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Rogue One: uma história Star Wars é uma obra de ficção. Todos os nomes,
lugares e situações são resultantes da imaginação dos autores ou empregados
em prol da ficção. Qualquer semelhança com eventos, locais e pessoas, vivas
ou mortas, é mera coincidência.
Tradução Diagramação
Felipe CV Vieira Francine C. Silva
Preparação
Alexander Barutti
F93r
Freed, Alexander
Rogue One : uma história Star Wars / Alexander Freed;
baseado em uma história de John Knoll e Gary Whitta;
roteiro escrito por Chris Weitz e Tony Gilroy; tradução de
Felipe CF Vieira. – São Paulo:
Universo dos Livros, 2019.
384 p.
ISBN: 978-85-503-0339-0
Título original: Rogue One: a Star Wars story
19-0467
HÁ MUITO TEMPO, EM UMA GALÁXIA MUITO, MUITO DISTANTE…
PRÓLOGO
GALEN ERSO NÃO ERA UM BOM FAZENDEIRO. Esse era apenas um de seus muitos
defeitos, mas era a principal razão de ainda estar vivo.
Um homem com os talentos mais diversos – um Galen diferente, um Galen
que conseguia intuir quais colônias de plantação cresceriam em solos de
mundos alienígenas, ou que conseguia enxergar um tronco apodrecido sem
precisar arrancar a casca – teria logo se entediado. Sua mente, deixada em
desuso nos campos, teria se voltado para assuntos aos quais havia renunciado.
Esse Galen, conscientemente ou por hábito, teria buscado o mesmo trabalho
que causara seu exílio. Teria observado o coração das estrelas e formulado
teoremas de significância cósmica.
Com o tempo, teria chamado atenção de alguém. Suas obsessões
certamente causariam sua morte.
Porém, um fazendeiro sem talento nunca ficava à toa; então o verdadeiro
Galen, aquele que habitava a realidade em vez da fantasia, não tinha
problema algum em preencher seus dias em Lah’mu sem sucumbir à
tentação. Tomava amostras de bactérias em pedregulhos deixados para trás
por vulcões pré-históricos e observava, maravilhado, o mar verdejante da
grama alta e do musgo rasteiro que parecia brotar de todas as superfícies.
Analisava as intermináveis montanhas de seu território e se sentia agradecido
por ainda precisar dominar sua nova profissão.
Construiu esses pensamentos como uma equação enquanto olhava pela
janela, passando por suas fileiras ordenadas de milho-do-céu que brotavam e,
em seguida, na direção do solo negro da praia. Uma pequena garota brincava
perto das fileiras, enviando seu soldado de brinquedo a aventuras pela terra.
– Ela está cavando de novo? Juro que não aprendeu comigo as palavras
mineração a céu aberto, mas vamos acabar sem comida se ela continuar
assim.
As palavras romperam lentamente a concentração de Galen. Quando as
ouviu e as entendeu, ele sorriu e sacudiu a cabeça.
– Os droides agricultores vão reparar o dano. Deixe-a brincar.
– Ah, não tinha pensado em fazer absolutamente nada mesmo. Essa garota
é toda sua.
Galen se virou. Os lábios de Lyra se curvaram até formar um sorriso. Ela
começara a sorrir de novo a partir do dia em que deixaram Coruscant.
Ele começou a responder quando o céu retumbou com um estrondo
diferente de um trovão. Uma parte da mente de Galen se concentrou apenas
em sua esposa diante dele e em sua filha na praia. A outra porção processou a
situação com precisão mecânica. Começou a andar sem estar consciente
disso, passando por Lyra, a mesa bagunçada da cozinha e o sofá gasto que
cheirava a loção pós-barba. Passou por uma porta e apanhou um dispositivo
que podia ter sido construído no ferro-velho de uma civilização de máquinas
– telas rachadas e fios expostos, prestes a se despedaçar ao menor toque.
Ajustou um botão e estudou a imagem na tela.
Um transporte estava aterrissando em sua fazenda.
Especificamente, uma nave T-3c classe Delta, toda angular e metálica. A
nave freneticamente emitia varreduras ativas da paisagem enquanto suas
largas asas se dobravam para a aterrissagem e os motores subluz diminuíam o
empuxo. Galen estudou as leituras associadas com a aterrissagem e deixou as
especificações se assentarem em sua memória – não porque pudessem ser
úteis, mas porque queria procrastinar por um momento para não ter de
encarar as implicações do que estava vendo.
Fechou os olhos com força e deu a si mesmo três segundos, dois, um.
Então era hora de aceitar que a vida de sua família em Lah’mu havia
acabado.
– Lyra – ele disse. Galen assumiu que ela estava perto, mas não se virou
para olhar.
– É ele? – ela perguntou. Lyra pareceu não estar com medo, algo que
assustou Galen mais do que qualquer coisa.
– Não sei. Mas temos que…
– Vou começar – ela disse.
Galen assentiu sem tirar os olhos do console.
Ele não era propenso ao pânico. Sabia o que precisava ser feito. Havia
ensaiado naqueles raros dias em que a fazenda cuidava de si mesma, ou
naquelas noites menos raras nas quais o sono lhe escapava. Tais preparações
eram as únicas obsessões que ele se permitia. Galen se virou para outra
máquina, digitou um código e arrancou uma série de cabos da parede com
rápidos puxões. Começou outra contagem regressiva em sua cabeça; se a
formatação de dados não se completasse em cinco minutos, começaria a
destruir fisicamente os componentes.
Ouviu passos na porta da frente, rápidos e leves. Virou-se para ver Jyn
correr para dentro, com os cabelos castanhos e o rosto sujos de terra. Ela
deixara o brinquedo no campo. Galen sentiu um aperto inesperado e temeu –
absurdamente, ele sabia – que a perda do Stormy causaria angústia para a
pequena garota quando estivesse longe da fazenda.
– Mamãe…
Lyra se afastou da pilha de roupas, datapads e refeições portáteis que havia
juntado sobre uma cadeira e se ajoelhou diante da garota, cujas feições
pálidas e magras espelhavam as suas próprias.
– Nós sabemos. Vai ficar tudo bem.
Galen se aproximou e esperou até sua filha perceber sua chegada. Falou
suavemente, mas com um tom sóbrio.
– Junte suas coisas, Jyn. Chegou a hora.
Ela entendeu, é claro. Sempre entendia quando era importante. Mas Galen
não tinha tempo para se orgulhar.
Voltou para suas máquinas enquanto Jyn corria para seu quarto. A
formatação de dados não estava completa. Havia outros arquivos com os
quais também precisava lidar, arquivos que deveria ter apagado em
Coruscant, mas que acabou trazendo consigo para Lah’mu. (Por que fizera
isso? Nostalgia? Orgulho desmedido?) Abriu uma gaveta cheia de partes de
droides e removeu o braço de uma unidade agricultora. Abriu um pequeno
painel, mergulhou dois dedos entre fios e extraiu um datachip.
– O scrambler, por favor? – ele disse.
Lyra passou uma esfera de metal do tamanho da palma de sua mão. Ele
inseriu o datachip e – antes que pudesse hesitar – pressionou o botão. A
esfera se aqueceu e produziu um cheiro parecido com o de cabelo queimado.
Galen a jogou na gaveta de velharias e sentiu um aperto no estômago.
– Se faltou alguma coisa, seja rápido. – As palavras de Lyra foram
apressadas. Uma luz piscava mais rápido no console do sensor.
– Programe o ponto de encontro e leve a Jyn – ele disse. – Vou terminar
aqui.
Lyra abruptamente parou de checar sua pilha de provisões.
– O plano não era esse, Galen.
– Encontrarei vocês lá.
– Você tem que vir junto.
Os olhos dela estavam endurecidos. Por favor, sorria, ele pensou.
– Tenho que ganhar tempo para vocês – ele disse.
