tarefa de possibilitar a efetividade dos direitos sociais e
realização da cidadania social. (AGUINSKY; ALENCASTRO, 2006 apud NETTO
1999, p.79-80)

Segundo Esteves (2009), este fenômeno tem sido chamado de “judicialização dos
conflitos sociais”, ou “judicialização da política” (p. 41)., se configurando no interior da
esfera pública e se caracterizando pela transferência ao poder judiciário da responsabilidade
de enfrentamento da questão social, de forma a garantir a efetivação de direitos na perspectiva
dos direitos humanos.

Assim, é necessário identificar por onde entram as demandas sociais no Sistema de


Justiça que podem acontecer por intermédio do Ministério Público (MP). É imperioso analisar
em que medida as demandas sociais judicializadas caminham para a efetivação de um direito
social – seja individual ou coletivo – ou, tendem a se direcionar para a responsabilização das
famílias pela proteção social de seus membros.

Defender a ordem jurídica é parte das atribuições do MP, o que lhe incumbe do papel
de fiscalizador do cumprimento das legislações vigentes no país, ingressando com ações civis
públicas quando estas são desrespeitadas, atuando assim na defesa do Estado Democrático de
Direito brasileiro, quando defende e resguarda os interesses públicos, impedindo que estes
direitos sejam violados.

Neste sentido, ao se buscar compreender como ocorre o processo de judicialização de


algumas demandas sociais no âmbito da família e infância, a presente pesquisa qualitativa,
amparada pela perspectiva dialético-crítica, - levando em consideração as categorias de
totalidade, historicidade e contradição -, prevê analisar a realidade social de forma dialética
entendida essencialmente como contraditória e em permanente transformação, como um
“momento de um determinado todo” (KONDER, 2009).

A abrangência do estudo se dá a partir de duas instâncias de aproximação. A primeira


o Estado de Santa Catarina, de abrangência estadual, no que se refere à instância do MP -
tomado enquanto porta de entrada das demandas -, e na sequência a capital de Santa Catarina
e, consequentemente, os órgãos de justiça com circunscrição neste município: Comarca da
Capital e Promotorias de Justiça da Comarca da Capital. Os instrumentais metodológicos
utilizados são: revisão bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo com a
aplicação de entrevista com as assistentes sociais do Ministério Público de Santa Catarina
(MPSC).

No que se refere à pesquisa documental, ocorreu em processos judiciais elaborados no


âmbito do MPSC, em andamento e/ou finalizados entre os anos de 2014 a 2019. O acesso a
esses processos se deu através do portal do Diário Oficial do MPSC 6, com a utilização
específica de dois filtros de busca: Extrato de Conclusão de Inquérito Civil (código 009) e o
Extrato de Conclusão de Notícia de Fato (037). Os processos selecionados abarcam a
publicação de 01 de janeiro a 31 de dezembro dos respectivos anos e correspondem à busca
de termos chave ao estudo, sendo eles: a) políticas sociais (assistência social, educação e
saúde) e; b) família infância (crianças, adolescentes e idoso).

Estes dados foram sistematizados em uma planilha padrão pela equipe de pesquisa,
que continha os seguintes itens: a) identificação do termo; b) dados do diário oficial (número,
ano e data de publicação; c) descrição (resumo informado); d) classificação do procedimento
(extrato de conclusão de inquérito civil ou de conclusão de notícia de fato; e) número do
processo; f) comarca; g) promotoria; h) política social envolvida (assistência social, educação,
saúde); i) segmento envolvido (criança, adolescente, idoso, família). Foram localizados
17.350 processos. Durante o processo de coleta notou-se a repetição de processos, por vezes
em mais de um termo, que resultou na aplicação de um outro filtro a fim realizar uma etapa de
verificação, chegando ao número final 9.929 processos.

