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A L E X A N D E R F R E E D
Baseado em uma história de John Knoll e Gary Whitta
Roteiro escrito por Chris Weitz e Tony Gilroy
Rogue One – A Star Wars Story

Copyright © 2016 by Lucasfilm Ltd. & ® or ™ where indicated.

All Rights Reserved. Used under authorization.


Published in the United States by Del Rey, na imprint of Random House, a
division of Penguim Random House LLC, New York
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Random House LLC.

Rogue One: uma história Star Wars é uma obra de ficção. Todos os nomes,
lugares e situações são resultantes da imaginação dos autores ou empregados
em prol da ficção. Qualquer semelhança com eventos, locais e pessoas, vivas
ou mortas, é mera coincidência.

© 2019 by Universo dos Livros

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empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer
outros.

Diretor editorial Revisão


Luis Matos Juliana Gregolin e
Tássia Carvalho
Gerente editorial
Marcia Batista Arte original do livro
Elizabeth A. D. Eno
Assistentes editoriais
Letícia Nakamura Arte e adaptação de capa
Raquel Abranches Valdinei Gomes

Tradução Diagramação
Felipe CV Vieira Francine C. Silva

Preparação
Alexander Barutti

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

F93r
Freed, Alexander
Rogue One : uma história Star Wars / Alexander Freed;
baseado em uma história de John Knoll e Gary Whitta;
roteiro escrito por Chris Weitz e Tony Gilroy; tradução de
Felipe CF Vieira. – São Paulo:
Universo dos Livros, 2019.
384 p.
ISBN: 978-85-503-0339-0
Título original: Rogue One: a Star Wars story
19-0467
HÁ MUITO TEMPO, EM UMA GALÁXIA MUITO, MUITO DISTANTE…
PRÓLOGO

GALEN ERSO NÃO ERA UM BOM FAZENDEIRO. Esse era apenas um de seus muitos
defeitos, mas era a principal razão de ainda estar vivo.
Um homem com os talentos mais diversos – um Galen diferente, um Galen
que conseguia intuir quais colônias de plantação cresceriam em solos de
mundos alienígenas, ou que conseguia enxergar um tronco apodrecido sem
precisar arrancar a casca – teria logo se entediado. Sua mente, deixada em
desuso nos campos, teria se voltado para assuntos aos quais havia renunciado.
Esse Galen, conscientemente ou por hábito, teria buscado o mesmo trabalho
que causara seu exílio. Teria observado o coração das estrelas e formulado
teoremas de significância cósmica.
Com o tempo, teria chamado atenção de alguém. Suas obsessões
certamente causariam sua morte.
Porém, um fazendeiro sem talento nunca ficava à toa; então o verdadeiro
Galen, aquele que habitava a realidade em vez da fantasia, não tinha
problema algum em preencher seus dias em Lah’mu sem sucumbir à
tentação. Tomava amostras de bactérias em pedregulhos deixados para trás
por vulcões pré-históricos e observava, maravilhado, o mar verdejante da
grama alta e do musgo rasteiro que parecia brotar de todas as superfícies.
Analisava as intermináveis montanhas de seu território e se sentia agradecido
por ainda precisar dominar sua nova profissão.
Construiu esses pensamentos como uma equação enquanto olhava pela
janela, passando por suas fileiras ordenadas de milho-do-céu que brotavam e,
em seguida, na direção do solo negro da praia. Uma pequena garota brincava
perto das fileiras, enviando seu soldado de brinquedo a aventuras pela terra.
– Ela está cavando de novo? Juro que não aprendeu comigo as palavras
mineração a céu aberto, mas vamos acabar sem comida se ela continuar
assim.
As palavras romperam lentamente a concentração de Galen. Quando as
ouviu e as entendeu, ele sorriu e sacudiu a cabeça.
– Os droides agricultores vão reparar o dano. Deixe-a brincar.
– Ah, não tinha pensado em fazer absolutamente nada mesmo. Essa garota
é toda sua.
Galen se virou. Os lábios de Lyra se curvaram até formar um sorriso. Ela
começara a sorrir de novo a partir do dia em que deixaram Coruscant.
Ele começou a responder quando o céu retumbou com um estrondo
diferente de um trovão. Uma parte da mente de Galen se concentrou apenas
em sua esposa diante dele e em sua filha na praia. A outra porção processou a
situação com precisão mecânica. Começou a andar sem estar consciente
disso, passando por Lyra, a mesa bagunçada da cozinha e o sofá gasto que
cheirava a loção pós-barba. Passou por uma porta e apanhou um dispositivo
que podia ter sido construído no ferro-velho de uma civilização de máquinas
– telas rachadas e fios expostos, prestes a se despedaçar ao menor toque.
Ajustou um botão e estudou a imagem na tela.
Um transporte estava aterrissando em sua fazenda.
Especificamente, uma nave T-3c classe Delta, toda angular e metálica. A
nave freneticamente emitia varreduras ativas da paisagem enquanto suas
largas asas se dobravam para a aterrissagem e os motores subluz diminuíam o
empuxo. Galen estudou as leituras associadas com a aterrissagem e deixou as
especificações se assentarem em sua memória – não porque pudessem ser
úteis, mas porque queria procrastinar por um momento para não ter de
encarar as implicações do que estava vendo.
Fechou os olhos com força e deu a si mesmo três segundos, dois, um.
Então era hora de aceitar que a vida de sua família em Lah’mu havia
acabado.
– Lyra – ele disse. Galen assumiu que ela estava perto, mas não se virou
para olhar.
– É ele? – ela perguntou. Lyra pareceu não estar com medo, algo que
assustou Galen mais do que qualquer coisa.
– Não sei. Mas temos que…
– Vou começar – ela disse.
Galen assentiu sem tirar os olhos do console.
Ele não era propenso ao pânico. Sabia o que precisava ser feito. Havia
ensaiado naqueles raros dias em que a fazenda cuidava de si mesma, ou
naquelas noites menos raras nas quais o sono lhe escapava. Tais preparações
eram as únicas obsessões que ele se permitia. Galen se virou para outra
máquina, digitou um código e arrancou uma série de cabos da parede com
rápidos puxões. Começou outra contagem regressiva em sua cabeça; se a
formatação de dados não se completasse em cinco minutos, começaria a
destruir fisicamente os componentes.
Ouviu passos na porta da frente, rápidos e leves. Virou-se para ver Jyn
correr para dentro, com os cabelos castanhos e o rosto sujos de terra. Ela
deixara o brinquedo no campo. Galen sentiu um aperto inesperado e temeu –
absurdamente, ele sabia – que a perda do Stormy causaria angústia para a
pequena garota quando estivesse longe da fazenda.
– Mamãe…
Lyra se afastou da pilha de roupas, datapads e refeições portáteis que havia
juntado sobre uma cadeira e se ajoelhou diante da garota, cujas feições
pálidas e magras espelhavam as suas próprias.
– Nós sabemos. Vai ficar tudo bem.
Galen se aproximou e esperou até sua filha perceber sua chegada. Falou
suavemente, mas com um tom sóbrio.
– Junte suas coisas, Jyn. Chegou a hora.
Ela entendeu, é claro. Sempre entendia quando era importante. Mas Galen
não tinha tempo para se orgulhar.
Voltou para suas máquinas enquanto Jyn corria para seu quarto. A
formatação de dados não estava completa. Havia outros arquivos com os
quais também precisava lidar, arquivos que deveria ter apagado em
Coruscant, mas que acabou trazendo consigo para Lah’mu. (Por que fizera
isso? Nostalgia? Orgulho desmedido?) Abriu uma gaveta cheia de partes de
droides e removeu o braço de uma unidade agricultora. Abriu um pequeno
painel, mergulhou dois dedos entre fios e extraiu um datachip.
– O scrambler, por favor? – ele disse.
Lyra passou uma esfera de metal do tamanho da palma de sua mão. Ele
inseriu o datachip e – antes que pudesse hesitar – pressionou o botão. A
esfera se aqueceu e produziu um cheiro parecido com o de cabelo queimado.
Galen a jogou na gaveta de velharias e sentiu um aperto no estômago.
– Se faltou alguma coisa, seja rápido. – As palavras de Lyra foram
apressadas. Uma luz piscava mais rápido no console do sensor.
– Programe o ponto de encontro e leve a Jyn – ele disse. – Vou terminar
aqui.
Lyra abruptamente parou de checar sua pilha de provisões.
– O plano não era esse, Galen.
– Encontrarei vocês lá.
– Você tem que vir junto.
Os olhos dela estavam endurecidos. Por favor, sorria, ele pensou.
– Tenho que ganhar tempo para vocês – ele disse.
A luz do sensor se apagou. Uma falha parecia improvável.
Lyra apenas continuou olhando para Galen.
– Apenas eu posso fazer isso – ele disse.
Era um argumento impossível de rebater. Lyra não tentou. Ela correu para
a cozinha e digitou no comunicador enquanto Galen seguia para o quarto de
Jyn. Ele teve apenas um vislumbre das palavras de Lyra: “Saw – aconteceu.
Ele veio atrás de nós”.
Jyn esperava com sua bolsa abarrotada aos pés. Galen analisou o conteúdo
restante do pequeno quarto: alguns brinquedos, a cama. Fácil de esconder.
Suficiente para ganhar mais alguns minutos. Tirou uma boneca do caminho
antes de voltar para a porta.
– Jyn. Venha aqui.
Considerou o que poderia dizer; considerou que impressão queria deixar
para Jyn se tudo terminasse em desastre.
– Lembre-se… – falou com um cuidado deliberado, querendo marcar as
palavras nos ossos dela. – Seja lá o que eu fizer, farei para proteger você.
Diga que entende.
– Eu entendo – Jyn disse.
E dessa vez, é claro, ela não entendia. Que garota de oito anos entenderia?
Galen ouviu sua própria tolice, seu ego ecoando na voz dela. Ele a abraçou,
sentiu o pequeno corpo quente da filha contra o dele e pensou em uma
memória melhor para deixar com ela.
– Eu amo você, Poeira Estelar.
– Eu amo você também, papai.
Isso seria o suficiente.
Olhou para sua esposa, que esperava ao lado.
– Galen – ela começou a dizer, sem resquício da aspereza de antes.
– Vão.
Ela obedeceu, persuadindo Jyn a segui-la. Galen se permitiu o luxo de
observar e ouviu sua filha oferecer um último “papai?” confuso. Então elas
deixaram a casa e ele retomou seu trabalho.
Galen coletou objetos fora de lugar – mais brinquedos, roupas de Lyra,
louça suja na cozinha – e os escondeu em lugares que ele e Lyra haviam
preparado muito tempo atrás. Checou a formatação de dados não finalizada,
retornando seus pensamentos para a contagem regressiva mental. O prazo de
cinco minutos já fora ultrapassado em alguns segundos. Isso significava que
poderia se manter ocupado enquanto esperava seus visitantes.
Quando Galen ouviu vozes abafadas se aproximando da fazenda, duas de
suas unidades caseiras de processamento de dados soltavam uma fumaça acre
enquanto seus circuitos derretiam. Ele saiu pela porta da frente para receber
os recém-chegados sob o céu nublado.
Um pelotão vestindo branco fosco e negro brilhante avançava na direção
de sua casa. O líder era um homem magro da mesma idade de Galen,
vestindo um imaculado uniforme cor de marfim, com o queixo erguido e
movimentos rígidos. A brisa não desmanchava seu cabelo claro debaixo do
quepe. Seus comandados vestiam armaduras como a carapaça de um
escaravelho e empunhavam pistolas e fuzis como se prontos para a guerra. Os
soldados pisavam quando seu líder pisava, acompanhando seu ritmo; para
Galen, pareciam existir apenas como extensões de seu superior.
O homem de branco parou a menos de três metros.
– Você é um homem difícil de encontrar, Galen – ele disse, não muito
contente.
– A ideia era essa. – Galen também não estava sorrindo, embora até
pudesse. Poderia deixar o céu e a fazenda desaparecerem, poderia deixar os
soldados se tornarem sombras e poderia lembrar-se de um oficial em
particular de Coruscant; poderia permitir a si mesmo acreditar que estava
mais uma vez trocando provocações com seu amigo e colega, Orson Krennic.
Porém, não havia razão para nostalgia. Orson certamente sabia disso tanto
quanto ele.
Orson puxava suas luvas enquanto estudava os campos, torcendo o
pescoço de modo exagerado.
– Mas uma fazenda? Um homem com os seus talentos?
– É uma vida pacata – Galen respondeu.
– Solitária, imagino.
Com aquelas palavras, Orson havia declarado seu jogo e sua aposta. Não
surpreendeu Galen.
– Desde a morte de Lyra, sim – Galen disse.
O canto da boca de Orson tremeu, como se surpreendido.
– Meus sinceros pêsames. – Orson então fez um gesto para os soldados e
falou em um tom mais severo: – Vasculhem a casa e desliguem qualquer
máquina. Quero que sejam examinadas pelos técnicos.
Quatro dos obedientes soldados rapidamente seguiram para a porta. Galen
abriu caminho para que passassem.
– Imagino que você não preparou armadilhas, não é? – Orson perguntou. –
Nada que machucasse um patriota realizando seu trabalho?
– Não.
– Não. Sempre achei a sua consistência revigorante. Galen Erso é um
homem honesto, inalterado pelo estresse ou pelas circunstâncias.
Soldados gritavam entre si na casa atrás de Galen, e ele abafou um impulso
de se virar.
– Honesto, talvez. Mas ainda apenas um homem.
Orson ergueu a mão, cedendo ao argumento. Ele se moveu como se fosse
se juntar aos soldados dentro da casa, mas parou.
– Quando ela morreu? – ele perguntou.
– Dois, três anos, acho. Não é uma lembrança fácil.
– Era uma mulher maravilhosa. Forte. Sei que você a amava muito.
– O que você quer?
Aquelas palavras foram um erro. Galen mal escondeu seu estremecimento
quando ouviu a si mesmo, reconhecendo o tom irritado de sua voz. Quanto
mais atuasse, mais tempo Lyra e Jyn teriam para escapar. Mas estava se
tornando impaciente.
Orson respondeu despreocupadamente, fingindo a honestidade crua de um
homem cansado demais para mentir.
– O trabalho emperrou, Galen. Preciso que você volte.
– Tenho total confiança em você. Em seu pessoal.
– Não, não tem – Orson disse secamente. – Você nunca foi tão humilde
assim.
– E você confia muito pouco em sua própria capacidade – Galen replicou
calmamente. – Eu disse isso a você quando ainda éramos praticamente
crianças. Você podia ter feito tudo o que fiz, mas preferiu não se aprofundar;
preferiu pastorear pessoas em vez de nutrir as teorias. Sempre respeitei a sua
decisão, mas não deixe que ela estreite seu mundo.
Tudo isso era verdade. Tudo isso também era destinado a machucar Orson,
a forçar suas inseguranças. Galen manteve o tom de voz tranquilo, casual.
Talvez até de um jeito irritante demais. Mas a fúria de Orson não o assustava.
Ele temia foco, eficiência ou rapidez; não raiva selvagem.
Orson apenas tentou sorrir – um sorriso forçado que não se fez por inteiro.
– Você vai voltar.
Dane-se essa farsa. Galen endireitou as costas. Eles estavam chegando ao
fim da conversa.
– Não, não vou. Meu lugar agora é aqui.
– Cavando na terra com uma pá? Estávamos à beira da grandeza, Galen.
Estávamos muito perto de entregar a paz e a segurança para a galáxia.
Atrás de Galen veio o som de cerâmicas se partindo enquanto os soldados
continuavam a busca. Ele mentalmente catalogou pratos e vasos ornamentais,
depois dispensou a lista. Nada na casa importava.
– Você está confundindo paz com terror. Você mentiu sobre o que
estávamos construindo.
– Apenas porque você estava disposto a acreditar.
– Você queria matar pessoas.
Orson deu de ombros, sem se comover com o argumento.
– Temos que começar em algum ponto.
Galen quase riu. Lembrou-se de quando podia rir com Orson, em vez de
sentir nada que não fosse uma resistência vazia.
Sons de coisas quebrando dentro da casa. Mobília sendo despedaçada,
esconderijos revelados. Orson teria sua prova em questão de instantes.
– Eu não seria de nenhuma ajuda, Krennic. – Provoque-o. Negue qualquer
familiaridade. – Minha mente simplesmente já não é a mesma. – Ele agora
podia apenas falar, sem tentar persuadir, enraivecer ou fazer qualquer outra
coisa que não fosse ganhar mais alguns segundos, alguns preciosos
momentos para Lyra e Jyn. – A princípio, pensei que era apenas o trabalho.
Às vezes eu me sentava à noite, rememorando equações e teoremas, mas não
conseguia mais mantê-los na mente. Culpei a exaustão e a renúncia dos
hábitos de um intelecto focado… – Ele sacudiu a cabeça. – Mas é mais do
que isso. Agora acho difícil lembrar até as coisas mais simples.
Orson entrelaçou os dedos enluvados, os olhos brilhando com um
divertimento cruel.
– A sua filha, por exemplo? Galen, você é um cientista inspirado, mas um
péssimo mentiroso.
Orson não precisava que soldados relatassem uma cama extra ou um
brinquedo deixado nos campos. Não havia mais atrasos que Galen pudesse
criar, nenhuma esperança de esconder a presença de sua família em Lah’mu.
Rezou para que Lyra tivesse melhor sorte. Ela nunca o decepcionara.
Galen deixou até mesmo esse pensamento de lado para imaginar a filha
nos braços da esposa.
Lyra corria, os dedos envolvendo o frágil punho de sua filha. Puxava-a
sem delicadeza. Ouviu Jyn choramingar de dor, sentiu a garota cambalear
ao seu lado e desejou tomá-la nos braços, carregando-a em meio às rochas e
apertando-a contra o peito.
Desejou, mas não conseguiria carregar sua filha e se abaixar o suficiente
para tirar vantagem do esconderijo das colinas. Não conseguiria acrescentar
mais vinte e cinco quilos nos suprimentos que levava nas costas e ainda
manter a velocidade. Lyra amava sua filha, mas o amor não as salvaria hoje.
Lyra sempre foi a mais prática da família.
Maldito Galen, ela pensou, por nos mandar sozinhas.
Percebeu um movimento com o canto dos olhos, virou-se para confirmar
que não era o vento e então puxou Jyn para baixo, quando mergulhou no solo
úmido. Seu estômago já doía por causa da corrida. A terra fria causou uma
boa sensação em seu corpo, mas a testa formigava com suor e medo. Olhou
ao redor das rochas e avistou meia dúzia de figuras – soldados do Império
vestidos de negro e liderados por um oficial de uniforme branco – marchando
rapidamente na direção da casa.
Não, não apenas um oficial de branco. Orson Krennic liderava um
esquadrão da morte até a casa da fazenda. Na direção de Galen.
– Mamãe… – Jyn sussurrou, puxando sua mão. – Eu conheço aquele
homem.
Isso pegou Lyra de surpresa. Mas Jyn tinha a mente do pai, embora não as
obsessões. Sua memória era melhor do que a memória da própria Lyra.
Aquele é o amigo especial do seu pai, Orson, ela quis dizer. Ele é um
maldito mentiroso que se acha um visionário. Em vez disso, sussurrou:
– Shh. – E pressionou dois dedos contra os lábios de Jyn antes de beijar sua
testa. – Precisamos continuar. Não deixe que eles vejam você, certo?
Jyn assentiu. Mas parecia aterrorizada.
Elas começaram a se mover juntas, agachadas, tão rápido quanto possível.
Câimbras atingiram os quadris de Lyra quando conduziu Jyn ao redor da base
de uma torre de comunicação e parou novamente para olhar na direção da
casa. Não conseguia distinguir Krennic entre os soldados nem conseguia ver
se Galen havia saído, mas o grupo havia parado perto da porta. Lyra
repentinamente imaginou as figuras de armadura mirando lança-chamas,
reduzindo a casa a cinzas e metal carbonizado enquanto seu marido gritava lá
dentro…
Ela sabia que isso não aconteceria. Enquanto Krennic estivesse no
controle, Galen permaneceria vivo até bem depois que elas estivessem
mortas. Ele não teria alternativa a não ser trabalhar para aquele homem até
ficar velho e fraco, até seu intelecto começar a falhar e o Império determinar
que ele não era mais útil.
Lyra percebeu que havia tomado uma decisão.
Retirou a bolsa dos ombros e procurou dentro até encontrar aquilo de que
precisava. Deixou uma trouxa de roupas sobre a grama e tocou os ombros de
Jyn. A garota tremia. Ela encontrou os olhos de sua mãe.
– Você sabe para onde deve ir, não é? – Lyra perguntou. – Espere por mim
lá. Não saia de lá para ninguém, apenas para mim.
Jyn não respondeu. Lyra viu a umidade em seus olhos. Uma voz disse a
Lyra, se você a deixar agora, ela estará acabada. Você terá levado toda a
força que ela tem.
Mas Lyra havia se comprometido com aquele caminho. Seu marido
precisava dela mais do que sua filha.
Apressadamente levou as mãos à garganta, afastando o tecido áspero até os
dedos tocarem um frágil cordão. Tirou seu colar e observou o pingente
balançar na brisa. O cristal irregular e opaco estava marcado por uma
inscrição na lateral. Gentilmente, passou o colar sobre a cabeça de Jyn. A
garota não se mexeu.
– Confie na Força – Lyra disse, e forçou um sorriso.
– Mamãe…
– Eu estarei lá – Lyra sussurrou. – Agora, vá.
Ela envolveu Jyn nos braços – não demore muito, não dê tempo para ela
pensar – e virou a garota, empurrando-a para longe. Lyra observou a filha
cambalear entre as pedras, desaparecendo de vista.
Era hora de retomar o foco. Jyn estaria segura. Mais segura se Lyra fizesse
isso, ainda mais segura se tivesse sucesso. De qualquer maneira, estaria mais
segura. Olhou de volta para a casa da fazenda e para o grupo reunido na
frente da porta, então apanhou a trouxa de roupas e seguiu pelo caminho de
onde viera. Manteve o corpo abaixado e andou mais rápido enquanto via
quatro soldados entrarem na casa e revelarem Galen e Krennic juntos. Ouviu
levemente suas vozes. Krennic declarando com um tom meloso, temos que
começar em algum lugar.
Não esperava encontrar uma abertura tão rápido. Queria mais tempo para
planejar. Mas não havia garantia de que pegaria Krennic com menos guardas.
Endireitou-se e correu, apertando a trouxa contra o peito.
Krennic a viu primeiro, mas ele falou apenas para Galen.
– Ora, veja! Aqui está Lyra. De volta do mundo dos mortos. É um milagre.
Galen se virou em sua direção. Raramente viu uma dor tão grande em seu
rosto.
– Lyra… – Mas ele olhava atrás dela, procurando nos campos por Jyn.
Lyra quase quis sorrir.
Os soldados de preto ergueram as armas.
– Parem! – Krennic gritou.
Lyra deixou as roupas caírem de seus braços e ergueu o blaster que
escondia debaixo da trouxa. Mirou o cano na direção de Krennic, sentindo o
metal frio do gatilho sob seu dedo. Não olhou para os soldados. Se a
matassem, tudo que precisava fazer era mover o dedo.
Os soldados mantiveram as armas abaixadas. Krennic sorriu para Lyra.
– Encrenqueira como sempre.
– Você não vai levá-lo – Lyra disse.
– Não, é claro que não. Vou levar todos vocês. Você, sua filha. Todos
viverão com conforto.
– Como reféns.
Já vivera essa vida antes, ou quase isso. E não tinha desejo algum de vivê-
la de novo.
Krennic parecia imperturbável.
– Como “heróis do Império”.
Lyra ouviu a voz de Galen ao lado.
– Lyra. Abaixe a arma. – A preocupação em seu tom de voz pareceu um
peso sobre o braço dela, uma mão em seu punho. Mas ela manteve o blaster
erguido da mesma forma, ignorando o marido.
Krennic não sorria mais. Lyra deixou as palavras, as ameaças, saírem por
si só. Imaginara isso antes, fizera discursos em sua mente ao homem que
arruinara sua vida várias vezes, e a realidade disso, por sua vez, pareceu
como um sonho:
– Você vai nos deixar em paz. Vai fazer isso porque é um covarde
egomaníaco. Tenho certeza de que, se seus superiores o deixarem viver, você
vai nos perseguir de novo, e eu entendo. Mas, agora, você vai nos deixar em
paz. Está entendendo?
Krennic meramente assentiu e disse:
– Pense com muito cuidado.
Lyra sentiu a tensão dos soldados. Sabia, por algum motivo, que Galen a
olhava horrorizado. E repentinamente percebeu que havia subestimado a
covardia de Orson Krennic – percebeu que ele havia mudado desde os anos
em que se conheceram, ou que ela nunca o havia entendido, mesmo nos
velhos tempos.
Jyn ainda estaria segura.
Talvez ainda pudesse salvar o marido.
– Você nunca vai vencer – ela disse.
Krennic inclinou levemente a cabeça. Um gesto condescendente para uma
oponente em desvantagem.
– Atirem – ele disse.
Lyra puxou o gatilho, sentiu o blaster saltar ao mesmo tempo que viu os
lampejos ao seu redor e os tiros quentes atingiram seu peito. Ouviu os
disparos dos soldados apenas depois de sentir a dor – ferroadas quase
entorpecidas por todo o corpo, cada uma envolvida por um círculo de agonia.
Seus músculos pareceram vibrar como cordas de um instrumento musical.
Galen gritou seu nome, correndo em sua direção quando ela caiu, mas não
conseguia vê-lo. Tudo o que via era Krennic, agarrando um ombro
enegrecido e fumegante enquanto rosnava de dor.
Se Lyra pudesse gritar, não gritaria de dor, mas de raiva. Entretanto, não
podia gritar, e seguiu para a escuridão amargamente.
Seu último pensamento foi: queria que Galen não estivesse aqui para ver.
As últimas coisas que ouviu foram Galen gritando seu nome e uma voz
furiosa dizendo: “Eles têm uma filha. Encontrem-na!”. Mas já estava muito
longe agora para entender as palavras.
Jyn não era uma garota má. Ela não gostava de se comportar mal.
Quando seus pais diziam para fazer alguma coisa, Jyn quase sempre fazia.
Não rápido, mas eventualmente (quase sempre eventualmente). Ela não
merecia ser punida.
Sabia que não deveria ter ficado para ver sua mãe falar com o papai e o
homem de branco. Mas não poderia saber o que aconteceria. Não poderia
saber o que os soldados fariam…
Será que estavam falando dela? Será que era sua culpa?
Mamãe não se mexia. Papai a segurava nos braços. Jyn não conseguia
parar de chorar, mas segurou um grito porque tinha de ser corajosa.
Precisava ser.
Ela vira o quanto a mamãe estava com medo. Quem quer que fossem
aqueles estranhos, Jyn sabia que iam machucá-la também.
E sabia o que precisava fazer. Precisava se comportar agora. Precisava
consertar as coisas.
Respirava com dificuldade enquanto corria. Os olhos e o nariz escorriam, e
a garganta parecia inchada e irritada. Ouviu vozes a distância, vozes
eletrônicas como a de droides ou comunicadores abafados. Os soldados
estavam indo atrás dela.
Ela arfava com um som agudo que denunciaria sua posição. Seu rosto
parecia queimar o bastante para ser visto a quilômetros. Mas sabia para onde
estava indo. Papai havia tentado fingir que era um jogo em todas aquelas
vezes em que pediu a ela que corresse e encontrasse o esconderijo, mas ela
não era boba. Uma vez, Jyn perguntara à mamãe sobre isso; ela segurou a
mão de Jyn, sorriu e disse: “Apenas continue fingindo que é um jogo. Vai
fazer o seu pai se sentir melhor”.
Ela queria fingir agora, mas era difícil.
Jyn encontrou o lugar que papai havia mostrado entre a pilha de rochas.
Arrastou a escotilha encrustada na pedra até abri-la, quase sacudindo forte
demais para soltá-la. Uma escada lá dentro levava ao compartimento inferior,
mas Jyn permaneceu na escotilha e a fechou. Uma faixa de luz escapava da
abertura, iluminando a penumbra empoeirada.
Puxou os joelhos até o peito e cantou uma das canções de sua mãe,
balançando para a frente e para trás, ignorando o rosto manchado de lágrimas
e as mãos sujas. Aquilo também fazia parte do fingimento. Tudo o que tinha
para fazer era esperar. Era tudo o que lhe ensinaram a fazer no esconderijo.
Mamãe ou papai a buscariam.
Sentiu cheiro de fumaça, e a fumaça ardeu seus olhos mais do que as
lágrimas. Podia ver as formas dos soldados se movendo entre as rochas, mas,
embora passassem repetidamente por ali, não notaram a escotilha. Não
enxergavam seu abrigo. Quando a luz do dia começou a diminuir, eles foram
embora e Jyn desceu a escada.
O compartimento inferior era pequeno demais para ser confortável, e as
caixas de comida, máquinas e suprimentos apertavam ainda mais o local, mas
ela podia se sentar. Jyn encontrou uma lanterna e observou a luz trepidar pela
noite enquanto ouvia os estrondos de uma tempestade lá fora e o respingar da
chuva na colina acima. Tentou pegar no sono, mas não conseguia dormir por
muito tempo – gotas de chuva invadiam a caverna e pingavam em sua testa e
nas mangas da roupa, não importava qual posição adotasse.
Até seus sonhos eram sobre pingos insistentes. Ataques molhados e
aleatórios. Em seus sonhos, às vezes mamãe caía quando os pingos da chuva
atingiam Jyn.
Quando veio a manhã, Jyn acordou com o som de metal raspando acima
dela. Por um instante, confundiu sonhos com a realidade e pensou que
mamãe ou papai haviam finalmente chegado – acreditou que o que vira no
dia anterior era um pesadelo e que aquilo era mais um dos jogos do papai.
Mas apenas por um instante.
Olhou para cima. A escotilha se abriu e a silhueta de uma figura de
armadura, com um rosto sombrio e marcado por cicatrizes, apareceu. O
homem olhou para Jyn com olhos que brilharam sob a luz da lanterna e falou
com uma voz autoritária:
– Venha, minha criança. Temos uma longa viagem pela frente.
Orson Krennic observava Galen a bordo do transporte e imaginou
quando o homem finalmente soltaria a maca onde o cadáver de sua esposa
estava estirado.
– Nós a levaremos para casa – Krennic disse. – Eu prometo.
Galen não disse nada e acariciou a mão da esposa.
O que mais eu esperava?, Krennic se perguntou.
Lyra teria sobrevivido, não fosse sua tolice. Krennic havia arriscado a vida
por Galen e sua família, dado todas as oportunidades para Lyra recuar em vez
de imediatamente sinalizar para que seus soldados atirassem. Essa teria sido a
aposta mais segura – seus troopers da morte eram homens cruéis que, se
fosse decisão deles, teriam acabado com o impasse de uma forma muito
menos clemente.
Ela atirou nele!
Krennic havia tentado poupar Lyra para o próprio conforto de Galen,
considerando que um gênio trabalhava melhor sem distrações – e, sim,
também por um desejo de honrar a cordialidade, até mesmo a amizade, que
ele e Galen uma vez compartilharam. Porém, o autoexílio havia mudado
Galen: ele não era mais um homem de contemplação fria, capaz de interpretar
fatos sem preconceitos. Qualquer coisa que Krennic dizia, toda ação que
tomava, era interpretada por Galen como o plano implacável de alguém
sedento por poder.
Isso irritava Krennic – é claro que irritava, ter aquela conexão de anos tão
prontamente dispensada –, mas ele podia usar isso. Se Galen se recusasse a
se reajustar (talvez um homem que mudou tanto uma vez poderia mudar
novamente?), então Krennic poderia bancar o monstro para assegurar sua
cooperação.
O curativo ao redor do ombro imobilizava seu braço. Precisaria de
semanas, talvez meses para se recuperar totalmente, com sabe-se lá quantas
horas imerso em tanques bacta. A dor seria considerável depois que o efeito
dos analgésicos passasse, mas ele poderia perdoar isso – a perda de tempo, no
entanto, não.
Qualquer dívida que tivesse com Galen agora estava quitada.
– Nós encontraremos a criança – ele disse, mais insistente.
Galen não tirou os olhos do corpo de Lyra (outro presente de Krennic –
quem mais a levaria para um funeral apropriado?)
– Acho que, se você ainda não a encontrou – Galen murmurou –,
dificilmente encontrará.
Krennic desdenhou, mas havia verdade naquelas palavras. Jyn claramente
havia recebido ajuda externa – o sinal enviado da fazenda sugeria isso – e
Krennic não estava preparado para subestimar a competência do salvador da
criança. Esperava que a investigação das estações de comunicação, por mais
que Galen as tivesse danificado, revelasse os detalhes: os resultados
determinariam como conseguiu virar a situação a seu favor.
Se Galen não tivesse certeza do destino de sua filha – se enviara um sinal
genérico de socorro ou oferecera uma recompensa para todos os
contrabandistas ou caçadores de recompensas na região –, então a
perseguição obstinada de Krennic pela garota incentivaria Galen a cooperar.
Galen nunca admitiria, é claro, mas ficaria aliviado pela certeza de saber que
a filha estava nas mãos do Império.
Por outro lado, se Galen sabia exatamente quem havia resgatado Jyn, então
talvez fosse melhor deixar essa questão de lado e usar a ameaça da
interferência Imperial como ímpeto para colaboração.
Tudo isso, Krennic percebeu de repente, era preocupação para outro dia.
Estivera tão consumido por sua missão que acabou não apreciando a própria
vitória.
Após uma longa busca, Galen estava novamente em suas mãos. Os
contratempos científicos, os problemas de engenharia que afligiam as equipes
de Krennic, logo desapareceriam. A constante interferência de homens como
Wilhuff Tarkin – burocratas sem nenhum entendimento do tamanho das
conquistas de Krennic – logo cessaria. Aquelas eram verdades dignas de
celebração.
Krennic sorriu para Galen e sacudiu levemente a cabeça.
– Sua esposa será honrada. O funeral será logo após chegarmos a
Coruscant. Mas enquanto isso… podemos discutir o trabalho?
Galen finalmente se virou e olhou para Krennic com desprezo.
Então, quase imperceptivelmente, ele assentiu.

DADOS COMPLEMENTARES:
ATUALIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA
– ALIANÇA REBELDE

[Documento #NI3814 (“Análise situacional sobre Jedha, et


al.”), datado aproximadamente treze anos após o recrutamento
compulsório de Galen Erso por Orson Krennic; dos arquivos
pessoais de Mon Mothma.]

Não existe evidência concreta de um projeto de engenharia


interplanetária consumindo recursos Imperiais (de pessoal,
financeiros e materiais) em uma escala descomunal. Isso permanece
fato, tal como no começo da investigação.
Porém, assim como antes, consideramos essa afirmação
insuficiente e nossa situação, grave.
Grandes envios táticos de forças Imperiais para mundos
estrategicamente insignificantes continuam em Jedha, Patriim, Eadu,
Horuz e mais doze outros mundos. Frequentes apagões de
comunicação tornam a análise desses envios extremamente difícil, e
suspeitamos fortemente que nossa lista não seja precisa nem
completa. De qualquer modo, sabemos que a maioria dos mundos em
questão contém instalações para extração de recursos, manufatura ou
pesquisa e desenvolvimento científico. Mais recentemente,
descobrimos que vários deles compartilham um conjunto de
protocolos de segurança que foge muito do padrão Imperial.
Interceptamos múltiplas comunicações desses mundos enviadas
para Orson Krennic, o diretor de pesquisa de armamentos avançados.
Ainda não conseguimos decodificá-las.
Interceptamos múltiplas comunicações enviadas a “Galen Erso”.
Ainda não foi possível decodificá-las ou confirmar que o “Galen
Erso” citado é o ex-chefe de múltiplos projetos de pesquisa de alta
energia (incluindo “Poder Celestial” – ver notas) outrora
desenvolvidos em Coruscant.
Interceptamos múltiplas comunicações citando um futuro teste de
armas de escala indeterminada.
Nossas tentativas de analisar as atividades Imperiais relacionadas a
essa questão resultaram na perda de vários agentes. Solicitamos
pessoal adicional. Tentativas de obter a cooperação de Saw Gerrera
em Jedha foram encerradas por recomendação do General Jan
Dodonna.
Entendemos que nossas preocupações são consideradas
controversas pela liderança do conselho da Aliança. Não contestamos
que os recursos da inteligência devam ser focados no Senado, se
quisermos ter alguma esperança de uma solução política pacífica à
nossa luta maior. Vários analistas se recusaram a ter seus nomes
ligados a este documento por medo de emprestar “credibilidade
indevida”.
Mas isso não é uma teoria conspiratória, e a ignorância não nos
protegerá daquilo que o Império Galáctico está construindo, seja lá o
que for.
O relatório completo está anexo.
CAPÍTULO 1

O ANEL DE KAFRENE ERA UMA IMENSA arcada de hiperaço e plastoide ancorada


por um par de planetoides malformados dentro do cinturão de asteroides de
Kafrene. Fora fundado como uma colônia de mineração pela nobreza da
Velha República, construído com o propósito de extrair de todas as rochas em
um raio de dez milhões de quilômetros qualquer recurso mineral que a
galáxia pudesse cobiçar; a decepção de seus fundadores, ao descobrirem que
tais minerais valiosos eram escassos no cinturão de Kafrene, rendeu à colônia
o slogan não oficial escrito sobre a baía de atracadouros, em uma sinistra
pichação fosforescente: ONDE BONS SONHOS APODRECEM.
Agora o Anel de Kafrene era um posto comercial e uma parada para os
viajantes mais desesperados do setor. Cassian Andor considerava-se parte
desse grupo.
Já estava atrasado e sabia que, se não tinha chamado atenção durante o
desembarque, certamente estava fazendo isso agora. Movia-se rápido demais
pela passagem, empurrando homens, mulheres e não humanos que andavam
com os passos pesados próprios de pessoas condenadas a viver em um lugar
como Kafrene. Entre a estrada e o distante labirinto rochoso havia milhares
de cabanas de metal e frágeis moradias pré-fabricadas recicladas de colônias
estrangeiras; fora das vias principais não havia paisagem que não mudasse
quase diariamente, e até os trabalhadores voltando para casa sob o crepúsculo
artificial permaneciam nas artérias principais. Cassian tentou moderar seu
ritmo, tentou acompanhar a multidão em vez de aplicar uma força exagerada.
Fracassou e imaginou a decepção de seu mentor: a Aliança Rebelde ensinou
você melhor do que isso.
Mas vinha viajando havia tempo demais, de Coruscant até Corulag em
diante, puxando fios soltos de uma elaborada tapeçaria que escapava do
alcance de sua visão. Pagara um preço alto em créditos, tempo e sangue por
pouca informação, apenas a reiteração de fatos que já havia confirmado. Já
gastara muito para retornar à Base Um de mãos vazias. Sua frustração estava
começando a se mostrar.
Atravessou a rua e sentiu cheiro de amônia saindo de um duto de
ventilação – um exaustor de um complexo habitacional alienígena. Segurou
uma tossida e entrou na abertura entre uma casa e outra, movendo-se por um
labirinto de corredores até alcançar um beco sem saída pouco mais largo do
que a envergadura de seus braços.
– Eu estava prestes a ir embora – uma voz disse, cheia de irritação. O dono
da voz emergiu das sombras: um humano com um suave rosto redondo e
olhos endurecidos, vestido com roupas manchadas e gastas. Seu braço direito
estava pendurado em uma tipoia. O olhar de Cassian grudou no homem
enquanto analisava os sons distantes que vinham da rua: vozes, objetos
tilintando, algo fritando, alguém gritando. Mas nenhuma comoção, nenhum
comlink sendo ativado.
Era suficiente. Se havia stormtroopers atrás dele, não estavam prontos para
atirar.
– Vim o mais rápido que pude – Cassian disse, guardando sua paranoia em
um canto do cérebro – fora de vista, mas perto o bastante para alcançá-lo.
Tivik começou a andar na direção de Cassian e da entrada do beco,
limpando a palma da mão na cintura.
– Tenho que voltar a bordo. Ande comigo.
– Para onde sua nave está indo? – Cassian perguntou. – De volta para
Jedha?
Tivik não parou de andar. Logo teria de se apertar para passar por Cassian.
– Eles não vão esperar por mim – ele disse. – Estamos roubando
munição…
Cassian redistribuiu o peso do corpo e alargou sua postura, bloqueando o
caminho de Tivik; não era um homem grande, mas sabia fingir presença.
Tivik vacilou e deu um passo abrupto para trás.
Em se tratando de informantes, Tivik era um dos mais enlouquecedores
com quem Cassian já havia trabalhado: apesar de todos os defeitos, ele
realmente acreditava na causa; também era um covarde abjeto, sempre
tentando escapar das responsabilidades morais que havia tomado para si. Mas
respondia bem sob pressão. E, depois dos últimos dias, quando teve de se
virar para escapar de Corulag com base em uma mensagem ambígua de
Tivik, Cassian estava muito disposto a pressionar.
– Você tem notícias de Jedha? – ele rosnou. – Vamos lá… Atravessei a
galáxia atrás disso.
Tivik encarou o olhar de Cassian, depois cedeu.
– Um piloto Imperial, que participou do transporte de cargas em Jedha?
Ele desertou ontem.
– E daí? – Desertores menores do Império não eram incomuns. Formavam
quase metade dos soldados rasos da Rebelião. Tivik sabia disso tão bem
quanto Cassian.
– Esse piloto? Ele diz que sabe o propósito da mineração em Jedha. Está
dizendo para todo mundo que eles estão fazendo uma arma. – Tivik cuspiu as
palavras com amargura. – Os cristais kyber, é para isso que servem. Ele tem
uma mensagem, disse que tem provas…
Cassian organizou a saraivada de informações, cruzando referências com
aquilo que já sabia e refazendo as prioridades de suas preocupações. Era para
isso que viera, mas não era o que esperava. Já apareceram outras pistas sobre
uma arma antes, e todas – em Adalog, na Toca de Zemiah – se mostraram
lixo inútil.
Sua pulsação aumentou. Talvez não voltasse para a Base Um de mãos
vazias, afinal de contas.
– Que tipo de arma? – ele perguntou.
Vozes se ergueram na rua, distorcidas pelos ecos entre os becos. Tivik se
retraiu; o pequeno homem se tornou ainda menor.
– Olha, preciso ir.
– Foi você que me chamou. Você sabia que isso era importante…
– Você não devia ter se atrasado! – Tivik respondeu secamente. Seus olhos
estavam vidrados com angústia.
Cassian ergueu Tivik pelos dois braços, enterrando os dedos na tipoia, nos
tecidos ásperos e na pele macia. O hálito do homem tinha o aroma de canela.
– Que tipo de arma? – Cassian repetiu, mais alto do que pretendia.
– Um destruidor de planetas – Tivik sussurrou. – Foi assim que ele
chamou.
Um frio desceu pelas costas de Cassian.
Tentou se lembrar de velhos relatos, documentos especulativos da
inteligência, dados técnicos, qualquer coisa que desmentisse as palavras de
Tivik. Um destruidor de planetas era um mito, uma fantasia, uma
obscenidade sonhada por fanáticos que enxergavam o Imperador como uma
divindade colérica em vez de um tirano corrupto.
Junto com o frio veio uma vergonhosa mistura de excitação e repulsa.
Talvez em troca disso qualquer preço fosse justificável.
Cassian baixou Tivik com a máxima gentileza possível.
– Um destruidor de planetas?
– Alguém chamado Erso o enviou, enviou o piloto. Algum velho amigo de
Saw.
Essa parte se encaixava no quebra-cabeça.
– Galen Erso? – Cassian perguntou, tentando conter a própria intensidade.
– Foi ele?
– Não sei! Eu nem devia ter falado isso. – Tivik sacudiu a cabeça. – O
piloto, os caras que o encontraram, eles estavam procurando por Saw quando
fomos embora.
Saw Gerrera. Um piloto desertor. Jedha. Cristais kyber. Uma arma. Um
destruidor de planetas. Galen Erso. Cassian analisou as informações e achou
que havia muito o que processar; aquele era um lance com cartas demais.
Tivik estava prestes a fugir e Cassian não tinha tempo para pensar nas
perguntas certas.
– Quem mais sabe disso? – ele perguntou.
– Não tenho ideia! – Tivik chegou mais perto, seu hálito de canela
surgindo aos poucos. – Tudo está se despedaçando. Saw está certo. Vocês
ficam conversando e enrolando e discutindo e nós estamos aqui no limite,
tem espiões por toda parte…
Tivik não concluiu a frase. Enquanto olhava sobre seu ombro, Cassian
ouviu uma movimentação atrás de si e se virou para a entrada do beco.
Posicionados para bloquear a entrada, assim como Cassian havia bloqueado
Tivik, havia duas figuras de armadura branca com capacetes semelhantes a
caveiras: stormtroopers Imperiais, seus fuzis mirando casualmente na direção
de Cassian.
Cassian praguejou em silêncio e forçou um sorriso.
– O que está acontecendo aqui? – A voz do stormtrooper soou distorcida.
Ele foi seco, autoritário, mas sem medo. Cassian podia usar isso.
– Ei – Cassian disse, e então encolheu os ombros de modo exagerado. –
Apenas eu e meu amigo. Se estamos incomodando alguém, vamos para outro
lugar…
– Vocês não vão a lugar nenhum. – Agora foi o segundo stormtrooper que
falou, impaciente. – Vamos, mostrem algum scandoc.
Cassian manteve os olhos longe de Tivik. Não havia nada que pudesse
fazer para convencê-lo a manter as aparências e não fazer nenhum movimento
brusco. Continuou sorrindo tranquilamente para os stormtroopers, mesmo
com o sangue bombeando com a promessa de uma arma, um destruidor de
planetas.
– Sim, é claro – ele disse. – Minhas luvas?
Ele indicou um bolso com um gesto. Os stormtroopers não protestaram.
Ladrões eram comuns em Kafrene, e os dois stormtroopers certamente já
viram esconderijos mais estranhos.
Nenhum dos dois reagiu a tempo quando Cassian tocou o metal frio do
cabo de sua pistola. Mal mexeu o pulso e apertou o gatilho duas vezes,
afastando os olhos apenas o suficiente para evitar o brilho energético dos
disparos. O barulho elétrico foi baixo e fraco, abafado por um dispositivo
silenciador ilegal que era quase eficaz.
Um momento depois, os stormtroopers estavam mortos no beco. Foi um
milagre, Cassian pensou, que os tiros de blaster silenciados tivessem
penetrado a armadura. Em um mundo mais justo, seria ele quem estaria caído
no chão sujo com um buraco no peito em vez de um coração.
– Não… – Tivik sacudia a cabeça. – O que você fez?
Cassian avistou outra mancha branca e ouviu uma voz distorcida do outro
lado da entrada do beco. Mais soldados apareceriam, muitos mais, e na
próxima vez não hesitariam. Ele agarrou Tivik pelo cotovelo, correu para
dentro do beco e vasculhou as paredes. Não havia saída, nenhum duto de ar
ou porta dos fundos, mas os telhados não estavam mais do que um metro ou
dois fora de alcance. Escalar sem ajuda não era sua especialidade – mesmo
assim, poderia subir em segundos e desapareceria nas profundezas
labirínticas do Anel de Kafrene.
Tivik reconheceu sua intenção.
– Você está louco? Nunca vou conseguir fugir escalando. – Debateu-se
tentando se livrar. Após um momento, Cassian o soltou e ele ajustou sua
tipoia. – Meu braço… – Tivik girou o corpo desajeitadamente para olhar a
entrada do beco.
Cassian ouviu passos e um grito distorcido ao longe. Olhou para Tivik de
cima a baixo e percebeu que, provavelmente, o homem estava certo:
realmente não conseguiria escalar a parede, não sem ajuda e rapidamente. No
melhor cenário, quando os dois estivessem em cima do telhado, os
stormtroopers já os teriam identificado e iniciado um cordão de isolamento.
– Ei – Cassian disse, tocando o ombro de Tivik, gentilmente agora, a voz
sem nenhuma urgência. – Calma. Calma. Você fez bem. Tudo o que disse
para mim é verdade?
– É verdade – Tivik disse. Era a voz de uma criança confusa.
Só mais um pagamento.
– Vai dar tudo certo – Cassian disse. E, pela terceira vez naquele dia,
apertou o gatilho de seu blaster. Ouviu o fraco chiado eletrônico e sentiu o
cheiro de fibras e outras coisas piores queimando quando Tivik desabou no
chão. O informante soltou um último gemido, como se alguém o chamasse
enquanto dormia, e depois se tornou imóvel.
Eles teriam apanhado você, Tivik. Você acabaria cedendo. Você teria
morrido. E nenhum de nós entregaria sua mensagem.
As mãos de Cassian tremiam enquanto escalava a parede, agarrando-se em
canos e parapeitos, chutando a superfície para se equilibrar. Ouviu
stormtroopers atrás dele contando corpos e então acelerou, o peito
pressionado contra o telhado.
Menos de uma hora depois, estava em um transporte saindo do Anel de
Kafrene. Seu rosto e barba pingavam onde havia passado uma esponja fria na
estação sanitária – não apenas para esconder o suor das sobrancelhas, mas
para forçar a si mesmo a se concentrar. Tinha muita coisa com que ocupar
sua mente e muita distância ainda a percorrer antes que pudesse transmitir
algo para Draven e a Inteligência da Aliança.
Fechou os olhos e arrumou as cartas em sua mente:
Jedha. A lua peregrina. Um mundo desértico intimamente ligado a um
vasto projeto Imperial visível apenas por meio de seus ecos.
Os cristais kyber. O único recurso natural de Jedha que tinha algum valor.
O Império vinha extraindo e enviando cristais para fora daquele mundo, seu
destino ainda desconhecido.
Um piloto desertor carregando uma mensagem para Saw Gerrera.
Possivelmente confiável, possivelmente não.
Saw Gerrera. Parte da Rebelião apenas no nome. Na prática, categorizá-lo
não era tão fácil.
Galen Erso. O lendário cientista, conectado – mais uma vez – ao
megaprojeto Imperial sobre cuja existência a Aliança podia apenas especular.
O homem cuja mensagem o piloto supostamente carregava.
E a arma. O destruidor de planetas. O pesadelo da galáxia, desenvolvido,
construído e aperfeiçoado por Erso e seus associados.
Era mais do que Cassian esperara levar de volta daquela missão: um
tesouro acumulado de fatos e especulação e possíveis conexões, suficiente
para manter os analistas ocupados por semanas ou meses ou anos.
Se tivesse sorte, seria até suficiente para impedir que ficasse repetindo – de
novo e de novo em sua cabeça, na longa viagem até a segurança – o último
gemido agonizante do homem que assassinara.

Bodhi Rook nunca duvidou de si mesmo, e hoje não era exceção.


Seus captores não o haviam machucado. Ameaçado, sim; recusado comida
e água e o deixado com uma dor de cabeça que parecia apertar seu crânio ao
redor do cérebro inchado, sim. Mas eles o trataram mais como um objeto do
que como um homem. Raramente falavam enquanto o arrastavam através do
frígido deserto de Jedha, agarrando-o pelos braços e marchando em um ritmo
que – isolado pelo traje de voo que usava sob uma túnica folgada – ele não
conseguia acompanhar. A sola dos pés tocava a areia duas vezes para cada
três passos de seus captores; então a cada três passos ele voava, e o aperto
nos braços se tornava ainda mais doloroso.
Conseguiria sobreviver, ele disse a si mesmo. Havia feito a escolha certa,
encontrado as pessoas certas. E, quando entregasse sua mensagem, todos
entenderiam. Eles o aceitariam como um bom homem, um homem corajoso.
Podia apenas torcer para ser verdade.
– Quanto mais falta? – ele perguntou.
Seus captores o mantinham perto, tão perto que não conseguia enxergar
muito do deserto: apenas o pálido e gélido sol, montanhas baixas que
formavam os limites do vale e o ocasional monólito desgastado de uma das
grandes estátuas de Jedha – uma austera cabeça humanoide com lábios gastos
pelos milênios, ou um par de pernas quebradas sobre o chão rachado e
poeirento do vale. Quando o vento aumentava, fios soltos de cabelos longos e
negros voavam sobre seus olhos.
– Sei que estão sendo cuidadosos – ele disse, tentando soar razoável. – Sei
que isso é inteligente. Vocês acham que posso ser um espião, e espiões são
uma preocupação para pessoas como vocês.
Não os faça pensar em espiões!, ele disse a si mesmo, ao mesmo tempo
que outra parte do cérebro o tranquilizava: não esconda nada. Apenas a
honestidade pode salvá-lo.
Lutou para retomar sua linha de raciocínio.
– Mas… mas! – Cuspiu ar através dos lábios secos. – Vocês também
precisam me dar uma chance. Não por mim, mas por vocês. Quero ajudá-
los…
Seus captores – cinco revolucionários em roupas gastas, cada um armado
com um fuzil blaster ilegal – o puxaram com força e ele foi arrastado pela
areia. Nenhum deles o olhou nos olhos. Em vez disso, rostos sujos e cheios
de cicatrizes vigiavam as mãos atadas de Bodhi ou o deserto infinito.
Um tempo interminável passou antes de ele voltar a falar.
– Vocês têm família? – perguntou para um homem enorme com uma adaga
presa na bota.
Por sua insistência, recebeu o menor dos vislumbres.
– Eu tenho família – Bodhi disse, embora fosse apenas uma meia verdade.
Os revolucionários começaram a se afastar, mudando de formação em
silêncio para deixar Bodhi no centro de um largo semicírculo. Com seu novo
campo de visão expandido, Bodhi agora via um segundo grupo na frente
deles no deserto – pequenas figuras sombrias em um horizonte reluzente.
– É ele? – Bodhi perguntou, mas não recebeu resposta.
O semicírculo diminuiu a distância até o segundo bando. Os recém-
chegados se pareciam com os captores de Bodhi, mas carregavam sua
artilharia de modo mais descarado: um Gigorano de pelugem branca
empunhava um canhão giratório, enquanto os humanos vestiam bandoleiras e
cintos com detonadores. À frente dos recém-chegados havia um Tognath:
uma figura esguia vestida de couro preto, cuja cabeça pálida e ossuda estava
envolvida em um respirador mecânico. O Tognath virou os olhos em direção
a Bodhi e falou com um forte sotaque:
– É o piloto. Fiquem espertos!
O Tognath fez um gesto e os dois bandos se uniram com uma precisão
militar. Bodhi vacilou sob o olhar ameaçador do Gigorano e sentiu uma onda
de vergonha; não humanos nunca o deixaram nervoso até se juntar ao
Império.
Forçou-se a se concentrar.
– Certo, você é… você é Saw Gerrera? – perguntou, mais por esperança do
que por crença real.
Alguém riu levemente. O Tognath examinou Bodhi com uma expressão
que poderia até ser desdenhosa, mas era difícil dizer.
– Não? – Bodhi sacudiu a cabeça. – Certo, estamos apenas perdendo um
tempo que não temos. Preciso falar com Saw Gerrera! Eu já disse para esses
caras – ele ergueu o ombro na direção de um dos captores originais –, antes,
antes que seja tarde demais.
Pensou ter ouvido outra risada. Podia ter sido o vento na areia, mas foi
suficiente para atiçar sua ira.
Eles precisam de você. Você precisa fazê-los entender.
– Precisamos ir para a Cidade de Jedha. Estamos aqui no meio do nada… –
Sua voz aumentou para um grito cheio de frustração. – Que parte de
mensagem urgente vocês não entenderam?
Viu a sombra acima dele, depois sentiu um tecido áspero passar sobre seu
cabelo, prender e empurrar os óculos em sua testa e deslizar contra o nariz,
bigode e barba. Viu o brilho do sol através da costura do saco sobre sua
cabeça.
– Ei! – ele disse, tentando não morder o tecido. – Ei! Estamos todos do
mesmo lado, se vocês conseguirem ignorar meu uniforme por um minuto…
Você sempre fala, sua mãe uma vez lhe disse, mas diz tão pouco! Aprenda
a ouvir, Bodhi Rook.
Falar era tudo o que podia fazer agora.
– Preciso falar com Saw Gerrera – ele gritou. Enquanto implorava, um
conjunto de mãos libertou seus braços, e outras mãos, as mãos terrivelmente
fortes de um Gigorano, tomaram seu lugar. – Quer saber? Apenas diga a
ele… diga a ele aquilo que contei a vocês, então ele vai querer falar comigo.
Larguei tudo para vir até aqui. Estou aqui para ajudar!
Alguém apertou o saco ao redor do pescoço. O tecido raspava em sua
garganta quando ele respirava.
Bodhi Rook pensou sobre a razão de ter voltado para Jedha e começou a
odiar Galen Erso.

Jyn já estivera à mercê do Império antes. Às vezes até merecera seus


problemas – não podia culpar um ditador mesquinho por ordenar que a
tirassem das ruas e a jogassem em uma cela quando ela realmente tentou
explodir sua nave e roubar suas armas. Já teve fuzis apontados para ela,
sentiu bastões atordoantes eletrocutarem suas costas e, de modo geral, já
sofrera o pior que um stormtrooper era autorizado a fazer.
O que tornava suas circunstâncias diferentes agora era que, pela primeira
vez, Jyn não tinha uma rota de fuga. Nenhum parceiro do outro lado da prisão
esperando para derrubar as portas; nenhuma conversa com um oficial de
segurança ganancioso a quem poderia (mentindo ou não) prometer um bom
pagamento; nem mesmo uma faca que pudesse esconder onde os guardas não
encontrariam.
Ela já não tinha amigos. Fora até o Campo de Trabalho Wobani sozinha.
Esperava morrer ali dessa maneira e, muito provavelmente, não levaria muito
tempo.
Abriu os olhos e afastou os pensamentos quando um pingo de água suja
atingiu sua testa e escorreu pelo nariz. Limpou com a palma da mão e olhou
ao redor da cela como se algo pudesse estar diferente desde que as luzes se
apagaram. Mas não havia buraco na parede e nenhum blaster deixado
discretamente ao lado da cama. Sua colega de cela gemia debaixo de um
cobertor e tinha uma respiração aguda, alta o bastante para acordar Jyn
mesmo se conseguisse dormir.
Esperou o stormtrooper que fazia a patrulha passar por sua porta, contou
até cinco, depois se levantou e andou silenciosamente até as barras. Lá fora
havia uma interminável sequência de portas de celas, mais prisioneiros
dormindo ou, em alguns casos, alimentando seus próprios demônios internos
– agarrando os braços ou desenhando mandalas invisíveis no chão. O Campo
de Wobani não se importava em tratar ou reabilitar mais do que se importava
com punição. Ordem e obediência eram prioridade; tudo o mais era deixado
para apodrecer.
– Sonhos ruins? – Os gemidos e a respiração fina haviam cessado. A voz
soava como garras raspando em pedra lisa.
– Na verdade, não – Jyn disse.
– Então você não deveria estar de pé – sua colega de cela bufou. Os
tentáculos de seu comprido rosto alienígena se contorceram de irritação.
A mulher chamava a si mesma de Prego. Os outros prisioneiros em
Wobani a chamavam de Piolho, por causa dos parasitas que abrigava no
tecido sujo de sua jaqueta, que cobria apenas metade da pele grossa de seu
peito. Somente os guardas a chamavam por seu nome verdadeiro, algo que –
junto com sua espécie e gênero real – Jyn não havia se dado ao trabalho de
descobrir.
As duas silenciaram quando a patrulha voltou. Jyn retornou para a laje que
servia de cama, considerando se levantar mais uma vez apenas para irritar
Piolho, depois achou melhor não fazer isso. Se fosse entrar em uma briga, era
melhor estar bem acordada para aproveitar.
– Você quer um aviso? – Piolho perguntou. – Antes de eu fazer?
– Na verdade, não – Jyn repetiu.
Piolho grunhiu e rolou de um lado para o outro.
– Vou avisar mesmo assim. Na próxima equipe de trabalho em que
cairmos juntas, eu vou matar você.
Jyn soltou uma risada sem nenhum humor.
– E quem vai fazer companhia para você?
– Eu gosto de silêncio na cela – Piolho disse.
– E se eu matar você primeiro?
– Então espero que você goste de silêncio na cela, Liana Hallik.
Liana Hallik. Não era o nome preferido de Jyn, mas provavelmente seria o
último. Torceu os lábios em um sorriso que sua colega de cela não veria.
– Você sempre foi assim? – perguntou após o stormtrooper passar. – Antes
de Wobani? Quando era criança?
– Sim – Piolho respondeu.
– Eu também.
Nenhuma das duas falou novamente. Jyn permaneceu deitada na laje, não
conseguiu dormir e ficou brincando com o colar debaixo da camisa – o cristal
que conseguira contrabandear para dentro da prisão quando deveria estar
ocupada com armas ou um comlink. Não se importava muito com sua
pretensa assassina, sabendo que, se a Piolho não a matasse, outra coisa
mataria.
Ninguém sobrevivia em Wobani por muito tempo. A sentença de Jyn era
de vinte anos, mas qualquer coisa acima de cinco era uma sentença de morte.
Tudo o que podia fazer era escolher o fim mais interessante possível.
Na manhã seguinte, os stormtroopers juntaram as equipes de trabalho,
selecionando prisioneiros de modo aleatório (supostamente, pois todos
sabiam que os guardas tinham seus favoritos) para passar o dia nas fazendas.
Jyn preferia trabalhar a ficar sentada em sua cela – lidava melhor com
músculos cansados e estirados do que com o tédio agonizante – e quase
perdeu as esperanças até que um guarda fez um gesto com o fuzil na direção
da porta de sua cela. Pouco tempo depois, ela e Piolho estavam acorrentadas
pelos braços a um banco, na traseira de um turbotanque, balançando aos
solavancos com três outros prisioneiros, enquanto um trio de stormtroopers
olhava para eles na frente do tanque.
Os prisioneiros não olhavam uns para os outros. Jyn tomou isso como um
bom sinal: se a Piolho planejava matá-la, ao menos não tinha aliados.
O transporte parou tão repentinamente que Jyn foi jogada para a frente, e o
metal de suas algemas raspou a pele dos seus punhos. Havia uma gritaria lá
fora. A curiosidade se infiltrou no cérebro de Jyn; andaram muito pouco para
já estarem nas fazendas. Os outros prisioneiros se moviam
desconfortavelmente, olhando para os stormtroopers na porta frontal.
– Ninguém se mexe! – um soldado disse secamente. Seus dois parceiros já
empunhavam suas armas. Os três se viraram para a frente.
Jyn ouviu o baque surdo de algo metálico seguido por um leve zumbido
agudo. Um dos outros prisioneiros agora olhava para cima, sorrindo com
animação, como se tivesse entendido tudo.
A frente do transporte explodiu.
O rugido da detonação da granada – tinha de ser uma granada, Jyn
conhecia o som bem demais – fez seus ouvidos latejarem e transformou os
gritos e disparos de blaster que se seguiram em um leve zumbido
incompreensível. Fumaça carregando o odor de cinzas e circuitos queimados
inundou o compartimento traseiro, fazendo os olhos e o nariz de Jyn arderem.
Ela tentou entender o que se passava observando os movimentos dos
stormtroopers, mas doía olhar e precisou piscar para tirar a poeira dos olhos.
Manteve então os olhos no chão. Na visão periférica, viu os stormtroopers
morrendo um a um, derrotados por uma saraivada de tiros que queimavam
através da armadura e faiscavam contra as paredes do transporte.
– Hallik! – uma voz abafada chamou, quase inaudível em meio ao zumbido
em seus ouvidos.
Jyn ergueu o queixo rapidamente e se virou na direção da frente do
turbotanque. Três figuras armadas usando vestimentas de combate entraram
desviando dos corpos. Não usavam insígnias, mas ela os reconhecia por seus
movimentos, pela uniformidade das posturas e pelos rostos fechados.
Eram profissionais. Soldados.
Não estavam com o Império; isso fazia deles rebeldes.
Eles a encontraram.
Jyn não conseguiu impedir o pensamento. Saltou para dentro de sua mente,
exigindo que lutasse, que fugisse. Mas não fazia sentido. Por que estariam
procurando por ela? Talvez fosse coincidência, talvez estivessem atrás de um
prisioneiro diferente e ela havia entendido errado…
– Liana Hallik! – o líder chamou novamente, um homem tão coberto de
equipamentos que seu rosto exposto parecia fora de lugar entre tecido e
couro.
Jyn lentamente baixou o olhar até as correntes que prendiam seus punhos.
Suas mãos tremiam. Agarrou o assento para controlar a tremedeira.
– É ela – outro rebelde disse, gesticulando na direção de Jyn.
A surdez estava diminuindo. Esperou, meio que antecipando que levaria
um tiro de blaster na testa. Imaginou qual seria a sensação. As pessoas
morriam rápido com tiros de blaster; já havia visto muitas morrerem assim.
Não achava que fosse doer tanto.
– Você quer sair daqui? – o líder rebelde perguntou. Seu tom de voz era
neutro, reservado – como se desconfiasse de Jyn tanto quanto ela desconfiava
dele.
Jyn tentou imaginar o que havia levado os rebeldes até ela. Será que Saw
decidira trazê-la de volta? Será que algum de seus associados decidira que ela
sabia demais?
Assentiu para o homem, já que não tinha opção melhor.
Um dos soldados rebeldes mexeu em sua algema, finalmente abrindo-a
com uma chave tirada de um dos cadáveres dos stormtroopers. Jyn se
levantou imediatamente, sentindo tonturas por causa da fumaça e do sangue
subindo à cabeça, mas determinada a não deixar transparecer. Seu salvador
começou a dizer algo quando, do outro lado do transporte, um prisioneiro
chamou:
– Ei! E quanto a mim?
O rebelde diante dela se virou. Jyn reconheceu a oportunidade.
Já estava na metade do transporte em um segundo, seu pé chutando com
firmeza a barriga macia do líder e pressionando-o contra a parede. O impulso
manteve Jyn de pé quando girou na direção de um segundo corpo que se
aproximava. Desferiu um soco que acertou em cheio o rosto do recém-
chegado, sentindo até mesmo os ossos da face. Jyn cambaleou para a frente,
ainda sentindo tonturas, e agarrou a primeira arma que conseguiu encontrar
entre as ferramentas agrícolas guardadas ali: uma pá, sólida e longa o
bastante para ela ganhar alcance. Conhecia muito bem o dano que uma pá
podia causar nas mãos de um prisioneiro.
Deixou o peso da pá carregá-la no primeiro golpe, desferindo uma sólida
pancada no líder quando o homem voltou de onde ela o havia chutado contra
a parede. Golpeou novamente para acertar o rebelde que havia soltado suas
algemas quando ele se aproximou por trás dela. Jyn enxergou um caminho
livre até a frente do transporte e correu para as portas destroçadas.
O mundo agora era uma mancha, mas ela havia escapado, os pés atingindo
o caminho de cascalho.
Encontraria um jeito de deixar Wobani. Forjaria novos scandocs.
Aposentaria Liana Hallik e começaria de novo, escolhendo um novo nome,
um nome com o qual o Império não se importaria e que a Aliança Rebelde
nunca descobriria…
– Você está sendo resgatada – uma voz disse. Tinha uma distorção
eletrônica, mas era aguda demais para ser de um stormtrooper. Uma fria mão
metálica agarrou seu colarinho, erguendo Jyn até que ela balançasse as pernas
a meio metro do chão. Diante dela, iluminado pelo sol, havia o corpo esbelto
de um droide de segurança, negro como a noite, com exceção da insígnia
Imperial em seus ombros e o vazio branco das lâmpadas em seus olhos. –
Parabéns.
O droide ergueu os braços e lançou Jyn contra o chão. Uma dor percorreu
suas costas e atingiu seu crânio. Inclinando a cabeça para trás, viu um rebelde
irritado e com sangue escorrendo da boca apontando um fuzil contra o seu
peito.
Maldito Saw Gerrera. Dane-se toda essa maldita Aliança Rebelde.
CAPÍTULO 2

EM ALGUM LUGAR DENTRO DO CÉREBRO de Jyn havia uma caverna isolada por
uma pesada escotilha de metal. A caverna não era para proteção. Era onde
guardava as coisas das quais já estava cheia, mas que não conseguia esquecer
completamente: a Rebelião. Saw Gerrera. Pessoas e lugares enterrados no
escuro por tanto tempo que ela mal reconhecia seus nomes como algo mais
do que cruéis impulsos doloridos.
Detestava a caverna e tudo dentro dela. E todos que sabiam sobre a
caverna. Não era real, claro, embora uma vez a tivesse descrito para uma
pessoa – alguém em quem confiava – e admitido o que a imagem significava
para ela. Jyn imediatamente se arrependera e jurara mantê-la em segredo para
sempre desde então. Agora a granada que havia destruído a porta do
transporte de prisioneiros também havia exposto a escotilha – eliminando o
solo que a cobria, expondo-a para Jyn e o mundo.
Na longa e angustiante viagem saindo de Wobani, o computador de
navegação do U-wing falhou, forçando seus salvadores a pedir socorro a uma
frota de caças da Rebelião. Embora os X-wings estivessem lá para defendê-
los, Jyn se sentiu presa entre os rebeldes armados que a cercavam e a
escotilha dentro de sua mente.
Uma vez mais, ela não tinha escapatória.

Uma nuvem de umidade envolveu Jyn quando ela desembarcou na lua


florestal de um gigante gasoso vermelho. Brisas quentes carregavam o aroma
de vegetais apodrecidos do chão da floresta, mascarando o sutil cheiro de
mofo. A sombra e a proteção de um grande zigurate de pedra fornecia alívio
apenas na aparência – o suficiente para lembrar alguém do quão difundido era
o calor, a umidade e o fedor.
Não era o entreposto rebelde mais desconfortável que Jyn já visitara. Mas
era o primeiro que via sob a escolta de guardas armados ou sem saber onde
estava. Talvez esse sistema estelar fosse obscuro demais até mesmo para ter
um nome.
– Continue andando. – O homem que liderara o ataque em Wobani
acompanhou Jyn pelo asfalto do lado de fora até entrarem no chão de pedra
lisa do hangar improvisado dentro do zigurate. O nome do homem era
Ruescott Melshi. Ele não havia se dado ao trabalho de se apresentar, mas Jyn
o ouviu falando com o piloto.
– Você ainda está bravo, não é? – ela disse.
– Sobre o quê?
– Sobre ter levado uma pá na cabeça.
Melshi grunhiu.
– Eles estão esperando – ele disse, e Jyn não perguntou “quem?” porque
sabia que era isso o que ele esperava.
Se fosse Saw, ela saberia como lidar com ele.
Andaram juntos, passando por pilotos com trajes de voo e que
conversavam com técnicos; passando por caças estelares, cargueiros e
transportes enfileirados ordenadamente. Era mais do que um mero entreposto
rebelde deveria ter. Onde quer que estivesse, era um lugar importante.
Mesmo sem saber em qual sistema havia desembarcado, Jyn suspeitava que
vira coisas demais para deixarem-na sair livre dali.
Fantasiou sobre derrubar Melshi na pedra molhada, bater sua cabeça na
rocha, roubar sua arma, arrastar seu corpo de volta para a entrada do hangar e
usá-lo como escudo humano. Os rebeldes não permitiriam que deixasse
aquele mundo, mas poderia escapar para algum lugar onde… onde o quê?
Acabaria envenenada tentando sobreviver com a flora local?
Deixou Melshi guiá-la cada vez mais para dentro do zigurate.
Um pensamento preocupante lhe ocorreu: Saw nunca deixaria um
prisioneiro ver tudo isso.
Os rebeldes não haviam construído o zigurate. Pelo menos isso era óbvio.
Mas tomaram conta do lugar, passando cabos entre desenhos antigos e
instalando consoles como oferendas em altares de pedra. Melshi estava
impassível – Jyn lembrou-se do amor de sua mãe por História e sentiu uma
leve pontada, mas logo afastou a memória. Quando chegaram a uma câmara
muito abaixo da superfície – um bunker, talvez, fortificado para resistir a um
ataque enquanto o zigurate desmoronava acima –, Melshi gesticulou para ela
entrar.
– Tente fazer o que fez em Wobani… – ele começou.
Ela completou:
– … e é melhor eu ter sucesso.
O bunker era pouco iluminado e subdividido por uma mesa de conferência.
Melshi conduziu Jyn até uma cadeira, e ela analisou os rostos posicionados
diante dela: dois homens com a insígnia dos generais rebeldes – um mais
velho, pálido e de olhos suaves; o segundo talvez uma década mais jovem
que o primeiro, exibindo uma perpétua cara fechada sob cabelos ruivos. Um
terceiro – de cabelos negros, bigode, mais perto da idade de Jyn – estava à
parte, como se despreocupado com o papel que lhe fora reservado naquele
teatro rebelde. Olhava para Jyn com uma expressão de fria curiosidade.
Saw Gerrera não estava presente.
– Atualmente você se chama… – O general ruivo deu um passo adiante,
alternando deliberadamente o olhar entre Jyn e o datapad em sua mão. – …
Liana Hallik. Isso está correto?
Chegou mais perto dela como se pudesse intimidá-la.
Jyn esperou. Deixe-o tentar.
– Posse de armas ilegais, falsificação de documentos Imperiais, agressão
física, fuga de custódia, resistência à prisão… – Ele baixou o datapad e
inclinou a cabeça de um jeito presunçoso. – Imagine se as autoridades
Imperiais descobrissem quem você é de verdade. Jyn Erso? Esse é o seu
nome verdadeiro, não é?
Ela vacilou.
E sentiu isso quando viu o general sorrir diante de sua pequena vitória.
Nada nas palavras dele a surpreendeu – os rebeldes não sequestrariam Liana
–, mas ouvir Jyn Erso em voz alta pela primeira vez em anos foi como uma
violação. O general havia levado um maçarico para a escotilha em seu
cérebro, bruscamente tentando queimar através da barreira.
Ele continuou falando.
– Jyn Erso? Filha de Galen Erso. Um conhecido colaborador do Império no
desenvolvimento de armas.
Podia atingi-lo uma vez, talvez duas, para que não repetisse Erso, Erso. A
menção a Galen produziu uma rachadura negra e chamuscada na escotilha, e
ela sentiu o pulso acelerar.
Antes que Jyn pudesse agir, entretanto, viu um movimento na entrada do
bunker. Uma mulher vestindo túnica branca emergiu das sombras, ao mesmo
tempo cansada e altiva. Seu rosto já exibia linhas do tempo e seus cabelos
castanhos estavam impecavelmente penteados – não eram os cabelos de um
soldado ou de um general. Os homens, quase que ao mesmo tempo, abriram
espaço quando ela tomou a cabeceira da mesa.
– O que está acontecendo? – Jyn perguntou secamente para a recém-
chegada.
– É uma chance para você ter um recomeço – a mulher disse. – Achamos
que você pode nos ajudar. – As palavras foram gentis, mas a voz era
implacável.
– Quem é você?
– Você sabe quem ela é. – O general ruivo voltou a falar. Um pingo de
saliva atingiu a testa de Jyn, mas não tirou sua atenção de onde ela olhava. A
mulher fez um gesto para o general, e ele se calou.
– Meu nome é Mon Mothma – a mulher disse. – Faço parte do Alto
Comando da Aliança e aprovei a sua extração de Wobani.
Mothma. A chefe de estado da Aliança. Isso fazia do zigurate o quartel-
general rebelde. O lugar onde as decisões eram tomadas, onde ordens eram
dadas enquanto pessoas em lugares distantes morriam…
Por que ela estava aqui? Onde estava Saw?
– A sua cabeça está a prêmio – Jyn disse, porque era melhor do que não
falar; porque enxergou uma vulnerabilidade que poderia atingir como um
olho desprotegido.
Mon Mothma não riu, mas Jyn percebeu um sorriso antes de ela gesticular
para o terceiro homem.
– Este é o Capitão Cassian Andor – Mothma disse. – Da Inteligência da
Aliança Rebelde.
Cassian se aproximou de Jyn, mas fingiu uma distância respeitável – uma
distância que também lhe daria espaço para manobrar caso ela atacasse. O
general de cabelos ruivos recuou para o canto da câmara, sacudindo a cabeça.
– Quando foi a última vez que você teve contato com seu pai? – Cassian
perguntou.
Jyn não vacilou dessa vez. Uma segunda rachadura se abriu na escotilha.
Fagulhas caíam em cascata do maçarico.
– Quinze anos atrás – ela disse. Era um palpite, mas era bom o bastante.
– Tem alguma ideia de onde ele esteve por todo esse tempo? – Enquanto o
general tentara intimidá-la, o tom de Cassian era casual e seus olhos eram
atentos. Como se fossem perguntas que faria durante um jantar para mostrar
que estava interessado em você como pessoa.
– Gosto de pensar que ele está morto – Jyn disse. – Deixa as coisas mais
fáceis.
– Deixa as coisas mais fáceis – Cassian ecoou. – Mais fáceis do que o quê?
Do que ser uma ferramenta da máquina de guerra Imperial? – Apesar da isca,
ele manteve o tom de voz casual.
– Nunca tive o luxo de ter opiniões políticas.
Jyn avistou mais um leve sorriso de Mothma. Mas Cassian se tornou mais
sério.
– É mesmo? Quando foi seu último contato com Saw Gerrera?
Você não deveria saber?
Se Saw não estava ali – se Saw não havia ajudado os rebeldes a encontrá-la
–, então do que se tratava tudo aquilo?
– Já faz um bom tempo – ela disse.
A cordialidade de Cassian havia acabado. Sua atenção era a atenção de um
interrogador.
– Mas ele se lembraria de você, não é mesmo? Ele poderia concordar em
recebê-la, se você aparecesse como amiga.
Jyn abriu a boca para argumentar, para xingar, mas não disse nada.
Precisava de tempo para pensar no que fazer, tempo para decidir sobre quem
estava pronta para trair para se salvar.
– Estamos correndo contra o tempo, garota – o general ruivo rosnou. –
Então, se você não tem nada a dizer, vamos simplesmente colocá-la de volta
onde a encontramos.
Que seja. Então aqui vai a resposta mais simples, a mais honesta. Aquela
que vocês já sabem.
– Eu era uma criança – ela disse. – Saw Gerrera salvou minha vida. Ele me
criou. Mas não tenho ideia de onde esteja. Não o vejo há anos.
O general mais velho assentiu como se isso confirmasse algo que
suspeitava. Trocou um olhar com Mothma, mas foi Cassian quem falou.
– Sabemos como encontrá-lo – Cassian disse. – Esse não é o nosso
problema. O que precisamos é de alguém que nos faça passar pela porta da
frente sem sermos mortos.
Jyn lutou contra um sorriso.
– Vocês são rebeldes, não são?
– Sim, mas Saw Gerrera é um extremista. Ele vem travando sua própria
guerra já há algum tempo – Mothma disse. – Não temos escolha a não ser
tentar reparar essa desconfiança.
Então era isso? Mesmo quando Jyn encontrou Saw pela primeira vez ele já
fazia parte do extremo da Rebelião. Se realmente tinha se separado de vez da
Aliança, significava que seu caminho se mantivera o mesmo. E agora os
rebeldes haviam sequestrado Jyn do Campo de Trabalho para usá-la como
uma oferta de paz.
Acontece que isso não explicava tudo.
Cravando as unhas nas palmas das mãos, Jyn ousou fazer a pergunta que
não queria ver respondida.
– O que isso tem a ver com meu pai?
Mon Mothma lançou um olhar encorajador para Cassian.
– Há um desertor Imperial na Cidade Sagrada de Jedha. Um piloto. Ele foi
detido por Saw Gerrera. – Cassian fez uma pausa, buscou os olhos de Jyn
como se quisesse enfatizar a gravidade do que diria em seguida. – Ele afirma
que o Imperador está criando uma arma com o poder para destruir planetas
inteiros.
Dessa vez, Jyn não conseguiu segurar uma risada.
– Essa é uma péssima mentira – ela disse.
Achou que Mon Mothma fosse oferecer outro sorriso discreto. Em vez
disso, a mulher olhou para Jyn por um longo momento antes de dizer:
– Acredito que seja verdade. Posso estar enganada e rezo para estar. Mas
acredito que uma arma que pode assassinar mundos é o ápice natural de tudo
aquilo que o Imperador já fez.
Vocês estão todos loucos, Jyn quis dizer. Mas se segurou.
– Mas você está certa – Mothma continuou. – Se fosse apenas por causa de
Saw Gerrera, nós teríamos alternativas.
Cassian voltou a falar, aparentemente sem se abalar com a interrupção e a
zombaria de Jyn.
– O piloto – ele disse –, aquele que está sob a custódia de Gerrera?
– O que tem ele? – Jyn perguntou.
– Ele diz que foi enviado por seu pai.
A escotilha dentro da mente de Jyn se despedaçou como cerâmica.
As coisas no interior da caverna, úmidas e sujas pela escuridão, vazaram
para dentro de seu cérebro. Pensamentos estranhos se espalharam como
manchas, obscurecendo tudo: meu pai está vivo. Meu pai é um traidor. Meu
pai está construindo uma arma para destruir mundos.
Meu pai é um herói. Meu pai é um covarde. Meu pai é um desgraçado.
Galen Erso não é meu pai. Galen Erso não me criou…
Suas palmas sangravam onde as unhas haviam se enterrado. Jyn limpou as
mãos no quadril, olhou ao redor da câmara que repentinamente se tornou
enorme e mal ouviu Mothma dizer “Precisamos impedir essa arma antes que
ela esteja pronta”, nem o tom condescendente do general ruivo:
– A missão do Capitão Andor é autenticar a história do piloto e, se
possível, encontrar o seu pai.
Eram coisas demais. Demais para pensar agora, talvez demais para pensar
em qualquer momento. Mas os outros a observavam. Jyn se concentrou em
sua respiração, na pele úmida contra o metal da cadeira, no terrível mau
cheiro do ar. Forçou a mente a se afastar da escotilha quebrada sobre a
caverna, jogando repulsa, raiva e dúvidas para baixo como se fossem bile.
Mon Mothma falava novamente.
– Parece que Galen Erso é crucial para o desenvolvimento dessa
superarma. Considerando a gravidade da situação e seu histórico com Saw,
esperamos que ele nos ajude a localizar seu pai para levá-lo para testemunhar
no Senado.
– E se eu concordar? – Jyn perguntou. Cuspiu as palavras amargamente,
embora não as tenha ouvido.
– Prometemos que você ganhará sua liberdade – Mon Mothma disse.
Era a melhor resposta que Jyn poderia querer.