A luz do sensor se apagou. Uma falha parecia improvável.
Lyra apenas continuou olhando para Galen.
– Apenas eu posso fazer isso – ele disse.
Era um argumento impossível de rebater. Lyra não tentou. Ela correu para
a cozinha e digitou no comunicador enquanto Galen seguia para o quarto de
Jyn. Ele teve apenas um vislumbre das palavras de Lyra: “Saw – aconteceu.
Ele veio atrás de nós”.
Jyn esperava com sua bolsa abarrotada aos pés. Galen analisou o conteúdo
restante do pequeno quarto: alguns brinquedos, a cama. Fácil de esconder.
Suficiente para ganhar mais alguns minutos. Tirou uma boneca do caminho
antes de voltar para a porta.
– Jyn. Venha aqui.
Considerou o que poderia dizer; considerou que impressão queria deixar
para Jyn se tudo terminasse em desastre.
– Lembre-se… – falou com um cuidado deliberado, querendo marcar as
palavras nos ossos dela. – Seja lá o que eu fizer, farei para proteger você.
Diga que entende.
– Eu entendo – Jyn disse.
E dessa vez, é claro, ela não entendia. Que garota de oito anos entenderia?
Galen ouviu sua própria tolice, seu ego ecoando na voz dela. Ele a abraçou,
sentiu o pequeno corpo quente da filha contra o dele e pensou em uma
memória melhor para deixar com ela.
– Eu amo você, Poeira Estelar.
– Eu amo você também, papai.
Isso seria o suficiente.
Olhou para sua esposa, que esperava ao lado.
– Galen – ela começou a dizer, sem resquício da aspereza de antes.
– Vão.
Ela obedeceu, persuadindo Jyn a segui-la. Galen se permitiu o luxo de
observar e ouviu sua filha oferecer um último “papai?” confuso. Então elas
deixaram a casa e ele retomou seu trabalho.
Galen coletou objetos fora de lugar – mais brinquedos, roupas de Lyra,
louça suja na cozinha – e os escondeu em lugares que ele e Lyra haviam
preparado muito tempo atrás. Checou a formatação de dados não finalizada,
retornando seus pensamentos para a contagem regressiva mental. O prazo de
cinco minutos já fora ultrapassado em alguns segundos. Isso significava que
poderia se manter ocupado enquanto esperava seus visitantes.
Quando Galen ouviu vozes abafadas se aproximando da fazenda, duas de
suas unidades caseiras de processamento de dados soltavam uma fumaça acre
enquanto seus circuitos derretiam. Ele saiu pela porta da frente para receber
os recém-chegados sob o céu nublado.
Um pelotão vestindo branco fosco e negro brilhante avançava na direção
de sua casa. O líder era um homem magro da mesma idade de Galen,
vestindo um imaculado uniforme cor de marfim, com o queixo erguido e
movimentos rígidos. A brisa não desmanchava seu cabelo claro debaixo do
quepe. Seus comandados vestiam armaduras como a carapaça de um
escaravelho e empunhavam pistolas e fuzis como se prontos para a guerra. Os
soldados pisavam quando seu líder pisava, acompanhando seu ritmo; para
Galen, pareciam existir apenas como extensões de seu superior.
O homem de branco parou a menos de três metros.
– Você é um homem difícil de encontrar, Galen – ele disse, não muito
contente.
– A ideia era essa. – Galen também não estava sorrindo, embora até
pudesse. Poderia deixar o céu e a fazenda desaparecerem, poderia deixar os
soldados se tornarem sombras e poderia lembrar-se de um oficial em
particular de Coruscant; poderia permitir a si mesmo acreditar que estava
mais uma vez trocando provocações com seu amigo e colega, Orson Krennic.
Porém, não havia razão para nostalgia. Orson certamente sabia disso tanto
quanto ele.
Orson puxava suas luvas enquanto estudava os campos, torcendo o
pescoço de modo exagerado.
– Mas uma fazenda? Um homem com os seus talentos?
– É uma vida pacata – Galen respondeu.
– Solitária, imagino.
Com aquelas palavras, Orson havia declarado seu jogo e sua aposta. Não
surpreendeu Galen.
– Desde a morte de Lyra, sim – Galen disse.
O canto da boca de Orson tremeu, como se surpreendido.
– Meus sinceros pêsames. – Orson então fez um gesto para os soldados e
falou em um tom mais severo: – Vasculhem a casa e desliguem qualquer
máquina. Quero que sejam examinadas pelos técnicos.
Quatro dos obedientes soldados rapidamente seguiram para a porta. Galen
abriu caminho para que passassem.
– Imagino que você não preparou armadilhas, não é? – Orson perguntou. –
Nada que machucasse um patriota realizando seu trabalho?
– Não.
– Não. Sempre achei a sua consistência revigorante. Galen Erso é um
homem honesto, inalterado pelo estresse ou pelas circunstâncias.
Soldados gritavam entre si na casa atrás de Galen, e ele abafou um impulso
de se virar.
– Honesto, talvez. Mas ainda apenas um homem.
Orson ergueu a mão, cedendo ao argumento. Ele se moveu como se fosse
se juntar aos soldados dentro da casa, mas parou.
– Quando ela morreu? – ele perguntou.
– Dois, três anos, acho. Não é uma lembrança fácil.
– Era uma mulher maravilhosa. Forte. Sei que você a amava muito.
– O que você quer?
Aquelas palavras foram um erro. Galen mal escondeu seu estremecimento
quando ouviu a si mesmo, reconhecendo o tom irritado de sua voz. Quanto
mais atuasse, mais tempo Lyra e Jyn teriam para escapar. Mas estava se
tornando impaciente.
Orson respondeu despreocupadamente, fingindo a honestidade crua de um
homem cansado demais para mentir.
– O trabalho emperrou, Galen. Preciso que você volte.
– Tenho total confiança em você. Em seu pessoal.
– Não, não tem – Orson disse secamente. – Você nunca foi tão humilde
assim.
– E você confia muito pouco em sua própria capacidade – Galen replicou
calmamente. – Eu disse isso a você quando ainda éramos praticamente
crianças. Você podia ter feito tudo o que fiz, mas preferiu não se aprofundar;
preferiu pastorear pessoas em vez de nutrir as teorias. Sempre respeitei a sua
decisão, mas não deixe que ela estreite seu mundo.
Tudo isso era verdade. Tudo isso também era destinado a machucar Orson,
a forçar suas inseguranças. Galen manteve o tom de voz tranquilo, casual.
Talvez até de um jeito irritante demais. Mas a fúria de Orson não o assustava.
Ele temia foco, eficiência ou rapidez; não raiva selvagem.
Orson apenas tentou sorrir – um sorriso forçado que não se fez por inteiro.
– Você vai voltar.
Dane-se essa farsa. Galen endireitou as costas. Eles estavam chegando ao
fim da conversa.
– Não, não vou. Meu lugar agora é aqui.
– Cavando na terra com uma pá? Estávamos à beira da grandeza, Galen.
Estávamos muito perto de entregar a paz e a segurança para a galáxia.
Atrás de Galen veio o som de cerâmicas se partindo enquanto os soldados
continuavam a busca. Ele mentalmente catalogou pratos e vasos ornamentais,
depois dispensou a lista. Nada na casa importava.
– Você está confundindo paz com terror. Você mentiu sobre o que
estávamos construindo.
– Apenas porque você estava disposto a acreditar.
– Você queria matar pessoas.
Orson deu de ombros, sem se comover com o argumento.
– Temos que começar em algum ponto.
Galen quase riu. Lembrou-se de quando podia rir com Orson, em vez de
sentir nada que não fosse uma resistência vazia.
Sons de coisas quebrando dentro da casa. Mobília sendo despedaçada,
esconderijos revelados. Orson teria sua prova em questão de instantes.