Após a realização da coleta geral, foram delimitados critérios com o propósito de


selecionar alguns destes processos e realizar a análise de seu conteúdo na íntegra, junto aos
documentos do MPSC. A proposta consiste em analisar os processos a partir da amostragem
de cada termo, ano e comarcas específicas, que foram delimitadas em um primeiro momento
da pesquisa. São elas: Balneário Camboriú, Blumenau, Chapecó, Criciúma, Florianópolis,
Joinville e Lages escolhidos com a finalidade de ter amostras que representem a maior e mais
variada quantidade possível de regiões do estado de Santa Catarina. No momento se aguarda o
acesso aos processos na íntegra do MPSC.

6
Portal MPSC - Relatórios das Atividades das Procuradorias e Promotorias de Justiça:
https://www.mpsc.mp.br/corregedoria-geral-do-ministerio-publico/relatorios-anuais
A seguir serão apresentados dados referentes às análises parciais da pesquisa, com
ênfase nos termos chave pesquisados: assistência social, educação e saúde, tendo como
contexto as políticas sociais, o espaço sociojurídico e as famílias, que de fato ofereceram
elementos para observar a relação próxima entre justiça e políticas sociais.

2.1 Assistência social

A assistência social como direito social na sociedade brasileira é garantida a partir da


Constituição Federal de 1988. Teve sua Lei Orgânica promulgada em 1993 e somente nos
anos 2000 foi instituído e implementado o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). No
que tange ao acesso direto dos usuários ao Sistema de Justiça para requisitar o direito à
assistência social, se observa um movimento diferente. A população beneficiária dos serviços,
programas, projetos e benefícios da assistência social parece não requisitar este direito via
judicialização. “Segundo relatos, o acesso à justiça e a garantia dos direitos socioassistenciais
parecem estar mediados pela organização dos serviços, pela intervenção dos profissionais que
atuam nessa política social e na sua estreita relação com o Poder Judiciário” (WIESE;
BRESSAN; DAL PRÁ, 2020, p. 1918).

Neste sentido, em uma primeira leitura dos dados obtidos, a partir dos 1.392 processos
judiciais relacionados ao tema da política de assistência social, que incluem os segmentos
família e infância, com ênfase para situações que envolvem fatos de natureza administrativa.
Merece destaque os processos nos quais as redes de atendimento como o Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS) possuem falta de profissionais qualificados para o atendimento,
bem como urge melhorias nas estruturas físicas. Denúncias para averiguar improbidade
administrativa e irregularidades solucionadas por meio de Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) também foram encontradas.

O segmento família é um dos termos chave que mais apresenta diversidade na


adequação de política envolvida, composto por uma miscelânea de eventos ligados desde
assistência social, educação, saúde e habitação. Apesar de possuir menos registros que o
segmento idoso, apresenta ocorrências que englobam casos que têm relação com os
segmentos crianças, adolescentes e a relação família/idoso.
No que se refere ao segmento idoso se encontram registros que identificam situações
de risco e vulnerabilidade social (maus-tratos), necessidade de acolhimento institucional e
ajuste familiar. Ainda no termo idoso a política de saúde é retomada em muitos processos que
tratam da morosidade no atendimento e prosseguimento de cirurgias, falta de medicamentos,
desrespeito às medidas de proteção do Estatuto do Idoso e em alguns municípios até mesmo a
inexistência do Conselho Municipal do Idoso.

Quanto ao segmento infância, se identificou 679 processos com denúncias referentes a


crianças e adolescentes.

Solicitações e/ou denúncias Quantitativo

Acesso a cesta básica 12

Acolhimento institucional 56

Adolescente em medida socioeducativa ou ato infracional 43

Em situação de vulnerabilidade social 32

Envolvimento com bebidas alcoólicas 42

Guarda, adoção, paternidade 28

Negligência e/ou maus tratos 75

Situação de risco 290

Trabalho infantil 11

Transporte 4

Violência sexual 29

Outros 39

Total 679
Tabela 1 – Solicitações e/ou denúncias relacionadas à criança e adolescente. Fonte: elaborada pelas autoras,
2021.

