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Resumo
Dentre muitas indagações debatidas pelas feministas, trago neste artigo a questão da
maternidade compulsória e romantizada em forma de análise sobre o conto Quantos filhos
Natalina teve? de Conceição Evaristo, percebendo como a personagem principal lidava com
essa questão através de críticas feminista, além de comparar como a maneira que a
maternidade é vista na mulher negra e branca, levando em consideração contextos históricos e
sociais.
Introdução
O livro Olhos d água (2014) de Conceição Evaristo traz, entre outros contos, o
"Quantos filhos Natalina teve?" Este narra a história de uma menina-mãe que ainda está em
processo de descobrimento do seu próprio corpo, sua sexualidade, seus desejos. A menina
engravida quatro vezes e encara os desafios de não se enxergar como mãe e de ser julgada por
não querer constituir uma família. E o objetivo agora é...
Primordialmente, Natalina não reconhece o primeiro bebê como seu filho, sempre
utiliza termos como “troço” ou “coisa” referindo-se ao feto, esta, sentia ódio de sua barriga e
até mesmo vergonha. Nessa primeira gestação, ela não consegue realizar um procedimento de
aborto, exercido por uma velha parteira da comunidade, fugindo no primeiro instante dessa
senhora e da mãe, que sugere logo na descoberta da gravidez, que ela faça o aborto.
Apesar da Natalina não querer a morte dessa criança, ela não o queria, e sentiu-se leve
quando deu o seu filho a uma enfermeira do hospital. A partir disso, nota- se que o instinto
materno da personagem não “floresce”, ela não sente um “amor incondicional” por sua cria,
pelo contrário, sentia nojo de ter aquela barriga. Se for verdade que o senso comum diz que
toda mulher nasce com um “instinto maternal”, por que Natalina não sentia?
A socióloga israelense Orna Donath afirma que o instinto da maternidade não existe. E
que para provar isso ela reuniu um grupo de 23 mulheres mães de várias classes sociais e
idade distintas que não negam o amor por seus filhos, e questionando se as mesmas se
arrependiam de ser mãe, todas afirmando que sim. Esse trabalho de pesquisa da Orna, para
seu livro Mães Arrependidas, prova que a maternidade é imposta de alguma forma, na mulher,
observando que nessa situação, para o sistema patriarcal, um dos principais papéis da mulher
é gerar filhos. Dessa forma, a maternidade é imposta na mulher, seja pressionada pelo tempo,
pois a mulher apenas pode ter filho até uma determinada idade, ou pressionada por fatores
externos como marido ou religião.
Segundo a filosofa Sueli Carneiro no Livro Mulher Brasileira é assim, "a identidade é,
antes de tudo, resultado de um processo histórico-cultural", e dentro desse contexto a
maternidade foi construída como objetivo de felicidade a ser conquistado pelas mulheres,
juntamente a busca pelo marido e conhecimentos obrigatórios da pratica doméstica. Em suma,
a mulher seria apenas completa quando formasse uma família. Dessa forma, sua identidade
passa a ser mãe e dona de casa. Então, o conceito de maternidade é resultado de um processo
histórico e cultural.
Diferente da primeira gravidez, a menina toma mais cuidado para que não ocorra
novamente, sem abrir mão de seu prazer, aderindo aos chás abortivos quando desconfia de
algo dentro da sua barriga. Pode-se dizer que a menina teve influencias da mãe em se tratando
de tomar chá a fim de livrar-se do “troço”, em razão de várias vezes em que a mãe comenta
com as vizinhas que o “método contraceptivo” tinha funcionado e o “troço” havia descido.
“Natalina sabia de certos chás. Várias vezes vira a mãe beber. Sabia também que às vezes os
chás resolviam, outras vezes, não. Escutava a mãe comentar com as vizinhas: -Ei, fulana, o
troço desceu! ” (EVARISTO, 2014, p.44)
Então, o chá falhou, e pela segunda vez Natalina engravida. E novamente carrega toda
a culpa, e novamente tenta esconder, e novamente sente vergonha, e novamente odeia o fato
de ter um filho. E por mais que seu parceiro tivesse ficado feliz com a notícia, ela não queria a
criança. E Tonho (seu parceiro) não entende a infelicidade de Natalina. “(...) Tonho chorou
muito e voltou para a terra dele, sem nunca entender a recusa de Natalina diante do que ele
julgava ser o modo de uma mulher ser feliz. Uma casa, um homem, um filho. Voltou levando
consigo o filho que Natalina não quis.” (pág. 46).
Laura Gutman vai falar nos livros Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra e
O Poder do Discurso Materno que a vergonha e a culpa são mecanismos de proteção
psicológica moldados e engatilhados com base discurso social. Mulheres-mães já são
naturalmente vigiadas, tendo dedos apontados na sua direção a qualquer “derrapada” que se
cometa na cartilha tradicional de maternagem que implicitamente a sociedade prega. Ela
afirma que se alguém ainda escreve toda uma teoria responsabilizando apenas as mães pela
formação da integridade emocional dos filhos, é o passo final para que mulheres realmente
acreditem, internalizem e naturalizem essa responsabilidade sobre a formação das crianças
que a sociedade tenta jogar nas suas costas o tempo todo.