– Eu não seria de nenhuma ajuda, Krennic. – Provoque-o. Negue qualquer
familiaridade. – Minha mente simplesmente já não é a mesma. – Ele agora
podia apenas falar, sem tentar persuadir, enraivecer ou fazer qualquer outra
coisa que não fosse ganhar mais alguns segundos, alguns preciosos
momentos para Lyra e Jyn. – A princípio, pensei que era apenas o trabalho.
Às vezes eu me sentava à noite, rememorando equações e teoremas, mas não
conseguia mais mantê-los na mente. Culpei a exaustão e a renúncia dos
hábitos de um intelecto focado… – Ele sacudiu a cabeça. – Mas é mais do
que isso. Agora acho difícil lembrar até as coisas mais simples.
Orson entrelaçou os dedos enluvados, os olhos brilhando com um
divertimento cruel.
– A sua filha, por exemplo? Galen, você é um cientista inspirado, mas um
péssimo mentiroso.
Orson não precisava que soldados relatassem uma cama extra ou um
brinquedo deixado nos campos. Não havia mais atrasos que Galen pudesse
criar, nenhuma esperança de esconder a presença de sua família em Lah’mu.
Rezou para que Lyra tivesse melhor sorte. Ela nunca o decepcionara.
Galen deixou até mesmo esse pensamento de lado para imaginar a filha
nos braços da esposa.
Lyra corria, os dedos envolvendo o frágil punho de sua filha. Puxava-a
sem delicadeza. Ouviu Jyn choramingar de dor, sentiu a garota cambalear
ao seu lado e desejou tomá-la nos braços, carregando-a em meio às rochas e
apertando-a contra o peito.
Desejou, mas não conseguiria carregar sua filha e se abaixar o suficiente
para tirar vantagem do esconderijo das colinas. Não conseguiria acrescentar
mais vinte e cinco quilos nos suprimentos que levava nas costas e ainda
manter a velocidade. Lyra amava sua filha, mas o amor não as salvaria hoje.
Lyra sempre foi a mais prática da família.
Maldito Galen, ela pensou, por nos mandar sozinhas.
Percebeu um movimento com o canto dos olhos, virou-se para confirmar
que não era o vento e então puxou Jyn para baixo, quando mergulhou no solo
úmido. Seu estômago já doía por causa da corrida. A terra fria causou uma
boa sensação em seu corpo, mas a testa formigava com suor e medo. Olhou
ao redor das rochas e avistou meia dúzia de figuras – soldados do Império
vestidos de negro e liderados por um oficial de uniforme branco – marchando
rapidamente na direção da casa.
Não, não apenas um oficial de branco. Orson Krennic liderava um
esquadrão da morte até a casa da fazenda. Na direção de Galen.
– Mamãe… – Jyn sussurrou, puxando sua mão. – Eu conheço aquele
homem.
Isso pegou Lyra de surpresa. Mas Jyn tinha a mente do pai, embora não as
obsessões. Sua memória era melhor do que a memória da própria Lyra.
Aquele é o amigo especial do seu pai, Orson, ela quis dizer. Ele é um
maldito mentiroso que se acha um visionário. Em vez disso, sussurrou:
– Shh. – E pressionou dois dedos contra os lábios de Jyn antes de beijar sua
testa. – Precisamos continuar. Não deixe que eles vejam você, certo?
Jyn assentiu. Mas parecia aterrorizada.
Elas começaram a se mover juntas, agachadas, tão rápido quanto possível.
Câimbras atingiram os quadris de Lyra quando conduziu Jyn ao redor da base
de uma torre de comunicação e parou novamente para olhar na direção da
casa. Não conseguia distinguir Krennic entre os soldados nem conseguia ver
se Galen havia saído, mas o grupo havia parado perto da porta. Lyra
repentinamente imaginou as figuras de armadura mirando lança-chamas,
reduzindo a casa a cinzas e metal carbonizado enquanto seu marido gritava lá
dentro…
Ela sabia que isso não aconteceria. Enquanto Krennic estivesse no
controle, Galen permaneceria vivo até bem depois que elas estivessem
mortas. Ele não teria alternativa a não ser trabalhar para aquele homem até
ficar velho e fraco, até seu intelecto começar a falhar e o Império determinar
que ele não era mais útil.
Lyra percebeu que havia tomado uma decisão.
Retirou a bolsa dos ombros e procurou dentro até encontrar aquilo de que
precisava. Deixou uma trouxa de roupas sobre a grama e tocou os ombros de
Jyn. A garota tremia. Ela encontrou os olhos de sua mãe.
– Você sabe para onde deve ir, não é? – Lyra perguntou. – Espere por mim
lá. Não saia de lá para ninguém, apenas para mim.
Jyn não respondeu. Lyra viu a umidade em seus olhos. Uma voz disse a
Lyra, se você a deixar agora, ela estará acabada. Você terá levado toda a
força que ela tem.
Mas Lyra havia se comprometido com aquele caminho. Seu marido
precisava dela mais do que sua filha.
Apressadamente levou as mãos à garganta, afastando o tecido áspero até os
dedos tocarem um frágil cordão. Tirou seu colar e observou o pingente
balançar na brisa. O cristal irregular e opaco estava marcado por uma
inscrição na lateral. Gentilmente, passou o colar sobre a cabeça de Jyn. A
garota não se mexeu.
– Confie na Força – Lyra disse, e forçou um sorriso.
– Mamãe…
– Eu estarei lá – Lyra sussurrou. – Agora, vá.
Ela envolveu Jyn nos braços – não demore muito, não dê tempo para ela
pensar – e virou a garota, empurrando-a para longe. Lyra observou a filha
cambalear entre as pedras, desaparecendo de vista.
Era hora de retomar o foco. Jyn estaria segura. Mais segura se Lyra fizesse
isso, ainda mais segura se tivesse sucesso. De qualquer maneira, estaria mais
segura. Olhou de volta para a casa da fazenda e para o grupo reunido na
frente da porta, então apanhou a trouxa de roupas e seguiu pelo caminho de
onde viera. Manteve o corpo abaixado e andou mais rápido enquanto via
quatro soldados entrarem na casa e revelarem Galen e Krennic juntos. Ouviu
levemente suas vozes. Krennic declarando com um tom meloso, temos que
começar em algum lugar.
Não esperava encontrar uma abertura tão rápido. Queria mais tempo para
planejar. Mas não havia garantia de que pegaria Krennic com menos guardas.
Endireitou-se e correu, apertando a trouxa contra o peito.
Krennic a viu primeiro, mas ele falou apenas para Galen.
– Ora, veja! Aqui está Lyra. De volta do mundo dos mortos. É um milagre.
Galen se virou em sua direção. Raramente viu uma dor tão grande em seu
rosto.
– Lyra… – Mas ele olhava atrás dela, procurando nos campos por Jyn.
Lyra quase quis sorrir.
Os soldados de preto ergueram as armas.
– Parem! – Krennic gritou.
Lyra deixou as roupas caírem de seus braços e ergueu o blaster que
escondia debaixo da trouxa. Mirou o cano na direção de Krennic, sentindo o
metal frio do gatilho sob seu dedo. Não olhou para os soldados. Se a
matassem, tudo que precisava fazer era mover o dedo.
Os soldados mantiveram as armas abaixadas. Krennic sorriu para Lyra.
– Encrenqueira como sempre.
– Você não vai levá-lo – Lyra disse.
– Não, é claro que não. Vou levar todos vocês. Você, sua filha. Todos
viverão com conforto.
– Como reféns.
Já vivera essa vida antes, ou quase isso. E não tinha desejo algum de vivê-
la de novo.
Krennic parecia imperturbável.
– Como “heróis do Império”.
Lyra ouviu a voz de Galen ao lado.