Um dado que se destaca dentre todos é a identificação do termo situação de risco, que
apesar do número expressivo não se encontrou nos registros, até o momento, nenhuma
definição do termo. Neste primeiro levantamento de dados, acessando os resumos dos
processos, as ocorrências resumem-se à situações em que o processo se encontra “indeferido”
ou “arquivado”. Configurando, em primeira análise, uma falta de especificidade sobre os
procedimentos adotados para o processo.
2.2 Educação

A política de educação, desde a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seus


artigos 205 ao 214, é considerada um direito social. Mais especificamente em seu Art. 205
destaca que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL,
1988).

Nesse sentido, a educação contribui para o desenvolvimento pessoal, preparo para


cidadania e qualificação profissional. O usufruto da educação, ao se materializar, deve
contribuir para o direito à vida cidadã, orientada pelo princípio do direito à igualdade
(BRESSAN; DEMÉTRIO, 2020). Também é inconteste que a política educacional exprime as
formas com que o Estado delimita suas políticas sociais subordinando aos interesses
econômicos, “favorecendo os interesses privados sobre os interesses da coletividade”
(SAVIANI, 1998, p.01).

Os dados preliminares obtidos com a pesquisa contabilizam 3.500 processos judiciais


relacionados à política de educação e os segmentos a ela vinculados (criança/s, adolescente/s,
infantes, menor/res e dos termos escola e ensino), se identifica que as denúncias e situações
constatadas no resumo dos processos apresentam diferentes objetos. É recorrente nessa
política a presença significativa de processos de cunho administrativo, incluindo
irregularidades administrativas, situações de improbidade administrativa, nepotismo, com 565
denúncias registradas.

Solicitações e/ou denúncias Quantitativo

Condição dos professores 133

Direito à educação 53

Evasão e/ou infrequência escolar 64

Infraestrutura escolar 220

Irregularidades na sala de aula 43

Lotação de sala 53

Merenda escolar 35
Qualidade de ensino 124

Transporte escolar (ausência ou irregularidade) 151

Vaga em creche 95

Vaga em escola 45

Total 1.016
Tabela 2 – Solicitações e/ou denúncias relacionadas à educação. Fonte: elaborada pelas autoras, 2021.

2.3 Saúde

Os estudos e pesquisas sobre a judicialização na política de saúde apontam o crescente


número de ações judiciais no sentido de viabilizar o acesso a exames, procedimentos e
medicamentos de médio e alto custo. Segundo dados publicados pelo Conselho Nacional de
Justiça (2020), o número de casos novos tem aumentado a cada ano, com um total que
ultrapassa 2,5 milhões de processos entre os anos de 2015 e 2020.

Nos referidos processos as alegações dos autores das ações, advogados ou defensores
e juízes, para justificar a demanda judicial e requerer o acesso ao direito foi o direito
fundamental à saúde que é garantido pelo Art. 196 da Constituição Federal de 1988 e a Lei n.
8.080/1990 (GOMES; AMADOR, 2015; VENTURA, et al, 2010). Os autores ainda indicam
que a prevalência das ações judiciais foi individual e não coletiva e que a advocacia privada –
onde atuam os profissionais liberais e bacharéis em direito que defendem direitos contratados
por pessoa ou iniciativa privada – foi o recurso predominante nos processos judiciais.

Com relação aos processos judiciais identificados com os termos saúde e suas
variações, foram localizados 5.037 processos. Ainda em fase de quantificação, assim como na
política de assistência social e educação, se identifica a frequência de processos 7 com
referências a possíveis atos de improbidade administrativa, acessibilidade e objetos não
especificados ou ocultos.

Identificou-se processos com descrições relacionadas a falta e/ou negligência de


acesso a informações como publicização das filas de espera para os serviços do Sistema

7
A partir do ano de 2016, foi notado um aumento significativo de registros referente a judicialização da política
de saúde. A hipótese preliminar para o fenômeno pode estar relacionada à conjuntura política nacional a partir
daquele ano e dos que o sucederam. Destacam-se a consumação do golpe parlamentar de 2016 e a aprovação da
Emenda Constitucional do Teto de Gastos, que congelou por 20 anos os recursos destinados à política de saúde.
Único de Saúde (SUS), registros de casos de violência obstétrica, falta de contratação de
profissionais, irregularidades no transporte de usuários, entre outros. Há processos que
denunciam cobranças indevidas aos usuários para uso dos serviços oferecidos pelo SUS.
Destaca-se também situações referentes à fila de espera para atendimento médico e
psicossocial, assim como a fila de espera para exames e cirurgias, a falta de aparelhos para
exames e/ou cirurgias específicas e ao fornecimento de medicamentos.