Como disse Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se”, então, não se
“nasce sabendo ser mãe”, aprende-se, quando se tem vontade de engravidar ou quando as
forças das circunstâncias exigem. No caso da personagem, ela não sente nenhuma vontade de
cuidar e criar essa criança, e acaba sendo encarada como uma estranha. Questionar e
desromantizar esse condicionamento materno às mulheres em sociedade e a sobrecarga das
tarefas de cuidado tem sido uma missão educativa das mães feministas. Em razão disso,
apoiar as mães e não naturalizar o “instinto materno” se torna necessário para assegurar
muitos direitos negados às mulheres, repensar o lugar do cuidado como função exclusiva das
mulheres e a maternidade como uma obrigação social das mulheres.
Outro fator a considerar sobre a personagem, é que o conto descreve uma mulher
negra, de classe baixa, residente em uma comunidade. Fatores que comprova esses fatos são:
a estrutura, inicialmente, da família de Natalina, “Como haveria de criar mais uma criança? O
que fazer quando o filho da menina nascesse? Na casa já havia tanta gente! Ela, o marido e
sete crianças. ”, comparação de cor em “Natalina só tinha um tom de pele mais negro” e lugar
onde mora, “chegaram de repente ao seu barraco”. A parti disso, trago a situação da mulher
negra na sociedade, principalmente pobres, abordando questões que o feminismo negro
critica.
A filósofa, feminista e acadêmica brasileira Djamila Ribeiro no seu livro Quem tem
medo do feminismo negro? (2018), no capitulo “Quem se responsabiliza pelo abandono da
mãe?”, critica a culpa que a sociedade coloca sobre mulher, no caso da mulher negra, e que a
responsabilidade sobre a gravidez é exclusivamente dela. Além de condenar o sistema pela
forma que a mulher negra é tratada, sendo ela, e apenas, julgada e condenada por uma
gravidez indesejada, sem levar em consideração a existência do pai e os motivos pela qual
muitas mulheres abandonam seus filhos. Concluiu que a mulher negra é abandonada primeiro
pelo Estado, quando nega assistência e simplesmente a julga e condena pelo ato do abandono,
e por uma sociedade cruel e hipócrita.
“Desde muito cedo somos ensinadas que devemos ser mães. Divulgam uma
ideia romântica de maternidade e a enfiam goela abaixo, naturalizando esse
lugar. Mais além, cria-se culpa. Não é incomum ouvir ‘Que mãe é essa que
permite isso?’ ou ‘Mãe aguenta tudo’.” (RIBEIRO, 2018, p.87)
“Era só a empregada fazer um filho para o patrão”. E foi assim que Natalina
engravidou pela terceira vez. Desta vez, a gestação foi “planejada”, mas não por Natalina, é
sim por seus patrões desesperados por um filho, que encontraram a solução na personagem. O
corpo de Natalina foi usado para gerar esse filho que não seria dela. De início, foi muito bem
cuidada pela patroa e quando a criança nasceu, logo foi esquecida pelo casal.
A patroa de Natalina sente o peso de uma sociedade que julga a mulher por não
conseguir dar um filho ao marido, assim, recorrendo a moça. A palavra que define esse
episódio na vida de Natalina é o objeto reprodutor, sendo total desvalorizada quando a criança
nasce. O mundo está cada vez mais individualista e interesseiro, Natalina foi coisificada pelos
patrões, ou melhor, mirada como coisa, que pode ser jogado fora a qualquer momento, e foi.
O quarto filho de Natalina, fruto de um estrupo. Interessante como ela gosta desta
gestação, sente prazer em ter aquele filho. Apesar de toda violência sofrida nesse episódio da
sua vida.
Nenhuma mulher está isenta de sofrer qualquer tipo de violência, mas é importante
observar que o grupo que está mais sujeito a ela, são mulheres negras e de classe baixa, haja
vista que houve um processo histórico de objetificação dessa mulher, que foram arrancadas de
suas terras, para serem escravizadas e abusadas.
Natalina sabia que não podia recorrer a ninguém, não sabia o que fazer. Reforçando a
ineficácia do Estado para a dar dignidade e proteção as mulheres negras. Ela nunca teve
assistência desde o começo, e sempre se sentiu culpada. E por mais que seu quarto filho fosse
fruto de uma violência, ela se sentiu bem por não poder enxergar ninguém na sua cria. "Estava
feliz. O filho ia arrebentar no mundo a qualquer hora. Estava ansiosa para olhar aquele filho e
não ver a marca de ninguém, talvez nem dela. Estava feliz e só consigo mesma."(EVARISTO,
2014, pág. 50).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
EVARISTO, Conceição. Quantos filhos Natalina teve? In:___. Olhos d´água. Rio de Janeiro:
Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2014. p. 43-50 [1ª. ed. Cadernos Negros 22, 1999].