– Lyra. Abaixe a arma. – A preocupação em seu tom de voz pareceu um
peso sobre o braço dela, uma mão em seu punho. Mas ela manteve o blaster
erguido da mesma forma, ignorando o marido.
Krennic não sorria mais. Lyra deixou as palavras, as ameaças, saírem por
si só. Imaginara isso antes, fizera discursos em sua mente ao homem que
arruinara sua vida várias vezes, e a realidade disso, por sua vez, pareceu
como um sonho:
– Você vai nos deixar em paz. Vai fazer isso porque é um covarde
egomaníaco. Tenho certeza de que, se seus superiores o deixarem viver, você
vai nos perseguir de novo, e eu entendo. Mas, agora, você vai nos deixar em
paz. Está entendendo?
Krennic meramente assentiu e disse:
– Pense com muito cuidado.
Lyra sentiu a tensão dos soldados. Sabia, por algum motivo, que Galen a
olhava horrorizado. E repentinamente percebeu que havia subestimado a
covardia de Orson Krennic – percebeu que ele havia mudado desde os anos
em que se conheceram, ou que ela nunca o havia entendido, mesmo nos
velhos tempos.
Jyn ainda estaria segura.
Talvez ainda pudesse salvar o marido.
– Você nunca vai vencer – ela disse.
Krennic inclinou levemente a cabeça. Um gesto condescendente para uma
oponente em desvantagem.
– Atirem – ele disse.
Lyra puxou o gatilho, sentiu o blaster saltar ao mesmo tempo que viu os
lampejos ao seu redor e os tiros quentes atingiram seu peito. Ouviu os
disparos dos soldados apenas depois de sentir a dor – ferroadas quase
entorpecidas por todo o corpo, cada uma envolvida por um círculo de agonia.
Seus músculos pareceram vibrar como cordas de um instrumento musical.
Galen gritou seu nome, correndo em sua direção quando ela caiu, mas não
conseguia vê-lo. Tudo o que via era Krennic, agarrando um ombro
enegrecido e fumegante enquanto rosnava de dor.
Se Lyra pudesse gritar, não gritaria de dor, mas de raiva. Entretanto, não
podia gritar, e seguiu para a escuridão amargamente.
Seu último pensamento foi: queria que Galen não estivesse aqui para ver.
As últimas coisas que ouviu foram Galen gritando seu nome e uma voz
furiosa dizendo: “Eles têm uma filha. Encontrem-na!”. Mas já estava muito
longe agora para entender as palavras.
Jyn não era uma garota má. Ela não gostava de se comportar mal.
Quando seus pais diziam para fazer alguma coisa, Jyn quase sempre fazia.
Não rápido, mas eventualmente (quase sempre eventualmente). Ela não
merecia ser punida.
Sabia que não deveria ter ficado para ver sua mãe falar com o papai e o
homem de branco. Mas não poderia saber o que aconteceria. Não poderia
saber o que os soldados fariam…
Será que estavam falando dela? Será que era sua culpa?
Mamãe não se mexia. Papai a segurava nos braços. Jyn não conseguia
parar de chorar, mas segurou um grito porque tinha de ser corajosa.
Precisava ser.
Ela vira o quanto a mamãe estava com medo. Quem quer que fossem
aqueles estranhos, Jyn sabia que iam machucá-la também.
E sabia o que precisava fazer. Precisava se comportar agora. Precisava
consertar as coisas.
Respirava com dificuldade enquanto corria. Os olhos e o nariz escorriam, e
a garganta parecia inchada e irritada. Ouviu vozes a distância, vozes
eletrônicas como a de droides ou comunicadores abafados. Os soldados
estavam indo atrás dela.
Ela arfava com um som agudo que denunciaria sua posição. Seu rosto
parecia queimar o bastante para ser visto a quilômetros. Mas sabia para onde
estava indo. Papai havia tentado fingir que era um jogo em todas aquelas
vezes em que pediu a ela que corresse e encontrasse o esconderijo, mas ela
não era boba. Uma vez, Jyn perguntara à mamãe sobre isso; ela segurou a
mão de Jyn, sorriu e disse: “Apenas continue fingindo que é um jogo. Vai
fazer o seu pai se sentir melhor”.
Ela queria fingir agora, mas era difícil.
Jyn encontrou o lugar que papai havia mostrado entre a pilha de rochas.
Arrastou a escotilha encrustada na pedra até abri-la, quase sacudindo forte
demais para soltá-la. Uma escada lá dentro levava ao compartimento inferior,
mas Jyn permaneceu na escotilha e a fechou. Uma faixa de luz escapava da
abertura, iluminando a penumbra empoeirada.
Puxou os joelhos até o peito e cantou uma das canções de sua mãe,
balançando para a frente e para trás, ignorando o rosto manchado de lágrimas
e as mãos sujas. Aquilo também fazia parte do fingimento. Tudo o que tinha
para fazer era esperar. Era tudo o que lhe ensinaram a fazer no esconderijo.
Mamãe ou papai a buscariam.
Sentiu cheiro de fumaça, e a fumaça ardeu seus olhos mais do que as
lágrimas. Podia ver as formas dos soldados se movendo entre as rochas, mas,
embora passassem repetidamente por ali, não notaram a escotilha. Não
enxergavam seu abrigo. Quando a luz do dia começou a diminuir, eles foram
embora e Jyn desceu a escada.
O compartimento inferior era pequeno demais para ser confortável, e as
caixas de comida, máquinas e suprimentos apertavam ainda mais o local, mas
ela podia se sentar. Jyn encontrou uma lanterna e observou a luz trepidar pela
noite enquanto ouvia os estrondos de uma tempestade lá fora e o respingar da
chuva na colina acima. Tentou pegar no sono, mas não conseguia dormir por
muito tempo – gotas de chuva invadiam a caverna e pingavam em sua testa e
nas mangas da roupa, não importava qual posição adotasse.
Até seus sonhos eram sobre pingos insistentes. Ataques molhados e
aleatórios. Em seus sonhos, às vezes mamãe caía quando os pingos da chuva
atingiam Jyn.
Quando veio a manhã, Jyn acordou com o som de metal raspando acima
dela. Por um instante, confundiu sonhos com a realidade e pensou que
mamãe ou papai haviam finalmente chegado – acreditou que o que vira no
dia anterior era um pesadelo e que aquilo era mais um dos jogos do papai.
Mas apenas por um instante.
Olhou para cima. A escotilha se abriu e a silhueta de uma figura de
armadura, com um rosto sombrio e marcado por cicatrizes, apareceu. O
homem olhou para Jyn com olhos que brilharam sob a luz da lanterna e falou
com uma voz autoritária:
– Venha, minha criança. Temos uma longa viagem pela frente.
Orson Krennic observava Galen a bordo do transporte e imaginou
quando o homem finalmente soltaria a maca onde o cadáver de sua esposa
estava estirado.
– Nós a levaremos para casa – Krennic disse. – Eu prometo.
Galen não disse nada e acariciou a mão da esposa.
O que mais eu esperava?, Krennic se perguntou.
Lyra teria sobrevivido, não fosse sua tolice. Krennic havia arriscado a vida
por Galen e sua família, dado todas as oportunidades para Lyra recuar em vez
de imediatamente sinalizar para que seus soldados atirassem. Essa teria sido a
aposta mais segura – seus troopers da morte eram homens cruéis que, se
fosse decisão deles, teriam acabado com o impasse de uma forma muito
menos clemente.
Ela atirou nele!
Krennic havia tentado poupar Lyra para o próprio conforto de Galen,
considerando que um gênio trabalhava melhor sem distrações – e, sim,
também por um desejo de honrar a cordialidade, até mesmo a amizade, que
ele e Galen uma vez compartilharam. Porém, o autoexílio havia mudado
Galen: ele não era mais um homem de contemplação fria, capaz de interpretar
fatos sem preconceitos. Qualquer coisa que Krennic dizia, toda ação que
tomava, era interpretada por Galen como o plano implacável de alguém
sedento por poder.
