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A MATERNIDADE E O MITO DA FRAGILIDADE NA RELAÇÃO DE GENERO E

RAÇA NO CONTO DE CONCEIÇÃO EVARISTO – UMA CRITICA FEMINISTA

Gabriela Ferreira Sarges

Resumo

Dentre muitas indagações debatidas pelas feministas, trago neste artigo a questão da
maternidade compulsória e romantizada em forma de análise sobre o conto Quantos filhos
Natalina teve? de Conceição Evaristo, percebendo como a personagem principal lidava com
essa questão através de críticas feminista, além de comparar como a maneira que a
maternidade é vista na mulher negra e branca, levando em consideração contextos históricos e
sociais.

O objetivo dessa análise é identificar ao longo da narrativa do conto “Quantos filhos


Natalina teve? ” de Conceição Evaristo, possíveis conceitos machistas implícitos e/ou
explícitos no texto. Além disso, tem como proposta 1) analisar como a maternidade é
vista/tratada pelo narrador e personagens e 2) compreender conceitos construídos pelo sistema
patriarcal, como a da maternidade romantizada, além de questionar e refletir sobre o mito da
fragilidade feminina a partir desse conto.

Para tal fim, a metodologia será de cunho bibliográfico

Palavras-chave: Maternidade; Romantização; Violência; Literatura; Conceição Evaristo.

Introdução

Repete resumo aqui (pensando em uma introdução SIMPLIFICADA.

DEPOIS Comente como está dividido/partes do trabalho))

1. A MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


Como é sabido, o movimento feminista surgiu com o intuito de reivindicar direitos
iguais entre homens e mulheres, buscando, entre outros aspectos, a libertação feminina do
opressor sistema patriarcal e a conquista da cidadania. O movimento, atualmente, ainda
reivindica, por exemplo, igualdade salarial, direito da mulher a decisões sobre o próprio
corpo, e pelo fim das várias formas de violência contra mulher. Consequentemente, para isso,
discute e desconstrói a ideologia machista e patriarcal que permeiam as relações sociais até
hoje. Tal movimento, de acordo com estudiosas feministas, abarca vertentes que trazem
demandas múltiplas e particulares entre si.

A MATERNIDADE DIANTE A DESIGUALDADE

A escritora nos convoca a refletir sobre o imaginário da sociedade brasileira,


impregnado de preconceitos em relação à população negra. A despeito das exceções, o que
Evaristo preconiza é que a sua vivência sirva a consolidar uma regra para todos aqueles que,
como ela, também estão produzindo e lutando para conquistar o espaço que lhes é de direito.
Desse modo, a escritora nos leva a refletir sobre os mecanismos discursivos existentes cujas
propostas insistem em manter as diversas formas de opressão social, o que está representado
de modo bastante contundente em tipos e situações variadas na literatura que produz.

Maria de Conceição Evaristo Brito é uma escritora brasileira, nasceu em Belo


Horizonte, Minas Gerais em 1946. Possui graduação em Letras pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e
Doutora em Letras (Literatura Comparada) pela Universidade Federal Fluminense. Atuante na
área de Literatura e Educação, destacando gênero e etnia.

O livro Olhos d água (2014) de Conceição Evaristo traz, entre outros contos, o
"Quantos filhos Natalina teve?" Este narra a história de uma menina-mãe que ainda está em
processo de descobrimento do seu próprio corpo, sua sexualidade, seus desejos. A menina
engravida quatro vezes e encara os desafios de não se enxergar como mãe e de ser julgada por
não querer constituir uma família. E o objetivo agora é...

No que tange a possíveis conceitos machistas presentes no texto,


Em relação à maternidade é tradada pelo narrador e personagem,

E, por fim, no que diz respeito ao mito da fragilidade feminina

Primordialmente, Natalina não reconhece o primeiro bebê como seu filho, sempre
utiliza termos como “troço” ou “coisa” referindo-se ao feto, esta, sentia ódio de sua barriga e
até mesmo vergonha. Nessa primeira gestação, ela não consegue realizar um procedimento de
aborto, exercido por uma velha parteira da comunidade, fugindo no primeiro instante dessa
senhora e da mãe, que sugere logo na descoberta da gravidez, que ela faça o aborto.

