Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apesar desses direitos estarem assegurados formalmente, estes ainda assim não
encontram condições objetivas de concretização através das políticas sociais responsáveis por
sua efetivação. Neste contexto de afirmação dos direitos legalmente constituídos e da ausência
de respostas do poder público para atender às demandas dos cidadãos, iniciam-se os processos
de reivindicação desses direitos através da justiça, conhecidos como processos de
judicialização das políticas sociais.
1
Universidade Federal de Santa Catarina; Doutora em Serviço Social; michelly.wiese@ufsc.br.
2
Universidade Federal de Santa Catarina; Graduanda em Serviço Social; andressacadorin@gmail.com.
3
Universidade Federal de Santa Catarina; Graduanda em Serviço Social; juliacoelhoam@gmail.com.
4
Universidade Federal de Santa Catarina; Graduanda em Serviço Social; nathioliveira@live.com.
recorrer para a efetiva garantia dos direitos, “a complexidade se intensifica e a dificuldade do
acesso à justiça no Brasil ganha forma quando se vislumbra que na prática o direito de uns
não é o direito de outros.” (p. 287)
Nesta direção, o presente artigo tem por objetivo debater sobre a política social e a
judicialização dos direitos sociais legalmente reconhecidos no âmbito da família e infância,
analisando em que medida as demandas sociais judicializadas caminham para a efetivação de
um direito social – seja individual ou coletivo – ou, tendem a se direcionar para a
responsabilização das famílias pela proteção social de seus membros. Adiante serão
apresentados alguns dados e apontamentos preliminares da pesquisa intitulada “As
representações ao sistema de justiça catarinense, a partir do Ministério Público e seu
prosseguimento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no que se refere à efetivação dos
direitos sociais básicos no âmbito da família e infância”5.
5
A pesquisa é desenvolvida através da articulação entre o Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Sociedade,
Família e Política Social (NISFAPS) e o Núcleo de Estudos da Criança, Adolescente e Família (NECAD). Foi
contemplada com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
através da chamada do Edital Universal MCTIC/CNPq n. 28/2018. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética
em Pesquisa com Seres Humanos, com o parecer de aprovação de número 4.250.300/2020.
com a ordem constitucional e com as aspirações da massa trabalhadora [...] só seria
viável se pensado num lapso temporal mais largo que o de um só mandato
presidencial [...] muitas das vezes, é a própria atividade governamental realizada
pelo executivo que impede a consolidação dos direitos sociais, a sociedade passa a
incumbir o judiciário na tarefa de possibilitar a efetividade dos direitos sociais e
realização da cidadania social. (AGUINSKY; ALENCASTRO, 2006 apud NETTO
1999, p.79-80)
Segundo Esteves (2009), este fenômeno tem sido chamado de “judicialização dos
conflitos sociais”, ou “judicialização da política” (p. 41)., se configurando no interior da
esfera pública e se caracterizando pela transferência ao poder judiciário da responsabilidade
de enfrentamento da questão social, de forma a garantir a efetivação de direitos na perspectiva
dos direitos humanos.
Defender a ordem jurídica é parte das atribuições do MP, o que lhe incumbe do papel
de fiscalizador do cumprimento das legislações vigentes no país, ingressando com ações civis
públicas quando estas são desrespeitadas, atuando assim na defesa do Estado Democrático de
Direito brasileiro, quando defende e resguarda os interesses públicos, impedindo que estes
direitos sejam violados.
Estes dados foram sistematizados em uma planilha padrão pela equipe de pesquisa,
que continha os seguintes itens: a) identificação do termo; b) dados do diário oficial (número,
ano e data de publicação; c) descrição (resumo informado); d) classificação do procedimento
(extrato de conclusão de inquérito civil ou de conclusão de notícia de fato; e) número do
processo; f) comarca; g) promotoria; h) política social envolvida (assistência social, educação,
saúde); i) segmento envolvido (criança, adolescente, idoso, família). Foram localizados
17.350 processos. Durante o processo de coleta notou-se a repetição de processos, por vezes
em mais de um termo, que resultou na aplicação de um outro filtro a fim realizar uma etapa de
verificação, chegando ao número final 9.929 processos.
6
Portal MPSC - Relatórios das Atividades das Procuradorias e Promotorias de Justiça:
https://www.mpsc.mp.br/corregedoria-geral-do-ministerio-publico/relatorios-anuais
A seguir serão apresentados dados referentes às análises parciais da pesquisa, com
ênfase nos termos chave pesquisados: assistência social, educação e saúde, tendo como
contexto as políticas sociais, o espaço sociojurídico e as famílias, que de fato ofereceram
elementos para observar a relação próxima entre justiça e políticas sociais.
Neste sentido, em uma primeira leitura dos dados obtidos, a partir dos 1.392 processos
judiciais relacionados ao tema da política de assistência social, que incluem os segmentos
família e infância, com ênfase para situações que envolvem fatos de natureza administrativa.
Merece destaque os processos nos quais as redes de atendimento como o Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS) possuem falta de profissionais qualificados para o atendimento,
bem como urge melhorias nas estruturas físicas. Denúncias para averiguar improbidade
administrativa e irregularidades solucionadas por meio de Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) também foram encontradas.
Acolhimento institucional 56
Trabalho infantil 11
Transporte 4
Violência sexual 29
Outros 39
Total 679
Tabela 1 – Solicitações e/ou denúncias relacionadas à criança e adolescente. Fonte: elaborada pelas autoras,
2021.