Isso irritava Krennic – é claro que irritava, ter aquela conexão de anos tão
prontamente dispensada –, mas ele podia usar isso. Se Galen se recusasse a
se reajustar (talvez um homem que mudou tanto uma vez poderia mudar
novamente?), então Krennic poderia bancar o monstro para assegurar sua
cooperação.
O curativo ao redor do ombro imobilizava seu braço. Precisaria de
semanas, talvez meses para se recuperar totalmente, com sabe-se lá quantas
horas imerso em tanques bacta. A dor seria considerável depois que o efeito
dos analgésicos passasse, mas ele poderia perdoar isso – a perda de tempo, no
entanto, não.
Qualquer dívida que tivesse com Galen agora estava quitada.
– Nós encontraremos a criança – ele disse, mais insistente.
Galen não tirou os olhos do corpo de Lyra (outro presente de Krennic –
quem mais a levaria para um funeral apropriado?)
– Acho que, se você ainda não a encontrou – Galen murmurou –,
dificilmente encontrará.
Krennic desdenhou, mas havia verdade naquelas palavras. Jyn claramente
havia recebido ajuda externa – o sinal enviado da fazenda sugeria isso – e
Krennic não estava preparado para subestimar a competência do salvador da
criança. Esperava que a investigação das estações de comunicação, por mais
que Galen as tivesse danificado, revelasse os detalhes: os resultados
determinariam como conseguiu virar a situação a seu favor.
Se Galen não tivesse certeza do destino de sua filha – se enviara um sinal
genérico de socorro ou oferecera uma recompensa para todos os
contrabandistas ou caçadores de recompensas na região –, então a
perseguição obstinada de Krennic pela garota incentivaria Galen a cooperar.
Galen nunca admitiria, é claro, mas ficaria aliviado pela certeza de saber que
a filha estava nas mãos do Império.
Por outro lado, se Galen sabia exatamente quem havia resgatado Jyn, então
talvez fosse melhor deixar essa questão de lado e usar a ameaça da
interferência Imperial como ímpeto para colaboração.
Tudo isso, Krennic percebeu de repente, era preocupação para outro dia.
Estivera tão consumido por sua missão que acabou não apreciando a própria
vitória.
Após uma longa busca, Galen estava novamente em suas mãos. Os
contratempos científicos, os problemas de engenharia que afligiam as equipes
de Krennic, logo desapareceriam. A constante interferência de homens como
Wilhuff Tarkin – burocratas sem nenhum entendimento do tamanho das
conquistas de Krennic – logo cessaria. Aquelas eram verdades dignas de
celebração.
Krennic sorriu para Galen e sacudiu levemente a cabeça.
– Sua esposa será honrada. O funeral será logo após chegarmos a
Coruscant. Mas enquanto isso… podemos discutir o trabalho?
Galen finalmente se virou e olhou para Krennic com desprezo.
Então, quase imperceptivelmente, ele assentiu.
DADOS COMPLEMENTARES:
ATUALIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA
– ALIANÇA REBELDE
EM ALGUM LUGAR DENTRO DO CÉREBRO de Jyn havia uma caverna isolada por
uma pesada escotilha de metal. A caverna não era para proteção. Era onde
guardava as coisas das quais já estava cheia, mas que não conseguia esquecer
completamente: a Rebelião. Saw Gerrera. Pessoas e lugares enterrados no
escuro por tanto tempo que ela mal reconhecia seus nomes como algo mais
do que cruéis impulsos doloridos.
Detestava a caverna e tudo dentro dela. E todos que sabiam sobre a
caverna. Não era real, claro, embora uma vez a tivesse descrito para uma
pessoa – alguém em quem confiava – e admitido o que a imagem significava
para ela. Jyn imediatamente se arrependera e jurara mantê-la em segredo para
sempre desde então. Agora a granada que havia destruído a porta do
transporte de prisioneiros também havia exposto a escotilha – eliminando o
solo que a cobria, expondo-a para Jyn e o mundo.
Na longa e angustiante viagem saindo de Wobani, o computador de
navegação do U-wing falhou, forçando seus salvadores a pedir socorro a uma
frota de caças da Rebelião. Embora os X-wings estivessem lá para defendê-
los, Jyn se sentiu presa entre os rebeldes armados que a cercavam e a
escotilha dentro de sua mente.
Uma vez mais, ela não tinha escapatória.
Não estava calma quando saiu do hangar, mas estava mais calma. Seu corpo
estava todo machucado e dolorido, como na manhã após uma luta, mas
respirava sem dificuldade. Se não pensasse sobre aquilo – a missão, o
significado por trás da missão –, ficaria bem.
E, quando acabasse, poderia voltar para sua antiga vida. Poderia criar uma
nova vida. Encontrar algum lugar longe da Aliança Rebelde, longe de Saw
Gerrera e de Galen Erso e…
Não pense sobre isso.
– Capitão Andor – uma voz chamou.
Cassian parou no meio do caminho atrás de Jyn, olhou na direção do
hangar e avistou a fonte do chamado – o general de cabelos ruivos que estava
no bunker, aquele cheio de comentários sarcásticos e rosnados em vez da
senilidade de seu parceiro.
– General Draven – Cassian murmurou. – Espere um momento.
– Sem pressa – Jyn disse.
Cassian correu até a rampa de embarque de um maltratado transporte U-
wing, tirou a bolsa que levava nos ombros, depois correu de volta na direção
de Draven. Jyn seguiu seu caminho até a nave, avaliando superficialmente o
transporte. Embora a base em si fosse maior, mais movimentada e mais bem
equipada do que qualquer coisa que tivesse visto da Aliança Rebelde, o U-
wing se alinhava com suas expectativas. Igual àquela que havia tirado Jyn de
Wobani, a nave parecia um conjunto de motores com um compartimento de
carga acoplado, mantido e reparado por um droide com pistões em vez de
mãos.
Ela já embarcara em coisas piores.
– Jyn Erso! Pseudônimo Liana Hallik, prisioneira seis-dois-nove-cinco-
alfa!
Vacilou – outra vez – ao ouvir seu nome. Teria de se acostumar com
aquilo.
Olhou pela rampa de embarque até a cabine principal. Agigantando-se
sobre o console de comunicações estava o droide de segurança marcado com
símbolos do Império que havia capturado Jyn em Wobani.
– Sou K-2SO – ele continuou, com uma alegria que Jyn podia apenas
interpretar como ameaçadora. – Sou um droide Imperial reprogramado.
– Eu me lembro de você – ela disse.
Jyn ouvira histórias terríveis sobre droides reprogramados – sobre
salvaguardas que se recuperavam, velhos códigos que repentinamente
ressurgiam por razões que ninguém explicava. Mas não ficou muito
preocupada – se a programação de K-2SO fosse reativada, os membros mais
importantes da Aliança Rebelde seriam sua maior prioridade. Jyn, uma
prisioneira em fuga recrutada para a missão, só seria estrangulada depois do
segundo ou terceiro rebelde, no mínimo.
– Imagino que sua presença indica que vai se juntar a nós em nossa viagem
para Jedha – o droide continuou. Uma afirmação, não uma pergunta.
– Aparentemente, sim.
– Isso é uma má ideia. É o que eu acho. E Cassian concorda. Mas por que
minha opinião seria importante? Minha especialidade é apenas análise
estratégica.
Jyn mal estava ouvindo. Dera as costas para o droide, olhando do outro
lado do hangar para onde Draven e Cassian conversavam. Estavam perto
demais um do outro, para que não fossem ouvidos pelos pilotos e técnicos
que passavam por ali.