Não estava calma quando saiu do hangar, mas estava mais calma. Seu corpo
estava todo machucado e dolorido, como na manhã após uma luta, mas
respirava sem dificuldade. Se não pensasse sobre aquilo – a missão, o
significado por trás da missão –, ficaria bem.
E, quando acabasse, poderia voltar para sua antiga vida. Poderia criar uma
nova vida. Encontrar algum lugar longe da Aliança Rebelde, longe de Saw
Gerrera e de Galen Erso e…
Não pense sobre isso.
– Capitão Andor – uma voz chamou.
Cassian parou no meio do caminho atrás de Jyn, olhou na direção do
hangar e avistou a fonte do chamado – o general de cabelos ruivos que estava
no bunker, aquele cheio de comentários sarcásticos e rosnados em vez da
senilidade de seu parceiro.
– General Draven – Cassian murmurou. – Espere um momento.
– Sem pressa – Jyn disse.
Cassian correu até a rampa de embarque de um maltratado transporte U-
wing, tirou a bolsa que levava nos ombros, depois correu de volta na direção
de Draven. Jyn seguiu seu caminho até a nave, avaliando superficialmente o
transporte. Embora a base em si fosse maior, mais movimentada e mais bem
equipada do que qualquer coisa que tivesse visto da Aliança Rebelde, o U-
wing se alinhava com suas expectativas. Igual àquela que havia tirado Jyn de
Wobani, a nave parecia um conjunto de motores com um compartimento de
carga acoplado, mantido e reparado por um droide com pistões em vez de
mãos.
Ela já embarcara em coisas piores.
– Jyn Erso! Pseudônimo Liana Hallik, prisioneira seis-dois-nove-cinco-
alfa!
Vacilou – outra vez – ao ouvir seu nome. Teria de se acostumar com
aquilo.
Olhou pela rampa de embarque até a cabine principal. Agigantando-se
sobre o console de comunicações estava o droide de segurança marcado com
símbolos do Império que havia capturado Jyn em Wobani.
– Sou K-2SO – ele continuou, com uma alegria que Jyn podia apenas
interpretar como ameaçadora. – Sou um droide Imperial reprogramado.
– Eu me lembro de você – ela disse.
Jyn ouvira histórias terríveis sobre droides reprogramados – sobre
salvaguardas que se recuperavam, velhos códigos que repentinamente
ressurgiam por razões que ninguém explicava. Mas não ficou muito
preocupada – se a programação de K-2SO fosse reativada, os membros mais
importantes da Aliança Rebelde seriam sua maior prioridade. Jyn, uma
prisioneira em fuga recrutada para a missão, só seria estrangulada depois do
segundo ou terceiro rebelde, no mínimo.
– Imagino que sua presença indica que vai se juntar a nós em nossa viagem
para Jedha – o droide continuou. Uma afirmação, não uma pergunta.
– Aparentemente, sim.
– Isso é uma má ideia. É o que eu acho. E Cassian concorda. Mas por que
minha opinião seria importante? Minha especialidade é apenas análise
estratégica.
Jyn mal estava ouvindo. Dera as costas para o droide, olhando do outro
lado do hangar para onde Draven e Cassian conversavam. Estavam perto
demais um do outro, para que não fossem ouvidos pelos pilotos e técnicos
que passavam por ali.
Para sua surpresa, Jyn percebeu que confiava em Draven: ele era um
cretino, mas isso fazia dele alguém previsível. Cassian – o agente da
inteligência, o espião, o mentiroso casual – poderia se tornar um problema.
– Você consegue entender o que estão dizendo? – ela perguntou para K-
2SO, com um olhar sobre o ombro.
– Sim – o droide disse, depois voltou para a cabine do piloto.
É justo, ela pensou. Deixada sozinha na cabine principal, aproveitou a
oportunidade para examinar a bolsa de Cassian: nada além de equipamentos.
Armas, medpacs portáteis e intensificadores de sinais. Nenhuma holoimagem
de uma esposa atenciosa ou algum cobertorzinho de infância. Arrumava suas
malas de modo impessoal e prático.
Jyn apanhou uma pistola blaster, testou o peso e a empunhadura, depois a
guardou na cintura. Uma BlasTech A-180 não seria sua escolha, mas era
discreta e confiável. Quando Cassian retornou ao U-wing, Jyn seguiu para a
cabine do piloto. O droide, que ajustava botões no console de voo, a ignorou.
Ela ouviu a porta externa se fechar e selar.
– Você já conheceu o K-2? – Cassian perguntou.
– Encantador ele – Jyn disse.
Cassian deu de ombros de uma maneira jovial, como quem diz “fazer o
quê?”.
– Ele tem a mania de dizer qualquer coisa que passe por seus circuitos. É
um efeito colateral da sua reprogramação.
O sintetizador de voz do droide aumentou o volume, alto o bastante para se
fazer ouvir na cabine.
– Por que ela pode carregar um blaster – o droide perguntou – e eu não?
Jyn manteve as mãos longe da arma, mas mudou o peso do corpo para uma
postura defensiva quando Cassian disparou um olhar sobre ela.
– Eu sei como usar – ela disse.
– É disso que tenho medo – Cassian respondeu. Jyn observou o humor e a
cordialidade evaporarem em um instante. O olhar do espião calculista
emergiu. Ela sentiu certa satisfação amarga. – Entregue para mim.
– Estamos indo para Jedha. É uma zona de guerra. Você quer que eu
arrisque a vida para ajudar a encontrar Saw? – Ela deu de ombros. – A
confiança é uma via de mão dupla.
Cassian a encarou por mais um momento. O olhar calculista também
desapareceu, e Jyn não conseguia mais avaliar sua expressão. Ele também
encolheu os ombros e seguiu para a cabine do piloto.
Que belo começo, Jyn pensou, e foi procurar uma cama ou, na pior das
hipóteses, uma superfície com algum conforto. Não dormia desde Wobani,
naquela noite em que sua colega de cela havia prometido matá-la.

– Você vai deixar com ela? O blaster?


Cassian Andor se acomodou no assento do piloto – gasto, pouco
acolchoado, manchado pelo suor de dezenas de espécies – e passou a mão
pelos controles, voltando a se familiarizar o melhor que podia. Fazia tempo
desde que pilotara um transporte.
K-2 esperou uma resposta que não veio, depois perguntou:
– Você está interessado na probabilidade de ela usar a arma contra você?
A umidade havia embaçado a janela da cabine, transformando a selva em
uma mancha verde. Cassian rascunhou um trajeto em sua mente. O controle
de voo recomendava passar em rasante sobre a cobertura das árvores antes de
tentar a subida completa da lua de Yavin 4 – uma vaga tentativa de disfarçar
de uma eventual sonda Imperial a localização exata da Base Um.
– É alta – o droide disse.
Cassian sacudiu a cabeça.
– Vamos indo.
– É muito alta.
Você não sabe nem a metade, Cassian quase disse.
Voltou a pensar na conversa que teve com o General Draven no hangar. As
garantias de que confiava no julgamento de Cassian rapidamente estavam
sendo tragadas pelos redemoinhos de sua memória, mas as ordens de Draven
estavam escritas em aço:
Galen Erso é vital para o programa de armas do Império. Não haverá
nenhuma “extração”.
Se você o encontrar, mate-o. No mesmo instante.
Draven não estava errado por querer Galen Erso morto. Seria uma morte
justa, assim como prática, a execução de um homem certamente responsável
pela morte de incontáveis civis. Os anos de Erso dentro da máquina de guerra
Imperial não poderiam ter um resultado inocente. Se matar Erso pudesse
salvar uma única vida, então seria uma causa a ser celebrada – mas, se não,
seu assassinato não seria menos justificado.
E a contradição entre as ordens de Mon Mothma e as do General Draven
não perturbava Cassian. A noção de levar Galen Erso até o Senado para
testemunhar – a noção de expor o destruidor de planetas do Império, de criar
uma comoção tão grande dentro do governo civil que o Senado acabaria
agindo abertamente contra o Imperador Galáctico – era absurda.
Mothma desejava um relaxamento das tensões – uma solução política
tornada possível por meio da ação militar rebelde –, o que era, para Draven e
Cassian, evidentemente impossível. As forças armadas Imperiais eram leais a
seus comandantes, e seus comandantes acreditavam que eles, e não o Senado,
já tinham completo controle sobre o Império. E estavam certos. Nenhuma
transferência pacífica de poder ocorreria.
Porém, Mothma era uma idealista. Cassian suspeitava que ela queria uma
audiência no Senado não porque pensava que funcionaria, mas porque se
sentia obrigada a tentar.
Cassian admirava Mothma. O assassinato de Galen Erso a livraria da
obrigação de um esforço pela paz que nunca seria bem-sucedido.
Mas Cassian estava incomodado mesmo assim.
Ele escoltava uma garota não mais velha do que uma adolescente para ver
o pai que acreditava ter perdido. Uma garota que – independente da genética
– claramente havia herdado a raiva ardente e a competência gélida de Saw
Gerrera. A necessidade nos olhos dela assustava Cassian.
Será que os outros notaram? Será que estava imaginando coisas?
Já não sabia o que o incomodava mais: o que estava fazendo com Jyn Erso,
ou o que ela faria com ele se descobrisse a verdade.
CAPÍTULO 3

BODHI ACREDITAVA QUE SEU SOFRIMENTO acabaria logo. Que Saw Gerrera o
ouviria e o libertaria. Que os ferimentos em seus pés seriam tratados, as
algemas retiradas e o saco áspero puxado do rosto para que pudesse enxergar
e ouvir e respirar novamente.
Se não acreditasse nessas coisas, sabia que enlouqueceria.
Marchara com os rebeldes por quase todo o dia, apenas sabendo da
passagem do tempo pela luz do sol que atravessava o tecido que envolvia sua
cabeça. Depois do deserto, eles entraram em um tipo de abrigo – uma
construção ou uma caverna onde o fraco calor do sol desapareceu. Agora
ajoelhava em um chão de pedra áspero e esperava. Ouviu corpos passando
por perto, passos distantes, vozes em salas adjacentes. Não tentou falar. Sua
boca estava seca.
Aqueles não eram os rebeldes que Galen Erso havia descrito: homens e
mulheres nobres cujo coração justo os levara a se opor aos horrores que
Bodhi testemunhara, aos feitos nos quais fora cúmplice. Em vez disso,
aqueles eram os rebeldes sobre os quais o Império sempre alertara: os
assassinos, os criminosos e terroristas que escondiam sua maldade em um
discurso patriota. Aqueles que enxergavam as mortes nos bombardeios de
espaçoportos como um pequeno preço a se pagar por pequenas vitórias.
Mas Saw Gerrera seria diferente. Tinha de ser diferente.
– Mentiras!
O urro fantasmagórico e rouco ecoou pela câmara. Junto com a voz veio
um tilintar metálico rítmico, como a batida de um pistão.
– Falsidades!
Não havia nada além de fúria naquela voz.
– Mostrem-me.
Uma exigência, brotando de profundezas terríveis.
Bodhi ouviu mais movimentos, girou o pescoço e tentou enxergar algo que
não fosse apenas silhuetas e costuras.
– Bodhi Rook. Piloto de cargas. – Mãos repentinamente pegaram Bodhi e
o ergueram. Teria caído, se as mãos não tivessem agarrado seus ombros. –
Garoto local – o fantasma zombou. – Mais alguma coisa?
– Isto estava com ele. – Uma segunda voz em outra língua. Bodhi
reconheceu o dono da voz como o Tognath com o respirador. – Um holochip.
Não criptografado. Foi encontrado em sua bota quando foi capturado.
Bodhi se lançou para a frente nas mãos de quem o segurava – não para
escapar, mas exigindo atenção.
– Eu estou ouvindo! Eles já entenderam! Eu estou assustado, vocês me
assustaram, mas ele não me capturou! Vim até aqui porque eu quis. – Não
sabia se podiam entendê-lo através do tecido. – Eu desertei – ele gritou por
trás do pano. – Eu desertei!
– Mentiras – o fantasma repetiu. – A cada dia, mais mentiras.
– Mentiras? – Bodhi estava quase gritando agora, violentamente puxando
ar através do saco para dar mais força à sua fúria. – Você acha que eu
arriscaria tudo por uma mentira? Não temos tempo para isso! Tenho que falar
com Saw Gerrera antes que seja tarde…
Alguém agarrou o saco e o puxou, arrancando-o e arrastando os óculos de
proteção de volta na testa de Bodhi.
Bodhi podia enxergar outra vez. Quase desejou que ainda estivesse cego.
Estava em uma sala – não uma caverna, mas uma câmara escavada em
rocha antiga e escassamente mobiliada como uma área de convivência. Três
de seus captores estavam por perto, enquanto um quarto homem, um
estranho, estava diante dele. Esse homem – o fantasma, Bodhi assumiu, o
dono da voz rouca e sinistra – tinha cabelos grisalhos e desarrumados e um
rosto cheio de cicatrizes. Apoiava-se em um cajado de metal para suportar o
peso que sua perna artificial não aguentava.
– Saw Gerrera? – Bodhi perguntou.
Dessa vez, ninguém riu.
Saw segurava um holochip entre os dedos. Bodhi assentiu na direção do
dispositivo.
– Isso é para você – ele disse. Ouviu a si mesmo tagarelar, protestar, não
conseguindo impedir o fluxo de palavras. – E eu entreguei isso a eles, eles
não encontraram comigo. Eu entreguei a eles. Galen Erso. Ele me disse que o
encontrasse.
Saw Gerrera deixou o cajado de lado e apanhou uma máscara de oxigênio
acoplada à sua armadura. Sem olhar para Bodhi, levou a máscara até o rosto,
inalou e devolveu a máscara no lugar.
Por favor, acredite em mim, Bodhi pensou. Ou talvez tenha dito em voz
alta; não tinha muita certeza.
Fiz isso por você. Fiz isso para fazer algo certo.
Saw virou a cabeça para sinalizar ao Tognath.
– Bor Gullet – Saw disse.
– Bor Gullet? – Bodhi perguntou.
E então o tecido raspou sua testa, nariz e lábios outra vez, e braços o
arrastaram para trás, girando-o para longe de Saw – para longe do homem
que fora enviado para encontrar, para longe da salvação e da redenção.
– Galen Erso me enviou! – ele gritou através do pano. – Ele me disse que
encontrasse você! – Bodhi disse, e outras coisas semelhantes, repetindo de
novo e de novo, e nada disso adiantou.

Orson Krennic, diretor de pesquisa de armamentos avançados do primeiro


Império Galáctico, nunca recebeu o respeito que merecia.
Isso não era acidente ou destino, nem um sintoma de alguma fraqueza
pessoal. Enquanto Krennic podia reconhecer sua falta de talento científico em
comparação a homens como Galen Erso, mesmo o mais arrogante
pesquisador sob seu comando aceitava sem problemas que a genialidade,
quando ligada à visão de Krennic, realizava mais do que a genialidade
sozinha. Foi Krennic quem, por duas décadas, dirigiu mil mentes brilhantes
como o maestro rege sua sinfonia; foi Krennic quem focou a energia de um
milhão de cientistas e engenheiros e estrategistas e trabalhadores em uma
única criação; e tudo isso enquanto lidava com os joguinhos do Conselho
Diretor do Imperador, tudo isso enquanto amenizava a inveja mesquinha de
almirantes e conselheiros do Estado Conjunto.
Orson Krennic havia construído a Estrela da Morte – a maior façanha na
história galáctica, um feito de engenharia que rivalizava com a transformação
da cidade-mundo de Coruscant ou a invenção do hiperpropulsor; era sua
façanha, mais do que de qualquer outra pessoa. Se aquela extraordinária e
exigente aventura o deixara vulnerável, não foi por alguma falha de sua parte.
Em vez disso, a responsabilidade pelas circunstâncias recaía apenas sobre
um homem – exatamente o homem que o havia chamado para encontrá-lo a
bordo do Destróier Estelar Executrix.
O Grande Moff Wilhuff Tarkin era a verdadeira desgraça de Krennic.
Enquanto Krennic criava, Tarkin lutava para impedir sua ascensão. Impedir
que chamasse a atenção do próprio Imperador.
As costas do velho governador estavam voltadas para Krennic quando
entrou na ponte da Executrix. Atrás de Krennic vinha uma escolta de seus
soldados pessoais; uma tática de intimidação desperdiçada com Tarkin, já que
ele olhava pela janela na direção da enorme estação de batalha da Estrela da
Morte.
Hoje estava marcada a acoplagem do conjunto do canhão principal da
estação. Seis mil foguetes destacáveis manobravam a concha colossal sobre a
superestrutura esférica da estação, onde droides, técnicos e ferramentas
mecânicas esperavam; após o posicionamento da concha, eles a travariam
permanentemente no lugar. A operação precisou de meses de planejamento e
o desligamento de muitos dos sistemas de energia da Estrela da Morte para
eliminar qualquer risco de um surto de energia. Krennic deveria estar lá,
vestindo um traje pressurizado nos corredores temporariamente sem ar da
estação de batalha, para supervisionar e observar os estágios finais.
– A falha na segurança em Jedha foi lamentável, Diretor Krennic – Tarkin
disse, e finalmente virou seu frágil corpo. Ignorou completamente a escolta
de troopers da morte de Krennic e reservou seu olhar mais desdenhoso para
seu manto branco.
– Temo que não sei a que você está se referindo – Krennic mentiu, com
uma expressão confusa.
Acha que sou um tolo, Tarkin?, ele quis dizer. Acha que não tenho meus
próprios contatos entre o seu pessoal, dizendo a mim tudo o que dizem a
você?
Mas, se Tarkin o considerava um tolo, era melhor jogar sob suas regras.
O governador continuou falando.
– Depois de tantos contratempos e atrasos… E agora isso. Ouvimos os
rumores que circulam pela cidade. Aparentemente você perdeu um piloto de
carga que gosta muito de falar.
– E o que um piloto de carga saberia de tão importante para nos afetar? –
Krennic disse, com a maior calma possível. – Você mesmo reconheceu que o
sigilo estava se tornando um impedimento ao progresso. Era inevitável que
rumores surgissem…
– O problema não são os rumores. O problema é a prova. Se o Senado
souber de nosso projeto – Tarkin falava com um desprezo pontuado –,
incontáveis sistemas se juntarão à Rebelião.
Krennic rebateu instintivamente.
– Quando a estação de batalha estiver pronta, Governador Tarkin, o
Senado não será uma preocupação.
Os lábios de Tarkin pareciam tão esculpidos quanto uma fenda em um
penhasco, mas mantinham o mesmo humor.
– Quando se tornou agora, Diretor Krennic. O Imperador não vai mais
tolerar nenhum atraso. Você fez do tempo um aliado da Rebelião.
Como se você falasse pelo Imperador.
– Sugiro – Tarkin disse – resolver os dois problemas ao mesmo tempo,
com um teste imediato da arma. Fracasse e terá de explicar o porquê a uma
plateia muito menos paciente.
Krennic se surpreendeu. A conversa não devia ter seguido por esse
caminho.
Um teste imediato?
Procure pela armadilha. Tarkin nunca exige nada que não sirva a si
próprio.
Mas o velho governador esperava por uma resposta. Se Krennic parecesse
pouco confiante na capacidade da Estrela da Morte, então isso também se
voltaria contra ele.
– Não vou fracassar – ele disse. – O teste da arma eliminará Jedha
completamente.
Em um mundo melhor, poderia dizer aquilo com triunfo e expectativa. Ver
a estação de batalha totalmente operacional seria uma coisa gloriosa; e Tarkin
encontrara um jeito de estragar tudo.
Tarkin se virou, desinteressado e dispensando-o.
Mais tarde, de volta a bordo da Estrela da Morte, Krennic percorria os
corredores labirínticos que cruzavam toda a enorme estação, inspecionando
os resultados do dia de trabalho. O chão negro era polido como um espelho, e
o reflexo do uniforme de Krennic brilhava como um farol. Embora fizesse
questão de interrogar engenheiros e droides, de analisar pessoalmente dutos
em busca de microfraturas, sabia que não havia nada significativo que
pudesse descobrir que não apareceria nos relatórios diários de atividade.
Andava porque isso ajudava a se concentrar; porque exercício vigoroso lhe
dava um escape para suas frustrações. Suas reuniões a bordo da Executrix
levantavam questões demais, e ele analisava e esclarecia circunstâncias e
riscos a cada passo pesado.
Descreva como faria para uma nova equipe de desenvolvimento. Resolva o
problema.
Será que Tarkin acreditava que a Estrela da Morte não estava pronta para
ser testada? Que o canhão principal falharia?
Revelar a Estrela da Morte como impotente sobre Jedha carregava riscos
substanciais – seria humilhante, tanto para Tarkin como para Krennic. Porém,
Krennic ouvira rumores de que o braço direito do Imperador – o próprio
Darth Vader – mantinha Tarkin como um aliado muito próximo.
Seria inconcebível que Tarkin pretendesse usar Vader como escudo?
Um homem ousado esse Tarkin. Ousado e arrogante o suficiente para
orquestrar um fracasso público e desviar sua responsabilidade.
O que levantava outra questão: por que Tarkin acreditava que o teste
falharia? Por muito tempo ele menosprezou as capacidades de Krennic,
zombando de todos os relatos dos desafios de engenharia diante deles. Então,
talvez, seu desdém o deixara cego para o sucesso. Mas construir um plano
arriscado sob uma suposição sem fundamento parecia pouco sábio até mesmo
para Tarkin.
Seria mera coincidência que Tarkin havia chamado Krennic enquanto o
canhão principal estava sendo instalado?
Será que Tarkin chegaria a ponto de sabotar a instalação?
Krennic parou de andar, girou para o outro lado e seguiu para o convés
exterior onde o canhão principal fora posicionado. Seu pulso se acelerou e o
sangue ferveu de raiva. Chamou um turboelevador e dispersou os ocupantes
com um gesto; apenas começou a se acalmar quando chegou ao campo de
força que bloqueava um corredor ainda sem ar. Atrás do campo cintilante
havia dois stormtroopers equipados com tanques de oxigênio, vigilantes,
como sempre.
Havia centenas de outros pontos de entrada para as áreas de construção que
um sabotador poderia usar, é claro. Mesmo os stormtroopers poderiam estar
sob as ordens de Tarkin. Mas a cena estava tranquila o bastante para diminuir
a raiva de Krennic.
Sabotagem. A possibilidade provocava sua ira, porém ele poderia se
ajustar. Entraria em contato com seus informantes no círculo interno de
Tarkin, descobriria o que sabiam – se é que sabiam de algo.
Enquanto isso, Krennic teria um dia, talvez dois, até a evacuação total dos
recursos do Império. Nesse tempo, poderia ordenar todos os diagnósticos
imagináveis para cada lente focal, cristal kyber e duto do canhão principal. Se
havia sabotagem, seu pessoal encontraria.
Nada a bordo da Estrela da Morte poderia permanecer escondido de
Krennic. Apenas ele – ou, no máximo, ele e mais uma pessoa – podia
compreender sua magnificência como um trabalho de invenção mortal.
Com esses pensamentos para confortá-lo, Orson Krennic terminou sua
andança e retornou para seus aposentos pouco elegantes – seu lar, mais do
que qualquer planeta ou lua. Sentou-se à escrivaninha, bebeu vinho,
distribuiu ordens e leu relatórios. Sua confiança foi renovada. A Estrela da
Morte logo estaria completa – cada interruptor operacional, cada placa do
casco brilhando com perfeição. O teste em Jedha seria um triunfo, não um
fracasso, e ele veria a galáxia responder, maravilhada e aterrorizada.
Ninguém – certamente não Wilhuff Tarkin – tiraria esse prazer de Krennic.

Em seu sonho, Jyn tinha cinco anos de idade – ou talvez quatro, ou talvez
seis; foi há muito tempo – e ela deitava na cama mais confortável que teria
em toda a sua vida. Abraçava Beeny (seu brinquedo favorito, seu melhor
amigo) contra o rosto, tão perto que os pelos de Beeny estavam úmidos com a
respiração de Jyn. Abraçou Beeny com mais força e escutou.
– Sejam quais forem as atrocidades que pretendem cometer, eles não têm
um movimento, não têm uma organização. Essa é a vantagem de ter
anarquistas como inimigos.
Jyn não entendia as palavras. Não gostava disso. Às vezes era legal deitar
no escuro (ela não tinha medo do escuro de jeito nenhum) ouvindo os adultos
conversando, mas hoje não era legal. Estavam conversando sobre brigar.
– Mesmo os Separatistas queriam mais do que apenas destruição. – Era a
voz da mamãe. – E, se eles já estão tão perdidos assim, como a criação de um
Império vai convencê-los? Estamos falando de…
– Estamos falando de um momento muito delicado em nossa história. – A
primeira voz de novo. Jyn rolou na cama, olhando através da porta para a
reunião na sala de estar: mamãe usando sua capa bonita, papai usando seu
uniforme cinza e o amigo do papai usando branco. Reuniam-se ao redor da
mesa de sobremesas, e o homem de branco estava servindo um drinque e
oferecendo encher as outras taças enquanto falava. – Se as pessoas
acreditarem no Império, a vitória militar sobre os vestígios dos Separatistas e
os descontentes será inevitável. Se as pessoas perderem a fé… – Mamãe
tentava interrompê-lo; o homem a impedia erguendo a mão. – … Bom, vocês
sabem o que aconteceu em Malpaz. Coruscant ficará bem, é claro, mas todos
nós vamos nos sentir culpados aproveitando essas refeições enquanto o
terrorismo prospera na Orla Exterior…
Mamãe riu. Não uma risada real, mas o tipo de risada forçada que ela
usava quando devia rir, mas não queria rir de verdade.
Papai olhou sobre o ombro para o quarto de Jyn, olhou para Jyn, e ela viu
que ele sabia que a filha estava olhando.
Mamãe falava outra vez quando papai se levantou e andou na direção de
Jyn. A menina puxou os joelhos, encolhendo-se em sua cama, como se
pudesse se esconder. Não queria que o papai fechasse a porta. Não porque
tivesse medo do escuro (ela não tinha medo do escuro!), mas porque queria
continuar ouvindo, ela merecia continuar ouvindo…
Papai não fechou a porta. Em vez disso, entrou e se sentou ao lado de Jyn,
na cama. Ela sentiu o colchão afundar.
– O que foi, Jyn? Você parece assustada – ele disse, e arrumou uma mecha
de seu cabelo. Ele cheirava igual seu uniforme, azedo e limpo.
– Sempre vou proteger você – ele murmurou.
E então o sonho mudou.
O corpo do papai perto dela não era mais do que uma sombra. Jyn estava
sozinha na caverna, fechando uma escotilha com força, prendendo a si
mesma no escuro. Mamãe era um cadáver na areia perto da casa da fazenda, e
Jyn não tinha nada. Até mesmo sua canção não emergia dos lábios – não
conseguia falar e os pulmões estavam cheios de fumaça, cinzas e terra.
– Por que as pessoas brigam? – ela perguntou, e estava de volta em seu
quarto, os horrores de seu futuro já esquecidos.
Papai levou um longo tempo para responder. Quando finalmente falou, foi
como se estivesse pensando sobre isso pela primeira vez.
– É uma boa pergunta – ele disse. – Meu amigo Orson diz que algumas
pessoas brigam porque estão com raiva. Mas eu acho… – Parou de falar e
cerrou os olhos. As vozes na outra sala continuaram. – Eu acho que,
geralmente, as pessoas não estão felizes e não concordam sobre como
melhorar as coisas.
Jyn observou seu pai, tentando entender aquela ideia.
– Talvez eles concordassem se parassem de brigar primeiro?
Papai olhou para ela com bondade nos olhos. Jyn achou que o surpreendeu,
de um jeito bom.
– Poeira Estelar. Nunca mude.
Inclinou-se para beijá-la na testa. Jyn o envolveu com os braços, sentiu seu
beijo e o uniforme que cheirava azedo se pressionando contra ela.
– Não vou – ela prometeu. Depois, mais suave: – Amo você, papai. Você é
um homem bom.
Papai retribuiu o abraço, em seu quarto na cidade e em seu quarto em
Lah’mu, os dois ao mesmo tempo. Com seu queixo no ombro dele, Jyn olhou
para a porta do quarto. Mamãe estava na sala de estar, observando os dois.
Sorriu muito gentilmente. Atrás dela estava o homem de branco.
Os braços ao redor dos ombros de Jyn se tornaram finos e ásperos como
fios. Agora mamãe estava na frente dela, colocando seu pingente de cristal ao
redor do pescoço de Jyn.
A escotilha se abriu e Saw Gerrera olhou para baixo.

Quando Jyn acordou, já não era uma criança e já não estava em uma cama
confortável de um apartamento em Coruscant. Sua mãe, seu pai e Beeny
haviam partido muito tempo atrás. (Beeny fora a primeira vítima de sua
guerra pessoal, sem nem chegar até Lah’mu.)
A escotilha, ela sabia, estava irreparavelmente quebrada.
O U-wing sacudiu enquanto Jyn, no escuro da cabine da nave, buscou o
cristal do colar de sua mãe contra o peito.

DADOS COMPLEMENTARES:
ESTAÇÃO DE BATALHA EM-1

[Documento #YT5368 (“Declaração oficial sobre a diretiva


principal da Estação de Batalha EM-1”), datado
aproximadamente dois anos antes da Operação Fratura,
enviado do escritório do Grande Moff Wilhuff Tarkin.]
Para o Diretor Krennic:
Acho esses comunicados deselegantes, mas, já que você
evidentemente precisa de memorandos por escrito para se lembrar de
seu dever, vou me sujeitar. É imprescindível a todos os envolvidos na
construção da estação de batalha (com credencial de segurança DS/30
e acima) compartilhar uma visão unificada das tecnologias envolvidas
e, portanto, nossa doutrina de uso.
O tempo de meticulosa compartimentalização de células de
desenvolvimento já é passado. Mentir para suas equipes de
engenharia sobre nosso objetivo final permitiu que você recrutasse
pesquisadores de energia e especialistas em materiais mais
interessados em revitalizar a infraestrutura de Coruscant do que em
construir uma arma; por conseguir isso, eu lhe dou crédito. Mas
estamos construindo uma arma com um propósito específico que não
pode ser exposta a riscos.
Em outras palavras, chegou a hora de encerrar esses joguinhos.
Um projeto dessa magnitude nunca foi tentado. Não me importa
qual é a motivação dos seus engenheiros, mas é imperativo que eles
compreendam nossas prioridades. Em uma estação de batalha com
oito bilhões de componentes, mesmo um punhado de más decisões
poderia colocar em risco nossa eficácia final.
Devo explicar melhor? Não deveria ser preciso, mas aqui vai:
A estação de batalha não é uma força militar em si mesma. É parte
de um sistema, e elementos individuais precisam ser fabricados com
os padrões Imperiais. Se existem incompatibilidades com a frota de
Destróieres Estelares, é preciso que sejam remediadas.
A estação de batalha não é um campo de testes para as suas novas
tecnologias. Prometer ao seu pessoal oportunidades para inovação foi
um equívoco. Atualize apenas o que for necessário e, se precisarmos
acrescentar uma centena de velhos reatores confiáveis em vez de
desenvolver um único reator novo, então que seja.
A estação de batalha certamente não é simbólica, pensada apenas
para demonstrar a grandeza do Império em execuções planetárias
cerimoniais. O canhão principal precisa ser construído para disparar
repetidamente dentro de um curto período, como seria o caso durante
uma única batalha da frota. Tanto os mecanismos como o esquema de
controle precisam ser compatíveis com essa prática.
Estamos construindo uma arma não para prevenir uma guerra, mas
para acabar com uma. Por muitas vezes, testemunhamos a galáxia se
dissolver em instabilidade e caos, e a ascensão do movimento
terrorista rebelde é apenas a última repetição desse ciclo. Esses
rebeldes não têm chance alguma de nos derrubar, mas ameaçam nossa
ordem de qualquer maneira.
A Estrela da Morte não acabará com as traições. Porém, nunca
mais um conflito consumirá nossa galáxia como aconteceu com as
Guerras Clônicas. Quando surgir um inimigo, nós atacaremos com
veemência para decapitar. Se um ataque não for suficiente,
repetiremos o processo e queimaremos planetas até aniquilar nosso
inimigo ou a galáxia se tornar tão aterrorizada que continuar
resistindo será algo impensável.
A nova paz durará até o ciclo recomeçar. Nesse momento, a
estação de batalha será novamente convocada. A interrupção da
estabilidade será breve e iluminadora.
Estamos de acordo agora, Diretor? A Estrela da Morte é a
derradeira arma de guerra. Não serve a nenhum outro propósito. Não
é um monumento para a proeza científica de seus trabalhadores ou o
pilar de uma nova frota criada segundo seus ideais pessoais.
Grosseiro, mas funcional é um lema aceitável.
Resolva isso com seu pessoal imediatamente.

[Documento #YT5368A (“Resposta à Declaração oficial sobre a


diretiva principal da Estação de Batalha EM-1”), enviado do
escritório de Orson Krennic, diretor de pesquisa de armamentos
avançados.]

Respeitosamente, Governador, solicito esclarecimento.


Meu entendimento é de que o projeto da estação de batalha foi
iniciado em um nível acima de nós dois. Sei que você tem acesso ao
Imperador; poderia confirmar se a visão que você descreveu veio
diretamente dele?
Eu odiaria ver qualquer coisa originada da mente do Imperador
descrita como grosseira, mas funcional. De fato, eu me empenho para
exceder as expectativas dele.

[Nenhuma resposta encontrada.]


CAPÍTULO 4

SE JEDHA JÁ FORA MAIS DO QUE UMA LUA ROCHOSA ESTÉRIL, anos ou séculos atrás,
Jyn não podia ver agora. Não havia nada para ver do espaço – nenhum
grande oceano, nenhuma nuvem ondulante. Nenhum brilho de cidades feitas
de metal e vidro se espalhando como mofo pelos continentes. Apenas poeira
âmbar e desertos frios.
– Aí está Jedha – Cassian anunciou. – Ou o que restou dela.
Ventos atingiam o U-wing que penetrava a atmosfera, sacudindo a nave e
fazendo Jyn se segurar na porta da cabine do piloto. Foi o suficiente para
deixá-la nauseada – Cassian e o droide pareciam tranquilos –, e ela voltou
para a cabine principal para a aterrissagem. Imagens indesejadas de Saw
Gerrera, de Galen Erso (Meu pai está vivo. Meu pai é um desgraçado…)
surgiam em sua mente, derramando-se da escotilha e vagando atrás dos seus
olhos como parasitas.
Não podia se dar ao luxo de se sentar e pensar. Jyn enlouqueceria. Ignore a
náusea e faça algo útil, ela disse a si mesma.
Quando o transporte finalmente aterrissou em uma planície desértica, Jyn
já havia juntado tudo de que precisaria na superfície da lua: camadas de
tecido térmico – luvas, jaqueta e capuz – para espantar o frio; um par de
bastões de combate para lutas a curta distância; e uma bolsa cheia de
decodificadores, mapas e pacotes de ração, pois os havia encontrado no U-
wing e tinha uma bolsa vazia para encher. Enquanto Cassian e K-2SO ainda
estavam na cabine do piloto, ela saiu da nave e encontrou um lugar para
sentar, em uma pedra semelhante a uma faca de gelo.
De lá, olhou para o vale, na direção dos distantes muros da cidade – a
Cidade Sagrada, a Cidade de Jedha, NiJedha, dependendo do banco de dados
que você checar. Poeira e fumaça obscureciam torres e paliçadas, antigas
praças de pedra e mansões de cúpulas douradas. De muito longe, o
assentamento parecia uma pintura borrada de uma história que Jyn não
reconhecia. Tudo o que podia distinguir com certeza eram os transportes que
voavam como moscas perto da barriga de um Destróier Estelar Imperial que
flutuava no céu. Onde a cidade era áspera e decadente, o Destróier era
moderno e impermeável.
Cassian e o droide emergiram do U-wing atrás de Jyn, fazendo com que
pequenas pedras rolassem pela lateral da planície.
– Qual é a desse Destróier? – ela perguntou.
– O Império tem enviado essas naves desde que Saw Gerrera começou a
atacar seus transportes de cargas – Cassian disse.
Isso não surpreendeu Jyn. Você não detém Saw Gerrera só com alguns
caças TIE extras. Ela se perguntou se estava com orgulho ou simplesmente
resignada com a teimosia de Saw.
– O que eles estão trazendo? – ela perguntou.
– A questão é “o que eles estão levando”. – Cassian entregou um par de
quadnocs para Jyn. Ela ergueu o dispositivo até os olhos, vasculhou o
horizonte e deixou os sistemas de rastreamento automáticos focarem e
aproximarem um dos transportes. Viu meia dúzia de compartimentos de
carga coloridos com um laranja que significava perigo e acoplados na
estrutura dorsal, mas não avistou nenhuma marcação. – Cristais kyber –
Cassian continuou. – Todos os cristais que conseguirem extrair. Acreditamos
que o Império está usando isso como combustível para a arma.
– Um destruidor de planetas? – Jyn soou mais sarcástica do que queria.
– Você não acha que é real?
Jyn deu de ombros e devolveu os quadnocs.
– Pode ser. Sua chefe estava certa quando disse que isso parece uma coisa
que o Império faria…
– O ápice natural de tudo aquilo que o Imperador já fez – Cassian corrigiu.
Seus lábios se curvaram em um sorriso torto.
– Que seja. Não é surpresa o Império querer um destruidor de planetas.
Seria uma surpresa se funcionasse.
O droide falou com um tom otimista.
– Pode não funcionar. Não extraíram muito cristal até agora.
Jyn olhou para K-2 e suas marcações Imperiais.
– Talvez seja melhor deixar para trás o alvo aqui.
– Você está falando de mim? – o droide perguntou.
Cassian se endireitou e apertou a jaqueta diante do vento que aumentava.
– Ela está certa – ele disse. – Precisamos nos misturar. Fique com a nave.
– Eu consigo me misturar – K-2SO devolveu. Foi menos um protesto e
mais uma declaração.
Jyn riu.
– Com as forças do Saw? Ou com os Imperiais? Metade das pessoas aqui
quer reprogramar você. A outra metade quer colocar um buraco na sua
cabeça.
– Estou surpreso por você estar tão preocupada com minha segurança.
Jyn se voltou para a cidade e o vale, tentando adivinhar a distância que
teriam de cobrir. Você está levando muita coisa, ela decidiu, e então jogou a
bolsa para K-2SO.
– Não estou preocupada – ela disse. – Só estou pensando que nossos
inimigos podem errar você e me atingir.
Cassian já havia começado a andar. Jyn o seguiu. Quando o droide chamou
e disse “Não me parece uma má ideia”, ela fingiu não ouvir.

Bodhi Rook não conseguia ver a criatura na caverna. Quando girava o


pescoço, tentava se esgueirar para fora de suas amarras ou sair da cadeira. As
sombras da caverna pareciam rastejar – pareciam se mover sinuosamente,
como criaturas do oceano que ele vira em um aquário quando era criança. As
sombras se contorciam em longos apêndices ou pontas bruscas – mas, quando
tentava focá-los, quando tentava enxergar um único apêndice na escuridão,
não via nada. Nenhum movimento além da luz de lanternas trepidando em
sua visão periférica.
– Bor Gullet pode sentir seus pensamentos – disse o fantasma.
Saw Gerrera observava. Estava do lado de fora da caverna, a cela que
continha Bodhi e a criatura. Seguro. Mas observava.
– Não faça isso – Bodhi disse, apenas alto o bastante para ser ouvido. –
Não faça isso, por favor. – Murmurou coisas incoerentes, implorando, pois
era tudo o que sabia fazer.
Os ferimentos nos pés, o frio nos dedos, a desidratação e os machucados –
eram desconfortos aos quais poderia sobreviver. Eram desconfortos que
entendia. Já sofrera antes, já passara pela privação do sono durante o
treinamento para se tornar piloto. Sim, tinha medo da dor; mas a coisa nas
sombras o repelia, o ofendia em um nível íntimo demais para palavras.
– Nenhuma mentira pode escapar – Saw Gerrera disse.
As sombras agora rastejavam na direção de Bodhi, ondulando ao redor da
base de sua cadeira. Tinham um cheiro enjoativo, como flores se abrindo.
Segurou a respiração, tentou afundar mais na cadeira.
– O que você realmente trouxe para mim, piloto de carga? Bor Gullet
saberá a verdade.
Bodhi sentiu um toque nos ombros, no pescoço, muito leve e quase gentil.
Quando estremeceu, entretanto, o toque se tornou doloroso, como se a pele
fosse apertada em uma prensa. Pensou estar dizendo “Nunca menti para você.
Nunca menti!”. Mas não podia ouvir a própria voz.
Os apêndices encontraram sua testa. Sentiu os cabelos pressionados contra
o crânio quando algo se enrolou nele. Bodhi fechou os olhos. Sentia o corpo
frio e úmido com um suor que estava muito desidratado para perder, e
picadas ardidas queimaram nas têmporas.
Estas foram algumas das coisas que Bodhi viu:
Sua mãe, segurando suas mãos, mostrando a ele como cortar uma raiz com
uma faca, na cozinha da família. Sua mãe nunca o deixou manusear facas,
mas aquela vez foi diferente porque sentiu pena dele; no entanto, não
conseguia lembrar por quê. Tinha certeza de que a razão partiria seu coração.
Havia algo que ele perdera. Teria chorado se não tivesse começado a ver…
Misurno, seu professor, seu copiloto na rota de Fentersohn, que em suas
jornadas sempre falava sobre seus anos lutando contra piratas, rebeldes e
Separatistas em seu caça estelar; cujo hálito fedia e que fazia piadas sobre o
quanto tratava mal os cadetes, mas que, quando bêbado, chamava Bodhi de
seu melhor amigo, seu único amigo.
Galen Erso, que não era muito diferente de Misurno, dizendo a Bodhi:
“Não há nada de corajoso na obediência cega. O droide mais simples faz
aquilo que lhe mandam, sem nunca questionar ou decidir. Se quer saber o que
estamos construindo, Bodhi Rook, você poderia simplesmente perguntar”. E
ele não perguntara, não naquele momento, não ainda.
Seu transporte de cargas em chamas, as mãos queimando enquanto mexia
nos controles, tentando ganhar altitude para se afastar dos tiros vindos do
chão, disparados pelos rebeldes. Alguém gritava no compartimento traseiro,
mas ele não podia fazer nada, apenas voar, apenas torcer para que os
stormtroopers e os caças TIE interviessem…
Bodhi não sabia se essas coisas aconteceram ou não.
Já não conseguia nem se lembrar de como respirar, e sentiu um aperto nos
pulmões.
– O lamentável efeito colateral – a voz fantasmagórica de Saw Gerrera
disse – é que a pessoa tende a enlouquecer.

A distância, a cidade parecera tão silenciosa quanto o deserto – sua desolação


quebrada apenas pelo retumbar das naves estelares. Mas, de perto, as ruas
estavam mergulhadas no som da vida cotidiana de Jedha: as pessoas andando,
os gritos e barulhos dos comerciantes, a cantoria monótona dos peregrinos e o
zumbido das máquinas. Em meio a esse barulho todo, havia os sons da
ocupação: vozes distorcidas de stormtroopers exigindo scandocs em pontos
de inspeção, o rugido de incêndios incontroláveis em setores disputados e o
eco de disparos esporádicos de blaster.
Jyn conhecia muito bem os sons da ocupação. Eram os sons de seu lar.
– Ainda temos algumas boas horas de luz do sol – Cassian disse. Jyn o
seguiu por uma cortina e entrou em um beco transformado em sala de estar
por uma colônia de Kubaz; os dois ignoraram os alienígenas de nariz longo e
seguiram entre cobertores e panelas cozinhando. – Provavelmente vamos
precisar dessas horas. Existe um toque de recolher ao pôr do sol, e não quero
ter de atravessar o deserto depois de escurecer.
– Nada de turismo, então?
– Nada de turismo.
Quando viraram uma esquina e saíram por outra cortina, entraram em uma
multidão confinada por uma rua estreita. Jyn esbarrou em um transeunte,
depois sentiu um empurrão. Levou a mão sob a jaqueta, procurando pelo
bastão, e seu agressor disse:
– É melhor olhar por onde anda!
Procurando briga. Seu olhar vislumbrou o rosto do homem – um
semblante que mal era humano, distorcido por queimaduras e cicatrizes – e
depois o segundo indivíduo – um Aqualish, com suas grandes presas e olhos
bulbosos – atrás dele.
Poderia derrotar os dois. Seu coração repentinamente se acelerou. Jyn
abriu um sorriso frio.
– Não, não… – Cassian agarrou seu braço, puxando-a de volta para o fluxo
da multidão. – Não queremos nenhum problema. Desculpe.
A onda de adrenalina minguou. Sem uma distração imediata, sua mente
retornou, espontaneamente, para uma imagem do rosto de seu pai – um rosto
quase quinze anos desatualizado, mas ainda o rosto de um homem que a
abandonara para servir ao Império. Chutou a areia e sacudiu a cabeça quando
Cassian começou a falar.
– Então, e agora? – ela perguntou.
Se notou seu desconforto, Cassian não demonstrou. Acho bom mesmo, ela
pensou.
– Eu tinha um contato – ele disse. – Um dos rebeldes de Saw, mas ele
desapareceu. Sua irmã está procurando por ele.
– Que família encantadora.
– O templo foi destruído, mas ela estará lá, esperando. Existem muitos
peregrinos que tornam aquele lugar um bom esconderijo em plena luz do dia,
um local para ser usado como ponto de troca. Vamos contar para ela o seu
nome. Nossa esperança é que isso nos consiga um encontro com Saw.
– Esperança? – Olhou para Cassian com ceticismo. – Isso é o melhor que a
Inteligência Rebelde pode fazer?
Cassian quase desdenhou.
– Rebeliões são feitas de esperança.
A multidão diminuiu na rua seguinte. Jyn puxou o capuz sobre a cabeça
quando passaram por um esquadrão de stormtroopers batendo em portas e
maltratando os residentes. Dessa vez não procurou sua arma; ficaria tentada
demais a usá-la. Ignorou os apelos dos cidadãos de Jedha e se concentrou nas
palavras de uma propaganda holográfica do Império perto dali. Falava sobre
um fugitivo armado que vestia um traje de voo Imperial.
Esperou até se afastarem dos stormtroopers, depois perguntou:
– Isso tudo é por causa do seu piloto?
Cassian não se deu ao trabalho de responder.
– Espere por mim – ele disse, depois desapareceu na multidão.
Jyn concordou de má vontade e começou a lentamente circular por um
conjunto de tendas de comerciantes. Fingiu interesse ao estudar o conteúdo
das lojas – tecidos bordados a mão, frutas tão marrons e envelhecidas que só
podiam ter crescido perto dali, pedaços de pedras supostamente retiradas dos
templos arruinados nos desertos – e evitou olhar diretamente para os
vendedores ambulantes. Ainda podia ouvir a propaganda holográfica ao
longe (“seu nome é Bodhi Rook”), mas o canto de um peregrino aumentou de
volume até superar quase tudo o mais. A voz repetia um simples refrão: “Que
a Força dos outros esteja com você”.
Apanhou um aquecedor do tamanho da palma da mão que um comerciante
prontamente tirou dela. Sua mente começou a vagar e Jyn temeu que fosse
voltar a pensar em Saw e em Galen Erso, porém a cantoria ressoava dentro de
seu crânio. O som a seguiu enquanto andava, até que teve certeza de que o
peregrino responsável havia começado a segui-la.
Olhou rapidamente sobre o ombro. O canto cessou. Atrás dela havia uma
velha senhora com mãos enrugadas, negociando o aquecedor que havia
interessado a Jyn. Não o dono da cantoria.
– Você trocaria o seu colar por um vislumbre de seu futuro?
A voz do peregrino. Jyn estranhou e deu outro passo adiante, tentando
localizar a fonte.
– Sim, estou falando com você. – Sem a sobriedade monótona da cantoria,
a voz parecia carregar um humor gentil.
Finalmente encontrou o peregrino, sentado no chão a poucos passos da
linha de tendas. Vestia-se de modo simples, com uma camisa escura e uma
túnica cinza no estilo local, e sua pele macia contrastava com os anos que
contaminavam suas palavras. Seus olhos eram leitosos e sem foco, e ao seu
lado havia um robusto cajado de madeira. Ainda existem árvores em Jedha?,
Jyn pensou.
– O seu colar? – o homem repetiu.
Jyn sentiu o cristal contra a pele. O colar ainda estava escondido, oculto
sob camadas de tecido.
E o homem era cego.
– Sou Chirrut Îmwe – o homem disse.
– Como sabia que eu estava usando um colar? – Jyn perguntou e se sentiu
uma tola dizendo isso, uma óbvia turista.
As palavras seguintes de Chirrut apenas confirmaram seu instinto.
– Para essa resposta você precisa pagar.
Era a atitude de um enganador. Jyn tirou sua atenção de Chirrut para
procurar por seu parceiro (ele tinha de ter um parceiro, alguém que tivesse
percebido o colar) e imediatamente encontrou: um homem enorme com
cabelo tão selvagem quanto o de Chirrut era comportado, vestindo um traje
de voo civil todo sujo e uma armadura de plastoide gasta, escondida apenas
parcialmente sob um manto. Carregava nas costas um gerador conectado a
um canhão blaster que levava casualmente em uma das mãos. Sua postura
exibia a estoica confiança de um guarda-costas, sem temer ladrões ou
stormtroopers.
– Como você sabia que eu estava usando um colar? – Jyn perguntou ao
segundo homem, que sacudiu a cabeça lentamente e riu. Sob outras
circunstâncias, poderia ter admirado sua arma. Mas agora não queria lhe dar a
satisfação.
– O que você sabe sobre cristais kyber? – Chirrut perguntou. Seu tom foi
paciente, encorajador.
Ela deveria ir embora. Deveria se recusar a morder a isca. Porém, a voz de
Chirrut parecia ressoar como seu canto e exigia uma resposta.
– Meu pai – ela eventualmente disse, e foi menos amargo que esperava. –
Ele dizia que era a fonte de energia dos sabres de luz dos Jedi.
Chirrut assentiu com a cabeça. Jyn separou os lábios, tentou falar antes que
a voz do homem cego invadisse novamente seu crânio, mas outro som a tirou
daquele transe.
– Jyn – disse Cassian, de maneira contundente, mas discreta. – Vamos.
Ela forçou a desconexão com Chirrut e deu três passos ao lado de Cassian
antes de as palavras seguintes do peregrino a alcançarem:
– As estrelas mais fortes têm corações de kyber.
Seu colar parecia queimar em meio ao frio.
– Vamos – Cassian repetiu.
Ela não resistiu olhar de volta para o peregrino (ou enganador) e seu
parceiro. Mas acabou dispensando a mão de Cassian que a puxava e o seguiu
voluntariamente pela rua.
– Não estamos aqui para fazer amigos – ele murmurou. – Não com esses
caras.
– Quem são eles?
– São Guardiões dos Whills. Protetores do Templo de Kyber. Mas não
sobrou nada para proteger, então agora eles apenas causam problemas para
todo mundo.
Ela estranhou.
– Que tipo de problema?
Cassian virou a cabeça em um lento arco, como se checasse para saber se
estavam sendo seguidos.
– Para os Guardiões, qualquer pessoa que não seja um peregrino está
invadindo a terra sagrada. O Império os chama de desgarrados… Antes eram
domesticados, mesmo mendigando nas ruas, mas agora se tornaram
selvagens. Olhe torto e eles mordem a sua mão.
– Você está me fazendo gostar deles – Jyn disse. Tentou afastar seus
rostos, a voz de Chirrut, para fora de sua mente. Provavelmente eram
enganadores, mesmo se algum dia já foram religiosos devotos. Fora isso, não
conhecia o suficiente as religiões locais para especular; peregrinos de uma
centena de crenças atravessavam a galáxia para viajar até aquela lua e todos
se misturavam no mesmo culto patético, entoando cânticos e gemendo e
contorcendo-se sob as botas do Império.
Cassian não respondeu. Seu ritmo se acelerou.
– Você ficou tenso de repente – ela disse. – O que estava fazendo lá atrás?
– Encontrei um velho associado. Ele não sabia nada de novo sobre Saw
Gerrera, mas disse que ouviu rumores.
– Que tipo de rumores?
Aproximavam-se do Quarteirão Sagrado, e o ambiente estava mudando. As
ruas eram mais largas – igualmente antigas, mas não mais maculadas pelos
séculos de expansão, de camadas sobre camadas de construções residenciais e
comerciais. Diminuía o número de vendedores e seus clientes, substituídos
por peregrinos em túnicas, véus e mantos, sempre em tons vermelhos.
– A procura pelo piloto – Cassian respondeu. – As inspeções de porta em
porta… Houve tiroteios ontem à noite, um casal de idosos foi morto em casa,
outros civis foram detidos. Ninguém sabe se eram inocentes ou se sabiam
algo sobre o desertor, mas dizem que Saw Gerrera está planejando uma
represália.
– Isso não parece algo que Saw faria – Jyn disse. Cassian lançou um olhar
cético e ela rapidamente se explicou: – Não que ele não fosse arranjar ataques
de vingança, mas, se mordesse uma isca dessas fácil assim, o Império já teria
apanhado Saw há muito tempo.
Cassian pensou um pouco, como se processasse as palavras.
– Pode ser que meu associado esteja errado. Pode ser um dos homens de
Saw planejando o ataque sem a supervisão do próprio Saw. Ou pode ser que
Saw ache que o Império está vulnerável agora, distraído pela busca ou outra
coisa que não sabemos. De qualquer maneira, temos que correr. A cidade…
está prestes a explodir.
Passaram por um mural cujas cores desbotaram havia muito tempo. Jyn viu
lascas na pedra e um fragmento de granada encrustado no muro. Ela riu de
um jeito gutural.
– Acho que já explodiu – ela disse, mas não diminuiu o ritmo.

Eles alcançaram uma rua elevada cuja vista se abria para uma grande praça.
A sombra de um transporte aterrissando se espalhava sobre o chão enquanto
um esquadrão de stormtroopers espantava pessoas que dormiam na rua,
empurrando-as para as adjacências. Jyn ficou surpresa pela agressão – em um
local confinado, um esquadrão não conseguiria reprimir uma revolta – até ver
o tanque de assalto que dobrava a esquina para se juntar às forças Imperiais.
Seus canhões blaster poderiam demolir um quarteirão inteiro. Jyn não
duvidava que seus pilotos estivessem ansiosos por um desafio.
Seguros na parte traseira do tanque, havia os mesmos compartimentos de
carga que ela vira por meio dos quadnocs, longe da cidade. Os cristais kyber,
extraídos do solo ou roubados de cidades sagradas.
As estrelas mais fortes têm corações de kyber.
Jyn indicou os compartimentos para Cassian com a cabeça. A atenção dele
estava em outro lugar. Vasculhava os telhados, seu olhar voltando
periodicamente para os civis alinhados ao longo do limite da praça. Para um
olhar não treinado, aquelas pessoas apenas vestiam casacos e sobretudos
volumosos.
Quando Jyn percebeu o que estava acontecendo, ficou surpresa por os
stormtroopers ainda não terem disparado. Mas os Imperiais pareciam
completamente alheios – quase dava pena.
– Quanto falta até encontrarmos o seu contato? A irmã do homem de Saw?
– ela perguntou, quase sussurrando.
– Meia dúzia de quarteirões – Cassian murmurou. – Mas não acho que ela
vai ficar muito tempo por ali.
Um Duros enrugado subiu os degraus do nível inferior e passou por Jyn e
Cassian. Seus olhos insectoides evitavam o transporte, que agora estava no
chão, o tanque e todos os outros seres vivos ao redor.
– Diga que você tem um plano B – Jyn disse. – Ou prefere pedir algum
conselho para esses caras antes de o tiroteio começar?
– Precisamos sair daqui – Cassian pronunciou as palavras como se
estivesse praguejando.
Jyn não viu quem jogou a primeira granada. Ouviu o som do artefato
atingindo o pavimento apesar do barulho dos veículos, do burburinho nos
telhados e das ordens dos stormtroopers. Um lampejo de luz do sol chamou
sua atenção para a esfera de metal que quicou uma vez, rolou um metro na
direção do tanque, depois desapareceu em uma erupção de pedaços da rua,
fumaça e estilhaços. Sentiu o baque da explosão ressoar em seus dentes.
Ouviu uma dúzia de casacos e sobretudos sendo retirados ao mesmo tempo,
depois o clique surdo de pistolas e fuzis sendo preparados.
O ar ganhou o brilho pulsante de uma centena de disparos.
Centelhas quicaram em muros de pedra antiga. O cheiro nocivo de
armaduras de plastoide queimando e do ozônio da atmosfera vaporizada de
Jedha irritou o olfato de Jyn. Uma saraivada de tiros cruzou o nível superior
da praça – ela não sabia se começou com um stormtrooper ou um insurgente
– e Jyn reagiu instintivamente, correndo com Cassian para o frágil abrigo da
moldura de uma porta e apertando-se contra ele.
– Parece que encontramos os rebeldes de Saw – ela disse. Seu blaster já
estava em mãos. O dedo, sobre o gatilho.
Se Cassian respondeu, Jyn perdeu as palavras no meio da confusão. Tentou
analisar o campo de batalha, identificando cada combatente, mas o caos era
demais. Aquele não era mais seu tipo de luta; havia pessoas demais em cada
lado usando táticas em que há muito tempo ela já não pensava. Todo o
treinamento de Saw, os longos meses observando carnificinas holográficas e
os anos de emboscadas com seus soldados emergiram com toda a força em
seu cérebro. Avistou apenas momentos: um stormtrooper atingido no visor
enquanto recarregava o blaster; um rebelde sangrando nos degraus e
desesperadamente procurando abrigo; os canhões do tanque se erguendo,
mirando na direção de uma loja cujo teto apoiava um trio de rebeldes.
Debaixo do toldo da loja havia uma garota; dez anos de idade, no máximo.
Provavelmente uma peregrina, Jyn pensou. A garota tremia, olhando vidrada
para o combate. Totalmente paralisada.
Jyn saiu do abrigo da porta e correu para a loja. Cassian chamou seu nome,
mas para ela isso não significou nada.
Jyn não viu o tanque abrir fogo. Ela agarrou a garota, erguendo seu corpo
leve, e não parou de correr quando pedras voaram e fagulhas atingiram suas
costas como chuva. A fúria a fez seguir em frente, uma súbita repulsa que
esteve enterrada e esquecida sob a escotilha em seu cérebro: um horror
violento a Saw Gerrera, seu pessoal e o preço de suas táticas.
Jyn poderia ter chutado a mulher que apareceu na sua frente, se a garota
que carregava não tivesse se contorcido e girado, quase saltando para os
braços abertos dela. Jyn a soltou, ignorou a mulher falando e a dispensou.
Se ficar agrupada, você morre, ela pensou. O velho treinamento estava
retornando, afinal de contas.
Ela não estava exposta. Sabia disso. Vasculhou a praça, procurando um
abrigo e Cassian. Ela o avistou fora da porta onde se protegeram,
estupidamente, perigosamente perto do tanque, e percebeu que ele já a
avistara. Empunhava seu blaster e disparou uma série de tiros sobre a cabeça
dela. Jyn girou o pescoço a tempo de ver o alvo de Cassian: um rebelde
posicionado em outro telhado atrás dela.
Um instante depois, o alvo de Cassian e seus companheiros rebeldes
desapareceram no meio do fogo de uma explosão. Jyn podia apenas pensar
que um dos rebeldes estava mirando o explosivo nela.
Cassian atirou contra um dos rebeldes de Saw para salvar a vida dela. Jyn
achou que fosse ficar angustiada, dividida diante daquilo.
Mas não.
Correu na direção de Cassian. Agrupar realmente poderia matá-la, mas não
planejava ficar na praça e não gostava da ideia de ter de escapar de Jedha
sozinha. Saltou sobre Cassian quando outra granada atingiu o tanque. Jyn o
derrubou e o protegeu dos estilhaços de metal que voaram pelo ar.
Cassian a ergueu do chão e soltou um “Vamos!” sem fôlego. Ele não
agradeceu, e Jyn se sentiu grata por isso.

Eles conseguiram se afastar cinquenta metros da praça antes de encontrarem


outro esquadrão de stormtroopers. Meia dúzia de soldados bloqueava o beco
onde Jyn e Cassian haviam entrado, avançando cuidadosamente pelo
Quarteirão Sagrado como se esperassem que as ruas estivessem minadas.
Jyn praguejou para si mesma. Cassian deu a volta, mas os stormtroopers
reagiram mais rápido, apontando os fuzis para ele. Um até poderia errar, mas
juntos eles o derrubariam em segundos. Jyn chamou o nome de Cassian e se
lançou adiante, puxando os bastões de seu casaco.
A luta na praça havia entorpecido seus sentidos. Seu corpo se aclimatara
com o rugido das explosões, o brilho dos tiros energéticos, o calor das
chamas e os jatos de pedra pulverizada sobre seu rosto. O breve respiro do
combate permitiu que sentisse novamente, e agora seu rosto formigava e as
pernas latejavam com a fadiga. Agarrava seus bastões com força demais,
temendo perder algum enquanto golpeava as juntas das armaduras dos
stormtroopers. Mirou em gargantas e atrás de joelhos, sentiu os trajes
amortecendo sob a blindagem e golpeou de novo, e de novo, esmagando as
próprias unhas sob a pressão que exercia nos bastões. Derrubou fuzis com os
ombros, enfiou-se no meio da luta para impedir que seus oponentes mirassem
nela. Jyn deixou seus golpes ditarem seu equilíbrio, movendo-se de golpe em
golpe e ignorando o baque surdo do cabo de um fuzil que atingiu suas
costelas. Quando um bastão encontrou apenas ar, quando não havia mais
nenhum inimigo ao alcance, ela cambaleou de costas até a parede do beco e
trocou um bastão por um blaster.
Disparou dois tiros, eliminando mais dois soldados que miravam em sua
direção. Jyn chutou um dos homens no chão e se virou em tempo de ver
Cassian executar o último oponente ainda de pé.
Estava pronta para desabar de exaustão. O golpe em suas costelas a fazia
querer vomitar. Mas viu uma longa sombra se estender pelo beco e então se
forçou a virar. No caminho de onde vieram os stormtroopers apareceu o
corpo de metal negro de um droide de segurança Imperial, marchando com
suas finas pernas de titânio.
Largou o segundo bastão, agarrou o blaster com as duas mãos e sentiu sua
mira vacilar quando disparou. Apesar das mãos trêmulas, o disparo atingiu o
alvo. O peito do droide soltou fagulhas e algo interno estourou. O droide
desabou no chão, apenas para revelar um segundo droide idêntico marchando
atrás.
O segundo droide parou imediatamente. O calor do cano do blaster
aqueceu os dedos frios de Jyn. Ela mirou novamente.
O segundo droide inclinou a cabeça para estudar seu colega caído.
– Você sabia que não era eu? – ele perguntou.
Jyn furiosamente vasculhou sua memória e reconheceu a voz de K-2SO.
– É claro! – ela disse, exasperada.
Cassian se juntou a eles enquanto Jyn guardava o blaster e apanhava o
bastão.
– Pensei que tinha mandado você ficar com a nave – ele rosnou.
– Você mandou – K-2SO respondeu. – Mas achei entediante, e vocês
estavam com problemas. Vi explosões demais apenas para duas pessoas
tentando se misturar.
Uma série de curtas explosões ecoou na direção da praça. Uma nova
coluna de fumaça, com faixas azuis misturadas com o negro, subiu sobre os
telhados. Outro tanque de assalto?, Jyn se perguntou. Talvez um walker?
– Acho que podemos encontrar um dos homens de Saw – Cassian disse.
Jyn notou que ele suava, apesar do frio; apesar de seu tom de voz calmo. –
De preferência alguém caído, mas ainda respirando. Talvez ele nos ajude.
– Se você quiser arrastar alguém para fora daquele matadouro – Jyn
apontou o polegar na direção da praça –, fique à vontade. Mas aposto que os
rebeldes aqui não estão muito dispostos a confiar em nós.
– Apenas fique de olho – Cassian disse.
K-2SO virou a cabeça. Jyn não sabia dizer se estava tentando ouvir alguma
coisa – concentrando-se nas frequências que um droide de segurança Imperial
podia detectar – ou olhando para Cassian com desconfiança.
– As forças Imperiais estão convergindo para nossa presente localização –
K-2SO disse.
A cabeça do droide virou de novo e Jyn seguiu o olhar da máquina até os
stormtroopers caídos no chão. Um dos soldados havia se erguido de joelhos,
com um pequeno cilindro metálico na mão esquerda. Lançou a granada sem
muita força. Antes que Jyn pudesse se mover, quando se preparava para
saltar, K-2 estendeu seu longo braço inumano e apanhou o cilindro com uma
das mãos. Um momento depois, a granada retornou perfeitamente,
descrevendo o mesmo arco de antes.
Jyn se preparou e deu as costas para a explosão. Uma voz fria dentro dela
disse: sem testemunhas.
– Sugiro partirmos imediatamente – K-2 declarou, depois partiu.

Pela primeira vez desde que cruzaram o deserto até a Cidade Sagrada,
Cassian notou o frio. A multidão nas ruas o mantivera aquecido pela maior
parte do dia; depois, durante o combate, o frio passou despercebido. Agora
que o pôr do sol se aproximava e sua camisa estava molhada de suor, notou
que tremia e que a sua respiração se condensava ao deixar seus lábios.
Se estava difícil para ele, Cassian podia apenas imaginar como Jyn
continuava de pé.
A necessidade em seus olhos dera lugar a uma raiva quase selvagem, um
instinto de sobrevivência que a guiava com uma assustadora certeza através
do caos. Mas, embora não duvidasse de seu estado de alerta, ela fisicamente
estava mais lenta. Os ferimentos que sofrera na luta com os stormtroopers
faziam-na estremecer a cada passo. Cassian também se perguntou se ela
sofrera uma concussão quando salvou sua vida na praça – a granada detonou
com uma força tremenda, e ela o protegera do pior da explosão.
Ela precisava de um droide médico. Uma chance para se recuperar. Em vez
disso, atravessava com Cassian e K-2 o labirinto do Quarteirão Sagrado, com
a cabeça baixa e a respiração forçada.
– Logo encontraremos abrigo – ele disse. Manteve os olhos adiante e a voz
calma. Duvidava que ela fosse responder bem à piedade.
De qualquer maneira, Jyn não argumentou. Cassian achou isso um mau
sinal.
Tentou se concentrar em coisas práticas. Precisavam escapar do Quarteirão
Sagrado antes que ele fosse isolado. Precisariam encontrar Saw Gerrera – e o
piloto – sem a ajuda do contato de Cassian. E, embora Jyn estivesse certa
sobre o pessoal de Saw não estar disposto a confiar neles, Cassian não
enxergava nenhum outro jeito.
Será que Saw Gerrera poderia deixar de lado as diferenças diante de um
destruidor de planetas? Parecia loucura ter de perguntar. Mas tudo indicava
que as desavenças entre Saw e a Aliança eram profundas, alimentadas por
anos de amargura que se transformara em violência; e Saw Gerrera não era
um homem que perdoava facilmente.
E transmitira isso a sua filha adotiva. Ou talvez fosse o contrário.
Jyn bloqueou o caminho de Cassian esticando o braço. De uma passagem
estreita demais para ser chamada de beco, eles observaram quando uma dúzia
de stormtroopers passou pela intersecção.
Cassian reconheceu uma rua lateral do outro lado.
– Aquela rua deve nos tirar do quarteirão – ele disse.
Jyn esperou a patrulha passar, depois prontamente correu na direção do
cruzamento. Cassian e K-2 a seguiram, mas pararam de repente quando Jyn
interrompeu a corrida. Bloqueando a rua lateral, em meio a uma pilha de
escombros, havia os destroços empoeirados de um caça X-wing.
Cassian praguejou. Não seria difícil escalar, mas ficariam expostos por
alguns preciosos segundos…
– Alto! Parem aí!
O trio se virou ao mesmo tempo na direção da voz. Os stormtroopers de
antes agora se espalhavam para bloquear a rota de fuga.
São muitos para enfrentar, Cassian pensou, mas sua mão tocou o blaster
mesmo assim. Seu cartucho de energia estava quase no fim, mas não havia
sentido em preservar seus tiros. Os ombros de Jyn caíram, porém encarava os
stormtroopers como se estivesse ansiosa para entrar na briga, contente por
não ter para onde fugir.
O líder do esquadrão acenou com a cabeça para K-2SO.
– Para onde você está levando esses prisioneiros?
Cassian sentiu algo muito parecido com esperança.
O droide encarou de volta o líder do esquadrão como se tentasse processar
uma resposta.
– Eles são prisioneiros – K-2 disse.
Cassian estremeceu. A sensação de esperança evaporou.
Mentalmente avaliou uma série de possibilidades. Talvez K-2 estivesse
tentando acessar algum programa comportamental do Império, mas sem
encontrar nada. Talvez algum protocolo desativado de lealdade Imperial
estivesse ganhando vida, graças a algum dano do hardware ou alguma
memória pessoal do líder do esquadrão.
Mais provavelmente, e o pior de tudo: K-2 era um péssimo mentiroso.
Sempre foi, desde a reprogramação. Honestidade brutal era seu estado
natural.
– Sim – o líder do esquadrão disse. – E para onde você os está levando?
– Estou levando – K-2 falava com um cuidado forçado – para aprisioná-
los. Na prisão.
Cassian canalizou sua irritação em um rosnado de raiva – um som que
rezou para que se parecesse com algo que um prisioneiro contrariado faria.
– Ele está nos levando para…
O droide golpeou o rosto de Cassian com seu braço metálico.
– Silêncio! – O golpe quase derrubou Cassian e deixou seu nariz e queixo
latejando de dor, o lábio quase rachado. K-2 se agigantou sobre ele. – E vai
ganhar outro se abrir a boca novamente!
– Nós cuidaremos deles a partir de agora – o líder do esquadrão disse.
Cassian tentou se concentrar enquanto os stormtroopers se aproximavam.
Eles empunhavam as armas, mantendo uma formação rígida, demonstrando
toda a disciplina de soldados Imperiais. Enquanto um deles apanhava duas
algemas, os outros ficaram de olho em Jyn, Cassian e o droide.
K-2 agora tagarelava.
– Não precisa. Se você puder me indicar a direção certa, eu mesmo posso
levá-los, tenho certeza. Já cuidei deles até agora…
Jyn olhou para Cassian e levou as mãos até seus bastões quando o soldado
com as algemas se aproximou. Cassian sacudiu a cabeça. Espere por uma
chance, ele disse apenas movendo os lábios, e Jyn parecia pronta para morder
quando o stormtrooper prendeu as algemas em seus pulsos. Alguns segundos
depois, Cassian também estava algemado.
– Ei – ele murmurou. – Ei, droide. Espere um pouco.
Por mais que os soldados suspeitassem, eles claramente não achavam que
K-2 fora subvertido. Se Cassian conseguisse deixar clara as suas intenções, o
droide poderia depois localizá-los na prisão, acessando o banco de dados do
Império para libertá-los.
Não era um bom plano, mas era um plano.
– Tire-os daqui – o líder do esquadrão disse. Os stormtroopers os cercaram
e se moveram em sincronia. Cassian sentiu um cano de fuzil empurrar suas
costas.
– Vocês não podem levá-los! – K-2 protestou.
– Você fica aqui – o líder disse. – Precisamos rodar o seu diagnóstico.
– Diagnóstico? Sou capaz de rodar meu próprio diagnóstico, muito
obrigado.
Não discuta, Cassian quis gritar. Lançou o olhar mais incisivo que
conseguiu sobre o droide, mas K-2 estava envolvido demais no debate com o
líder do esquadrão. Um stormtrooper empurrou Cassian e ele cambaleou para
a frente.
Se fossem capturados e a reprogramação de K-2 fosse descoberta, então
realmente não teriam uma saída. Poderiam afirmar que eram residentes da
Cidade de Jedha, mas isso não ficaria de pé em um interrogatório. Poderiam
dizer que eram desertores do grupo de Saw, mas não receberiam nenhuma
clemência.
Você estragou tudo, Cassian. E, dessa vez, vai ter de pagar o preço
pessoalmente.
Então uma voz gritou, firme e autoritária, e todos – stormtroopers,
prisioneiros e droide – pararam para olhar.
– Deixe-os seguir em paz!

Chirrut Îmwe estava debaixo de uma arcada encarando os stormtroopers com


olhos cegos. Jyn quis rir.
Cassian o chamara de Guardião dos Whills, seja lá o que isso significasse.
Ele tentara convencê-la a vender seu colar. E agora, o que estava fazendo?
Tentando virar um mártir?
Talvez fosse mais um devoto religioso do que um enganador, afinal de
contas.
– Deixe-os seguir em paz – ele repetiu, apoiando-se levemente em seu
cajado. Os stormtroopers começaram a se reposicionar, espalhando-se para se
defender contra Chirrut ou outra emboscada rebelde.
Chirrut começou a entoar um cântico e as palavras latejaram dentro do
crânio dolorido de Jyn:
– A Força está comigo, e eu estou com a Força. – Com isso, emergiu da
arcada e andou na direção dos stormtroopers. Agora estava no meio da rua,
levando a maior parte do esquadrão para longe de Jyn, Cassian e K-2SO. – E
não temo nada, pois tudo acontece como a Força deseja.
– Ei! Pare onde está! – A voz do líder do esquadrão soou irritada. Não está
acostumado a ser ignorado por civis, Jyn pensou, e sorriu sombriamente.
– Ele é cego – um segundo soldado disse.
– É surdo também? – o líder perguntou. – Eu disse: pare onde está! Chirrut
ergueu um pé do chão, e o líder do esquadrão fez um único disparo. Era tarde
demais para gritar um alerta, tarde demais para qualquer pessoa intervir. Jyn
sentiu uma inesperada angústia, uma pontada de culpa pela morte de um
homem que havia tentado salvá-la.
Mas Chirrut não estava morto. A mira do tiro foi feita com precisão, porém
Chirrut não estava morto. Um levíssimo movimento da cabeça, um olhar para
o lado, o salvara e deixara o disparo seguir seu caminho, na direção dos
prisioneiros e sobre o ombro de Cassian.
Stormtroopers que haviam hesitado em atirar contra um homem cego
ajustaram suas armas com mãos nervosas e um renovado senso de dever. Jyn
mexeu os pulsos nas algemas, olhando para os dois stormtroopers que
permaneceram ao seu alcance.
Chirrut já estava no meio do esquadrão depois de meros dois passos. Seu
cajado repentinamente começou a se mover, golpeando atrás de pernas e
torcendo braços de forma pouco natural. Jyn se sentiu desajeitada e brusca –
enquanto ela jogava o corpo todo quando lutava com os bastões, Chirrut
derrubava stormtroopers com um delicado rodopio, um leve movimento do
pulso.
Agora estava zombando dos soldados, com a voz cheia de um humor
gentil.
– Está tudo bem com o seu pé? – Como um dançarino, saltou para o lado
quando outro stormtrooper disparou seu fuzil. O tiro encontrou um dos
colegas do soldado, e Chirrut apenas sacudiu a cabeça tristemente.
Os dois stormtroopers ao lado de Jyn observavam a luta, como se tentando
decidir se deveriam ou não se juntar ao resto do esquadrão. Jyn escolheu o
momento certo e jogou as mãos algemadas sobre o capacete do soldado mais
próximo. O metal cravou em seu punho no impacto. Desajeitada ou não,
exausta ou não, com dor ou não, ela faria o possível.
Apanhou o stormtrooper de surpresa. Tirou vantagem disso jogando o
ombro em seu peito, derrubando-o de joelhos. Ouviu Cassian e K-2SO
lutando também, ouviu gritos contínuos na direção de Chirrut, mas
concentrou-se em seu oponente. Golpeou a nuca do stormtrooper com as
algemas, acertando o capacete de plastoide – continuou golpeando e
pressionando o plastoide contra seu crânio, de novo e de novo, até ele
finalmente desabar no chão. Se tivesse certeza de que estava inconsciente,
Jyn poderia ter parado ali, mas continuou chutando ferozmente, três vezes,
até ter certeza de que ele não se levantaria mais.
Cassian e o oponente de K-2SO também foram derrotados. Chirrut estava
calmamente de pé no meio de uma pilha de corpos. Jyn mexeu seus ombros
doloridos e sentiu sangue em seus punhos machucados.
Mas a luta não havia acabado. Um segundo esquadrão de stormtroopers –
reforços, talvez, ou apenas atraídos pelo barulho – correu para dentro da
intersecção. Chirrut estava longe demais para interceptá-los antes que
pudessem mirar. Jyn procurou um abrigo, mas não encontrou nenhum ao
alcance e se preparou para desabar sobre a areia.
Ouviu o estalo de um tiro energético, mas nenhum stormtrooper havia
disparado. Um deles caiu, depois outro; um franco atirador derrubou os
soldados mais rápido do que Jyn achava possível. Quando o último estava
morto, o atirador emergiu do outro lado da rua.
Jyn o reconheceu: era o parceiro silencioso de Chirrut, aquele com os
cabelos selvagens e armadura vermelha. Em uma das mãos, empunhava seu
canhão repetidor. Na outra, havia uma balestra dourada ornamentada que
contrastava com seu equipamento gasto e prático. O homem passou a arma
para Chirrut.
– Você quase atirou em mim – Chirrut disse.
– De nada – seu parceiro respondeu. Sem olhar, disparou nas costas de um
stormtrooper que se arrastava ali perto.
Então o parceiro de Chirrut se virou na direção de Jyn e Cassian. Ergueu
seu canhão com uma expressão desconfiada, mas não inteiramente hostil.
Chirrut observava com seus olhos cegos. Vocês dois nos salvaram, Jyn
pensou. Não vão nos matar agora.
– Todos os inimigos foram derrotados! – K-2SO anunciou, avançando para
analisar os restos do combate.
Imediatamente, o parceiro de Chirrut mirou no droide. K-2SO parou e
corrigiu:
– Falta um inimigo!
– Ele está com a gente! – Jyn gritou.
– Não – Chirrut falou para seu parceiro, gentilmente. – Eles não são maus.
O homem de armadura vermelha baixou a arma outra vez. Jyn achou que
ele ficou desapontado.