Solicitações e/ou denúncias Quantitativo

Fornecimento de medicamentos 206

Espera de consultas 109

Espera de exames 66

Espera de cirurgias 101

Falta de leitos 42

Atendimentos 266

Falta de equipamentos 7

Total 797
Tabela 3 - Solicitações e/ou denúncias relacionadas a saúde. Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.

3. Considerações finais

Centrar esforços em desvelar o universo destas expressões permanece um desafio,


sobretudo diante dos impasses e desafios impostos às políticas sociais, sejam elas direta ou
indiretamente vinculadas à Seguridade Social. Compreender os caminhos que transformam
direitos sociais reconhecidos em ações judiciais no âmbito das políticas sociais, família e
infância e, para tanto, é uma necessidade a fim de se identificar as portas de entrada das
demandas sociais no Sistema de Justiça.

O acesso ao direito à justiça precisa garantir a efetivação dos direitos individuais e


coletivos, na perspectiva dos direitos humanos. Cabe ao sistema de justiça - através de seus
aparatos como o MP, Defensorias Públicas, Núcleos Especializados e Tribunais de Justiça - a
promoção de serviços públicos universais com equipamentos e equipes qualificadas,
disponibilizando assim de uma rede de atendimento à população como forma de garantir o
acesso destes à justiça, seja ela material ou processual.
Com o avanço das políticas neoliberais, constata-se o esvaziamento e o dilaceramento
do que se conhece historicamente como Estado de Bem-Estar Social, no caso brasileiro,
procurou se concretizar inicialmente através de um sistema de garantia de direitos mais
abrangente que se daria a partir da Constituição Federal de 1988. A partir desta conjuntura,
passou a se constatar o crescente fenômeno da judicialização da questão social, no qual
Aguisky e Alencastro (2006) atribuem a transferência de responsabilidade do enfrentamento
da questão social para o Poder Judiciário.

Nesse contexto, a demanda do acesso à justiça vem na contramão da constante


omissão do Estado em garantir efetivamente o acesso a direitos relacionados à saúde,
educação, assistência social, previdência social, entre outros. Em momentos de crise do
capital se observa o acirramento da questão social e inerente a ela, a negação de direitos se
apresenta como política governamental, politicamente planejada a fim de garantir seus
interesses econômicos8.

Piovesan (2003, p. 149, 157 apud AGUINSKY; ALENCASTRO, 2006, p. 21), afirma
que “é fundamental adotar medidas para assegurar maior justiciabilidade e exigibilidade aos
direitos econômicos, sociais e culturais” e que a efetivação destes direitos “não é apenas uma
obrigação moral dos Estados, mas uma obrigação jurídica, que tem por fundamento os
tratados internacionais de proteção”, justificando sua defesa de que a pobreza constitui-se em
uma violação dos direitos humanos.

Os dados parciais da pesquisa documental já evidenciam questões importantes no que


tange às políticas de assistência social, educação e saúde. A busca pelos usuários das políticas
sociais ao sistema de justiça, para através dele, acessar judicialmente um direito social. É
possível perceber nos resumos informados nos processos judiciais que as demandas sociais
que se colocam, refletem a precarização e o desmonte da proteção social e da Seguridade
Social brasileira, atendendo a agenda neoliberal ancorado também por um viés ideológico de
matriz econômica, pois a democracia liberal é priorizada em detrimento da cidadania e da
justiça social ampliada.

4. Referências

8
A exemplo da Proposta de Emenda Constitucional 55/2016 que congelou por vinte anos os investimentos nas
políticas de saúde, educação, entre outras.
AGUINSKY, Beatriz G.; ALENCASTRO, Ecleria. H. de. Judicialização da questão social:
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