Para sua surpresa, Jyn percebeu que confiava em Draven: ele era um
cretino, mas isso fazia dele alguém previsível. Cassian – o agente da
inteligência, o espião, o mentiroso casual – poderia se tornar um problema.
– Você consegue entender o que estão dizendo? – ela perguntou para K-
2SO, com um olhar sobre o ombro.
– Sim – o droide disse, depois voltou para a cabine do piloto.
É justo, ela pensou. Deixada sozinha na cabine principal, aproveitou a
oportunidade para examinar a bolsa de Cassian: nada além de equipamentos.
Armas, medpacs portáteis e intensificadores de sinais. Nenhuma holoimagem
de uma esposa atenciosa ou algum cobertorzinho de infância. Arrumava suas
malas de modo impessoal e prático.
Jyn apanhou uma pistola blaster, testou o peso e a empunhadura, depois a
guardou na cintura. Uma BlasTech A-180 não seria sua escolha, mas era
discreta e confiável. Quando Cassian retornou ao U-wing, Jyn seguiu para a
cabine do piloto. O droide, que ajustava botões no console de voo, a ignorou.
Ela ouviu a porta externa se fechar e selar.
– Você já conheceu o K-2? – Cassian perguntou.
– Encantador ele – Jyn disse.
Cassian deu de ombros de uma maneira jovial, como quem diz “fazer o
quê?”.
– Ele tem a mania de dizer qualquer coisa que passe por seus circuitos. É
um efeito colateral da sua reprogramação.
O sintetizador de voz do droide aumentou o volume, alto o bastante para se
fazer ouvir na cabine.
– Por que ela pode carregar um blaster – o droide perguntou – e eu não?
Jyn manteve as mãos longe da arma, mas mudou o peso do corpo para uma
postura defensiva quando Cassian disparou um olhar sobre ela.
– Eu sei como usar – ela disse.
– É disso que tenho medo – Cassian respondeu. Jyn observou o humor e a
cordialidade evaporarem em um instante. O olhar do espião calculista
emergiu. Ela sentiu certa satisfação amarga. – Entregue para mim.
– Estamos indo para Jedha. É uma zona de guerra. Você quer que eu
arrisque a vida para ajudar a encontrar Saw? – Ela deu de ombros. – A
confiança é uma via de mão dupla.
Cassian a encarou por mais um momento. O olhar calculista também
desapareceu, e Jyn não conseguia mais avaliar sua expressão. Ele também
encolheu os ombros e seguiu para a cabine do piloto.
Que belo começo, Jyn pensou, e foi procurar uma cama ou, na pior das
hipóteses, uma superfície com algum conforto. Não dormia desde Wobani,
naquela noite em que sua colega de cela havia prometido matá-la.
BODHI ACREDITAVA QUE SEU SOFRIMENTO acabaria logo. Que Saw Gerrera o
ouviria e o libertaria. Que os ferimentos em seus pés seriam tratados, as
algemas retiradas e o saco áspero puxado do rosto para que pudesse enxergar
e ouvir e respirar novamente.
Se não acreditasse nessas coisas, sabia que enlouqueceria.
Marchara com os rebeldes por quase todo o dia, apenas sabendo da
passagem do tempo pela luz do sol que atravessava o tecido que envolvia sua
cabeça. Depois do deserto, eles entraram em um tipo de abrigo – uma
construção ou uma caverna onde o fraco calor do sol desapareceu. Agora
ajoelhava em um chão de pedra áspero e esperava. Ouviu corpos passando
por perto, passos distantes, vozes em salas adjacentes. Não tentou falar. Sua
boca estava seca.
Aqueles não eram os rebeldes que Galen Erso havia descrito: homens e
mulheres nobres cujo coração justo os levara a se opor aos horrores que
Bodhi testemunhara, aos feitos nos quais fora cúmplice. Em vez disso,
aqueles eram os rebeldes sobre os quais o Império sempre alertara: os
assassinos, os criminosos e terroristas que escondiam sua maldade em um
discurso patriota. Aqueles que enxergavam as mortes nos bombardeios de
espaçoportos como um pequeno preço a se pagar por pequenas vitórias.
Mas Saw Gerrera seria diferente. Tinha de ser diferente.
– Mentiras!
O urro fantasmagórico e rouco ecoou pela câmara. Junto com a voz veio
um tilintar metálico rítmico, como a batida de um pistão.
– Falsidades!
Não havia nada além de fúria naquela voz.
– Mostrem-me.
Uma exigência, brotando de profundezas terríveis.
Bodhi ouviu mais movimentos, girou o pescoço e tentou enxergar algo que
não fosse apenas silhuetas e costuras.
– Bodhi Rook. Piloto de cargas. – Mãos repentinamente pegaram Bodhi e
o ergueram. Teria caído, se as mãos não tivessem agarrado seus ombros. –
Garoto local – o fantasma zombou. – Mais alguma coisa?
– Isto estava com ele. – Uma segunda voz em outra língua. Bodhi
reconheceu o dono da voz como o Tognath com o respirador. – Um holochip.
Não criptografado. Foi encontrado em sua bota quando foi capturado.
Bodhi se lançou para a frente nas mãos de quem o segurava – não para
escapar, mas exigindo atenção.
– Eu estou ouvindo! Eles já entenderam! Eu estou assustado, vocês me
assustaram, mas ele não me capturou! Vim até aqui porque eu quis. – Não
sabia se podiam entendê-lo através do tecido. – Eu desertei – ele gritou por
trás do pano. – Eu desertei!
– Mentiras – o fantasma repetiu. – A cada dia, mais mentiras.
– Mentiras? – Bodhi estava quase gritando agora, violentamente puxando
ar através do saco para dar mais força à sua fúria. – Você acha que eu
arriscaria tudo por uma mentira? Não temos tempo para isso! Tenho que falar
com Saw Gerrera antes que seja tarde…
Alguém agarrou o saco e o puxou, arrancando-o e arrastando os óculos de
proteção de volta na testa de Bodhi.
Bodhi podia enxergar outra vez. Quase desejou que ainda estivesse cego.
Estava em uma sala – não uma caverna, mas uma câmara escavada em
rocha antiga e escassamente mobiliada como uma área de convivência. Três
de seus captores estavam por perto, enquanto um quarto homem, um
estranho, estava diante dele. Esse homem – o fantasma, Bodhi assumiu, o
dono da voz rouca e sinistra – tinha cabelos grisalhos e desarrumados e um
rosto cheio de cicatrizes. Apoiava-se em um cajado de metal para suportar o
peso que sua perna artificial não aguentava.
– Saw Gerrera? – Bodhi perguntou.
Dessa vez, ninguém riu.
Saw segurava um holochip entre os dedos. Bodhi assentiu na direção do
dispositivo.
– Isso é para você – ele disse. Ouviu a si mesmo tagarelar, protestar, não
conseguindo impedir o fluxo de palavras. – E eu entreguei isso a eles, eles
não encontraram comigo. Eu entreguei a eles. Galen Erso. Ele me disse que o
encontrasse.
Saw Gerrera deixou o cajado de lado e apanhou uma máscara de oxigênio
acoplada à sua armadura. Sem olhar para Bodhi, levou a máscara até o rosto,
inalou e devolveu a máscara no lugar.
Por favor, acredite em mim, Bodhi pensou. Ou talvez tenha dito em voz
alta; não tinha muita certeza.
Fiz isso por você. Fiz isso para fazer algo certo.
Saw virou a cabeça para sinalizar ao Tognath.
– Bor Gullet – Saw disse.
– Bor Gullet? – Bodhi perguntou.
E então o tecido raspou sua testa, nariz e lábios outra vez, e braços o
arrastaram para trás, girando-o para longe de Saw – para longe do homem
que fora enviado para encontrar, para longe da salvação e da redenção.
– Galen Erso me enviou! – ele gritou através do pano. – Ele me disse que
encontrasse você! – Bodhi disse, e outras coisas semelhantes, repetindo de
novo e de novo, e nada disso adiantou.