Jyn esfregou os punhos e flexionou os dedos, contente por se livrar das


algemas. Já passara muito tempo algemada, já lutara muito para assegurar sua
liberdade. Até mesmo alguns minutos eram mais do que queria aguentar.
K-2SO libertava Cassian enquanto Chirrut e seu parceiro olhavam.
– Volte para a nave – Cassian disse ao droide. – Espere eu chamar.
– Você está desperdiçando o seu recurso mais valioso – o droide
respondeu, mas foi embora obedientemente. Jyn olhou para Cassian,
esperando uma explicação. Ainda estavam em perigo e, embora o droide
trouxesse uma atenção indesejada, ele se mostrara útil. Não gostava muito de
K-2, porém ele ainda era mais confiável do que seus novos aliados.
Cassian, evidentemente, tinha outras coisas em mente. Olhou para o
parceiro de Chirrut.
– Ele é um Jedi? – Cassian perguntou, com a expectativa de um homem
prestes a fazer uma grande descoberta.
Jyn pensou no cajado e na graciosidade de Chirrut na luta. Era isso que um
Jedi fazia? Sua mãe lhe contara histórias sobre os guerreiros místicos e
guardiões da República nos séculos que antecederam o Império e que
acreditavam em uma Força que guiava as criaturas vivas.
Jyn nunca acreditou realmente nessas histórias. Nos Jedi, sim, mas não na
lenda.
– Não existem mais Jedi – o parceiro de Chirrut disse. – Apenas
sonhadores como esse tolo aqui.
Chirrut deu de ombros.
– A Força me protegeu.
– Eu protegi você – seu parceiro respondeu.
Se Cassian ficou desapontado, Jyn não sabia dizer. Mas estava disposta a
aceitar aquilo que o parceiro de Chirrut dissera. Era mais fácil acreditar no
que existe agora do que em algo que pode ter existido há muito tempo.
Ela segurou as próximas palavras, sentindo o gosto amargo antes de
perguntar:
– Vocês conseguem nos levar até Saw Gerrera?
Já estava comprometida com a missão. É melhor ir até o fim.
Chirrut e o parceiro não tiveram a oportunidade de responder antes de
ouvirem alguém gritando:
– Mãos ao alto!
Guerreiros rebeldes emergiram de becos e telhados. Jyn reconheceu vários
que estiveram na praça. Queria gritar de raiva – parecia que, por horas, não
fizera nada além de lutar: seu corpo fora drenado de toda energia, havia se
transformado em uma coleção de ferimentos e músculos doloridos.
Cassian foi o primeiro a baixar a arma. Jyn o seguiu. Cassian falou algo
apenas movendo os lábios: não são inimigos.
– Não conseguem ver que não somos amigos do Império? – Chirrut
perguntou. Já havia posto sua balestra no chão. Até seu parceiro havia
desistido de seu canhão.
Um rebelde se aproximou: um magro Tognath de rosto cadavérico,
vestindo couro e usando um respirador mecânico, que falou em seu dialeto
nativo.
– Diga isso para aquele que matou nossos homens.
Jyn olhou para ele. Em sua mente, viu Cassian atirando com seu blaster na
praça, sentiu a granada explodir sobre sua cabeça. Lembrou-se da frieza da
sensação, da falta de culpa que sentira. A vergonha agora a encontrou e
apertou seu coração, mas ela rasgou essa sensação com raiva.
Eram homens de Saw. Se estivesse vivo, ela saberia como lidar com eles.
– Qualquer pessoa que me matar ou que matar meus amigos terá de
responder a Saw Gerrera – ela disse.
Os rebeldes se mexeram com inquietude, murmurando uns para os outros.
Um deles riu asperamente. O Tognath inclinou a cabeça para o lado, como se
tentasse reconhecer o rosto de Jyn.
– E por quê? – ele perguntou.
– Porque Saw sabe quem eu sou – ela disse. – Porque eu sei quem ele é.
Porque eu já lutava ao seu lado quando a maioria de vocês ainda chorava na
cama em vez de lutar. – Começara escolhendo cuidadosamente as palavras,
mas agora elas se derramavam espontaneamente. – Já vi aquele homem em
seu pior. Sei exatamente o que ele faz quando se sente traído, mas eu ainda
estou viva.
A escotilha quebrada tornava mais fácil para Jyn se deparar com memórias
indesejadas. O combate na praça foi só mais um entre centenas de conflitos
sangrentos aos quais ela mal sobrevivera, aos treze, catorze ou quinze anos, e
já sabendo lidar com um blaster. Agora se lembrava dos olhares de seus
companheiros rebeldes, os sussurros por trás de suas costas. As coisas que
imaginavam sobre ela. As coisas em que acreditavam.
– Porque – ela finalizou – eu sou a filha de Galen Erso.
O Tognath a observou por um longo momento. Todos, amigos ou
inimigos, permaneceram imóveis.
– Levem-nos – o Tognath disse.
Dois rebeldes agarraram Jyn. Ela não resistiu. Um pano áspero raspou seu
nariz e ela lutou para respirar através do saco que cobriu sua cabeça. Ouviu
Cassian chiar perto dela, ouviu um rosnado do parceiro de Chirrut. E, então, a
própria voz de Chirrut:
– Você está brincando? Eu sou cego!
CAPÍTULO 5

CASSIAN ESTAVA CEGO SOB O capuz, mas, embora não tivesse os sentidos
sobrenaturais de Chirrut, ele sabia ouvir.
Durante a longa marcha saindo da Cidade Sagrada, ouviu atentamente seus
captores. Ouviu os códigos que murmuravam para aliados ocultos que lhes
concederam passagem para fora do assentamento e para dentro do deserto.
Ouviu quando ficaram confusos, depois a breve alegria e então o silêncio
sombrio quando o Destróier Estelar acima de Jedha encolheu no céu
crepuscular. Ouviu o Tognath afirmar calmamente:
– Saw saberá o que isso significa.
Ouvia a incessante cantoria de Chirrut (Que a Força dos outros esteja com
você. Que a Força dos outros esteja com você), abafada pelo saco na cabeça.
O efeito combinado parecia ao mesmo tempo profundo e absurdo.
Mais do que tudo, Cassian tentava ouvir Jyn. Tentava ouvir se estava com
dificuldades. Tentava ouvir sua voz. Tentava determinar quais passos na areia
eram os dela.
Se dependesse do que ouviu, ela podia ter desaparecido da face de Jedha.
Era a preocupação que o fazia se fixar nela? Sua missão era encontrar Saw
e, por meio dele, encontrar o piloto, encontrar provas de uma arma Imperial
que poderia mutilar a galáxia Se possível, também deveria encontrar e
eliminar Galen Erso – o homem que provavelmente era o culpado da criação
daquela arma. Jyn era, em primeiro lugar, um meio para encontrar Saw. Ela
já servira a esse propósito, o que significava que agora era descartável.
Mas Jyn continuava a dominar seus pensamentos. Cassian acreditava que
não era uma questão de pena ou pragmatismo.
Sacrificara Tivik sem hesitar.
Talvez fosse a necessidade que ele enxergara em Jyn, o fogo que a
carregara durante o combate no Quarteirão Sagrado. Parecia obsceno deixar
essa necessidade sem uma resposta, abandonada na areia.
Já era tarde da noite quando o bando deixou o deserto, ganhou os declives
rochosos da encosta de uma montanha e, dali, seguiu até os corredores cheios
de ecos de um abrigo de pedra. Cassian reconheceu os passos pesados do
parceiro de Chirrut ao seu lado e arriscou um murmúrio:
– Andamos quase metade do dia. Um templo?
– Um monastério – o homem disse. – As Catacumbas de Cadera, que
descem até os mortos.
O nome não significava nada para Cassian.
Tentou contar as vozes rebeldes a distância, mas rapidamente perdeu a
conta. Haviam chegado a algum tipo de base: armas tilintavam e aquecedores
zumbiam, e pesadas portas se abriam e se fechavam com violência. Gritos de
triunfo e o ruído de peças de madeira sobre algum tabuleiro sugeriam a
presença de guardas entediados ou soldados fora de serviço. Sem aviso, o
capuz de Cassian foi retirado e um forte chute acertou suas costas. Ele girou a
tempo de ver a sombra borrada da porta de uma cela se fechando. Piscou
furiosamente para se ajustar à escuridão.
A cela não passava de uma alcova apertada, esculpida na rocha. Chirrut e
seu parceiro compartilhavam o espaço com Cassian. O primeiro ainda
entoava suavemente (Que a Força dos outros esteja com você…), enquanto o
outro cruzava os braços sobre o peito, encarando a escuridão da caverna na
direção da porta.
Jyn não estava lá.
– Ei! – Cassian chamou. Correu até as barras e gritou. – Jyn Erso! Onde ela
está?
Ninguém respondeu.
Você é um tolo, Cassian disse a si mesmo. Eles não vão falar com você.
Mas tentarão achar a sua fraqueza.
Acalmou-se com o dúbio prazer de inalar aquele ar mofado sem a barreira
do capuz. As paredes da catacumba estavam incrustadas com esqueletos
humanoides – milhares deles; obviamente eram gerações de monges – e
cobertas com cabos de energia conectados a geradores, aquecedores e
estações de comunicação. Um punhado de guardas rebeldes sentava-se em
pequenos bancos perto dali, não muito longe de onde os equipamentos do
grupo se espalhavam sobre uma mesa. Havia outras celas, silenciosas e
escuras.
Cassian voltou a atenção para a porta e pressionou o rosto contra as barras
para olhar o painel de controle do outro lado. A tranca era mecânica, mas
conectada ao sistema do esconderijo rebelde. Definitivamente ele conseguiria
alcançá-la, achava até que conseguiria abri-la, mas não sem disparar um
alarme.
– Você reza? – o parceiro de Chirrut perguntou.
Cassian se virou e encontrou o homem falando com Chirrut, que ainda
entoava seu cântico.
– Você reza – o homem afirmou e soltou uma risada. Depois olhou para
Cassian. – Ele está rezando para a porta se abrir.
– Rezem para eu ter uma chance de trabalhar – Cassian murmurou, mas os
dois homens pareceram ignorá-lo.
Chirrut parou sua cantoria de repente.
– Ele fica irritado – Chirrut disse – porque sabe que é possível.
O parceiro de Chirrut riu novamente. O som foi breve e feio, mas Chirrut
apenas deu de ombros e falou a Cassian:
– Baze Malbus já foi o Guardião mais devotado de todos.
Baze Malbus. Cassian procurou o nome em seu banco de dados mental e
não encontrou nada.
– Agora ele é apenas o seu guardião? – ele perguntou.
Nenhum dos dois mordeu a isca. Cassian passou a mão no rosto e coçou a
barba. Certamente os dois Guardiões eram guerreiros formidáveis; e Chirrut,
Jedi ou não, meio louco, fervoroso ou sincero demais, era um eco de uma era
que o Império já havia quase apagado.
Mesmo os líderes da Rebelião raramente falavam sobre os Jedi. Será que
era comum encontrar homens como Chirrut? Homens tão seguros de sua fé
que a usavam como um escudo? Homens tão disciplinados que, mesmo
cegos, podiam derrotar uma dúzia de stormtroopers com nada mais do que
um cajado?
Quantas pessoas ainda viviam para lembrar?
Antes da ascensão do Império, Cassian teria considerado os Jedi como
inimigos. Mas ele era muito jovem, jovem demais para entender contra quem
estaria lutando e para quem estaria lutando. Agora os Separatistas estavam
tão esquecidos quanto seus inimigos Jedi.
– Por que você nos salvou? – ele perguntou.
– Talvez ela seja a única que eu tenha salvado – Chirrut disse.
Cassian grunhiu.
– Estou começando a achar que a Força e eu temos prioridades diferentes.
– Relaxe, Capitão – Chirrut respondeu. – Já estivemos em gaiolas piores
do que esta.
– É mesmo? Bom, para mim é a primeira vez.
– Existe mais de um tipo de prisão, Capitão – Chirrut disse. – Sinto que
você carrega a sua aonde quer que vá.
Baze riu novamente, mas sem a mesma explosão – apenas um som áspero
e vazio.
Cassian franziu as sobrancelhas e voltou a analisar a tranca e a caverna.
Demorou alguns minutos para perceber que ninguém havia contado a Chirrut
que ele era um capitão.

Jyn reconhecia os soldados no monastério, embora nunca os tivesse


encontrado. Conhecia suas cicatrizes: as queimaduras nas mãos, causadas por
blasters superaquecidos, os cortes no rosto e no pescoço, cortesia de
estilhaços de metal. Conhecia a postura deles: o comportamento orgulhoso e
objetivo que mantinham, prontos para receber ou revidar um golpe a qualquer
momento. Reconhecia tudo isso, reconhecia os soldados não apenas como
rebeldes, mas como os rebeldes de Saw, treinados à sua imagem, e Jyn
instintivamente espelhou suas posturas, refletiu seus olhares desconfiados.
Depois de todos esses anos, Jyn ainda fazia parte deles – e eles a odiavam
por isso.
Mas não podia culpá-los. Estavam de luto por causa dela, por causa dos
mortos na Cidade Sagrada. Estavam de luto por seus irmãos e irmãs, mortos
pelas mãos dela (ou quase isso).
Esperava agora na câmara central do monastério, um lugar repleto de
camas e estações de cozinha ocupadas pelo pessoal de Saw. O Tognath havia
deixado Jyn ali após separá-la de Cassian, com o capuz ainda na cabeça e as
mãos atadas. A questão de onde Cassian estaria agora não era mais do que
uma distração distante – como o som de um rato andando pelos dutos.
Tinha outras preocupações na mente. Saw Gerrera estava perto. Podia
quase sentir o cheiro de óleo de seu fuzil favorito. Por anos havia antecipado,
fantasiado sobre confrontá-lo; escolheu palavras duras e se preparou para a
fúria do primeiro, último e único verdadeiro guerreiro a se opor ao Império.
O confronto nunca aconteceu e ela acabou deixando a fantasia morrer.
Agora, não tinha certeza se estava pronta para a briga.
– Eu me lembro de você.
Jyn se virou para uma mulher que se aproximava. Era pálida, de pele quase
branca como giz, mas era humana, vestida com uma jaqueta blindada dois
tamanhos acima do necessário. Sua fala era arrastada. Um de seus braços se
pendurava no corpo, inerte.
– Você estava em Fashinder Prime? – a mulher perguntou, como se
tentasse identificar um conhecido.
– Não – Jyn disse e franziu as sobrancelhas. – Deve ter sido depois do meu
tempo.
Jyn tentou se lembrar do rosto da mulher, mas se deparou com outras
memórias. Viu colegas nos quais não pensava havia muito tempo.
– O Staven ainda está vivo? – Jyn perguntou.
Staven, que uma vez lhe passou um sermão por horas por ter errado a
fiação de um detonador. Staven, que lhe deu o primeiro gole de leite de
bantha fermentado e a deixou sentar com os adultos, contando piadas sujas
antes de qualquer outra pessoa.
– Não – a mulher disse.
– E quanto a Codo?
Codo, que ensinou Jyn a nadar no buraco de lama que eles chamavam de
gruta. Codo, que tentou beijá-la e parou de falar com ela depois de ser
rejeitado.
Em resposta, a mulher ergueu a mão boa, encostou um blaster imaginário
em sua cabeça e puxou o gatilho.
– Maia? – Jyn perguntou. Mas era estupidez: agora lembrava, estava com
ela quando Maia morreu. Foi Jyn quem herdou – e logo perdeu – as luvas de
pele sintética de Maia, as luvas que eram tão macias e cheiravam como a
marca carbonizada deixada por tiros de blaster.
As pessoas não falavam muito sobre os mortos entre os rebeldes de Saw.
Facilitava esquecer aqueles que se foram.
A mulher grunhiu e se afastou. O Tognath emergiu de uma porta e
retornou para o lado de Jyn. Com um movimento brusco, cortou as cordas
que prendiam suas mãos.
– Ele vai receber você agora – o Tognath disse.
Chega de distrações, Jyn pensou.
Saw Gerrera recrutava soldados endurecidos e os tornava impiedosos.
Staven, Codo e Maia, tudo o que Jyn amava e odiava neles – tudo isso era
apenas sombra diante da luz feroz de Saw.
Controlou uma tremedeira e se preparou para encontrar o homem que a
salvara da caverna.

– Lá dentro – o Tognath disse e gesticulou para a cortina de uma porta. Jyn


passou pelo tecido remendado, que se abriu como uma teia. O Tognath não a
seguiu.
A pequena câmara era um aposento espartano, construído para um monge
solitário. A vista se abria para a Cidade Sagrada através de uma janela na
rocha. Um alvorecer pálido e cinzento se anunciava atrás do horizonte e Jyn
percebeu que já não estava mais cansada; em algum momento durante a
noite, durante a marcha pelo deserto, perdera a capacidade de sentir a
exaustão comum e agora recaía sobre ela um esgotamento mais profundo.
Ouviu um forte barulho metálico. Ajustou sua postura instintivamente,
preparando-se para lutar.
– É mesmo você? – uma voz rouca perguntou.
Estava pronta, ela disse a si mesma.
Jyn virou a cabeça e olhou para Saw Gerrera.
Olhou para o que restou de Saw Gerrera.
Onde antes conhecera um soldado, surrado, mas forte, agora via um velho
que se mantinha de pé com sua armadura e perna mecânicas. Seus cabelos
escuros estavam salpicados com fios brancos, e a barba espalhava-se pelo
rosto, selvagem e desgrenhada. Seus olhos estavam atentos como sempre,
mas presos dentro de uma gaiola enferrujada.
Saw Gerrera fora o homem mais forte que Jyn conhecera. Mesmo
confinado dentro da escotilha de sua mente, enterrado na escuridão, ele se
fazia ouvir.
Odiava Saw por várias razões. Estava preparada para uma discussão. Mas,
vendo-o daquele jeito, ela quis chorar.
– Não acredito – ele sussurrou. – Jyn…
Saw andou em sua direção, e o ritmo metálico de sua perna ecoou pela
câmara.
– Deve ser uma grande surpresa – ela disse. Falou com a voz da Jyn que
queria discutir. Com a voz de uma soldada, a voz que aterrorizava
prisioneiros e exigia uma vingança fria e sem misericórdia.
Era para ser também a voz de Saw.
Mas não havia aspereza em sua rouquidão.
– Não somos mais amigos?
– Na última vez que o vi – Jyn falou, tão casualmente quanto se preparasse
um rato no espeto –, você me deu uma faca e um blaster carregado e me disse
que esperasse dentro de uma artilharia até o dia nascer.
– Eu sabia que você estava segura – Saw disse. Ele pareceu magoado.
– Você me deixou para trás.
– Você já era a melhor soldada do meu grupo. – Saw balançou a cabeça. –
Você já estava pronta e eu enxergava isso, mesmo que você não enxergasse.
As palavras dela vieram rápido demais, quentes demais.
– Eu tinha dezesseis anos.
– Eu estava protegendo você. – O erro dela pareceu dar força a Saw. Sua
rouquidão se tornou mais contundente, em uma rápida correção.
– Você se livrou de mim – Jyn disse com desprezo, mas sua voz não foi
mais do que um murmúrio. Havia chegado ali cheia de ferocidade, pronta
para usar seu fogo contra o dele. Em vez disso, Saw roubou seu calor, e agora
sobravam apenas brasas para os dois.
– Você era a filha de um oficial de ciência Imperial – Saw disse. Falou de
um jeito mais gentil do que Jyn podia suportar. – As pessoas estavam
começando a descobrir isso. Pessoas que queriam… usá-la como refém. Não
passo um dia sequer sem pensar em você…
– Pare – ela disse. Não queria aquilo. Não queria o Saw Gerrera bondoso, o
Saw Gerrera gentil, que conseguia olhar para a garota que havia criado e
sentir pena. Discuta comigo, ela quis implorar.
E então Saw estreitou os olhos, e Jyn vislumbrou o guerreiro que conhecia.
– Mas justo hoje? – ele perguntou.
Deu outro passo adiante, encarando seu rosto, sem piscar.
– É uma armadilha – ele disse. – Não é mesmo?
– O quê?
O soldado ainda existia nos destroços do homem, dentro da armadura e do
suporte, ainda com sua postura desafiadora contra seu corpo moribundo.
– O piloto – Saw disse, com uma urgência impotente. – A mensagem.
Tudo isso. – Agarrou a máscara de oxigênio na armadura, puxou-a para o
rosto e inalou ar antes de continuar. – Eles enviaram você? Você veio aqui
para me matar? – Não havia humor algum em sua voz quando acrescentou: –
Não restou muito de mim.
Jyn sacudiu a cabeça lentamente. As palavras flutuaram como montes de
poeira, como cinzas, e ela começou a compreender. Aquele ainda era o Saw
Gerrera que ela conhecia, embora enfraquecido e quase sem vida. Aquele era
o homem que sabia ter compaixão, que gostava de Jyn como se fosse sua
própria filha, mas apenas se não houvesse uma batalha para lutar – nem
alguma fantasia paranoica sobre traidores ou planos Imperiais para atraí-lo de
seu esconderijo.
– Não me importo o suficiente para matá-lo, Saw.
– Então, por que isso, Jyn? Por que vir até Jedha em nome da Aliança
Rebelde?
Ele fez seu dever de casa, aparentemente. Então queria falar sobre a missão
dela? Sobre o piloto? Que seja.
– A Aliança quer o meu pai – ela disse. – Acham que ele enviou uma
mensagem para você sobre uma arma. E acho que pensaram que, se me
enviassem, talvez você pudesse ajudá-los.
– Quem enviou você? – ele perguntou, como se a flagrasse em uma
mentira. – Foi Draven?
– O General Draven, Mon Mothma, todo o maldito conselho – Jyn
respondeu secamente. – Eu não os conheço, Saw. Estou fazendo esse trabalho
porque é algo que preciso fazer.
Saw se virou, apanhou uma bengala e se apoiou pesadamente sobre ela.
Sua mão tremia.
– Então, o que é que você quer, Jyn? Esperou que eu fosse recebê-la de
volta de braços abertos? E ignorar os mortos na cidade?
Ela quase riu. Mas se segurou e sorriu amargamente.
– Quero que me deixem em paz. Eles queriam ser recebidos, e
conseguiram. Você deveria falar com seus prisioneiros, não comigo. –
Novamente, aquele pensamento distante sobre Cassian. – Já fiz minha parte.
Vocês podem fazer o que quiserem agora.
A bengala tremia na mão de Saw. Ela o viu cambalear e retomar o
equilíbrio.
– Você não se importa com a causa?
Jyn procurou palavras para responder. Você acha que está me testando?
Acha que estou escondendo alguma coisa de você?
– A causa? – ela finalmente disse. – Sério?
– Você era a melhor soldada do meu grupo – Saw respondeu asperamente.
– Não por causa de suas habilidades, mas porque você acreditava. – A
bengala se ergueu e depois atingiu o chão novamente, com força, e o som
ecoou por toda a câmara. – Porque você conhecia nosso inimigo como eu
conhecia. Porque estava disposta a morrer por nossa causa e nosso exército.
Ela realmente acreditara. Saw estava certo quanto a isso. Mas aquela
crença não se preservou na caverna escura de sua mente. Havia minguado lá
dentro, secado e rachado e se transformado em poeira.
– A Aliança? – ela disse. – Os rebeldes? Seja lá como vocês se chamam
hoje em dia? Tudo isso apenas me trouxe dor.
A garganta de Saw trabalhava com dificuldade. Suas narinas se dilataram,
mas ele não usou a máscara de oxigênio.
– Você não se importa com a bandeira do Império hasteada por toda a
galáxia? – ele perguntou.
Jyn deu de ombros.
Poderia ter ido embora naquele momento; poderia dar as costas à sombra
do homem que conhecera, poderia voltar para o deserto e pôr fim em suas
obrigações.
Mas Saw conseguiu magoá-la.
– Não é um problema, se você não erguer os olhos – ela disse.
Já testemunhara como Saw Gerrera encarava a deslealdade antes. Já vira
Saw derramar sangue por ofensas piores do que aquela, já o viu prender e
vendar um desertor e depois jogá-lo de um speeder na frente de um
acampamento Imperial. Sabia, também, que havia escondido o pior dos olhos
dela – métodos secretos de tortura e interrogatório que não quisera mostrar a
uma garota de quinze anos.
Agora ela queria machucá-lo.
Queria o velho fogo de Saw Gerrera de volta, na esperança de que pudesse
reacender o dela. Jyn fora até sua câmara preparada para discutir e acabou
sufocando; sua raiva desvaneceu sem combustível. A exaustão da jornada
noturna, do combate no Quarteirão Sagrado, surgiu para exigir sua parte,
afinal de contas.
Você me ensinou a sobreviver.
Mas Saw apenas pôs sua máscara de oxigênio contra o rosto e fechou os
olhos. O tremor na bengala desapareceu. Quando olhou para Jyn novamente,
parecia ter encontrado uma nova clareza.
– Tenho algo para lhe mostrar – ele disse.

Tantas coisas podem dar errado, Orson Krennic pensou, mas no momento
antes da ação – naquele instante em que o triunfo e a derrota ainda são uma
possibilidade – a galáxia parecia magnífica.
Observava a evacuação de Jedha por uma dúzia de telas, na ponte superior
da Estrela da Morte. As naves menores, os transportes pessoais dos oficiais
de alto escalão e os transportes das unidades especiais de stormtroopers
foram os últimos a decolar. O Destróier Estelar Intrépido, que ficara
posicionado sobre a cidade de Jedha, já havia se afastado da lua. Apesar dos
protestos dos comandantes das guarnições locais, as forças destacadas para
Jedha estariam seguras daquilo que estava prestes a acontecer, fosse o que
fosse.
Um dos oficiais da ponte anunciou um número: 97 por cento. Krennic
emendou seu pensamento: 97 por cento das forças militares de Jedha
estariam seguras.
Seria suficiente. Jedha era um grande moedor de carne. Uma perda de três
por cento em troca de uma vitória total resultaria em uma comenda para
qualquer general.
– Já passou da hora, Diretor. – A voz oleosa veio da direção do
turboelevador.
Krennic girou nos calcanhares e abriu um largo e respeitoso sorriso para
Wilhuff Tarkin enquanto o velho observava o alvoroço de oficiais e técnicos.
– Concordo plenamente – Krennic disse e inclinou a cabeça. – Mas, dadas
as circunstâncias, acho que seria respeitoso esperar pelo comando do
Imperador.
– O Imperador está esperando o meu relatório – Tarkin rebateu.
O sorriso de Krennic diminuiu apenas um pouco.
– Eu esperava que ele e Lorde Vader pudessem estar aqui para a ocasião.
A voz de Tarkin estava carregada de irritação e uma exasperação fingida.
– E eu achei prudente poupá-lo de qualquer embaraço em potencial.
Embaraço meu ou seu?
O objetivo de Tarkin era transparente: o homem acreditava (com sua típica
certeza grandiloquente) que a demonstração em Jedha diminuiria a estatura
de Krennic, em vez de aumentá-la. Porém, a razão por trás disso ainda era
uma questão em aberto. Krennic não descobrira nenhuma evidência de
sabotagem; seus contatos próximos a Tarkin também não revelaram nada de
útil sobre os planos do governador. E, embora o desdém de Tarkin por
Krennic fosse supremo, ele certamente teria arranjado para que o Imperador
fosse testemunha, se achasse que a “incompetência” de Krennic resultaria no
fracasso da estação.
Não. O mais provável era que as precauções de Krennic contra sabotagem
ou falhas tivessem abalado a confiança de Tarkin. O homem agora estava
limitando suas apostas. Se Krennic tivesse sucesso em aniquilar Jedha,
Tarkin tentaria levar o crédito aos olhos do Imperador. Se Krennic
fracassasse, melhor ainda.
Mas não fracassaria. A Estrela da Morte estava pronta. Assim que Jedha
fosse destruída, ele receberia sua audiência com o Imperador Palpatine – e
tinha certeza de que poderia persuadir o Imperador a entender que era ele,
não Tarkin, quem merecia os elogios.
E isso era até verdade.
– A sua preocupação é desnecessária – Krennic disse. – Os melhores
cientistas e engenheiros do Império dedicaram suas vidas a este projeto. Você
verá que nossa fé neles será recompensada.
– Se ao menos dizer tornasse isso verdade – Tarkin murmurou, apenas alto
o bastante para que os oficiais pudessem ouvi-lo em meio ao barulho da
ponte.
Krennic mal conseguiu segurar um rosnado.
– Todas as forças Imperiais – ele anunciou, passando por todas as estações
de comando – foram evacuadas, e estou pronto para destruir toda a lua. – Os
oficiais se viraram em sua direção, assumindo uma postura de atenção; os
técnicos diminuíram o ritmo, mas não pararam de trabalhar, como Krennic
havia instruído mais cedo. – O que faremos hoje já foi considerado
impossível. Uma heresia científica. Porém, nosso Império e nosso Imperador
asseguraram nosso sucesso e nos permitiram a autoridade moral necessária
para tomarmos esse passo na direção da paz. A morte de um mundo…
Ele parou quando ouviu o leve aplauso de Tarkin.
– Inspirador – ele disse –, mas desnecessário. Precisamos de uma
afirmação, não de um manifesto.
O sorriso de Krennic se contorceu e se transformou em uma carranca.
– Então o que você sugere?
Tarkin deu de ombros.
– A Cidade Sagrada será suficiente por hoje.
Krennic puxou suas luvas e sentiu o suor nas mãos, conforme sua ira
aumentava. Sua avaliação de Tarkin estava incompleta: o velho apostava
contra o sucesso e o fracasso, garantindo que mesmo o melhor desempenho
seria, no máximo, pouco espetacular.
Será que poderia subverter as ordens de Tarkin? Destruir a lua e alegar que
o poder da estação fora subestimado? Olhou para o console e depois para
Tarkin, e de volta para o console.
Não sob seus olhos. Não com tão pouco tempo para se preparar.
Encontraria outro caminho.
– Mirem na cidade de Jedha – ele disse rispidamente. – Preparar ignição
única do reator.
Krennic escondeu seu ressentimento, acalmou-se com o som de sua
respiração e a torrente furiosa do reator da estação. Não foi assim que
imaginara a culminação de vinte anos de trabalho – um ataque menor, uma
jogada de um grão-moff atrás de poder –, mas era a realidade com a qual
precisava se contentar.
– Disparar quando pronto. – Sua voz estava firme. Merecia seu orgulho,
independentemente do resultado.
CAPÍTULO 6

CASSIAN TINHA UM PLANO. Havia testado o mecanismo da tranca da cela


enquanto os guardas se concentravam em um jogo de dejarik, pressionando o
polegar contra o metal e testando os limites do alarme. Fingira fadiga,
apoiando-se contra as barras da porta para inspecionar a tranca e checar o
fabricante e o modelo. Catalogara mentalmente os instrumentos escondidos
em sua bota e selecionou aqueles que pretendia usar. Achou que poderia
escapar da cela em menos de três minutos.
Assim que os guardas se retirassem, claro. Mas estava demorando, e agora
ele estava preso com dois pensamentos incômodos:
Será que matar o pessoal de Saw Gerrera havia arruinado suas chances de
reconciliação com a Aliança Rebelde? Mesmo diante da ameaça de um
destruidor de planetas?
E onde estava Jyn?
– Quem está na cela ao lado?
Cassian tirou os olhos dos guardas e olhou para Chirrut. Foi a primeira vez
que o homem cego falou, em quase uma hora.
Baze grunhiu e se levantou.
– O quê? Onde? – Baze cruzou a alcova, empurrando Cassian levemente
com o ombro para abrir espaço na porta. Olhou para a escuridão da outra
cela: Cassian enxergava apenas sombras, mas Baze recuou abruptamente,
rosnando. – Um piloto Imperial.
Cassian estranhou e chegou mais perto, tentando ver o que Baze
enxergava.
– Que piloto?
– Imperial. – Baze deu de ombros, estreitou os olhos e pareceu avaliar a
distância entre ele e a figura esfarrapada que começava a discernir. – Vou
matá-lo.
Cassian tentou se colocar entre Baze e a porta quando o Guardião se
endireitou, com uma postura hostil.
– Não, espere! – Malditos fanáticos religiosos. Não sabia exatamente o que
Baze poderia fazer atrás das grades, mas não queria descobrir. – Afaste-se! –
Tocou o peito do homem e tentou parecer persuasivo, mas sem começar uma
briga. Baze empurrou Cassian, mas voltou para seu canto e sentou-se no
chão.
Cassian se abaixou diante das barras. A figura esfarrapada se mexeu de um
jeito estranho. Sombras se revelaram membros, cabelos, um rosto sujo de
terra e um uniforme amarrotado com símbolos do Império. O homem não
parecia enxergar Cassian; encarava o vazio entre os joelhos, encolhido como
se temesse o escuro e o frio.
Mesmo a alguns metros de distância, ele fedia a suor e sujeira.
É isso que Saw faz com seus prisioneiros?
É isso que está fazendo com Jyn?
– Você é o piloto? – Cassian chamou. O homem não ergueu os olhos. – Ei,
ei! Você é o piloto? O piloto do transporte?
O homem piscou. Cassian viu as luzes fracas da câmara dos guardas
refletirem-se nos olhos úmidos do prisioneiro. Então o homem fez um
barulho, um gemido, que Cassian quase não conseguiu entender.
– Piloto?
Chirrut falou suavemente:
– O que há de errado com ele?
Cassian sacudiu a cabeça e tentou se lembrar das palavras daquele
holograma Imperial na cidade.
– Bodhi Rook? – ele perguntou.
O homem fechou os olhos com força e se encolheu ainda mais. Cassian
praguejou para si mesmo.
Se estiver fora de si, não será útil para nós.
– Galen Erso – Cassian arriscou. Queria soar gentil, mas ouviu a urgência
escapar de seus lábios. – Conhece esse nome?
O homem chiou e virou o rosto, como se tivesse levado um tapa. Sua
respiração acelerou, alta e rítmica como a de um cachorro.
Cassian permaneceu imóvel.
Vamos lá…
O homem abriu os olhos novamente. A respiração diminuiu.
– Eu trouxe a mensagem – ele disse. – Eu sou o piloto.
Então, com um tom ao mesmo tempo de surpresa, de horror e de
esperança:
– Eu sou o piloto. Eu sou o piloto.
Saw Gerrera agarrou com sua mão trêmula a beira do console. A outra mão
se moveu com precisão, inserindo um holochip dentro de uma unidade de
comunicação e digitando um comando.
– Essa é a mensagem do piloto – ele disse. – Real ou não, pelo menos ele
achava que era real.
Jyn sentiu a garganta se fechar. Recuou meio passo, como se fosse deixar a
câmara. Não quisera encontrar Saw. Não queria ver aquilo.
Por razões que não conseguiu justificar, permaneceu ali e observou.
O holoprojetor ganhou vida e um homem que ela não reconhecia apareceu
em meio a uma luz azulada. Era magro, mas não abatido, como alguém
morrendo sob os cuidados mais gentis, e olhava para além do gravador. Seu
rosto provocou algo dentro de Jyn que ela não conseguia verbalizar – alguma
memória primordial distorcida pelo peso dos anos.
Quando ele começou a falar, ela reconheceu sua voz.
– Saw, se você está vendo isto – Galen Erso disse –, então talvez exista
uma chance para salvar a Aliança. – As palavras tinham o ar de uma
confissão no leito de morte.
Meu pai está vivo. Meu pai é um covarde. Meu pai é um desgraçado.
Galen Erso não é meu pai. Galen Erso não me criou…
Jyn quis (loucamente, infantilmente) correr para o lado de Saw e se agarrar
nele, por proteção. Quis socar o holoprojetor, sangrar com os cacos cravados
no punho e depois arrancar o holochip para destruí-lo sob sua bota.
Mas continuou parada, ouvindo.
– Talvez exista uma chance de me explicar e, embora não ouse esperar por
tanto, uma chance para Jyn, se estiver viva, se você conseguir encontrá-la…
– Ele perdeu a voz e sacudiu a cabeça rapidamente. – Uma chance de fazê-la
saber que meu amor por ela nunca diminuiu e que sinto sua falta
desesperadamente.
Da escotilha arruinada, de dentro da caverna em sua mente, vieram
imagens, sons, cheiros: o pai de Jyn abraçando-a, dizendo eu amo você,
cheirando igual a seu uniforme Imperial.
Ela quis gritar para o holograma: O seu amor? Quem se importa com o seu
amor? Você me enviou para Saw.
Você deixou minha mãe morrer.
Você fez isso comigo.
Mas ela não disse nada, e a gravação continuou falando.
– Jyn, minha Poeira Estelar, não posso imaginar o que você pensa de mim.
Quando fui levado embora, encarei muitas verdades amargas. Fui informado
de que, mais cedo ou mais tarde, Krennic a encontraria. Ele me provocava
com isso; por meses, fingia se esquecer de você, e então deixava escapar em
alguma conversa que tinha uma nova pista sobre você ou sobre Saw. Parte de
mim ansiava por essas menções. Agora entendo que era um tipo de tortura.
Com o passar do tempo, acreditei que você estava morta ou tão bem
escondida que ele nunca a encontraria. Mas sabia que, se eu me recusasse a
trabalhar, se tirasse minha própria vida, seria apenas questão de tempo até
Krennic perceber que já não precisava de mim para completar seu projeto. –
Pronunciou essas palavras rapidamente, quase as atropelando em sua pressa.
No silêncio que se seguiu, sua boca trabalhou sem produzir som. E então
recomeçou: – Você pode achar que isso é uma desculpa. Que fui medroso e
devia ter morrido. Para ser objetivo… – Aqui, pela primeira vez, ele sorriu.
Foi um sorriso feio, cheio de esforço. – … eu deveria admitir a possibilidade.
A história vai me perdoar ou me crucificar, como é apropriado. Mas eu
gostaria apenas que me esquecesse.
Jyn ouviu as explicações de seu pai – suas justificativas – enquanto se
amontoavam, uma após a outra. Justificativas demais para considerar, demais
para rebater, anos de análises pessoais de Galen e autocensura jogadas no
espaço de um segundo. Ele tentava responder a todas as questões que ela
pudesse ter, antecipar todas as respostas, e aquele fluxo intenso negou a Jyn
uma oportunidade para lógica ou fúria.
Como poderia não o detestar?
Como seu coração poderia não se partir?
Precisava se sentar. Suas pernas vacilavam, tão instáveis quanto a bengala
de Saw.
Mas continuou de pé, observando.
– Então fiz aquilo que ninguém esperava: eu menti. – Sua voz se tornou
mais firme, como se agora entrasse em seu território. – Ou melhor, aprendi a
mentir. Atuei no papel do homem derrotado e resignado ao santuário de seu
trabalho. Eu me tornei indispensável ao mesmo tempo que preparava as bases
da minha vingança. Você pode já ter ouvido rumores, vazamentos sobre uma
estação de batalha que contém o protótipo de um laser avançado. A estação
de batalha é real. Seu canhão principal foi projetado para penetrar a crosta de
um objeto planetário, para injetar energia em um mundo até as ligações da
matéria se desfazerem. O resultado, nós acreditamos, seria a violenta
obliteração do planeta. Nada sobreviveria. Nada poderia ser reconstruído.
Essa estação de batalha… Nós a chamamos de Estrela da Morte. Não há
nome melhor.
Jyn ouviu os horrores descritos pelo pai, mas foi apenas seu tom de voz
contundente que lhe permitiu entender – seus pensamentos estavam fixos em
sua simples presença, sua história de anos de desespero e trabalho e dúvidas.
Meu pai está vivo. Meu pai é um traidor. Meu pai está construindo uma
arma para destruir mundos.
Galen Erso não é meu pai. Galen Erso não me criou…
Olhou em vão para Saw, procurou pela compaixão que havia ridicularizado
e desafiado minutos atrás. Porém, ele também observava a mensagem, com
uma expressão fria e sóbria – como se, pela primeira vez, ouvisse as palavras
de Galen e considerasse suas implicações, em vez de procurar por alguma
armadilha.
– Meus colegas – Galen disse –, muitos deles enganaram-se pensando que
estavam criando algo tão terrível e poderoso que nunca seria usado. Mas
estavam errados. Nunca uma arma foi criada para ser deixada sem uso na
prateleira. E o dia em que será usada se aproxima.
Sua cabeça se virou para longe do gravador, como se temesse dizer as
próximas palavras mais do que qualquer coisa.
– Acrescentei uma falha no interior do sistema. Uma cicatriz tão pequena e
poderosa que eles nunca encontrarão.
Jyn sabia que as palavras eram importantes. Seu pai falava com a agonia
sem fôlego de um homem que derramava sua alma.
Não era o que ela precisava ouvir. Não agora.
Já não sentia as pernas vacilando. Uma escuridão envolveu sua visão,
como se a escotilha e a caverna em sua mente emergissem para envolvê-la
por inteiro. Como se descesse, caindo, para ser trancada em seu próprio
crânio, junto com tudo o mais que havia negado.
Galen tremeu como um homem morrendo sob uma chuva gelada. Parecia
que a confissão fora demais.
– Jyn, se estiver me ouvindo… – Estava atropelando as palavras
novamente. – Minha querida, tanta coisa da minha vida foi desperdiçada.
Tento pensar em você apenas nos momentos em que me sinto forte, pois a
dor de não a ter comigo… A sua mãe. Nossa família. – Ele fez uma pausa,
tentando se concentrar, mas com um resultado limitado. – A dor daquela
perda é tão grande que a qualquer momento sinto que posso despencar. É tão
difícil não pensar em você. Em onde você está. Imagino, logicamente,
racionalmente, que você luta com a Rebelião. É difícil imaginar Saw a
direcionando a qualquer outro caminho, e você sempre teve a mesma fúria…
– Ele sorriu pela segunda vez. Agora o sorriso não foi forçado e não teve a
mesma amargura e autodepreciação. – … o mesmo senso insistente de justiça
da sua mãe. Fico aterrorizado ao imaginá-la adulta, trabalhando para se opor
à injustiça na galáxia, seja de dentro de um laboratório, seja de um caça
estelar; fico aterrorizado e acho que a Rebelião não poderia ter uma amiga
melhor. Mas e se não for o caso? Se eu estiver errado e você tiver deixado a
Rebelião e Saw para trás, e esta mensagem a alcançar mesmo assim? Você
não me deixará menos orgulhoso, Jyn. Se encontrou um lugar na galáxia não
tocado pela guerra, um lugar tranquilo, talvez com uma família, se você
estiver feliz, Jyn, então isso será mais do que suficiente.
O queixo de Jyn doía de tanto segurá-lo para conter seus gritos. Não
conseguia engolir, mal conseguia respirar. As paredes da caverna se ergueram
ao seu redor até o brilho azulado do holograma se tornar a única luz na
escuridão.
Se você estiver feliz, Jyn…
De repente, Galen voltou a se concentrar, sem hesitar e perdendo toda a
suavidade.
– Saw, o sistema do reator, essa é a chave. Foi lá que plantei minha
armadilha. É instável, então apenas um tiro em qualquer parte destruirá toda a
estação.
Jyn estava perdendo o equilíbrio. Suas pernas tremiam e sua cabeça girava.
As palavras de Galen sumiam atrás de um rugido, como o fluxo de sangue em
seus ouvidos. Tentou se concentrar na voz dele como se fosse um salva-vidas
para arrancá-la do entorpecimento.
– Você vai precisar dos planos, os planos estruturais, para encontrar seu
caminho, mas eles existem. Sabotagem por dentro é impossível: Krennic é
paranoico demais. Mas pensei sobre isso, Saw, preparei tudo o que podia para
você.
O rugido aumentava. O chão de pedra pareceu tremer e Jyn caiu de
joelhos, e o choque dolorido afastou a escuridão da caverna por tempo
suficiente para ela perceber que Saw também tremia. Sua bengala batia
rapidamente no chão.
– Sei que existe pelo menos um arquivo de engenharia completo no banco
de dados da Torre da Cidadela em Scarif. Use isso que lhe contei, analise os
planos e você será capaz de planejar seu ataque. Qualquer explosão
pressurizada no módulo do reator vai disparar uma reação em cadeia que…
Sem aviso, o holograma desapareceu. Nem mesmo as luzes de controle do
console brilhavam. A voz sumiu. Saw Gerrera gritou algo quando o
monastério se sacudiu e uma onda de poeira invadiu a janela.
Algo terrível estava acontecendo em Jedha. Jyn sabia disso.
Mas havia perdido seu pai. A caverna debaixo da escotilha arruinada a
engoliu, envolvendo-a na escuridão.
CAPÍTULO 7

KRENNIC ANDAVA NERVOSAMENTE PELA ponte sob o olhar de Tarkin, observando


os técnicos e checando todos os passos com o protocolo que havia
memorizado havia muito tempo. Alavancas foram acionadas, girando lentes
de foco dentro do núcleo da estação. Engenheiros ajustavam defletores de
radiação e bombas de ventilação ao passo que o reator principal tremia com o
esforço e seu agradável rugido se transformava em um grito assustador.
Krennic viu mais de uma mão tremer, mais de um rosto avermelhado e
coberto de suor. Mas seus oficiais conheciam suas tarefas. Fariam qualquer
coisa necessária para destruir a cidade de Jedha ao comando de seu chefe.
Obediência e capacidade, é claro, podem não ser suficientes.
Oito geradores de feixes ganharam vida no coração da Estrela da Morte.
Ali, o processo se tornava grande demais para Krennic obser-vá-lo em sua
totalidade – só na ponte superior uma dúzia de oficiais falava em seus
comunicadores, transmitindo informações para mais uma dúzia de equipes
responsáveis por monitorar e controlar a ignição final do canhão principal.
Krennic se virou dos técnicos para as telas de monitoramento, viu barras de
progresso gentilmente aumentando quando os oito feixes alcançaram a
coerência mínima.
Da concha no casco externo da estação, os feixes de luz e partículas
carregadas se concentraram em um único vértice controlado e suspenso pelos
campos de kyber. A tela principal da ponte superior brilhou com o fogo verde
que contrastava com o vazio do espaço, e Krennic deu um passo adiante,
encarando maravilhado aquela conflagração. O brilho da tela atingiu seu
uniforme branco, os capacetes negros dos técnicos, o rosto sisudo de Tarkin e
banhou todo o lugar com um tom esmeralda.
Por um momento, o nexo convergente de energia ficou suspenso no vazio.
Os músculos do corpo de Krennic se tensionaram involuntariamente. Aquele
era o momento em que tantos testes e simulações de computadores acabavam
em fracasso. Já testemunhara o nexo diminuir e morrer, ou se expandir até
consumir toda a estação. Já vira cálculos desmoronarem sob seu próprio peso
quando previsões davam lugar a achismos casuais. Também testemunhara
sucessos, mas eles não lhe davam muita confiança agora.
E então o último estágio foi desencadeado: do centro da concha de foco
veio outro feixe de partículas, invisível ao olho humano. O feixe atravessou o
nexo e formou um caminho para a liberação da energia, canalizando a
conflagração para longe da estação de batalha e na direção da esfera
amarronzada da lua de Jedha.
A atmosfera pareceu se incendiar quando o feixe a atingiu. Krennic tentou
imaginar a incineração da Cidade Sagrada e a onda de choque resultante. Sua
mente não foi capaz disso.
Certamente, ninguém poderia imaginar algo assim.
Ele havia matado uma cidade.
Poderia matar um mundo.

Todos os dias, Meggone tomava seu café da manhã antes da cerimônia da


fumaça. De acordo com certos costumes antigos, isso era uma heresia; mas
fizera isso todos os dias por mais de sessenta anos e nenhum poder cósmico
arrancou os ovos de suas mãos envelhecidas ou transformou a água de seu
cantil em sangue.
Além disso, Meggone achava que uma pitada de heresia impedia que você
mergulhasse demais nos detalhes de uma tradição.
– Cerimônias e peregrinações não aproximam você da Força – ela uma vez
dissera a um visitante desapontado em seu templo. – O máximo que fazem é
focar sua mente e seu coração.
Foi quando preparava o café da manhã em seu fogão portátil, do lado de
fora de seu pequeno templo nas montanhas, além da cidade, que Meggone
notou a silhueta negra no céu. Não passava de uma mancha para seus olhos
aguados, então tentou esfregá-los com os dedos. O borrão persistiu apesar do
esforço, uma mancha no céu pálido e acinzentado.
Ela tremeu quando ajustou o fogo do fogão. Seu corpo vinha falhando cada
vez mais ultimamente. A dor nos calcanhares havia piorado nas últimas
semanas e a verruga que sentia na nuca havia aumentado.
– Admita, Meggone – ela murmurou. – Você finalmente está ficando
velha.
Olhou de volta para a mancha no céu. Agora ela exibia um halo de fogo e o
mundo parecia mais escuro, como se a mancha houvesse eclipsado o próprio
sol. Misturado com sua confusão veio um pensamento exaltado: Talvez não
seja minha vista, afinal de contas. Então a mancha emitiu um brilho
esmeralda e sua visão se embaçou como se olhasse para uma fogueira.
Meggone sentiu o calor banhar seu corpo, mas não sentiu dor. Ela foi
incendiada por uma explosão incandescente do ar, transformando-se em
cinzas, e depois em menos do que cinzas, em um instante.
Aos noventa e três anos, ela não estava pronta para morrer.

Pendra estava de cara feia. Larn rezou para que a cara feia não se
transformasse em uma birra completa. Amava sua filha, mas já testemunhara
a pequena gritar por uma hora inteira, e ele já estava atrasado para o trabalho.
– Você vai ficar com a Tia Jola hoje – ele disse. – Ela tem aqueles
brinquedos de que você gosta, lembra? Aqueles que eram do Primo Ked?
Larn sabia muito bem que sua filha havia ignorado as naves estelares de
brinquedo na última visita à casa de Jola. Mesmo assim, se mentisse com
uma voz tranquila o bastante, sempre havia a chance de Pendra acreditar.
Em vez disso, sua filha ignorou suas palavras enquanto ele ajustava as
botas.
– Quero ir com a mamãe – ela choramingou.
Eu também, Larn pensou, depois praguejou quando tentou se levantar e
bateu os ombros na mesa da cozinha. Pendra continuava seus protestos, mas
ele já não ouvia. Larn a tirou do chão, carregando-a em seus braços, e olhou
ao redor do apartamento para ter certeza de que não estava esquecendo nada.
Aparentemente, Pendra não se lembrava da batalha no Quarteirão Sagrado.
Não se lembrava de quase morrer e ser salva no último momento por – por
quem mesmo? Não uma rebelde e não uma Imperial, mas, de acordo com
Huika, uma mulher qualquer no meio do tiroteio.
Quando foi que Jedha se transformou em um lugar tão perigoso? Nunca foi
assim. E agora estavam saindo para o trabalho, fazendo compras, como se
nada tivesse acontecido. Talvez, Larn pensou, ele poderia conversar com
Huika. Talvez ela estivesse certa sobre encontrar um jeito de deixar aquele
mundo…
Mas não hoje à noite. Hoje ele apenas queria que ela ficasse em casa,
segura.
Larn e Pendra Sillu não viram a luz esmeralda nem ouviram o trovão que
antecedeu suas mortes. Pendra ainda estava nos braços de seu pai.

A ordem para evacuação viera enquanto JN-093 estava no deserto fazendo


reconhecimento, em busca de esconderijos dos rebeldes. Tudo o que ela e seu
esquadrão encontraram foi uma pequena caverna repleta de caixas vazias de
suprimentos. Agora esperava por seu transporte – tão longe da cidade que
eles nunca voltariam a pé em tempo de seguir com a evacuação.
– Você sabe por que estamos sendo transferidos para fora do planeta? –
JN-092 perguntou. Ele andava pelo leito de um lago seco, ocasionalmente
enterrando os dedos dos pés na areia.
– Não – JN-093 disse, embora dificilmente teria contado ao Dois, se
soubesse. Ele era um stormtrooper: deveria saber que perguntar não era sua
função.
JK-027 riu no comunicador, com sua voz grave. Estava quase fora da vista,
vasculhando o horizonte de cima de uma pedra.
– Já está se acostumando com este lugar? Está com medo de ir embora?
JN-092 resmungou algum insulto que se perdeu no meio da estática. JN-
093 sacudiu a cabeça com irritação. Algo estava acontecendo entre Ka e Dois
– não sabia exatamente o quê, mas havia começado depois de voltarem de
uma noite na cantina. Ela fez uma anotação mental para questioná-los depois,
se não houvesse uma reconciliação rápida – não precisava dos membros de
seu esquadrão querendo puxar o tapete uns dos outros.
E onde está o maldito transporte?
Ka olhava para o céu agora. JN-093 sentiu uma sombra cobrir o vale,
fazendo o visor de seu capacete compensá-la automaticamente. Estranhou
quando tentou contatar o controle de transportes. Os comunicadores pareciam
estar funcionando, mas ninguém respondia.
Dois tirou seu capacete e o jogou no chão. Ele também esticou o pescoço
para olhar o céu. JN-093 preparou-se para repreendê-lo quando uma voz que
parecia surpresa finalmente soou no comunicador.
– Jota-ene-zero-nove-três, por favor confirme. O seu esquadrão ainda está
em solo?
Você se esqueceu de nós?, ela quis perguntar.
– Afirmativo – ela disse. – Ainda esperando nosso transporte.
– Desculpe, zero-nove-três. Vocês vão ficar aí mais um pouco. Acabei
de… – Uma pausa. – Eu sinto muito mesmo.
A voz foi cortada. O comunicador chiou. JN-093 chutou a areia. Ka e Dois
agora estavam juntos no leito do lago, os dois sem capacete, ainda olhando
para o céu. Ela começou a andar na direção deles. Talvez estejam fazendo as
pazes, pensou, e Dois começou a rir quando o azul do céu se transformou em
esmeralda.
JN-093 foi jogada na areia quando o chão cedeu e um vendaval atingiu o
vale. Na direção da cidade de Jedha, o horizonte brilhava como se um novo
sol estivesse nascendo – um sol de fogo branco e verde que inchou e
explodiu, espalhando destruição. JN-093 instintivamente gritou ordens em
seu comunicador, embora ninguém mais ouvisse. Esforçou-se para se arrastar
até sua equipe enquanto o vendaval crescia e nuvens negras se erguiam,
cobrindo o fogo distante.
Lutou contra o vento e a poeira incessantes por aquilo que pareceu vários
minutos. No momento seguinte, em que conseguiu ver e pensar, ela estava
atrás de uma coluna de pedregulhos agarrando Dois pelo braço. Ele tossia e
tirava areia do rosto. Um muro de destroços revoltos enchia o horizonte,
rapidamente marchando cada vez mais perto. Ka não estava em lugar
nenhum.
JN-093 finalmente pensou em olhar para a sombra no céu. Olhou para a
estrutura, indefinidamente grande e eclipsando o sol.
Conhecia uma arma quando via uma, por mais incompreensível que fosse.
– Eles conseguiram – ela murmurou. – Os rebeldes finalmente
conseguiram.
Dois soltou uma risada fraca.
– Não acho que sejam os rebeldes – ele disse.
Quando a frente da tempestade os atingiu, a armadura de JN-093 a
protegeu apenas pelo tempo suficiente para tornar sua morte dolorosa. No
último instante de atividade cerebral, sentiu que havia fracassado com seu
esquadrão.

Saw Gerrera olhou pela janela do Monastério Cadera e viu sua morte no
horizonte.
A Cidade Sagrada já não mais existia. Em seu lugar havia uma tempestade
de areia e fogo, como o feito de alguma divindade primal. O leito do vale
fluía como um oceano, salvo onde fissuras se abriam e lançavam areia sobre
si mesmas. O vento o atingiu, ardente e cheirando a ozônio. Saw respirou
fundo, inalando poeira, depois pressionou a máscara de oxigênio contra o
rosto.
Estava transfixado pela monstruosidade diante dele. Já fora testemunha de
muitas armas terríveis com o passar dos anos: feixes destruidores que
dilaceravam soldados; detonadores sônicos que deixavam residentes de
quarteirões inteiros alucinando e sangrando pelos ouvidos; vírus que se
espalhavam com o vento e se adaptavam a todas as espécies imagináveis. Ele
próprio usara essas armas e já não se abalava com a indignação da Aliança
Rebelde. Porém, agora via algo além de seus sonhos mais sombrios e se
lembrava de como era sentir medo.
Não. Não minta para si mesmo. Você temeu sua morte por muito tempo, e
ainda mais a cada dia.
Virou-se da janela, cambaleou e viu seu console faiscando com um último
pico de energia. Pensou em seus soldados nas catacumbas, considerou que
ordem dar. Mas certamente já estavam evacuando o lugar. Seus tenentes
sabiam qual era o próximo ponto de encontro e qual era o seu dever.
Sabiam bem o bastante para também saber que ele apenas os atrasaria?
Imaginou arrastar seu corpo envelhecido, preso naquela armadura
desajeitada, através dos corredores do monastério que se despedaçava,
amparado por dois guerreiros, um de cada lado. Seria uma humilhação. Uma
fantasia.
Chegou a hora, Saw. Já passou da hora.
Então, sobraria apenas Jyn.
A garota estava caída de joelhos, ainda olhando para o holoprojetor
desativado. Saw sentiu um lampejo de ira e vergonha (será que tinha se
tornado molenga, após todos esses anos?), mas afastou essa sensação de sua
mente. Independente do que Jyn havia se tornado, ela ainda era dele. Ainda
era sua melhor soldada.
Ainda sua única família.
O chão saltou e a ponta de sua bengala escorregou para longe. Saw
desabou no chão enquanto lascas de pedra se soltavam do teto. Sua armadura
amorteceu o pior da queda – a dor surgiu, como sempre, quando tentou se
mover, ao se levantar e cambalear até Jyn.
Tentou falar, praguejou contra seus pulmões debilitados e o ataque de tosse
que se seguiu. Puxou o ar na máscara de oxigênio e observou Jyn se erguer
instintivamente, sem tirar os olhos do projetor.
Ela era melhor do que aquilo. Melhor do que um piloto Imperial depois de
uma sessão com Bor Gullet.
Encontrou seu comlink, pediu ajuda com a voz rouca, mas não ouviu
resposta. Não podia contar com mais ninguém para resgatar Jyn.
Saw precisava fazê-la lembrar. Lembrar que era sua melhor soldada.
Lembrar que tinha uma missão a cumprir, uma guerra para lutar, uma Estrela
da Morte para destruir, um Imperador para executar, por todos os crimes de
uma nação.
Agarrou os ombros dela o mais forte que pôde e gritou seu nome.
– Jyn! Minha filha!
Mas Jyn pareceu não ouvir.
CAPÍTULO 8

– QUAL ERA A MENSAGEM? – Cassian perguntou. – Você pode me contar a


mensagem.
Baze grunhiu atrás dele. O piloto se recusava a olhar diretamente para
Cassian. Já era a segunda rodada de perguntas, e o piloto apenas murmurava
coisas sem sentido. Havia indicações concretas – Cassian ouvira as palavras
destruidor de planetas mais de uma vez –, mas pouco mais do que isso.
Queria arrancar as respostas à força do homem pelo qual havia ido tão longe.
Aquilo tinha de valer a pena. A mensagem, a missão, tinha de valer o
preço.
– Trouxe a mensagem – o piloto finalmente disse. – Trouxe de Galen.
Trouxe de Eadu.
Eadu.
Lembrou-se vagamente do nome em um arquivo da Inteligência da Aliança
– um planeta em algum lugar da Orla Exterior. Era um rastro que Cassian
poderia seguir.
E então as catacumbas começaram a se sacudir.
Do lado de fora da cela, crânios começavam a desgrudar das paredes e
despencar no chão de pedra. As luzes piscaram e os guardas correram para
sair da câmara externa. Um instinto absurdo e obsessivo em Cassian
implorou para que ignorasse o terremoto, para que mantivesse o piloto
falando, mas segurou essa compulsão o bastante para reconhecer a
oportunidade que havia recebido.
– Bombas de prótons – Baze disse, olhando para o teto.
Chirrut sacudiu a cabeça.
– Não. – Mas não arriscou alguma alternativa.
Cassian retirou seu kit de segurança de dentro da bota e começou a
trabalhar na fechadura, cortando fios e movendo trancas. A força do
terremoto aumentava cada vez mais, atrapalhando o movimento de suas
mãos. Finalmente a tranca soltou um clique satisfatório e a porta se abriu,
deslizando para cima – ele mal tivera tempo de puxar os braços para fora das
barras. Correu para a mesa onde os equipamentos do grupo estavam reunidos
enquanto Baze conduzia Chirrut para fora da cela.
– Vamos! – Baze gritou.
Cassian apanhou seu blaster com uma das mãos, atrapalhou-se com o
comlink na outra e transmitiu:
– K-2? K-2, onde você está?
Por favor, esteja com a nave. Por favor, não diga que você me seguiu.
Estamos tão perto…
O comlink ganhou vida com estática e uma voz quase incompreensível
respondeu:
– Aí está você! Estou aguardando, como ordenado. Mas temos um
problema no horizonte.
– Que problema? – Cassian disse rispidamente.
– Não existe mais um horizonte. Em uma nota positiva, acho que encontrei
nosso destruidor de planetas.
As catacumbas sacudiram-se e cederam, quase jogando Cassian de joelhos.
Foi só quando recuperou o equilíbrio que entendeu o que droide estava
falando.
O que estava acontecendo na superfície?
E importava? O destruir de planetas era real.
E está aqui.
Cassian sentiu uma excitação, entendendo o que haviam descoberto –
entendendo que retornaria para a Rebelião não apenas bem-sucedido, mas
extremamente bem-sucedido, como testemunha ocular do monstro que
enfrentavam. Entendendo que estava correndo perigo por causa de uma
ameaça inédita na história galáctica, e que sobreviveria ou não de acordo com
suas próprias habilidades. A excitação foi interrompida pelo frio que lhe
subiu as costas e pelo suor na testa.
– Localize nossa posição – ele disse. – Traga essa nave até aqui agora
mesmo!
– Cinco minutos para extração – o droide respondeu. – Se é que vou
conseguir chegar.
Cassian olhou de soslaio para Baze, que estava inspecionando ou
acariciando seu canhão blaster. Cinco minutos. Não era rápido o suficiente, e
era rápido demais para o que ele queria.
Jyn ainda estava desaparecida, nas mãos de Saw ou dos torturadores que
Saw lançou sobre Bodhi Rook. Agora ela era irrelevante: Cassian já não
precisava de Saw, e Bodhi poderia levar os rebeldes até Galen Erso por conta
própria.
Pior do que irrelevante, ele disse a si mesmo. Ela tentará impedir aquilo
que virá a seguir.
Tudo o que Cassian precisava fazer era esquecer a necessidade nos olhos
dela. Deixá-la para trás, assim como deixara Tivik no Anel de Kafrene. Como
deixara homens para trás em Eiloroseint e Chemvau…
– Onde você está indo? – Chirrut gritou.
Cassian já estava na metade do caminho até a saída da caverna.
– Preciso encontrar Jyn – ele respondeu. – Você leva o piloto. Precisamos
dele. Depois, se quiser uma carona para fora daqui, encontre-me no topo.
Foi tanto uma ameaça como uma oferta.
Havia pouca luz para se orientar nas catacumbas. Cassian seguiu o lampejo
de candelabros no teto e, ao se aproximar, seguiu as luzes das lanternas
carregadas pelos soldados de Saw que fugiam. Todos os rebeldes seguiam
para o mesmo caminho, e Cassian subiu as escadas e virou esquinas correndo
atrás deles. Ninguém pareceu notar a presença de um prisioneiro seguindo
logo atrás.
Escalou os degraus até o piso principal do monastério e ouviu novos sons
em meio ao retumbar da montanha e os gritos dos rebeldes que fugiam: os
motores de naves estelares e, ao longe, um terrível vento uivante como os
furacões de Squarr. Os soldados se retiravam da câmara central, levando
equipamentos sobre os ombros ou abandonando-os pelo chão. Cassian se
perguntou se algum deles sobreviveria para ver as estrelas.
Quando um rebelde Twi’lek passou correndo, Cassian agarrou o homem
pelas caudas azul-esverdeadas atrás de sua cabeça e o jogou contra a parede.
– Onde está Jyn Erso? – ele perguntou. – Para onde ela foi levada?
O Twi’lek resistiu instintivamente. Era jovem e magro – tão magro que
Cassian o havia subestimado –, mas ainda era um lutador, ainda era um
guerreiro de Saw. Ele socou as costelas de Cassian, que defendeu o golpe
seguinte e forçou seu oponente contra a parede outra vez.
– Não estou aqui para lutar. Qual é o seu nome? – ele rosnou. O garoto o
encarou, sem entender. – Qual é o seu nome?
– Rai’sodan – o garoto disse.
– Rai’sodan. – Deixá-lo com raiva não vai ajudar. Deixe-o calmo. –
Podemos brigar até este lugar desmoronar, ou você pode me dizer para onde
levaram Jyn Erso. A prisioneira de antes. Aquela que foi separada do resto.
O garoto não levou nem um segundo para decidir.
– A câmara do Saw. No nível superior. Mas não o vejo desde…
Cassian se virou e correu. Saw havia deixado o piloto para trás. Talvez – se
Cassian tivesse sorte – seria cruel o bastante para também deixar Jyn.
Subiu outro conjunto de escadas, dois degraus por vez. O monastério
produziu um som como um trovão quando alguma parte da estrutura desabou.
Cassian foi forçado a cobrir a boca e o nariz para não engasgar com a poeira.
Cabos de energia o guiaram até uma porta coberta por uma cortina rasgada,
onde tropeçou em algo macio: o corpo de uma rebelde, uma jovem com um
fuzil mais longo do que seu braço.
Nenhuma marca de blaster, Cassian pensou. Pobre garota, deve ter vindo
atrás de Saw e quebrado o pescoço durante um dos tremores.
Podia até estar viva, mas não era problema dele.
Gritou o nome de Jyn, passou pelas cortinas e encontrou o que procurava.
Jyn estava abaixada no chão da câmara, com os ombros caídos e os braços
soltos. A cada tremor do monastério ela ajustava sua postura, endireitando-se
para não cair, mas eram os únicos movimentos que fazia. Ela olhava para o
vazio. Parecia não notar a figura de armadura abaixada ao seu lado.
Saw Gerrera. Mais velho, muito mais velho do que as imagens que Cassian
viu no dossier da Base Um, mas sem dúvida era Saw.
O que ele havia feito?
Saw ergueu a cabeça. Olhos avermelhados encontraram os de Cassian. O
homem pensou por um momento, depois falou, rouco, como se entendesse a
raiva e a dúvida no rosto de Cassian.
– Não provoquei isso. Ela não estava pronta para aquilo que viu.
Cassian quis gritar: O que isso significa? Mas Saw falou outra vez, com
uma voz que impedia qualquer interrupção.
– Se você puder salvá-la – ele disse amargamente –, leve-a.
O monastério estava se desfazendo. Se K-2 estivesse vindo, chegaria em
instantes. Não havia tempo – a resposta de Saw teria de servir.
Cassian se ajoelhou ao lado de Jyn. Seus olhos estavam vidrados, sem
foco.
– Precisamos ir – ele disse de maneira gentil, mas firme.
Ela estremeceu diante do som. Nada mais. Cassian praguejou para si
mesmo.
Deixe-a para trás.
Seria mais fácil do que esperava. A necessidade havia sumido de seus
olhos. O instinto feroz de sobrevivência fora enterrado a quilômetros abaixo
da superfície. Estaria deixando para trás uma casca vazia…
– Sei onde está o seu pai – ele disse.
Jyn piscou. Seus olhos se voltaram para Cassian.
– Vá, Jyn! – soou a voz de Saw, ainda imponente, mesmo em sua
fragilidade. – Você precisa ir.
Jyn se levantou com as pernas trêmulas. Ofegava entre lábios que mal se
abriam. Olhou com uma expressão vazia para a sala, para Cassian e Saw, e
agarrou o braço de seu mentor.
Algo se passou entre Jyn e Saw que Cassian não conseguiu decifrar. Saw
falou de um modo simples e suave:
– Salve-se. Por favor.
Raiva pareceu tomar o rosto de Jyn. Mas seus dedos soltaram Saw, e
Cassian agarrou seu outro braço, puxando-a na direção da porta.
– Vamos – ele disse, e ela cambaleou um passo, depois dois.
– Vá! – Saw insistiu, agora mais forte, sua voz competindo contra as
rochas que atingiam a janela da câmara. Jyn deu outro passo, mas seu olhar
permaneceu sobre o velho rebelde.
– Não há tempo – Cassian disse rispidamente. Puxou-a de novo e agora ela
começou a se mover, hesitante, mas rapidamente, correndo para o corredor
junto com Cassian.
O grito de Saw pareceu destroçar rochas atrás deles e eclipsou até mesmo o
rugido da devastação.
– Salve a Rebelião! – ele gritou. – Salve o sonho!

Bodhi Rook entendia a distinção entre passado e presente, entre as memórias


e a realidade – apenas não tinha mais certeza de qual era qual.
Bor Gullet havia apanhado tudo o que constituía Bodhi – cada sonho e
pensamento íntimo, cada memória agradável ou esquecida – e o devastado
com seus tentáculos, que eram como bisturis. Um retalho do primeiro beijo
flutuou, rasgado e amassado, até uma pilha à direita; uma fita de cristais
kyber flutuou para a pilha à esquerda, pressionada e preservada para um
exame futuro.
Quando Bor Gullet e Saw haviam completado sua investigação, Bodhi
tentara enfiar todas as suas memórias de volta na cabeça. Agora tinha certeza
de que não se encaixavam direito.
– Eu sou o piloto!
Para quem dissera isso? Pelo menos alguém havia lhe dado ouvidos. Ou
era uma memória de muito tempo atrás?
Será que ainda estava na cela com Bor Gullet?
Não. Mas estava em outra cela. Ela cheirava a seu próprio aroma pútrido.
Seu traje de voo irritava sua pele gelada, irritava seus hematomas e deixava a
sujeira do chão invadir seus ferimentos.
O mundo inteiro se sacudia como uma nave decolando. Certamente isso,
Bodhi pensou, era uma memória?
– O piloto – uma voz disse, baixa e cheia de desprezo.
Ele se concentrou na fonte e viu através das barras de sua cela um homem
grande e com cabelos negros e selvagens. Atrás dele havia um homem
menor, que carregava um cajado.
O primeiro – o nome Baze emergiu no cérebro de Bodhi, embora não
soubesse onde o ouvira – ergueu um canhão blaster e apontou para seu peito.
O pânico ajudou Bodhi a encontrar palavras.
– Espere! – ele gritou. – Não…
Levantou-se, preparando-se para a dor da morte. Ouviu o disparo, mas não
sentiu nada.
A porta de sua cela se abriu. Baze olhava feio para ele, apontando sua arma
para o painel de controle destruído.
– Vamos! – o segundo homem gritou. Seu nome é Chirrut. – Por aqui!
Aquilo era a realidade?
Aquilo era um resgate?
Bodhi quase torceu o tornozelo em seu primeiro passo. O chão cedeu no
segundo. E então estava correndo, perseguindo Baze e Chirrut e rezando para
finalmente ter encontrado sua salvação – encontrado a receptividade que
Galen Erso prometera quando dissera para buscar a Rebelião, para consertar
as coisas.
Talvez, Bodhi pensou, talvez aquele tormento tivesse acabado.
Reconhecia o rosto de alguns que corriam ao seu lado. Havia grupos
inteiros na frente de Baze e Chirrut, correndo pelos corredores de pedra com
seus fuzis e sacolas nos ombros. Entre eles estavam os captores de Bodhi, os
homens e mulheres que o haviam amarrado, vendado e arrastado pelo deserto
quando ele havia apenas implorado para ajudá-los. Não olhavam para ele
agora, pareciam não o enxergar. Forçou ainda mais as pernas doloridas e os
pulmões frios para acompanhar o ritmo.
– Eles nos matarão – Bodhi sussurrou para Baze. – Você não conhece
essas pessoas.
Baze riu tão alto que Bodhi temeu que os rebeldes fossem se virar para
eles. Mas continuaram correndo.
– Perdoe meu amigo – Chirrut disse. – Você também acharia graça se
soubesse que ele queria matar você mais do que ninguém.
Bodhi não achou graça nenhuma. Mas um resgate era um resgate.
Correram para fora das catacumbas, subindo antigos degraus gastos pelos
séculos e ganhando o céu aberto da frígida alvorada. A luz do sol atingiu os
olhos de Bodhi com tons de azul, verde e cinza. Não se lembrava de quando
fora a última vez que viu o sol, embora Bor Gullet soubesse.
Ele cambaleou atrás de Baze e Chirrut, parando sobre uma plataforma
montanhosa cuja vista se abria para o vale. Os rebeldes haviam desaparecido,
dispersando-se para algum lugar. No vale não havia nada além de poeira:
uma tempestade de areia agigantando-se para todas as direções e rolando pelo
vale.
Baze abriu a boca, mas não disse nada. Observou a cena como um homem
em choque.
– O que você vê? – Chirrut perguntou a Baze.
Bodhi piscou para se acostumar com a luz. Quando seus olhos se
ajustaram, percebeu que o vale agora estava escuro demais. Esticou seu
pescoço dolorido, olhou para o céu e viu uma sombra como uma lua eclipsar
o sol.
– O que você vê? – Chirrut perguntou outra vez.
Vários entendimentos desabaram de uma vez. Bodhi estava em Jedha, em
nenhum momento havia deixado Jedha, e olhava para o vale onde a Cidade
Sagrada estivera. E acima dele, no céu…
– Não – ele sussurrou. – Não.
Aquilo não era um resgate. Era um truque de Bor Gullet. Era a razão de ter
deixado o Império, abandonado seus amigos, confiado nas palavras de Galen
Erso, sofrido tormentos e humilhações – para impedir a estação de batalha,
impedir o destruidor de planetas de ganhar vida. O que via não era real. Não
podia ser real.
– Não era para acontecer ainda – ele sussurrou, mas ninguém ouviu.
Era tarde demais. Era culpa sua.
Um vento escaldante cortou o frio, quase o derrubando. A tempestade de
poeira estava se aproximando.
Então ouviu outro barulho, um ruído agudo separado do retumbar da
tempestade. Descendo na direção da montanha havia uma nave: um
transporte U-wing UT-60D. A nave mergulhou desajeitada no meio da
ventania, tentando se alinhar com a plataforma onde estavam.
Baze envolveu Chirrut com o braço e começou a andar na direção da nave.
– Certo, vamos!
Por quê?, Bodhi se perguntou. Eles já haviam perdido.
Alguém bateu em suas costas.
– Anda! – um homem gritou. Ele passou por Bodhi, puxando uma mulher
pelas mãos. Bodhi já vira aquele homem antes, pensou. Lembrou-se de uma
voz gentil, quase piedosa.
Por quê?
Porque não queria morrer.
Seguiu o homem, seguiu Baze e Chirrut, através do ar que cada vez mais
engrossava com a poeira. Areia atingia sua pele e raspava seus cabelos. Não
conseguiu ouvir a rampa de embarque do U-wing descer, mas viu a abertura,
uma janela na tempestade. Os outros estavam à frente dele, correndo para
dentro, realizando o último salto com aparente facilidade. Bodhi saltou, mas
suas pernas fracas falharam. Estava caindo da rampa quando uma mão o
agarrou, puxando-o violentamente para dentro, um instante antes de a porta
da cabine se fechar.
Não viu quem foi que o salvou.
– Tire-nos daqui! – uma voz gritou. – Agora!
A cabine deu um solavanco e se inclinou. Baze, Chirrut e a mulher
agarraram-se nos assentos e apoios para não serem lançados contra a parede.
Mas, mesmo com o chão instável sob seus pés, mesmo com o lamento
metálico do vento atingindo o casco da nave, Bodhi sentiu conforto. Estava
em uma nave agora. Ele conhecia naves.
O casco chiou quando algo pesado bateu sobre o topo do U-wing. O
convés se sacudiu, jogando Bodhi no chão, apoiado sobre as mãos e os
joelhos, e ele sentiu pontadas de dor nos pulsos. Deslizou quando a nave se
inclinou para o lado. Reconheceu o som do motor (uma reconstrução da
Corporação Incom de seu 9XR padrão…) ao acelerar através da tempestade.
Bodhi se arrastou até a cabine do piloto. Nunca vira a cabine de um U-
wing antes.
Sentado à frente dos controles havia um droide e o homem que passara por
ele antes. (Cassian? Esse era o nome?) Ajustavam a aceleração loucamente,
tentando navegar entre as nuvens da tempestade de areia, tentando tirar a
nave do epicentro e manobrá-la através das montanhas que se despedaçavam.
Bodhi não os interrompeu. Observou suas mãos acionarem os controles.
Leu os instrumentos e os detectores (quase inúteis, já que não foram feitos
para aquelas condições). Sentiu o U-wing se erguer na crista da tempestade,
tremendo por todo o caminho enquanto tentava igualar sua velocidade, e viu
uma sombra invadir a cabine quando uma nuvem mais pesada e quente se
aproximou rapidamente por cima, até começar a cair.
Então, realmente morreria, afinal de contas. O resgate tinha acabado. E era
sua culpa. Se tivesse sido mais rápido, os rebeldes talvez pudessem ter
impedido o destruidor de planetas.
– Sinto muito – ele sussurrou.
Cassian e o droide não o ouviram.
Entendia que Bor Gullet já não estava mais em sua mente. Porém, a
lembrança que o atingiu foi tão vívida quanto aquelas que a criatura
evidenciara. Bodhi olhou pela janela e viu, em vez da tempestade de areia, os
tons esmeralda e turquesa de nuvens de gás titânicas. Relâmpagos como
dançarinos alienígenas saltavam de uma nuvem para outra, incendiando-as.
Bodhi ria enquanto sua nave, um transporte classe Nu que mal era viável para
ser usado em treinamentos, sacudia-se e retorcia-se, seus colegas de classe
torcendo por ele…
Era uma memória de completa serenidade. E então seu voo pelo gigante
gasoso de Bamayar IX terminou e ele olhava novamente para dentro da
tempestade de areia, enquanto a escuridão envolvia o U-wing.
– Olhem! – ele gritou, chegando mais perto da janela: na direção de um
ponto de luz, uma passagem entre a poeira, fechando-se enquanto a onda
quebrava sobre eles.
Cassian não virou na direção de Bodhi. Talvez não tivesse ouvido. Mas o
rebelde rosnou um “Vamos lá!” quando redirecionava a energia outra vez,
implorando para a nave seguir para o ponto de luz em meio ao caos que os
envolvia. E então o céu se tornou azul, depois negro, e a janela foi preenchida
por estrelas.
O U-wing saltou ao hiperespaço, e Bodhi riu no chão da cabine, com
alegria e alívio.
CAPÍTULO 9

A PONTE SUPERIOR DA Estrela da Morte estava escura, com exceção das fileiras
de luzes dos instrumentos e do brilho da tela principal. Dominando aquela
vasta tela havia os restos do vale da cidade de Jedha: uma tempestade revolta
de areia e pedra. O ar, ionizado pela energia do canhão da Estrela da Morte,
brilhava com relâmpagos. No epicentro da tempestade, a cratera da cidade
incinerada fumegava onde o feixe havia sublimado a camada superior da
crosta da lua.
Não era o destino que Krennic imaginara para Jedha. A Estrela da Morte
foi planejada para obliterar mundos, não apenas desfigurá-los. Mas não sabia
se a lua poderia se recuperar de um ataque daqueles, ou se os efeitos em
cascata resultariam em uma morte lenta, que se arrastaria por milênios. Sentia
nos ossos que sua arma expusera algo profundo – sobre a natureza dos
mundos, sobre sua essência vital e a agonia da sua morte –, embora não
pudesse expressar isso em palavras. Talvez, ele pensou, fosse para isso que
serviam os poetas.
– É lindo – ele murmurou, quebrando minutos de silêncio na ponte. Até
mesmo Tarkin respeitara a admiração coletiva dos membros da equipe
enquanto sussurravam uns para os outros e digitavam.
– Creio que lhe devo um pedido de desculpas, Diretor Krennic – Tarkin
respondeu. – O seu trabalho excedeu todas as expectativas.
Krennic fez o seu melhor para esconder sua surpresa.
– E você dirá isso ao Imperador? – Ansioso demais. Moderou seu tom de
voz; mostraria humildade, se isso agradasse a Tarkin. – Afinal de contas, esse
é o triunfo dele. O triunfo de sua visão e vontade, mais do que a de qualquer
outro homem. – Pronto. Suficiente para consertar minha ansiedade, mas não
o bastante para negar meu crédito.
Tarkin cortou o ar com um gesto desdenhoso.
– O Imperador deseja fatos, não bajulação. A sua passagem por esse
projeto foi repleta de contratempos. Contratempos que, aparentemente, você
superou. Direi a ele que a paciência com as suas desventuras foi
recompensada com uma arma que trará o fim da Rebelião.
– É muita gentileza, Governador. – Bastardo condescendente. – Mas você
também expressa minha esperança. Já vimos que a Estrela da Morte pode
destruir uma cidade ou uma base rebelde independente de escudos planetários
ou redes de defesa. E o que testemunhou hoje? É apenas uma fração do
potencial destrutivo…
O mesmo gesto de antes: uma exigência por silêncio. Sorrindo acidamente,
penitentemente, Krennic obedeceu.
– Direi a ele – Tarkin retrucou – que tomarei controle da arma que eu
primeiro mencionei anos atrás… imediatamente.
Tomarei controle?
Krennic fechou os punhos e olhou ao redor da ponte superior enquanto
segurava sua primeira e mais feroz resposta. Os oficiais não acompanhavam
o confronto – permaneciam ocupados em suas estações, checando a condição
do canhão principal da Estrela da Morte e realizando varreduras no sistema
atrás de sobreviventes.
Isso foi um pequeno conforto.
Krennic chegou o mais próximo que ousava de Wilhuff Tarkin e disse em
tom ríspido:
– Estamos no meio da minha conquista, não da sua! – Forçou a voz até um
sussurro. – Minha equipe é leal a mim. E a minha equipe é a única capaz de
operar esta estação.
Ele sabia que não era sábio ameaçar Tarkin abertamente. Podia repreender
um subordinado sem repercussões, mas não o grão-moff. E não havia um
cenário iminente no qual Krennic poderia remover ou substituir Tarkin – teria
de aguentar a existência do homem por mais algum tempo.
Mas Krennic não era alguém que sorria humildemente para sempre.
Tarkin deu de ombros como se não tivesse ouvido a ameaça – como se
tivesse certeza de que a lealdade dos oficiais era maleável demais para se
tornar um problema. Podia até estar certo.
– Temo que essas falhas de segurança desnudaram a sua inadequação
como diretor militar. O seu lugar, eu diria, é entre os engenheiros. Há muitas
iniciativas que poderiam se beneficiar de suas habilidades organizacionais…
– As falhas de seguranças foram emendadas – Krennic rebateu. – Jedha foi
silenciada.
Também havia uma falha naquele argumento, Krennic sabia. A ignição do
canhão e a tempestade resultante deixaram os sensores da Estrela da Morte
momentaneamente cegos. Era possível que sobreviventes tivessem escapado
da lua – possível, mas improvável.
Tarkin tinha um contra-argumento diferente.
– Você acha que esse piloto agiu sozinho? – Soltou uma meia risada. – Ele
foi enviado da instalação em Eadu. A instalação de Galen Erso.
Galen Erso.
Galen Erso.
A fúria fez de Krennic um tolo. Dessa vez, não conseguiu esconder sua
surpresa.
– Veremos quanto a isso – ele rosnou, depois deu as costas a Tarkin e
deixou a ponte superior.