(...)Tinha de fugir de Sá Praxedes. Ganhou a avenida, ganhou outras ruas. Escondeu-


se o mais longe possível de casa. Um dia, junto com uma outra menina-mulher que
também esperava um filho, tomou um trem para o mais longe ainda. E respirou
aliviada. Sá Praxedes não pegaria nunca. (EVARISTO, 2014, p.45).

Apesar da Natalina não querer a morte dessa criança, ela não o queria, e sentiu-se leve
quando deu o seu filho a uma enfermeira do hospital. A partir disso, nota- se que o instinto
materno da personagem não “floresce”, ela não sente um “amor incondicional” por sua cria,
pelo contrário, sentia nojo de ter aquela barriga. Se for verdade que o senso comum diz que
toda mulher nasce com um “instinto maternal”, por que Natalina não sentia?

A palavra “Instinto” significa uma predisposição inata para a realização de


determinadas ações. Logo, instinto materno é uma força interior natural da mulher, “o instinto
maternal mostra o imenso desejo de uma mulher ter um filho. ”, afirma o site Que conceito.

A socióloga israelense Orna Donath afirma que o instinto da maternidade não existe. E
que para provar isso ela reuniu um grupo de 23 mulheres mães de várias classes sociais e
idade distintas que não negam o amor por seus filhos, e questionando se as mesmas se
arrependiam de ser mãe, todas afirmando que sim. Esse trabalho de pesquisa da Orna, para
seu livro Mães Arrependidas, prova que a maternidade é imposta de alguma forma, na mulher,
observando que nessa situação, para o sistema patriarcal, um dos principais papéis da mulher
é gerar filhos. Dessa forma, a maternidade é imposta na mulher, seja pressionada pelo tempo,
pois a mulher apenas pode ter filho até uma determinada idade, ou pressionada por fatores
externos como marido ou religião.
Segundo a filosofa Sueli Carneiro no Livro Mulher Brasileira é assim, "a identidade é,
antes de tudo, resultado de um processo histórico-cultural", e dentro desse contexto a
maternidade foi construída como objetivo de felicidade a ser conquistado pelas mulheres,
juntamente a busca pelo marido e conhecimentos obrigatórios da pratica doméstica. Em suma,
a mulher seria apenas completa quando formasse uma família. Dessa forma, sua identidade
passa a ser mãe e dona de casa. Então, o conceito de maternidade é resultado de um processo
histórico e cultural.

Diferente da primeira gravidez, a menina toma mais cuidado para que não ocorra
novamente, sem abrir mão de seu prazer, aderindo aos chás abortivos quando desconfia de
algo dentro da sua barriga. Pode-se dizer que a menina teve influencias da mãe em se tratando
de tomar chá a fim de livrar-se do “troço”, em razão de várias vezes em que a mãe comenta
com as vizinhas que o “método contraceptivo” tinha funcionado e o “troço” havia descido.
“Natalina sabia de certos chás. Várias vezes vira a mãe beber. Sabia também que às vezes os
chás resolviam, outras vezes, não. Escutava a mãe comentar com as vizinhas: -Ei, fulana, o
troço desceu! ” (EVARISTO, 2014, p.44)

Então, o chá falhou, e pela segunda vez Natalina engravida. E novamente carrega toda
a culpa, e novamente tenta esconder, e novamente sente vergonha, e novamente odeia o fato
de ter um filho. E por mais que seu parceiro tivesse ficado feliz com a notícia, ela não queria a
criança. E Tonho (seu parceiro) não entende a infelicidade de Natalina. “(...) Tonho chorou
muito e voltou para a terra dele, sem nunca entender a recusa de Natalina diante do que ele
julgava ser o modo de uma mulher ser feliz. Uma casa, um homem, um filho. Voltou levando
consigo o filho que Natalina não quis.” (pág. 46).