Um dado que se destaca dentre todos é a identificação do termo situação de risco, que
apesar do número expressivo não se encontrou nos registros, até o momento, nenhuma
definição do termo. Neste primeiro levantamento de dados, acessando os resumos dos
processos, as ocorrências resumem-se à situações em que o processo se encontra “indeferido”
ou “arquivado”. Configurando, em primeira análise, uma falta de especificidade sobre os
procedimentos adotados para o processo.
2.2 Educação
Direito à educação 53
Lotação de sala 53
Merenda escolar 35
Qualidade de ensino 124
Vaga em creche 95
Vaga em escola 45
Total 1.016
Tabela 2 – Solicitações e/ou denúncias relacionadas à educação. Fonte: elaborada pelas autoras, 2021.
2.3 Saúde
Nos referidos processos as alegações dos autores das ações, advogados ou defensores
e juízes, para justificar a demanda judicial e requerer o acesso ao direito foi o direito
fundamental à saúde que é garantido pelo Art. 196 da Constituição Federal de 1988 e a Lei n.
8.080/1990 (GOMES; AMADOR, 2015; VENTURA, et al, 2010). Os autores ainda indicam
que a prevalência das ações judiciais foi individual e não coletiva e que a advocacia privada –
onde atuam os profissionais liberais e bacharéis em direito que defendem direitos contratados
por pessoa ou iniciativa privada – foi o recurso predominante nos processos judiciais.
Com relação aos processos judiciais identificados com os termos saúde e suas
variações, foram localizados 5.037 processos. Ainda em fase de quantificação, assim como na
política de assistência social e educação, se identifica a frequência de processos 7 com
referências a possíveis atos de improbidade administrativa, acessibilidade e objetos não
especificados ou ocultos.
7
A partir do ano de 2016, foi notado um aumento significativo de registros referente a judicialização da política
de saúde. A hipótese preliminar para o fenômeno pode estar relacionada à conjuntura política nacional a partir
daquele ano e dos que o sucederam. Destacam-se a consumação do golpe parlamentar de 2016 e a aprovação da
Emenda Constitucional do Teto de Gastos, que congelou por 20 anos os recursos destinados à política de saúde.
Único de Saúde (SUS), registros de casos de violência obstétrica, falta de contratação de
profissionais, irregularidades no transporte de usuários, entre outros. Há processos que
denunciam cobranças indevidas aos usuários para uso dos serviços oferecidos pelo SUS.
Destaca-se também situações referentes à fila de espera para atendimento médico e
psicossocial, assim como a fila de espera para exames e cirurgias, a falta de aparelhos para
exames e/ou cirurgias específicas e ao fornecimento de medicamentos.
Espera de exames 66
Falta de leitos 42
Atendimentos 266
Falta de equipamentos 7
Total 797
Tabela 3 - Solicitações e/ou denúncias relacionadas a saúde. Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.
3. Considerações finais
Piovesan (2003, p. 149, 157 apud AGUINSKY; ALENCASTRO, 2006, p. 21), afirma
que “é fundamental adotar medidas para assegurar maior justiciabilidade e exigibilidade aos
direitos econômicos, sociais e culturais” e que a efetivação destes direitos “não é apenas uma
obrigação moral dos Estados, mas uma obrigação jurídica, que tem por fundamento os
tratados internacionais de proteção”, justificando sua defesa de que a pobreza constitui-se em
uma violação dos direitos humanos.
4. Referências
8
A exemplo da Proposta de Emenda Constitucional 55/2016 que congelou por vinte anos os investimentos nas
políticas de saúde, educação, entre outras.
AGUINSKY, Beatriz G.; ALENCASTRO, Ecleria. H. de. Judicialização da questão social:
rebatimento no processo de trabalho dos assistentes sociais no Poder Judiciário. Katálysis,
v.9, n.1. Florianópolis, jan/dez, 2006. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rk/a/MfqL9fWh8p7zYzBwGQFrNwk/abstract/?lang=pt. Acesso em: 7
de out. 2021.
ESTEVES, João Luiz Martins. Cidadania e judicialização dos conflitos sociais. Revista de
Direito Público. V. 04. No 02. Londrina: maio/ago, 2009. Disponível em:
http://www.uel.br/cesa/direito/doc/estado/artigos/constitucional/cidadania. Acesso em: 7 out.
2021.
FOSCARINI, Léia Tatiana. Acesso à Justiça como Sinônimo de Paz: um desafio à realização
dos direitos humanos no Brasil. In: Movimento Nacional de Direitos Humanos. et. al.(org.).
Direitos humanos no Brasil 3: diagnósticos e perspectivas. Passo Fundo: IFIBE, 2012.
Disponível em: https://oestrangeirodotorg.files.wordpress.com/2012/12/direitos-humanos-
brasil-3.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
MAIOR, Nivea Maria Santos Souto et al. Direitos Humanos e Serviço Social: demandas
desafios contemporâneos. Temporalis, v. 18, n. 36, jan. 2019. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.22422/temporalis.2018v18n36p127-138. Acesso em: 4 out. 2021.
WIESE, Michelly Laurita.; BRESSAN, Carla Rosane; DAL PRÁ, Keli Regina. Direitos
Sociais no Âmbito da Família e Infância: as representações ao sistema de justiça catarinense.
In: Anais do III Simpósio Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas.
Teresina: UFPI, 2020. p. 1909-1922.