O General Davits Draven era o terror de seus colegas e um herói para seus
subordinados. Não era o papel que queria exercer, mas acreditava que era um
papel necessário.
Como uma organização, a Aliança Rebelde se mantinha unida mais por
pressão externa do que por laços internos. A necessidade quase patológica de
Mon Mothma de realizar propostas políticas em busca de paz – independente
de seu sucesso – combinava muito mal com a política de ataques secretos do
General Jan Dodonna, que minimizava a atenção do Império e seu Senado. A
abordagem de Dodonna, por sua vez, era incompatível com o desejo de Bail
Organa de intervir rapidamente sempre que uma atrocidade Imperial ocorria.
Saw Gerrera havia efetivamente se retirado da Aliança por causa de
divergências estratégicas – mas outros membros do conselho compartilhavam
sua agenda mais agressiva. Não fosse o poder muito superior do Império –
não fosse a necessidade dos rebeldes de trabalharem juntos para sobreviver –,
a Aliança teria desmoronado em questão de meses.
Não fosse o poder do Império… e não fosse o General Draven.
Enquanto seus colegas argumentavam e mapeavam estradas para uma
vitória final imaginária, Draven mantinha um foco inabalável em proteger a
própria Aliança – em defender implacavelmente a organização e seu pessoal
ao mesmo tempo em que corrigia seus erros. Se isso lhe dava uma reputação
de arrogância ou intromissão, era um preço pequeno a pagar.
Quanto ao suposto destruidor de planetas, Draven temeu que não houvesse
nada, apenas erros para corrigir. Alguns desses erros pertenciam a ele
próprio. Mas não tinha intenção alguma de se esquivar de seus deveres.
Marchou para dentro do centro de comunicações de Yavin 4 com o queixo
erguido e os ombros para trás, da maneira como soldados imaginavam um
general. Esperava que os rebeldes em serviço perdoassem o suor na sua testa,
causado pelo calor da floresta.
– O que temos? – ele perguntou com contundência.
O Cabo Weems levantou-se imediatamente.
– Uma mensagem codificada do Capitão Andor, senhor.
Isso foi rápido. Andor era inteligente, minucioso e não particularmente
inclinado a entrar em contato durante o curso de uma missão. Dessa vez,
também precisava lidar com a garota, Erso. Draven esperava contato apenas
depois de uma semana, no mínimo.
– O que ele diz? – Draven perguntou.
Weems leu com o tom de voz deliberado de um homem que fingia não ver
o que estava vendo.
– “Arma confirmada. Cidade de Jedha destruída. Alvo da missão
localizado em Eadu. Favor instruir.”
– Destruída? – Draven ecoou. Weems apenas assentiu.
O destruidor de planetas é real.
A dúvida seguiu instantaneamente depois desse pensamento. Andor era um
ótimo agente, mas não era infalível. Sua mensagem era vaga. A transmissão
pode ter sido interceptada e alterada. Havia mil razões para que arma
confirmada pudesse não ser uma confirmação de verdade.
Mas Draven já havia testemunhado muitos comandantes usarem a dúvida
como desculpa para negar o óbvio.
Não havia acreditado no destruidor de planetas antes – não racionalmente,
não com a parte fria e estratégica de sua mente que era (ele admitia, ao menos
para si mesmo) a única coisa realmente valiosa que tinha para oferecer à
Aliança Rebelde. Se a arma estivesse ativa, então toda a estrutura estratégica
da galáxia estava mudando. Tudo o que a Rebelião havia construído, cada
plano de cada membro do conselho, teria de se adaptar.
Mas decisões urgentes precisavam ser tomadas primeiro.
A mensagem de Andor não continha nada de novo sobre Galen Erso. Essas
suposições permaneciam intactas e, se Erso era importante para o projeto do
destruidor de planetas, então talvez Draven pudesse dar à Aliança algum
tempo para respirar. Uma chance para evoluir antes que mundos, em vez de
cidades, começassem a morrer.
– Prossiga – ele disse a Weems. – Diga a ele que minhas ordens
permanecem. Diga que prossiga rapidamente e mantenha o plano. Precisamos
matar Galen Erso enquanto temos a chance.

A primeira vez em que Jyn se tornou órfã foi em uma fazenda perto do mar,
no planeta Lah’mu. Viu sua mãe ser atingida pelos tiros de um esquadrão da
morte e seu pai se render ao homem responsável, abandonando-a com um
soldado que ele mal conhecia.
A segunda vez foi nos desertos de Jedha, quando viu o homem que a criara
– o homem que lhe ensinara tudo, a quem odiava mais do que quase todo
mundo – ser enterrado debaixo de uma montanha, após ser muito gentil com
ela. Ou tão gentil quanto conseguia ser.
Entretanto, talvez nunca tenha realmente se tornado órfã. Galen Erso
estava vivo. Não o gentil fazendeiro de que se lembrava – nem o covarde e o
monstro que a deixou para trás para se tornar um criador de armas para o
Império, provocando anos de rancor. Esses dois homens também haviam
morrido em Jedha.
Havia outro Galen Erso. Tudo o que conhecia dele era uma luz azulada na
caverna de sua mente – a caverna onde ela vivia agora –, que repetia as
mesmas palavras uma vez após a outra. Palavras sobre amor e felicidade e
solidão. Desculpas para coisas feitas há muito tempo. Planos e mentiras sobre
a Estrela da Morte, um destruidor de planetas…
Meu amor por ela nunca diminuiu.
Não conseguia impedir essas palavras. Cada uma arrancava um pedaço
seu, e Jyn se agarrava a elas em busca de consolo.
Sentava-se na cabine do U-wing e olhava para seus companheiros das
profundezas de sua caverna. Observava seus rostos através da abertura
distante da escotilha quebrada. Uma parte muito pequena dela estava ciente
de sua aparência – uma criatura desarrumada, suja e exausta, completamente
catatônica com o olhar vazio – e odiou a si mesma por causa de sua fraqueza.
– Baze, diga-me – soou a voz de Chirrut. O Guardião dos Whills cego que
salvara sua vida. – Tudo? A cidade inteira?
Baze. O parceiro de Chirrut tinha um nome. Sentava-se ao lado do homem
cego com os olhos voltados para a parede. A luz azul-esbranquiçada do
hiperespaço vinda da cabine brilhava sobre seu rosto.
– Diga-me – Chirrut pediu outra vez.
– Tudo – Baze respondeu, curto e grosso.
A cidade de Jedha não existe mais. Jyn examinou aquela ideia em meio a
seu entorpecimento. A morte da cidade de Jedha significava a morte de Saw;
a morte de muitos ou de todos os seus soldados; a morte dos peregrinos de
túnica vermelha e dos animados vendedores de água. Significava a morte da
garota que ela havia tomado nos braços durante o combate na praça – a morte
brutal e sem sentido da única pessoa que ajudara de alguma forma desde o
início da missão…
Nós a chamamos de Estrela da Morte. Não há nome melhor.
O destruidor de planetas era real. Jyn havia zombado dele, zombado da
Aliança por acreditar, e era real.
Se tivesse acreditado antes, se tivesse mantido a fé em seu pai, alguma
coisa seria diferente? Teriam encontrado Saw mais rápido, agido em tempo
de fazer… o quê?
A cidade de Jedha era culpa sua? Mesmo só um pouco?
– Entendido. – Era Cassian falando agora, um murmúrio na unidade de
comunicação. Então, ordenou ao droide na cabine: – Programe a rota para
Eadu.
Jyn repetiu a frase de Cassian em seu cabeça, tentou ouvi-la sobre as
palavras de seu pai no escuro da caverna.
– Eadu? – ela perguntou. Sua voz soou áspera.
– Um mundo encharcado, de acordo com os arquivos – Cassian disse.
Olhou para ela com um toque de surpresa, rapidamente escondido. – Com
uma pequena população nativa, em sua maioria pastores de nerfs.
Oficialmente, o Império usa o planeta para pesquisa e processamento de
elementos químicos.
– É lá que está o meu pai? – Jyn ergueu o queixo e tentou forçar o fim da
rouquidão.
Tentou imaginar como seria a reunião. Tentou imaginar como seria
encontrar o homem do holograma pela primeira vez e dizer quem ela era.
Dizer a ele que viu sua mensagem. Deveria sentir alegria com essa ideia. Seu
pai era um herói.
Mas ela era Liana Hallik e Tanith Ponta e Kestrel Dawn, uma guerreira
sanguinária, uma ladra e uma prisioneira que havia passado quase quinze
anos detestando Galen. Prendendo-o em uma prisão de desprezo até que,
quando ele precisou dela, Jyn não acreditou em seus alertas sobre a Estrela da
Morte. Teria de contar isso a ele também. A ideia fez a bile subir por seu
estômago.
Será que ela poderia ter sido outra pessoa, se ao menos soubesse?
Tento pensar em você apenas nos momentos em que me sinto forte.
– Não tive muito tempo para questionar nosso amigo Bodhi – Cassian
disse. Fez um gesto na direção do quinto ocupante da cabine – um homem de
cabelos longos vestido com um traje de voo Imperial sujo e óculos de
proteção, mexendo os dedos sem parar. Ocasionalmente, o piloto sussurrava
algo sem erguer os olhos. – Mas ele disse que a mensagem veio de Eadu. Isso
quer dizer que o seu pai está lá? Acho que sim.
Jyn assentiu de maneira distante. Os sussurros de Bodhi se tornaram mais
altos – uma série de sons indecifráveis. Então ele inclinou-se para a frente no
assento, olhando atentamente para Jyn.
– Você é a filha de Galen? – ele perguntou.
Parecia não dormir havia dias. Como se esperasse que tudo ao redor –
Baze, os assentos, as paredes – fosse agarrar seu pescoço se ousasse piscar.
Parecia quase tão patético quanto ela.
– Você o conhece? – ela perguntou.
O que ele achava do estranho em seu holograma?
– Sim.
Ela tinha centenas de perguntas, mas não queria resposta para nenhuma
delas.
– Ele contou alguma coisa para você?
– Ele disse… – Bodhi baixou a cabeça. – Disse que eu poderia fazer algo
certo. Disse que eu poderia consertar as coisas, se fosse corajoso o bastante e
ouvisse o meu coração. E fizesse algo a respeito. – Seus lábios se moveram
repetidamente, formando e engolindo sentenças inteiras sem emitir som. –
Acho que foi tarde demais – disse, finalmente.
A cidade de Jedha não existia mais. Saw não existia mais. Seu pessoal não
existia mais. A garota não existia mais.
– Não foi tarde demais – ela disse. Ao menos o piloto havia tentado.
– Parece bem tarde para mim – Baze rosnou.
No silêncio da cabine, na escuridão da caverna, Jyn ouvia a gravação de
seu pai. Foi lá que plantei minha armadilha…
O grito final de Saw ecoava. Salve o sonho!
Agora Galen e Saw atingiam Jyn juntos, pedindo aquilo que ela já lhes
recusara, exigindo uma recompensa por todas as maneiras como falhara com
eles e por cada dia em que Liana e Tanith e Kestrel viveram suas próprias
existências gloriosas e mesquinhas. Mas não tinha nada para dar a eles –
estava vazia, e mesmo aquilo que antes existia na caverna fora perdido para a
escuridão. Tudo o que sobrara foi a voz de um holograma.
Mas Jyn sucumbiu mesmo assim. Cedeu às exigências, pois sua vergonha
era grande demais para não fazer isso.
– Não – Jyn sussurrou. Essa única palavra exigiu a atenção de toda a nave.
– Podemos vencer as pessoas que fizeram isso. Podemos impedi-las.
Faria um acordo com o holograma de Galen Erso. Obedeceria sua
exigência, e ele ia – se não lhe perdoar – ao menos parar de lembrá-la de seus
fracassos e sua culpa e seu ódio por si mesma.
E, quando encontrasse o verdadeiro Galen Erso em Eadu, ela teria algo
para mostrar em troca disso.
Falou calmamente, pronunciando cada palavra como se afiasse uma faca:
– A mensagem do meu pai. Eu a vi. Eles chamam aquilo de Estrela da
Morte. Mas não fazem ideia de que existe uma maneira de derrotá-la.
A tensão na expressão de Cassian se dissipou quando ele vestiu seu rosto
de espião, seu rosto inocentemente cerebral. Jyn percebeu e sabia exatamente
o que significava.
– Você está errado sobre o meu pai. Você acha que ele ainda está
trabalhando para o Império.
– Bom, realmente foi ele quem construiu a arma – Cassian disse. Como se
o fato mudasse tudo e apenas ele conseguisse enxergar isso.
– Porque sabia que eles construiriam mesmo sem ele. – Jyn respirou fundo
e esperou Cassian protestar novamente. Ela podia não conhecer o verdadeiro
Galen Erso, mas agora falava com a voz do holograma; ecoava suas
afirmações em submissão à sua causa. À causa de Saw. – Meu pai fez uma
escolha – ela continuou, firmando a voz. – Ele se sacrificou pela Rebelião.
Montou uma armadilha dentro da arma, dentro da Estrela da Morte. – Então
falou apenas para Bodhi: – Foi por isso que ele o enviou. Para levar essa
mensagem.
– Onde está? – Cassian perguntou.
Todos se voltaram para ele.
– Onde está a mensagem? – ele perguntou.
– Era um holograma – Jyn disse, afiada e frágil como vidro.
Cassian não recuou.
– Você tem a mensagem, certo?
– O que você acha? – ela rebateu rispidamente. Cassian sabia o que havia
acontecido com ela; testemunhara seu estado na câmara de Saw. Ela quis
saltar sobre ele, pressioná-lo contra a parede até forçar a calma para fora de
seu rosto. Quis abrir o próprio crânio para deixar a luz e o som do holograma
vazarem da caverna. – Tudo aconteceu muito rápido. Mas eu vi! – Ouviu sua
própria insistência como petulante. Infantil. Você estava melhor catatônica.
Cassian agora olhava para Bodhi.
– Você viu?
O piloto sacudiu a cabeça e evitou o olhar de Cassian.
– Você não acredita em mim – Jyn disse.
Cassian quase riu.
– Não sou a pessoa que você tem de convencer. Não sou a pessoa que pode
autorizar um ataque contra a Estrela da Morte porque ela pode ter uma
fraqueza. Talvez Mon Mothma…
– Eu acredito nela – Chirrut intercedeu.
Cassian sacudiu a cabeça, mostrando toda a sua exasperação.
– Que ótimo. Você também não faz parte da Aliança.
Por toda a conversa, Baze ficou de cabeça baixa, como se tirasse um
cochilo. Então ele se endireitou e perguntou especificamente para Jyn:
– Que tipo de armadilha? Você disse que seu pai fez uma armadilha.
– O reator. – Sobre isso, Jyn tinha certeza absoluta. – Ele acrescentou uma
falha ali. E vem escondendo isso há anos. Disse que, se você conseguir
explodir o reator, o módulo, todo o sistema desaba.
Fixou o olhar sobre Cassian.
– Você precisa avisar a Aliança – ela disse.
– Já fiz isso.
Jyn disse as palavras que o holograma queria que dissesse, reforçando a
voz com sua própria urgência:
– Então eles precisam saber que existe uma maneira de destruir aquela
coisa. Meu pai disse que podemos encontrar a falha nos planos estruturais…
– Não temos esses planos – Cassian respondeu, firme, mas gentil.
Condescendente.
– Ele disse que podemos encontrar os planos – ela insistiu –, que estão em
um banco de dados no planeta Scarif. Diga para a Aliança: eles precisam ir
para Scarif e roubar os planos.
Cassian ficou em silêncio por tempo suficiente para Jyn achar que tinha
uma chance.
– Não posso arriscar enviar isso – ele finalmente respondeu. – Mesmo que
tudo o que você diz seja verdade, estamos no coração do território Imperial.
Se a mensagem for interceptada, toda a frota da Aliança poderia ser atraída
para uma armadilha.
Até onde Jyn sabia, talvez ele estivesse mentindo. Evitando continuar a
discussão citando uma ameaça que ela não podia contestar.
Na escuridão da caverna, Jyn ouviu mais uma vez a gravação de seu pai.
Se estiver viva, se você conseguir encontrá-la…
– Você ainda quer ir para Eadu? – ela perguntou.
– Sim – Cassian disse.
Então não haveria redenção. Não haveria como melhorar suas escolhas ou
esconder seus pecados. Então, afinal de contas, encontraria o Galen Erso que
nunca conhecera e diria a ele exatamente quem ela era e exatamente o que a
Estrela da Morte havia feito. O único bálsamo seria aquilo que ele fizesse
depois; aquilo que os dois fizessem, fosse qual fosse o acordo ao qual
chegassem.
Teria de ser o suficiente para mantê-la sã no escuro.
Não tinha nada para guiá-la, apenas o holograma azulado. O resto já não
existia.
– Então, vamos encontrá-lo – ela disse. – Meu pai. E o traremos de volta, e
ele poderá falar pessoalmente com toda a Aliança.
Falou com uma convicção que não sentia. Cassian concordou – mas vestia
seu rosto de espião e Jyn não conseguia decifrar sua expressão.

Orson Krennic cruzava os corredores da Estrela da Morte como sempre fazia.


Ouvia o ronco abafado do reator principal, como as ondas de um oceano
distante; sentia os gentis tremores no convés enquanto a estação passava por
sua reconfiguração para o transporte no hiperespaço; podia até visualizar as
trajetórias dos interruptores através das paredes, imaginando seus pontos
finais em vastas cavernas artificiais.
Andava, mas não conseguia se concentrar. Tarkin estava tomando controle
de sua obra-prima.
Talvez fosse melhor. Talvez Krennic tivesse passado tempo demais em um
único lugar, um único projeto. Deixe Tarkin ficar com a Estrela da Morte –
logo descobriria que era responsabilidade demais e não conseguiria entender
o sutil potencial da estação de batalha. Enquanto isso, livre daquele monstro
gigantesco, Krennic teria a flexibilidade que lhe faltava formalmente. Uma
centena de pequenas vitórias ao curso de um ano podia ser preferível a um
único grande trabalho durante décadas. Logo teria sua audiência com o
Imperador.
Mas esse cenário mais esperançoso só era possível porque Tarkin puxara
seu tapete em Jedha.
E Tarkin fizera isso graças à traição de Galen Erso.
Era inaceitável o grão-moff ficar sabendo da traição de Erso antes de
Krennic. Krennic já descobrira como seu pessoal infiltrado na organização de
Tarkin fora mantido no escuro – vazamentos e mentiras eram a natureza do
jogo. Mas como ele pessoalmente não vira a traição de Galen? Com todos os
seus defeitos, ele nunca foi um trapaceiro. E nunca deixou de se orgulhar de
seu próprio gênio.
Ele sabotou seu trabalho? O trabalho deles, tudo o que construíram juntos
na última década? E conseguiu esconder seus motivos de Krennic, a quem
conhecia tão bem? Como era possível?
Será que havia calculado mal? Será que outro cientista no laboratório de
Eadu poderia ser o responsável?
Será que me tornei cego?
Mas não. Apesar de Galen ter escapado de seu escrutínio, Krennic não
deixou de perceber a cobiça de Tarkin – apenas falhou em antecipar sua
manifestação precisa, graças à interferência de Galen. Portanto, Galen era
prioridade, e Krennic precisava cuidar disso rapidamente. Por mais que
odiasse deixar a Estrela da Morte agora, não podia permitir que seus
problemas se acumulassem. Ia eliminá-los em sequência, deixando Tarkin
por último.
Já havia encontrado armas que poderia usar contra Tarkin. Faltava apenas
uma oportunidade.
Embarcou em seu transporte, acompanhado por seus troopers da morte,
pouco após a meia-noite, no horário da estação. Acomodou-se em seu assento
com uma taça de vinho e um datapad depois de deixarem a baía de
atracagem.
– Rota programada para Eadu, senhor – o piloto anunciou.
Krennic mal ouviu.
Galen Erso.
Galen Erso, a quem dera todas as chances. Galen Erso, por quem quase
morrera naquela patética fazenda.
– Achei que já tínhamos deixado isso para trás – Krennic murmurou para si
mesmo, com um sorriso amargo. E seu polegar forçou a tela do datapad até a
superfície rachar e o dedo sangrar.

DADOS COMPLEMENTARES:
“SEM CONFIRMAÇÃO”

[Documento #RJ9002C (“Indagação sobre Jedha”), data


adulterada ilegível; presume-se que a data verdadeira seja
concomitante à crise em Jedha. Enviado por Mon Mothma para
o General Draven e seis outros destinatários (“Supervisão da
Operação Fratura”).]

Acabei de receber uma mensagem perturbadora de um contato no


Senado. Ela afirma que uma total evacuação das forças Imperiais
aconteceu em Jedha e que existem rumores de uma enorme explosão
de energia na órbita. Sua fonte conduz mineração ilegal de asteroides
na borda externa da heliosfera de Jedha, e ela enfatiza que “erro
instrumental” é uma possibilidade.
De qualquer modo, está buscando informações adicionais para
mim. Se sabe mais do que está compartilhando e o que exatamente
ela suspeita, não tenho certeza.
Podemos confirmar essa informação? Já temos alguma atualização
da Operação Fratura?
[Documento #RJ9002D (“Resposta para Indagação sobre
Jedha”), enviado pelo General Ria para a Supervisão da
Operação Fratura.]

Não tenho nenhuma informação nova, mas você poderia esclarecer:


você contou ao seu contato sobre os rumores de um destruidor de
planetas?
Se não contou, pode ser uma armadilha do Império. Ela pode estar
querendo saber como você reagiria a uma história falsa.

[Documento #RJ9002E (“Resposta para Indagação sobre


Jedha”), enviado por Mon Mothma para a Supervisão da
Operação Fratura.]

Um breve resumo: meu contato se recusa a ajudar a Aliança


diretamente, mas manteve contato comigo desde minha saída do
Senado. Se conseguirmos recrutá-la, ela poderia ser importante para
nossas estratégias políticas. Não acho que esteja servindo a interesses
militares do Império.
Não compartilhei nada sobre o destruidor de planetas com ela.
Entretanto, se pudermos confirmar suas informações, eu gostaria de
prudentemente abordar o assunto. Pode nos ser útil a curto e a longo
prazo.

[Documento #RJ9002F (“Resposta para Indagação sobre


Jedha”), enviado pelo Almirante Raddus para a Supervisão da
Operação Fratura.]

Temos uma nave cargueiro preparada para varreduras de longo


alcance a quatro paradas da hipervia mais próxima de Jedha. Ela foi
destacada para outra operação, mas posso desviá-la, se o Capitão
Andor não entrar em contato em breve.
Acho a possibilidade de um destruidor de planetas em Jedha
extremamente preocupante.

[Documento #RJ9002G (“Resposta para Indagação sobre


Jedha”), enviado pelo General Draven para a Supervisão da
Operação Fratura.]

No momento, estou trabalhando para obter informações sólidas sobre


Jedha. Por enquanto não existe confirmação de nenhuma atividade
Imperial fora do comum. Recomendo fortemente que nossa
inteligência não seja compartilhada e que novas investigações não
sejam iniciadas.
Vou atualizar o grupo sobre a situação do Capitão Andor e da
Operação Fratura quando tiver informações confiáveis que possam
ser compartilhadas com segurança. Até lá, sugiro encerrarmos esta
conversa, por precaução.
CAPÍTULO 10

CASSIAN ANDOR COMETERA UM ERRO. Como uma fina fratura no cano de um


blaster, era quase invisível sob uma inspeção superficial. Mas, quando suas
repercussões se manifestassem, os efeitos seriam devastadores – Cassian
muito provavelmente morreria, embora o que mais lhe incomodava não fosse
isso.
Sabia agora que deveria ter deixado Jyn Erso em Jedha. Melhor ainda,
nunca devia ter tirado a mulher de Yavin 4.
– Você está exibindo indicações de estresse – K-2 declarou. Sentava-se ao
lado de Cassian, na cabine do piloto, monitorando instrumentos. – Deveria ter
cuidado. Você é um piloto muito pior quando está estressado.
Cassian ofereceu um sorriso abatido.
– Como sabe?
– Você corrige demais o controle de aceleração.
Não foi isso que eu quis dizer, ele pensou, mas não esclareceu a questão.
Apesar de toda a disfunção social de K-2 (ou talvez seu desinteresse em
socializar com orgânicos – quem pode entender a mente de um droide?), ele
conhecia Cassian mais do que ninguém. Já o vira cometer atos dos quais nem
mesmo Draven estava ciente.
Em Jenoport, encontrara Cassian olhando para seu blaster com lágrimas no
rosto. K-2 havia se voluntariado para apagar sua memória caso a
“preservação da dignidade e do serviço” de Cassian assim exigisse.
K-2, Cassian sabia, não acharia problema nenhum em dominar Jyn Erso e
prendê-la em algum lugar seguro. Se os Guardiões dos Whills não estivessem
a bordo, Cassian até poderia tentar.
– Estamos nos aproximando de Eadu – o droide disse. – Saindo do
hiperespaço em quatro minutos.
– Programe o vetor de aproximação e traga Bodhi aqui. Quero os olhos
dele na zona de aterrissagem.
Quando K-2 obedeceu, Cassian retornou para seus pensamentos. O fervor
de Jyn na cabine fora quase inspirador. Talvez tivesse mesmo inspirado
Chirrut, Baze e Bodhi – ninguém que ele realmente conhecesse, ninguém em
quem pudesse confiar – da mesma maneira como o fogo dela havia
contaminado o próprio Cassian, feito com que a enxergasse com admiração
no Quarteirão Sagrado de Jedha. Mas agora as apostas eram mais altas: o
destruidor de planetas, a Estrela da Morte, era real. O General Draven havia
determinado que eliminar seu criador era a melhor maneira de garantir a
sobrevivência da Aliança Rebelde. Se Cassian pudesse impedir mais um
incidente como o da cidade de Jedha, seu dever era óbvio.
Jyn teria argumentado que seu pai já havia fornecido uma alternativa – que
sua sabotagem dava à Rebelião uma chance de impedir a Estrela da Morte
agora, embora sob um risco terrível. O discernimento de Jyn, entretanto,
estava comprometido.
Seu fogo queimaria a todos.
Quando Cassian a encontrara na câmara de Saw Gerrera, ela estava perdida
em uma paralisia catatônica, esperando a própria morte. Não podia imaginar
as forças que moldaram sua vida. Não duvidava que fosse uma mulher de
força extraordinária, porém a tal mensagem que Saw lhe mostrara a havia
despedaçado completamente, por dentro.
Agora, ela fingia ter força. Agarrava-se às instruções de seu pai por razões
completamente alheias à galáxia ou à Aliança. Se aquelas instruções
levassem Jyn e todos ao seu redor para a morte, será que ela notaria? Será
que se importaria?
Sua terrível necessidade havia retornado. Só poderia acabar em desastre,
por mais que tentasse revestir suas palavras com as cores da Rebelião. E se
Cassian negasse a ela o que queria? E se assassinasse Galen Erso? Decerto
ela se tornaria duplamente mais perigosa.

Eadu era um mundo noturno mesmo durante o dia, coberto por nuvens tão
carregadas que Cassian foi forçado a confiar nos sensores durante a descida
através da troposfera. De cima, não havia nada para ver, apenas relâmpagos e
trovoadas – o panorama era quase sereno. Mas, assim que o U-wing
atravessou a cobertura de nuvens, uma tempestade envolveu a nave, e a água
começou a atingir violentamente o casco e a escorrer pela janela.
– Para baixo – Bodhi disse, agarrando o encosto do assento de Cassian. Ele
estava limpo e enfaixado, e exalava um cheiro de produtos de limpeza e
desinfetantes baratos. Sua voz, que antes soava aterrorizada e distante, agora
parecia quase humana. – Mais baixo!
Cassian baixou o nariz da nave o máximo que ousava. Imaginou a água da
chuva entrando em centenas de rachaduras causadas pelas pedras de Jedha –
pingos escorrendo entre fios expostos e causando curtos em sistemas cruciais.
– A nave não foi construída para voar nessas condições – K-2 observou.
O U-wing emergiu de uma densa neblina para revelar o cenário lá
embaixo: uma centena de formações rochosas, planícies largas e rochas
longas e pontudas que se erguiam do chão irregular. Um cânion estreito se
entrelaçava entre os desfiladeiros mortais, sua forma mal discernível no meio
da tempestade.
– Eles têm rastreadores de aterrissagem – Bodhi disse. – Têm esquadrões
de patrulha. Você precisa se manter dentro do cânion, voando baixo.
Cassian concordou, ajustou a altitude e checou os sensores em busca de
caças TIE. Não encontrou nada, embora se perguntasse se aquelas pequenas
naves seriam mesmo detectadas no meio da tempestade. K-2 aumentou a
velocidade quando o vento momentaneamente cedeu – o U-wing se lançou
adiante e os dentes de Cassian se chocaram.
– Se prosseguirmos – K-2 disse –, há vinte e seis por cento de chance de
fracasso.
– Quanto falta? – Cassian perguntou para Bodhi.
– Não sei – ele respondeu. – Não tenho certeza, nunca voei por esse
caminho…
Isso eu percebi, Cassian pensou. Estavam passando sobre uma torre de
pedra, a menos de dez metros do cume.
– … mas estamos perto. Disso eu sei.
– Agora há trinta e cinco por cento de chance de fracasso – K-2 observou.
Cassian acionou as luzes de aterrissagem. Seriam facilmente identificados
por qualquer patrulha acima, mas sua visibilidade era nula.
– Não quero saber – ele disse, olhando para o droide. – Obrigado.
– Entendo. Eu também preferiria a ignorância.
Quando o pilar de pedra ficou para trás, Cassian desceu ainda mais para
dentro do cânion. As paredes se curvavam para esse e aquele lado, seguindo o
curso de uma dúzia de leitos de rio sinuosos. As rochas estavam perto
demais, apareciam rápido demais, mas, se Cassian reduzisse a velocidade,
eles ficariam à mercê da tempestade.
– Agora! – Bodhi gritou, batendo a mão no assento de Cassian. – Aterrisse
agora!
– O vento… – K-2 começou a dizer, mas Bodhi se apertava entre os
assentos, apontando para algo através da chuva.
– Se continuar em frente, vai acabar em cima da plataforma de transportes.
Aterrisse agora!
Cassian praguejou. Bodhi estava certo – aquilo que havia pensado que era
uma refração de pingos de chuva na janela era uma série de holofotes
distantes. Uma plataforma de aterrissagem para naves Imperiais.
Diminuiu a velocidade. Quase imediatamente o vento aumentou sob a asa
da direita, lançando o U-wing na direção da parede do cânion. K-2 tentou
compensar, mas uma formação de pedra negra apareceu rápido demais,
mesmo para os reflexos de uma máquina – uma protuberância atingiu o U-
wing e Cassian foi jogado para a frente, no cinto de segurança, gritando
quando a nave soltou faíscas e caiu em um mergulho acentuado. O painel
estava vermelho com luzes de alerta.
– Segurem-se – Cassian gritou. – Vamos descer com força!
Se alguém na cabine o ouviu no meio do tumulto, ele não sabia.
K-2 estendeu o trem de pouso e ativou os retrofoguetes em uma tentativa
fútil de diminuir a velocidade. Quando atingiram a superfície do planeta, a
parte dorsal do U-wing gritou violentamente contra a lama e a pedra,
enquanto a inércia carregava a nave adiante. Por quase meio minuto, eles se
arrastaram enquanto o casco ameaçava ceder.
Quando o U-wing finalmente parou, a cabine estava rachada e enterrada
até a metade no cascalho e na lama, e Cassian teve certeza de que a nave não
voaria novamente.

A chuva diminuíra para um chuvisco frio e cruel quando Cassian terminou


uma rápida inspeção dos danos. Sua avaliação inicial se mostrou correta: o U-
wing estava praticamente intacto, mas o motor na traseira atingira a rocha e
não seria possível repará-lo. A maior parte dos outros componentes –
incluindo os comunicadores de curto e longo alcance – podia ser consertada,
mas no momento não estava funcional.
Cassian ainda podia completar sua missão. Ainda podia matar Galen Erso.
Mas não planejara acabar seus dias preso em Eadu. Imaginou a si mesmo
atravessando cânions, perseguido tanto por stormtroopers como por Jyn.
Estava com um péssimo humor quando marchou de volta para a cabine.
Olhou para os rostos diante de si – os religiosos, o desertor, a mulher louca e
K-2 – e sentiu uma onda de ira. Eles tinham opiniões sobre a missão até tudo
começar a dar errado – agora esperavam que ele tivesse uma solução.
O único em quem confiava era o droide Imperial.
– Bodhi – ele disse secamente. Água da chuva descia por sua testa até o
chão da cabine. – Onde fica o laboratório?
Bodhi se endireitou e deu um passo desajeitado adiante, como um soldado
sendo chamado para inspeção.
– As instalações de pesquisa?
– O lugar onde você fazia entregas e conheceu Galen Erso. Onde fica?
Bodhi tremeu por um momento. Cassian pensou se deveria insistir com
mais contundência ou se deveria ser mais gentil – mas então o piloto parou de
tremer e disse claramente:
– Fica logo depois da cordilheira.
– E ali na frente fica uma plataforma para transportes? Tem certeza disso?
– Sim – Bodhi disse.
Uma imagem de satélite seria preferível, mas Cassian já trabalhara com
coisas piores do que a palavra de um traidor assustado.
– Temos de torcer para encontrarmos uma nave Imperial que possamos
roubar. O U-wing já era.
Ninguém pareceu surpreso. Baze sorriu sarcasticamente.
– Peguem tudo que possa ser útil – Cassian continuou. – K-2 vai queimar
qualquer coisa comprometedora. – Naves da Aliança eram programadas para
não gravar registros de navegação, e todas as identificações já foram
apagadas havia muito tempo. Limpar o resto não seria difícil. – Depois disso,
faremos o seguinte.
Esperou algum protesto, que não veio. Bodhi ainda estava em postura de
atenção. Baze olhava para Cassian como se o julgasse em um tribunal.
Chirrut parecia distraído, inclinando a cabeça como se tentasse ouvir a chuva.
E Jyn? Parecia pálida e desolada, comparada com a mulher que ele
conhecera em Yavin. Mesmo sua empolgação temporária depois que
deixaram Jedha havia desaparecido, revelada como um fingimento para
arrastá-los para dentro de sua loucura. Ela o observava sombriamente,
tristemente, como se tivesse certeza de que ele a desapontaria.
Provavelmente estava certa sobre isso.
– Com sorte – ele disse –, a tempestade se mantém e continua nos
escondendo aqui. Bodhi, você vai comigo. Vamos subir pela cordilheira e
checar as instalações de pesquisa.
– Eu vou junto – Jyn disse.
Não demorou. Mas havia se planejado para isso.
– Não – Cassian disse. – A mensagem do seu pai, não podemos arriscá-la.
Você é a mensageira.
Jyn fechou o rosto.
– Isso é ridículo. Todos nós recebemos a mensagem. Todos aqui sabem o
conteúdo.
K-2 falou pela primeira vez.
– Uma explosão no módulo do reator e todo o sistema desaba. Foi isso que
você disse. Todo o sistema desaba.
– Você – Cassian disse na direção de K-2 –, comece a consertar nossos
comunicadores. – Forçou-se a moderar a voz e soar razoável, antes de se
voltar para Jyn: – Tudo o que quero fazer agora é entender contra o que
estamos lutando. E, mesmo se estivesse pronto para extrair o seu pai, eu não
seria estúpido o bastante para tentar fazer isso sozinho. Preciso do seu poder
de fogo. E, neste momento, preciso que proteja a nave.
Ela voltou para seu olhar intenso e sombrio. Ótimo.
– Então – ele disse, assentindo para Bodhi –, vamos discretamente e com
muito cuidado subir a encosta para analisar a região. Vamos lá.
Não houve perguntas, e Cassian manteve os olhos em suas coisas enquanto
checava seus equipamentos e reconfigurava seu blaster, montando uma mira
telescópica e uma extensão no cano com movimentos rápidos e familiares. Ao
menos, ele pensou, as armas sobreviveram à aterrissagem forçada. Ouviu os
passos de Bodhi atrás dele quando voltou para a chuva e a lama, suas botas
pisando o solo encharcado e fazendo barulho.
– Eu também preciso de uma? – Bodhi perguntou. Cassian lançou um olhar
para trás, na direção do homem que descia a rampa de embarque. – Uma
arma?
– Você parece o meu droide – Cassian disse. Depois grunhiu, sacudindo a
cabeça. – Não vai demorar. Você ficará bem.
Provavelmente era verdade. E havia outro benefício: se Bodhi se aliasse a
Jyn e não a Cassian, significava uma pessoa a menos que poderia atirar em
suas costas.

Jyn não falou nada com os outros desde que deixaram Jedha. Quando Bodhi
tentou falar com ela, perguntando sobre Galen, Jyn apenas sorriu gentilmente
e o dispensou. Chirrut e Baze sabiam que era melhor não tentar conversar –
ou talvez, assim como Jyn, lutassem contra verdades difíceis demais para
expressar com palavras.
Ouvira o holograma de seu pai em sua mente e observara o escuro da
caverna se transformar na escuridão de Eadu.
O fato de que não havia como deixar o planeta ficou caído no chão de sua
consciência, intocado e irrelevante.
– Ele parece um assassino?
Observava Cassian e Bodhi descerem para a lama quando ouviu a voz de
Chirrut. Virou-se para olhar e viu que ele falava com Baze.
– Não – Baze disse, após um momento pensativo. – Ele tem o rosto de um
amigo.
– De quem vocês estão falando? – ela perguntou.
Baze olhou para Jyn, avaliando-a.
– Do Capitão Andor – ele disse, outra vez curto e grosso.
Ela devia ter se irritado com a explicação grosseira. Mas conseguiu apenas
ficar um pouco confusa.
– Por que você perguntou isso? – ela disse, agora olhando para Chirrut. –
O que quis dizer com “Ele parece um assassino”?
– A Força se move sombriamente ao redor de uma criatura que está prestes
a matar – Chirrut respondeu. Poderia ter acrescentado: Simples assim.
– Fascinante – K-2SO disse, dirigindo-se para a cabine do piloto. – Sua
arma realmente estava na configuração de franco-atirador.
Jyn imaginou Cassian montando sua arma e saindo da nave. Lembrou-se
da primeira vez que segurou um fuzil de precisão, olhando pela mira
telescópica sob orientação de Saw Gerrera, medindo a respiração para que
pudesse, com confiança, matar discretamente um homem a um quilômetro.
Talvez não significasse nada.
Sua pulsação acelerou. Girou na direção da rampa de embarque e desceu
para a lama. Um calafrio subiu por suas botas, passando pelas pernas e
seguindo pelas costas. Não conseguia ver o caminho que Cassian e Bodhi
haviam tomado, não conseguia ouvi-los no meio da chuva contínua, mas
podia ver a fraca e distante luz do complexo Imperial.
Lá, encontraria seu pai.

Baze Malbus observou uma rajada de vento lançar pingos de chuva no chão
da cabine, descolorindo o metal em mil pontos como estrelas de um céu
cinzento. A chuva cheirava a solo fértil, com tons de um fedor ácido.
Baze não era jovem. Já vira chuva antes. Mas as chuvas de Jedha – raras,
poderosas torrentes que eram motivo de celebração, que faziam sua alegria
quando criança – nunca cheiravam dessa maneira.
Logo, Baze pensou, esqueceria o cheiro das chuvas de Jedha para sempre.
Chirrut se levantou abruptamente, apanhou seu cajado e marchou na
direção da rampa de embarque.
– Para onde está indo? – Baze rosnou.
Chirrut parou, mas continuou de costas para Baze.
– Vou seguir Jyn. O caminho dela está claro.
– Sozinho? – Baze perguntou. A palavra veio cheia de significado. – Boa
sorte.
Tinha certeza de que Chirrut entendera seu alerta. Mas o homem cego, que
já fora um irmão de Baze entre os Guardiões dos Whills e agora era o tolo
que Baze estava condenado a entreter, voltou a andar.
– Não preciso de sorte – Chirrut disse. – Eu tenho você.
Baze observou Chirrut descer a rampa. Ouviu a ponta do cajado contra o
metal. Quando a batida terminou e Chirrut pisou no solo macio, Baze se
levantou pesadamente. Sem olhar para a cabine, seguiu seu irmão para dentro
da tempestade de um mundo alienígena.

A tragédia da existência de K-2SO era a seguinte: as habilidades de que ele


mais gostava eram as habilidades que seus mestres rebeldes mais
desdenhavam – e aquelas consideradas brutas e triviais eram as que seus
mestres não conseguiam aprender.
Daí sua circunstância presente: em vez de seguir para o laboratório de
pesquisas para dominar, capturar, prender e extrair o cientista Galen Erso –
uma missão que virtualmente exigia os talentos de um droide de segurança
Imperial, e que poderia (se desempenhada delicadamente) permitir o
exercício de múltiplos processos programados em K-2SO e subutilizados –,
ele estava refazendo a fiação do sistema de comunicações, localizando falhas
em cada um dos oitenta e quatro conectores manualmente.
Uma tarefa assim necessitava de um poder computacional mínimo. K-2SO
tinha mais do que suficiente para dedicar uma parte a ouvir a movimentação
na nave e observar a paisagem pela janela da cabine do piloto.
Observou Jyn partir com desinteresse. A mulher sempre fora quase
desrespeitosa com ele.
Observou Baze e Chirrut partirem com uma reprovação mais robusta.
Simulou um conjunto de cenários nos quais eles se separavam do U-wing, e
poucos deles terminavam com a preservação de seu bem-estar.
– O que estão fazendo? – ele perguntou secamente.
K-2SO não era um droide de protocolo, mas fora criado para interação
biológica. Achava que uma discussão verbal, ainda que consigo mesmo,
estimulava sua criatividade.
Logo chegou a uma solução satisfatória.
– Se Cassian voltar, vamos embora sem eles.
CAPÍTULO 11

O CAPITÃO CASSIAN ANDOR havia fracassado. Essa era a avaliação de Draven.


Andor havia ativado o sinal de emergência a bordo de seu U-wing
imediatamente após receber a suposta confirmação do destruidor de planetas.
O sinal era um risco, mas um risco menor – sua emissão era disfarçada como
radiação de uma estrela pulsar e retransmitida por meio de dezenas de postos
avançados rebeldes antes de alcançar a Base Um – e, dadas as circunstâncias,
Draven achou prudente desconfiar de Andor.
Tinha o maior respeito por seu agente – por Cassian –, mas apenas um tolo
apostaria o destino da Aliança em um único homem. Por mais que Draven
detestasse o fato, aquela missão havia tomado proporções improváveis.
– Tente de novo – ele disse.
Estava atrás do cabo Weems na sala de comunicações, olhando por cima
do seu ombro enquanto ele digitava no console. Dois dos capitães de Draven
estavam ao seu lado – oficiais em quem confiava tanto quanto confiava em
Andor, mas por razões diferentes.
– Estou tentando, senhor – Weems disse. – O sinal desapareceu.
– Dê-me alguma hipótese. Por quê? – Virou-se na direção de seus
capitães. Era melhor fazer as especulações de uma vez.
– Sabemos que Andor chegou ao sistema estelar de Eadu. – Foi a Capitã
Nioma quem falou primeiro: analista e conselheira técnica da Inteligência da
Aliança, um gênio obstinado que não dormia desde quando ouvira os rumores
de um destruidor de planetas. – Pode ter sido abatido. Pode ter levado tiros,
mas o sinal é robusto o bastante para aguentar muitos danos. Porém não
temos muitas informações sobre Eadu, então, até onde sabemos, o sinal pode
ter sido bloqueado por uma termosfera de alta energia…
– Qual é a probabilidade disso? – Draven perguntou.
– Baixa.
Ele grunhiu e apoiou o peso do corpo contra o assento de Weems.
– Digamos que eu gostaria de enviar o Esquadrão Azul. Quanto tempo até
chegarem a Eadu?
O Capitão Vienaris fora, dentre tantas coisas, controlador de voo de um
espaçoporto antes de se juntar à Rebelião. Ele tinha em mãos os números
para meia dúzia de rotas do hiperespaço – calculou as condições atmosféricas
variáveis e rapidamente repassou as informações para Draven.
– Resumindo: estamos dentro do alcance, mas, se o Império começou a
evacuação, não poderemos pegá-los. O melhor cenário: o Esquadrão Azul
chega em tempo de ver os Imperiais saltando para o hiperespaço.
Mas será que o Império se daria ao trabalho de evacuar? Draven tentou se
colocar na posição de um comandante encarregado da guarnição de Eadu.
Acabei de capturar um transporte – um U-wing da Inteligência da Aliança
Rebelde – que fazia reconhecimento sobre a minha base. Derrubei a nave e
até tomei prisioneiros…
Era apenas uma nave. Era uma ameaça à segurança operacional, mas não
era causa para pânico. Se a Aliança soubesse com certeza o que existia em
Eadu, eles viriam em massa. E o trabalho feito ali era vital – se a decisão
fosse evacuar, o cientista-chefe da base seria o último a sair, para garantir que
tudo fosse realocado. Não se pode confiar equipamento delicado a
stormtroopers.
Então Galen Erso ainda estava no local. O destruidor de planetas poderia
não morrer com ele, mas – se é que Erso realmente era responsável pelo
canhão principal – seria muito mais difícil mantê-lo operacional depois de
sua morte.
– Acione o esquadrão – Draven disse. – Alvo: Eadu. Precisamos eliminar
Galen Erso, se tivermos a chance.
O Capitão Vienaris já estava correndo para fora da sala, falando em seu
comlink quase antes de Draven terminar de dar as ordens. Nioma olhava para
ele com olhos vermelhos.
– Você tem autorização? – ela perguntou. – Um ataque em larga escala a
uma grande instalação Imperial…
Se fosse qualquer outra pessoa, Draven a teria puxado de lado e a
repreendido por questioná-lo em público. Mas Nioma nunca teve uma mente
militar, e parecia que ela viraria pó diante de uma palavra mais ríspida.
– A missão está sob meu departamento – ele disse. – Não preciso da
autorização do conselho.
Isso era verdade. O que não disse para Nioma era que, com ou sem
autorização, a missão havia ultrapassado muito os parâmetros impostos pelo
conselho.
Draven queria segurar o relato de Andor sobre o destruidor de planetas em
Jedha até poder falar pessoalmente com o capitão – revelar a verdade (se
fosse verdade) para os membros do conselho sem um contexto apenas
incentivaria que seguissem suas próprias pistas, ativassem suas próprias
contingências, tudo sem coordenação ou estratégia. Metade da Aliança
fugiria para se esconder enquanto a outra metade partiria para a ofensiva. Os
rumores se espalhariam para fora do conselho em questão de horas, incitando
pânico. Qualquer esperança de usar o conhecimento do destruidor de planetas
como vantagem – para manipular uma votação no Senado, para trazer os
fanáticos de Saw Gerrera de volta para seu lado – seria perdida.
Draven trabalhava para a Inteligência da Aliança. Sua função não era
compartilhar cada segredo que descobria. Era explicar o que os segredos
significavam, se e quando fosse seguro compartilhá-los. Ainda não podia
fazer isso.
Mas o conselho ficaria sabendo que ativara o Esquadrão Azul. Mon
Mothma o questionaria sobre quando o objetivo da missão se tornara um
assassinato em vez de uma extração.
O Esquadrão Azul estaria em rota para Eadu em questão de minutos.
Draven tinha até a sua chegada para se preparar para essa conversa.

– Não, não – Bodhi gritou. Rios de água da chuva escorriam por seus cabelos
e barba. – Precisamos subir.
Cassian estranhou, depois olhou para baixo, para a ladeira do cânion
enlameado, até o brilho distante das luzes do laboratório. Poderia questionar
o piloto, mas ainda estava de péssimo humor e não via utilidade nisso. Ou
Bodhi conhecia o terreno ou não conhecia; ou estava mentindo ou não estava.
Cassian deu de ombros e seguiu Bodhi, subindo a ladeira rochosa e
escorregadia. Pelo menos saíram do pior da lama.
Enquanto subiam até o topo, Bodhi tagarelava sobre seu tempo em Eadu.
Cassian ouvia sem prestar atenção às histórias do piloto de carga, que contava
sobre entregas de cristais kyber de Jedha para os cientistas locais. Bodhi a
muito custo conseguira autorização (é o que dizia) para acessar o refeitório,
descansar e reabastecer antes de voltar para Jedha.
– Se eu não tivesse começado uma conversa com Galen Erso na fila da
comida, perguntando qual era o melhor droide cozinheiro, talvez eu nunca
teria me perguntado o que estava acontecendo aqui. O que estavam criando
aqui…
Parecia demais uma mentira para Cassian realmente acreditar. Mas
também parecia uma mentira para o benefício de Bodhi, não de Cassian. Se
essa era a história que ele queria contar sobre como conhecera Galen, que
seja. Se Bodhi estivesse com medo de Cassian, desesperado para convencê-lo
de que sua deserção era genuína, Cassian também não se importava.
Eventualmente, Bodhi parou de falar quando o caminho se tornou mais
estreito. Cassian viu o piloto cambalear e notou que suas pernas estavam
endurecidas – o jeito como dobrava minimamente os joelhos era cada vez
mais aparente conforme a caminhada se estendia. Notou, também, os
hematomas escuros e a pele raspada na base do pescoço. Esses ferimentos
ficavam escondidos sob o colarinho de seu traje de voo, mas a chuva havia
feito o tecido cair, deixando as marcas mais evidentes.
– Você ficou quanto tempo preso pelo pessoal de Saw Gerrera? – Cassian
perguntou.
Bodhi estremeceu, mas continuou andando.
– O quê?
Cassian repetiu a questão.
– Alguns dias, acho – Bodhi respondeu, sem olhar para trás.
Cassian pensou na pilha amarrotada em forma humana que encontrara nas
catacumbas, subnutrido, maltratado e insano por causa do trauma. Menos de
um dia depois, o homem que o conduzia através dos cânions de Eadu estava
obviamente aterrorizado e ao mesmo tempo ansioso para conversar – mas
também fazia o seu melhor para fingir normalidade sobre aquilo que
provavelmente seria uma missão suicida. Até fazia um bom trabalho quanto a
isso.
Cassian riu. Foi um som breve, gutural, que quase se perdeu no meio da
chuva. Bodhi olhou para trás, surpreso e um pouco alarmado.
– O que foi? – ele perguntou.
– Nada – Cassian disse. Depois acrescentou, com um tom direto e quase
compreensivo: – Devem ter sido dias difíceis.
Bodhi sorriu – apenas um tremor nos lábios – pela primeira vez desde que
Cassian o encontrara.
Continuaram subindo juntos. Cassian agora podia discernir uma plataforma
do outro lado de um vale estreito – uma plataforma elevada de aterrissagem,
separada do hangar de transportes. Mas o caminho no topo estava cada vez
mais difícil. Logo quase desapareceu completamente, e Bodhi se apertou
contra a face da rocha enquanto pedras caíam sob seus pés.
– Estou logo atrás de você – Cassian disse, com o máximo possível de
tranquilidade.
Bodhi estava pálido, mas concordou.
– Vamos.
Cruzaram a passagem seguinte com um cuidado agonizante. À frente, o
caminho se alargava outra vez, e após uma última subida eles alcançaram o
topo e olharam para baixo, na direção da instalação Imperial. A plataforma de
metal abrigava uma série de galpões militares e estações laboratoriais.
Cassian reconhecia o estilo arquitetônico, mas os laboratórios pareciam
altamente customizados – avistou grupos inteiros de antenas e geradores que
não lhe eram familiares.
Arrastou-se adiante e ajoelhou atrás de uma grande pedra. Sentiu o frio
molhado do cascalho contra seus joelhos. Em seguida, puxou Bodhi para seu
lado, apanhou seus quadnocs e vasculhou a instalação. Havia atividade na
plataforma de aterrissagem – stormtroopers em formação emergiram de um
dos prédios, seguidos por figuras que vestiam uniformes de engenharia azuis
e brancos.
Cassian ofereceu os quadnocs para Bodhi, sem tirar os olhos da
plataforma.
– Dê uma olhada. Consegue ver Erso lá embaixo?
Bodhi ergueu os quadnocs, sacudiu a cabeça progressivamente, depois
parou.
– Ele está ali – Bodhi disse após um momento. – É aquele ali, Galen,
vestindo o uniforme escuro…
Sua voz subiu de tom. Cassian tomou de volta os quadnocs e vasculhou a
plataforma outra vez. Entre os engenheiros havia um homem vestido de cinza
e azul, com um rosto angular e cabelos grisalhos. Cassian procurou alguma
semelhança com Jyn e a encontrou nos olhos do homem, profundos e sérios.
Galen falava com os outros engenheiros. A chuva fazia todos parecerem
encharcados e abatidos, aborrecidos por serem levados ao ar livre tão tarde da
noite.
Cassian estranhou. Por que estavam ali? Será que ele e Bodhi acionaram
algum alarme? Será que estavam esperando por uma evacuação?
Quase não notou o barulho distante; achou que era apenas parte da
tempestade. Mas o som era estável demais e aumentou de volume rápido
demais. Cassian passou o braço sobre Bodhi e empurrou o piloto contra o
chão quando um transporte Imperial de asas largas passou acima deles e
seguiu para a plataforma.
– Eles sempre trazem os engenheiros para fora nas entregas? – Cassian
perguntou.
Bodhi tossiu quando a água da chuva entrou em seu nariz, depois negou
vigorosamente com a cabeça.
– Não desse jeito. Não a essa hora da noite.
Então tem algo errado. Talvez não seja relacionado com a chegada do U-
wing. Talvez seja relacionado com Jedha – o Império limpando suas
instalações de produção agora que a Estrela da Morte estava operacional. O
transporte era um modelo classe Delta de longo alcance, usado para
passageiros mais do que para cargas. O que quer que estivesse acontecendo,
agora poderia ser a única oportunidade para agir.
Cassian deixou os quadnocs de lado e tirou o fuzil das costas. Checou as
configurações, equilibrou a arma nas rochas e se posicionou enquanto falava
com Bodhi.
– Você precisa voltar agora e encontrar uma nave para fugirmos daqui.
Entendeu?
– E o que você vai fazer?
Cassian encostou o olho na mira telescópica e viu apenas uma mancha
sobre a plataforma. Ajustou as lentes e os filtros e deixou o computador
interno compensar a água da chuva.
– Você me ouviu – ele disse. Fez questão de parecer duro, tentando apagar
qualquer proximidade que pudesse ter surgido entre ele e o piloto. Não podia
se dar ao luxo de uma discussão agora.
– Você disse que subiríamos aqui apenas para olhar – Bodhi retrucou.
Minta para ele. Diga que você precisa manter Galen vivo em Eadu e que
não sabe o que aquele transporte significa.
– Estou aqui – Cassian disse. – Estou olhando. Agora, vá.
A plataforma entrou em sua visão. Mais Imperiais estavam emergindo dos
prédios. Ajustou a mira e começou a procurar o rosto de Galen Erso. Ouviu a
respiração acelerada de Bodhi ao seu lado.
– Rápido! – Cassian rosnou.
As botas de Bodhi lançaram pedras sobre a jaqueta de Cassian quando
começou a correr.

Durante o voo para Eadu, Krennic havia atiçado a fúria em seu coração.
Alimentado pela indignação e humilhação, seu fogo queimava forte o
bastante para aquecê-lo no frio que banhava o transporte – e para afastar o
gelo das gotas de chuva que o atingiram quando desceu da rampa de
embarque para a plataforma de aterrissagem.
As botas de seu esquadrão da morte chiaram contra o metal molhado
quando parou e analisou o grupo de stormtroopers, oficiais e engenheiros
diante dele. Os soldados cercavam os engenheiros – encharcados como cães
na chuva, de pé em um agrupamento indecoroso – em uma das pontas,
enquanto os oficiais seniores da estação se alinhavam ao lado do transporte,
fazendo seu melhor para ignorar sua indignidade na presença do diretor. A
comandante da guarnição deu um passo adiante para oferecer as boas-vindas,
mas Krennic a dispensou. Não tinha interesse algum em atrasar aquilo que
viera fazer.
Os engenheiros olharam nervosamente uns para os outros. Krennic
observou cada um, lembrou-se de seus nomes, estudou suas posturas. A
maioria ele não conhecia muito bem. Havia selecionado pessoalmente Uyohn
do Programa de Futuros de Brentaal – o mesmo programa que Krennic e
Galen haviam completado juntos – e se sentira muito decepcionado com os
resultados desde então. Uyohn endireitou as costas, sua expressão vacilando
entre medo e uma esperança desesperada e ilusória. Onopin, por outro lado,
parecia pronto para praguejar sobre interferência burocrática e enterrava sua
óbvia preocupação debaixo de uma tênue camada de orgulho profissional.
Krennic gostava de Onopin, mas torceu para que ficasse calado dessa vez.
Nenhum deles mostrou qualquer indicação de desafio.
Krennic olhou para Galen Erso. O homem deu um passo adiante, piscando
para tirar as gotas de chuva dos olhos. Mantinha uma postura que indicava
que a presença de Krennic não o surpreendia nem o preocupava.
– Bom, Galen – Krennic disse. – Ao menos está completa. Você deve estar
muito orgulhoso.
– Tão orgulhoso quanto possível, Krennic.
Era uma falsa humildade, é claro. Krennic tinha certeza disso.
– Junte os seus engenheiros. Tenho um anúncio a fazer.
Galen mal gesticulou. Os engenheiros se mexeram como gado, saindo de
um lado da plataforma para o outro até ficarem diante de Krennic e Galen
juntos. Amontoavam-se como se quisessem compartilhar calor no meio da
tempestade e afastar seu medo coletivo.
– Estão todos aqui? – Krennic perguntou, embora já soubesse a resposta.
– Sim – Galen disse.
Krennic deu um sorriso ácido e disse as palavras que havia selecionado
com cuidado a bordo do transporte:
– Cavalheiros. Um de vocês traiu o Império. Um de vocês conspirou com
um piloto para enviar uma mensagem à Rebelião. Ordeno que o traidor se
apresente.
Assim que terminou de falar, o esquadrão da morte de Krennic mirou suas
armas na direção dos engenheiros.

Havia pessoas demais na plataforma de aterrissagem. Cassian manteve seu


fuzil apoiado na pedra, ignorou a chuva que escorria como suor por suas
costas e tentou mirar em Galen. Mas agora havia stormtroopers no caminho,
e sua mira não clareou depois da aterrissagem do transporte e da
reconfiguração do grupo. Praguejou para si mesmo e esperou.
Vasculhou sua memória para tentar identificar o oficial de capa branca e
encontrou o nome Orson Krennic – algum tipo de diretor aparentemente
ligado ao destruidor de planetas. Se, por algum milagre, Cassian tivesse uma
segunda chance, decidiu que Krennic seria um ótimo alvo. O Império só
podia melhorar com a perda de outro oficial autoritário de alta patente.
Mas isso seria um bônus. Ele tinha sua missão. Apenas precisava que
alguns stormtroopers e engenheiros inconvenientes saíssem do caminho.
Ao menos Bodhi não estava mais ali. Não havia ninguém para testemunhar
o que aconteceria em seguida.
Krennic e Galen conversavam. Ainda havia pessoas demais na linha de
tiro.
Cassian precisaria de alguma história para contar a Jyn. Sabia disso. Ela
não acreditaria nele, não importava o que dissesse, mas, se oferecesse algo
plausível e Bodhi confirmasse as porções de sua história que eram
verdadeiras, ela talvez não perdesse a cabeça. Suspeitaria de Cassian, no
fundo, e ele teria de ficar atento sempre que estivessem juntos, mas a
incerteza poderia ser suficiente para impedi-la de fazer algo drástico. Sem seu
pai e sem um alvo, sua obsessão e necessidade seriam drenadas como pus.
Se conseguissem sair de Eadu, se ela sobrevivesse para retornar a Yavin,
então ele já não teria mais nada com ela. Mesmo com seu fogo apagado, Jyn
estaria melhor do que na prisão onde estava.
Galen agora gesticulava. O grupo começou a se reconfigurar; os outros
engenheiros deram um passo adiante. Ainda não dava para atirar.
Destruir Jyn – é o que aconteceria, você pode admitir isso – era sua melhor
opção. Se ela descobrisse o que fizera, voltaria aquela necessidade contra ele.
Jyn ia querer matá-lo e provavelmente voltaria também os Guardiões dos
Whills e Bodhi contra Cassian.
Os engenheiros estavam posicionados em frente a Krennic e Galen. A
comitiva de soldados de preto de Krennic se espalhou. Mais alguns passos…
Talvez aquela não fosse uma maneira tão ruim de morrer. Já havia
assassinado homens melhores do que Galen – um colaborador Imperial, o
homem que construiu um destruidor de planetas; dane-se o remorso. E, se
Jyn viesse atrás de Cassian, ele morreria por seus crimes. Havia mortes
piores.
A que ponto as coisas haviam chegado?
Galen deu um passo adiante. Cassian ganhou sua oportunidade.
Mas estava respirando pesado demais agora. O fuzil subia e descia.
Agarrou o cano e o prendeu firmemente contra a rocha.
Estava cansado dos crimes pelos quais nunca precisou responder.
A Estrela da Morte é a sua resposta. Termine essa missão e tudo será
perdoado.
Olhou para Galen Erso através da mira telescópica e viu os olhos de sua
filha.
Com um grito áspero, tirou o fuzil da pedra e o jogou de lado, na lama.

Nenhum dos engenheiros respondeu às acusações de Krennic. Mas não


esperava que isso fosse acontecer.
– Ninguém? – ele perguntou. – O traidor será executado mesmo assim,
mas ao menos poderia morrer de cabeça erguida. Talvez consiga converter
mais alguém… – gesticulou com sua mão enluvada ao redor da plataforma –
… com suas últimas palavras.
Onopin abria e fechava a boca, como se preso entre implorar para o traidor
se apresentar e tentar mostrar uma indignação silenciosa. Dois dos outros
engenheiros olhavam atentamente para seus companheiros, como se
freneticamente conduzissem suas próprias investigações.
Galen, de pé ao lado de Krennic, deu um único passo adiante e não fez
mais nada.
– Muito bem – Krennic disse. – Então vou considerar um esforço de grupo.
As palavras foram cruéis e certeiras. Krennic não se privou de sentir o
prazer de ver a justiça ser implacavelmente aplicada.
– Preparar – ele disse, e seus soldados checaram suas armas com um clique
metálico. – Apontar – ele continuou, e o esquadrão da morte mirou. – E…
Galen finalmente agiu.
Correu entre Krennic e os engenheiros, girou e quase escorregou na
plataforma molhada.
– Pare – ele gritou repetidas vezes, abrindo os braços como se pudesse
bloquear os tiros dos soldados. – Krennic, pare. Fui eu. Fui eu. Eles não têm
nada a ver com isso.
Krennic olhou para o rosto do homem com quem fizera amizade havia
tanto tempo. E esperou.
– Poupe-os – Galen disse. Encharcado e cansado e de olhos arregalados,
ele parecia um homem que havia perdido a genialidade.
Krennic ergueu um dedo para Galen. Como se relutando, o suplicante deu
um passo na direção de Krennic.
– Disparem – Krennic disse rispidamente.
Não observou os tiros vermelhos disparados dos fuzis, não se deu ao
trabalho de olhar para os corpos dos engenheiros desabando ao chão e
fumegando sob a chuva. Seus olhos estavam sobre Galen, e viram a explosão
de choque e fúria no rosto do cientista – viram Galen tentando esconder isso
por trás de uma máscara de ferro no instante seguinte.
Mas já havia passado o tempo de se esconder, e Galen deveria saber disso.
Krennic desferiu um golpe com o punho fechado e sentiu sua mão atingir o
rosto de Galen. O cientista cambaleou e caiu de joelhos.
– Disparei o seu canhão – Krennic disse. – Jedha. Saw Gerrera. Seu bando
de fanáticos. A Cidade Sagrada. Os últimos resquícios dos Jedi. – Fez uma
pausa. – Da próxima vez será um planeta inteiro.
Galen ergueu os olhos e não tremeu nem gritou.
– Vocês nunca vencerão – ele disse suavemente.
Uma ilusão tão perfeita. Era quase bonito de ver.
– Ora, vamos – Krennic disse –, onde mesmo ouvi isso antes?

Em algum lugar na lama, na chuva e no escuro, Jyn perdera a trilha de


Cassian e Bodhi. Isso não era importante – encontrara o caminho através do
cânion seguindo as luzes do laboratório de pesquisa até a base de uma
plataforma de aterrissagem. Era onde precisava estar, aonde sua missão para
encontrar seu pai a levara. Era a resposta para a gravação que se repetia na
escuridão de sua mente, e as palavras de Galen Erso se tornavam mais claras
e altas a cada passo.
Precisava de tempo para encontrar um jeito de subir a montanha – não
havia caminho direto para alcançar a plataforma ou a estrutura adjacente
saindo do leito do cânion –, mas localizou uma escada de serviço construída
na parede de rocha e começou a subir. Os degraus estavam escorregadios pela
água da chuva e, quando não conseguia se segurar direito, Jyn envolvia a
barra de metal com o braço e puxava, forçando os ombros e procurando com
os pés até encontrar apoio. Repetiu isso várias vezes, espantando seus
pensamentos, esperanças e desespero da mente, até se tornar apenas o corpo
de Jyn, que escalaria até o topo ou despencaria no abismo. Não voltou a si
mesma até a plataforma estar ao alcance e até ouvir as vozes abafadas pelo
barulho da chuva.
Jyn não hesitou em subir na plataforma. Não era uma escolha segura, mas
suas mãos enluvadas já estavam dormentes e começaram a escorregar um
pouco mais a cada degrau. Preferia morrer se movendo a morrer sendo
cuidadosa.
O metal frio da plataforma foi um conforto para seu corpo quando se atirou
de bruços. Mas não tinha tempo para descansar. Um par de botas brancas
apareceu na sua frente e o cano de um fuzil baixou sobre sua cabeça. Ela
jogou as mãos para cima e tomou o blaster, girando a arma para tirá-la das
mãos do stormtrooper. Com um único movimento ela se ergueu e virou,
jogando o soldado para fora da plataforma e para dentro do abismo. Sua
cabeça atingiu a parede de rocha instantaneamente. Ele não gritou.
Jyn acomodou o blaster sob o braço e olhou ao redor. Podia apenas ouvir
vozes, mas tivera sorte – subira atrás de uma fileira de caixotes de carga, e
sua rápida luta passou despercebida. Seguiu adiante com cuidado, mantendo
a cabeça baixa, e olhou ao redor dos caixotes para a reunião que acontecia na
plataforma.
O que viu foi o seguinte:
Stormtroopers de branco, espalhados pela plataforma e observando a
conversa, com suas armas junto ao corpo.
Oficiais Imperiais de vários escalões, de pé sob a chuva e contrariados.
Meia dúzia de cadáveres, mortos havia pouco, com ferimentos ainda
fumegantes.
Stormtroopers de preto, iguais àqueles que haviam executado sua mãe em
Lah’mu.
O homem de branco que havia ordenado a execução de sua mãe.
E seu pai, de joelhos diante do homem de branco e olhando para ele com
pena nos olhos.
Era uma cena de sua memória reencenada em um novo palco – um
pesadelo recriado especialmente para a pequena garota que havia fugido para
a caverna.
Mas aquela garota estava enterrada na terra molhada, sob a escotilha na
mente de Jyn. Seus lamentos de angústia e terror estavam mudos.
Com mãos trêmulas, Jyn ergueu o fuzil e apontou para o homem de
branco.

Cassian sentou-se entre as rochas no topo da montanha e observou.


Ele havia escolhido observar. Ao colocar seu fuzil de lado, havia
renunciado à sua missão, traído seus juramentos – falado e implícito – com
Draven e a Inteligência da Aliança. Em outras circunstâncias, poderia sentir
essa traição como libertadora. Mas, do jeito que as coisas estavam, não podia
fazer nada enquanto o homem que havia poupado agora aguardava sua
execução.
Fora incapaz de impedir o massacre dos engenheiros. Se disparasse na
multidão, poderia ter eliminado um stormtrooper, mas pouco adiantaria. Não
que uma intervenção fosse necessariamente do seu interesse – a vida dos
pesquisadores Imperiais não despertava emoção em seu peito.
Mas parecia obsceno o destino, a Força ou antigos deuses de Eadu
matarem Galen Erso logo depois de Cassian tomar sua decisão. Observava a
cena na plataforma por meio dos quadnocs, vasculhando os arredores atrás de
qualquer coisa que pudesse impedir aquilo que estava prestes a acontecer.
O que encontrou, para sua surpresa, foi Jyn – subindo sobre a plataforma e
jogando um stormtrooper em direção à morte.
O que estava fazendo ali?
Soube a resposta no momento em que fez a pergunta.
Não teve tempo para considerar como agir antes de seu comlink ganhar
vida com a voz urgente de K-2.
– Cassian, você pode me ouvir?
Apanhou o comlink com uma das mãos e o levou até a boca.
– Estou aqui. – Tentou ficar de olho em Jyn enquanto ela se esgueirava
pelos caixotes empilhados na lateral da plataforma. – Você consertou o
comunicador.
– Afirmativo, mas temos um problema! Temos um esquadrão da Aliança
se aproximando. – Cassian se esforçou para ouvir as palavras, atrapalhado
pela distorção e pela chuva. – Afastem-se da área!
Seu cérebro filtrou o significado em meio ao barulho um segundo depois.
– Não – ele respondeu rispidamente. – Não, não, não! Diga para eles
esperarem! Jyn está na plataforma!
Se Draven enviara um esquadrão de caças, fizera isso para completar a
missão – para eliminar Galen Erso destruindo todo o laboratório de pesquisa
e exterminando qualquer coisa em solo.
Os pilotos não saberiam nada sobre Cassian e os outros. Draven
provavelmente não teria informado o esquadrão – não teria enviado os caças,
se pensasse que Cassian ainda estava vivo.
Cassian olhou para a plataforma, em direção à figura de Jyn, envolta nas
sombras, e pensou consigo mesmo: Eu matei a todos nós.