Laura Gutman vai falar nos livros Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra e
O Poder do Discurso Materno que a vergonha e a culpa são mecanismos de proteção
psicológica moldados e engatilhados com base discurso social. Mulheres-mães já são
naturalmente vigiadas, tendo dedos apontados na sua direção a qualquer “derrapada” que se
cometa na cartilha tradicional de maternagem que implicitamente a sociedade prega. Ela
afirma que se alguém ainda escreve toda uma teoria responsabilizando apenas as mães pela
formação da integridade emocional dos filhos, é o passo final para que mulheres realmente
acreditem, internalizem e naturalizem essa responsabilidade sobre a formação das crianças
que a sociedade tenta jogar nas suas costas o tempo todo.
Como disse Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se”, então, não se
“nasce sabendo ser mãe”, aprende-se, quando se tem vontade de engravidar ou quando as
forças das circunstâncias exigem. No caso da personagem, ela não sente nenhuma vontade de
cuidar e criar essa criança, e acaba sendo encarada como uma estranha. Questionar e
desromantizar esse condicionamento materno às mulheres em sociedade e a sobrecarga das
tarefas de cuidado tem sido uma missão educativa das mães feministas. Em razão disso,
apoiar as mães e não naturalizar o “instinto materno” se torna necessário para assegurar
muitos direitos negados às mulheres, repensar o lugar do cuidado como função exclusiva das
mulheres e a maternidade como uma obrigação social das mulheres.

Outro fator a considerar sobre a personagem, é que o conto descreve uma mulher
negra, de classe baixa, residente em uma comunidade. Fatores que comprova esses fatos são:
a estrutura, inicialmente, da família de Natalina, “Como haveria de criar mais uma criança? O
que fazer quando o filho da menina nascesse? Na casa já havia tanta gente! Ela, o marido e
sete crianças. ”, comparação de cor em “Natalina só tinha um tom de pele mais negro” e lugar
onde mora, “chegaram de repente ao seu barraco”. A parti disso, trago a situação da mulher
negra na sociedade, principalmente pobres, abordando questões que o feminismo negro
critica.

A filósofa, feminista e acadêmica brasileira Djamila Ribeiro no seu livro Quem tem
medo do feminismo negro? (2018), no capitulo “Quem se responsabiliza pelo abandono da
mãe?”, critica a culpa que a sociedade coloca sobre mulher, no caso da mulher negra, e que a
responsabilidade sobre a gravidez é exclusivamente dela. Além de condenar o sistema pela
forma que a mulher negra é tratada, sendo ela, e apenas, julgada e condenada por uma
gravidez indesejada, sem levar em consideração a existência do pai e os motivos pela qual
muitas mulheres abandonam seus filhos. Concluiu que a mulher negra é abandonada primeiro
pelo Estado, quando nega assistência e simplesmente a julga e condena pelo ato do abandono,
e por uma sociedade cruel e hipócrita.

“Desde muito cedo somos ensinadas que devemos ser mães. Divulgam uma
ideia romântica de maternidade e a enfiam goela abaixo, naturalizando esse
lugar. Mais além, cria-se culpa. Não é incomum ouvir ‘Que mãe é essa que
permite isso?’ ou ‘Mãe aguenta tudo’.” (RIBEIRO, 2018, p.87)
“Era só a empregada fazer um filho para o patrão”. E foi assim que Natalina
engravidou pela terceira vez. Desta vez, a gestação foi “planejada”, mas não por Natalina, é
sim por seus patrões desesperados por um filho, que encontraram a solução na personagem. O
corpo de Natalina foi usado para gerar esse filho que não seria dela. De início, foi muito bem
cuidada pela patroa e quando a criança nasceu, logo foi esquecida pelo casal.