Em seu sonho, Jyn tinha cinco anos de idade – ou talvez quatro, ou talvez
seis; foi há muito tempo – e ela deitava na cama mais confortável que teria
em toda a sua vida. Abraçava Beeny (seu brinquedo favorito, seu melhor
amigo) contra o rosto, tão perto que os pelos de Beeny estavam úmidos com a
respiração de Jyn. Abraçou Beeny com mais força e escutou.
– Sejam quais forem as atrocidades que pretendem cometer, eles não têm
um movimento, não têm uma organização. Essa é a vantagem de ter
anarquistas como inimigos.
Jyn não entendia as palavras. Não gostava disso. Às vezes era legal deitar
no escuro (ela não tinha medo do escuro de jeito nenhum) ouvindo os adultos
conversando, mas hoje não era legal. Estavam conversando sobre brigar.
– Mesmo os Separatistas queriam mais do que apenas destruição. – Era a
voz da mamãe. – E, se eles já estão tão perdidos assim, como a criação de um
Império vai convencê-los? Estamos falando de…
– Estamos falando de um momento muito delicado em nossa história. – A
primeira voz de novo. Jyn rolou na cama, olhando através da porta para a
reunião na sala de estar: mamãe usando sua capa bonita, papai usando seu
uniforme cinza e o amigo do papai usando branco. Reuniam-se ao redor da
mesa de sobremesas, e o homem de branco estava servindo um drinque e
oferecendo encher as outras taças enquanto falava. – Se as pessoas
acreditarem no Império, a vitória militar sobre os vestígios dos Separatistas e
os descontentes será inevitável. Se as pessoas perderem a fé… – Mamãe
tentava interrompê-lo; o homem a impedia erguendo a mão. – … Bom, vocês
sabem o que aconteceu em Malpaz. Coruscant ficará bem, é claro, mas todos
nós vamos nos sentir culpados aproveitando essas refeições enquanto o
terrorismo prospera na Orla Exterior…
Mamãe riu. Não uma risada real, mas o tipo de risada forçada que ela
usava quando devia rir, mas não queria rir de verdade.
Papai olhou sobre o ombro para o quarto de Jyn, olhou para Jyn, e ela viu
que ele sabia que a filha estava olhando.
Mamãe falava outra vez quando papai se levantou e andou na direção de
Jyn. A menina puxou os joelhos, encolhendo-se em sua cama, como se
pudesse se esconder. Não queria que o papai fechasse a porta. Não porque
tivesse medo do escuro (ela não tinha medo do escuro!), mas porque queria
continuar ouvindo, ela merecia continuar ouvindo…
Papai não fechou a porta. Em vez disso, entrou e se sentou ao lado de Jyn,
na cama. Ela sentiu o colchão afundar.
– O que foi, Jyn? Você parece assustada – ele disse, e arrumou uma mecha
de seu cabelo. Ele cheirava igual seu uniforme, azedo e limpo.
– Sempre vou proteger você – ele murmurou.
E então o sonho mudou.
O corpo do papai perto dela não era mais do que uma sombra. Jyn estava
sozinha na caverna, fechando uma escotilha com força, prendendo a si
mesma no escuro. Mamãe era um cadáver na areia perto da casa da fazenda, e
Jyn não tinha nada. Até mesmo sua canção não emergia dos lábios – não
conseguia falar e os pulmões estavam cheios de fumaça, cinzas e terra.
– Por que as pessoas brigam? – ela perguntou, e estava de volta em seu
quarto, os horrores de seu futuro já esquecidos.
Papai levou um longo tempo para responder. Quando finalmente falou, foi
como se estivesse pensando sobre isso pela primeira vez.
– É uma boa pergunta – ele disse. – Meu amigo Orson diz que algumas
pessoas brigam porque estão com raiva. Mas eu acho… – Parou de falar e
cerrou os olhos. As vozes na outra sala continuaram. – Eu acho que,
geralmente, as pessoas não estão felizes e não concordam sobre como
melhorar as coisas.
Jyn observou seu pai, tentando entender aquela ideia.
– Talvez eles concordassem se parassem de brigar primeiro?
Papai olhou para ela com bondade nos olhos. Jyn achou que o surpreendeu,
de um jeito bom.
– Poeira Estelar. Nunca mude.
Inclinou-se para beijá-la na testa. Jyn o envolveu com os braços, sentiu seu
beijo e o uniforme que cheirava azedo se pressionando contra ela.
– Não vou – ela prometeu. Depois, mais suave: – Amo você, papai. Você é
um homem bom.
Papai retribuiu o abraço, em seu quarto na cidade e em seu quarto em
Lah’mu, os dois ao mesmo tempo. Com seu queixo no ombro dele, Jyn olhou
para a porta do quarto. Mamãe estava na sala de estar, observando os dois.
Sorriu muito gentilmente. Atrás dela estava o homem de branco.
Os braços ao redor dos ombros de Jyn se tornaram finos e ásperos como
fios. Agora mamãe estava na frente dela, colocando seu pingente de cristal ao
redor do pescoço de Jyn.
A escotilha se abriu e Saw Gerrera olhou para baixo.
Quando Jyn acordou, já não era uma criança e já não estava em uma cama
confortável de um apartamento em Coruscant. Sua mãe, seu pai e Beeny
haviam partido muito tempo atrás. (Beeny fora a primeira vítima de sua
guerra pessoal, sem nem chegar até Lah’mu.)
A escotilha, ela sabia, estava irreparavelmente quebrada.
O U-wing sacudiu enquanto Jyn, no escuro da cabine da nave, buscou o
cristal do colar de sua mãe contra o peito.
DADOS COMPLEMENTARES:
ESTAÇÃO DE BATALHA EM-1
SE JEDHA JÁ FORA MAIS DO QUE UMA LUA ROCHOSA ESTÉRIL, anos ou séculos atrás,
Jyn não podia ver agora. Não havia nada para ver do espaço – nenhum
grande oceano, nenhuma nuvem ondulante. Nenhum brilho de cidades feitas
de metal e vidro se espalhando como mofo pelos continentes. Apenas poeira
âmbar e desertos frios.
– Aí está Jedha – Cassian anunciou. – Ou o que restou dela.
Ventos atingiam o U-wing que penetrava a atmosfera, sacudindo a nave e
fazendo Jyn se segurar na porta da cabine do piloto. Foi o suficiente para
deixá-la nauseada – Cassian e o droide pareciam tranquilos –, e ela voltou
para a cabine principal para a aterrissagem. Imagens indesejadas de Saw
Gerrera, de Galen Erso (Meu pai está vivo. Meu pai é um desgraçado…)
surgiam em sua mente, derramando-se da escotilha e vagando atrás dos seus
olhos como parasitas.
Não podia se dar ao luxo de se sentar e pensar. Jyn enlouqueceria. Ignore a
náusea e faça algo útil, ela disse a si mesma.
Quando o transporte finalmente aterrissou em uma planície desértica, Jyn
já havia juntado tudo de que precisaria na superfície da lua: camadas de
tecido térmico – luvas, jaqueta e capuz – para espantar o frio; um par de
bastões de combate para lutas a curta distância; e uma bolsa cheia de
decodificadores, mapas e pacotes de ração, pois os havia encontrado no U-
wing e tinha uma bolsa vazia para encher. Enquanto Cassian e K-2SO ainda
estavam na cabine do piloto, ela saiu da nave e encontrou um lugar para
sentar, em uma pedra semelhante a uma faca de gelo.