A contagem regressiva de Draven estava chegando ao fim. Havia rumores se


espalhando pela Base Um sobre algo que havia acontecido em Jedha e, se os
rumores se espalhavam em Yavin, certamente surgiriam em regiões mais
civilizadas da galáxia. Precisava informar o Alto Comando da Aliança sobre
o destruidor de planetas e a missão em Eadu.
Mais precisamente, precisava informar Mon Mothma. Não tinha tempo
para se encontrar com todo o conselho, e Mothma – por mais que discordasse
vigorosamente de suas estratégias – podia ser brutalmente pragmática, se
pressionada. A ex-senadora e atual chefe de estado da Aliança não se
importava de jogar sujo na política, e Draven já vira Mothma jogar mais sujo
do que gostaria de admitir – mas, na questão do destruidor de planetas,
confiava nela para colocar o pragmatismo acima da diplomacia arriscada.
Estava na metade do caminho para o escritório de Mothma, nos níveis
superiores do zigurate, quando foi chamado de volta pelo centro de
comunicações. Correu por dois lances de escadas – suas costas haviam
encharcado de suor a parte de trás de seu uniforme quando chegou.
– General! – o cabo Weems o saudou e mostrou um terminal. – Um leve
sinal de Eadu. É o U-wing do Capitão Andor. A voz completa, sem
criptografia.
– O quê? – Devem ter perdido todo o seu sistema de comunicação e
improvisado algo. Sentou-se e debruçou sobre o console. – Passe a linha.
Ouviu-se uma voz fraca. O tom parecia quase relaxado.
– Capitão Andor solicita um atraso no apoio do esquadrão. – É o droide de
estimação de Andor. Draven chegou mais perto do alto-falante e ficou tenso
quando ouviu o resto da mensagem: – Forças da Aliança no território. Favor
confirmar.
Draven praguejou para si mesmo e fez um rápido gesto para Weems.
– Chame o líder do esquadrão – ele disse. – Agora!
Weems parecia tão horrorizado quanto se tivesse sido chamado de
desertor.
– Eles entraram em contato há três minutos. Já iniciaram o ataque, senhor.
Maldição.
Draven assentiu devagar. Possibilidades brotaram em sua mente. Opções
desesperadas floresceram. Uma a uma ele as podou.
Se o esquadrão já começara o ataque, pedir que recuasse agora apenas
daria tempo para que os Imperiais se preparassem. Os mortos não voltariam à
vida. Qualquer sobrevivente da equipe de Cassian ficaria sem apoio e sujeito
à captura. A missão certamente fracassaria.
– Se conseguir enviar uma mensagem – ele disse –, deixe o Esquadrão
Azul saber o que sabemos. – Não que houvesse algo que o esquadrão pudesse
fazer. – E, quanto à equipe de Andor…
Draven suspirou. Às vezes, boas pessoas acabam tendo um fim trágico.
– Diga que a Força estará com eles – o general completou.
CAPÍTULO 12

BAZE HAVIA PERMITIDO QUE Chirrut liderasse o caminho da subida. Havia


tomado a dianteira várias vezes – empurrando Chirrut para o lado para pisar
em uma parte estreita do caminho que se despedaçava, ou saindo à procura de
outras passagens onde o penhasco se tornava menos íngreme –, mas foi
Chirrut quem insistira na subida, até que chegaram juntos ao topo, olhando
para baixo na direção dos caminhos sinuosos e do laboratório de pesquisa.
– Você disse que estava seguindo Jyn – Baze rosnou.
– Por que você é sempre tão literal? – Chirrut perguntou. Seu sorriso
parecia brincalhão, quase presunçoso.
Baze rosnou em resposta. Era um velho hábito, uma maneira de assegurar
Chirrut de sua presença sem usar palavras. Duvidava que seu companheiro
gostasse daquilo.
Pouco tempo depois, Baze empunhava seu canhão e olhava através da
mira. Havia uma reunião na plataforma de aterrissagem do laboratório.
Observou stormtroopers e oficiais, além de um transporte chegando. Olhou
para o rosto pálido e bem barbeado de um jovem capitão Imperial, altivo e
com um sorriso no canto da boca depois que seu vizinho lhe disse algo.
Era o rosto de um homem que tinha o luxo de pensar em outra coisa que
não fosse a morte. Outra coisa que não fosse a total ruína de tudo o que
amava.
– Baze – Chirrut disse.
Baze se preparou para apertar o gatilho do canhão. Para incendiar a
plataforma com mais tiros blaster do que havia pingos de chuva em Eadu.
– Sinto a sua raiva – Chirrut continuou.
Deixe que os Imperiais sintam também, Baze pensou.
– Não foi para isso que viemos. – Dessa vez, não havia gracejo na voz de
Chirrut. – Isso não resolve nada.
Baze baixou a arma e se virou para seu companheiro.
– Eles destruíram nosso lar. Vou matá-los.
Chirrut não disse nada. Mas a calma inabalável do homem cego, o vento
soprando suas roupas e a chuva molhando sua cabeça pareceram drenar um
pouco da ira de Baze. Pouco depois, Baze virou e se sentou entre as rochas,
observando o que acontecia na plataforma a olho nu. Os Imperiais eram
apenas manchas àquela distância. É mais difícil odiar uma mancha.
– Então, por que viemos até aqui – Baze perguntou –, se não por vingança?
Somos lacaios da Rebelião agora?
Chirrut bateu com o cajado no chão, procurando a beira do penhasco antes
de se abaixar ao lado de Baze.
– O Capitão Andor é o único lacaio da Rebelião aqui. E até mesmo ele
pode não durar muito.
– Então, por que seguir Jyn? – Baze perguntou.
Permitira que Chirrut liderasse a subida na montanha. Também permitira
que o liderasse em muitas coisas e aprendera havia muito tempo que não
deveria exigir respostas. Mas a tristeza havia despedaçado todas essas lições.
Hoje não era um dia para as evasivas de um Guardião dos Whills.
Chirrut também sabia disso, é claro.
Tantos anos juntos, como poderia não saber?
– Porque ela brilha – Chirrut disse e pousou a mão sobre o ombro de Baze.
Por alguns minutos, houve serenidade sob a chuva no topo da montanha.
E então o céu rugiu e caças estelares traçaram caminhos de fogo sobre eles,
silenciando a tempestade.

O alarme disparou segundos antes do primeiro tiro de blaster. Jyn perdeu a


mira de seu alvo. Então viu o X-wing mergulhar, viu seus canhões laser
dispararem. A saraivada cortou através da plataforma, incendiando o metal e
lançando ondas de faíscas em todas as direções. Os stormtroopers e oficiais
atingidos em cheio pelos tiros morreram instantaneamente, carbonizados. Os
outros gritaram e correram.
Jyn recuou atrás dos caixotes e respirou fundo o ar repentinamente cheio
de fumaça. O X-wing endireitou seu mergulho. Ela ouviu seus canhões
continuarem a disparar, o som rapidamente diminuindo ao passo que a nave
deixava a plataforma.
Nem precisou se perguntar de onde vinha o caça. Mas sabia que não teria
vindo sozinho. O alarme agora parecia abafado no meio da confusão depois
do ataque. Alguém gritava ordens para que caças fossem acionados, para
retribuir fogo. Jyn aproveitou a oportunidade para olhar por trás de sua
cobertura e procurar seu pai na plataforma.
Ainda estava no mesmo lugar, ainda perto do homem de branco que
gritava furiosamente – o fantasma no meio do caos, ameaçando matar a mãe
de Jyn novamente com o mero fato de sua existência.
Mas seu pai agora se levantava; ficou de pé sem muita firmeza. Estava
vivo.
Jyn quis correr até ele. Esqueceu todos os medos que tivera sobre aquela
reunião. Mas agora mais dois X-wings iniciaram uma passagem de ataque: o
brilho vermelho e ofuscante dos tiros e o calor da água da chuva fervendo
contra seu rosto atrapalharam Jyn por um, dois, três segundos. Esfregou os
olhos e tirou cinzas das sobrancelhas, então correu com a cabeça baixa e o
blaster aninhado nos braços. Empurrou um oficial ofegante para o lado e
saltou sobre o corpo chamuscado de um stormtrooper.
– Papai – ela gritou.
Galen se virou. Ele a viu. Pela primeira vez em quase quinze anos, o pai de
Jyn estava olhando para ela.
Continuou correndo sobre o metal escorregadio. Viu o homem de branco
gritar ordens e girar em sua direção, sacando uma arma. Jyn não diminuiu a
corrida – ergueu seu fuzil, pronta para matar o fantasma e alcançar seu pai.
Se o homem de branco chegou a atirar, Jyn não sabia. Seu corpo ficou
dormente quando uma onda de choque a atingiu e o estrondo de metal se
partindo atacou seus ouvidos. Sentiu seus pés perderem o chão e seu crânio
atingir o aço. Tudo o que viu do torpedo de próton que atingiu a plataforma
foi sua incandescência ofuscante.
Imaginou se seu pai a reconhecera.

A plataforma estava queimando. Cassian não podia enxergar nada além de


fumaça preta, fogo e silhuetas se arrastando em meio ao pandemônio. Não
tinha alvos nem meios de intervir.
– Jyn – ele sussurrou. – Não.
Não podia nem saber se estava viva.
Com seu fuzil pendurado no ombro, ele correu. Deslizou pela rocha
enlameada, enterrando os pés no cascalho para não acabar rolando ladeira
abaixo. Quando teve apoio suficiente para manobrar, dirigiu-se para o
laboratório e a plataforma, torcendo para que seu caminho estivesse livre em
meio à escuridão.
Sabia que estava correndo para uma catástrofe. As chances de alcançar Jyn
– se ela tivesse sobrevivido – eram poucas. Os Imperiais atirariam contra ele
imediatamente, e não havia tempo para ser discreto. O esquadrão rebelde
continuaria atacando até ser espantado ou até as instalações se transformarem
em ruínas. Mas Cassian estava livre de sua missão agora e, se fracassasse em
salvar Jyn…
Tinha de salvá-la.
O céu se iluminou com tons vermelhos e verdes. Caças TIE haviam se
juntado à batalha, voando para interceptar os X-wings rebeldes e os
bombardeiros Y-wings, mais lentos. Saraivadas de canhões de defesa
espalhados pela instalação de pesquisa e pelo cânion brilhavam e zumbiam.
Cassian avistou um X-wing atingido pelos disparos – o caça despencou na
direção das rochas. Não conseguiu ver onde caíra, mas o rugido de sua morte
ecoou através do vale.
Cassian caiu tanto quanto correu, despencando no vazio e aterrissando de
pé ou rolando antes de se levantar e voltar a correr. Um pensamento surgiu
em seu cérebro: se encontrasse Jyn, para onde iriam? Ainda estavam presos
em Eadu. Mas não importava – isso não mudava a urgência do que precisava
fazer.
Um raio brilhante cruzou o ar acima de Cassian como um meteoro. Atingiu
um dos caças TIE, lançando a nave em espiral no meio da chuva até colidir
com um canhão. A explosão branca que se seguiu iluminou Eadu até onde
Cassian podia ver. Quando olhou para trás, seguindo a trajetória do raio até
sua fonte, viu duas silhuetas humanoides acima dele na montanha.
Uma das silhuetas carregava um cajado.

O U-wing estava pegando fogo, atingido – intencionalmente ou não, Bodhi


não tinha certeza – durante uma manobra arriscada de um caça TIE sobre o
cânion. O esquadrão de X-wings da Aliança Rebelde, assim como os rebeldes
de Saw Gerrera em Jedha, pareciam não ter um interesse particular na vida ou
na morte de Bodhi. Ou dos companheiros com quem havia se juntado – os
companheiros que haviam quase começado a tolerar Bodhi: o único que
sobrara era o droide, que, Bodhi suspeitava, queria prendê-lo.
– Você gostaria de ser carregado? – K-2SO perguntou enquanto corriam
para longe do incêndio no U-wing. As passadas do droide eram
marcadamente mais lentas do que as de Bodhi, mas seus membros compridos
cruzavam o dobro da distância a cada passo.
– Não! – Bodhi respondeu. Precisou de mais ar para dizer isso do que tinha
nos pulmões.
– Eu poderia carregá-lo mesmo assim. Desse jeito você não precisaria
escolher.
Bodhi cambaleou até parar e cair de joelhos, baixando a cabeça e ofegando
por um tempo que sabia que era demais.
– Não – ele conseguiu dizer, finalmente. – Não, ouça. Preciso que confie
em mim, certo? Você precisa me acompanhar e não dizer nada, a menos que
alguém peça que fale.
A chuva atingia o peito do droide. K-2SO olhou para Bodhi, estudando-o.
– Confiança é uma questão delicada. Eu realmente não conheço você,
Bodhi Rook.
Bodhi estremeceu e sacudiu a cabeça. Não há tempo! Os outros estavam
esperando. Galen Erso estava esperando. Ele queria gritar. Em vez disso,
apenas falou.
– Você me conhece, sim. Olha, eu e você… – Apontou para o emblema do
Império no braço do droide, depois para o símbolo idêntico em seu traje de
voo. – Nós dois temos isso, e nós dois estamos aqui de qualquer maneira.
Nós dois queremos impedir a Estrela da Morte, certo? Nós dois queremos
ajudar a Rebelião?
O droide não respondeu. Bodhi falava rápido demais agora, mas, se
alguém podia entendê-lo, seria uma máquina.
– Cassian reprogramou você, não é mesmo? Talvez? Você é leal a ele, eu
entendo isso. Galen Erso reprogramou a mim. Ainda podemos cumprir esta
missão e queremos a mesma coisa, mas você precisa me deixar liderar…
Algo explodiu no topo do cânion. A luz fez K-2SO parecer um fantasma –
uma sombra lúgubre com olhos brilhantes e mortais.
– Certo então – K-2SO disse.
Bodhi assentiu veementemente e se virou na direção do hangar de
transportes.
Nunca teve intenção nenhuma de voltar para Eadu. Nunca quis colocar os
pés em uma guarnição Imperial depois que desertou. Galen fizera parecer
simples, como se pudesse entregar a mensagem para Saw Gerrera e depois
fugir para algum lugar longe do Império, algum lugar onde a Rebelião
pudesse escondê-lo e pagar uma boa quantia por todo o bem que fizera.
Agora suspeitava que esse plano nunca esteve realmente sobre a mesa.
Mas Bodhi nunca foi um bom apostador e não podia culpar a pessoa que deu
as cartas.
– Se uma luta começar – Bodhi disse –, tente não machucar ninguém sem
necessidade.
– Eu sempre tento – o droide respondeu.
Bodhi começou a andar na direção das luzes do hangar e rezou para
encontrar um meio de fugir daquele planeta.

Jyn acordou com algo queimando em seus pulmões e o cheiro de morte nas
narinas. Quando tossiu, o baque enviou uma onda de dor do pescoço até as
costas. Ela rolou de bruços e se ajoelhou, usando a mão direita para se apoiar
na plataforma, mas encontrou apenas a beirada quente de um buraco que
cobria a maior parte do chão. À sua esquerda havia um cadáver enegrecido e
ensanguentado demais para identificar.
Jyn concluiu que estava viva.
Onde estava seu pai?
– Diretor! – alguém chamou. – Precisamos evacuar!
Olhou na direção do som. Através de fumaça espessa, Jyn avistou dois
oficiais apoiando o homem de branco, levando-o em meio ao fogo até a
rampa de embarque do transporte. Quando a rampa começou a subir, o
homem de branco lançou um último olhar na direção de um corpo do outro
lado do buraco.
O corpo de Galen.
Jyn forçou-se a levantar e sentiu mais dor descendo suas costas. Tentou
correr, mas apenas conseguiu dar passos vacilantes e desajeitados. Se alguém
tentasse atirar contra ela, Jyn morreria instantaneamente, mas ninguém atirou.
Ouvia passos e gritos. Não viu mais ninguém através da fumaça.
Gotas de chuva caíam sobre ela e um vento forte e quente a derrubou de
joelhos novamente. Quando o transporte se ergueu da plataforma, a força do
ar expulso dos motores aumentou até Jyn deslizar para trás, na direção da
beira da plataforma. Tentou se segurar com as pontas dos dedos no metal
molhado, mas apenas a subida final do transporte a salvou de um destino
semelhante ao do stormtrooper que ela matara mais cedo. Quando se arrastou
do precipício e se ergueu outra vez, viu suas próprias unhas rachadas e
cobertas de fuligem.
Tremendo, Jyn refez seu caminho. Logo voltou a ter firmeza nos passos e
correu até chegar ao lado de seu pai. Ajoelhou-se nas cinzas, envolvendo
Galen com os braços e trazendo-o para perto do peito.
Ele era tão leve. Apenas os restos de um homem envelhecido.
Mas estava quente. E respirava.
– Papai – ela sussurrou. – Sou eu, a Jyn.
Sua cabeça pendeu para trás e ele encarou as nuvens no céu antes de
finalmente virar na direção dela. Havia dor em seu rosto, perplexidade e uma
alegria na qual parecia não confiar plenamente.
– Jyn? – ele disse, e ela assentiu. Os olhos dela ardiam com a fumaça e as
lágrimas.
Meu pai está vivo.
Meu pai está morrendo.
– Poeira Estelar – ele disse. Seus lábios moviam-se com um cuidado
deliberado, como se ele quisesse que ela reconhecesse as palavras mesmo se
o fôlego acabasse.
Jyn acariciou seu cabelo molhado e sujo. Assim como Saw, ele era uma
sombra do homem de que se lembrava. Enquanto ela havia crescido, ele
havia murchado. Mesmo o homem no holograma era mais sólido que o
homem que abraçava agora.
Ficou surpresa ao perceber que não sentia nenhuma raiva. Não havia nada
para sentir raiva. Apenas um homem moribundo que a amava e que havia
esgotado tudo o mais que já fora.
As confissões de Jyn também sumiram. Aquele não era um homem que
precisava ouvir o que a Estrela da Morte havia feito, ou sobre como ela
perdera a fé que tinha nele, ou sobre as coisas que Liana ou Tanith ou Kestrel
haviam cometido enquanto ele dizia a si mesmo: se você estiver feliz, Jyn,
então isso já seria mais do que suficiente.
Galen voltou a falar, observando-a com uma intensidade triste:
– Ela tem de ser destruída.
– Eu sei – Jyn respondeu em um tom tranquilizador, tremendo quando
chegou o mais perto que podia. – Vi sua mensagem.
Não teve certeza se ele a ouviu.
Seu pai molhou os lábios.
– Alguém precisa destruí-la.
Ele ergueu o braço lentamente. Seu pulso tinha espasmos quase
imperceptíveis com o esforço dos músculos. Três dedos macios tocaram o
rosto de Jyn, depois caíram.
– Papai… – Sua garganta estava fechada. – Não. Não…
Jyn ajeitou os cabelos na testa de seu pai. Ele estava quente, mas o peito já
não subia e descia – nem mesmo com a leve respiração de antes.
– Papai… papai! Por favor…
Olhou para dentro, para a caverna em sua mente, mas o holograma não
estava mais lá e suas palavras não mais ecoavam. Havia agora apenas
escuridão e vazio. Nenhum abrigo, nada para protegê-la, nada para guiá-la.
Não soltou Galen, não soltou seu pai, quando um corpo de armadura
branca saiu da fumaça e mirou neles. Jyn procurou seu fuzil, mas não o
encontrou – não lembrava onde ele havia caído. Abraçou o corpo com mais
força e se preparou para um último choque de dor.
Ouviu o disparo. Viu o stormtrooper cair. Cassian emergiu da fumaça e
logo estava ao seu lado, com as mãos em seus braços e tentando fazê-la
levantar, tentando puxá-la para longe de Galen.
– Jyn, precisamos ir. Vamos.
Ela não entendia de onde ele aparecera, da mesma maneira como não
entendia o ataque dos X-wings. Entender não faria diferença.
– Não posso deixá-lo aqui.
– Ouça. – Firme, mas não forçoso, ele tirou os dedos dela do corpo de seu
pai. O calor de Galen havia desaparecido, substituído pelo frio da chuva. –
Ele se foi. Ele se foi. Não há nada que você possa fazer. Vamos.
Seu pai caiu no metal.
– Ajude-me – Jyn disse e ficou surpresa ao ouvir a força em sua voz.
– Vamos – Cassian insistiu. Ele a levantou. A dor atravessou o corpo dela
e pareceu ativar seus nervos. A fumaça machucava sua garganta. Passos
corriam na direção deles. A própria plataforma rangia.
Jyn precisava fugir ou morreria com seu pai.
– Anda! – Cassian urgiu.
Ela tomou sua mão e deixou que mostrasse o caminho.
Cassian já havia testemunhado Jyn presa dentro de si mesma no monastério,
em Jedha. Mas o que via agora era diferente – estava alerta, ciente dos
arredores e de suas decisões. Ele apenas precisava ter certeza de que ela
escolheria viver.
Cassian já havia fracassado com o pai dela.
Manteve uma das mãos agarrada ao braço de Jyn e a outra no fuzil
enquanto atravessava o caminho entre incêndios e buracos na plataforma.
Sabia que o tempo era curto. O esquadrão rebelde deixara os céus pouco
antes de Cassian encontrar Jyn – agora os Imperiais fugiam enquanto o
inferno gerado pelas bombas se espalhava pela instalação. Metade da
guarnição caçava intrusos enquanto o resto corria para a evacuação.
Cassian havia encontrado um turboelevador de carga, desprotegido no
meio do caos, que o levou até a plataforma. Conduzira Jyn por alguns metros
até a porta, quando um esquadrão de stormtroopers emergiu de uma das
estruturas vizinhas. Cassian ergueu seu fuzil – havia soldados demais, porém
ele poderia dar cobertura para Jyn – e viu uma rápida saraivada de tiros
energéticos derrubar os inimigos como bonecos.
Os tiros vieram da direção da montanha. Apenas uma vez vira um franco-
atirador eliminar um esquadrão tão rapidamente antes.
Obrigado, Baze, ele pensou, e correu para o turboelevador.
– Vamos – gritou para Jyn. – Vamos!
Disparou três tiros quando mais stormtroopers apareceram na plataforma.
Não viu se acertou os alvos – em vez disso, olhou para Jyn. Ela olhava na
direção do pai.
Quando se voltou para Cassian, havia gelo em seus olhos. Mas continuou
correndo com ele.
Logo estavam no fundo do cânion, correndo sobre poças e chutando
cascalho conforme passavam. Intermináveis tiros vermelhos foram
disparados de cima da plataforma. Quando Cassian e Jyn dobraram a base de
um pilar rochoso, mais tiros energéticos voaram atrás deles. Cassian tentou
contatar K-2 no comlink, mas não conseguiu. Chamou Baze e Chirrut antes
de lembrar que eles não tinham nenhum comlink.
Teve um vislumbre dos stormtroopers que se espalhavam no cânion, em
perseguição. Em um terreno familiar, Cassian poderia ter escapado deles.
Mas mal enxergava um palmo à frente do nariz e seria facilmente detectado
por qualquer sensor de calor. Sem um respiro, ele e Jyn logo estariam mortos.
– Os caças estelares – Jyn disse, com a voz rouca. – Você consegue
chamá-los de volta?
Seus cabelos grudavam no rosto. Cinzas cobriam a face e o queixo. Parecia
ter saído de sua própria cremação para se vingar do mundo que a havia
injustiçado.
– Não consigo – Cassian respondeu. – Eles já partiram.
– Mas não são da Aliança? – As palavras soaram mais como uma acusação
do que como uma pergunta. – Estão do seu lado.
– Eles não obedecem às minhas ordens, e não tenho como conta-tá-los.
Eles não podem nos salvar. – Não sabia o que ela estava pensando, não
imaginava sobre o que poderia se fixar em seguida, no meio de sua
perturbação. – Estamos sozinhos, Jyn.
Uma série de tiros atingiu a rocha perto dali. Jyn olhou impassivelmente
por cima do ombro de Cassian, na direção das fantasmagóricas tropas de
armadura branca.
Ele ouviu um rugido súbito, e uma rajada de vento quase o jogou contra a
parede. Aparecendo sobre o topo do cânion, mergulhando na direção de
Cassian e Jyn, veio um transporte Imperial – não aquele que Cassian vira na
plataforma, mas uma nave classe Zeta velha e gasta, construída para
transportar carga. A nave voava entre os ventos da tempestade como um
barco sacudindo em um redemoinho, mas conseguiu se estabilizar quando
chegou perto do chão. Canhões laser se moviam no casco dorsal, encontraram
alvos e dispararam contra os soldados sob a chuva. Stormtroopers gritavam e
caíam em montes fumegantes.
Cassian quis rir. Quis gritar.
A rampa de embarque do transporte se estendeu, o metal chiando sob o
vento. Uma voz veio de dentro:
– Vamos, vamos, vamos! – A silhueta de Bodhi contra as luzes do interior
acenava freneticamente.
Cassian e Jyn correram juntos e subiram a rampa. Bodhi sorria
abertamente, mas, quando viu Jyn – sóbria, implacável –, seu rosto murchou.
Cassian sentiu a nave subir sob seus pés e se virou, quase caindo para fora da
porta. Olhou através do véu da chuva.
Viu aquilo que procurava e gritou na direção da cabine do piloto.
– Espere, espere, K!
Chirrut descia um declive, batendo no chão com seu cajado em uma das
mãos e carregando seu arco de luz ornamentado na outra. Baze vinha logo
atrás, dobrando o torso e empunhando o canhão enquanto ficava de olho na
retaguarda. Os dois subiram a rampa de embarque correndo e entraram no
compartimento de cargas da nave.
Cassian olhou para o arco de luz de Chirrut com uma recém-descoberta
admiração.
– Você derrubou um caça TIE com essa coisa?
– Não elogie – Baze rosnou enquanto recuperava o fôlego. – Tem sorte por
ele não ter acertado vocês.
Bodhi acionou um botão e a rampa começou a se fechar. Quando correu
para a escada que levava à cabine do piloto, ele gritou:
– K-2, todos a bordo! Vamos!
– Entendido – a voz do droide respondeu. – Decolando.
A cabine tremeu quando o transporte voou para fora do cânion, inclinou-se
ao passar por uma formação rochosa e começou uma rápida subida aos céus.
Uma série de explosões distantes – algumas breves e sobrepostas, outras mais
intensas – se seguiu. O laboratório, Cassian pensou. O incêndio atingira os
cristais kyber ou algum outro material volátil.
Ao menos isso limitava a probabilidade de uma perseguição.
Quando os sons da tempestade e da destruição ficaram para trás, o
transporte se endireitou. Estavam deixando a atmosfera. Cassian desabou
sobre a rede de carga para também recuperar o fôlego e sentiu a exuberância
da fuga ser substituída pela fadiga. Olhou para Baze e Chirrut e percebeu que
os dois tinham expressões sombrias.
Estavam esperando Galen Erso.
Bodhi quase certamente também esperava.
Cassian não olhou para Jyn.

Krennic acordou com gosto de poeira e fumaça na boca, imediatamente


tossindo e expelindo um catarro preto.
Estava a bordo de seu transporte, preso no assento pelo cinto de segurança.
Pterro, seu ajudante, estava ajoelhado ao seu lado. Krennic dispensou uma
pergunta sobre sua saúde e tentou entender como havia chegado ali.
Lembrou-se da explosão do torpedo. Chegara ao transporte antes de apagar.
– Os rebeldes – ele rosnou. – Uma tentativa de assassinato?
– Sim, senhor – Pterro respondeu. – Observadores em solo e um esquadrão
de X-wings, até onde sabemos.
Algo sobre aquele relatório perturbou Krennic – sentiu a ausência de
algum elemento, como se fosse um dente faltando; vislumbrou uma mecha de
cabelos negros e sentiu uma dor há muito esquecida no ombro –, mas era
problema para depois. Continuou revisando o emaranhado de imagens em sua
mente.
– Galen Erso? – ele perguntou.
– Não sobreviveu ao ataque, senhor.
Krennic tensionou os músculos do queixo. Por um instante, o cheiro de
cinzas foi demais e inundou seu cérebro até a náusea e a vertigem tomarem
conta.
Vocês nunca vencerão.
Mas ele havia vencido, ou quase isso. Galen admitira sua traição – embora,
claro, tenha passado o papel de opressor para Krennic. Como fizera em
Lah’mu, Galen arranjara um cenário no qual os dois sairiam como herói e
vilão – no qual Galen poderia vestir sua indignação justiceira quando
recomeçasse o trabalho.
Acontece que dessa vez Galen não saiu vivo.
Os X-wings deram a Krennic uma vingança sem reconciliação. Ainda
poderia ter usado Galen de algum jeito, embora sob vigilância cerrada. Agora
lembraria do homem não como um brilhante cientista, mas como um
potencial desperdiçado – pouco mais do que um fantoche de Wilhuff Tarkin.
Krennic tossiu quando poeira e bile voltaram a subir pela sua garganta.
Dispensou novamente a ajuda de Pterro, passou as mãos no rosto e se
recompôs. Talvez a morte de Galen fosse uma coisa boa, pensou. Havia
níveis de traição, e alguns deles eram imperdoáveis.
– Senhor?
Pterro estava de pé ao seu lado, com o canto da boca tremendo.
– Fale de uma vez, homem – Krennic rosnou. Já perdera muito tempo para
a inconsciência em um dia tão cheio.
– Recebemos novas ordens enquanto estava ocupado – Pterro disse.
Novamente, ele hesitou. – O senhor recebeu uma ordem para seguir até
Mustafar. Lorde Vader quer conversar com o senhor.
Darth Vader?
A mão direita e o carrasco do Imperador. Aliado de Wilhuff Tarkin. Ser
convocado por Vader era mau sinal, mas o encontro também poderia ser a
oportunidade de que Krennic precisava.
– Programe a rota. – Krennic deu de ombros. – Não queremos deixar Sua
Senhoria esperando.
Olhou para si mesmo e ajeitou seu uniforme. Notou manchas negras da
fumaça e metal chamuscado, um borrão vermelho onde alguém –
provavelmente ele mesmo – sangrara. Não sabia se teria tempo para se limpar
antes de chegar ao seu destino.
Ou talvez Lorde Vader pudesse respeitar um homem que havia encarado
um combate.

DADOS COMPLEMENTARES:
ANOTAÇÕES DE ENGENHARIA DA
ESTAÇÃO DE BATALHA

[Documento #YM3884L (“Soluções para distribuição de


resíduos radioativos”), datado aproximadamente 18 meses antes
da Operação Fratura, enviado pelo Gerente de Operações de
Engenharia Shaith Vodran a Galen Erso.]

Erso:
Fiz os droides gerarem um novo Relatório de Segurança e
Compatibilidade de Sistemas incorporando ao núcleo do reator os
ajustes propostos pela sua equipe. Os novos planos dispararam uma
dezena de alertas de subsistemas e uma grande marca vermelha na
linha rotulada “Unidade Aniquiladora de Hipermatéria”. Nem
perguntei ao meu astromec o quanto aquilo poderia ser ruim – uma
linha vermelha em um sistema crítico fala por si mesma.
Por que estamos fazendo modificações no reator a essa altura do
jogo?
Peça para seus engenheiros checarem melhor seus trabalhos.
Obviamente, nenhuma mudança foi aprovada.

[Documento #YM3884M (“Resposta para Soluções para


distribuição de resíduos radioativos”), enviado por Galen Erso
ao Gerente de Operações de Engenharia Shaith Vodran.]

Vodran:
Minhas sinceras desculpas. Concordo plenamente que isso é
inaceitável. O objetivo das modificações é reduzir o tempo de
carregamento do canhão principal para níveis satisfatórios (tenho
certeza de que você viu a diretiva de Tarkin), mas não há desculpa
para trabalho desleixado.
Imagino que você tenha alertado o Diretor Krennic também.
Direi mais assim que falar com minha equipe.

[Documento #YM3884N (“Resposta para Soluções para


distribuição de resíduos radioativos”), enviado pelo Gerente de
Operações de Engenharia Shaith Vodran a Galen Erso.]

O Diretor Krennic está recebendo cópias de todos os rscs, mas, se ele


quiser supervisionar essas modificações em particular, é
responsabilidade sua informá-lo sobre os seus problemas.

[Documento #YM3884O (“Resposta para Soluções para


distribuição de resíduos radioativos”), enviado por Galen Erso
ao Gerente de Operações de Engenharia Shaith Vodran.]

Vodran:
Alertei o diretor pessoalmente, por sugestão sua.
Conversei com minha equipe e identificamos o problema. As
modificações do núcleo do reator estão produzindo um acúmulo de
radiação, que por sua vez tem o potencial de interferir com o
aniquilador de hipermatéria.
O acúmulo é causado pela blindagem interna, que está refletindo
ativamente o excesso de partículas e metaforicamente “cozinhando” o
núcleo do reator. Se a pesquisa da equipe de blindagem não fosse tão
compartimentalizada, isso talvez pudesse ter sido evitado.
Não obstante:
As modificações do núcleo do reator devem permanecer como
estão. Portanto, ficamos com três possibilidades para evitar o
acúmulo de radiação:
Opção um: construção de um funil reciclador de partículas. Isso é
tecnologia conhecida e testada. Tenho confiança de que funcionará.
Requisitos físicos significam que o reciclador teria de substituir
mecanismos não cruciais sob o setor de comando do norte, mas
calculo que a desmontagem necessária levaria menos de duas
semanas.
Opção dois: continuar o refinamento tecnológico de nosso reator
para reduzir o desperdício de partículas. Tenho vários membros da
equipe ansiosos por essa possibilidade. Estão animados sobre o
potencial avanço tecnológico.
Opção três: construção de dutos de ventilação e saídas de escape
térmico. Isso deve reduzir o acúmulo de partículas para parâmetros
toleráveis, mas não para um grau que eu pessoalmente considere
aceitável. Além disso, acrescentar dutos de ventilação pode levar a
incompatibilidades adicionais com sistemas não cruciais.
Por favor, alerte-me se tiver preocupações.

[Documento #YM3884P (“Resposta para Soluções para


distribuição de resíduos radioativos”), enviado pelo Gerente de
Operações de Engenharia Shaith Vodran a Galen Erso.]

Supervisionei a construção do setor de comando norte pessoalmente.


Tarkin já visitou as instalações. Se o funil reciclador de partículas não
puder ser instalado em outro lugar, fique com as opções dois e três.
Talvez seja melhor dar a decisão final para Krennic. Ele está
preocupado com os prazos.

[Documento #YM3884Q (“Acúmulo de partículas”), enviado


por Galen Erso ao Diretor de Pesquisa de Armamentos
Avançados Orson Krennic.]

Diretor:
Como já discutimos, anexo aqui os relatórios preliminares sobre
dois métodos para reduzir o acúmulo de partículas. Deixei clara
minha preferência em pessoa, mas aguardo o seu julgamento.

[Documento #YM3884R (“Reposta para Acúmulo de


partículas”), enviado pelo Diretor de Pesquisa de Armamentos
Avançados Orson Krennic a Galen Erso.]

Galen:
Mais pesquisa e desenvolvimento de tecnologia estão fora de
questão a esta altura. Detalhe uma proposta completa para a solução
da saída de escape e envie os planos para Vodran submeter ao rscs.

[Documento #YM3884S (“Dutos de ventilação”), enviado pelo


Gerente de Operações de Engenharia Shaith Vodran a Galen
Erso.]

Erso:
Que lixo é esse? O Relatório de Segurança e Compatibilidade de
Sistemas travou depois de duzentas linhas vermelhas. Apenas revisei
as primeiras dez linhas, mas parece que você está inundando metade
da estação com radiação?
Achei que esses dutos de ventilação deveriam resolver o problema.

Nenhuma mudança foi aprovada.


[Documento #YM3884T (“Resposta para Dutos de ventilação”),
enviado por Galen Erso ao Gerente de Operações de
Engenharia Shaith Vodran.]

Sei que estou me repetindo, mas: peço desculpas.


Como sabe, um engenheiro pode se concentrar demais em uma
tarefa em particular. Eu e minha equipe fomos vítimas do pecado da
soberba.
É claro que eu deveria ter alertado que seus droides poderiam
registrar perigos. Os dutos de ventilação foram planejados para
expulsar a maior parte do calor e do acúmulo de partículas, mas
algum vazamento de radiação é inevitável. Nossa estimativa é que
tripulantes humanos em qualquer dos quinze setores sofreriam – em
um cenário em que a estação dispara o canhão principal três vezes
dentro de uma hora – maiores riscos de desenvolver uma variedade de
problemas de saúde a longo prazo. O rscs, é claro, detectou isso
naquelas “duzentas linhas vermelhas”.
Instruí minha equipe a procurar outras opções. Para acelerar as
coisas, devo solicitar o uso de seus droides para rodar vários cenários
alternativos.
Isso será uma inconveniência, eu entendo, mas a segurança dos
membros da estação de batalha é uma prioridade.

[Documento #YM3884U (“Resposta para Dutos de


ventilação”), enviado pelo Gerente de Operações de
Engenharia Shaith Vodran a Galen Erso.]

Os setores de comando ou aposentos dos oficiais estão na área afetada


pela radiação?

[Documento #YM3884V (“Resposta para Dutos de ventilação”),


enviado por Galen Erso ao Gerente de Operações de
Engenharia Shaith Vodran.]

Não.

[Documento #YM3884W (“Resposta para Dutos de


ventilação”), enviado pelo Gerente de Operações de
Engenharia Shaith Vodran a Galen Erso.]

Envie o seu plano finalizado. Vou declarar erro dos droides e


modificar manualmente o próximo rscs.
Não vou enterrar Krennic em relatórios sobre linhas vermelhas
enquanto você estuda como impedir que alguns stormtroopers
desenvolvam um resfriado.

[Documento #YM3884X (“Resposta para Dutos de ventilação”),


enviado por Galen Erso ao Gerente de Operações de
Engenharia Shaith Vodran.]

Isso não será necessário. Tenho certeza de que podemos resolver isso.
Mesmo se uma solução técnica fracassar, talvez possamos alterar a
rotação da tripulação para mitigar os riscos à saúde.

[Documento #YM3884Y (“Resposta para Dutos de ventilação”),


enviado pelo Gerente de Operações de Engenharia Shaith
Vodran a Galen Erso.]

Talvez você seja muito obtuso para entender, Erso, mas estou lhe
fazendo um favor. Esse projeto deveria estar pronto semanas atrás.
Envie os planos finais para os dutos de ventilação e saídas de
escape. Vou aprovar manualmente o rscs e enviá-lo para produção,
manufatura e instalação.
As mudanças foram aprovadas.
CAPÍTULO 13

JYN SENTIU INTENSAMENTE O FRIO DE SUAS ROUPAS ENCHARCADAS. Sentia tudo


intensamente, como se o escuro da caverna que a havia engolido também
intensificasse seus sentidos. Bodhi dava instruções para K-2SO enquanto
descia da cabine do piloto. Baze e Chirrut sentavam-se imóveis, pingando e
com expressões sérias, com a atenção voltada para ela. Cassian tirava seus
equipamentos molhados, deixando jaqueta, quadnocs e fuzil em uma pilha.
Cassian, que havia traído Jyn.
Quando foi que ela entendeu? Durante a fuga da plataforma? Quando os
primeiros X-wings surgiram no céu?
Não importava. Ao longo dos anos, desenvolvera um sentido aguçado para
detectar traições. Já tinha se acostumado a isso, aceitado como o preço por
viver livre entre assassinos e ladrões.
Por que esperava mais da Rebelião?
– Você mentiu para mim – ela disse para Cassian.
Ele estremeceu como um homem atingido por um golpe que sabia que
estava vindo.
– Você está em choque. – Cassian a encarou de volta enquanto virava em
sua direção, tentando intimidá-la.
– Você foi até lá em cima para matar meu pai.
A resposta dele foi imediata:
– Você não sabe do que está falando.
– Negue! – ela o desafiou, rispidamente. E então repetiu, mais devagar. –
Você foi até lá em cima para matar meu pai.
Seu pai, que no fim não foi um herói nem um traidor. Apenas um homem
frágil que ela não teve a chance de conhecer. Reconheceu a dor inchando por
causa daquele pensamento e a transformou em uma arma – era uma velha e
treinada reconfiguração.
Bodhi agora olhava para Cassian como se estivesse magoado – mas, assim
como Cassian, parecia não estar surpreso pela acusação. Jyn estava
confirmando aquilo em que ele havia escolhido não acreditar. Baze olhou
para Cassian com todo o desgosto que reservara aos stormtroopers em Jedha.
Chirrut estava de cabeça baixa. Jyn achou que estava rezando.
– Você está em choque – Cassian repetiu – e procurando algo para
extravasar. Já vi isso antes…
Jyn abriu um sorriso cínico e levantou-se quando cuspiu as palavras:
– Tenho certeza que já viu. – Apontou para os outros com o polegar. – Eles
sabem. Você mentiu sobre por que viemos até aqui e mentiu sobre por que
subiu lá sozinho. Caças da Aliança não vieram para Eadu por coincidência. –
Não se importava realmente se Cassian confessaria. Não se conseguisse
atingi-lo com suas acusações, para vê-lo se contorcer em vez de encarar a
verdade. – Talvez esteja mentindo desde a base rebelde. Meu pai sempre foi
um alvo para você.
Podia ouvir a água pingando das roupas no silêncio que se seguiu. Quando
Cassian voltou a falar, pronunciou as palavras lentamente, tremendo o tempo
todo.
– Eu tinha o seu pai na minha mira. Tive todas as chances para puxar o
gatilho.
Após uma pausa, completou:
– Mas atirei?
Cassian girou na direção de Chirrut e Baze, e lançou um olhar de fúria para
Bodhi.
– Atirei?
Ninguém falou nada. Jyn não esperava que fossem falar.
Voltou a atacar Cassian, deixando o ressentimento ampará-la enquanto os
dentes batiam uns contra os outros:
– Mas podia ter atirado. Meu pai era a prova viva e você o colocou em
risco. Foram bombas da Aliança que o mataram!
Ela estava certa. Tentou encontrar a satisfação por estar certa. Mas não
havia nenhuma – não dentro da escuridão da caverna.
– Eu tinha ordens! Ordens que desobedeci! – Não havia mais calma no
homem diante de Jyn. O rosto do espião foi despedaçado, transformando-se
em algo feroz e visceral. – Mas você não conseguiria entender isso.
– Ordens? Mesmo sabendo que elas estavam erradas? – Jyn lembrou-se da
missão que Saw lhe dera aos catorze anos; ela baniu aquela memória
dolorosa e procurou uma estaca para atravessar o coração de Cassian. – Você
é igual a um stormtrooper.
Mas Cassian não recuou, não estremeceu mais. Marchou na direção dela,
parando a um palmo dela e quase gritando:
– O que é que você sabe? Não é todo mundo que tem o luxo de decidir
quando e onde querer se importar com algo. – Ele devolveu o sorriso cínico
de Jyn. – De repente a Rebelião é real para você? Agora que você tem um
propósito nela e agora que não tem uma vida para a qual voltar? – Ele ergueu
um punho fechado. Jyn se preparou para uma luta, mas Cassian baixou o
braço rapidamente.
– Alguns de nós vivem essa Rebelião – ele continuou. – Estou nessa luta
desde os seis anos. Você não é a única que perdeu tudo. – Respirava
rapidamente, mas as palavras eram deliberadas. – Alguns de nós apenas
decidimos fazer algo a respeito.
Jyn encarou o rosto de seu traidor.
Você mentiu para mim, ela quis dizer outra vez. Você foi até lá em cima
para matar o meu pai. Mas o frio agora penetrava até os ossos, mordendo a
medula.
– Você não pode fugir disso apenas com palavras.
– Eu não preciso fugir – Cassian retrucou.
Jyn não desviou os olhos. Cassian também não. Ficaram ali de pé
encarando um ao outro até finalmente o frio e a escuridão se tornarem demais
para Jyn – até não ter mais palavras com as quais atacá-lo, nenhuma arma
verbal, e tudo o que restava era dar um soco em suas costelas, acertar o joelho
em seu peito e observar sua queda.
Mas isso não faria Cassian lhe implorar que o perdoasse por matar seu pai.
Não a faria se sentir menos mesquinha.
Ela lhe deu as costas.
– Yavin Quatro! – Cassian gritou na direção da cabine do piloto. – Avise-
os de que estamos chegando com uma nave roubada. – Com o canto dos
olhos, Jyn viu Cassian girar e fixar um olhar implacável em Bodhi, Chirrut e
Baze. – Mais alguém quer dizer alguma coisa?
Ninguém falou. O que mais havia a dizer?

– Você deveria ter me contado – Mon Mothma disse. Mas não havia veneno
nas suas palavras.
Estava diante da janela de seu escritório: um largo vão no zigurate que se
abria para a interminável selva, sua antiguidade refutada pela lona pendurada
que Mothma usava como proteção durante as tempestades. O General Draven
a observava de sua cadeira, diante da escrivaninha, periodicamente olhando
para o relógio no console.
– Nada disso faria diferença – ele disse. Sua voz saiu amarga, mas a
amargura não era direcionada a Mothma. – Não ficamos sabendo de Jedha até
ser tarde demais. Quanto a Galen Erso, após perdermos o Capitão Andor,
após pensarmos que havíamos perdido o Capitão Andor, tive de tomar uma
decisão na hora. Assassinato em vez de extração.
Era uma mentira, mas Mothma não precisava saber que o assassinato
estava planejado desde o início. Draven não tinha medo de defender suas
escolhas, mas havia questões maiores em jogo e era melhor não complicar
mais as coisas.
– Você não sabe o que teria feito diferença. – Mothma girou; as
sobrancelhas juntas mostravam todo o seu desalento. – Você não tem ideia do
que eu estava fazendo nesses últimos dias, General. Desde que ouvimos
rumores do destruidor de planetas, venho tentando organizar nossos aliados
no Senado para que forçassem uma votação: uma declaração de intenção para
a desmilitarização do Império e uma reconciliação com a Aliança Rebelde.
Draven não sabia disso, embora tal votação já fizesse parte do plano de
longo prazo de Mothma. Ele deveria saber, certamente. Era uma indesejada
lembrança dos pontos cegos da Inteligência da Aliança.
Mothma ainda não tinha acabado.
– Eu poderia usar a incerteza. A possibilidade, os rumores de um
destruidor de planetas, meses ou anos antes de se completar, poderia ganhar
votos a nosso favor. O testemunho de Galen sobre seu poder e propósito
poderia ser ainda melhor. Mas isso… – Ela suspirou e sentou-se na beira da
janela, ajeitando as dobras de seu vestido branco. – Um destruidor de
planetas completamente operacional, pronto para ser usado, e a Aliança não
sabe de quase nada? Se eu revelasse isso, metade dos senadores não
acreditaria em nós, e os outros entrariam em pânico. Não posso controlar o
pânico.
Draven digeriu aquilo, guardou pedaços para investigar depois e fez o seu
melhor para separar o que era destinado a ele daquilo que era apenas
frustração.
– Então isso significa – ele perguntou, tomando cuidado para não mostrar
julgamento – que está desistindo de uma solução política?
– Nunca – Mothma disse quase num sussurro. – Mas talvez a paz tenha de
esperar mais um pouco.
Draven explodiu em uma risada e imediatamente se arrependeu. Após um
momento, Mothma ofereceu um de seus raros sorrisos autodepreciativos.
– Será preciso reunir o conselho da Aliança, é claro – ela disse. – O mais
rápido possível. Informe a todos e determine nossa estratégia diante de uma
crise.
Draven havia previsto aquilo. Uma reunião dos líderes da Aliança poderia
ser uma má ideia – um traidor com um detonador térmico ou alguma
transmissão descuidada seriam o fim da Rebelião –, mas ele não tinha opção
melhor. Os comandantes militares estavam acostumados a viajar
secretamente, apesar do perigo – os membros civis do conselho e os agentes
da Aliança espalhados no Senado Imperial e em outros lugares teriam mais
dificuldade para se juntar à reunião discretamente na Base Um.
– Cuidarei disso – ele disse. Seria como mover uma montanha em prazo
muito curto, mas ele cuidaria disso. – Há uma boa chance de que tenhamos
de volta o Capitão Andor e a filha de Erso a tempo para a reunião.
– Ótimo. O testemunho do Capitão Andor pode ajudar a tranquilizar e
persuadir os conselheiros mais céticos. – Mothma não soava como se
realmente acreditasse naquilo.
– Andor pode não ter muito a contar. Sabe aquela mensagem que
desencadeou tudo isso? A mensagem de Galen Erso? – Mothma assentiu e
inclinou a cabeça. Draven suspirou. – Acontece que a filha de Erso é a única
pessoa viva que viu a mensagem. Ela também se encontrou com Erso, antes
de morrer. Vamos interrogá-la, mas não sei até que ponto ela poderá
tranquilizar o conselho.
Mothma ajeitou seu vestido novamente e examinou o tecido por meio
minuto ou mais. Então se levantou.
– Quero Jyn Erso nessa conferência – ela disse. – Certifique-se de sua
presença.
Mais do que qualquer coisa que tivesse dito, aquilo surpreendeu Draven.
Jyn Erso?
– Aquela garota é uma ladra e uma mentirosa – Draven disse. – Ela estava
na prisão por um motivo. Quase arrancou a cabeça da minha equipe de
extração. – Mothma havia insistido em tirar Jyn de Wobani desde o início; se
se tratasse de qualquer outra pessoa, Draven pensaria que ela não queria
admitir que estava errada. – Você realmente enxerga algo nela?
– Fogo – Mothma respondeu, como se isso explicasse alguma coisa.
– Certo. – Draven hesitou; pensou em terminar a conversa enquanto ainda
estava em terreno relativamente firme, mas decidiu arriscar outra vez. – Seja
qual for a decisão do conselho, teremos de agir rapidamente. Vou tentar
chamar alguns especialistas, tropas de solo e ar ficarão na reserva, se
precisarmos deles.
– Obrigada, General.
– Quando digo seja qual for a decisão do conselho… – Draven se levantou
e soltou um lento suspiro. – Não prometo estar do seu lado quando a reunião
começar.
– Eu sei. Imagino que nós dois tentaremos compensar nossos erros.
Draven não tinha resposta para aquilo, então assentiu bruscamente e
deixou a sala. Tinha o bastante para se manter ocupado sem precisar se perder
em autorreflexão.

Mustafar queimava como uma brasa na escuridão, fervendo com oceanos de


lava e salpicado com continentes de rocha negra. Krennic olhou para aquele
mundo e pensou na Estrela da Morte, imaginando se o poder de seu canhão
no nível certo conseguiria reduzir um planeta a um estado daqueles –
rachando sua pele e fazendo-o sangrar até morrer no fogo de seu próprio
coração.
O poder dos planetas não rivalizava com a criação de Krennic. Mas a
Estrela da Morte não estava com ele no momento.
Seu transporte tombou para o lado quando entrou na atmosfera, navegando
entre rios de nuvens negras agitadas por ventos uivantes. Os estabilizadores e
unidades de gravidade mantiveram o equilíbrio no interior da nave, mas
Krennic achava a experiência desconcertante mesmo assim, justamente pela
relativa falta de desconforto. Agarrou o assento com força, manteve o queixo
erguido e revisou pela sexta vez tudo o que sabia sobre Darth Vader.
Relembrou uma dúzia de táticas que poderia usar na conferência com o
homem que havia feito de Mustafar sua base de operações.
A nave mergulhou abaixo das nuvens. As unidades de suporte de vida
clicaram suavemente quando passaram a esfriar o ar em vez de esquentá-lo.
Através da janela, Krennic viu um gêiser de rocha derretida dançando a uma
dezena de metros acima da nave.
Será que Vader estava irritado? Será que aquele era seu planeta natal?
Talvez não fosse humano debaixo da armadura – talvez aquele sinistro traje
negro fizesse mais do que apenas substituir seus pulmões e membros
perdidos em combate; talvez permitisse a uma criatura nascida no magma que
sobrevivesse no frio do espaço.
Ou talvez ele vivesse em Mustafar porque gostava de queimar suas vítimas
vivas.
O que o fato de ter escolhido esse homem como seu executor dizia do
Imperador Palpatine?
Não. Krennic sacudiu a cabeça, recusando-se a alimentar aquele
pensamento. O Imperador era vingativo, mas não louco. Era um jogador, um
ser de visão ampla e ambições ainda mais vastas que começara sua vida como
um simples político e aproveitava oportunidades extraordinárias quando
surgiam – usava cada pessoa para tirar a maior vantagem possível dela.
Palpatine havia domado Vader, mas não havia criado aquele ser místico e
lorde do extinto culto dos Sith.
Isso deu esperança a Krennic. Se um senador de Naboo podia encoleirar
Vader, então certamente Krennic também poderia. Se estava ali para elogios
ou repreensões, ele poderia se infiltrar no círculo interno de Vader e partir a
aliança entre Vader e Tarkin. Tinha os meios para isso: a semente plantada
em sua mente em Jedha havia maturado em Eadu, e ele encontrara a fraqueza
de Tarkin. Apenas precisava de uma chance para explorá-la.
A nave seguiu na direção de uma montanha escura que contrastava com o
oceano de fogo: um monólito negro envolto em metal, erguendo-se sobre um
caos ardente. Quando o transporte aterrissou, Krennic desembarcou para
dentro do calor e foi recebido pelo gesto de um assecla encapuzado, coberto
por uma túnica preta. Ao ser conduzido pelo monólito, Krennic perguntou-se
quantos visitantes o homem havia levado à execução. Seu silêncio não
surpreende.
Mas pensamentos assim eram autoindulgentes. Krennic repreendeu a si
mesmo por sua morbidez e suspeitou que o culpado era Galen – a morte de
um homem que Krennic conhecia havia décadas o deixou ciente de sua
própria mortalidade no pior momento possível. Ajeitou seu uniforme, puxou
a barra da camisa, certificou-se de que estava apresentável. Em uma rotunda
no coração do monólito, foi requisitado que esperasse, e o assecla prosseguiu
através de uma porta em forma de íris.
Primeiro veio o cheiro até Krennic – químico, medicinal, como unguento
derramado em um droide. Depois veio o som de fluido sendo drenado de um
vasto tubo e o zumbido metálico de uma centena de manipuladores prateados.
Vapor escapou pela íris, e quando os olhos de Krennic se ajustaram ele ouviu
um novo som: um ruído áspero, metálico e oco que ressoou dentro da câmara
– a desesperada e faminta respiração de uma criatura que não deveria estar
viva.
O guia de Krennic reemergiu e desapareceu no corredor. Krennic mal
notou sua saída, tentando juntar vislumbres das sombras diante dele em uma
imagem que poderia reconhecer.
– Diretor Krennic. – As palavras da coisa que respirava no escuro,
profundas e poderosas como a voz de um abismo. Krennic sentiu seus dentes
vibrarem e então se forçou a curvar.
– Lorde Vader. – Sua voz não vacilou, e ficou grato por isso.
O vapor se dissipava. Sombras formaram uma silhueta e deram um passo à
frente. Diante de Krennic se agigantou uma figura vestida de negro com uma
lúgubre armadura e luzes brilhando em um painel no peito, com leituras e
controles. O capacete era um horror esquelético, polido até brilhar e sem cor,
exceto pelas lentes avermelhadas no lugar dos olhos.
– Você parece abalado. – Vader não tinha um rosto para ser interpretado.
Krennic tentou analisar sua postura e a cadência de sua respiração agonizante,
mas fracassou nas duas tentativas.
Mas ele fala como qualquer outro homem, Krennic disse a si mesmo. Isso
será um jogo de palavras. E o Lorde Sith não parecia um homem disposto a
perder tempo antes de uma execução – já tinha revelado mais do que
pretendia.
– Não – Krennic disse. – Não abalado. Apenas pressionado pelo tempo. Há
muitas coisas que precisam da minha atenção.
– Minhas desculpas. – Vader deu um passo adiante. Os olhos vermelhos
encaravam no meio do vapor e da escuridão. – Você realmente tem muitas
coisas para explicar.
Por exemplo?, ele poderia ter perguntado, mas achou melhor abrir com
suas vitórias.
– Entreguei a arma que o Imperador requisitou – Krennic disse. – O teste
em Jedha provou seu poder. Porém, temo que o Governador Tarkin possa ter,
como um relativo estranho ao projeto, fracassado em articular ao Imperador a
essência de nosso sucesso.
Vader é um guerreiro em seu âmago. Ele respeitará a ousadia.
Krennic concluiu:
– Mereço uma audiência para garantir que ele entende seu incrível
potencial.
A terrível máscara olhou para Krennic do alto de sua imponência. A voz
falou:
– Seu poder para criar problemas certamente foi confirmado. Uma cidade
destruída. Uma instalação Imperial atacada abertamente. – Um rápido passo à
frente e para o lado de Krennic, como um caçador circulando sua presa.
Uma instalação Imperial atacada abertamente. Vader culpava Krennic
pelo ataque em Eadu. Então será que essa era a oportunidade que Krennic
buscava? A chance de revelar o erro de Tarkin tão cedo?
– Foi o Governador Tarkin que sugeriu o teste – ele começou.
Mas a voz falou novamente, ressoando dentro do crânio de Krennic.
– Você não foi chamado aqui para resmungar, Diretor Krennic.
Krennic praguejou internamente. Ele fora muito transparente.
– Não, eu…
– Não existe Estrela da Morte. Vamos informar ao Senado que Jedha foi
destruída em um desastre de mineração.
– Certamente o Senado…
– … tem sua utilidade, desde que permaneça pacificado. O Imperador
cuidará do Senado a seu próprio tempo.
– Sim, milorde – Krennic disse. Endireitou as costas, recebendo a
reprimenda com dignidade.
Vader completara seu circuito. Não se dignou a olhar para Krennic ao
dirigir-se de volta para a porta.
– Espero que não descanse até garantir ao Imperador que Erso não
comprometeu essa arma.
Era só isso? Um rápido interrogatório e um alerta?
– Então eu… – Krennic começou a dizer. As palavras soaram fracas e de
repente sua boca secou. – Ainda estou no comando da estação? Você falará
com o Imperador sobre…
Vader fez um gesto, ainda de costas para Krennic. O diretor tentou engolir
e se surpreendeu com a dificuldade – como se uma mão invisível tivesse
agarrado seu pescoço e, com total controle da pressão que exercia, começasse
a apertar.
Até parar de tossir, lutando desesperadamente por ar, Krennic pensou
sobre as histórias que ouvira sobre Vader; pensou naquela ocasião, em uma
conferência militar, na qual testemunhara Vader estrangular um oficial. Nos
dias seguintes, dissera a si mesmo que Vader havia envolvido o pescoço do
homem com as mãos até quebrá-lo, mas Krennic mentira para si mesmo.
Os Jedi estavam mortos, mas seu poder persistia. Cultista louco ou não, a
feitiçaria do Lorde Sith era real.
A mão invisível apertou a garganta de Krennic por um último momento –
longo o bastante para que ele acreditasse que, afinal, a morte o havia
encontrado –, depois soltou. Krennic caiu de joelhos, apoiando-se com as
mãos no chão, sentindo o frio do metal atravessar suas luvas.
– Tenha cuidado para não sufocar em suas aspirações, Diretor – a voz do
abismo disse.
E então Vader se foi e Krennic permaneceu ofegando enquanto recuava,
cambaleante. Ainda não estava totalmente refeito quando deixou a rotunda. O
assecla encapuzado o esperava. Com a cabeça, o homem indicou a Krennic
que o seguisse e refez o caminho de antes.
Krennic abriu um sorriso desagradável enquanto seguia cambaleando.
Vader o deixara viver. Vader o julgara valioso demais para ma-tá-lo – e,
por extensão, o Imperador também reconhecia seu valor. O motim de Tarkin,
sua tomada da Estrela da Morte, fora adiada. E Krennic ainda não havia
revelado o maior erro de Tarkin – como, ao destruir a Cidade de Jedha,
Tarkin falhara em bloquear a lua, falhara em garantir que não haveria
sobreviventes. Pois de que outro modo os rebeldes teriam conseguido se
infiltrar em Eadu? O piloto traidor havia saído de Eadu e fugido para Jedha –
sua mensagem havia escapado.
Apenas Tarkin poderia ser responsabilizado por isso.
Mas Krennic poderia esperar para usar a arma contra Tarkin. Vader estava
correto ao dizer que a extensão da traição de Galen ainda não estava clara.
Será que o verdadeiro alvo dos rebeldes em Eadu era Galen – e não
Krennic ou a instalação? Será que os rebeldes temiam que Galen pudesse
sucumbir em um interrogatório Imperial e revelar traições e sabotagens ainda
maiores?
Krennic precisava saber. Precisava ter certeza.
O assecla encapuzado falou pela primeira vez, arrancando Krennic de seus
pensamentos:
– Poucos tiveram a honra de encontrar Lorde Vader em seu santuário. –
Alcançaram a porta para a plataforma de aterrissagem. – Sugiro que
mantenha tudo o que testemunhou em segredo.
Krennic se endireitou, estudou o assecla e encontrou um rosto tão
inescrutável quanto a máscara de Vader. Não disse nada quando voltou para o
calor.
Estava pronto para deixar aquele hospício que era Mustafar, mas
repentinamente não teve mais certeza de que poderia escapar da sombra de
Vader.
A bordo do transporte, ordenou que a rota fosse programada para Scarif.

Jyn se encolhia no apertado compartimento de máquinas do transporte de


carga Imperial e esperava o calor dos mecanismos esquentar seu corpo. Já
começava a pensar que isso nunca aconteceria.
Havia encontrado o lugar depois da discussão com Cassian. Precisava ficar
sozinha, longe dele e longe da piedade dos outros. Com o ruído ambiente do
motor pulsando de maneira ritmada enquanto impulsionava a nave através do
hiperespaço, ela deixou a mente divagar em sua interminável escuridão
pessoal.
Por um tempo, fantasiou sobre uma vingança.
Poderia esperar até Yavin. Encontrar um jeito de demolir todo o zigurate
sobre Cassian e o General Draven e Mon Mothma e todos aqueles que foram
cúmplices no assassinato de seu pai. Dissera para Saw que tudo o que a
Rebelião trouxera para ela era dor – desde que voltou para sua vida, tirando-a
da prisão de Wobani, isso era mais verdade do que nunca. Parecia correto
retribuir o favor.
Jyn se esbaldou em pensamentos sobre retribuição por um tempo. Depois
parou. O que quer que ela fosse, o que quer que tivesse feito em sua curta e
brutal vida, ela não era uma assassina. Sim, já havia matado antes – para
salvar sua vida, para salvar outras pessoas, e no meio da guerra. Mas não era
Cassian, e não precisava ser. Mesmo a fantasia de machucar o responsável
pela morte de seu pai não conseguia sustentá-la – após a animação inicial, a
noção a deixou exausta e vazia.
Pensou na gravação de seu pai: Se tiver encontrado um lugar na galáxia
intocado pela guerra – uma vida tranquila, talvez com uma família –, se
estiver feliz, Jyn, então isso será mais do que suficiente.
Era isso mesmo? Não sabia se lembrava com exatidão. As palavras haviam
parado de se repetir quando vira o pai morrer, e não era capaz de trazê-las de
volta.
Então, se sua escolha não era a vingança, seria melhor simplesmente se
afastar? Roubar alguns créditos e fugir da linha de tiro? Poderia se virar como
sempre fizera, enquanto o Império seguia explodindo planeta após planeta,
incendiando a Rebelião até não sobrar nada.
Ela pode ser destruída. Alguém tem de destruí-la.
As últimas palavras de seu pai. Não uma declaração de amor, não eu senti
sua falta. Quando estava morrendo e vendo a filha pela primeira vez em anos,
tudo em que conseguiu pensar foi a máquina que havia tomado conta de sua
vida. A máquina que passara anos construindo e depois sabotando – a
máquina que havia levado a Aliança Rebelde a matá-lo.
Jyn deveria sentir raiva dele por causa disso. Sentir raiva por ter ido até
Eadu por nada, por menos do que a mensagem que havia recebido. Em vez de
se lembrar do homem tomado pela emoção, do homem que se esforçou para
dizer meu amor por ela nunca diminuiu, a imagem que ficou na mente de Jyn
era a de um corpo frágil em seus braços – um velho confuso que era tão
mortal quanto qualquer outra pessoa.
Mas não estava com raiva dele. Estava com raiva da Rebelião e de
Cassian. E parecia que mesmo essa raiva era inútil – apenas a levava de volta
para o início, para a vingança que não queria.
Jyn não tinha respostas. Eventualmente o zumbido do motor embalou seu
sono.
E, quando dormiu, Jyn sonhou.
Sonhou com Saw Gerrera, o homem que a criara por quase tanto tempo
quanto seu pai e mal vira sorrir. Sonhou ser uma criança de oito anos sob os
cuidados de um soldado que não aceitava o medo como desculpa para nada –
um soldado cujo rugido intimidava Gamorreanos com o dobro de seu
tamanho e que nunca encontrara uma luta que não soubesse como vencer.
Sonhou com o tempo em que voltava para casa e encontrava Saw com o rosto
ensanguentado e uma perna quebrada – sonhou com as cicatrizes que ela
ganhara durante o tempo em que fez parte de seu grupo. Ainda tinha essas
cicatrizes hoje.
Foi Saw quem deu o fogo a Jyn. Quem deu seu brio. E ela nunca
agradecera antes de sua morte.
Jyn também sonhou com Galen. Sonhou com o apartamento onde viveram
em Coruscant, com a fazenda e com seu pai presenteando Jyn com
brinquedos, tantos brinquedos – e ela nomeava a todos e ainda lembrava dos
nomes: Beeny e Stormy e Hazz Obloobitt Sortudo, e tantos outros que eram
apenas sombras em sua mente. Tantas noites ele entrava em seu quarto –
fosse onde fosse, não importava o planeta – e colocava um brinquedo em
seus braços. Seu amor nunca fora extravagante. Sempre simples. Sempre
inconfundível. Ela o odiou por tantos anos.
Sonhou com Galen morrendo, executado em Lah’mu por stormtroopers de
armadura negra e queimando sob uma chuva de bombas de caças TIE. Sonhou
com a luz da Estrela da Morte, a Estrela da Morte dele, incinerando prédios e
telhados e pessoas na Cidade Sagrada de Jedha. Correu na direção de uma
praça e agarrou uma garotinha, mas não chegara a tempo. Quando seus
braços envolveram a criança, tudo o que havia eram apenas ossos. Então os
ossos se tornaram pó. Sonhou com mais stormtroopers – stormtroopers
arrastando pessoas de suas casas, stormtroopers patrulhando as celas de um
presídio, stormtroopers atirando contra homens cegos, fileiras e mais fileiras
de stormtroopers marchando infinitamente, disparando agora contra ela e
queimando mil buracos através de seu peito.
Sonhou com o homem de branco analisando o trabalho dos stormtroopers,
a execução de Jyn, e falando palavras que ela não conseguia ouvir. Parecia
satisfeito. Nunca nem chegou a olhar para Jyn. Ele tinha coisas mais
importante para fazer. Os stormtroopers, agora vestindo negro novamente,
continuaram a atirar nela.
E, quando Jyn sentiu que não podia mais aguentar o pesadelo, quando
sentiu que precisava acordar, sonhou com sua mãe.
Jyn deitava de costas, morta, no apartamento de Coruscant enquanto Lyra
diligentemente fazia as malas para alguma missão de reconhecimento
planetário. Lyra quase pisou em Jyn quando apanhou um detector portátil de
cima da mesa de jantar.
– Oh, mas que… – Lyra sacudiu a cabeça, abaixou-se e levantou Jyn.
Aquilo era uma lembrança? Jyn já não sabia mais. Sua mão tremia
enquanto sua mãe a puxava.
– Mamãe?
Lyra riu e tocou a testa de Jyn com a ponta do dedo.
– Você precisa aprender a não deitar no meio do chão. Assim vou tropeçar
e cair em cima de você, e o seu pai vai me culpar quando vir o seu
machucado.
Ela voltou a arrumar a mala. Jyn observou.
– Mamãe – Jyn sussurrou novamente. – Não sei o que fazer.
Lyra ergueu a mão, pedindo silêncio. Ela revisou o conteúdo da bolsa,
assentiu com satisfação, depois andou devagar até chegar ao lado de Jyn.
Sorriu gentilmente, com tristeza.
– Eu sei, meu amor. Mas você é uma menina crescida. Tem que decidir por
si mesma.
Já não estavam mais no apartamento. Estavam na escuridão infinita que
um dia foi a caverna.
– Não sei como – Jyn sussurrou, embora tivesse vergonha de admitir em
voz alta.
Lyra olhou por cima do ombro de um jeito exagerado, como se quisesse ter
certeza de que estavam sozinhas, depois olhou de volta para Jyn.
– Vou dar uma dica, certo?
Jyn concordou hesitantemente.
Lyra chegou mais perto, até ficar diante de seu rosto.
– Você é filha do seu pai. Mas não é apenas isso. Está tudo bem. Todos
nós confiamos em você.
Jyn se sentiu pequena. Tinha quatro anos outra vez, e sua mãe era muito
maior do que ela.
Lyra sussurrou em seu ouvido, tão suavemente que Jyn precisou se
esforçar para ouvir.
– As estrelas mais fortes têm corações de kyber.
O colar de Lyra pareceu queimar ao redor do pescoço de Jyn.
E então o sonho acabou, e Jyn acordou no compartimento de máquinas de
um transporte de carga Imperial, chorando como não chorava desde quando
era criança – chorando até ficar vermelha e seu nariz escorrer; chorando até a
escuridão que fora a caverna parecer se iluminar; chorando até as lágrimas
lavarem a chuva de Eadu e ela finalmente se sentir limpa.
CAPÍTULO 14

JYN SE SENTIU PRONTA DE UM jeito como não se sentia havia muito tempo.
Acelerava na direção de Yavin 4 com um propósito – e não um simples
propósito, mas um plano, frágil e delicado como uma pétala. Ela emergira do
compartimento de máquinas do transporte com uma única resposta, mas a
considerou suficiente.
A raiva e o ressentimento pela Rebelião permaneciam. Mas, deixadas em
paz, essas emoções diminuíram. Eram tão reais e irrelevantes quanto sua
velha raiva por Saw Gerrera e seu grupo.
Além disso, precisava da Rebelião para aquilo que viria a seguir.
Diria a eles toda a verdade. Ela pode ser destruída. Alguém precisa
destruí-la.

Ao desembarcar, Jyn mais uma vez foi tomada pelo perfume opressivo de
mofo e vegetação apodrecida. Estava logo atrás de seus companheiros, ao
lado de Bodhi e seguindo os Guardiões dos Whills – Cassian havia tomado a
liderança, correndo na frente para consultar um grupo de oficiais da
Inteligência que esperavam dentro do hangar. K-2SO ficou para trás
observando a todos, como se esperasse que todo mundo fosse fugir, com
exceção de seu mestre.
Durante a aterrissagem, eles viram outras naves irrompendo pela atmosfera
na direção do zigurate.
– Estão trazendo todo mundo para uma reunião do conselho da Aliança –
Cassian alertara bruscamente, desviando os olhos. Bodhi, Chirrut e Baze
seriam interrogados pela Inteligência da Aliança enquanto Cassian e Jyn
falariam diretamente com o conselho. Baze havia mostrado os dentes, mas
Chirrut dissera algo sobre mostrar cortesia como convidados no lar dos
rebeldes.
Agora soldados rebeldes armados conduziam aristocratas bem-vestidos em
direção ao interior do templo. Bodhi parecia deslumbrado, esticando o
pescoço para olhar cada nave que aterrissava.
– Aquele é um veleiro estelar Folha de Fogo – ele murmurou, apontando
para um ponto negro no céu azul-acinzentado. – Você pode saber ouvindo o
barulho agudo. São muito raros. Alguém importante deve estar a bordo.
– Você não entra no conselho sem dinheiro, armas ou influência – Jyn
respondeu.
Bodhi riu nervosamente. Após um momento, raspou a sola de sua bota
contra o chão de pedra e se virou para Jyn.
– Sinto muito por Galen.
Aquilo tomou Jyn de surpresa, embora ela não soubesse por quê.
– Obrigada – respondeu.
Bodhi deu de ombros.
– Eu gostava muito dele. Não que o conhecesse muito bem, mas gostava
dele…
– Você provavelmente o conhecia melhor do que eu.
O sorriso de Bodhi foi menor agora, mas não havia nervosismo.
– Acho que não.
Jyn começava a suar sob o calor. Sua postura transparecia inquietação e
desconforto enquanto observava um astromec passar de uma nave a outra
sem um propósito aparente. Bodhi parecia tentar manter o silêncio – em
consideração a Jyn, provavelmente, considerando seu hábito de falar pelos
cotovelos.
Jyn sentiu pena dele e fez um gesto para seu traje de voo Imperial.
– Aposto que vai ficar contente em tirar isso. Deve ter uma muda de roupa
em algum lugar por aí.
– O quê? – Bodhi olhou para seus braços e fixou o olhar nos emblemas do
Império, em seus ombros. – Não. Não, eu… acho que vou manter. Como um
lembrete.
– Um lembrete do quê?
Bodhi chegou mais perto, como se constrangido por falar aquilo.
– De que me voluntariei para tudo isso. Entende?
Jyn foi poupada de responder por um grito vindo do grupo de oficiais da
Inteligência. Os rebeldes rapidamente se posicionaram ao redor de Baze,
Chirrut e Bodhi.
– Vejo você por aí – Jyn disse quando um tenente começou a conduzir
Bodhi.
Cassian sinalizou para Jyn segui-lo, e eles se juntaram à fila de pessoas que
entrava no zigurate.
– Vamos – Cassian disse. – Eles estão prestes a começar.

A sala de reuniões era tão rústica quanto o resto da base rebelde. Paredes de
pedra vazavam umidade sobre dutos e cabos que conectavam consoles e um
holoprojetor central. As cadeiras eram poucas para a multidão: almirantes e
generais em uniformes chamativos ficaram lado a lado com guerrilheiros de
armadura; nobres e burocratas civis (vestidos com roupas simples feitas de
tecidos caros como Jyn nunca vira antes) juntos em grupos compactos. Jyn
ouviu murmúrios que sugeriam que alguns dos conselheiros presentes eram
senadores Imperiais; se ela se desse ao trabalho de acompanhar a política,
poderia até tentar reconhecê-los.
Acabou deixando um comandante Ithoriano corpulento prensá-la contra
um canto e perdeu Cassian de vista. Pouco tempo depois, Mon Mothma – a
sóbria mulher de túnica branca que Jyn conhecera havia alguns dias, que
agora pareciam uma vida inteira – aproximou-se do holoprojetor e chamou a
atenção da multidão.
– Quero agradecer a todos – ela disse – por terem vindo com tão pouco
tempo de aviso. Muitos de vocês enfrentaram jornadas cujos perigos não
posso nem começar a entender. Arriscaram ser expostos, cruzando linhas
Imperiais, porque acreditam em nossa Aliança. Porque acreditaram quando
informamos sobre uma crise sem precedentes. Eu gostaria de dizer que a
crise não é real. Gostaria de dizer que vocês vieram até aqui para nada. –
Mothma ofereceu um leve sorriso.
Alguém na plateia riu asperamente e tentou disfarçar com uma tossida.
– Mas a evidência que vamos apresentar não é especulativa – Mothma
continuou. – É secreta, sim. E, ao mostrá-la aqui, precisamos revelar certas
fontes e métodos usados pela Inteligência da Aliança, fontes e métodos que
não podemos levar a público ou ao Senado. Vocês ouvirão o testemunho de
agentes rebeldes confiáveis e de novos aliados. Se duvidarem de suas
palavras, lembrem-se de que todos eles estão marcados para a morte pelo
Império. – Houve murmúrios por toda a multidão, inquietos e céticos. – Peço
que não especulem até o final da reunião. Quando terminarmos, poderemos
discutir o que ouvimos e determinar juntos o futuro da nossa organização e da
nossa galáxia.
Mothma hesitou. Jyn viu o General Draven abrir caminho até o centro, mas
ele parou quando Mothma voltou a falar.
– Aquilo que encaramos agora – ela disse – é o ápice natural de todos os
males do Império.
Jyn reconheceu as palavras, um pouco diferentes daquelas do primeiro
encontro com Mothma. Você vem trabalhando nesse discurso faz tempo, ela
pensou.
– É uma arma criada para assassinar planetas – Mothma continuou. – Para
transformar em pó mundos prósperos e populações de bilhões. Vocês verão
hoje que não foi criada com a intenção de ser usada apenas contra entrepostos
militares, mas como uma arma de destruição e medo absolutos. Acreditamos
que o Império lhe deu o nome de Estrela da Morte.
Agora Mon Mothma finalmente abriu espaço. Draven tomou seu lugar e
começou a reunião propriamente dita. Jyn parou de prestar atenção em sua
voz – ele falou sobre uma série de relatos sobre extração de cristais kyber e
rastros de créditos para pesquisa do Império – e preferiu observar os
conselheiros. Com poucas exceções, os oficiais militares estavam extasiados
– tinham fé em Draven, por alguma razão, e tomaram suas palavras como
verdade. Os políticos mantiveram, como um todo, um ar de neutralidade,
como se tivessem passado toda a vida treinando suas expressões de
imparcialidade.
Mon Mothma conversava em voz baixa com os conselheiros próximos a
ela. A mulher se manteve ocupada.
Logo Draven passou a palavra para uma série de oficiais da Inteligência da
Aliança. Bodhi foi apresentado para um brusco questionamento sobre Galen
Erso e a construção que havia pessoalmente testemunhado. Cassian veio em
seguida, sempre profissional, relatando a história da “Operação Fratura”. Era
uma história que em linhas gerais – uma tentativa de contatar Saw Gerrera
por causa de um desertor do Império, um ataque à Cidade Sagrada utilizando
a própria Estrela da Morte – lembrava a verdade que Jyn conhecia. O
holoprojetor mostrava a cratera e a tempestade de poeira resultantes em
Jedha.
– O Império está dizendo que foi um acidente de mineração – um homem
murmurou, duas fileiras na frente de Jyn. – Eles também não estão prontos
para se revelar ao público.
Em seguida, Cassian mentiu sobre Eadu, chamando aquilo de uma
tentativa abortada de extrair Galen. Os conselheiros começaram a interrompê-
lo pedindo detalhes sobre os planos do Império, os quais Cassian não tinha.
Jyn desviou os olhos, sentindo desgosto, e quase pulou quando viu que Mon
Mothma havia chegado discretamente ao seu lado. No aperto da multidão,
sentiu-se intimamente próxima a ela.
– Eu sou a próxima? – Jyn perguntou. Riu causticamente quando
adivinhou o motivo da aproximação de Mothma. – Você está aqui para me
preparar?
Provavelmente existiam versões da história de Jyn que Mon Mothma,
chefe de estado da Aliança Rebelde, queria ver divulgadas – e outras que
preferia silenciar.
Mas Mothma sacudiu a cabeça.
– Não. Eu queria dizer… – Seus olhos se fixaram sobre o rosto de Jyn
enquanto buscava por palavras. Jyn pensou em todas as trivialidades que a
mulher poderia dizer: Sinto muito por sua perda. A Rebelião está orgulhosa
de você. Boa sorte com a plateia.
– Não esquecerei aquilo que fizemos com você – Mothma disse.
Jyn a encarou e tentou compreender a tristeza em sua voz.
Poderia ter feito alguma pergunta, mas então ouviu seu nome ser chamado
e uma mão começou a conduzi-la até a frente. Endireitou os ombros e se
preparou. Sabia o que precisava dizer.