A patroa de Natalina sente o peso de uma sociedade que julga a mulher por não
conseguir dar um filho ao marido, assim, recorrendo a moça. A palavra que define esse
episódio na vida de Natalina é o objeto reprodutor, sendo total desvalorizada quando a criança
nasce. O mundo está cada vez mais individualista e interesseiro, Natalina foi coisificada pelos
patrões, ou melhor, mirada como coisa, que pode ser jogado fora a qualquer momento, e foi.

(...) Um dia a criança nasceu fraca e bela. Sobreviveu. Os pais


choravam aflitos. Natalina quase morreu. Tinha os seios vazios,
nenhum vestígio de leite para amamentar o filho da outra. Para o seu
próprio alívio foi esquecida pelos dois. (EVARISTO, 2014, pág. 48)

Ainda sobre o Livro Mulher brasileira é assim, no capitulo “Identidade Feminina”,


Sueli Carneiro critica o mito da fragilidade feminina em se tratando das mulheres negras, na
qual consiste em derrubar os conceitos da mulher frágil, submissa e dependente do homem.
Sueli afirma que mulheres negras não reconhece em si a realidade desse mito, pois de modo
algum nunca foram tratadas com fragilidade, haja visto que sempre foram tratadas como
objeto de trabalho assim como os homens negros desde a escravidão. Assim, Natalina ao
longo da história, não foi vista como menina frágil, ela sempre teve que “dar um jeito” para os
problemas e continuar a “ser guerreira”.

O quarto filho de Natalina, fruto de um estrupo. Interessante como ela gosta desta
gestação, sente prazer em ter aquele filho. Apesar de toda violência sofrida nesse episódio da
sua vida.

(...) Natalina alisou carinhosamente a barriga, o filho pulou lá de dentro


respondendo ao carinho. Ela sorriu feliz. Era a sua quarta gravidez, e o seu
primeiro filho. Só seu. De homem algum, de pessoa alguma. Aquele filho ela
queria, os outros não. Os outros eram como se tivessem morrido pelo meio
do caminho. (EVARISTO, 2014, pág. 43).

Nenhuma mulher está isenta de sofrer qualquer tipo de violência, mas é importante
observar que o grupo que está mais sujeito a ela, são mulheres negras e de classe baixa, haja
vista que houve um processo histórico de objetificação dessa mulher, que foram arrancadas de
suas terras, para serem escravizadas e abusadas.

A professora e filosofa socialista estadunidense Angela Davis fala no seu livro


Mulheres, Raça e Classe sobre o ato do estrupo as mulheres negras. Ela expõe que “Há o
drama diário do racismo representado pelos incontáveis e anônimos enfrentamentos entre as
mulheres negras. [...] Essas agressões têm sido ideologicamente sancionadas por políticos,
intelectuais e jornalistas” A parti disso, a mulher negra tem pouca visibilidade quando se trata
de violência sofrida cotidianamente, é a sensibilidade com essa mulher é mais baixa em
relação a mulher branca.

Natalina sabia que não podia recorrer a ninguém, não sabia o que fazer. Reforçando a
ineficácia do Estado para a dar dignidade e proteção as mulheres negras. Ela nunca teve
assistência desde o começo, e sempre se sentiu culpada. E por mais que seu quarto filho fosse
fruto de uma violência, ela se sentiu bem por não poder enxergar ninguém na sua cria. "Estava
feliz. O filho ia arrebentar no mundo a qualquer hora. Estava ansiosa para olhar aquele filho e
não ver a marca de ninguém, talvez nem dela. Estava feliz e só consigo mesma."(EVARISTO,
2014, pág. 50).

A partir desse contexto, de violência sofrida pelas mulheres negras, Conceição


Evaristo mostra o outro lado da maternidade que ninguém propaga nas mídias, e torna visível
os problemas por traz da mesma, mostrando a realidade de muitas meninas-mães negras e
pobres no Brasil.

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

EVARISTO, Conceição. Quantos filhos Natalina teve? In:___. Olhos d´água. Rio de Janeiro:
Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2014. p. 43-50 [1ª. ed. Cadernos Negros 22, 1999].

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