Jyn contou sua história da forma mais concisa, direta e honesta que pôde.
Recitou tudo de que conseguia se lembrar da mensagem de Galen, embora as
palavras continuassem desaparecendo de sua mente, uma a uma. Sofreu o
questionamento de um senador de camisa vermelha (alguém o chamou de
Jebel, Ministro das Finanças Rebelde, título que lhe pareceu cheio de
potencial para zombarias), que se ateve a sua extração de Wobani: perguntou
se ela fora subornada com a liberdade, em troca da qual ela deveria servir
como testemunha, e Jyn retrucou com um “sim” antes de ver Bodhi lhe fazer
uma careta na multidão, e então retificou sua resposta. O Almirante Raddus –
um Mon Calamari cuja pele era salpicada como nuvens de tempestade e cujos
olhos eram vermelhos e nunca piscavam – perguntou severamente sobre o
rompimento com Saw Gerrera; ela mentiu, falando de seu desconforto com
os métodos de Saw, e isso pareceu satisfazer o almirante.
Jyn falava baixo demais em um momento e alto demais no outro, sem
saber como sua voz se propagava na câmara. Seus olhos analisaram a
multidão, sem se deter no mesmo ponto por muito tempo. No decorrer de
uma hora, depois duas, depois três, ela percebeu os conselheiros cada vez
mais inquietos. Cassian e Bodhi sumiram nas profundezas do zigurate. Jyn
terminou contando aquilo que havia acontecido em Eadu e repetindo as
palavras finais de seu pai.
– Ela pode ser destruída – disse. – Foi a última coisa que ele pensou. Era a
coisa mais importante da sua vida.
Sentiu uma aspereza na garganta e se afastou do projetor antes que alguém
pudesse gritar outra pergunta. Uma vaga decepção se abateu sobre ela – uma
sensação de que suas palavras deveriam ter carregado mais peso, ou que,
durante o testemunho, deveria ter sentido a mesma excitação que sentia
quando disparava um blaster.
Ninguém se apresentou para tomar seu lugar. A reunião havia terminado.
– Senadora Tynnra Pamlo de Taris. – Uma mulher com um capuz marfim e
um medalhão cerimonial anunciou a si mesma e tomou o centro, apesar dos
murmúrios de uma dezena de subgrupos concentrados em suas próprias
discussões. – Parece claro que a Senadora Mothma não exagerou ao
descrever a situação como uma crise. Essa Estrela da Morte é uma ameaça
existencial não apenas para nossa Aliança, mas para a vida como a
conhecemos.
Novas vozes se ergueram em aprovação e negação. Pamlo não se abalou.
– Digo isso com um sincero arrependimento e uma certeza moral: não
podemos, em sã consciência, arriscar mundos inteiros por nossa causa. A
existência da Estrela da Morte é um ultimato que não podemos negar. Até
termos certeza de que o Império não usará essa arma em um planeta povoado,
precisamos dispersar a frota e debandar nossas unidades militares. Não temos
alternativa senão a rendição…
A falsa aparência de civilidade da reunião evaporou como pingos d’água
em um motor quente. Discussões e murmúrios irromperam em balbúrdia.
Simultaneamente, vinte discursos grandiloquentes começaram e vozes
raivosas competiram por atenção. Generais despejaram os petardos retóricos
que preparavam desde o início da reunião.
Jyn olhou aquilo boquiaberta, sem entender. Ficou esperando pelo fim do
discurso de Pamlo, como se ele pudesse magicamente mudar de direção e se
tornar um grito de ação.
Vislumbrou fragmentos ferventes de perguntas e proclamações:
– Realmente estamos falando em abandonar algo que trabalhamos tão duro
para construir?
– Não podemos simplesmente nos entregar a…
Um dos civis e o Almirante Raddus disseram ao mesmo tempo, e suas
fúrias foram imediatamente rebatidas no mesmo tom por um homem altivo,
vestindo uma pesada capa azul:
– Nós nos juntamos a uma Aliança, não a um pacto de suicídio!
Jyn praguejou – em voz alta ou em silêncio, ela não sabia – e girou rápido
o bastante para empurrar seu vizinho mais próximo enquanto tentava olhar e
absorver a vontade da multidão. De todos os resultados que havia esperado,
de toda a inutilidade que esperava da Rebelião, a rendição não era uma delas.
– Apenas agora conseguimos juntar nossas forças – disse o aliado civil de
Raddus, um homem de meia-idade coberto de vestes marrons, que parecia
comandar uma atenção desproporcional a suas roupas simples. – Se
finalmente coordenarmos…
O Ministro das Finanças Jebel o interrompeu e não fez questão de esconder
sua zombaria.
– Juntar nossas forças? O General Draven já explodiu uma base Imperial!
Eu achava que a Aliança não concordava mais com as táticas de Saw
Gerrera…
– Foi preciso tomar uma decisão – Draven retrucou do outro lado da
câmara. – Você sabe como isso funciona. Quando acabarmos de discutir, já
não restará nada para defender!
Jyn passou a respirar mais rápido, com os dentes cerrados. A sala de
reuniões era pequena demais. Estava sendo esmagada pela multidão suada. A
escuridão que já fora a caverna agora avançava nos cantos de sua visão,
comprimindo-a, comprimindo tudo.
Pamlo voltou à discussão.
– O sangue de toda Taris não manchará minhas mãos. Se é guerra que
vocês querem, então lutarão sozinhos!
– Se é assim, então qual a razão de uma Aliança, em primeiro lugar? –
perguntou o homem altivo de azul.
– Se ela está dizendo a verdade, precisamos agir agora!
Se.
E isso veio do Almirante Raddus, um dos conselheiros que Jyn achava que
estava prestando atenção.
O que havia feito de errado? O que havia falado de errado?
– Conselheiros, por favor! – Mon Mothma tentou retomar o controle. –
Todos estamos perturbados com a situação, mas imploro que se abram para as
soluções de seus colegas em vez de…
O esforço de Mothma não funcionou. Mais gritos, mais discussões:
– É simples – um general vestindo traje de voo declarou. – O Império tem
uma arma de destruição em massa. A Rebelião não tem.
– A Estrela da Morte – Jebel zombou. – Isso é besteira.
Se ela está dizendo a verdade.
Jyn começou a gritar antes de perceber, abrindo caminho de volta para o
projetor.
– Que razão meu pai teria para mentir? Que benefício isso lhe traria? –
Agora ela imitava a cadência e a linguagem dos senadores. Soou estranho
para si mesma, mas viu Mon Mothma – a mulher que vinha praticando seu
discurso por uma semana – assentir discretamente em sua direção.
– O seu pai – Draven disse, firme e forte – pode ter sido um tolo ou feito o
jogo do Império até o final. Tudo o que ele disse pode ser uma isca, ciente ou
não, para atrair nossas forças para uma batalha final. Para nos destruir de uma
vez por todas.
Jyn se atrapalhou buscando uma resposta.
– Isso é loucura – ela disse. Já havia perdido sua postura senatorial. –
Vocês sabem que a Estrela da Morte existe…
Mas Draven estava pronto.
– Sabemos que uma perigosa estação de batalha existe, capaz de destruir
uma cidade. Não temos confirmação de sua total capacidade ou de suas
fraquezas. Foi assim que o Imperador sempre operou, desde o tempo da
República. A arma é menos ameaçadora do que a mentira.
O homem de azul ignorou Jyn e aproximou-se do Almirante Raddus.
– Você quer arriscar tudo com base em quê? No testemunho de uma
criminosa? As últimas palavras de um pai, um cientista do Império?
Jebel riu de raiva e frustração.
– Não se esqueça do piloto do Império.
Jyn procurou por Bodhi e o encontrou nos fundos da câmara, encostado
contra a parede. Ele não falou nada, não se defendeu. Jyn poderia ter gritado
com ele, se estivesse mais perto. Se a escuridão não estivesse se fechando
sobre ela tão rápido.
Fechou os olhos com força e pensou na garota em seus braços no
Quarteirão Sagrado. Pensou no templo destruído, nos Guardiões dos Whills e
nos sussurros de sua mãe.
Entregara a mensagem de seu pai, mas não era o suficiente.
– Meu pai – Jyn disse – deu sua vida para que talvez tivéssemos uma
chance de derrotar essa coisa.
– Foi o que você nos contou – disse uma voz firme e profunda. Jyn viu o
general de cabelos brancos que havia encontrado na primeira vez em que
esteve em Yavin; o homem que não dissera nada na ocasião.
Agora parecia instigá-la.
Jyn não era apenas a filha de Galen. Aquilo não era apenas a missão dele.
– Se o Império tem esse tipo de poder – a Senadora Pamlo disse –, que
chance nós temos?
– Que chance nós temos? – Jyn ecoou. Queria gritar: Quem se importa?
Mas precisava de uma resposta melhor. – A questão é que escolha nós temos.
Vocês querem fugir? Querem se esconder? Implorar por misericórdia?
Debandar? – Sua respiração estava rápida e alta demais. A pele parecia
queimar. Os conselheiros se calaram, um a um. Mon Mothma a observava,
com os lábios entreabertos como se pudesse dar a Jyn as palavras certas.
Mas ela ouviu Saw Gerrera. Você não se importa com a bandeira do
Império hasteada por toda a galáxia?
Jyn não parou de falar; aproveitou seu próprio impulso e encontrou
novamente a linguagem dos senadores, juntando a ela sua ferocidade.
– Se vocês se renderem a um inimigo tão maléfico assim e com todo esse
poder, condenarão a galáxia a uma eternidade de submissão. O Império não
se importa com a sua rendição. O Império não se importa se vocês não têm
mais esperanças. Eu já desisti antes, e isso não ajuda em nada. Não impede o
Império. Já vi pessoas perderem tudo simplesmente porque estavam no
caminho. A hora de lutar é agora, enquanto ainda estamos vivos para tentar.
Cada momento que vocês perdem aqui é mais um passo em direção às cinzas
de Jedha.
Havia novas vozes se erguendo na câmara. Jyn não viu nenhum dos
falantes, não reconheceu ninguém.
– O que ela está propondo?
– Deixe a garota falar!
Então Jyn falou.
– Enviem suas melhores tropas para Scarif. – A multidão se tornou uma
mancha amorfa por trás de um véu de suor e lágrimas. – Enviem toda a frota,
se for preciso. Precisamos capturar os planos da Estrela da Morte, se
quisermos alguma esperança de destruí-la.
Novamente respirava com dificuldade. Uma figura branca abriu caminho
na multidão e se aproximou. Através da mancha, Jyn reconheceu a voz da
Senadora Pamlo.
A senadora estava praticamente implorando.
– Está pedindo que invadamos uma instalação Imperial com base apenas
em esperança?
Jyn deu de ombros, incapaz de continuar fingindo a dicção dos senadores.
– Rebeliões são feitas de esperança.
– Não existe esperança – o homem de azul disse, como um pastor
anunciando um presságio.
Com isso, a discussão recomeçou. Chamados para a luta e chamados para a
rendição preencheram a câmara. O movimento de dezenas de corpos
disputando um lugar perto do projetor empurrou Jyn para trás e ela se deixou
levar. Seu momento havia acabado, junto com sua força. Esperou pelo
retorno da escuridão.
Ao menos tentou.
– Desculpe, Jyn. – Mon Mothma tocou seu braço, virando-a lentamente. –
Sem o total apoio do conselho, as chances são pequenas demais.
Não esquecerei aquilo que fizemos com você.
Jyn não disse nada e deixou a sala de reuniões.

Jyn avistou Bodhi correndo atrás dela no úmido labirinto de corredores, fora
da sala de reuniões. Ela tentava refazer seus passos para sair do zigurate –
sem ter certeza de seu destino final, mas havia decidido colocar uma distância
entre ela e o conselho. Talvez continuasse andando até a selva – se Bodhi
quisesse segui-la, Jyn não reclamaria. Já tivera companhia pior.
Considerou pedir desculpas a ele. Havia culpado Bodhi por não se
manifestar durante o caos, mas agora isso não parecia justo. Não teria
mudado nada.
Os dois chegaram ao hangar antes que ela decidisse se diria alguma coisa.
Jyn protegeu o rosto de uma chuva de faíscas quando um técnico e seu
astromec soldaram uma placa de blindagem em um X-wing. Quando baixou
o braço, viu Chirrut e Baze ao seu lado.
– Eles não prenderam vocês? – ela perguntou. – O interrogatório foi
mesmo só um interrogatório? – Tentou forçar uma voz casual. Mas o tom que
saiu foi amargo.
– Você não parece feliz – Baze disse.
Jyn deu de ombros.
– Eles preferem a rendição. – Não era verdade, não para todos os
conselheiros; mas era quase verdade.
– E você? – Baze estava sério como sempre.
Chirrut gesticulou na direção de Jyn com seu cajado.
– Ela quer lutar.
É tudo que sempre fiz, ela pensou. É a única reposta que tenho.
Mas dessa vez acreditava que era a resposta certa.
– Eu também – Bodhi disse, aproximando-se. – Todos queremos.
– A Força é poderosa. – A voz de Chirrut soou como uma promessa.
Jyn olhou para o homem cego, para o assassino e para o covarde diante
dela com admiração e confusão.
Não os conhecia – não de verdade; mal conversavam, com exceção das
discussões a bordo do U-wing. Ela pensou que nunca mais os veria depois da
reunião no zigurate.
Mas, na frente dos conselheiros, tivera dificuldade para encontrar palavras
que transmitissem os horrores dos últimos dias. Tentou expressar tudo o que
havia acontecido, tudo o que o Império havia destruído, sem expor suas
próprias feridas para os olhos dos rebeldes – sem revelar a vergonha de seus
momentos mais lamentáveis e desprezíveis, quando estava abalada pela perda
e presa em seus próprios medos.
Bodhi e os Guardiões já conheciam os horrores e a desonra de Jyn.
Lutaram e quase morreram juntos. Viram Jyn cair e lutar para se levantar. E
ainda estavam com ela.
Pareciam dispostos a enfrentar toda a galáxia, independente de não terem
escolha. Jyn não pôde segurar um sorriso, pequeno, triste e sincero.
– Acho que só nós quatro não seremos suficientes – ela disse.
Baze grunhiu desdenhosamente e olhou para Bodhi.
– De quantos precisamos?
– Do que você está falando?
Baze apontou para trás de Jyn. Quando ela se virou, viu mais de uma
dezena de soldados rebeldes marchando pelo corredor, ganhando o hangar e
bloqueando a entrada para o zigurate. Reconheceu Melshi, o rebelde que ela
havia acertado com uma pá em Wobani – os outros eram estranhos, homens
jovens e velhos com fardas remendadas demais para serem chamadas de
uniformes. Suas armas brilhavam de tão bem cuidadas. Um Drabatano
anfíbio de pele seca e cinza como couro curtido abriu um sorriso cheio de
dentes amarelos; um homem careca com olhos brilhantes e perigosos
ofereceu um aceno. Agigantando-se nos fundos estava K-2SO – emergindo
na frente apareceu Cassian, com o queixo baixo e as costas retas.
Parecia pronto para prendê-la.
– Eles nunca acreditariam em você – Cassian disse. – Não o conselho. Não
hoje.
– Agradeço o apoio – Jyn respondeu. Sua voz saiu frígida. Os punhos se
fecharam. Ficou surpresa ao descobrir o quanto não queria aquela luta.
Jyn se posicionou entre Bodhi e Cassian. Depois do que o piloto e o
Guardião disseram, ela estava pronta para fazer o que fosse necessário para
salvá-los dos capangas da Aliança.
– Mas eu acredito – Cassian disse. – Acredito em você.
Os olhos de Jyn passaram de Cassian para os soldados. Estavam armados,
mas tinham posturas relaxadas. As armas estavam abaixadas. Alguns deles
pareciam até achar graça daquela conversa.
– Nós gostaríamos de nos voluntariar – Cassian disse.
Jyn não confiava nele. Não confiava em nada que a galáxia pudesse jogar
contra ela.
– Por quê?
Ele sorriu, mas o sorriso não durou muito em seu rosto.
– Alguns de nós… – Cassian hesitou, esperando até Jyn olhar em seus
olhos. – … A maioria de nós fez coisas terríveis em nome da Rebelião –
falou sem rodeios, como se fosse a verdade mais óbvia do mundo. – Somos
espiões. Sabotadores. Assassinos.
Jyn olhou novamente para o bando de soldados. Olhavam para ela como se
esperassem um julgamento.
Será que aquilo era uma confissão?
– Tudo o que fiz – Cassian disse –, fiz pela Rebelião. E, sempre que deixei
para trás algo que gostaria de esquecer, eu disse a mim mesmo que foi por
uma causa na qual eu acreditava. Uma causa que valia a pena. – Ele quase
atropelava as próprias frases, forçando-as para fora antes que perdesse a
coragem. Como um homem empurrando um ombro deslocado de volta no
lugar, um puxão agonizante por vez.
Cassian continuou:
– Sem isso, sem a causa, estamos perdidos. Tudo o que fizemos seria para
nada. Eu não poderia me olhar no espelho se desistisse agora. Nenhum de nós
poderia.
Não faça isso, ela quis dizer. Não posso lhe dar uma absolvição.
Em vez disso, Jyn olhou para o bando que Cassian havia juntado e
sussurrou com uma espécie de admiração:
– Como você os encontrou?
– Foi um longo dia – ele respondeu, seco demais e sem humor algum. –
Não precisava assistir a toda a reunião para saber a direção que ela estava
tomando.
– Não posso… – ela começou a dizer. Não posso lhe dar uma causa. Mas
deu um hesitante passo para trás e viu a ferocidade, a necessidade nos olhos
de Cassian espelhada nos olhos de cada soldado. O que quer que tivessem
decidido seguir, já não era mais Jyn quem daria. Ela não poderia negá-los,
assim como Cassian não pôde negá-la depois de Jedha.
Jyn assentiu rapidamente. Alguém no grupo soltou uma risada.
– Não será confortável – Bodhi falou atrás dela, olhando entre os soldados
e a pista onde o transporte de carga estava pousado. – Vai ser um pouco
apertado, mas acho que todos cabem. Podemos usar.
– Certo – Cassian disse. A emoção sumiu de sua voz, sua confissão havia
chegado ao fim. Virou-se para os soldados: – Aprontem-se. Peguem tudo o
que não estiver preso ao chão. Não sabemos o que vamos encontrar em Scarif
e não temos muito tempo para nos preparar. Vão!
Os soldados se espalharam, movendo-se com propósito e determinação.
Bodhi e os Guardiões se juntaram a eles. Apenas Cassian e K-2 ficaram ali. O
droide olhou para ela.
– Jyn – K-2 disse. – Estarei lá com você. Cassian mandou.
Ela segurou um sorriso e olhou para Cassian. O homem que a traíra. O
homem que admitira sua culpa, mas decidira lutar por ela. Ele percebeu o
olhar de Jyn e olhou de volta com curiosidade.
Não era assim que traições funcionavam.
E Jyn lembrou que, embora Cassian – e Bodhi e os Guardiões – tivessem
testemunhado seu pior, ela também fora testemunha de suas ruínas. Bodhi,
que fora torturado; os Guardiões, que perderam seu lar; e Cassian, que havia
traído a si mesmo tão facilmente quanto traíra Jyn. Todos tinham suas
próprias desgraças.
Ao menos juntos já não tinham mais nenhuma vulnerabilidade.
Pensou novamente em Wobani, quando estava sozinha entre mil
prisioneiros.
– Não estou acostumada a pessoas não me abandonarem quando as coisas
apertam – ela disse, como uma explicação para seu olhar.
Não sabia se Cassian havia realmente entendido, mas ele respondeu:
– Bem-vinda ao lar. – E Jyn soube que realmente estava em casa.
Vinte minutos depois, carregando armas e sacolas cheias de equipamentos
roubados, Jyn e Cassian saíram do brilhante sol de Yavin e entraram na
cabine do transporte de cargas. Dessa vez, Jyn pensou, havia ainda mais
rostos do que antes, mais soldados cheios de cicatrizes, suor e determinação
do que no hangar. Com um aperto no peito, percebeu que provavelmente não
precisaria aprender o nome deles antes de chegarem a Scarif – logo todos
estariam lutando juntos por suas vidas em uma missão que muito
provavelmente fracassaria.
Jyn avistou Baze e Chirrut entre os rebeldes. A cabeça de Chirrut estava
voltada para ela, e ele ergueu seu bastão como uma saudação ou um brinde.
Lembrou-se de um ditado de seus dias com Saw Gerrera e falou alto o
bastante para ser ouvida no meio do barulho da nave.
– Que a Força esteja conosco.

– Transporte de cargas, temos um pedido de reboque aqui.


– Por favor, atenção: pedido negado. Você não tem permissão para
decolar.
Bodhi estremeceu no comunicador e olhou para a pista através da janela.
Os droides de voo já haviam rebocado o transporte para fora do hangar do
zigurate – isso dava espaço para iniciar uma decolagem vertical sem risco de
incendiar algum tanque de combustível por perto.
– Sim, sim, nós temos permissão – ele disse. – Afirmativo. Por favor,
cheque outra vez.
Era um plano ruim. Tudo até agora era um plano ruim, é claro, começando
com a mensagem de Galen e terminando com aquele ataque não autorizado a
Scarif. Agora ele estava o quê? Desertando a deserção? Se sobrevivesse,
Bodhi seria um traidor do Império e um rebelde amotinado. Teria sorte se
apenas acabasse dentro de uma cela em Yavin.
Imaginou se também haveria um Bor Gullet em Yavin. Muito improvável.
Pelo menos isso era um conforto.
– Não estou vendo o pedido aqui – o comunicador disse.
Bodhi pensou em seus passageiros. Assim como ele, estavam se
insurgindo, cometendo uma traição ao desafiar o conselho da Aliança. Já
tinham pilhado armas e equipamentos suficientes da Aliança para suprir um
exército inteiro – e Bodhi já vira o bastante da operação em Yavin para saber
que não estavam sobrando equipamentos.
Não sabia se isso deixava o pessoal na base mais propenso a atirar contra o
transporte. Afinal, iam querer os equipamentos de volta…
– Tem certeza de que tudo já foi processado? – Bodhi tentou. – Alguém já
deveria ter autorizado.
Acionou uma série de interruptores e checou as luzes de alerta. A relação
entre massa e volume estava confundindo o computador – um compartimento
de cargas lotado significava quarenta toneladas de minério, não uma nave
cheia de soldados –, mas isso não causaria nenhum problema.
Pensou em todas as apostas ruins que fizera durante a vida – nas vezes em
que apostou tudo com chances escassas de ganhar de volta o que havia
perdido, apenas para acabar sem nada. Será que era isso que estava fazendo
com Jyn e os outros? Dobrando uma aposta ruim?
Mas não sentia que era isso. Não havia aquela incerteza inebriante, a
mistura de esperança e desespero. Quando pensava sobre o que estava
fazendo, quase sentia uma calma.
– Qual é a sua identificação? – a voz no comunicador disse.
– Sim, aqui é… – Apenas decole! – É, ah…
Pense, Bodhi. Diga algo a eles. Diga qualquer coisa.
Se disser alguma coisa, eles podem não atirar.
– … identificação Rogue. Rogue Um.
Transferiu a energia para os motores e sentiu o tremor familiar de um
transporte de carga decolando sob seu comando. O oficial do outro lado do
comunicador gritava com ele. Bodhi o ignorou.
– Rogue Um – ele declarou –, decolando!

Aos quinze anos, durante o inverno em que descobriu smashball, o romance e


as profundas imperfeições de seus pais, Mon Mothma havia decidido devotar
sua vida a estudar História – decidira dar as costas à dinastia política de sua
família e passar seus dias em um escritório apertado lendo diários, cartas e
manifestos de carga de mil anos, até seus olhos secarem. Ela seria detetive,
legista e filósofa ao mesmo tempo, examinando meios e motivos e causas da
morte de civilizações inteiras.
Claro, não se tornou uma historiadora. No verão seguinte, o momento de
rebelião de Mon já havia sido esquecido. A inércia, as pressões da família e
um genuíno amor pelo governo haviam recolocado a garota no caminho da
política. Ela se tornou senadora (jovem demais, agora pensava) pedindo
votos, sorrindo e mantendo a cabeça acima da água até aprender como jogar
aquele jogo para valer.
Fizera campanha pelo fim de uma guerra e agora – com uma hipocrisia
imparcial – havia juntado um exército enquanto tentava impedir outra. Fugira
de casa e de uma vida para se tornar a mulher mais procurada pelo Império e
a líder de uma revolução. E não podia deixar de imaginar o que aquela garota
de quinze anos falaria sobre a Aliança Rebelde, olhando agora de um futuro
distante:
Apesar de toda a sua pompa, falta aos líderes rebeldes a coragem de
transformar sua rede de células paramilitares e políticos aliados em algo
mais do que mera curiosidade. Sua incapacidade de se comprometer com um
curso de ação possibilitou o crescimento do Império e a deslegitimação de
qualquer movimento de protesto no futuro…
Mon estava acostumada com o fracasso e a autocrítica. Mas o pensamento
machucou mesmo assim.
A sala de reuniões estava quase vazia agora. Vozes cansadas de gritar
silenciaram, e homens e mulheres que cruzaram a galáxia para estar em
Yavin se retiraram para suas naves ou para outras conversas privadas. Não
houve consenso ou uma votação formal, e Mon ficou grata por isso.
Considerando o conteúdo da discussão, uma decisão rápida poderia apenas
terminar em desastre.
Mon não dormiria à noite. Planejava passar as horas até a sessão seguinte
do conselho discutindo com seus pares e aliados para tentar salvar algo
daquela situação. E, embora não tivesse certeza do que restava para salvar,
sabia com quem começar.
Bail Organa, o ex-senador de Alderaan, parecia esperar por ela na porta da
sala de reuniões.
– Você discursou bem – ele disse quando ela se aproximou, com uma
gravidade fúnebre.
Mon sorriu fracamente e se perguntou se parecia tão exausta quanto ele.
Considerava Bail um parceiro desde o primeiro dia em que discutiram se
opor à ascensão de Palpatine ao poder. Em todos os anos desde então – em
todas as discussões sobre as intervenções beneficentes de Bail e os acordos
secretos de Mon –, as linhas de seu rosto nunca lhe pareceram tão profundas.
– Apesar do que os outros dizem, a guerra é inevitável – ela comentou,
suspirando. – A Senadora Pamlo tem instintos nobres, mas está errada: se o
Império usou a arma em Jedha, então usará novamente. Não podemos
impedir esses genocídios, apenas resistir a eles.
Bail assentiu, um movimento tão leve que pareceu a única coisa que
conseguiu fazer.
– Concordo. Devo voltar para Alderaan para informar meu povo de que
não haverá paz. – Mon sentiu a dor daquela admissão e imaginou qual seria o
preço que ele pagaria por isso. – Precisamos de qualquer vantagem possível –
ele acrescentou sombriamente.
Mon precisou de um momento para compreender. Então olhou para os
conselheiros mais próximos e baixou a voz.
– O seu amigo. O Jedi.
Bail assentiu novamente.
– Ele me serviu bem durante as Guerras Clônicas e tem vivido no exílio
desde o expurgo do Imperador. – Bail pareceu esperar o veredito de Mon,
mas ela não tinha nada a oferecer. Finalmente, ele completou: – Sim, vou
entrar em contato.
Um Jedi, retornando para lutar contra o Império. Parecia uma ideia
impossível, então Mon focou naquilo que não era.
– A nave do Capitão Antilles está ancorada junto com a Profundidade para
reparos, mas está quase pronta para partir. A extração deve ser simples; se
não for, suas habilidades poderão ser úteis.
– Essa também é minha avaliação – Bail disse.
– Aquele que fizer contato com o Jedi terá uma terrível responsabilidade. –
Mon sabia quem Bail tinha em mente: estava claro nas linhas cansadas de seu
rosto, no medo de um homem que nunca antes temeu a vingança mais
sombria do Imperador. Ela relutava em duvidar de suas decisões, mas
precisava ter certeza. – Vai precisar de alguém em quem pode confiar.
– Eu confiaria minha vida a ela.
Você terá de confiar a ela muito mais, Mon pensou, mas ele já estava
saindo pela porta. E, apesar de suas reservas sobre a agente de Bail (a garota
era tão jovem, independente de qualquer outra coisa), não conseguia pensar
em ninguém melhor.
Então a questão estava resolvida.
Mon Mothma apertou os olhos para espantar a exaustão e considerou com
quem falar a seguir.
CAPÍTULO 15

JYN AINDA VIVIA NA CAVERNA EM SUA MENTE. Mas agora era maior, tão grande
que era como se pudesse conter mundos e exércitos, e tão repleta da luz que
vinha de cima que ela não mais se sentia presa.
Podia apenas torcer para que não se fechasse sobre ela novamente. Não
antes de a missão acabar. Não antes de terminar o que precisava fazer em
Scarif.
Jyn subia até a cabine do piloto quando o transporte saiu do hiperespaço.
As névoas azuis do túnel do hiperespaço recuaram e as estrelas voltaram a
aparecer, fixas no lugar por matéria e gravidade reais. No centro daquele
cenário estelar havia um planeta envolto em oceanos azuis e salpicado com
nuvens e arquipélagos rochosos. Não fosse a enorme estação orbital em
forma de anel acima do hemisfério norte, Scarif pareceria quase intocada.
– Certo – Bodhi disse. – Vamos lá. – Ele estava sentado ao lado de K-2SO
diante do console, acenando para Jyn se juntar a eles quase sem olhar para
trás. Era estranho, Jyn pensou, vê-lo tão confiante, tão confortável.
– O que é isso? – ela perguntou, cerrando os olhos na direção do anel.
Distinguiu os pequenos pontos que desciam pelo centro como naves estelares,
mas então um brilho na beira do anel chamou sua atenção: era o brilho
sutilmente distorcido de um campo de energia.
– Existe um escudo defensivo que envolve todo o planeta e tem apenas
uma comporta principal como meio de entrada – Bodhi disse. – O nosso
transporte deve estar equipado com um código de acesso que pode nos deixar
passar.
– Desde que o Império não tenha registrado o código como vencido – K-2
acrescentou.
– Ou roubado – Bodhi disse.
– E se tiverem? – Jyn perguntou.
– Então – Bodhi respondeu –, eles fecham a comporta e nós somos
aniquilados no frio e escuro vácuo do espaço.
Jyn bufou uma meia risada. Estava começando a gostar da versão
confiante, confortável – e cínica – de Bodhi.
– Não eu – K-2 disse. – Posso sobreviver no espaço.
Jyn cravou os dedos nos assentos e tentou não se inclinar para a frente. O
transporte tombou gentilmente na direção da comporta e os pontos logo
cresceram. As grandes massas em forma de cunha de dois Destróieres
Estelares se agigantavam como estátuas monstruosas sobre o portal da
estação orbital, eclipsando o enxame de naves de carga, transportes e caças
TIE. Jyn tentou se lembrar da última vez que viu tanta atividade Imperial em
um único lugar, mas não conseguiu.
– Certo, isso é bom – Bodhi disse. Olhou para os Destróieres Estelares e
depois para seus detectores. – Normalmente não é tão movimentado assim.
Acho que isso é bom. Somos apenas mais uma nave, nada para ser notado. –
Jyn percebeu sua confiança vacilar, depois ser restaurada. – Certo. Aqui
vai…
Os motores do transporte rugiram e o convés tremeu quando a nave
acelerou pela vasta distância que a separava da comporta. Bodhi operava o
comunicador com uma das mãos e disse sem hesitar:
– Transporte de carga SW-0608 solicitando uma plataforma de
aterrissagem.
Jyn se endireitou e recuou cuidadosamente. Confiante, confortável e
Imperial. Poderia ter imaginado como Bodhi era antes – como qualquer um
de seus companheiros era antes da Estrela da Morte –, se não estivesse tão
concentrada em não fazer barulho.
– Transporte de carga SW-0608, você não está listado no cronograma de
chegadas – a voz no comunicador disse. O operador soou vagamente
surpreso. Bodhi já tinha uma resposta pronta.
– Entendido, Controle da Comporta. Fomos redirecionados da Estação de
Voo de Eadu. Transmitindo código de autorização.
Jyn estremeceu ao ouvir alguém subir a escada que levava à cabine do
piloto. Olhou e encontrou Cassian, que pareceu sentir o clima e parou no
meio da subida.
Ela sabia o suficiente sobre como o espião era antes da Estrela da Morte.
Ainda não tinha certeza se o havia perdoado ou simplesmente decidido
abandonar a raiva como um cartucho de blaster usado.
– Transmitindo – K-2 disse. O console zumbiu suavemente e silenciou
quando a transmissão acabou. Cassian terminou de subir, rápido e discreto.
Jyn manuseava o colar em seu pescoço, puxando o cristal kyber contra a luz
do sol.
Cassian tinha dito: nós fizemos coisas terríveis. Se tudo desse errado agora
– se fracassassem mesmo antes de aterrissar –, Jyn tinha certeza de que a
única escolha imperdoável seria a dela própria.
Envolveu o cristal com os dedos. Imaginou uma prece como a de Chirrut.
Quase riu, perigosamente alto, mas segurou o som.
– Transporte de carga SW-0608? – a voz no comunicador retornou. – Você
tem permissão para a entrada.
Jyn soltou o cristal e fechou o punho, quase gritando de triunfo. Girou e se
surpreendeu ao ver Cassian perto dela. Por instinto, no calor do momento, ela
agarrou seu braço e o apertou.
Cassian olhou para Jyn com um sorriso irônico e curioso. Ela soltou seu
braço e passou por ele.
– Vou contar aos outros – ela disse.
A caverna estava se iluminando cada vez mais.

Jyn estava mudando. Estava evidente em seus movimentos fluidos e em seu


olhar lúcido. Os ombros já não ficavam mais caídos, já não mantinha a
postura compacta de uma mulher pronta para absorver um golpe e revidar.
Não havia perdido nada de sua intensidade, que, no entanto, agora vinha com
aquilo que Cassian apenas podia interpretar como uma confiança que beirava
à invencibilidade.
Ela sempre lhe pareceu alguém sem medo de morrer. Agora parecia
alguém que não podia morrer.
Cassian deveria se sentir aterrorizado ao segui-la para a batalha. Já não a
entendia, não conseguia mais localizar a velha necessidade de respostas, suas
desesperadas buscas por significado. Mas havia encarado seu ódio na volta de
Eadu e caminhado sobre uma linha muito fina antes da reunião em Yavin,
sem saber o que aconteceria depois.
Ele contara a história de sua missão diante do conselho. Jyn contara a sua.
E Cassian percebera que deixar o fuzil de lado havia despertado uma fome
dentro dele. Havia tentado se imaginar executando outra missão friamente
elegante para Draven e encontrando alento na excitação momentânea do
perigo e do triunfo.
Não poderia mais sobreviver assim.
Após perceber isso, recrutar o resto da equipe foi fácil.
Jyn estava mudando. E, por meio dela, Cassian faria aquilo que se esperava
dele. Todos fariam.
Cuidado. Você está começando a soar tão fervoroso quanto Chirrut.
A descida pela atmosfera de Scarif foi quase imperceptível, salvo pelo
desaparecimento das estrelas e a passagem do céu negro para o azul. O
oceano abaixo, assim que Cassian pôde enxergá-lo, parecia completamente
calmo – apenas o brilho na água sugeria a presença de ondas.
O transporte seguiu sobre as ilhas vulcânicas repletas de selvas e
finalmente diminuiu a velocidade quando se aproximou de um círculo de
ilhas menores, conectadas por bancos de areia e tubos de transporte. Outras
naves e caças estelares circulavam as ilhas, subindo e descendo nas duas
dúzias de plataformas de aterrissagem que apoiavam as muitas instalações
Imperiais que se espalhavam sobre o círculo. O traçado, até onde Cassian
podia ver, era próximo daquilo que Bodhi havia descrito durante a viagem no
hiperespaço.
Uma voz soou no comunicador, entediada e profissional.
– SW-0608, autorização para a plataforma de aterrissagem nove. Favor
confirmar.
– SW-0608 prosseguindo para PA9 como instruído – Bodhi disse.
O transporte se inclinou, mergulhando abaixo do topo de uma monolítica
fortaleza Imperial que se erguia do centro da ilha.
– Aquele edifício principal – Cassian disse. – O que é?
– É o nosso objetivo – Bodhi respondeu. – A Torre da Cidadela. É o
comando e o controle de toda a instalação.
Cassian pensou em pedir a Bodhi que passasse outra vez ao redor, mas não
valia o risco de atraírem suspeita.
– Você consegue acessar a comporta do escudo por dentro?
– Acho que não. Mas, se os planos da Estrela da Morte estão em algum
lugar, é lá.
É melhor que estejam. Todo o plano dependia de encontrarem o banco de
dados da Cidadela. Se por algum motivo Galen Erso estivesse errado, se
Bodhi estivesse errado agora, se o Império tivesse movido a fita de dados de
que eles precisavam para outro lugar…
Um movimento chamou sua atenção no topo da torre: o sutil reajuste de
uma enorme antena de transmissão.
– E a antena no topo? Para que serve?
Bodhi deu de ombros.
– É a torre de comunicação. Toda a comunicação que entra e sai da base
passa por aquela antena. Transmissões normais não conseguem penetrar o
escudo, e uma antena normal não teria a largura de banda para lidar com tudo
na base ao mesmo tempo.
Cassian imaginou os soldados na cabine abaixo e repassou seus rostos e
dossiês. Parou no Cabo Pao – tinha uma vaga lembrança de que o cabo das
Forças Especiais havia destruído uma unidade de comunicações semelhante
em uma missão em Foerost. Fez uma anotação mental para perguntar sobre
isso antes de saírem do transporte.
– Trem de pouso acionado – K-2 disse.
Cassian se afastou da janela. Não esperava que alguém fosse avis-tá-lo em
solo, mas por que arriscar?
– Segurança? – ele perguntou. – Qual é a situação?
– Não sei – Bodhi respondeu. – Já fiz vinte viagens de transporte de cargas
para dentro e para fora daqui. Eles nunca deixaram que eu saísse da
plataforma de pouso, então não tenho muito com que comparar. A segurança
é alta.
Cassian observou copas de árvores verdes e praias brancas passarem
rapidamente. Por um instante, avistou o corpo metálico de um Transporte de
Carga Blindado para Todo Terreno – um walker quadrúpede cujos primos
militarizados ele já vira devastar bunkers inteiros. Quase nunca via grandes
walkers fora de zonas de guerra.
– Bom – ele murmurou. – Já encaramos chances piores.
– Não – K-2 disse. – Não encaramos.
Havia quase duas dezenas de soldados na cabine principal. Duas dezenas de
pessoas esperando para lutar e morrer. E todas olhavam para Jyn como os
soldados de Saw olhavam para ele.
Jyn ouvira suas conversas durante o voo, pegou alguns nomes. Muitos dos
soldados lutaram juntos como parte da Força Expedicionária Especial.
Alguns trabalharam diretamente com Cassian, outros ele buscou por suas
reputações – alguns ouviram rumores da operação em Scarif e se
voluntariaram para se juntar à força em vez de denunciá-la. Os rebeldes que
não se conheciam rapidamente trocaram histórias de guerra, piadas ou
provocações, formando laços da maneira usual dos soldados. Ou se sentavam
sozinhos, encarando as próprias mãos com uma expressão pensativa.
O Cabo Calfor era um granadeiro meio surdo que já fora dono de um canil
em Mykapo. Eskro Casich era um fanfarrão que adorava extrapolar seus
feitos, e Jyn instantaneamente o percebeu como um homem que morria de
medo de se tornar o único sobrevivente da missão. Um homem discreto de
meia-idade com um sotaque forte havia se dado a tarefa de inspecionar todos
os blasters a bordo, limpando excessos de carbono e trocando cartuchos de
energia. Uma mulher pálida havia começado a gritar com um de seus colegas
sobre como a Aliança estava morta, sobre como todos eram traidores agora,
depois voltou a se sentar murmurando desculpa atrás de desculpa. O Cabo
Tonc havia passado metade do voo ao lado de Bodhi, questionando
ceticamente o piloto sobre sua adequação para a missão – se era competente
com um blaster, se já havia participado de combates –, antes de declarar, mal-
humorado, que ele estaria de olho em Bodhi.
Quase ninguém falava com Jyn, a menos que ela falasse antes. Saw sempre
se posicionava acima de seu pessoal, como símbolo de uma causa – agora
Jyn fora forçada a esse papel. Com uma pontada no peito, percebeu o quanto
sentia falta da camaradagem do grupo de Saw – não das pessoas, não de suas
amarguras e fanatismo, mas do conhecimento implícito de que estavam
unidos sob a liderança de alguém.
Jyn sentou-se ao lado de Baze e Chirrut durante a descida do transporte.
Ela tinha os dois agora, mas não era a mesma coisa.
Assustou-se quando uma mão tocou seu ombro e se virou para ver um
largo atirador de elite diante dela. Tentou se lembrar do nome. Sefla.
– O que foi? – ela perguntou.
– Um pequeno problema com as tropas – Sefla disse.
Jyn esperou.
– Eles gostam de você, senhora, mas, se quiser fazer um discurso, respeitar
você será difícil para eles. Você não é militar. Nem é da Aliança.
– Não é realmente problema meu, é? – Jyn disse, mais confusa do que
irritada.
– Essa não é a atitude correta, senhora. – Sefla arqueou uma sobrancelha. –
O moral é problema de todos. Se o Capitão Andor não fez isso, então cabe a
mim, como tenente das Forças Especiais da Aliança, conferir a você a patente
de sargento. Parabéns.
Sefla não sorriu, mas Chirrut riu discretamente.
– Você é um cretino – Jyn disse.
– Sim, Sargento – Sefla respondeu, depois voltou para seu grupo de
Expedicionários.
Pelo jeito, vou ter de fazer um discurso, Jyn pensou. Levantou-se do
assento e começou a andar de um lado a outro. Deixe que olhem.
Pouco tempo depois, Cassian desceu da cabine do piloto.
– Vamos aterrissar – ele murmurou para ela, depois falou para o grupo: –
Estamos pousando!
Uma dúzia de conversas sussurradas cessou imediatamente. Os soldados se
levantaram, apertaram as cintas de seus fuzis e prenderam seus equipamentos
para a descida final. Após o término dos cliques de metal e o farfalhar de
roupas – tudo rápido demais para o gosto de Jyn – seus olhos se voltaram
para ela.
Jyn fracassou em convencer o conselho da Aliança. Não era uma boa
oradora. Lutar era tudo o que sabia.
Talvez aquela fosse sua plateia perfeita.
Começou a falar, erguendo a voz acima do barulho das placas de
blindagem.
– Saw Gerrera costumava dizer: um guerreiro com um bastão afiado e
nada a perder pode salvar o dia.
Ninguém vaiou. Ninguém perguntou nada. Alguns oficiais das Forças
Especiais assentiram.
– Eles não sabem que estamos chegando. Não têm razão alguma para
esperar por nós. Se conseguirmos chegar ao solo, então tentamos a sorte mais
uma vez. E de novo. E assim por diante, até vencermos ou até a sorte acabar.
Os planos da Estrela da Morte estão lá em algum lugar. Cassian, K-2 e eu
vamos achá-los. Vamos achar um jeito de achá-los.
Também não houve aplausos, mas os soldados pareciam orgulhosos e
prontos.
Poderia ter prometido a eles suas vidas. Poderia ter prometido uma grande
vitória para a Aliança. Mas isso era tudo o que podia oferecer, e torceu para
que fosse suficiente.
Cassian se apresentou antes que a atenção se dispersasse.
– Melshi, Pao, Baze, Chirrut: vocês vão levar o esquadrão principal para o
oeste, longe daqui. Encontrem uma posição entre a nave e a torre. Quando
estiverem na melhor posição, detonem o lugar inteiro. Façam dez homens
parecerem cem. E atraiam aqueles stormtroopers para longe de nós.
– E o que eu devo fazer? – era a voz de Bodhi, que descia da cabine do
piloto, deixando K-2 para trás.
– Mantenha o motor ligado – Cassian disse. – Você é a nossa única saída
daqui.
Se é que vamos conseguir voltar para cá, Jyn pensou. Poderia ter falado
isso em voz alta, mas tinha certeza de que todos pensavam o mesmo.
CAPÍTULO 16

A INSPEÇÃO DE CARGA FOI TÃO TENSA QUANTO JYN ESPERAVA.


O transporte não fora construído para carregar duas dúzias de rebeldes
armados e cheios de equipamentos, muito menos para escon-dê-los de uma
equipe de segurança Imperial curiosa. Mas a inspeção, Bodhi havia
assegurado, era inevitável. Tudo o que podiam fazer era tentar tirar alguma
vantagem disso.
Então Jyn havia se escondido na cabine do piloto, apertando-se entre o
ombro de Cassian (que cheirava a óleo de blaster e terra de Eadu) e o console
principal. Ouviu a rampa de embarque se abrir, ouviu botas pisarem o convés
de metal e Bodhi dar instruções rápidas e desajeitadas na cabine principal.
Ouviu os murmúrios da equipe de inspeção. Ouviu o som de duas dúzias de
homens e mulheres apertando-se dentro de compartimentos de carga como
refugiados.
– Ei, você deve estar querendo um manifesto… – Bodhi disse, soando
menos convincente a cada minuto.
– Isso seria útil. – Outra voz, grosseira e oficiosa.
– Está aqui embaixo.
Jyn envolveu o cabo de seu blaster com os dedos. Podia saltar para fora da
cabine com um único pulo, se fosse necessário. Talvez até cair na base da
escada sem quebrar as pernas.
Ouviu o rangido de uma escotilha de carga se abrindo. Houve um único
grito abafado e depois sons de múltiplos impactos contra o convés. Nenhum
tiro foi disparado. Jyn correu para a escada e desceu em tempo de ver Baze
emergir do compartimento de carga com um sorriso aterrorizante.
Bodhi, de olhos arregalados, estava de pé entre os corpos da equipe de
inspeção.
– Começamos bem – Jyn disse, enquanto o resto dos rebeldes emergia.
Três minutos mais tarde, ela estava vestida com um uniforme de segurança
Imperial grande demais sobre suas roupas. O peitoral blindado parecia
desproporcional sobre ela, e as mangas, longas demais sobre as luvas, mas
teria de servir. Quase estremeceu quando olhou para Cassian, com um traje e
quepe de oficial que serviam perfeitamente. Até mesmo o cilindro de código
em seu bolso estava posicionado no ângulo correto.
– Você já fez isso antes – ela murmurou, e ele a ignorou. O resto dos
soldados escondia os corpos e repassava as armas e comlinks retirados deles.
Jyn checou seu blaster uma última vez, pôs o capacete e olhou para a
rampa de embarque. Melshi fez um gesto que Jyn interpretou como um sinal
de preparar no meio de um grupo de soldados. Ela começou a se mover na
direção de Cassian e da saída antes de sentir uma grande sombra ao seu lado.
Baze, com um toque tão gentil quanto uma folha ao vento, segurou seu
ombro.
– Boa sorte, irmãzinha – ele disse. Falou de um jeito amável e sério, como
se essas palavras fossem um costume de Jedha ou uma honra dos Guardiões
dos Whills.
Jyn não sabia. Não precisava saber. Sorriu para ele, procurou por palavras
e não encontrou nenhuma. Torceu para que entendesse sua gratidão.
Cassian esperava por ela na rampa. Juntos, vestidos como o inimigo, eles
desembarcaram em Scarif.

Scarif era iluminada como um deserto, tão brilhante quanto era a sua caverna
agora. Jyn podia sentir a água salgada no ar. O calor do sol poderia ser
insuportável sob seu uniforme negro, se a brisa não estivesse em constante
movimento, fluindo e ondulando como se sentisse inveja das marés. Tentou
não olhar para os transportes que passavam acima deles, mantendo o queixo
erguido e olhando para a frente, como um guarda normal. Não sabia se estava
atuando bem – precisou diminuir o ritmo duas vezes para permitir que
Cassian, seu “superior”, seguisse na frente. K-2SO vinha logo atrás; seus
servomotores zumbiam a cada passo.
Desceram marchando da plataforma de aterrissagem, cheia de consoles,
caixas de cargas e estações de energia. De lá, seguiram uma curta trilha até
um bunker acima do solo, conectado a um sistema de trilhos repulsores que
levava até a Cidadela. Jyn piscou para se proteger da luz do sol e de uma
súbita e distante sonolência.
– Senhor! – Quando alcançaram o terminal, um guarda apertou um botão e
as portas de um vagão se abriram, permitindo a entrada de Cassian, Jyn e K-
2.
Mantenha o foco, Jyn.
– Nossas chances de fracasso aumentaram – K-2 disse. – Tenho um mal
pressentimento sobre…
– K-2! – Cassian disse rispidamente.
– Quieto – Jyn acrescentou.
As portas se fecharam, negando a entrada de um par de stormtroopers. Jyn
sacudiu a cabeça bruscamente quando o vagão entrou em movimento. Sua
postura traía sua inquietação.
– O quê? – K-2 disse.
Nenhum dos dois respondeu. Concentre-se, Jyn disse a si mesma outra
vez, enquanto apoiava o peso do corpo ora sobre um pé, ora sobre outro, sem
encontrar uma vazão para o nervosismo e a tensão que se acumulavam na sua
mente. Pensou no sorriso de Baze, na promoção que recebera do Tenente
Sefla, naquilo que seus colegas se preparavam para fazer lá fora.
– O que foi? – Cassian perguntou. Sua voz saiu grave: sombras e luz do sol
dançavam sobre seu rosto ao passo que o vagão corria sobre a água. Jyn fez
um gesto com a mão, dispensando sua preocupação, mas ele apenas
perguntou novamente, com mais ênfase. – O que foi?
Ela girou e olhou pela janela. A Torre da Cidadela crescia cada vez mais,
negra contra o céu iluminado.
– Só estava pensando… sobre aquilo que falei para eles na nave. Sobre
aquilo que Saw Gerrera dizia.
– O que tem? – Cassian perguntou.
Jyn ajeitou um dos dedos da luva, que era grande demais.
– Nunca lutamos desse jeito com ele. Eu nunca lutei. Com Saw, o que a
gente queria com as missões era bater forte no Império. Bater por vingança,
lentamente sangrando o Império até a morte.
– E o que estamos fazendo agora é diferente. – Cassian foi cuidadoso, sem
revelar nada de seus pensamentos.
– Sim – Jyn disse. – Se não vencermos agora, as pessoas lá fora… – Ela
apontou para as estrelas, ocultas no céu. – … não vão simplesmente ignorar.
Temos que achar os planos. Acho que não sei como lutar para realizar algo.
Era tudo verdade. Mas nada daquilo era o que mais perturbava Jyn. Nada
daquilo era o que queria esconder de si mesma, agora que enxergava a
verdade.
– Você vai conseguir – Cassian disse. Ele tentava, falando com uma
gentileza e uma compaixão que Jyn mal vira antes, mas não era a resposta de
que precisava.
Lutaria para encontrar os planos. Confiaria em Cassian e Chirrut e Baze e
Bodhi e Melshi e todos os outros para impulsioná-la pelo caminho que
precisava seguir. Mas, se a missão começasse a dar errado, o que faria? Se os
perdesse no caos…
Jyn lutou por toda a sua vida. Mas, mesmo no grupo de Saw, havia lutado
– mais do que por qualquer outra coisa, mais do que por vingança ou
ferocidade – por sua própria sobrevivência.
Se voltasse para seus velhos instintos, o que aconteceria? Poderia se
arriscar por uma pessoa. Tirar uma garota inocente do fogo cruzado. Mas, se
acabasse sozinha, Jyn não sabia se poderia se arriscar pela causa.
– O vagão está parando – Cassian disse.
Apenas concentre-se, Jyn.
O zumbido do vagão mudou de tom e as sombras dançantes relaxaram seu
frenesi.
– Precisamos de um mapa – Cassian continuou. – Este lugar é grande
demais e estamos vulneráveis demais para sair por aí procurando pelo banco
de dados.
K-2 inclinou a cabeça, mas não olhou diretamente para Cassian.
– Ah, tenho certeza de que tem algum mapa dando sopa por aí.
– Você sabe o que tem que fazer – Cassian respondeu.
Jyn estranhou. Antes de conseguir perguntar o que Cassian queria dizer
com aquilo, as portas do vagão se abriram. Eles emergiram dentro da
Cidadela de Scarif, onde já não havia mais a luz que iluminava lá fora,
substituída por fileiras de iluminação artificial encrustadas em paredes de
metal escuro. Corredores se estendiam da estação de transporte, e oficiais,
guardas e ocasionais stormtroopers andavam sem pressa pelas passagens.
Cassian estava certo. Sem um mapa, estavam completamente perdidos. Jyn
puxou seu uniforme, que pareceu mais desajeitado do que nunca.
Um droide de segurança idêntico a K-2SO passou por eles. Cassian
assentiu na direção de K-2 e eles começaram uma perseguição disfarçada. Jyn
forçou-se a não tocar a sua arma, lembrando-se de que deveria ficar calma. Se
tivessem sido detectados, um alarme já teria disparado. Se os outros tivessem
sido detectados, todo o complexo já teria caído em alvoroço.
Seguiram o droide por um longo corredor. Quando o droide curvou-se para
entrar em uma alcova forrada de maquinarias, Cassian se posicionou contra a
parede ao lado. Jyn tomou o outro lado e observou K-2 seguir seu gêmeo.
Com um único movimento, K-2 esticou o punho, ejetou de seu pulso um
bastão conector e o mergulhou na parte de trás da cabeça metálica de seu
gêmeo. O segundo droide soltou um gemido eletrônico que não durou mais
do que meio segundo; depois caiu de joelhos diante de K-2, que manteve a
conexão.
– Rápido – Cassian urgiu. Pôs-se em frente à alcova, ainda vigiando o
corredor, como se seu corpo pudesse esconder dois droides grandes como
aqueles. Jyn se juntou a ele, alternando o olhar entre o seu lado do corredor e
K-2.
A cabeça do droide balançava no pescoço, para a frente e para trás como
um cata-vento.
– Está tudo certo com ele? – Jyn perguntou.
– Droides série KX são reforçados contra intrusão – Cassian disse
bruscamente. – Invadir sua programação não é fácil.
Após quase um minuto, ele perguntou:
– K-2?
K-2SO ergueu a cabeça e extraiu o bastão conector de seu gêmeo.
– Nossa rota ideal para o banco de dados coloca apenas oitenta e sete
stormtroopers em nosso caminho – ele respondeu. – Avançaremos um terço
do caminho antes de sermos mortos.
O segundo droide desabou inerte no chão.
– Certo – Jyn disse. – Vamos torcer para todos estarem em posição.

Baze Malbus não conhecia nem confiava nos soldados rebeldes ao seu redor.
Não respeitava suas lealdades. Não podia contar com suas habilidades.
Lutaria ao lado deles porque Jyn Erso os aceitara em sua própria revolução –
não a revolução da Aliança, mas uma revolução que surgira das cinzas da
Cidade Sagrada para trazer retribuição onde a ressurreição era impossível.
Confiava na fúria e no fogo de Jyn. Mais do que tudo – embora odiasse
admitir –, confiava em Jyn porque Chirrut Îmwe confiava. Naqueles em
quem Chirrut confiava, Baze encontrava uma razão para também confiar.
A vida era mais conveniente desse jeito. Até mesmo Baze achava exaustiva
sua eterna desconfiança.
– Vão! – Bodhi gritou da cabine do piloto, no transporte de carga. – Agora!
O caminho está livre!
Juntos, os soldados se derramaram da plataforma de aterrissagem. Baze
empunhava o canhão e seguia na sombra de Chirrut, deixando o homem cego
escolher o ritmo e vasculhar o chão com seu cajado. Seguiram os rebeldes
para fora da plataforma e entre as árvores de folhas largas da selva, longe dos
olhos das patrulhas de stormtroopers e dos caças estelares.
Cinco soldados haviam permanecido a bordo do transporte para proteger o
ponto de extração e Bodhi Rook. Em outra vida, Baze talvez tivesse rezado
pelo piloto – nesta, Baze sabia que Bodhi viveria ou morreria de acordo com
sua habilidade e sorte. Mais provável que fosse pela última do que pela
primeira.
Um dos rebeldes, um olheiro de barba feita, chegou ao lado de Baze.
– Ele consegue acompanhar o ritmo? – perguntou, indicando Chirrut com
um gesto.
Baze bufou uma risada e não se deu ao trabalho de se virar para o olheiro.
– Esconda melhor o seu rastro. Daí ele consegue acompanhar. – Apontou o
dedo para a areia branca e os pés de Chirrut. Onde Chirrut batia no chão com
o cajado, ele jogava areia para o lado, cobrindo o rastro dos soldados. Onde a
barra de sua túnica se arrastava, ocultava as marcas restantes.
– Ele pode ouvi-lo – Chirrut disse de repente.
O olheiro assentiu rapidamente. Constrangido, ofereceu um “desculpe,
senhor” e seguiu para a frente do grupo. Baze notou que, dessa vez, o rebelde
tomou o cuidado de ocultar suas pegadas.
– Ao menos ele não perguntou se você era um Jedi – Baze murmurou, mas
Chirrut havia começado a entoar um cântico. Que a Força dos outros esteja
com você.
Eles se embrenhavam cada vez mais na selva; a cobertura verde das
árvores nunca se tornava fechada demais para obscurecer o sol. Quando a
areia começou a dar espaço a um solo mais rico, Baze se ajoelhou e, no meio
de um passo, apanhou alguns grãos pálidos entre o polegar e o indicador.
Ergueu a pitada de areia até o nariz – cheirava a sal marinho e barro.
Encostou os grãos na língua e cuspiu.
Até mesmo a terra tem um gosto diferente, ele pensou. Terra era tudo o que
restava de Jedha, mas Baze não achava que voltaria para lá. Scarif – com suas
árvores tão verdes quanto as vivas luzes esmeraldas de uma cantina, com seus
tépidos oceanos e areia igual a ossos triturados – era seu lar tanto quanto
qualquer outro lugar.
A cidade se foi, meu velho. NiJedha não existe mais.
Levou a mão até as costas e apertou o duto de ventilação de seu gerador
portátil. No calor de Scarif, teria de controlar a temperatura do canhão. Não
seria nada bom se a arma travasse no meio do combate.
Os soldados pararam perto de um monte baixo. O Sargento Melshi, que
comandava a equipe, olhou do topo com um conjunto de quadnocs. Baze
estreitou os olhos diante da luz do sol e viu uma estrutura Imperial e dois
esquadrões de stormtroopers do outro lado.
– Um quartel – ele murmurou, e Chirrut concordou.
Melshi desceu até a base do morro e sinalizou para um de seus
subordinados. O segundo homem passou entre os rebeldes, rapidamente
entregando detonadores magnetizados.
– É aqui que nos separamos – Melshi disse. – Espalhem-se. Um detonador
por plataforma. Se encontrarem alvo melhor, eliminem, mas não temos outros
detonadores, então escolham bem.
O rebelde que carregava os detonadores ofereceu um para Baze e Chirrut.
Baze negou com a cabeça, e o garoto seguiu em frente. Melshi ainda estava
falando.
– Queremos atraí-los para fora, então continuem avançando quando
começarmos e não deixem que recuem para os bunkers. Vou sinalizar a hora
certa. – Observou o grupo e assentiu bruscamente. – Vão!
Os rebeldes se espalharam, em duplas, trios ou sozinhos. Melshi olhou
para Baze e Chirrut.
– Vocês se acham bons demais para ajudar na demolição? – Seu tom foi
bem-humorado, mas curioso.
– Alguém precisa manter os seus soldados vivos – Baze disse. Sorriu,
mostrando os dentes.
Melshi não gostou do gracejo.
– E então? – Baze perguntou, gesticulando para Chirrut.
Os lábios de Chirrut estavam se movendo. Quando terminou seu cântico (A
Força está comigo, e eu estou com a Força…), o Guardião seguiu atrás de
um grupo de rebeldes.
– Não vamos nos demorar – Chirrut disse e olhou para trás, lançando um
olhar cego para Melshi.
Quando Chirrut seguiu os soldados rebeldes, Baze seguiu Chirrut. Juntos,
eles saíram à caça.
Entre os stormtroopers que vagavam pelos caminhos de terra, pelas
plataformas de aterrissagem e pelos bunkers, havia muitos que usavam
armaduras especiais, da cor de dentes apodrecidos. O uniforme era
evidentemente leve e flexível, adequado para o calor e as patrulhas nas praias.
Vulneráveis, Baze pensou, a golpes rápidos que quebravam pernas e
pescoços.
Chirrut derrubou os dois primeiros stormtroopers do dia, eliminando-os
antes que pudessem completar a patrulha ao redor de uma plataforma e
flagrar o olheiro rebelde plantando seu detonador. Baze eliminou outro
soldado logo depois, saltando da vegetação para envolver um pescoço
coberto por uma veste negra – enterrou os dedos sob a borda do capacete do
stormtrooper e o arrastou para o meio das árvores, negando-lhe ar até o
capacete se soltar e Baze bater seu rosto contra uma pedra. O stormtrooper
não se mexeu outra vez.
Os dois caçavam em sincronia, Chirrut sempre espreitando perto dos
rebeldes e Baze sempre espreitando perto de Chirrut. Baze não limitou seus
alvos àqueles que poderiam flagrar o homem cego, mas manteve Chirrut sob
observação mesmo assim – onde a Força poderia falhar com Chirrut, Baze
não falharia.
Suas mãos e braços rapidamente cansaram. Baze era forte, mas já estava
envelhecendo e, no momento, não podia se dar o luxo de usar seu canhão.
Secou as sobrancelhas com a manga da camisa e tomou um gole de seu cantil
quando os rebeldes se reagruparam junto de Melshi, agora já bem perto do
quartel. Chirrut se abaixou entre as árvores, a alguns metros dali.
Os soldados pareciam ansiosos. Pareciam determinados. Analisaram o
quartel e os arredores, seus fuzis prontos enquanto se deitavam na areia ou
usavam as árvores como camuflagem.
Talvez, Baze pensou, pudesse confiar neles, afinal de contas.
Ouviu a voz de Melshi em seu comlink.
– Preparem-se. Aguardem o sinal.
Ouviu a espuma das ondas se derramando sobre a areia e o uivo longínquo
de naves de transporte.
Eventualmente, a resposta de Cassian veio no comunicador:
– Detonem tudo.

– Diretor Krennic, estamos entrando na comporta do escudo de Scarif. O


General Ramda foi informado de sua chegada.
Orson Krennic grunhiu em resposta e tocou a garganta com um dedo,
preocupado com a irritação e as marcas. O ataque de Darth Vader levaria um
ou mais dias para melhorar – enquanto isso, uma dor que não passava trazia a
lembrança da precariedade de sua situação.
Estava diante de um penhasco metafórico, batendo o pé no chão para tentar
causar uma avalanche. Com a traição de Galen Erso desfeita, ele ganharia a
fidelidade de Vader. Com o apoio de Vader, exporia a incompetência de
Tarkin: a revelação de sobreviventes rebeldes em Jedha. Com Tarkin
humilhado, o comando de Krennic sobre a Estrela da Morte seria
incontestável, e poderia tratar diretamente com o Imperador sobre qual seria a
melhor maneira de usá-la.
Krennic seria, de todas as maneiras que importavam, o homem mais
poderoso e condecorado de todo o Império.
Ou despencaria do penhasco e quebraria a cabeça nas rochas. E sua Estrela
da Morte cairia nas mãos trêmulas de Wilhuff Tarkin.
Tarkin, Erso, Vader – como tantos homens conspiraram contra ele por
tanto tempo?
– Iniciando descida final – soou a voz do piloto.
Deixe para fazer birra como criança outro dia. Solucione o problema
criado por Erso primeiro.
Desembarcou com sua escolta de troopers da morte, acenou bruscamente
para o tenente destacado para guiá-lo na plataforma executiva da Cidadela e
ignorou a carícia sedutora do ar quente de Scarif. Galen tivera acesso quase
irrestrito à Cidadela – sim, sob a supervisão de oficiais do Império, mas
faltava rigor aos supervisores de Scarif, que ganhavam suas posições no
mundo tropical largamente graças ao nepotismo. Confiavam na guarnição de
stormtroopers, no escudo planetário e nos Destróieres Estelares em órbita –
confiavam demais nas medidas automáticas de segurança da Cidadela. O
dano que Galen pode ter causado era considerável.
Krennic ultrapassou seu guia quando desembarcou do turboelevador e
seguiu para o centro de comando da Cidadela. O General Ramda e seu
pessoal esperavam com posturas de atenção quando Krennic desceu no piso
de controle.
– Diretor – Ramda declarou. – O que o traz a Scarif?
Krennic sentiu seus pelos se eriçarem com o tom de voz de um homem que
havia preparado um passeio pela instalação e um jantar oficial em vez de
antever uma crise como aquela. Ramda era outro oficial cuja incompetência
excedia sua visão.
– Galen Erso – Krennic disse rispidamente. – Quero que todas as ordens e
transmissões que ele já enviou passem por uma inspeção.
– Destacarei três homens imediatamente. – Ramda mal conseguiu esconder
sua confusão quando Krennic passou por ele, dirigindo-se para um console. –
O que eles devem procurar?
Krennic parou, girou e encarou o general com um desgosto visível.
– Farei a inspeção pessoalmente. É por isso que estou aqui.
– Cada uma delas?
– Sim. Todas. Comece logo.
Talvez, Krennic pensou, tivesse superestimado a competência de Ramda.
Talvez tivesse aceitado responsabilidade demais pela traição de Galen. Não
que apontar culpados – independente da justificativa – fosse amolecer Vader.
Tinha um plano para a tarefa diante de si. Começaria checando todas as
transmissões feitas para fora. Provavelmente, Galen não ousara transmitir
arquivos completos do banco de dados – até mesmo a segurança frouxa de
Scarif teria detectado isso –, mas era melhor ter certeza. Depois disso,
Krennic procuraria por nomes de qualquer pessoa dentro do Império que
Galen pudesse ter atraído para sua conspiração – o Galen que Krennic
conhecia não tinha o carisma para ganhar aliados e a coragem para tentar
chantagear, mas o Galen que Krennic conhecia também não teria abandonado
o trabalho de sua vida, em primeiro lugar.
Sentou-se diante de uma estação, perto das janelas, enquanto oficiais se
apressavam nervosamente atrás dele. Assim que verificasse as possibilidades
mais óbvias, começaria a vasculhar as mensagens a mão. Precisaria verificar
palavras codificadas buscando qualquer coisa fora do comum.
Galen sabia demais, havia visto demais. Se tivesse enviado informações
para os rebeldes sobre as defesas Imperiais ou sobre rotas do hiperespaço,
poderia deixar mais de um planeta vulnerável a um ataque bem coordenado.
Se tivesse autorizado envios de equipamentos e armas, poderia ter abastecido
seus aliados. Mas, se tivesse enviado informações sobre a Estrela da Morte
pouco a pouco, “esquecendo-se” de criptografar os dados para que a Rebelião
pudesse interceptá-los…
… e então, o quê? O que a Aliança Rebelde poderia fazer? Não havia
defesa contra a estação de batalha.
Vocês nunca vencerão.
O breve estrondo que interrompeu os pensamentos de Krennic foi apenas
uma irritação: outro fracasso da parte de Ramda e seus homens de dar a ele
aquilo de que precisava. Mas então veio outro estrondo, e mais outros
rapidamente, em sequência. Krennic se levantou de repente e olhou para o
horizonte de Scarif quando fumaça e fogo se ergueram de uma dezena de
pontos no meio da selva verde.
Os oficiais falavam sem parar atrás dele. Não ouviu palavras, mas
reconheceu o tom de voz de surpresa e confusão. Será que eram tão
desatentos assim?
– Vocês estão cegos? – ele gritou, girando para encarar todo o centro de
comando e ignorando a irritação na garganta. – Os rebeldes estão aqui!
Ganhou a atenção da sala. Mas atenção não era o que ele queria.
– Acionem a guarnição! – gritou. – Mexam-se!
E eles se mexeram, finalmente, com Ramda gritando ordens e seus
subordinados acessando mapas aéreos e hologramas. Ramda ignorava, é
claro, o verdadeiro objetivo do inimigo, mas Krennic sabia que aquilo era
trabalho de Galen. Mais uma consequência de sua sabotagem, de suas
mensagens secretas. Krennic praguejou contra o homem antes de tentar
contextualizar os novos fatos.
Os rebeldes (quase certamente eram os rebeldes) tentavam alcançar o
banco de dados. Tentavam roubar os diagramas da estação de batalha.
Por quê? Para construir uma igual?
Para procurar uma fraqueza.
Mas não havia fraquezas.
Até mesmo a possibilidade era inaceitável.
E outro pensamento surgiu no fundo de sua mente – um pensamento que
não deveria ser aterrorizante, um pensamento que não significava nada
àquela altura, que não tinha implicações para a realidade em solo, mas que
fez seus punhos fechados tremerem mesmo assim.
Os sobreviventes de Jedha haviam atacado Eadu – e ele viu um deles, ali
na plataforma, enquanto as bombas caíam, embora não se lembrasse do rosto
de seu inimigo. De Eadu, eles o seguiram até Scarif.
Jurou não deixar que escapassem pela terceira vez.
CAPÍTULO 17

YAVIN 4 ERA UM MUNDO PRISÃO. Parecia uma descortesia dizer isso em voz alta
– a Base Um dera a Mon Mothma um lar, um abrigo contra um Império que a
teria perseguido ansiosamente através dos confins da galáxia, em troca da
mínima chance de executá-la. Mas deixar Yavin era quase impossível por
essas mesmas razões. As viagens de Mon para fora do mundo eram raras e
curtas, e sempre acabavam de volta a sua cela, dentro do zigurate.
Ela era chefe de estado da Aliança Rebelde e seu poder se estendia apenas
até onde a selva acabava. Mon abafou uma forte inveja enquanto via os
conselheiros que havia convocado embarcarem em suas naves estelares,
decolando um após o outro até ganharem o céu azul. Voltavam para seus
mundos, seus campos de batalha e seus quartéis-generais móveis, prontos
para guerrear, fugir ou se render, pois o impasse na Aliança permanecia e os
discursos de Mon não foram suficientes para influenciá-los.
Observou o transporte sem identificação da Senadora Pamlo decolar em
direção a Coruscant, onde Pamlo denunciaria publicamente a estação de
batalha Estrela da Morte antes de renunciar ao cargo e pedir a dissolução da
Rebelião. Mon havia conseguido essa concessão durante seus oitenta e três
minutos de debate com Pamlo pela manhã. Talvez um dia Mon se lembraria
disso e sentiria admiração pelos princípios de Tynnra Pamlo. Mas não hoje.
Ela voltou para o hangar, cruzou a pista e ganhou as sombras do zigurate.
Uma fila de conselheiros continuava seguindo para suas naves,
aparentemente supervisionados por Davits Draven e Antoc Merrick.
Merrick era, para todos os efeitos, um excelente piloto e um bom
comandante do Esquadrão Azul. Ao vê-lo com Draven, Mon precisou resistir
à tentação de perguntar: quem vamos assassinar agora? Em vez disso,
apenas disse:
– As decolagens estão seguras?
Não havia razão para mexer em feridas que nem haviam começado a
cicatrizar.
– O Esquadrão Azul está pronto para ser lançado, se alguém solicitar
assistência – Merrick respondeu.
Draven grunhiu.
– Até agora tudo está indo bem. Ao menos os Imperiais não seguiram
ninguém até aqui. – Ele olhou de um lado a outro, acenou com a cabeça para
um assessor distraído de um senador e baixou a voz. – De qualquer maneira,
eu gostaria de começar a procurar um novo quartel-general. Pessoas demais
sabem sobre a Base Um e não temos certeza de quantos ainda estarão do
nosso lado amanhã.
E assim, de repente, Mon pensou, estamos nos preparando para o
rompimento da Aliança.
– Faça isso – ela disse.
Merrick ia dizer alguma coisa, mas foi interrompido por um grito vindo da
parte de trás do hangar.
– Senadora! Senadora Mothma! – Um homem abria caminho entre um
grupo de técnicos e um astromec série C1, correndo em sua direção. Draven
se posicionou para interceptá-lo, agarrando seu ombro com firmeza, como se
estivesse pronto para jogar o homem no chão.
Como se Draven quisesse, Mon percebeu, protegê-la de um potencial
assassino. Não sabia se deveria se sentir grata ou preocupada.
– Pare aí mesmo – Draven disse, com a voz grave e severa.
O homem congelou, praticamente tremendo de nervosismo.
– Deixe-o falar – Mon disse.
– Uma transmissão Imperial interceptada, senhora – o homem respondeu. –
Rebeldes em Scarif.
Scarif? Como era possível?
Mas a resposta era óbvia. Ela também a enxergou no rosto de Draven e de
Merrick.
Enquanto Mon havia passado a noite agarrando-se a qualquer parte da
Aliança que pudesse preservar, Jyn Erso seguira para arriscar tudo o que ela
tinha.
Olhou com uma expressão sóbria para o homem que trouxera a mensagem.
– Preciso falar com o Almirante Raddus – ela disse.
– Ele já partiu. – O homem estava quase gaguejando. – Está em órbita a
bordo da Profundidade. Ele vai lutar.
– Entendo – ela respondeu, e lentamente sorriu. A expressão de Merrick
era de expectativa; a de Draven era séria e determinada.
Talvez Mon tivesse desistido da esperança cedo demais.
Menos de dez minutos depois, sirenes anunciavam a partida dos
Esquadrões Vermelho, Azul, Verde e Dourado, junto com os transportes U-
wing. Raddus já havia contatado todas as naves capitais dentro do alcance de
Yavin ou Scarif. Draven havia bruscamente alertado Mon a não considerar se
juntar à missão, por mais que achasse o gesto inspirador – mas o alerta não
fora necessário. Mon entendia seus limites bem o bastante para não se pôr em
seu caminho.
Em vez disso, lembrou-se do orgulho que sentia pelos soldados da Aliança
e observou pilotos, infantaria e técnicos correrem para suas naves. Qualquer
pessoa capaz de contribuir seria bem recebida na batalha que se anunciava.
Quando os últimos transportes começaram a se encher, Mon voltou para os
corredores do zigurate e seguiu para o centro de comunicações. Teve de abrir
caminho para um droide de protocolo dourado e uma unidade astromec que
corriam na direção da pista, e vagamente ouviu o primeiro declarar com
indignação:
– Scarif? Estão indo para Scarif? Por que ninguém nunca me avisa de
nada, R2…?

O Grão-Moff Wilhuff Tarkin fazia questão de não pensar muito na ambição


extravagante de Orson Krennic. No curso de mais de uma década, o diretor
havia passado de uma irritação para uma genuína ameaça, depois voltou para
a condição inicial, e sempre exigindo muito mais atenção do que Tarkin
estava preparado para conceder. Krennic foi útil demais para ser descartado e
motivado demais para se confiar, mas uma mistura de negligência e raros
lembretes pontuados da autoridade de Tarkin o mantiveram na periferia de
sua galáxia pessoal.
Não obstante, enquanto Tarkin olhava para as estrelas na tela da ponte
superior da Estrela da Morte, tomou um momento para reconhecer as
contribuições do diretor. Um projeto de tal escala precisava ser conduzido
com um olho para os detalhes e uma ênfase na implementação – e Krennic,
apesar de seus defeitos e obsessões, fizera a Estrela da Morte funcionar.
Tarkin de certa forma esperava que todos os sistemas não essenciais da
estação de batalha fossem queimar no primeiro teste em Jedha. Porém, a
Estrela da Morte permanecia intacta, invulnerável – sua fúria total ainda a ser
liberada. Seria extraordinário, pensou, ver se realmente conseguiria demolir
um planeta…
Tarkin riu para si mesmo diante de sua ansiedade infantil. Não havia
pressa. A Estrela da Morte era uma ferramenta como qualquer outra, para ser
empregada na hora certa.
– Senhor? – O General Romodi havia se aproximado. Tarkin assentiu com
a cabeça, demonstrando que o ouvia. – A base de Scarif. Chegou um relato de
uma incursão rebelde terrestre. Fogo cruzado ao redor da Cidadela.
Isso foi uma surpresa. Scarif era um alvo difícil, um alvo que Saw Gerrera
poderia atacar se estivesse se sentindo particularmente ambicioso. Se a
Rebelião estava atacando Scarif tão rápido após a morte de Gerrera, era por
alguma razão.
Possibilidades cruzaram a mente de Tarkin. Nenhuma o alarmou. Poucas
coisas realmente o alarmavam nos últimos tempos.
– Uma incursão terrestre – ele disse. – Mas nenhum apoio espacial?
– O pessoal de Ramda não mencionou nada a respeito.
O que sugeria um esforço de última hora ou um plano ainda não
implementado completamente.
– Quero falar com o Diretor Krennic – Tarkin disse.
– Ele está lá, senhor. Em Scarif.
Aquele era um dia realmente cheio de surpresas.
Tarkin falou tanto para si quanto para Romodi, como uma consideração
neutra:
– Os planos originais desta estação são mantidos na Cidadela, não é
mesmo?
– Sim.
Junto com outros diagramas esquemáticos para projetos da Iniciativa
Tarkin. Seria realmente uma pena, Tarkin pensou, ver contratempos nos
programas Manto-de-Guerra e Esfera Estelar. Mas dificilmente seria um
golpe duro no cronograma da galáxia, principalmente com a Estrela da Morte
enfim operacional.
Era melhor sofrer uma derrota menor e evitar uma maior. O que os
rebeldes poderiam fazer com os diagramas técnicos era limitado, é claro, mas
Tarkin sempre foi um homem que preferia evitar o espectro do risco.
– Prepare um salto ao hiperespaço – ele disse. – E informe Lorde Vader.
Romodi se retirou apressado, e o suave zumbido do reator aumentou de
tom gentilmente, ao passo que os motores da velocidade da luz consumiam
energia. Tarkin cruzou os braços e observou um par de caças TIE na tela
voarem na direção de um dos hangares da estação.
Estava curioso para ver os rebeldes em ação. Também estava curioso para
saber quais oportunidades poderiam se apresentar. Quantas vitórias seriam
possíveis em uma única batalha?
Mas Tarkin era um homem paciente. Achava melhor esperar para ver o que
Scarif ofereceria.

DADOS COMPLEMENTARES:
A FROTA REBELDE

[Documento #MH2215 (“Breves comentários sobre a história


da frota da Aliança Rebelde”), dos arquivos pessoais de Mon
Mothma.]

As Guerras Clônicas redefiniram os conflitos interestelares,


forçando-nos a lidar com realidades esquecidas após gerações de paz.
Este foi, talvez, o pior dos crimes de guerra – foi lançada uma era na
qual o derramamento de sangue em massa não era mais impensável,
mas uma característica essencial da ação militar.
Já argumentei que nosso movimento rebelde não é uma resposta à
questão política das Guerras Clônicas e continuo acreditando nisso;
de qualquer modo, ninguém pode afirmar que nossa doutrina militar
não é largamente definida pelo desejo e pela necessidade de fazer as
coisas de um jeito diferente. O que funcionou nas Guerras Clônicas
não pode funcionar outra vez: a parceria dos Cavaleiros Jedi e do
exército de clones Kaminoanos constituíram uma arma sem igual que
já não existe mais.
Considere uma brigada de soldados clones liderada por um
comandante Jedi: tal unidade poderia penetrar as defesas orbitais de
um mundo e tomar o controle de todo o planeta sofrendo (e
infligindo) poucas baixas. Não pretendo subestimar o papel da guerra
naval durante o último conflito, nem macular os sacrifícios dos
pilotos e das tripulações de naves estelares que perdemos, mas que
bloqueio seria eficiente o bastante para segurar um punhado de caças
estelares e uma única nave de transporte de clones? (Sim, tais
bloqueios existiram, e em números maiores ao fim do conflito, mas
seu custo ajudou a fraturar e falir o nascente governo Separatista.)
Com o fim das Guerras Clônicas, a destruição da Ordem Jedi e o
desmantelamento das instalações Kaminoanas, o autoproclamado
Imperador e seus conselheiros militares determinaram que o futuro
das táticas de guerra se encontrava em armamentos navais de larga
escala – em uma frota de naves e estações de batalha que poderiam
atomizar qualquer inimigo, fosse na superfície de um planeta, fosse
entre as estrelas. Eles reconstruíram suas forças armadas não para
ataques precisos, mas para duros golpes de martelo; forças armadas
que poderiam combater o movimento interestelar de qualquer
infantaria que uma insurreição pudesse juntar.
Essa foi a terrível genialidade do plano do Imperador Palpatine. Ele
sabia que uma rebelião como a nossa não teria dificuldade em juntar
um vasto exército de tropas terrestres de milhares de mundo
oprimidos.
Mas seus stormtroopers poderiam combater um levante local em
qualquer mundo, e suas frotas poderiam dizimar tropas ainda no
espaço durante qualquer tentativa de aterrissagem. Nenhuma rebelião
em potencial ousaria dispensar o uso de infantaria, pois – sem o apoio
de elite dos Jedi ou dos clones – o custo em vidas seria abominável
(ver, por exemplo, o caso da 61a Infantaria Móvel em Ferrok Pax).
Daí a importância da frota rebelde.
Enquanto o Império construía seus colossais Destróieres Estelares
e seus enxames de caças tie, outra frota se formava, de modo menos
mecânico. Nos primeiros anos daquilo que se tornaria nossa Rebelião,
havia pouca coordenação entre as células insurgentes – porém, cada
uma delas entendeu, de modo independente, a necessidade de obter
naves estelares para transporte e ataques militares. Um cargueiro
reconfigurado aqui, incrementado com armamentos ilegais retirados
de sucatas dos Separatistas; uma corveta pirata ali, doada por um
contato do submundo simpático à causa; um punhado de caças
estelares, roubados em um audacioso ataque contra uma base
Imperial.
Quando facções insurgentes de diferentes setores começaram a
coordenar e compartilhar recursos, novos desafios surgiram. Caças tie
diferem pouco entre si – seus mecanismos e pilotos podem ser
trocados com facilidade diante de avarias e ferimentos. Mas o mesmo
não acontece com a variedade de naves que voam pela causa rebelde.
Organizar e manter uma frota costurada é uma tarefa que, sob
liderança menos qualificada (eu mesma não seria capaz!), teria sido –
deveria ter sido – impossível.
Capitães rebeldes propuseram uma solução em três etapas para
nosso desafio. Primeiro, uma rota clandestina seria estabelecida, por
meio da qual contrabandistas e mercadores legítimos obteriam e
distribuiriam peças sobressalentes para naves. A rede de distribuição
precisaria ser tão eficaz quanto aquelas das maiores corporações da
República. A ajuda de ex-conselheiros Separatistas se mostrou
inestimável.
Segundo, pilotos seriam incentivados a coordenar e aprender uns
com os outros e treinariam com o máximo possível de naves e
simuladores diferentes. Isso não apenas permitiria a recolocação de
bons pilotos caso suas naves fossem destruídas, mas também se
mostraria vital para ataques que envolvessem múltiplas naves. Como
disse o Almirante Raddus: “Ninguém quer voar em formação com um
estranho”.
Terceiro, a liderança rebelde gastaria todos os recursos necessários
para obter mais esquadrões de caças. Esses esforços custariam
créditos e vidas, e os detalhes devem permanecer confidenciais por
enquanto. De qualquer modo, nosso acesso a caças X-wing em
particular é prova do nosso sucesso.
Conforme nossa Rebelião ganhou visibilidade, novas
oportunidades surgiram. A chegada de naves-cidade Mon Calamari
foi uma dádiva chocante (e, talvez, considerando nossa limitada
eficácia contra a ocupação de Mon Cala, não merecida), enfatizando a
importância de conquistar o coração dos civis da galáxia acima de
tudo.
Com o tempo, líderes como Raddus e o General Merrick
realizaram um feito impressionante, transformando aquilo que
poderia ter sido uma armada pirata em uma força de ataque genuína.
Há muito tempo descobrimos que nossos pilotos, tripulações e
comandantes podem facilmente igualar a habilidade e a bravura de
suas contrapartes Imperiais; aquilo que ainda não foi testado é se
nossas naves podem encarar um combate entre frotas de grande
escala e triunfar contra um oponente tecnologicamente superior.
Minha esperança é que esse teste nunca seja necessário. Mas, se o
dia chegar, creio que sairemos vitoriosos.
CAPÍTULO 18

BODHI ROOK DEVERIA SE SENTIR CULPADO. De dentro da cabine do transporte


SW-0608, observou a fumaça preta subir de meia dúzia de plataformas de
aterrissagem – o tipo de fumaça que se derramava como sangue de um
transporte de carga destruído ou de um speeder incendiado. Já tinha visto os
rebeldes de Saw Gerrera explodirem instalações antes. Reconhecia a si
mesmo nas figuras de preto que corriam para extinguir incêndios ou que se
protegiam atrás de patrulhas de stormtroopers.
Bodhi nunca se considerou um soldado ou assassino. Deveria se sentir
culpado. Mas escolhera um lado quando Galen Erso contara sobre os crimes
que estavam facilitando. Sentira suas últimas dúvidas queimarem no fogo que
consumiu a Cidade de Jedha.
– Stormtroopers! – era a voz do Cabo Tonc, soando do lado de fora da
nave. – Stormtroopers à esquerda!
Bodhi ouviu botas pisarem sobre o convés quando os cinco soldados
rebeldes que permaneceram junto ao transporte correram para fora. Pela
janela viu um esquadrão de stormtroopers correr sobre a plataforma de
aterrissagem, passando por caixotes de carga e consoles de controle. Nenhum
deles prestou atenção no transporte.
Ao menos por enquanto Bodhi poderia continuar se escondendo.
Tonc subiu ruidosamente a escada da cabine; seu fuzil pendurado no
ombro batia em cada degrau. Bodhi tentou parecer confiante, tentou parecer
forte na presença do homem – Tonc passara a maior parte da viagem até
Scarif interrogando-o antes de se voluntariar para proteger a nave. Bodhi
ainda não sabia exatamente o que o soldado pensava dele.
Tonc deu um tapa no meio das suas costas.
– Como estamos aqui? – ele rugiu.
Bodhi estremeceu com a força do golpe.
– Parece que mandaram todas as naves não combatentes aterris-sarem, mas
de modo geral estão ignorando os transportes. Não sei exatamente o que está
acontecendo… – Fez um vago gesto para a janela e para a fumaça.
Ocasionalmente conseguia identificar o lampejo vermelho de um tiro de
blaster, mas as árvores atrapalhavam sua visão das plataformas, bunkers e
quartéis perto da Cidadela.
– Combate é o que está acontecendo – Tonc disse. – Cortesia dos
Expedicionários.
Bodhi ajustava seus instrumentos, com a cabeça baixa sobre o console.
Mas a admiração na voz de Tonc atraiu sua atenção.
– Pensei que você também fosse um Expedicionário.
Tonc riu.
– Não consigo fazer nem metade do que os caras das Forças Especiais
fazem. Mas fiquei sabendo que o Capitão Andor precisava de voluntários,
então me apresentei. – Sua voz tornou-se mais áspera quando acrescentou: –
Mesmo assim, atiro melhor do que você.
Bodhi não duvidava disso.
O comunicador ganhou vida e uma voz soou, urgente e irritada.
– Plataforma doze! Feche agora!
Bodhi bateu triunfalmente nas coxas.
– Encontrei o canal principal de segurança. Podemos rastrear seus
movimentos daqui.
Tonc apertou os lábios e aprovou com a cabeça. A troca de mensagens era
rápida e desencontrada: a Cidadela exigia relatórios da situação e a avaliação
da quantidade de rebeldes, enquanto stormtroopers chamavam por reforços
de emergência.
– Temos rebeldes em toda parte! – uma voz gritou, e Bodhi não segurou
um sorriso.
– Nós vamos simplesmente ficar sentados aqui, com cara de idiota? Ou
vamos ajudar? – Tonc perguntou.
Bodhi se eriçou, embora as palavras fossem mais amigáveis do que
desafiadoras. Voltou a manusear os controles do comunicador e mordeu os
lábios.
Baze e Chirrut estavam lá fora, provavelmente atirando e levando tiros
junto com todos os soldados rebeldes. Cassian, Jyn e K-2 estavam dentro da
Cidadela agora. Se tudo desse certo, mesmo se tudo desse perfeitamente
certo, nem todos voltariam para a nave com vida.
Não eram seus amigos. Não saíram para beber com Bodhi depois de levar
um fora em Bamayar, nem ajudaram a remontar seu astromec depois de
desmontá-lo por causa de uma aposta. Mas o salvaram de Saw Gerrera,
acreditaram nele, diferente de Saw e seu pessoal. Nunca chegaram a usar
algemas. Precisaram dele em Eadu e em nenhum momento fingiram que isso
não era verdade.
Queriam impedir a Estrela da Morte.
Não mereciam se machucar.
Bodhi deveria se sentir culpado.
Você não precisa se sentir culpado.
Apertou um botão, apanhou o comlink e gritou:
– Plataforma dois! Aqui é a plataforma dois! Contamos quarenta soldados
rebeldes correndo a oeste da plataforma dois!
Depois silenciou o comunicador e ajustou as configurações com a mão
trêmula. Sentiu uma onda de energia, aterrorizante e revigorante, quando
passou o comlink para Tonc.
– Diga a eles que você está cercado por rebeldes na plataforma cinco.
Tonc abriu um sorriso e apanhou o comlink.
– Quem precisa das Forças Especiais? – ele perguntou. – Podemos nos
virar sozinhos.
Por um instante, Bodhi teve certeza de que aquilo era verdade. Mas estava
aliviado por não lutar sozinho.

Os medos de Jyn começaram a se multiplicar. Sob a luz forte e reveladora da


caverna em sua mente, ela parecia encontrar um medo novo a cada momento.
Medo por seus companheiros e o perigo que corriam; medo de fracassar e
abandoná-los; medo do que a Estrela da Morte faria se não fosse impedida;
medo de não conseguir entregar a redenção que seu pai havia buscado.
Foi o medo que guiou sua mão até o blaster quando viu trinta
stormtroopers correndo em sua direção enquanto percorria um corredor da
Cidadela, ao lado de Cassian e K-2. Foi o medo que a deixou ansiosa para
lutar, ansiosa para canalizar seu terror em golpes sem piedade e costelas
quebradas.
Eadu e Jedha deram a ela um refúgio entorpecido na forma de marchas
intermináveis, tempestades violentas e gélida luz do sol. Os confortos de
Scarif deixavam-na pensar demais. E, quando o pelotão de stormtroopers
passou com indiferença por eles, com passos em sincronia enquanto se
dirigiam para a entrada da Cidadela, Jyn se sentiu um pouco desapontada.
– Pelo jeito, nosso disfarce está funcionando – Cassian murmurou.
Jyn forçou-se a concordar.
– Foi um bom plano.
Não tiveram notícia de Melshi ou dos outros desde as explosões. Os
rebeldes deveriam sinalizar se tivessem qualquer coisa que Jyn e Cassian
precisassem saber.
A menos, é claro, que estivessem todos mortos.
Concentre-se, Jyn.
Tentou lembrar-se de como mantinha silêncio no rádio durante as missões
com Saw – de como conseguia esperar, de volta à base, pelo retorno de
companheiros como Maia e Staven. Mas as lembranças vagas e incoerentes a
deixaram enjoada. Mesmo naquela época, não precisava daquele pessoal da
maneira como precisava de Bodhi, dos Guardiões e de Cassian: para mantê-la
com os pés no chão, para impedi-la de apenas lutar por sua sobrevivência.
Concentre-se e faça o seu maldito trabalho.
– O caminho para a caixa-forte é por aqui – K-2 disse.
Moveram-se o mais rápido possível sem chamar atenção. Os corredores
esvaziavam enquanto eles prosseguiam; oficiais retiravam-se para suas
estações e soldados corriam para proteger o perímetro. Finalmente,
alcançaram uma porta blindada.
– Lá dentro – K-2 disse. A porta se abriu sem que fosse necessário um
código.
A antecâmara da caixa-forte era pouco mobiliada, como o resto da
instalação. Um único tenente sentava-se atrás de um console, guardando a
entrada de um túnel muito iluminado, rodeado por dispositivos que Jyn não
reconhecia.
– Posso ajudá-los? – o tenente perguntou.
– Isso não será necessário – K-2 respondeu, e golpeou o crânio do homem
com seu punho metálico. O tenente desabou sobre o console e o droide
manobrou ao redor do corpo, empurrando o oficial desacordado para o lado e
conectando-se a um dataport.
Cassian correu para arrastar o homem para fora de vista. Jyn se aproximou
do túnel, piscando diante da luminosidade e da enorme porta blindada do
outro lado. Uma lembrança havia muito esquecida de uma noite ruim que
passara trabalhando em uma tesouraria Imperial passou por sua mente – ainda
podia sentir as faíscas queimando seu rosto, e os calos, depois de quatro horas
trabalhando com um cortador a plasma. Cortar o metal, ela teve certeza, não
era uma opção.
– Como isso abre? – ela perguntou.
– Identificação biométrica. O Tenente Putna vai servir. – K-2 gesticulou na
direção do corpo nos braços de Cassian. – Preciso ficar aqui.
– Por quê? – Cassian perguntou. Jyn se reposicionou para ajudar a carregar
o tenente, erguendo as pernas dele enquanto Cassian o carregava pelo tronco.
– Nenhuma fita de dados pode ser removida sem autorização e assistência
deste console – K-2 disse. – Dessa maneira, seria negado o acesso a algum
possível ladrão solitário. Caso ocorra alguma falha de segurança – o droide
acrescentou –, o túnel de triagem também pode ser energizado para apagar
todas as informações estocadas. E prefiro manter minha memória intacta.
Jyn esticou o pescoço enquanto Cassian tomava a dianteira no túnel. Os
anéis de equipamentos não pareciam menos ameaçadores, mesmo sabendo
que estavam ali para afetar eletrônicos, não pessoas.
Cassian grunhiu para Jyn. Ela soltou as pernas do tenente e Cassian rolou o
homem de lado, batendo sua mão contra o detector na porta da caixa-forte.
Por vários segundos, nada aconteceu – então um zumbido curto e grave
indicou a rejeição da detecção.
Jyn praguejou e sentiu a pele queimar.
– Não está funcionando – Cassian disse.
A voz de K-2 veio ecoando pelo túnel.
– A mão direita.
– Você é um péssimo espião – Jyn ironizou. Ficou surpresa por sua própria
intensidade: a piada fácil saiu carregada de frustração.
Cassian a ignorou e rearranjou o corpo. A porta emitiu um sinal positivo
dessa vez. Travas metálicas se soltaram e uma vibração correu através do
chão.
Lentamente – muito lentamente – a porta se abriu.

Por bons cinco minutos, os rebeldes tiveram a vantagem. Os stormtroopers


que sobreviveram às detonações iniciais estavam atordoados, surdos, cegos,
feridos pelas explosões, pelo baque e pelos estilhaços. Não estavam em
pânico – correram para seus postos e retribuíram fogo –, mas estavam
sofrendo para compensar as baixas antes mesmo de avistar o inimigo. Fáceis
de juntar e fáceis de matar.
Baze sentia satisfação com os gritos de alarme e os corpos que desabavam
conforme seus companheiros atacavam esquadrões Imperiais – sentia não
menos satisfação cada vez que Chirrut emergia das sombras para derrubar um
stormtrooper, ou quando seu próprio canhão meticuloso disparava através de
armaduras brancas, uma após a outra.
Baze uma vez ouvira – não se lembrava de onde – que os Jedi
consideravam a raiva uma abominação, um caminho para aquilo que
chamavam de lado sombrio da Força. Mas os Guardiões dos Whills não eram
Jedi – e a raiva de Baze era uma raiva justiceira, capaz de guiar seus tiros
quando a Força não conseguia.
E se raiva não fosse o suficiente para salvar a cidade sagrada? Então Baze
precisaria dobrar sua ferocidade em Scarif para dar a Jyn Erso a distração de
que precisava.
Baze, Chirrut e os rebeldes se espalhavam e se reagrupavam, separando os
esquadrões inimigos e atacando os reforços que chegavam um a um. Mas
logo os stormtroopers retomaram sua força e os reforços apareceram às
dezenas.
Foi quando os rebeldes começaram a morrer.
Baze não sabia o nome deles. Não ouvia seus lamentos no meio da
interminável reverberação de tiros de blaster e da vibração grave de seu
canhão. Deixou para trás corpos fumegando quando recuou. Os vencidos não
teriam rituais fúnebres, mas Baze decidiu que, se alguém sobrevivesse àquele
dia, ele honraria os mortos com seus companheiros sobreviventes.
O ar cheirava a cinzas. Era melhor do que a forte maresia.
Esquadrões de stormtroopers saíram de dentro dos quartéis, formando uma
ponta de lança na direção do monte onde os rebeldes tentavam se defender.
Baze viu a oportunidade junto com Melshi – uma breve chance de atacar a
formação do inimigo – e Melshi gritou “Avancem!”. Baze deu cobertura para
os rebeldes romperem a ponta de lança. Um foguete aliado lançou corpos de
armadura no ar – e então o momento passou, e os rebeldes se espalharam,
buscando cobertura na selva e permitindo que os stormtroopers começassem
uma perseguição.
Sob a relativa sombra das árvores, a vista de Baze ficou cheia de luzes
coloridas, conforme as rajadas de tiros de blaster cruzavam o ar. Suas costas
começaram a doer por causa do peso do gerador, e o suor fez sua barba
grudar em seu queixo. Não parou de se mover até perceber, assustado, que
não via Chirrut fazia algum tempo.
Praguejou, girou e disparou contra um stormtrooper, por cima da cabeça de
um rebelde que rastejava pelo chão da selva. Se gritasse para o homem cego
agora, uma dezena de armas miraria em sua direção. Mas, se perdesse
Chirrut…
Havia fumaça em toda parte. Árvores queimavam, conforme seus troncos
absorviam tiro após tiro. Baze voltou pelo caminho que fizera, concentrando-
se e estreitando sua visão como se a pura intensidade pudesse permitir que
enxergasse através da névoa.
– Baze! Baze!
Ouviu Chirrut antes de vê-lo. A túnica do homem cego estava suja de
fuligem e terra, e sua expressão mostrava toda a sua agitação, mas ele não
aparentava estar ferido. Baze sentiu uma onda de fúria e uma onda igual de
alívio.
– O quê? – ele perguntou. – O que foi?
– Corra – Chirrut respondeu. – Corra!
Com essas palavras, quando Chirrut agarrou Baze pelo braço e o puxou na
direção da praia, os sentidos de Baze se expandiram novamente. Ouviu
madeira estalando – não queimando, não sendo explodida por uma granada,
mas as árvores de folhas largas da selva sendo comprimidas sob um peso
inimaginável até se partirem ou explodirem.
Baze se virou e viu as gigantescas formas metálicas de walkers Imperiais
em marcha. Suas pernas eclipsavam as árvores, e os canhões laser de suas
cabines disparavam contra os soldados rebeldes que se dispersavam. Os
stormtroopers diminuíram sua perseguição, evitando o fogo cruzado e
tentando cortar a rota de fuga dos rebeldes.
Os rebeldes já haviam começado a morrer. Mas a morte não era um
fracasso.
O fracasso estava nas sombras das feras de metal.
Vai, irmãzinha, Baze pensou. Vai!
Dezenas de naves brotaram no meio da escuridão do espaço, preenchendo um
vazio como se alguma divindade mitológica tivesse entornado uma garrafa
cheia de estrelas sobre os céus. O Almirante Raddus – Raddus de Mon Cala,
Raddus das Geleiras, Raddus da Ninhada de Zadasurr e do Arpão de Tryphar
– conhecia muitas das naves só de ver suas silhuetas: caças X-wing e Y-wing,
transportes U-wing e Gallofree, canhoneiras Dorneanas e corvetas Martelo.
Todas já haviam servido bem à Aliança.
Foi uma visão tremenda, única na história da Rebelião. Se a frota tinha
uma vulnerabilidade, era sua própria singularidade: lutamos como irmãos que
nunca compartilharam um lar, Raddus pensou, contra um Império que
conhece apenas a disciplina tirânica.
Raddus não tirou os olhos de sua tela principal quando gesticulou para seu
oficial de comunicações.
– Todas as naves capitais já foram contabilizadas?
– Sim, Almirante – veio a resposta naquela rouca voz humana.
Raddus ainda precisava se ajustar aos alienígenas a bordo de sua ponte, por
melhores que fossem – a Profundidade fora construída pelos Mon Calamari e
apenas recentemente modificada pela Rebelião para uso militar. Com a
mudança veio também uma diversidade inesperada.
– Ótimo. E o General Merrick?
O orgulhoso grito do general veio através do comunicador com uma
explosão de estática:
– Pronto para lutar, Almirante. Enviando possíveis voos de ataque agora. –
Houve uma breve pausa antes de a voz continuar: – Aqui é o Líder Azul.
Todos os líderes de esquadrões, apresentem-se.
Raddus se virou da janela para as holotelas táticas, analisando o campo de
batalha enquanto os líderes dos esquadrões respondiam.
– Líder Azul, aqui é o Líder Dourado.
– Líder Vermelho, a postos.
– Líder Verde, a postos.
A Profundidade havia detectado – e sua equipe ou seus aliados haviam
confirmado visualmente – dois Destróieres Estelares, ao menos nove
esquadrões distintos de caças TIE e inúmeras naves de médio porte, de
transportes a cruzadores de patrulha, todos situados entre os rebeldes e Scarif.
Outras naves inimigas, ainda não detectadas, poderiam estar escondidas atrás
de planetas e luas ou navegando no escuro com energia auxiliar. Sozinha, a
frota Imperial representaria um desafio formidável – mas não um desafio
impossível.
Porém, as defesas planetárias de Scarif eram consideráveis. Os espiões de
Draven haviam relatado um escudo de energia construído para aguentar
poderosos bombardeios, e a estação da comporta orbital parecia infestada de
canhões e hangares de caças. Combinada com a frota Imperial, a batalha seria
– no mínimo – memorável.
Apesar de tudo isso, a dizimação da frota da Aliança era a menor das
preocupações de Raddus.
Em Yavin 4, Jyn Erso descrevera uma estação de batalha capaz de destruir
mundos inteiros. Raddus sabia que o Império não era conhecido por sua
timidez no uso de suas armas, e, de todos os planetas ao seu alcance nos quais
conseguia pensar, poucos eram tão arredios quanto seu próprio mundo natal.
Mon Cala havia resistido. Mon Cala sofrera punição. Mon Cala havia,
diversas vezes, oferecido seus guerreiros e recursos para a Rebelião.
Se a Rebelião fracassasse em impedir a Estrela da Morte, Mon Cala seria
destruída. Por essa razão – e por centenas de outras –, Raddus lutaria até onde
a Profundidade aguentasse.

O General Ramda era um tolo; Krennic já havia decidido processá-lo e


prendê-lo por incompetência. Porém, não havia ninguém em Scarif em quem
pudesse confiar para substituí-lo, e o próprio Krennic conhecia pouco sobre
as vulnerabilidades da Cidadela. Então permitiu que o general operasse o
centro de comando enquanto Krennic fervia de raiva, ouvindo os gritos e
relatos dos soldados em solo. Krennic não era, em seu âmago, um militar –
acreditava que, se uma batalha tivesse de acontecer, algo dera errado.
Os números do inimigo pareciam impossivelmente altos a princípio –
certamente produto de confusão e desarranjo, mas não menos ofuscantes por
causa disso. Porém, com o prosseguimento da batalha, nenhuma quebra das
defesas da base foi relatada e o conflito permaneceu a certa distância da Torre
da Cidadela. Logo um tenente gritou triunfalmente e declarou que walkers
haviam cercado e direcionado os rebeldes para a praia.
Krennic não tinha elogios para os oficiais de Scarif, mas aquilo foi
suficiente para acalmar sua fúria. A caixa-forte que guardava todos os bancos
de dados estava intocada. A Cidadela estava segura. Os sobreviventes de
Jedha seriam transformados em cinzas no meio da areia.
Novamente, tentou se lembrar do rosto de seu agressor em Eadu. Seria
uma mulher? Será que a reconheceria se os soldados catalogassem os mortos?
Daria a ordem para inventariar os cadáveres quando o combate terminasse. E
interrogaria pessoalmente qualquer sobrevivente – se aquilo era a vingança de
Galen, Krennic descobriria a verdade.
Um dos ajudantes de Ramda fez um sinal para o general.
– Transmissão do Almirante Gorin – ele anunciou. Krennic observou
Ramda correr para um console e bater com os dedos freneticamente na tela.
Quando Ramda se aproximou de Krennic, seu queixo estava tenso como se
diante de um novo terror.
– Senhor – Ramda disse –, parte da frota rebelde chegou do hiperespaço e
está concentrada do lado de fora do escudo. Entretanto, o almirante acredita
que não é uma ameaça ao planeta…
– Estão tentando tomar o planeta – Krennic explodiu. Teria acertado o
homem se não precisasse tanto dele. – Bloqueiem a base. Bloqueiem tudo! –
gritou com todas as forças diante do rosto do general.
Ramda se levantou, com a respiração acelerada, mas sem se abalar mais do
que isso.
– E fechar o escudo? – ele perguntou.
– Feche! – Krennic rugiu, e Ramda e seus homens correram para obedecer.
Depois de dar as ordens, Krennic baixou a voz, mas ainda ouviu a si mesmo
tremer de fúria. – Existe alguma possiblidade de a frota rebelde romper o
escudo? Pense antes de responder.
– A comporta do escudo em si – Ramda disse com um cuidado deliberado
– é o único ponto fraco. Com uma enorme quantidade de energia, um inimigo
poderia atravessar o campo energético contido pelo anel. Mas o Almirante
Gorin está posicionando suas naves para impedir até mesmo uma ocorrência
improvável como essa.
Krennic assentiu brevemente e dispensou Ramda. Tentou acalmar sua
raiva e atualizou sua reconstrução do ataque: uma equipe de rebeldes havia se
infiltrado no planeta em uma tentativa de penetrar a Cidadela e roubar os
diagramas da Estrela da Morte. Quando o ataque fracassou, os rebeldes
trouxeram sua frota – se não inteira, quase – para enfrentar uma batalha que
nunca poderiam vencer.
Foi um ato de desespero? Será que algum comandante rebelde havia
decidido que valia a pena perder tudo por uma mera chance de extrair a
equipe que tentava roubar os planos?
Havia lógica nisso, considerando certas premissas. A Estrela da Morte era
uma ameaça existencial para a Aliança. Se os rebeldes acreditassem – se
Galen fizera com que acreditassem – que havia uma fraqueza na estação,
então estariam tomando o único caminho possível para evitar sua perdição.
Não ocorrera a Krennic que os rebeldes pudessem sacrificar tantas vidas
por um ganho tão improvável. Já sabia que eram individualmente suicidas –
um desejo de morte em massa era algo novo.
Krennic bateu com o punho no console mais próximo e ignorou os olhares
assustados dos oficiais.
Você deve ter contado uma história e tanto, Galen.

– Aqui é o Almirante Raddus. Esquadrões Vermelho e Dourado, ataquem


aqueles dois Destróieres Estelares. Esquadrão Azul, desçam até a superfície
antes que fechem a comporta!
A resposta de Merrick soou no comunicador da ponte da Profundidade:
– Entendido, Almirante.
Raddus pressionou as palmas das mãos uma contra a outra e deixou a boca
aberta, permitindo que o ar espesso e artificialmente úmido se condensasse
dentro de sua boca e garganta. Depois molhou os lábios e vociferou novas
ordens para sua equipe.
– Quero dois terços da frota apoiando os Esquadrões Vermelho e Dourado.
Isso deve forçar os Destróieres a entrar no combate. O resto protegerá nosso
flanco; quando o Império trouxer reforços, não quero que bloqueiem nossa
rota de fuga. – Era um plano quase simplista, remendado das batalhas de
Nexator e Carsanza, mas não havia tempo para compor nada mais elaborado;
aquilo era uma aposta inicial, não uma estratégia para ganhar o dia.
E improvisação sempre foi um dos talentos de Raddus.
– E quanto à Profundidade, Almirante? – o oficial tático perguntou.
– Vamos cobrir o Esquadrão Azul – Raddus disse, apontando um dedo
para a janela. – Nosso alvo será a comporta do escudo.
Entraram de vez na batalha, e o que se seguiu foi o caos.
Raddus dividia sua atenção calmamente, mas com determinação, entre as
holotelas táticas e a vista da grande janela. A primeira revelava o estado do
campo de batalha – a última revelava sua tonalidade. Viu os pontos de luz
que representavam o Esquadrão Azul seguirem para a comporta do escudo; e
viu os primeiros disparos esmeralda dos Destróieres Estelares ondularem
contra os defletores dos Martelos rebeldes ao atingi-los. Não disse nada
durante os primeiros momentos de violência – confiava em seus artilheiros e
capitães para nadarem conforme a maré.
Mal ciente dos próprios movimentos, ele se levantou do assento e seguiu
na direção da janela quando a comporta do escudo entrou completamente no
seu campo de visão. O brilho trêmulo ao redor do anel havia começado a
diminuir quando – como água na eclusa de um rio – a comporta regulou o
fluxo de energia e permitiu que a abertura no escudo se fechasse. Levaria
apenas alguns momentos até que o escudo se reestabelecesse completamente.
Uma onda de caças do Esquadrão Azul e transportes U-wing se lançou na
direção da comporta que se fechava, atravessando a abertura e ganhando a
atmosfera de Scarif. Uma segunda onda continuou na mesma trajetória, e
Raddus ouviu um grito de pânico na estação de comunicação:
– Suba!
Um único caça estelar desapareceu em uma explosão de faíscas e metal,
destruído contra o escudo de energia. A primeira perda da Aliança naquela
batalha.
Raddus voltou para as holotelas táticas.
Jyn Erso e seus colegas – Rogue Um – ganharam seu apoio terrestre.
Mas enviar o Esquadrão Azul foi a parte mais simples. Agora vinha a parte
complicada.

Os walkers perseguiam os rebeldes como cães de caça, implacáveis e sem


medo. Seus disparos destroçavam árvores e banhavam Baze com terra e areia
queimadas. Faziam coisa pior com os soldados atingidos em cheio. Uma
morte rápida, Baze pensou, não necessariamente era uma morte boa.
Emergiu na praia junto com Chirrut e a meia dúzia de rebeldes
sobreviventes, correndo ao longo da orla enquanto o som mecânico das
pernas dos walkers abafava sua respiração ofegante e a batida das botas na
areia. Uma grande trincheira corria ao longo da água – construída pelos
stormtroopers, ele pensou, para ajudar a repelir uma invasão pelo mar –, e os
rebeldes saltaram para dentro um após o outro. Como se um monte de areia
pudesse parar os walkers por uma fração de segundo.
Mas, se uma fração de segundo fosse tudo o que restasse a Baze para dar a
Jyn Erso, seria melhor do que nada.
Além disso, já não tinha mais para onde fugir.
Correu para a trincheira perto de Chirrut e não parou para olhar na direção
dos walkers antes de soltar seu canhão e apanhar o lançador de foguetes de
um rebelde, que apressadamente lhe passou a arma. Se mirasse bem, poderia
destruir a cabine de um dos walkers – matar ou expor o piloto, danificar os
controles, inutilizar o veículo.
Não teria tempo ou munição para um segundo tiro. Mas poderia ganhar
alguns instantes para os rebeldes antes de o outro walker enterrar a todos.
Ele se levantou na trincheira e virou na direção do walker mais próximo –
talvez a quinze metros agora, saindo da selva. Apoiou o lançador no ombro e
mirou um disparo enquanto os rebeldes ao seu lado atiravam inutilmente com
seus blasters. Seu corpo foi jogado para trás com o disparo do foguete, que
voou na direção da terrível máquina.
A explosão quase o ensurdeceu. Fogo e fumaça escaparam de um lado da
cabine do walker e a máquina torceu o pescoço para o lado como se sentisse
dor. Um dos canhões montados nas têmporas foi destruído. Mas a mira de
Baze não foi boa. O walker não foi inutilizado. A máquina se virou na
direção dos rebeldes outra vez.
A morte havia perseguido Baze por muito tempo. Mas ele mostrou os
dentes para ela, desafiando-a.
O walker em chamas mirou a trincheira. Mas, antes que pudesse disparar, o
céu acima de Baze uivou e uma sombra cruzou o mar. Pulsos de luz mais
quentes e rápidos do que o foguete atingiram a cabine do walker e uma
segunda saraivada de fogo destruiu a cabeça mecânica, enviando pedaços de
metal fumegante pelos ares e sobre a praia. Quando o corpo do walker
começou a tombar, seu agressor passou voando acima do verde da selva: um
caça estelar X-wing.
A Aliança veio para a luta, afinal de contas.
Os companheiros de Baze comemoraram, erguendo os punhos para o ar e
gritando em triunfo. Para sua surpresa, ouviu a si próprio rir junto com eles.
CAPÍTULO 19

A CAIXA-FORTE ESTAVA DESTRANCADA. Tudo o que Jyn queria fazer era correr lá
dentro, apanhar a fita que continha os diagramas da Estrela da Morte e correr
de volta para Bodhi e a nave. Cada momento em que se demoravam era outra
chance para serem flagrados pelos Imperiais na Cidadela – e lá fora, na selva
e na praia, pessoas certamente estavam morrendo.
Quantos rebeldes restavam? Quantos stormtroopers eles poderiam segurar?
Será que alguém diria a ela se Baze e Chirrut morressem?
Em vez de pensar nisso, Jyn ajudou Cassian a arrastar o tenente
inconsciente para fora do túnel de triagem e de volta para a antecâmara.
– Isso é para o caso de existir outra trava biométrica no console – Cassian
murmurou. – Não quero que o K-2 tenha de se desconectar.
Cassian suava debaixo de seu quepe de oficial, e Jyn percebera quando ele
mais de uma vez procurou seu comlink. Queria saber o que acontecia lá fora
tanto quanto ela.
Soltaram o corpo no chão, perto de K-2, que ainda estava conectado ao
console.
– Acessei as comunicações internas da Cidadela – o droide disse. – A frota
rebelde chegou.
– O quê? – Jyn sacudiu a cabeça, confusa.
– O Almirante Gorin entrou em combate contra eles – o droide continuou,
como se lesse uma lista: – Estão lutando na praia, bloquearam a base,
fecharam a comporta do escudo, alertaram…
– Espere… O que isso significa? – Jyn o interrompeu, tentando
compreender as implicações para separar as positivas das negativas. Eles
fecharam a comporta do escudo? – Estamos presos?
Ela olhou para Cassian. Sua expressão era sombria, a boca fechada com
força. Foi resposta suficiente.
Jyn praguejou, sussurrando cada obscenidade que conhecia. Viu as paredes
da caverna se fecharem, a escuridão avançar sobre a esperança brilhante que
a havia impulsionado até ali. Vasculhou seu cérebro atrás de um plano, mas
não encontrou nada – com ou sem bloqueio, conseguiriam encontrar uma
saída da Cidadela, mas, se não tivessem como sair de Scarif…
– Temos que dizer a eles que estamos aqui – ela disse. – Estamos tão
perto!
– Eles não teriam vindo – Cassian replicou – se já não soubessem disso.
Jyn chegou perto o bastante para sentir o cheiro dos produtos de limpeza
usados em seu uniforme Imperial.
– Da última vez que vimos aquelas pessoas, elas não queriam estar aqui.
Não vou lhes dar uma desculpa para ir embora e, se tiverem algum jeito de
nos tirar daqui, eu gostaria de saber.
Cassian não cedeu espaço; encarou-a de volta até seus lábios finalmente se
contorcerem em algo parecido com um sorriso. Seu olhar permaneceu duro e
perturbado. Jyn não sabia se ele havia piorado seu jeito de esconder suas
intenções ou se ela simplesmente passara a conhecê-lo melhor.
Estava pronta para desafiá-lo, para perguntar o que ele sabia que ela não,
quando K-2 a interrompeu:
– Podemos transmitir os planos para a frota rebelde. Teríamos de emitir um
sinal para fora. O problema é o tamanho dos arquivos. Eles nunca passariam.
Alguém precisa derrubar a comporta do escudo.
Cassian apanhou seu comlink.
– Bodhi. Bodhi, você pode me ouvir? – O momento de reflexão, de
confusão, havia acabado: Cassian voltou ao seu feitio normal, tenso e pronto
para a ação. – Diga que você está aí. Bodhi!
Esteja vivo, Jyn pensou. Todos vocês, estejam vivos.
– Estou aqui! – A voz de Bodhi surgiu no comunicador, rápida e sem
fôlego. – Estamos a postos. Eles começaram a lutar, a base está bloqueada!
– Eu sei – Cassian disse. – Ouça-me! A frota rebelde está lá em cima. Você
precisa enviar uma mensagem. – Fechou os olhos com força, falou algo para
si mesmo apenas movendo os lábios, depois falou em voz alta outra vez. –
Você tem que dizer que eles precisam abrir um buraco na comporta do
escudo para que possamos transmitir os planos…
– Não posso. – Bodhi soou horrorizado. – Não estou conectado com a torre
de comunicação. Nós não estamos conectados com…
– Encontre um jeito. – Cassian encerrou a conexão e guardou o comlink. –
Foi suficiente? – ele perguntou para Jyn.
– Suficiente – ela concordou. Talvez sim, talvez não; mas tentou fingir que
a chegada da frota era uma boa notícia. O plano de fuga nunca foi exatamente
infalível e, se a Aliança não conseguisse abrir um buraco no escudo de Scarif,
que chance teria contra uma Estrela da Morte?
Ao menos, alguém finalmente estava do lado deles.
Cassian alternou o olhar entre a porta da antecâmara e K-2.
– Cubra nossa retaguarda – ele disse ao droide, depois seguiu para o túnel
de triagem.
Jyn imaginou stormtroopers correndo para dentro e encontrando o corpo
inconsciente do tenente. Mais por instinto do que pela razão, tirou a arma que
havia tomado do tenente, checou os indicadores – totalmente carregada, sem
configuração para atordoar, fácil de usar – e a ofereceu a K-2, com o cabo
voltado para ele.
– Você vai precisar disto – ela disse. – Você queria uma, não é?
K-2 apanhou o blaster com uma vontade desconcertante. Sua outra mão
permanecia conectada ao console quando ele virou a arma e tocou o gatilho
com o dedo. Manteve o cano voltado para o teto.
– O seu comportamento, Jyn Erso, é continuamente imprevisível.
Eu não poderia pedir um elogio melhor, ela teve vontade de dizer. Mas
decidiu que preferia não receber a inevitável correção.
– Jyn. – Cassian estava na porta do túnel. – Vamos.
Jyn abriu um sorriso breve e feroz para o droide e seguiu para encontrar
aquilo que fora roubar.

Bodhi não comemorou quando a Aliança chegou. Apenas conseguiu um


sorriso forçado para Tonc, mas soube imediatamente como o Império
responderia. Quando X-wings voaram sobre a selva e U-wings entregaram
tropas das Forças Especiais na praia, a comporta do escudo já estava fechada.
Não havia mais como sair de Scarif.
Não culpou a Rebelião, mas isso deu a Bodhi pouco alento. Talvez fosse
sua culpa por não ter sugerido uma infiltração da estação orbital da comporta.
Talvez tivesse explicado mal as defesas planetárias para Jyn, Cassian e os
soldados, falando muito rápido durante o voo para Scarif, devido à excitação.
Talvez tivesse de estar lá em cima em vez de ali embaixo.
Ou talvez Cassian estivesse certo, e eles teriam de dizer a seus novos
aliados exatamente aquilo que precisavam. De algum jeito.
Os detalhes técnicos corriam na mente de Bodhi enquanto descia a escada
da cabine. Eram uma distração, uma distração bem-vinda, daquilo que estava
prestes a fazer – embora o som de explosões distantes e os gritos de tropas
Imperais no comunicador também fossem uma distração, porém muito menos
bem-vinda. Tonc e os outros estavam espalhados pela cabine, com as armas
apontadas para a rampa de embarque, mas olharam na direção de Bodhi
quando ele correu até o armário de equipamentos.
– Certo – Bodhi disse. – Ouçam. – Respire fundo e fale como um instrutor
de voo. – Vamos ter de ir lá para fora.
Não tinha medo de que os rebeldes fossem recusar. Tinha medo de que não
acreditassem nele. E medo de morrer, é claro. Ajoelhou-se diante do armário
e começou a separar equipamentos, torcendo para que tudo desse certo.
Precisava de um cabo KS-12, ou qualquer coisa da série L com um adaptador
de conexão. Um amplificador de sinal, se encontrasse um. Uma ferramenta
multitarefa para conectar…
– O que está fazendo? – Tonc perguntou.
Bodhi carregou um carretel de cabo para fora e fez uma careta por causa do
peso. Deixou o carretel de lado e se forçou a encarar Tonc.
– Eles fecharam a comporta do escudo. Estamos presos aqui. – Tonc já
sabia, mas pensara que isso permitiria a Bodhi protelar o resto um pouco
mais. – Mas… a frota rebelde chegou. Apenas precisamos transmitir um sinal
forte o bastante para alcançá-los e avisar que estamos presos aqui embaixo.
– Certo – Tonc disse. – Não vou reclamar sobre não ter planejado um
resgate. Mas por que você precisa ir lá fora?
Bodhi não deixou de notar a ênfase; apenas a ignorou.
– Por causa disto? – ele respondeu, indicando os equipamentos. – Para
conseguir transmitir um sinal, com a comporta do escudo fechada?
Precisamos nos conectar com a torre de comunicações; essa é a razão de
tudo, para deixar a Cidadela continuar falando com o resto do Império sem
abrir suas defesas. – Respirou fundo. – Agora, posso nos conectar aqui,
saindo na plataforma de aterrissagem – se eu não for atingido no fogo
cruzado, ou esmagado por um caça abatido –, mas você precisa usar o rádio
e pedir para alguém lá fora encontrar um interruptor-mestre.
Tonc o encarava, evidentemente dividido entre o dever e a perplexidade.
Abriu a boca, mas Bodhi falou antes, respondendo à pergunta menos
provável de Tonc.
– Ninguém constrói uma torre de comunicações que qualquer um pode
acessar. Existem conexões físicas e mecânicas controladas por interruptores,
e os interruptores são como a caixa-forte, completamente separados da rede
de computadores. Só sei disso tudo porque… – Mas percebeu que a última
vez em que pensou sobre aqueles dias foi no covil de Bor Gullet, então
preferiu pular essa parte. – Mande algum soldado, Baze ou Chirrut, qualquer
pessoa, ativar a conexão entre nós e a torre de comunicações. Se não
fizermos isso, não vamos sair daqui, e aquela fita de dados também não vai
sair de Scarif. Entendeu?
Tonc se endireitou, repentinamente cheio de confiança. Olhou para os
outros rebeldes na cabine, que assentiram com a cabeça.
– Então vá! – Bodhi gritou. – Chame os soldados!
Antes que alguém pudesse responder, ele já estava guardando ferramentas
no bolso e carregando o carretel nos ombros, como uma mochila. Carregando
todo aquele peso desajeitado, Bodhi correu para a rampa de embarque e
olhou para a plataforma de aterrissagem. Podia ouvir Tonc atrás dele, falando
em seu comlink:
– Melshi, ouça! Vocês precisam abrir a linha…
Não viu nenhum tiro de blaster. Mas não conseguia enxergar muito longe.
A plataforma de aterrissagem estava cheia de caixotes e subestações, e o trem
de pouso do transporte bloqueava sua visão. Sentia um forte cheiro de
fumaça, como se toda a selva pegasse fogo.
O console da rede que você precisa está só a dez metros daqui. Talvez
vinte. Saia correndo, encaixe o cabo, volte correndo. Pense nisso como se
fosse uma corrida. Você sempre apostava em corridas…
Bodhi até quis pedir para Tonc fazer aquilo, mas o soldado não saberia
ajustar o conector se algo desse errado, não saberia como rodar o diagnóstico.
E Tonc não estava vestido como um piloto Imperial – isso poderia dar a
Bodhi mais um ou dois minutos.
Precisava ir. Já arriscara a vida antes. Só que nunca desse jeito.
A Rebelião precisava dele. Jyn precisava dele. O pai dela, a pessoa que o
colocou nesse caminho, precisava dele. Bodhi preparou as pernas para
começar a correr.
– Com o que se parece? – Tonc chamou, e a determinação urgente de
Bodhi se despedaçou. Endireitou-se e olhou de volta para Tonc, confuso.
Tonc segurava seu comlink.
– O interruptor-mestre! – ele disse. – Com o que se parece? Onde fica?
Bodhi quase riu e voltou para dentro, ainda carregando o carretel do cabo.
– Deixe-me falar com Melshi – ele disse.
Aparentemente, ainda tinha mais alguns momentos de terror antes de sua
missão.

Um piloto de X-wing, espatifado contra o escudo, estava entre os primeiros a


morrer na órbita de Scarif. Mas fatalidades se acumularam rapidamente desde
então, primeiro um caça por vez, depois uma dúzia por vez. Raddus
observou, tão frio quanto as águas de sua terra natal, disparos de turbolaser
reduzirem uma canhoneira rebelde a um glóbulo de metal derretido.
Um grande comandante, Raddus acreditava, sentia cada uma das perdas
entre seu pessoal, mas não era movido por elas. Mon Mothma poderia ter
discordado, mas ela não era uma soldada. O General Merrick também poderia
ter discordado, mas ele havia conduzido o Esquadrão Azul através da
comporta para Scarif, e agora o comando dos caças estelares recaía sobre
Raddus.
– O que está acontecendo lá embaixo, Tenente? – Raddus gritou.
– Não sabemos, senhor – veio a resposta. – O escudo impede todas as
comunicações.
Raddus praguejou. A vitória na órbita de Scarif não significaria nada se a
Rogue Um fracassasse.
– Temos que ganhar tempo para Erso e sua equipe – ele disse. – Jogue
nosso peso sobre os Destróieres Estelares e vamos começar a explorar aquele
escudo.
Se a Aliança tivesse sorte, Erso teria uma rota de extração já planejada. Se
não tivesse, o fardo recairia sobre Raddus.
– Sim, senhor! – ele ouviu o tenente dizer e manteve os olhos firmes entre
a janela e as telas táticas.
Um grupo de caças do Esquadrão Vermelho atacou a estação orbital da
comporta, manobrando entre torres de sensores e canhões laser. O ataque
causou pouco dano, mas causar danos não era o objetivo – os caças atraíram a
atenção dos artilheiros da estação, deixaram algumas plataformas de
turbolaser em ruínas e deram aos Y-wings do Esquadrão Dourado a
oportunidade de um ataque com bombas. Os impactos dos torpedos de
prótons dos Y-wing tremeram a janela ao mesmo tempo que os sensores
revelavam enxames de caças TIE sendo lançados dos hangares da estação.
As naves de comando estavam se saindo melhor contra os Destróieres
Estelares. Qualquer nave da frota rebelde mal se comparava com as
poderosas naves de guerra do Império, mas Raddus – falando apenas uma
palavra ou outra – manteve os Destróieres acuados, incapazes de voltar todo
o seu poder de fogo contra um alvo sem expor um flanco a um ataque
concentrado. Aquilo era, de certo modo, uma tática para ganhar tempo, mas,
se você retardasse a derrota por tempo bastante, um triunfo poderia
eventualmente se apresentar.
– Senhor! – Era o tenente outra vez. – Caças inimigos se aproximando!
Os Esquadrões Vermelho e Dourado estavam ocupados lutando contra a
estação ou os Destróieres. Chamá-los de volta para defender a Profundidade
não era uma opção.
– Recuem cinquenta mil quilômetros para longe da comporta – Raddus
disse. – Vamos continuar ao alcance dos caças TIE, mas forçando que se
espalhem. Se não se reagruparem, nossos artilheiros poderão lidar com a
maioria deles.
Ao mesmo tempo que falava, os escudos da Profundidade brilhavam
quando tiros de canhão acertavam seu alvo. A nave tremeu e seus geradores
foram ao limite. Mas ela aguentou o tranco.
Outro X-wing sumiu da existência na tela tática, depois outro. Um
cargueiro rebelde, desesperado para fugir do fogo dos caças TIE, raspou no
escudo de Scarif até seu casco se romper, despedaçando-se sobre o campo de
energia. Um dos Martelos, preso entre os dois Destróieres,
momentaneamente perdeu seus defletores sobrecarregados e pediu ajuda,
quando turbolasers deixaram buracos fumegantes em sua lateral. Raddus
observou a carnificina pacientemente e esperou uma oportunidade para
mudar o curso da batalha – uma ideia que pudesse aplicar com a precisão de
um bisturi.
Pensou outra vez sobre os mortos, e sobre como Mothma e Merrick
poderiam reagir. Talvez os humanos sentissem a perda com mais intensidade.
Eles se reproduzem tão raramente e geram tão poucos descendentes. Raddus
contava os próprios netos às dezenas e, embora amasse cada um, sabia que
alguns nunca alcançariam a maioridade.
A morte de indivíduos não era uma tragédia no campo de batalha. A morte
de centenas é que o assombrava.
Ouviu gritos de desespero da frequência dos caças estelares e um grito
angustiado quando o Vermelho Cinco foi destruído. Os escudos da
Profundidade agora piscavam constantemente. As vozes da tripulação na
ponte estavam cada vez mais altas e frenéticas.
– Não estamos causando efeito algum na comporta do escudo – o tenente
disse. – E estamos sofrendo muitos danos, Almirante.
– Estou ciente – Raddus disse. E estava, mas o estado da batalha não havia
mudado. Tinha de assumir que Erso ainda estava em solo, ainda trabalhando
para obter os diagramas da Estrela da Morte que revelariam a fraqueza
prometida.
Raddus não podia recuar. Não podia esperar reforços aliados. Sua frota era
tripulada pelos melhores oficiais que a Rebelião podia oferecer.
Agora esperava uma oportunidade. Esperava uma ideia. Um erro.
Foi então que viu, e gritou ordens tão rapidamente que a tripulação pareceu
atordoada.
– Todas as naves nas proximidades, apresentem-se para dar apoio à
Entrega e à Divergente! Assumam a mesma trajetória! Exijam a atenção dos
Destróieres!
Um dos Destróieres Estelares havia permitido que o flanqueassem,
deixando vazio seu arco dianteiro de fogo. Quase todos os canhões estavam
voltados para bombordo e estibordo. Raddus estava pronto para gritar outra
ordem, mas o Esquadrão Dourado reconheceu a abertura e ele ouviu uma voz
no comunicador:
– Y-wings, comigo! A rota está livre!
A ala dos bombardeiros, que mal havia saído de seu ataque contra a
comporta, alterou seu curso e acelerou na direção da frente exposta do
Destróier. Caças TIE seguiram em perseguição, mais rápidos do que os
bombardeiros, mas despreparados para se afastarem da defesa da comporta.
O próprio Destróier reconheceu o perigo, tentando dar meia-volta e
simultaneamente redirecionar seus canhões, mas era tarde demais. Os Y-
wings convergiram e voaram tão próximo da nave Imperial que as telas
táticas não conseguiam diferenciá-los da massa do Destróier.
– Disparando torpedos de íons – o líder declarou. Raddus pediu
confirmação visual e assistiu enquanto os Y-wings se retiravam do ataque,
iluminados por brilhantes explosões elétricas por toda a superfície do
Destróier. Relâmpagos silenciosamente devastaram defletores e canhões. O
brilho dos poderosos motores de íons se apagou.
– Eles foram abatidos! – o tenente gritou. – O Destróier perdeu energia!
– Continuem atacando – Raddus disse, calmo como sempre. – Mantenham
fogo contra o Destróier restante, mas direcionem as naves disponíveis para a
estação orbital. Vamos ver o quanto esse escudo aguenta.
Agora a condição da batalha havia mudado. Mas ainda lutavam contra o
tempo. Mais cedo ou mais tarde, reforços Imperiais chegariam. Rebeldes
continuariam a morrer.
O que você está fazendo, Rogue Um?

Tonc insistira em dispersar suas tropas ao redor da plataforma de


aterrissagem.
– Se pegarem você lá fora, não vai adiantar nada ficar aqui defendendo o
transporte. Você disse que precisa falar com a frota para tirar a fita de dados
deste planeta? Certo. Isso significa que vamos protegê-lo como se você
mesmo fosse a fita.
Bodhi havia tentado argumentar, mas murmurou apenas algumas palavras
antes de o pessoal de Tonc se espalhar.
– Espere por nosso sinal – Tonc dissera, agarrando Bodhi pelo ombro. –
Quando o caminho estiver livre, corra o mais rápido que puder. – E, então,
ele também se foi.
Agora Bodhi ajustava as alças do carretel, olhando da rampa de embarque
e ouvindo as trovoadas dos caças acima. Um devaneio momentâneo o
colocou em um mundo onde havia tirado uma nota maior, muito maior, na
academia de voo do Império; um mundo onde teria sido destacado como
piloto de caça TIE, e onde agora estaria atirando contra os X-wings em Scarif.
Sua boca secou e o coração martelava. Bodhi não era um soldado.
Um dos rebeldes fez um sinal com a mão, do outro lado da plataforma.
Bodhi correu.
O calor o atingiu como uma parede – não apenas o calor do sol, mas os
flocos quentes carregados pela fumaça da batalha. O transporte havia filtrado
o pior disso; agora Bodhi sentiu o suor molhar seu traje de voo e precisou
respirar com a boca aberta para puxar o máximo daquele ar malcheiroso.
Cada impacto de suas botas no metal fazia o carretel pular em suas costas,
causando folgas nas alças até precisar se atrapalhar todo para arrumá-las
enquanto corria. A intenção era manter a cabeça baixa para não ser visto, mas
não conseguiu se manter abaixado e lidar com o carretel ao mesmo tempo.
Podia apenas torcer para que ninguém além dos rebeldes e Tonc estivesse
prestando atenção.
Virou uma esquina ao redor de caixotes de carga e se abaixou ao lado do
console da rede. Não perdeu tempo olhando ao redor – puxou o começo do
cabo com uma das mãos, enfiou-o no conector e ficou ali apenas tempo
suficiente para o console registrar e aceitar a conexão. Depois disso, girou e
voltou pelo mesmo caminho.
Suas pernas já estavam doloridas, mas cada passo se tornava mais fácil
conforme o cabo se estendia atrás dele. Já estava quase no transporte quando
repentinamente foi puxado para trás – quase perdeu o equilíbrio, cambaleou e
viu que o carretel tinha chegado ao fim.
Não. Não, não, não. Havia checado o comprimento antes. Havia tomado
cuidado. O que significava que o cabo estava preso em algum lugar,
provavelmente em um dos caixotes de carga. Bodhi quase riu. Mas poupou a
energia para correr de volta.
Com o cabo pendurado atrás dele, ainda preso às suas costas, refez seus
passos até encontrar o problema – como já esperado, o cabo estava debaixo
do canto de um caixote. Bodhi ajoelhou para soltá-lo, querendo passá-lo por
cima do caixote e ganhar o resto do comprimento de que precisava.
Mas não teve a chance de fazer isso.
– Ei, você! – uma voz eletrônica chamou. Bodhi apertou o cabo nas mãos.
– Identifique-se!
Abriu as mãos e deixou o cabo cair. Levantou-se lentamente e encarou o
stormtrooper mais próximo enquanto outros observavam.
– Eu posso explicar… – ele começou a dizer, mas não teve chance de
terminar. Tiros vermelhos de blaster brilharam ao seu redor e os
stormtroopers caíram um a um.
Mas a série de tiros não parou. Bodhi caiu de joelhos e viu mais
stormtroopers correndo na direção da plataforma, atirando na direção de Tonc
e seus homens. Ele ergueu o cabo novamente e olhou para o transporte.
Parecia tão longe quanto a Cidadela ou as estrelas.
O largo poço da caixa-forte se erguia seis andares dentro da Cidadela. No
centro do poço havia múltiplas torres de bancos de dados, cada uma
brilhando com luzes vermelhas e indicando a condição de dez mil cartuchos.
Cada cartucho, por sua vez, continha fitas de dados suficientes para uma vida
inteira de análise – tratados científicos, memorandos burocráticos e
diagramas detalhados até um nível microscópico. Jyn não sabia o que
imaginar quando seu pai e Bodhi falaram sobre a caixa-forte, mas certamente
não foi aquilo – não uma biblioteca vasta demais para se compreender, não
um monumento às atrocidades do Império maior do que qualquer coisa que já
tivesse encontrado.
Cada livro que o pai de Jyn já lera, cada história de cada planeta que ela já
visitara, caberia em uma daquelas fitas. E cada uma delas guardava algum
segredo sombrio do Império.
O poço da caixa-forte em si era separado de uma sala de controle por uma
larga janela. Cassian suprimiu sua admiração e sua vertigem mais rápido que
Jyn e foi direto para o console principal. Jyn estremeceu com o ar, gelado
como o de uma unidade de refrigeração ou um necrotério. Seguiu Cassian e
tentou pensar em lugares piores para morrer.
– Banco de dados de diagramas – a voz de K-2 anunciou através do
console. – Torre de dados número dois.
– Como eu encontro isso? – Cassian perguntou.
– Procurando – K-2 respondeu. – Posso localizar a fita, mas você precisará
das manoplas para extração.
Manoplas? Jyn olhou para o console e avistou um confuso conjunto de
manipuladores.
Cassian parecia igualmente desorientado.
– O que a gente faz com isso?
Jyn se inclinou sobre o console, apoiou um joelho sobre ele e olhou através
da janela para o topo da caixa-forte. Cassian tirou seu quepe e puxou as luvas
antes de mexer nos manipuladores. Quando ele começou, Jyn avistou um
braço mecânico erguer-se rapidamente pela torre, passando de um banco de
dados para outro.
– Aprenda logo a usar – ela murmurou, deslizando de volta para o chão. –
Tem uma frota inteira esperando por nós.
– Banco de dados de diagramas – Cassian murmurou. – Torre de dados
número dois.
Servomotores zumbiam alto e o metal rangia. Jyn se virou a tempo de ver a
porta da caixa-forte se fechar. O ar pareceu mais frígido do que antes. A voz
de K-2 veio fraca através do comunicador, como se estivesse longe.
– Os rebeldes! Eles foram… por ali.
Jyn se lembrou da fala dissimulada e pouco convincente do droide no
Quarteirão Sagrado, em Jedha. Maldição. Será que foram descobertos pelos
Imperiais? Se estivessem presos agora, tudo o que estava acontecendo lá fora
seria para nada…
– K-2? – Cassian fechou o rosto, rapidamente tirando os olhos dos
manipuladores para olhar o comunicador. – O que está acontecendo aí?
O comunicador rosnou com uma estática indecifrável. Jyn viu o lampejo
de algo novo no rosto de Cassian. Ele estava com medo – não
intelectualmente com medo, não com medo de fracassar com a missão, mas
com medo por K-2.
Medo por seu amigo.
– Continue movendo o braço – ela murmurou e procurou algum indicativo
no console. Apertou um botão e encontrou: um registro dos cartuchos em
cada banco de dados. – Você pilota, eu faço a navegação.
As mãos de Cassian apertaram visivelmente as manoplas quando eles
ouviram uma série de barulhos muito parecidos com tiros de blaster.
Isto é que era esperança? Encarar medo após medo, por uma pessoa e por
amigos e por toda a galáxia, tudo por causa de uma necessidade desesperada
de realizar o impossível?
Talvez, Jyn pensou, ficasse melhor sem isso. Se estivesse vivo, papai, eu
teria muita coisa para culpar você.
– Rastreamento no Hiperespaço – Jyn leu na tela enquanto o braço se
movia pela torre. – Sistemas Navegacionais, Cartografia do Núcleo
Profundo… – A caixa-forte estava organizada por assunto, claramente; fora
isso, ela não tinha ideia de como fazer uma busca. Talvez houvesse um índice
em algum lugar, mas o treinamento de Saw Gerrera nunca a preparou para
servir como bibliotecária de dados.
– Duas telas abaixo – a voz de K-2 anunciou, como se não tivesse parado
de falar. Cassian abriu a boca e Jyn ergueu a mão, silenciando-o e pedindo
que voltasse aos controles. O catálogo passava rapidamente em sua tela ao
passo que o braço se movia. – Engenharia Estrutural – o droide disse. – Abra
esse!
– K-2! – Cassian disse rispidamente. O braço parou em frente a um
cartucho do banco de dados. – Diga o que está acontecendo!
A tela de Jyn passou a mostrar uma lista de fitas, mais uma vez
organizadas sem nenhum padrão que pudesse discernir. Talvez tivessem
etiquetas de identificação que ela não conseguia ver. Ou talvez fosse mais
uma camada de segurança – seria difícil roubar a caixa-forte se você não
conseguisse encontrar o que procurava.
– Meus protocolos de controle de multidão estão ativos – K-2 disse. – Mas
a situação está sob controle?
Jyn estremeceu ao ouvir a óbvia mentira naquela pergunta. Não havia nada
que pudesse fazer da sala de controle.
Ela falou com um tom sério, exigindo a atenção de Cassian enquanto lia a
tela.
– Codinome dos projetos: Esfera Estelar. Marco Ômega. Pax Aurora… –
Seriam todos projetos como a Estrela da Morte, criados para o terror e o
genocídio? Será que seu pai sabia dos outros? Não podia se dar ao luxo de
parar para pensar: já havia horrores demais a caminho. – Manto de Guerra.
Prisma de Feixes. Sabre Negro.
E então ela parou.
O nome seguinte se destacava com um intenso calor, tão óbvio que ela
quase podia tocá-lo.
– O que foi? – Cassian perguntou.
– Poeira Estelar – Jyn disse. – É esse.
– Como você sabe? – Havia curiosidade e urgência misturadas em sua voz,
como se quisesse dizer: tenha certeza.
Jyn tinha certeza.
– Eu sei porque sou eu.
Cassian olhou para ela com espanto. Então voltou para o console,
agarrando os controles com firmeza.
– K-2, precisamos do arquivo chamado Poeira Estelar!
O comunicador emitia muito barulho, incoerente e misturado, como uma
zona de guerra no meio de uma chuva forte. Nenhum som passava pela porta
da caixa-forte. O braço, já posicionado no banco de dados correto, manobrou
entre os cartuchos e se estendeu de repente.
– Poeira Estelar – K-2 disse, e Jyn percebeu um esforço na voz do droide.
Cassian ainda segurava as manoplas com força. Jyn não sabia se era
Cassian ou o droide quem fazia a última manobra.
– Isso – ela disse. – Você está quase lá…
Os manipuladores do braço se fecharam ao redor do cartucho e o puxaram.
E então as luzes da sala de controle se apagaram, deixando o console,
Cassian e Jyn iluminados apenas pelo brilho vermelho e sinistro do poço da
caixa-forte, que atravessava a janela. O ar refrigerado causou calafrios na
pele e nas costas de Jyn. O guincho de estática continuou no comunicador –
até que, um momento interminável depois, finalmente cessou.
– K-2! – Cassian gritou no silêncio, debruçado sobre o console.
Jyn olhou para o braço rígido que segurava o cartucho de dados no alto. Na
meia-noite artificial da sala de controle, o poço da torre se parecia muito com
uma caverna.

A reprogramação de K-2SO feita por Cassian Andor havia retirado certas


qualidades inefáveis do droide. Ele se lembrava, muito vagamente, de um
tipo de convicção que vinha ao servir o Império Galáctico. Também se
lembrava do orgulho e da confiança que vinham com o cumprimento exato
dos deveres para os quais ele fora criado – ao saber que cada servomotor e
cada ciclo de processamento contribuíam para se fazerem cumprir os éditos
de seus mestres Imperiais. Cassian havia negado a ele aquele senso intenso de
propósito e o substituído por individualidade. Com a individualidade vinham
a dúvida e o cinismo: uma noção não apenas das chances de sucesso ou
fracasso, mas também de suas repercussões.
Cassian havia matado K-2SO (cuja verdadeira designação era muito mais
longa e grandiosa, rica em significados e histórias que descreviam sua fábrica
de origem, a data e hora de sua inicialização e muito mais) e o trouxe de volta
ao mesmo tempo menor e maior do que tinha sido. K-2SO não lamentava sua
antiga versão, mas havia momentos em que se sentia saudoso de outros
tempos.
Quando os primeiros stormtroopers haviam entrado na antecâmara da
caixa-forte, K-2SO suprimira seu instinto de obediência, forçando-se a tentar
enganar (sem muito efeito, apesar de ter visto milhares vezes Cassian mentir
de maneira magistral) e finalmente ativando seus protocolos de coação. Havia
cortado sua conexão com o console, mas deixado o comunicador aberto, e –
após eliminar seus oponentes por meio da força e de um tiro soberbamente
disparado – passou vinte e sete milissegundos considerando se voltava para o
console. K-2SO não era um piloto de dados. Não era uma unidade astromec.
A onda prazerosa de utilizar habilidades havia muito tempo negligenciadas
foi intoxicante.
Poderia ter abandonado Cassian e Jyn para continuar com mais coação.
Mas escolheu não fazer isso.
Durante sua luta inicial, K-2SO também sofreu danos na blindagem de
composto de carboplast em seu torso. O tiro em si não danificou nada vital,
mas o calor do revestimento derreteu um punhado de fiação interna. O droide
redirecionou suas funções e continuou.
Havia tentado confortar Cassian quando seu mestre pediu uma atualização.
Aquela dissimulação em particular não foi, em retrospecto, um bom uso de
recursos – acabou desviando a atenção de K-2SO de uma situação de
combate cada vez mais variável, além de sua tentativa de localizar os
diagramas técnicos da Estrela da Morte. Quando mais stormtroopers entraram
na antecâmara, K-2SO desativara seus alertas de autopreservação, mantivera
sua conexão com o console e sentira os prazeres de empunhar sua própria
arma de energia.
Naquele momento, também levou vários outros tiros de blaster em seções
não vitais de seu chassi. Redirecionar suas funções estava cada vez mais
difícil.
Depois disso, duas complicações igualmente inevitáveis surgiram quase ao
mesmo tempo:
Primeiro, uma stormtrooper (K-2SO a identificou como TK-4012, mas
resistiu ao desejo de baixar seu arquivo pessoal da Cidadela) disparou um tiro
que atingiu apenas quatro centímetros acima da porta de acesso de K-2SO –
uma área normalmente não vital pela qual ele havia redirecionado múltiplas
funções vitais. Não deixou de notar a ironia. Estimou que teria doze segundos
antes de uma falha em cascata resultar em sua permanente desativação.
Segundo, outro stormtrooper (não identificado) disparou uma série de tiros
aleatórios que atingiram vários pontos do console de controle. Apesar dos
incomuns sistemas redundantes da Cidadela, K-2SO não conseguiu mais
acessar vários mecanismos da caixa-forte.
Com aproximadamente doze segundos até a desativação total, K-2SO
considerou suas opções enquanto Cassian gritava seu nome.
Projetou aproximadamente oitenta e nove maneiras de prolongar sua
própria existência (com períodos que variavam entre zero ponto oito
milissegundo e quarenta e três dias). Suspeitando que envolveriam a captura
ou a execução de Cassian Andor e Jyn Erso, dispensou todas sem estudá-las
detalhadamente.
Reexaminou os parâmetros de sua missão e projetou apenas duas maneiras
de Cassian e Jyn poderem adquirir o cartucho de dados que desejavam e
escapar de Scarif. Após refinar os cálculos, as duas possibilidades pareciam
infinitesimalmente improváveis. K-2SO reexaminou seus parâmetros outra
vez (ao custo de vários milissegundos) e tirou a prioridade de sobrevivência
de Cassian Andor e Jyn Erso.
Ativamente negou a si mesmo qualquer oportunidade de lamentar ou
refletir. Escolheu deliberadamente evitar mais projeções e estimativas em
favor de simulações e hipóteses detalhadas.
Começou com a seguinte premissa: Cassian e Jyn agora tinham a
oportunidade de obter manualmente o cartucho de dados.
Com aproximadamente nove segundos até a desativação total, K-2SO
ativou seu sintetizador de voz e falou no comunicador:
– Escalem!
Adquirir o cartucho não era suficiente para o sucesso da missão – os
diagramas esquemáticos da Estrela da Morte precisavam ser transmitidos
para agentes rebeldes fora de Scarif.
Isso seria difícil enquanto Cassian e Jyn estivessem presos. K-2SO não
tinha como libertá-los.
Fez questionamentos internos. Os dados poderiam ser transmitidos
diretamente para a Rebelião? A quantidade de dados gravados em um único
cartucho era vasta – uma transmissão segura para Yavin 4 estava fora de
cogitação mesmo em circunstâncias ideais. As circunstâncias não eram
ideais, mas um sistema de comunicações estava disponível.
– Escalem a torre! – K-2SO disse. Não tomou nota dos tiros que o
atingiam. – Transmitam os planos para a frota!
Mesmo a torre de comunicações da Cidadela não poderia transmitir um
cartucho de dados inteiro com a comporta do escudo fechada. Mas Cassian já
tinha tomado medidas, por meio de Bodhi Rook, para abrirem a comporta.
Será que Cassian tinha previsto aquele cenário?
– Se eles abrirem a comporta – os sistemas de protocolo de K-2SO
adicionaram ênfase extrema em suas palavras –, vocês poderão transmitir do
topo da torre!
Com aproximadamente três segundos até a desativação total, K-2SO ouviu
Cassian gritar seu nome uma última vez. Então, sem arrependimento, o
droide mirou sua arma contra o console. O comunicador cortou
abruptamente. Com os controles agora reduzidos a um composto derretido de
plastoide e metal, os stormtroopers teriam dificuldade considerável para
entrar na caixa-forte.
Com um segundo até a total desativação, K-2SO escolheu mentalmente
simular um cenário impossível no qual Cassian Andor escapava com vida.
A simulação lhe agradou.

DADOS COMPLEMENTARES:
ORAÇÃO DO PÔR DO SOL

[Documento #JP0103 (“Oração do pôr do sol dos Guardiões


dos Whills”), recuperado dos arredores de NiJedha;
procedência incerta.]

Na escuridão, frio.
Na luz, frio.
O velho sol não traz calor.
Mas existe calor no sopro de vida.
Na vida, existe a Força.
Na Força, existe a vida.
E a Força é eterna.
CAPÍTULO 20

KRENNIC TENTOU SE CONCENTRAR NO ARQUIVO DE COMUNICAÇÕES de Galen Erso.


Vasculhou intermináveis memorandos e despachos enquanto os homens do
General Ramda gritavam atualizações e ordens do outro lado do centro de
comando. Não havia nada que Krennic pudesse fazer pelos stormtroopers na
praia ou pela frota do Almirante Gorin – podia apenas procurar a verdade da
traição de Galen entre pedidos de transferência de pessoal da engenharia e
reclamações sobre saídas de escape térmico.
Galen havia causado tudo aquilo. Se tivesse contatado aliados na Rebelião,
enviado o piloto traidor para falar com aqueles aliados em Jedha, convocado
esses aliados para Eadu, arranjado que atacassem Krennic mesmo depois de
Galen já estar apodrecendo na lama de uma vala comum…
Krennic parou de repente. Agora se lembrava, na plataforma de Eadu – um
vislumbre de cabelos escuros e um rosto coberto de cinzas. Lembrou-se da
voz dizendo: vocês nunca vencerão. Mas foi Lyra quem falou, não Galen.
– … acesso não autorizado à caixa-forte.
Sua atenção saiu do console e se concentrou em um dos tenentes de
Ramda.
– O quê?
– O alerta acabou de chegar, senhor. – O tenente virou a cabeça para o
lado, como se buscasse algum apoio. Ninguém apareceu para ajudá-lo. – Já
temos uma equipe de segurança no local, mas nenhum detalhe sobre os
intrusos. Estamos esperando por mais informações e…
Krennic dispensou o papo-furado do tenente. Os rebeldes estavam dentro
da Cidadela. Estavam dentro da caixa-forte. Estavam determinados a roubar
os diagramas, a encontrar alguma fraqueza imaginária, por mais que vidas se
perdessem no processo. Estavam determinados a assombrá-lo em nome de
Galen.
E Ramda não estava à altura do problema. A comporta do escudo estava
fechada e escapar certamente era impossível – porém, impossibilidades
demais já haviam acontecido.
Deixou suas palavras pesarem no ar enquanto marchava na direção da
escadaria:
– Enviem meu esquadrão de guarda para o combate! Dois homens junto
comigo! – Havia alguém em seu caminho; Krennic empurrou o corpo para o
lado, sem nem identificar o rosto do homem. – E controlem aquela praia!
Não esperou por nenhuma confirmação. Quando saiu do centro de
comando, dois troopers da morte começaram a segui-lo e Krennic se lembrou
de um dia já muito longínquo: outra aterrissagem em um planeta; outro
esquadrão de troopers da morte; e outro perigo para sua vida criado por
Galen. Aquele dia em Lah’mu também havia terminado em vitória.
Orson Krennic estava indo para a guerra.

Tonc estava morto. Bodhi não viu acontecer – havia se abaixado e seguido
em frente, protegendo-se no paredão de caixotes de carga. Quando voltou a
olhar para a plataforma, avistou o soldado, imóvel no chão. Afogou a
urgência de correr para junto dele e pedir ajuda, gritando para os rebeldes
ainda vivos – não havia nada que pudesse fazer. Pessoas estavam morrendo
por toda parte. E os stormtroopers continuavam aparecendo.
Um tiro de blaster passou por cima da cabeça de Bodhi, perto o bastante
para sentir o calor e o cheiro de ozônio do ar vaporizado. Ajeitou o cabo no
chão com uma das mãos e olhou, impotente, na direção da nave.
– Bodhi? Você está aí? – Bodhi apanhou o comlink do bolso. A voz de
Cassian parecia rouca. – Fale comigo!
– Estou aqui! – Bodhi disse. – Estou aqui. Estou cercado. Não consigo
chegar à nave, não consigo conectar! – Não quis soar desesperado, mas por
que mentir? A situação era ruim. Não era culpa sua, mas era ruim.
– Mas você precisa! – Bodhi já ouvira Cassian bravo e determinado antes,
mas aquilo era algo novo: era quase desespero. – Precisamos da frota, Bodhi.
Você precisa transmitir a mensagem!
– Você está bem? – Um pensamento horrível demais cruzou a mente de
Bodhi. – A Jyn está bem?
– Estamos bem – Cassian respondeu rispidamente. Por um momento,
Bodhi ouviu apenas longas respirações ofegantes. Então Cassian pareceu se
recompor. – Vamos mudar de tática. Não temos certeza… Talvez não seja
possível voltar para a extração, mas podemos tentar transmitir os diagramas
no topo da torre de comunicação.
Bodhi quis discutir – o que exatamente isto significava: talvez não seja
possível voltar para a extração? Mas Cassian continuou falando.
– É muita informação – Cassian disse –, e mesmo a torre não conseguiria
atravessar o escudo sem perda de dados. Diga que estou certo sobre isso,
Bodhi!
Bodhi forçou sua concentração. Áudio era uma coisa, mas transmitir um
cartucho de dados através do escudo seria como tentar transmitir através da
galáxia. Dados demais, interferência demais.
– Você está certo – ele disse. – Você está certo.
– Então você precisa avisar a frota – Cassian continuou. – Eles precisam
entrar em posição para receber a transmissão, pois duvido que teremos uma
segunda chance. E eles precisam destruir a comporta! Se o escudo se abrir,
poderemos transmitir os planos!
– E quanto a… – E quanto a você? E quanto a Jyn? Mas Cassian já
parecia pronto para sucumbir à pressão, e Bodhi simplesmente não conseguiu
mantê-lo na linha. – Certo – sussurrou. – Vou dar um jeito.
Apressadamente guardou o comlink no bolso e olhou outra vez na direção
da nave. A saraivada de tiros não parava, nem mesmo diminuía. Os soldados
de Tonc não estavam vencendo. Talvez, Bodhi pensou, se Baze e Chirrut
retornassem para a plataforma – mas não. Já havia enviado os dois para
acionarem o interruptor-mestre.
Quanto tempo ainda tinha antes que a plataforma fosse tomada?
Não volte atrás agora.
Apenas corra!
Seu primeiro passo quase o derrubou no chão, quando saiu de uma posição
agachada para uma corrida intensa. Retomou o equilíbrio e continuou
correndo, ouvindo o cabo se estender do carretel em suas costas e vendo
seguidos lampejos vermelhos queimarem o ar entre ele e a nave. Ao chegar
perto dela, um tiro atingiu o trem de pouso, derrubando uma fagulha quente
em sua testa – Bodhi ignorou a distração e a dor e subiu a rampa,
atravessando a cabine e correndo até o terminal. Atrapalhou-se com o cabo
em suas mãos suadas até conectá-lo no encaixe.
O terminal registrou a conexão. Bodhi gritou de triunfo, ignorando a luz de
advertência que indicava que o computador da nave não conseguia encontrar
a torre de comunicações. Baze, Chirrut e a equipe de Melshi precisavam
achar o interruptor-mestre logo. Bodhi avisaria a frota sobre a nova
estratégia.
E quando Cassian e Jyn estivessem no topo da torre, transmitindo a fita?
Ele voaria até lá e os encontraria, igual fez em Eadu, e todos fugiriam para a
comporta do escudo juntos.
Esse era o plano. Esse era o seu plano. Achou que Tonc aprovaria.
E torceu para que seus colegas trabalhassem rápido.
Quanto tempo agora até a plataforma ser tomada?

As mãos de Cassian tremiam, mas seus olhos estavam firmes quando baixou
o comlink.
– Bodhi está trabalhando no problema da frota. Ele vai dar um jeito.
A sala de controle da caixa-forte permanecia escura, com exceção do
brilho vermelho do poço. Mas então o ar refrigerado rapidamente esquentou e
se encheu de um cheiro metálico – Jyn ouviu o zumbido de maçaricos de
plasma do outro lado da porta blindada.
Talvez não seja possível voltar. Jyn ouviu Cassian dizer isso para Bodhi,
mas não para ela.
Esticou o pescoço e olhou para o topo do poço, no centro da Torre da
Cidadela. A fita de dados de seu pai estava lá. Em algum lugar, depois do
brilho vermelho, havia uma saída.
– Para trás – ela disse, pedindo a Cassian que se afastasse da janela.
Jyn sacou sua arma, mirou com as duas mãos e disparou no vidro. Cacos
afiados, derretidos e enegrecidos explodiram sobre o console e para dentro do
poço. Tilintaram como sinos ao vento. Jyn se aproximou para estudar o vidro
quebrado, depois começou a tirar seu capacete, o peitoral e o uniforme
pesado que usava sobre as roupas. Já não havia razão para disfarce e não
precisava do peso extra durante a subida. Cassian fez o mesmo, tirando o
casaco de oficial do Império.
Agora apenas com as roupas com as quais chegara, Jyn procurou lugares
para se apoiar no poço. Manipuladores de extração de cartuchos se
projetavam a intervalos regulares, e os bancos de dados empilhados tinham
leves protuberâncias. Não seria fácil escalar, mas Jyn achou melhor não tirar
as botas, para ganhar mais tração – lembrou-se de uma noite muito longa,
após deixar o grupo de Saw, a qual havia terminado com solas esfoladas,
unhas quebradas e uma lição valiosa sobre usar calçados apropriados para a
ocasião.
– Vamos – ela disse. Antes que se fechem sobre nós, ela quase acrescentou.
Mas Cassian não enxergava as paredes da caverna.
Jyn subiu sobre o console, dobrou os joelhos e saltou sobre o abismo até a
torre mais próxima. Agarrou-se em manipuladores e procurou apoio para os
pés. Depois de um instante, sentiu os cartuchos tremerem sob suas mãos e
temeu que fossem se soltar – mas era só a vibração dos próprios bancos de
dados, tremendo com os mecanismos que refrigeravam e catalogavam as
fitas.
Escalou um metro, testando a força que podia aplicar sobre as fitas e
sentindo a distância entre elas. Olhou para o abismo escuro lá embaixo em
tempo de ver Cassian saltar da sala de controle. Ele também se agarrou.
Jyn voltou a olhar para cima, fixou os olhos sobre o braço manipulador e
começou a escalada.
Ouviu Cassian se esforçando atrás dela em meio ao barulho do sistema de
circulação de ar. Sabia que deveria ter falado algo mais para ele: Sinto muito
sobre K-2, ou Ainda podemos escapar de Scarif, ou Vamos terminar nossa
missão. Mas nunca foi boa com discursos de incentivo e já tinha gastado
muitas palavras – com os conselheiros da Aliança, com os soldados rebeldes
– nos últimos dias. Não tinha mais forças para gastar com ele – apenas a
determinação para escalar uma fileira de cartuchos por vez, para se arrastar
para longe da escuridão e para a esperança de alguma luz.
Contou quinze fileiras até o braço do manipulador, depois dez. Vislumbrou
uma porta na parede do poço – acesso de manutenção, ela imaginou –, mas
não a considerou um meio de fuga. O Império devia estar de olho. Mais cinco
fileiras. Seus ombros começaram a doer e sentiu uma rigidez nos pulsos por
tentar se agarrar nos cartuchos sem arrancá-los do lugar. Os sons da subida de
Cassian estavam ficando para trás, mas Jyn não podia esperar por ele.
Uma fileira. E então estava pendurada ao lado do braço manipulador. O
braço agarrava o cartucho da Poeira Estelar como um cadáver miserável.
O cartucho não tinha identificação, não era diferente dos outros. Não era
diferente dos milhares que a cercavam, exceto que seu pai dera a vida para
revelar seu conteúdo.
Jyn enfiou uma bota entre duas fileiras para se apoiar, usou uma mão livre
para agarrar a alça do Marco Ômega, da Pax Aurora, do Destruidor de
Corações ou de qualquer outra coisa pavorosa que os cientistas do Império
tivessem idealizado e puxou a Poeira Estelar do braço da máquina. O braço,
imóvel, não soltava o cartucho – então ela puxou com força e o braço se
soltou, acabando pendurado no ar.
– Consegui! – ela gritou. E sim, havia conseguido, e apertou a fita e a
trouxe mais perto para sentir o cheiro do metal no meio do ar frio e seco. Por
mais que já tivesse fracassado, por mais mortes que fossem culpa sua (Saw,
seu pai, a garota em Jedha, o droide que se sacrificou), ela tinha chegado até
ali. Estava pronta para gritar obscenidades para o universo e amaldiçoar o
destino, a Força, o Império.
E então sua bota escorregou e ela se atrapalhou toda, usando apenas uma
mão para recuperar o equilíbrio.
– Cuidado! – Cassian gritou de baixo, e agora Jyn sorria abertamente
enquanto ofegava. – Você está bem? – ele gritou novamente.
Ela não respondeu. Já estava escalando de novo, o cartucho preso com
segurança em seu cinto. A onda de energia triunfante, exultante, sumiu tão
rápido quanto apareceu, deixando Jyn apenas com uma necessidade urgente
de escapar da escuridão. Seus braços começaram a tremer com o esforço da
subida, seus músculos se lembrando da agonizante escalada na plataforma em
Eadu. Através da penumbra, ela discerniu uma luz piscando lá no alto – uma
abertura no topo da torre, pulsando a cada vez que se abria e fechava; quase
não era larga o bastante para produzir sombras.
Perto. Tão perto.
Então ouviu outro grito abaixo dela. A fúria se misturou com o alerta na
voz de Cassian quando ele gritou seu nome.
Jyn soltou uma das mãos e girou a tempo de um lampejo vermelho
obscurecer sua visão – e atingir a pilha de bancos de dados, deixando uma
massa de polímero derretido onde a alça de seu cartucho estava. De pé na
entrada de manutenção havia três figuras saídas de um pesadelo familiar: o
homem de branco e seus stormtroopers de preto.
Em Eadu, eles pareciam uma impossibilidade, tanto que ela já havia quase
se esquecido deles – dispensara-os como um exagero, um truque de uma
mente exausta envolvendo um fragmento de seu passado com uma camada de
realidade. Agora retornavam para jogá-la em um abismo de loucura.
O homem de branco ergueu os olhos. Jyn quis gritar – mas engoliu o som,
da mesma maneira que fizera quando sua mãe morreu. Queria congelar,
queria se esconder dentro de si mesma e despencar no poço.
E se fizesse isso?
A Poeira Estelar, o cartucho em seu quadril, seria enterrada em sua caverna
junto com seus próprios restos mortais.
Jyn forçou os olhos para longe do homem de branco e voltou a olhar para o
topo da torre. Cativada pela lógica do sonho, sabendo que não era real, ela
pensou: Se eu alcançar a luz, posso escapar para sempre.
Suba!
Brilhos vermelhos explodiam ao redor de Jyn enquanto ela se pendurava
nos cartuchos, tentando se posicionar do outro lado da torre de bancos de
dados para ter alguma cobertura contra seus agressores. Teve um vislumbre
de Cassian tentando fazer a mesma coisa – mas ele era mais lento e havia
sacado sua arma, disparando cegamente contra a porta. Um disparo
milagrosamente acertou o alvo, jogando uma figura de preto para as
profundezas do poço. A queda arrastou Jyn de volta para a realidade – quem
quer que fossem os homens de preto ou de branco, eram pessoas, e não um
sonho. Podiam morrer, assim como ela.
Os Imperiais miravam apenas em Cassian agora. Ele se lançou
desesperadamente, procurando cobertura enquanto faíscas saltavam do metal
atingido ao seu redor. Jyn começou a chamar por ele, mas Cassian gritou
mais alto:
– Continue! Continue!
Jyn levou a mão trêmula até sua arma. Ela podia morrer. E eles também.
Mas sabia que precisava continuar subindo.
A decisão foi tomada por ela. O segundo stormtrooper foi atingido quando
disparou na direção de Cassian. Soldado e espião caíram juntos – Jyn não
sabia se Cassian fora atingido ou se simplesmente perdera o equilíbrio, mas
ele despencou para fora de sua visão sem gritar ou dizer nada. Jyn quase
perdeu a força nos dedos, quase o seguiu para o abismo, mas uma onda de
vertigem a tirou de seu horror e a impeliu a se segurar com mais força.
Cassian estava morto, assim como tantos outros. Tantas vidas tiradas pelo
homem de branco.
Ela precisava escapar.
Suba!
Scarif queimava. Caças estelares duelavam disparando seus canhões e
enviando metal retorcido sobre as praias. Os enormes corpos de walkers
Imperiais sangravam uma fumaça que cobria áreas inteiras da selva. Reforços
entregues por U-wings rebeldes substituíam com novos soldados aqueles que
eram abatidos – e os que chegavam eram derrubados por novos stormtroopers
de preto, homens e mulheres que se moviam com a calma sóbria dos
executores, eliminando seus inimigos um a um.
Baze Malbus atravessava o inferno em silêncio, intocado pelo medo, pela
tristeza ou pelos tiros energéticos. Ele seguia Melshi e Chirrut, confiando que
os dois enxergassem a missão, e protegia vidas quando podia. Disparava tiros
rápidos e precisos, abatendo stormtroopers demais para contar.
Não sentia responsabilidade pelos aliados que não podia salvar. Nunca
fizera nenhum juramento, nunca prometera segurança para ninguém.
Fracassou em impedir que um stormtrooper surpreendesse uma mulher de
cabelos escuros e a deixasse para morrer na maré baixa; fracassou em tirar
um atirador de elite do caminho de um caça TIE. Havia derramado mais
sangue em um dia do que achava possível e, embora seu gerador zumbisse de
um jeito alarmante e seus músculos estivessem enrijecidos como couro seco,
ele estava pronto para continuar lutando. Lutaria até o anoitecer, se fosse
disso que Jyn Erso precisava.
E se a missão fracassasse? Se houvesse redenção por meio da matança, ele
certamente já a havia encontrado. Mas continuaria lutando mesmo assim.
O pelotão de Melshi corria para a Cidadela em sua busca pelo “interruptor-
mestre” de Bodhi. Logo no perímetro externo, Melshi prometera, havia um
complexo de bunkers contendo aquilo que procuravam. Baze não sabia por
que o interruptor era importante – algo sobre a frota rebelde –, mas, ao se
apressar junto de seus companheiros, na praia, não deixou de notar a
trivialidade sombria de que o destino de planetas pudesse ser alterado por
uma coisa tão banal.
Um U-wing despencou do céu. Atingiu a areia muito próximo dos
rebeldes, enviando uma onda de choque ao longo do chão e abrindo uma
trincheira profunda. Lama e fogo foram lançados pelo ar quando o metal se
rompeu e rangeu. Quando os rebeldes se aproximaram, uma salva de tiros de
blaster atravessou os destroços e as chamas – pelas aberturas no metal
derretido, Baze avistou mais stormtroopers de preto se aproximando.
Disparou uma série de tiros que causou pouco efeito – os stormtroopers
avançavam abaixados no chão, eliminando seus alvos lenta e metodicamente
enquanto Melshi gesticulava de maneira frenética para seu pessoal, indicando
a direção do complexo de bunkers.
Os soldados começaram a correr dos destroços e da água, expostos e
vulneráveis. Um rebelde caiu, depois outro. Chirrut saltou entre tiros de
stormtroopers como se os disparos o empurrassem para o lado, mas outros
não tinham a mesma sorte. Baze pulou sobre mais de um cadáver, virou-se
para disparar mais tiros de canhão sobre os inimigos, depois correu para a
sombra da Torre da Cidadela. Viu Melshi tentar arrastar um aliado para a
segurança e levar um tiro por causa disso – exalando um cheiro forte de
tecido e carne queimados, Melshi mancou junto com Baze até o relativo
abrigo de um bunker compacto.
Sobravam apenas quatro guerreiros. Chirrut estava perto da frente do
bunker espartano com Baze, ofegando e apoiando-se em seu cajado. Um
atirador de elite robusto – alguém o chamara de Sefla – atirou a esmo na
direção dos stormtroopers através das aberturas estreitas do bunker quando o
inimigo cercou o perímetro. Melshi tinha dificuldade para se manter em pé no
canto mais afastado.
Talvez houvesse mais sobreviventes espalhados pelo campo de batalha. Ou
talvez Baze, Chirrut, Sefla e Melshi fossem os últimos.
Uma voz urgente falou no comlink de Melshi:
– Melshi, responda, por favor! Alguém aí fora! Rogue Um! Rogue Um!
Alguém!
Chirrut ergueu seu arco de luz ornamentado e disparou contra os
stormtroopers quando eles forçaram Sefla a se proteger. Os stormtroopers
ajustaram e miraram em Chirrut, e Baze o substituiu, assim como Chirrut
havia substituído Sefla, que agora se preparava para substituir Baze. Juntos,
Baze pensou, poderiam segurar os Imperiais por vários minutos. Mas não
mais do que isso.
– Eles conseguiram pegar os planos – soou a voz de Bodhi pelo
comunicador, misturando triunfo e terror. – Estou conectado aqui, mas não
posso segurar o tranco para sempre. Perdemos Tonc…
Os stormtroopers haviam estabelecido um largo círculo ao redor do bunker
e seus equipamentos – consoles, estações de carregamento e antenas de
transmissão. Baze rosnou de satisfação – ela conseguiu pegar os planos! –
enquanto disparava um tiro que derrubou um homem, depois protegeu a
cabeça quando os inimigos retribuíram fogo.
– Rogue Um! Alguém pode me ouvir? Já estou conectado, preciso de uma
linha aberta…
– Aguenta aí! – Melshi ofegou e jogou seu comlink no chão antes de
acenar para Baze. Melshi fedia a morte. Baze foi até ele e deixou Chirrut e
Sefla disparando contra o cerco.
– Seja rápido – Baze disse.
Melshi assentiu, com os olhos arregalados e úmidos.
– O interruptor-mestre – ele disse. – Está ali, naquele console. – Ergueu
um dedo trêmulo e apontou para a zona de combate.
O terminal estava a dez metros de distância. Muito fora de alcance.
Antes que qualquer um pudesse reagir, Sefla estava fora do bunker,
correndo na direção do console, forçando pernas e braços enquanto o suor
escorria em suas costas. Movia-se com uma energia cheia de convicção e
coragem. Ele morreu em um instante, derrubado por uma dezena de tiros,
conquistando nada.
Baze olhou de volta para Melshi. O soldado estava caído no chão, ao lado
de seu comlink.
Talvez fosse melhor, Baze pensou, ser morto pelos walkers. Morrer
encolhido diante de uma vitória inalcançável era uma humilhação.
Talvez a morte sempre fosse uma humilhação.
Baze ergueu seu canhão. Talvez houvesse outros sobreviventes. Talvez, se
derrubasse stormtroopers suficientes, reforços poderiam alcançar o
interruptor mais tarde. Uma carnificina final era tudo o que podia oferecer a
Jyn Erso e aos mortos de Jedha – tudo o que podia oferecer para atormentar o
Império uma última vez.
Mas, antes que Baze pudesse atirar, Chirrut se ergueu do bunker e
caminhou na direção da luz do sol.

Chirrut Îmwe sentiu o calor de uma estrela alienígena em sua pele e uma
brisa oceânica soprar sua túnica. A ponta de seu cajado se enterrava na areia
compacta. Sob os odores de conflagração e morte havia o perfume de flores
da selva e o cheiro doce de besouros da terra. No meio do estalo elétrico de
tiros de blaster, ele ouvia o gorjeio de um animal que nunca encontrara. A
essa cacofonia, acrescentou sua voz:
– Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
O que quer que Chirrut houvesse se tornado em sua vida – e sem o templo
ele não poderia ser realmente um Guardião dos Whills; sem alegria e
frivolidade ele não poderia ser um palhaço e um piadista entre seus colegas;
sem a Cidade Sagrada ele não poderia ser um protetor de seu amado mundo
–, o que quer que fosse agora, ele não era um guerreiro em seu âmago, e os
eventos do dia haviam corroído seu espírito. Enquanto Baze, seu irmão e
protetor, havia abraçado seu papel com uma determinação feroz, Chirrut
havia lutado e corrido e matado porque lutar e correr e matar era necessário.
Agora não era mais, e Chirrut ficou satisfeito.
– Eu sou um com a Força – ele disse outra vez – e a Força está comigo. –
As palavras ecoaram dentro dele. Eu sou um com a Força e a Força está
comigo.
Baze gritou seu nome de dentro do bunker. Chirrut não parou.
Sentiu disparos quentes passarem por ele, ouviu luvas de couro apertando
gatilhos de metal e virou o corpo como se abrisse caminho em uma multidão.
Batia a ponta do cajado no chão, sentindo o caminho que levava ao console
por meio dos rastros dos cabos enterrados. Prestou atenção nos ecos ao redor;
o barulho do combate refletia nos terminais e equipamentos.
Fez tudo isso sem pensar. A arte do zama-shiwo, o olho interno da mão
externa, sintonizava sua respiração e a batida do coração com seu cântico. Era
seu cântico que guiava seu movimento e controlava seu ritmo enquanto
seguia adiante. Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
– Chirrut! – Baze chamou. – Volte!
Baze estava aterrorizado. Mas não Chirrut. No instante antes de se
levantar, no bunker, questionara sua própria sabedoria: como poderia separar
a vontade da Força de sua vontade, de seu ego, exigindo ação quando ação
não era necessária? Mas não havia dúvida em seu coração agora. A Força se
expressava por meio da simplicidade, e tudo o que ela pedia era que ele
andasse.
Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
Seu cajado atingiu metal. A lateral de um console. O cântico o guiou para a
frente do console e ele deslizou seus dedos sobre botões e indicadores. Tocou
uma alavanca larga recuada no console: se parecia muito com um
interruptor-mestre. Um tiro energético reverberou a centímetros da sua orelha
esquerda enquanto Chirrut movia a alavanca para a frente até senti-la travar
no lugar.
Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
Sorriu suavemente e pensou em Bodhi, o estranho piloto que cheirava a
Jedha debaixo de seu traje Imperial.
O cântico de Chirrut agora vacilou. Com o interruptor acionado, seu
caminho se tornou obscurecido. Prestou atenção na tempestade de tiros de
blaster e ouviu novamente a voz de Baze:
– Chirrut! Volte aqui! – Então se virou na direção de Baze e do bunker e
começou a refazer seus passos. O ritmo de sua respiração parecia errado, e os
mil barulhos, odores e sensações ao seu redor perderam a unidade de antes;
cada sensação o puxava para um lado, insistindo por sua atenção exclusiva.
E então ouviu apenas um barulho: um terrível trovão como se o próprio
mundo se partisse. Foi jogado para a frente quando uma onda de dor passou
por seus velhos ossos e cada ferimento que já sofrera se incendiou ao mesmo
tempo. De algum jeito, quando Chirrut desabou sobre a terra e rolou de lado,
estava ciente de que Baze gritava seu nome.
Não conseguia mais sentir seu cajado. Não conseguia mais sentir sua mão,
exceto por uma terrível sensação latejante e seu peso dormente no final do
braço. Mas a arte do zama-shiwo ensinava o controle da dor, e Chirrut
permitiu que seu sangue se derramasse sem experimentar sofrimento. A
violência causada em seu corpo o perturbava menos do que a violência que
ele causara nos outros.
Estava morrendo, é claro.
Sentiu os passos pesados e familiares de Baze atingirem o chão, sentiu o
cheiro do suor de seu irmão quando ele chegou mais perto. Queria dizer:
Baze! Meus olhos! Não consigo enxergar! Mas Baze Malbus sempre preferiu
conforto a humor.
– Chirrut – Baze murmurou. – Não se vá. Não se vá. Estou aqui…
Perguntou-se por um momento como Baze havia cruzado o campo de
batalha para chegar até onde estava. Mas, é claro, a Força os havia reunido
antes do fim.
Os dedos cheios de calos de Baze esfregaram vida nas costas da mão de
Chirrut.
– Está tudo bem – Chirrut disse. – Está tudo bem. Procure pela Força e
você sempre me encontrará.
Tentou sorrir, mas já não sabia se conseguiria.
As palavras do cântico ecoaram no coração de Chirrut Îmwe mais uma vez
antes de morrer:
Eu sou um com a Força e a Força está comigo.

Os stormtroopers chegavam cada vez mais perto do transporte. Bodhi sabia


porque, não raro, um tiro energético iluminava a rampa de embarque e atingia
a parede interior, lançando faíscas sobre o chão. Bodhi não sabia quantos dos
soldados de Tonc ainda estavam vivos, lutando desesperadamente para
manter seus inimigos afastados – também não sabia se, a qualquer momento,
alguém romperia o cabo que se estendia pela rampa até o painel de
comunicações.
Estava quase sem tempo, e tudo o que podia pensar era: Desculpe, pessoal.
Desculpe por prometer aquilo que eu não conseguiria entregar. Desculpe
por não pensar em um plano melhor.
Havia tentado. Isso contava alguma coisa, certo?
Quando os indicadores do console se atualizaram para mostrar uma
conexão entre a nave e a torre de comunicações de Scarif, ele quase chorou
de alegria.
Em vez disso, Bodhi se debruçou sobre a unidade, ajustou suas frequências
e rezou para que alguém o ouvisse.
– Certo, certo – ele começou. – Aqui é Rogue Um chamando a frota
rebelde!
Ouviu apenas o suave zumbido da estática em resposta.
Eles nem sabiam que Bodhi estava tentando contatá-los. Lutavam por suas
vidas, e Bodhi transmitia cegamente – como se algum oficial na ponte fosse
notar e atender o chamado no meio da batalha.
– Aqui é Rogue Um, chamando qualquer nave da Aliança que possa me
ouvir! – Lutou contra o tremor em sua voz. – Tem alguém aí em cima? Aqui
é Rogue Um!
Fiz minha parte, ele disse a si mesmo. Consegui transmitir um sinal.
Desculpe se ninguém estava ouvindo…
Pensou em Jyn, Cassian, Baze, Chirrut e Tonc. Imaginou se algum deles
seria capaz de perdoá-lo por seus fracassos.
Ao menos Galen havia perdoado. Galen entendia a necessidade de perdoar
mais do que ninguém.
– Aqui é Rogue Um! – Gotas de saliva salpicaram o console. Limpou a
superfície com a manga da camisa. – Responda!
– Aqui é o Almirante Raddus a bordo da Profundidade! – O comunicador
ganhou vida com um rugido. – Rogue Um, nós ouvimos você!
Bodhi soltou uma risada que poderia ser confundida com soluços.
– Conseguimos os planos! – ele disse, e talvez fosse uma mentira, não
tinha como saber com certeza, mas estava desesperado demais para se
importar. – Eles encontraram os planos da Estrela da Morte. Mas precisam
transmiti-los de cima da torre de comunicações!
Ouviu vozes ao fundo – oficiais da ponte, talvez, debatendo como
responder. Bodhi continuou.
– Vocês precisam se posicionar e se preparar para receber a transmissão. E
precisam derrubar a comporta do escudo. É o único jeito para a transmissão
passar!
Por um tempo terrivelmente longo, não houve resposta.
– Entendido, Rogue Um – a voz finalmente falou. – Faremos isso. – Então,
dirigindo-se não a Bodhi, mas a alguém na ponte: – Chamem uma corveta
Martelo. Tenho uma ideia.
O sinal sumiu. Mas não importava para Bodhi – tinha dito aquilo que
precisava dizer.
Os tiros de blaster lá fora haviam cessado. O silêncio era quase sereno.
Com as mãos tremendo, Bodhi se endireitou atrás do console e olhou da
rampa de embarque para a escada da cabine do piloto. Pensou em seu plano
de decolar e voar entre os caças TIE para resgatar Jyn e Cassian na torre de
comunicações. Pensou na tensão da voz de Cassian e em sua última
transmissão para Melshi – aquela que não teve resposta.
Se não tivesse a chance… já tinha feito o suficiente. Estava tudo bem.
– Isso foi por você, Galen Erso – ele disse, e seguiu para a escada.
Bodhi Rook ouviu o barulho metálico uma, duas vezes, na cabine, e então
o suave tilintar de algo rolando pelo convés. Virou-se a tempo de ver o
detonador. Não ouviu nada quando a cabine se iluminou com um brilho quase
impossível.
Como um bom piloto, Bodhi morreu com sua nave.
Baze Malbus tomou o último verdadeiro Guardião dos Whills em seus braços
e respondeu às palavras derradeiras de Chirrut.
– A Força está comigo – Baze disse. – E eu sou um com a Força.
Um brilho surgiu ao longe. Algo estava queimando na plataforma de
aterrissagem nove. Provavelmente, Bodhi Rook também havia partido.
Partido antes de enviar sua mensagem? E deixando o sacrifício de Chirrut
sem sentido?
Mais uma vez, o Império havia roubado o sentido de Baze. Poderia ter
gritado, não fosse o homem em seus braços.
– A Força está comigo – ele repetiu. – E eu estou com a Força.
Será que acreditava naquelas palavras? E importava? Alguma vez isso
importou?
O perímetro dos stormtroopers estava intacto. Eles haviam
momentaneamente recuado após assassinarem Chirrut, afastando-se da
fumaça da explosão – agora voltavam a se aproximar, mirando seus fuzis na
direção de Baze. Suas ações pareciam interminavelmente lentas – como se o
tempo tivesse se transformado no torturador de Baze, para que sofresse a
angústia de uma vida inteira em um segundo.
Pronunciou as palavras, e nelas encontrou não conforto, mas convicção –
ou a memória da convicção, como se as palavras fossem a chave para a
esquecida fé de sua juventude. A memória resgatada o estrangulou, intensa e
destruidora. Descobriu mais uma vez o significado da Força em cada
respiração e em cada ação, descobriu tudo o que havia abandonado nos
últimos anos – viu o vasto abismo entre o Guardião que fora e o homem que
era agora e chorou em seu coração pelos dois. Gentilmente deitou o corpo de
Chirrut no chão e ergueu seu canhão. Identificando um stormtrooper pronto
para atirar, ele disparou através do peito do soldado, que foi lançado na terra
e na areia. Quando o resto do esquadrão atirou de volta, Baze apertou seu
gatilho, segurou o dedo e deixou o gerador gritar e sua arma tremer a cada
disparo. Alternou saraivadas intensas e sem direção com disparos únicos e
mortes precisas. Avançou sobre os homens e mulheres que haviam capturado
seu passado, seu lar, seus amigos, sua esperança, sua fé – mas não se afastou
de Chirrut.
Não tinha para onde ir. Não deixaria Chirrut para trás agora.
Reconheceu uma dor que já sentira antes – a agonia quente e entorpecida
de um tiro de blaster, seus nervos destruídos no epicentro do ferimento e
gritando ao redor do halo fumegante. Caiu de joelhos e se forçou a levantar
outra vez. Seu corpo estava coberto de cinzas e suor e ele cheirava a cabelos
queimados, mas abraçou aquele pesadelo, enfurecido a cada disparo até
certamente abater cem ou mil stormtroopers.
Não foi suficiente. Nunca seria suficiente para restaurar Chirrut ou os anos
que perdera.
Baze viu um stormtrooper moribundo atrapalhando-se com uma granada e
depois jogando-a em sua direção. A granada não alcançaria totalmente seu
alvo – mas Baze mal podia cambalear para a frente, muito menos correr para
se proteger. Virou-se e esticou o pescoço para ver Chirrut uma última vez.
Quando a morte havia chegado para ele na sombra de um walker, Baze a
desafiara de frente. Agora havia tristeza.
Não havia medo.
Baze Malbus morreu sentindo dor, mas ela não durou muito.

A Rogue Um estava viva. Jyn Erso tinha os diagramas da Estrela da Morte, e


naqueles diagramas havia a chance de salvar a Aliança. A chance de salvar
Mon Cala. Não havia preço que o Almirante Raddus não pagaria para ver
essa chance se realizar.
Com a desativação de um Destróier Estelar, a maré da batalha sobre Scarif
havia mudado. Porém, embora a vantagem estivesse com a frota da Aliança,
o bombardeio à estação da comporta não revelou nenhuma fraqueza no
escudo ou na estação em si. Um cerco prolongado poderia resultar em vitória,
mas Raddus não duvidava que reforços inimigos estivessem a caminho – um
poder de fogo massivo poderia abrir a comporta, mas as naves de guerra mais
poderosas da Aliança não tinham o mesmo poderio catastrófico do Império.
Ao articular o dilema silenciosamente, a solução havia se tornado aparente
para Raddus. Descrevera o plano para seus oficiais e eles não o questionaram.
Mas, mesmo para o almirante, o preço seria alto.
Escolhera a corveta Martelo Resplandecente e seu capitão, Kado Oquoné,
para implementar sua visão. A nave de Oquoné fora muito danificada após
ser flanqueada pelos dois Destróieres, e desde então havia recuado do campo
de fogo para defender a linha de fuga. Por essas razões, serviria ao propósito
de Raddus.
– Você está preparado, Capitão? – falou com Oquoné da ponte da
Profundidade, com os olhos fixos em sua tela tática.
– Todo o pessoal não essencial já foi evacuado – Oquoné respondeu. –
Restaram apenas eu, uma tripulação reduzida e um punhado de droides. A
rota está traçada. – Sua voz não vacilou. Raddus lhe deu crédito por isso;
quando explicara seu plano, Oquoné reagira com irritação, mas apenas por
um instante. A partir daí, o capitão mostrou apenas determinação.
– Então comece – Raddus disse. O comunicador entrou em silêncio. Os
motores da Resplandecente pulsaram quando a grande nave começou uma
curva – primeiro para longe da batalha, depois de volta, em um grande arco,
ajustando sua trajetória em frações de metro ao longo do movimento. Raddus
não havia exigido que Oquoné e seus poucos escolhidos permanecessem a
bordo, mas uma manobra tão precisa seria mais bem executada por orgânicos
do que por droides. Oquoné sabia disso tão bem quanto Raddus.
O enxame de caças da Aliança ao redor do segundo Destróier Estelar
formou um cordão, prendendo a nave no lugar enquanto outras naves maiores
da Aliança se dispersavam. Isso deixaria tanto os caças quanto as naves de
comando vulneráveis a contra-ataques dos caças TIE, mas Raddus também
havia considerado esse preço aceitável.
A Resplandecente acelerou quando se aproximou da área de combate,
atraída pela gravidade de Scarif ao mesmo tempo que era impulsionada por
seus motores na direção do Destróier desativado. O segundo Destróier Estelar
pareceu entender o que estava acontecendo, mas era tarde demais – presa
pelos caças dos Esquadrões Vermelho e Dourado, a nave não tinha como
escapar de seu destino.
Raddus observou a Resplandecente avançar como uma lança sobre a massa
do gigante desativado. Metal foi rompido e amassado, e Raddus temeu por
um momento que a velocidade de Oquoné fosse grande demais – que a
Resplandecente fosse se desintegrar e a parte mais delicada do plano, que
ainda estava por vir, tivesse fracassado. Porém, o Destróier absorveu o
impacto e começou a ser empurrado, com o casco deformado, mas intacto.
Raddus avistou os vários pontos de cápsulas de fuga contrastando com as
estrelas. Não ousou torcer para que tivessem saído da Resplandecente.
O Destróier Estelar desativado foi lançado na direção de seu gêmeo. A rota
de Oquoné fora calculada com precisão. Com os caças da Aliança se
afastando, os dois Destróieres colidiram. As duas naves brilharam com o
impacto destrutivo, e ambas começaram a deslizar mais rapidamente quando
a gravidade de Scarif as agarrou. Presos uns aos outros pela devastação
cataclísmica, seus destroços entrelaçados despencaram na direção do anel
interno da comporta orbital da estação.
No ponto onde os Destróieres atingiram o campo de energia, o escudo
brilhou, irradiou e finalmente se rompeu, dissipando como espuma na crista
de uma onda.
– Posicionem nossa nave em órbita geoestacionária sobre a Cidadela,
agora! – Raddus gritou. – Chamem todos os caças para defender a
Profundidade. Temos que estar em posição para receber aquela transmissão!
Os caças TIE iam se concentrar em sua nau capitânia assim que o Império
entendesse sua intenção. Mas, na verdade, não precisava segurar por muito
tempo. A comporta do escudo logo voltaria a se regenerar – a janela de
oportunidade da Rogue Um para transmitir seria breve e, se a perdessem, não
haveria outra.
Silenciosamente, Raddus prometeu que nomearia seus bisnetos em
homenagem a Oquoné e a tripulação da Resplandecente. E então juntou as
mãos para esperar o contato de Jyn Erso.
CAPÍTULO 21

CASSIAN ESTAVA MORTO – JUNTO COM QUANTOS OUTROS, Jyn não sabia. O homem
de branco que participara dos piores momentos de sua vida estava presente
outra vez. A escuridão a envolveu, rompida apenas pelos milhares de olhos
vermelhos dos cartuchos de dados. Seus braços tremiam violentamente
sempre que ela se erguia na torre, como se prontos para serem arrancados do
ombro.
Mas ela podia ver a luz acima.
Suba!
Suas luvas encharcadas de suor esfriaram com a refrigeração da caixa-
forte. Encaixar as botas em apoios estreitos deixou a ponta dos dedos dos
seus pés entorpecida. O cartucho em seu cinto parecia pesado o bastante para
arrastá-la para baixo da crosta de Scarif.
Jyn agora enxergava claramente a abertura que pulsava no topo. Uma série
de dutos de ventilação se abria e fechava em sequência, sugando o ar mais
quente da torre. Esse ar parecia carregá-la quando era liberado.
Suba!
Jyn vislumbrou o céu azul. Estava no topo da torre de banco de dados,
perto o bastante do primeiro duto de ventilação para passar o braço pela
abertura. Imaginou-se tentando e sendo esmagada pela porta que abria e
fechava ritmicamente. Por um único momento de desespero, achou que não
fosse aguentar outra subida. E então o momento passou e ela contou até três
para se sincronizar com o movimento dos dutos.
Liana Hallik, Tanith e Kestrel – velhos nomes, velhas vidas – já fizeram
coisas mais corajosas, mais ousadas do que isso. Jyn Erso também poderia
fazer.
Agarrou-se em um duto, saltou para o seguinte – escalou e esperou. Ficar
parada era tão agonizante quanto se mover. Enquanto esperava entre as
aberturas, contando os segundos para o salto seguinte, seus músculos
imploravam por impulso ou por descanso eterno – não aquela série torturante
de saltos e paradas. Um, dois, três, vai! Espere, dois, três… Ela mal notou o
ar passar de frígido para quente, a umidade molhar seus lábios e sua garganta.
Um, dois, três, vai! E então já não havia mais para onde escalar e ela se viu
estatelada sobre um chão de metal, a superfície desconfortavelmente quente
sob a luz do sol enquanto se arrastava adiante.
Estava fora da caixa-forte. Fora da escuridão.
Porém não tinha mais forças para se sentir triunfante. Levantou-se com
dificuldade, empunhou seu blaster e procurou por stormtroopers, por
assassinos de preto ou o homem de branco. Mas estava sozinha no topo da
torre, em uma larga plataforma à sombra de uma enorme antena. Seus joelhos
tremeram quando analisou o céu claro, denso, com nuvens que encontravam
o oceano no horizonte.
A serenidade foi maculada por gritos de caças estelares, canhões
disparando em tons vermelhos e verdes enquanto rebeldes perseguiam
Imperiais e Imperiais perseguiam rebeldes. O vento trazia um cheiro de
cinzas vindo de algum lugar lá embaixo.
Porém, ela estava sozinha.
Você não tem muito tempo, Jyn disse a si mesma e forçou o corpo a se
mover.
Avistou um painel de controle na frente de um turboelevador e dirigiu-se
cambaleando a ele, tentando recobrar a força nas pernas. Não reconheceu os
controles – parecia um terminal de comunicações, mas não havia entrada de
áudio e ela não reconhecia as dezenas de botões. Então encontrou uma
entrada para um cartucho de dados – quase sem acreditar, Jyn o estudou com
os dedos antes de inserir a fita da Poeira Estelar.
A tela se acendeu com opções e jargão técnico. Uma voz eletrônica
autoritária repetiu severamente:
– Reiniciar alinhamento da antena.
Ela praguejou e socou o painel. Queria chutar K-2SO por tê-la enviado até
ali, chutá-lo até não sobrar nada – e imediatamente se sentiu culpada por
pensar assim. Voltando a sentir toda a dor no corpo, debruçou-se sobre a tela.
Não sabia nem o que deveria procurar. Será que K-2SO havia
reconfigurado a antena para transmitir para a frota? Será que Bodhi tinha
feito isso? Será que o escudo estava desativado, então a antena precisava se
reposicionar? Jyn não sabia, e o painel também não lhe dizia nada. Mas
imagens piscavam na tela indicando outra unidade de controle, na ponta de
uma passarela que se estendia da plataforma da torre.
Certo. Vamos reiniciar o alinhamento da antena.
Ela não seria a mulher que condenou a Aliança porque não conseguia
entender um maldito painel de comunicações.
Agarrando seu blaster, Jyn seguiu para a passarela e avistou a unidade de
controle cilíndrica erguendo-se na ponta. O vento quase a carregou quando
pisou na passarela, e o corrimão parecia baixo demais para servir como
proteção. Correu até a unidade, encontrou um interruptor giratório e o girou
entre os dedos, passando pelas posições até a voz anunciar outra vez:
– Alinhamento da antena.
Ouviu servomotores zumbirem e se virou para ver o grande prato da antena
se mover. A antena se ergueu e se ajustou até apontar diretamente para cima.
– Antena alinhada – a voz disse. – Pronta para transmissão.
Por favor, esteja na posição certa.
Jyn começou a voltar pela passarela. O grito de um caça TIE foi carregado
pelo vento, mas a princípio ela o ignorou. Então a nave apareceu, descendo
na direção da plataforma com seu grande olho da cabine fixo sobre ela. Jyn
congelou, sem saber se deveria correr ou se abaixar na passarela, na
esperança de se esconder.
Ela correu, e os canhões do caça pulsaram.
Luz e fogo esmeralda mancharam sua visão. A passarela ondulou como
uma bandeira ao vento, depois se desprendeu por inteiro. O som de metal se
rompendo encheu seus ouvidos enquanto estilhaços atingiram suas pernas e
seus braços. Seu rosto parecia queimar. Jogou os braços para a frente em
desespero, sentiu os dedos envolverem algo – os restos do corrimão ou a
parte de baixo da plataforma pendurada – e soltou um grito silencioso e sem
ar quando sentiu os músculos extenuados do ombro quase se romperem.
A passarela danificada balançava perigosamente com o vento. Jyn se
segurou com toda a força que conseguia e tentou subir, conforme sua visão
voltava. Através de um filtro de fumaça e manchas ela conseguiu distinguir a
imagem da plataforma, a pouco mais de um metro.
Suba!
Dessa vez não havia alças de cartuchos. Nenhum conveniente apoio para
os pés. O metal em chamas era quente demais contra o corpo de Jyn. Ela se
arrastou para cima um centímetro, um milímetro por vez, enquanto o vento
tentava soltar seus dedos. Estava perto o bastante para tocar a borda da
plataforma quando sentiu uma sombra passar por ela. Ergueu os olhos e viu
uma mancha contra o céu azul, cuja claridade a fez piscar com força.
Seus olhos queimaram com a mistura de cinzas e lágrimas, mas a mancha
apenas se tornou mais nítida. Uma perfeita esfera cinza pairava sobre o
planeta; sua superfície era marcada por linhas como um circuito eletrônico.
Jyn não havia visto aquilo em Jedha. Não de verdade, não no estado em
que estava. Mas a reconheceu mesmo assim, seu subconsciente sabia o que
era, e não se sentiu surpresa.
A Estrela da Morte havia chegado a Scarif.

O convés tremeu adoravelmente quando a estação de batalha saiu da


velocidade da luz. Dezenas de objetos surgiram nas telas táticas da ponte
superior – naves Imperiais e rebeldes em combate por todo o sistema – e
Wilhuff Tarkin fez sua avaliação após meros segundos de observação.
O Império estava perdendo acima de Scarif, mas isso estava prestes a
mudar.
Oficiais de serviço pediram relatórios da situação a suas seções da Estrela
da Morte. A jornada através do hiperespaço foi tranquila e a estação estava
pronta para a guerra. Seus artilheiros e pilotos de caça estavam em alerta –
mais naves Imperiais estavam a caminho.
– Senhor, devo iniciar o processo de mira na frota inimiga?
Havia um entusiasmo orgulhoso na voz do General Romodi. Tarkin olhou
para o velho soldado, depois negou com a cabeça. Poderia ser engraçado –
até mesmo esclarecedor – testar as capacidades da estação contra uma armada
rebelde, mas esse não era o momento de brincar com o inimigo. O Diretor
Krennic, o General Ramda e o Almirante Gorin fracassaram em resolver o
problema em questão, dando aos rebeldes oportunidade atrás de oportunidade
para roubarem os diagramas na Cidadela.
O último relatório dizia que a caixa-forte em si fora invadida. Essa era uma
exibição de incompetência tão grande que Tarkin ficou quase curioso para
saber como Krennic se explicaria.
Quase curioso.
Não. Era melhor começar de novo – eliminar a ameaça dos rebeldes, por
menor que fosse, e se livrar dos inúteis que ainda havia nas forças armadas
Imperiais.
– Lorde Vader cuidará da frota – Tarkin disse. – Os planos não podem
deixar Scarif em hipótese alguma.
Romodi entendeu.
– Sim, senhor – ele respondeu, e começou a dar ordens para seus
subordinados.
Tarkin olhou para a tela e para Scarif: uma esfera coberta de oceanos e
ilhas ricas em metais raros, útil como entreposto de construção e incubadora
de pesquisas longe dos olhos curiosos do Senado. Mas Tarkin não sentiria
falta do planeta. Com o passar dos anos, oficiais demais haviam tratado a
instalação como um local para uma aposentadoria não oficial – um paraíso
tropical onde podiam negligenciar seus deveres confortavelmente. A perda da
Cidadela e do escudo planetário seria uma pena – mas não mais do que isso.
– Ignição única do reator – Tarkin disse. – Você pode disparar quando
estiver pronto.

Orson Krennic manuseava sua pistola na mão esquerda, tracejando as linhas


do cabo através da luva. Raramente sacava a arma – sua DT-29 customizada,
mantida com o máximo cuidado durante os anos –, mas a escolhera pela força
brutal de seus disparos. Era uma ferramenta de morte, criada para eliminar o
inimigo a uma curta distância.
As circunstâncias na caixa-forte haviam negado sua eficácia. Até mesmo
seus troopers da morte foram incapazes de abater a mulher. O cúmplice dela
não lhe preocupava – o homem era um estranho, um estranho morto –, mas a
mulher…
Ela havia olhado para ele.
Pendurada nos cartuchos de dados, com olhos arregalados cheios de
escárnio e ódio, ela havia olhado para ele. A mesma mulher que tentara matá-
lo em Eadu; que, sem dúvida, havia recebido a mensagem de Galen Erso em
Jedha e escapado da destruição da Cidade Sagrada. Ela o reconhecera – e
Krennic agora sentia, com uma violenta certeza, que já havia visto a mulher
antes de sua infiltração na instalação de pesquisa.
Só não sabia quando ou onde. Mas sabia que já a havia visto.
Quem quer que fosse, Galen a havia selecionado para ser sua vingança do
além-túmulo – a transformara em sua arma. Krennic queria gritar para Erso,
externar toda a sua raiva contra a injustiça de um homem morto jogando
novos obstáculos em seu caminho. Você foi um hipócrita e um covarde em
vida. Nada pode mudar isso agora!
Mas para exorcizar Galen seria necessário mais do que palavras. Então
Krennic usou o turboelevador que levava ao topo da torre de comunicações,
onde poderia dar um fim ao último ato de sabotagem do homem.
Ao se aproximar do topo, o elevador tremeu violentamente e suas luzes
fraquejaram. Krennic quase derrubou a pistola quando precisou se apoiar na
parede. O elevador havia parado. Quando se equilibrou, ergueu um punho
para golpear a porta, mas pensou melhor antes de fazer isso. Não sabia o
quanto a sua situação era precária.
Ativou o comlink do painel de controle e ajustou as configurações.
– General – ele chamou rispidamente. – O que está acontecendo no topo da
torre?
Ouviu um burburinho enquanto múltiplas vozes se consultavam antes de
um dos tenentes de Ramda finalmente responder.
– Danos menores causados por combate aéreo, Diretor. Precisa de
assistência…?
– Já sinalizei minha equipe de segurança – Krennic rosnou. Agora se
arrependia de ter enviado um contingente tão grande de sua equipe para o
campo de batalha, mas já era tarde; e havia escolhido não esperar por ela na
frente da caixa-forte. – Restabeleça energia ao elevador imediatamente.
Mesmo se sua adversária tivesse adquirido os diagramas técnicos da ES-1,
ela certamente não seria capaz de transmiti-los para uma nave em órbita. Não
havia nada que pudesse fazer. Porém, esse pensamento não consolava
Krennic de forma alguma.
– Agora mesmo, senhor. Além disso, ainda não recebemos nenhuma
atualização do Almirante Gorin… – Krennic rosnou e se preparou para
encerrar a transmissão; antes que pudesse fazer isso, Ramda interrompeu: –
Confirmação visual! A Estrela da Morte entrou em órbita! A frota rebelde
está condenada!
Um calor subiu pelo rosto de Krennic. A sua Estrela da Morte estava sendo
comandada por alguém? Mas, se ela veio para ajudar contra os rebeldes,
Ramda estava certo – a Aliança não tinha nada que pudesse se opor à estação
de batalha.
Se estivesse ali para ajudar. Uma alternativa cruzou a mente de Krennic,
uma ideia que ele não queria nem contemplar. Quando as luzes voltaram, ele
encerrou a transmissão e o elevador foi reativado. Voltou a subir e então
rapidamente parou.
Krennic apanhou sua pistola e endireitou os ombros. A presença da Estrela
da Morte era mais uma razão para dar um fim à interferência de Galen.
Saiu do elevador e ganhou a plataforma para matar a última sobrevivente
de Jedha e silenciar a inexplicável provocação de Lyra em sua cabeça:
Vocês nunca vencerão.

Agarrada à passarela destruída, Jyn olhou para o destruidor de planetas


posicionado no meio do céu claro.
Cassian estava morto. K-2SO fora destruído. Bodhi, Chirrut e Baze podiam
estar vivos, mas era difícil imaginar alguém sobrevivendo na zona de guerra
que ela enxergava embaixo da torre. Já fazia tempo que ninguém chamava
em seu comlink. Se Jyn não fosse a última dos homens e mulheres que
haviam saído de Yavin 4, suspeitava que era quase isso.
Havia chegado mais longe do que a maioria – o Império precisaria de uma
estação de batalha inteira para se livrar dela.
Com a respiração ofegante, Jyn escalou o resto da passarela. Passou as
pernas com força ao redor do metal para se equilibrar, depois ergueu a mão e
tocou a beira da plataforma, procurando com os dedos doloridos e
entorpecidos até encontrar um apoio. Espelhou o movimento com a outra
mão e forçou músculos estirados a erguerem seu peso, passando pela beira
até seus joelhos tocarem o chão firme, tremendo com o esforço.
Quando olhou para o céu novamente, a Estrela da Morte ainda estava lá.
Venha me matar, sua cretina, ela pensou, não há nada que eu possa fazer
para impedir.
Talvez sua missão em Scarif estivesse condenada desde o início – talvez
ela até já soubesse disso –, mas a Estrela da Morte deixava impossível fingir
o contrário.
Jyn sentira medo de se perder. Medo de que a preocupação com seus
amigos pudesse distraí-la. Medo de que perder seus aliados pudesse fazê-la
regressar para seu estado de sobrevivência no qual estivera toda a vida. Agora
sobreviver não era uma opção e não havia sobrado ninguém para distraí-la.
Seus medos até então foram risivelmente ingênuos. Sentindo náuseas e dores
por todo o corpo, ela respirou fundo e esperou para ver o que aconteceria.
Quando se sentiu forte o bastante para voltar a andar, a Estrela da Morte
ainda não havia disparado.
Percebeu que nada havia mudado. Nada.
A coisa que impelira Jyn até Scarif – não seu pai, não seus companheiros,
não algum impulso enterrado debaixo da caverna, mas a monstruosidade que
matava, matava e matava, até que cada garotinha, cada peregrino, cada mãe
da galáxia estivesse morta – a encarava do céu, tão real quanto possível.
Sua missão era a mesma. Só que agora tinha menos tempo para terminá-la.
Apoiou-se sobre uma perna e se ergueu. A plataforma queimava onde os
canhões do caça TIE haviam atingido e cinzas flutuavam em nuvens densas
entre Jyn e o painel de controle. Deu um passo hesitante e parou de repente
quando uma silhueta apareceu no meio da fumaça.
Um homem com uma capa. O homem de branco.
Não agora. Não agora!
A Estrela da Morte era, mesmo com todo o seu poderio apocalíptico, uma
ameaça compreensível – uma máquina construída por seu pai para matar
planetas. O homem de branco era um pesadelo, uma criatura impossível que a
seguira por toda a vida.
Jyn procurou seu blaster, mas percebeu que havia derrubado a arma na
passarela. Agora estava em pedaços, em algum lugar na base da torre.
O homem de branco estava sozinho. Ele empunhava uma pistola em uma
das mãos, apontando-a diretamente para o peito de Jyn. Olhos da mesma cor
das cinzas que flutuavam ao seu redor se fixaram sobre ela com uma estranha
mistura de raiva e perplexidade. Jyn abriu a boca, incapaz de falar, tentando
controlar seu tremor de fúria, terror ou as duas coisas juntas.
– Quem é você? – ele perguntou.
Ele havia arruinado seu pai e matado sua mãe e matado Cassian. Ele havia
roubado seu lar e a forçado para os braços de Saw Gerrera. Ele havia
esculpido sua vida como se usasse uma faca em um bloco de carne. Ela quase
gritou: como você pode perguntar isso?
Mas, quando as palavras penetraram e as implicações aqueceram sua pele,
Jyn encarou aqueles olhos selvagens. O homem ofegava, e não apenas por
causa da fumaça.
– Quem é você? – ele repetiu. Sua mão tremia. Usou o cano do blaster para
apontar o colar de Jyn.
Ele estava com medo.
Ele não era o Império – não cada momento de opressão e indignidade e
tormento que ela já havia sofrido. Era um Imperial, um homenzinho
rancoroso, mesquinho, medroso, que se esquecera das próprias atrocidades.
E não sabia quem ela era.
Jyn decidiu fazê-lo se lembrar.
– Você sabe quem eu sou – ela disse e, embora seu corpo estivesse frágil,
sua voz estava firme. – Sou Jyn Erso. Filha de Galen e Lyra.
Não se lembrava de alguma vez ter dito isso em voz alta, muito menos com
orgulho.
O homem de branco a encarou.
– A criança – ele finalmente disse.
– A criança – Jyn confirmou. Tentou dar de ombros, mas a agonia nos
músculos a impediu.
Ele endireitou a pistola. Ela não podia fugir, não poderia de jeito algum
correr e desarmá-lo – não em sua condição atual, não sem uma distração.
Pânico e uma indignação selvagem surgiram dentro dela diante da
possibilidade de que aquele homem – diminuído ou não – fosse trazer seu
fracasso final, mas ela abafou esse pensamento. Se pudesse controlar seu
medo, também poderia controlar o dele.
– Você perdeu – ela disse.
Se conseguisse mantê-lo ocupado sem atirar, talvez uma oportunidade
surgisse. E, se ele fosse mesmo matá-la – se ela não pudesse arranhar sua
cara ou socar a barriga ou atirar em seu crânio; se ele impedisse a missão dela
e lançasse a Estrela da Morte sobre a galáxia –, Jyn daria um motivo para
nunca mais esquecê-la.
– Oh, perdi, não é mesmo? – o homem de branco perguntou, insincero e
cruel. Ele não baixou a arma; também não atirou nela.
– É a vingança do meu pai – Jyn disse. Ela resistiu à vontade de zombar.
Sua voz saiu orgulhosa e desafiadora. – Ele construiu uma falha na Estrela da
Morte. Colocou um pavio no meio da sua máquina e eu acabei de contar para
toda a galáxia como acendê-lo.
O homem de branco fechou o rosto. Sua cabeça virou na direção da grande
antena de comunicações.
Esta é sua chance. Vai! Vai!
Mas suas pernas não tinham força. Se saltasse sobre ele agora, cairia de
cara na plataforma, completamente derrotada.
– O escudo está ativo – o homem de branco rosnou. Estava enterrando seu
medo, seu medo dela, debaixo de um veneno e de um desdém
condescendente. – O seu sinal nunca alcançará a base rebelde.
Talvez estivesse certo. Mas não poderia saber.
– O seu escudo está…
Ele a interrompeu, arrebatado por suas próprias palavras:
– Apenas perdi tempo. Você, por outro lado, morrerá com a Rebelião.
Ele checou sua mira. Jyn preparou um salto desesperado – não morreria, se
recusava a morrer parada. Se ele atingisse a lateral de seu corpo, talvez ainda
conseguisse impedi-lo, depois rastejaria até o painel de controle para
transmitir com seu último suspiro…
Jyn planejou, fantasiou. Mas, quando veio o tiro, não estava pronta.
Ouviu o eco elétrico do disparo rasgando o ar.
Viu o homem de branco cair de joelhos e depois desabar no chão; sua
expressão exibia nada menos do que espanto. Havia um buraco negro
queimado no tecido de sua capa cor de marfim.
Num piscar de olhos, seu pesadelo havia chegado ao fim.
Atrás do homem de branco, saindo do meio da fumaça, apareceu um
Cassian Andor ensanguentado e mancando. Parecia um homem que caíra de
doze andares e se arrastara de volta até o topo. Parecia a imagem mais linda
que Jyn já testemunhara, mas ela não podia nem mesmo perder um instante
para gritar seu nome.
Em vez disso ela correu. De algum jeito ela correu, se concentrando no
movimento de cada perna e certa de que cairia na plataforma – certa,
também, de que se levantaria e continuaria correndo. Tentou puxar o ar, mas
sua boca e seu nariz se encheram de cinzas. Ouviu um estrondo distante, a
explosão de uma batalha longínqua, e perseverou. Logo suas mãos estavam
no painel de controle, e ela se atrapalhou enquanto olhava para a tela sem
entender nada. Forçou a mente a se acalmar, a se concentrar.
Puxou a alavanca de transmissão.
Observou a tela ganhar vida. Não conseguia ler, em meio a sua confusão
mental, mas ouviu a voz:
– Transmitindo.
Sua respiração se transformou em soluços sem lágrimas, soluços de alívio
e alegria. Precisou agarrar o painel para não cair quando uma vertigem mais
forte do que qualquer coisa a atingiu. Queria gritar, mas não tinha forças.
Queria rir para os céus, para a frota e a Estrela da Morte, mas também não
tinha forças para isso. Então apenas se virou para Cassian, que ainda esperava
no meio da fumaça.
Jyn cambaleou até ele, sorrindo como uma criança. E não disse nada.
CAPÍTULO 22

– ALMIRANTE! RECEBENDO TRANSMISSÃO DE SCARIF!


A Profundidade tremia sob o bombardeio dos caças TIE. Seus escudos
foram rompidos, depois regenerados, depois rompidos de novo enquanto
disparos esmeralda atingiam o alvo. Três andares já haviam sido forçados a
evacuar por causa do vazamento de radiação. Mas a Profundidade aguentava
onde outras naves foram dizimadas: em órbita geoestacionária sobre a
Cidadela de Scarif, a nave era o centro de uma tempestade de metal derretido
e naves destruídas.
A Estrela da Morte não havia voltado suas armas contra a frota rebelde,
mas carregava esquadrões suficientes para rapidamente alcançar a
superioridade na batalha. O Almirante Raddus não era propenso ao medo ou
terror, porém nunca imaginara a escala do horror que enfrentava agora.
Por isso entendeu a intensidade das palavras do oficial de comunicações.
– Confirmar! – Raddus disse rispidamente e escondeu sua própria
ansiedade o melhor que pôde.
– Checando os dados – veio a reposta. – Nós temos os planos!
– Ela conseguiu – Raddus sussurrou. O convés sacudiu e ele precisou se
segurar. Olhou para suas telas e começou a dar ordens para reconfigurar a
frota.
– A estação de batalha, senhor – seu tenente gritou. – Uma enorme
concentração de energia…
Raddus o interrompeu com um gesto da mão. Jyn Erso havia deixado claro
qual era o poderio da estação em Yavin 4. Impedir a estação em Scarif era
tarefa para tolos mais nobres do que ele.
– Rogue Um! Que a Força esteja com vocês – ele disse. E então se
endireitou e aspirou o ar úmido. – Todas as naves – gritou –, preparem o salto
para o hiperespaço!
Aquilo foi uma exibição de confiança para seu pessoal. Mas ele viu a tela
tática piscar e registrar uma nova nave entrando no sistema.
Um terceiro Destróier Estelar havia finalmente chegado.

No meio de uma névoa de fumaça que era como nuvens de tempestade,


Orson Krennic vasculhou suas memórias em busca de um tempo antes de
conhecer Galen Erso.
Pensou em Eadu, no chiado das botas molhadas sobre o metal e em suas
tentativas de simpatizar com o cientista nos primeiros dias após a morte de
Lyra; seus esforços para acalmar Galen quanto ao destino de sua filha e para
lembrá-lo da grandiosidade do trabalho.
Foi mais longe no tempo, a Coruscant, onde foi inspirado a tirar Galen da
obscuridade para o “Projeto Poder Celestial”. Pensou nos jogos que foi
forçado a jogar, sabendo que os interesses provincianos de Lyra
atrapalhariam o foco de Galen.
Voltando ainda mais, para o Programa Futuros, quando atraiu Galen para
seu círculo e reconheceu com admiração – não inveja, mas pura admiração –
o potencial de seu gênio para mudar toda a galáxia.
E antes disso?
Podia seguir a trilha de Galen por sua vida. Podia enxergar toda a extensão
da tragédia, o desperdício de esforço com um homem desperdiçado. Mas e
quanto a antes? Buscou refúgio em sua infância, tentou se lembrar de um
Orson cujas esperanças ainda não tinham sido maculadas pelas sombras…
Em vez disso ouviu um estrondo: ergueu o queixo, deixou suas memórias e
viu que o trovão era o rugido do fogo sobre a torre de comunicações de
Scarif. Seu corpo estava cheio de dor.
Descobriu que podia mover os membros se ignorasse seu peso. Arrastou-se
para a frente – para qual propósito, não sabia. Sobrevivência? O trabalho?
A criança!
Krennic ofegou, puxou o ar quando tentou se levantar, mas não conseguiu
e se arrastou por mais alguns metros. Procurou pela criança – por Jyn Erso –,
mas ela já não estava mais lá. Ergueu-se do chão, rolou os olhos para cima
até sentir o crânio doer e reconheceu a Estrela da Morte eclipsando o céu.
Era Wilhuff Tarkin quem comandava sua estação de batalha. Apenas
Tarkin teria a arrogância. Apenas Tarkin teria a audácia de pairar sobre
Scarif e ameaçar a fonte de todos os seus próprios triunfos.
A concha de foco da Estrela da Morte brilhava com luz esmeralda. A fúria
de Krennic se acumulou, sintonizada com as energias da estação, também
buscando um propósito, um escape, um alvo. Mas o corpo de Krennic estava
arruinado. Seus inimigos estavam longe. Não tinha ninguém para comandar e
ninguém para dominar, ninguém para compartilhar sua visão do futuro do
Império ou seu engrandecimento pessoal.
A vingança do meu pai.
Então Krennic estava condenado, embora fosse difícil admitir. Porém,
mesmo que morresse nas mãos de Tarkin, morreria no fogo de sua criação. A
Estrela da Morte continuaria existindo. Lambeu sangue e saliva dos lábios e
imaginou mundo após mundo consumido pelo poder de sua estação. Mesmo
o Imperador não deixaria uma marca assim na galáxia. A Estrela da Morte, a
sua Estrela da Morte, alteraria sistemas estelares e civilizações, seria
lembrada por mil gerações após Tarkin ser apagado da história.
E enquanto Tarkin vivesse? Saberia que cada vitória seria fruto do trabalho
de Krennic. Avançaria por batalha após batalha sem realmente entender a
arma que empunhava, até ser destruído pela própria arrogância.
Ele construiu uma falha na Estrela da Morte.
A concha de foco brilhou mais forte.
Krennic fechou os olhos com força e usou os últimos lampejos de sua
mente para ver a estação como deveria ser vista: de pé na ponte superior de
sua gigantesca criação; ouvindo o rugido abafado do reator se transformar em
um grito agudo; sentindo os tremores no convés cada vez mais violentos ao
passo que o núcleo de kyber exercia sua força. Jyn Erso deu sua vida para
roubar os diagramas da Estrela da Morte, mas esses diagramas estavam
esculpidos em seu coração.
Vocês nunca vencerão.
Ele não morreria em Scarif, mas dentro da Estrela da Morte.
E, ao visualizar as energias cataclísmicas se acumulando dentro da vasta
estação, finalmente enxergou – um detalhe que havia deixado passar e depois
esquecido, um ajuste trivial de Galen: uma única saída de escape térmico se
abrindo de uma trincheira estreita que seguia por quilômetros adentro na
estação, passando por conduítes e escotilhas e blindagens de radiação,
descendo e descendo…
… para dentro do reator principal.
O canhão primário da Estrela da Morte disparou.
Orson Krennic, diretor de pesquisa de armamentos avançados e pai da
Estrela da Morte, morreu sozinho em Scarif, gritando de fúria para Galen
Erso, para Jyn Erso, para Wilhuff Tarkin e para toda a galáxia.

Da última vez que Cassian se feriu tanto, K-2SO o carregara para um local
seguro e, no caminho, foi enumerando todas as contusões e analisando a
probabilidade de infecções e danos permanentes aos nervos. Era o jeito do
droide de mostrar que se importava – ou, ao menos, seu jeito de mostrar que
se preocupava com o destino de seu mestre.
K-2SO não estava lá para ajudar Cassian no topo da torre de comunicações
da Cidadela. Mas Jyn havia se voltado para ele na frente do painel de controle
parecendo a última sobrevivente de uma guerra, e ela sorrira de um jeito que
ele nunca vira antes. Não foi um sorriso atribuído à coragem ou expectativa,
ou maculado por tristeza ou dúvida – apenas um sorriso tão normal que
pareceu transformar Jyn de uma heroína mitológica em uma mulher que ele
poderia ter conhecido e entendido.
É claro, Cassian não a conhecera e não a entendia. Não havia tempo.
Ela cambaleou até o seu lado e cautelosamente passou um braço ao seu
redor, conduzindo-o até o turboelevador. Cassian tentara não mostrar a
extensão de sua dor (ficar de pé era ruim; andar era pior), mas desistira após
um momento, apoiando-se pesadamente sobre ela. De algum jeito, Jyn
carregou seu peso.
– Você acha que alguém estava ouvindo? – ele perguntara.
Não conseguiu erguer um braço para apontar o céu depois da transmissão,
mas ela entendeu.
– Sim, acho – Jyn dissera, suave e, para seus ouvidos, sincera. – Alguém
está lá fora.
E ela o conduzira para dentro do turboelevador e o apoiara quando ele se
encostou na parede de metal. Era ali que estava agora, com um braço
envolvendo Jyn, sentindo sua impossivelmente frágil forma humana.
Cassian não sabia se ela estava certa. Não sabia se, de fato, alguém
realmente estava lá fora ou se o Império já havia assegurado a vitória.
Enquanto revirava a questão em sua mente, ficou surpreso por perceber que
não estava preocupado com a resposta.
Talvez fossem seus ferimentos. A dor e a exaustão estreitavam sua
realidade, tornavam difícil visualizar qualquer coisa fora de sua linha de
visão. Quando pensou sobre as pessoas de quem gostava, as pessoas que
teriam que continuar a luta contra o Império e a Estrela da Morte (aquelas que
não se voluntariaram para a missão em Scarif), não conseguiu pensar em
ninguém – e isso não poderia estar certo. Poderia?
Mas, quanto mais pensava sobre isso, menos acreditava que a névoa em
sua mente explicava sua falta de preocupação.
Ele dissera a Jyn: fizemos coisas terríveis em nome da Rebelião.
Lembrava-se de algumas delas agora – Tivik, que possibilitara tudo aquilo e
fora recompensado com a morte –, mas a maioria, para a vergonha de
Cassian, ele não conseguia trazer à mente. Havia negociado seus ideais e a
vida de outras pessoas, um por um, para encontrar uma vitória que faria tudo
valer a pena. Porém, enquanto observava as luzes pulsantes do turboelevador,
sentiu profundamente que nem a vitória nem a derrota mudariam as coisas
terríveis de seu passado. Jyn não poderia dar aquilo que Cassian buscava.
E esse era o ponto crucial.
Pois ele havia entregado a Jyn aquilo de que ela precisava, e cumprira a
missão corretamente, e ele descobriu que isso era o bastante.
Jyn acreditava que havia alguém lá fora. Talvez até fosse verdade.
Ele queria que fosse verdade. Com todo o seu coração, ele queria.
A fé dela o carregava junto com seus braços.
Mas Cassian não falou nada disso. Não queria perturbar o silêncio
enquanto descansavam um contra o outro, doloridos, mas relaxando, ouvindo
o zumbido mecânico e o distante crepitar de incêndios. Afastou lembranças
de velhas missões e pensamentos sobre o futuro – decidiu se concentrar
naquilo que podia ver e ouvir e cheirar nos últimos momentos de sua vida em
Scarif.
Quando Cassian Andor morresse, estaria pronto, e estaria satisfeito.

A Cidadela fora evacuada. Seus oficiais e tropas entraram em pânico quando


entenderam o propósito da Estrela da Morte. Jyn não sabia com certeza, mas
isso explicava por que ela e Cassian não encontraram ninguém quando saíram
da torre e ouviram apenas gritos distantes e o retumbar de transportes. Se a
comporta do escudo estivesse aberta, alguns Imperiais poderiam escapar do
planeta antes do fim.
Jyn usou seu comlink para saber se alguém a escutava. Ninguém
respondeu, o que já era esperado.
Mesmo se ainda tivesse sobrado algum transporte, ela sabia que não
alcançaria nenhuma plataforma de aterrissagem a tempo. Cada passo era um
esforço, e Cassian enfraquecia em seus braços. Ele cambaleava cada vez
mais. Ela continuou tentando erguê-lo. Mas ele estava quente e sua respiração
estava regular, e Jyn gostou de sentir vida perto dela. Era muito diferente de
quando segurou Galen em seus braços, que parecia pronto para ser levado
pela chuva enquanto a vida lhe escapava.
Sem nenhum lugar melhor para irem, Jyn seguiu na direção da praia.
Em Lah’mu havia praias, protegidas por grandes rochedos que – ao menos
para uma criança – pareciam enormes desfiladeiros. Jyn enviava Stormy a
perigosas aventuras por lá e depois contava tudo sobre as missões para sua
mãe, à noite. As águas plácidas e a areia branca de Scarif pareciam uma
pálida imitação da grandiosidade de Lah’mu, mas teriam de servir.
Passaram pelo corpo de um soldado rebelde perto do limiar das árvores.
Jyn se posicionou para que Cassian não tivesse de ver aquilo.
Quando alcançaram a praia, Cassian teve dificuldades em andar na areia.
Ele caiu de joelhos e Jyn se abaixou ao seu lado. Já estavam longe o bastante,
ela decidiu – uma brisa limpava o ar das cinzas e da fumaça, e já não ouviam
mais gritos.
Por um instante, Jyn olhou para cima, esperando, contra a razão, ver o
brilho da frota rebelde entre as estrelas. Mas, claro, não podia ver nada – o
céu estava azul e limpo, e a única construção artificial visível era a estação de
batalha. O mais provável era que os rebeldes já tivessem escapado, rumando
para longe assim que a transmissão terminou.
Então Jyn olhou para Cassian.
– Estou feliz por você ter vindo – ela disse.
Quando as palavras finalmente o tocaram, ele gentilmente sorriu e tomou
sua mão. Ela entrelaçou seus dedos nos dele, para que a mão de Cassian não
escorregasse, sem forças.
A Estrela da Morte pulsava com luz esmeralda. Jyn tentou não ficar tensa.
Não tinha medo do que aconteceria, mas não queria sofrer. Por algum motivo
ela se sentiu ainda mais próxima de Cassian do que antes. Suas respirações se
igualaram, profundas e calmas.
A Estrela da Morte agora brilhava demais para se olhar e um tremor
atravessou a praia. As ondas plácidas quebraram mais alto, lançando
respingos da cálida água do mar sobre o rosto de Jyn, como se fossem
lágrimas. Um profundo estrondo ecoou a dez ou mil quilômetros de distância.
– Seu pai ficaria orgulhoso de você – Cassian disse, tão suave que Jyn
quase não o ouviu. Ela achou que sim, embora não fosse a razão de ter
seguido para Scarif – não inteiramente, não realmente.
Mas era bom ouvir aquilo, ainda mais vindo dos lábios de alguém
próximo.
O trovejar afogou todos os outros sons. Jyn abraçou Cassian mais forte e
ele encontrou forças para abraçá-la de volta. Um brilho envolveu o mundo,
esmeralda a princípio, depois um branco límpido e purificador. Na mente de
Jyn, a caverna abaixo da escotilha quebrada foi iluminada com a força de um
sol, e então as paredes se tornaram pó e já não havia mais uma caverna,
apenas seu espírito e seu coração e tudo mais que ela um dia já foi: a filha de
Galen e Lyra e Saw, a guerreira raivosa e a prisioneira derrotada e a
defensora e a amiga.
Logo, todas essas coisas também queimaram e desapareceram, e Jyn Erso
– finalmente em paz – se uniu à Força.
EPÍLOGO

O DESTRÓIER ESTELAR IMPERIAL DEVASTADOR cortou através de um oceano de


naves e deixou para trás um rastro de gases e partículas incandescentes. A luz
de Scarif refletiu no casco da nave quando ela entrou no poço de gravidade
do planeta, rumando na direção do danificado cruzador Mon Calamari
posicionado sobre a Cidadela.
Darth Vader observava o caos ao redor da Devastador e o analisou por trás
do brilho vermelho de sua máscara. Reconheceu as manobras dos esquadrões
de caças dos dois lados, identificou pilotos que se afastavam de suas
formações para um melhor ou pior resultado. Enxergou a batalha no
microcosmo e no macrocosmo, estava instintivamente ciente de como cada
disparo poderia contribuir para a vitória ou para a derrota.
Porém, apenas o cruzador lhe interessava. Fez um único gesto com a mão
quando o inimigo entrou ao alcance de seus canhões.
Os ecos dos turbolasers que se seguiram eram apenas estática em seu
capacete. Feixes de energia se derramavam da Devastador na direção do
inimigo, iluminando a escuridão como relâmpagos. Caças estelares – amigos
e inimigos – surpreendidos no meio das duas enormes naves sofreram
destruição instantânea. Os escudos do cruzador brilhavam quando atingidos,
até que desapareceram com um lampejo. Incêndios irromperam ao longo da
lateral esquerda da nave quando placas de blindagem se partiram ou
derreteram e o oxigênio que escapava entrava em combustão.
– A nau capitânia rebelde foi desativada, milorde – o capitão da
Devastador relatou, ao lado de Vader. Darth Vader não se virou para ele. –
Mas a nave recebeu transmissões da superfície.
Vader observou a nave em chamas. Havia morte, sofrimento e medo, sim –
e algo inteiramente diferente. Algo que repelia sua carne ressecada e
agonizante.
– Prepare uma equipe de abordagem – ele disse.
– Sim, milorde.
A destruição da Cidadela – a extirpação de Scarif com o superlaser da
Estrela da Morte, a evaporação do mar e desintegração de arquipélagos –
enviou um tremor através do transporte de Vader quando ele e seu esquadrão
seguiram para a nau capitânia. Vader também sentiu um medo naquele
momento, vasto e poderoso e mais puro do que aquele que emanava do
cruzador. Após sua nave alcançar a nau capitânia e seus stormtroopers
abrirem caminho usando maçaricos no casco, ele começou a andar na direção
da ponte rebelde, mas desviou de repente.
Talvez fosse o instinto que o guiasse. Talvez fosse algo mais. Não lhe
ocorreu se perguntar. Ordenou que suas tropas continuassem no caminho
prévio e seguiu sozinho.
As luzes do corredor piscavam e alarmes disparavam. Preso na câmara
vermelho-sangue de seu capacete, Vader não se incomodava com nenhuma
das duas coisas. Sintonizou as emanações de pânico e desespero e seguiu seus
rastros. Quando encontrou rebeldes empunhando blasters ou correndo para
selar portas, sacou sua arma e os cortou com golpes de sua lâmina vermelha,
sem pressa.
A voz de um stormtrooper falou em seu comlink.
– Uma fita de dados foi gravada na ponte pouco antes do nosso embarque.
Nenhum sinal da fita por aqui.
Vader não respondeu, mas apressou o passo.
Atravessava o cruzador deixando corpos para trás. Finalmente encontrou
sua presa em um corredor cheio de rebeldes acuados contra uma porta de
segurança. Com tiros energéticos disparados em sua direção, ele avistou uma
fita de dados sendo passada entre soldados desesperados. Desviou os tiros
com sua lâmina, arrancou um blaster de um inimigo com um poder que
desafiava a natureza e a gravidade e seguiu sua marcha. Desferiu golpes e
mais golpes mortais, determinado e implacável.
A porta de segurança abriu apenas uma fresta e mãos rebeldes passaram a
fita pela abertura. Vader expandiu seus sentidos, atravessando vida, matéria,
ar e, por meio de pura vontade, puxou. Alimentou sua vontade com raiva e
medo e necessidade. Foi o suficiente para arrancar o rebelde da porta e jogá-
lo aos seus pés.
Mas não foi o suficiente para apanhar a fita.
Agarrou o rebelde pela garganta, o ergueu e o encarou através das lentes
vermelhas.
– Para onde – Vader exigiu saber – estão levando aquilo?
A resposta foi um sussurro estrangulado.
– Para longe daqui – o rebelde disse. – Para longe de você.
Vader fechou sua mão enluvada até o pescoço do homem se partir. Depois
jogou o corpo de lado. Ativou seu comlink e gritou para seus stormtroopers.
– Encontrem a nave fugitiva.
A possibilidade de fracasso percorreu sua pele como fogo. A supremacia
da Estrela da Morte não podia ser comprometida. A total destruição da
Rebelião permanecia possível – que estivesse posta em dúvida era algo
impensável.
Darth Vader perseguiu sua presa, buscando consolo no triunfo final do
Imperador.

A Tantive IV não estava pronta para decolar, muito menos para lutar. A nave
passara por frenéticos reparos durante a viagem no hiperespaço, de Yavin
para Scarif, segura no hangar da Profundidade, onde estivera desde sua
última missão, teimosamente resistindo aos mecânicos. Mesmo após sua nave
anfitriã ter chegado ao sistema e se juntado à batalha contra a armada
Imperial, o Capitão Raymus Antilles e seus engenheiros e droides
continuaram trabalhando desesperadamente para deixar a corveta pronta para
encarar o espaço: selando vazamentos no motivador do hiperpropulsor e
limpando excessos nos dutos de ventilação. O Almirante Raddus deixara a
situação clara: cada nave da frota tinha um papel a desempenhar.
Raymus amava sua nave. Quase a perdera uma vez. Pela Aliança Rebelde,
a arriscaria novamente.
Mas a batalha em Scarif terminara antes que a Tantive IV pudesse se juntar
ao combate. Justo quando o reator da corveta ganhou vida, a Profundidade
gritara com seus pulmões metálicos perfurados. A Tantive IV sacudiu no
hangar, quase deslocando as rampas de embarque presas a suas escotilhas
pressurizadas. Em vez de ordenar a fuga imediata de seu hospedeiro em
chamas, Raymus pediu à sua tripulação que se preparasse para decolar,
depois saiu de sua nave. Sob o piscar das luzes de emergência, respirando o
ar carregado de fumaça e veneno, Raymus acenara para que a tripulação de
Raddus embarcasse na corveta, levando amigos e desconhecidos para a
segurança.
Reconhecera uma das técnicas de Raddus – uma mulher de meia-idade que
se lançou em seus braços. Seu rosto estava queimado, mas ela pressionou
uma fita de dados contra a mão de Raymus e se afastou.
– Conseguimos aquilo que queríamos – a mulher disse. – Você precisa
decolar. Ordens do almirante.
Raymus quis discutir. Em vez disso, fez questão de embarcar a mulher
queimada na Tantive IV. Depois deu as costas para os bravos rebeldes que
permaneceram na Profundidade e seguiu para a ponte.
A Tantive IV não estava pronta para voar, mas voou. A nave emergiu dos
destroços incendiados do cruzador e acelerou para longe de Scarif. Por alguns
poucos segundos de paz, seguiu pelo espaço sem nenhum problema. Mas
então a nave sacudiu novamente, estrondos ecoaram e faíscas voaram. De sua
estação na ponte, Raymus sentiu o cheiro de circuitos derretendo.
– Destróier Estelar se aproximando! – gritou o oficial do console tático.
Raymus não reconheceu o rosto – era um dos homens de Raddus.
Apagou o medo de sua própria expressão.
– Salte para o hiperespaço – ele disse. – Certifique-se de travar a escotilha
pressurizada. E preparem as cápsulas de fuga.
A Tantive IV podia saltar para fora do sistema, mas ainda precisava de
reparos e seria perseguida. Era melhor não arriscar.

Ainda segurando a fita de dados, Raymus viu uma figura vestindo túnica
branca perto da entrada da ponte. Aproximou-se da mulher e disse, com um
tom respeitoso:
– Alteza. A transmissão que recebemos…
A mulher olhou em sua direção. Raymus já tinha visto seu rosto muitas
vezes, o conhecia bem. Era jovem, parecia mais jovem a cada dia, mesmo
com suas responsabilidades crescendo e crescendo.
Ele estendeu a mão. Dedos quase infantis tomaram a fita de dados.
– O que é que nos enviaram? – ele perguntou.
A Princesa Leia Organa olhou para o capitão como se ele tivesse lhe dado
mais um fardo – outra responsabilidade no meio de tantas –, mas ela se sentiu
orgulhosa disso.
– Esperança – ela disse.
Raymus acreditou nela.
DADOS COMPLEMENTARES: IN MEMORIAM

[Documento #MS8619 (“Reflexões não publicadas sobre Jyn


Erso”), dos arquivos pessoais de Mon Mothma (via Coleção de
Hextrophon).]

Lamento dizer que me encontrei com Jyn apenas duas vezes. Dizer
que eu a conhecia seria um insulto para a jovem mulher cujo fervor
cativou tantos. Por outro lado, falar apenas de seu efeito em nosso
movimento – recontar mais uma vez o discurso que fez para a
Rebelião e nossa transformação de uma coalisão desconfiada para
uma nação unificada – seria redundante e um insulto.
Então não creia em minhas palavras. Posso contar sobre aqueles
dois encontros e aquilo que enxerguei nela – ou aquilo que, em
retrospecto, eu me lembro de ter enxergado nela, o que pode estar
muito longe da verdade. Você pode encontrar mais uma ex-senadora
desconfiada do que a própria Jyn Erso em meu relato.
Jyn estava algemada quando nos encontramos pela primeira vez,
antes da Operação Fratura. Eu conhecia seu arquivo e a escolhi para a
missão por razões pelas quais gostaria de poder me orgulhar.
Esperava encontrar uma garota problemática que fora injustiçada pela
Aliança de centenas de maneiras diferentes: injustiçada por Saw,
injustiçada por aqueles de nós que conheciam Saw, injustiçada
quando partiu para agir sozinha e injustiçada por nossa incapacidade
de salvar seu pai ou sua mãe. Esperava que ela pudesse ser persuadida
(e com isso acho que eu queria dizer manipulada) a nos ajudar e, ao
fazer isso, nós também a ajudaríamos.
Mas a mulher que encontrei na Base Um não podia ser manipulada.
Existem poucas pessoas cuja força de vontade e ferocidade são tão
grandes que atraem todos ao redor. Já conheci algumas delas que
cultivaram esse talento como políticos e generais, para o bem ou para
o mal. Jyn, eu acho, nunca soube do efeito que causou nos outros –
nunca percebeu a intensidade de sua própria humanidade ou a
presença que trazia para uma sala. Ela era, como esperado,
problemática e arredia – também era impossível de ignorar ou
esquecer.
Em sua curta vida, Jyn encarou intermináveis dificuldades e se
tornou ela própria difícil. Mas seu fogo brilhava forte.
Se nosso primeiro encontro foi breve, o segundo foi ainda mais.
Trocamos um punhado de palavras em particular quando ela
informou o Alto Comando da Aliança sobre a ameaça da Estrela da
Morte, e a mulher que encontrei então era muito diferente daquela
que aparecera algemada em Yavin 4. Estava em paz? Creio que não.
Mas se portou com uma determinação renovada.
Virou moda em alguns lugares dizer que Jyn Erso seguiu para
Scarif com a intenção de se tornar uma mártir – que percebera que
havia perdido tudo e escolheu seu caminho por causa de seu fim
inevitável. Contestarei essa afirmação até o fim dos meus dias. Acho
que Jyn conhecia totalmente quem ela era e buscou uma maneira de
canalizar seus melhores e piores impulsos, seus momentos mais
sombrios e os mais iluminados, para uma causa digna de sua
verdadeira incandescência.
Em um universo mais bondoso, ela teria escapado de Scarif. Não
posso imaginar em quem ela se transformaria, mas acho que seria
uma pessoa extraordinária.
Sou grata por tê-la conhecido, por menor que tenha sido nosso
tempo juntas.

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