De lá, olhou para o vale, na direção dos distantes muros da cidade – a
Cidade Sagrada, a Cidade de Jedha, NiJedha, dependendo do banco de dados
que você checar. Poeira e fumaça obscureciam torres e paliçadas, antigas
praças de pedra e mansões de cúpulas douradas. De muito longe, o
assentamento parecia uma pintura borrada de uma história que Jyn não
reconhecia. Tudo o que podia distinguir com certeza eram os transportes que
voavam como moscas perto da barriga de um Destróier Estelar Imperial que
flutuava no céu. Onde a cidade era áspera e decadente, o Destróier era
moderno e impermeável.
Cassian e o droide emergiram do U-wing atrás de Jyn, fazendo com que
pequenas pedras rolassem pela lateral da planície.
– Qual é a desse Destróier? – ela perguntou.
– O Império tem enviado essas naves desde que Saw Gerrera começou a
atacar seus transportes de cargas – Cassian disse.
Isso não surpreendeu Jyn. Você não detém Saw Gerrera só com alguns
caças TIE extras. Ela se perguntou se estava com orgulho ou simplesmente
resignada com a teimosia de Saw.
– O que eles estão trazendo? – ela perguntou.
– A questão é “o que eles estão levando”. – Cassian entregou um par de
quadnocs para Jyn. Ela ergueu o dispositivo até os olhos, vasculhou o
horizonte e deixou os sistemas de rastreamento automáticos focarem e
aproximarem um dos transportes. Viu meia dúzia de compartimentos de
carga coloridos com um laranja que significava perigo e acoplados na
estrutura dorsal, mas não avistou nenhuma marcação. – Cristais kyber –
Cassian continuou. – Todos os cristais que conseguirem extrair. Acreditamos
que o Império está usando isso como combustível para a arma.
– Um destruidor de planetas? – Jyn soou mais sarcástica do que queria.
– Você não acha que é real?
Jyn deu de ombros e devolveu os quadnocs.
– Pode ser. Sua chefe estava certa quando disse que isso parece uma coisa
que o Império faria…
– O ápice natural de tudo aquilo que o Imperador já fez – Cassian corrigiu.
Seus lábios se curvaram em um sorriso torto.
– Que seja. Não é surpresa o Império querer um destruidor de planetas.
Seria uma surpresa se funcionasse.
O droide falou com um tom otimista.
– Pode não funcionar. Não extraíram muito cristal até agora.
Jyn olhou para K-2 e suas marcações Imperiais.
– Talvez seja melhor deixar para trás o alvo aqui.
– Você está falando de mim? – o droide perguntou.
Cassian se endireitou e apertou a jaqueta diante do vento que aumentava.
– Ela está certa – ele disse. – Precisamos nos misturar. Fique com a nave.
– Eu consigo me misturar – K-2SO devolveu. Foi menos um protesto e
mais uma declaração.
Jyn riu.
– Com as forças do Saw? Ou com os Imperiais? Metade das pessoas aqui
quer reprogramar você. A outra metade quer colocar um buraco na sua
cabeça.
– Estou surpreso por você estar tão preocupada com minha segurança.
Jyn se voltou para a cidade e o vale, tentando adivinhar a distância que
teriam de cobrir. Você está levando muita coisa, ela decidiu, e então jogou a
bolsa para K-2SO.
– Não estou preocupada – ela disse. – Só estou pensando que nossos
inimigos podem errar você e me atingir.
Cassian já havia começado a andar. Jyn o seguiu. Quando o droide chamou
e disse “Não me parece uma má ideia”, ela fingiu não ouvir.
Eles alcançaram uma rua elevada cuja vista se abria para uma grande praça.
A sombra de um transporte aterrissando se espalhava sobre o chão enquanto
um esquadrão de stormtroopers espantava pessoas que dormiam na rua,
empurrando-as para as adjacências. Jyn ficou surpresa pela agressão – em um
local confinado, um esquadrão não conseguiria reprimir uma revolta – até ver
o tanque de assalto que dobrava a esquina para se juntar às forças Imperiais.
Seus canhões blaster poderiam demolir um quarteirão inteiro. Jyn não
duvidava que seus pilotos estivessem ansiosos por um desafio.
Seguros na parte traseira do tanque, havia os mesmos compartimentos de
carga que ela vira por meio dos quadnocs, longe da cidade. Os cristais kyber,
extraídos do solo ou roubados de cidades sagradas.
As estrelas mais fortes têm corações de kyber.
Jyn indicou os compartimentos para Cassian com a cabeça. A atenção dele
estava em outro lugar. Vasculhava os telhados, seu olhar voltando
periodicamente para os civis alinhados ao longo do limite da praça. Para um
olhar não treinado, aquelas pessoas apenas vestiam casacos e sobretudos
volumosos.
Quando Jyn percebeu o que estava acontecendo, ficou surpresa por os
stormtroopers ainda não terem disparado. Mas os Imperiais pareciam
completamente alheios – quase dava pena.
– Quanto falta até encontrarmos o seu contato? A irmã do homem de Saw?
– ela perguntou, quase sussurrando.
– Meia dúzia de quarteirões – Cassian murmurou. – Mas não acho que ela
vai ficar muito tempo por ali.
Um Duros enrugado subiu os degraus do nível inferior e passou por Jyn e
Cassian. Seus olhos insectoides evitavam o transporte, que agora estava no
chão, o tanque e todos os outros seres vivos ao redor.
– Diga que você tem um plano B – Jyn disse. – Ou prefere pedir algum
conselho para esses caras antes de o tiroteio começar?
– Precisamos sair daqui – Cassian pronunciou as palavras como se
estivesse praguejando.
Jyn não viu quem jogou a primeira granada. Ouviu o som do artefato
atingindo o pavimento apesar do barulho dos veículos, do burburinho nos
telhados e das ordens dos stormtroopers. Um lampejo de luz do sol chamou
sua atenção para a esfera de metal que quicou uma vez, rolou um metro na
direção do tanque, depois desapareceu em uma erupção de pedaços da rua,
fumaça e estilhaços. Sentiu o baque da explosão ressoar em seus dentes.
Ouviu uma dúzia de casacos e sobretudos sendo retirados ao mesmo tempo,
depois o clique surdo de pistolas e fuzis sendo preparados.
O ar ganhou o brilho pulsante de uma centena de disparos.
Centelhas quicaram em muros de pedra antiga. O cheiro nocivo de
armaduras de plastoide queimando e do ozônio da atmosfera vaporizada de
Jedha irritou o olfato de Jyn. Uma saraivada de tiros cruzou o nível superior
da praça – ela não sabia se começou com um stormtrooper ou um insurgente
– e Jyn reagiu instintivamente, correndo com Cassian para o frágil abrigo da
moldura de uma porta e apertando-se contra ele.
– Parece que encontramos os rebeldes de Saw – ela disse. Seu blaster já
estava em mãos. O dedo, sobre o gatilho.
Se Cassian respondeu, Jyn perdeu as palavras no meio da confusão. Tentou
analisar o campo de batalha, identificando cada combatente, mas o caos era
demais. Aquele não era mais seu tipo de luta; havia pessoas demais em cada
lado usando táticas em que há muito tempo ela já não pensava. Todo o
treinamento de Saw, os longos meses observando carnificinas holográficas e
os anos de emboscadas com seus soldados emergiram com toda a força em
seu cérebro. Avistou apenas momentos: um stormtrooper atingido no visor
enquanto recarregava o blaster; um rebelde sangrando nos degraus e
desesperadamente procurando abrigo; os canhões do tanque se erguendo,
mirando na direção de uma loja cujo teto apoiava um trio de rebeldes.
Debaixo do toldo da loja havia uma garota; dez anos de idade, no máximo.
Provavelmente uma peregrina, Jyn pensou. A garota tremia, olhando vidrada
para o combate. Totalmente paralisada.
Jyn saiu do abrigo da porta e correu para a loja. Cassian chamou seu nome,
mas para ela isso não significou nada.
Jyn não viu o tanque abrir fogo. Ela agarrou a garota, erguendo seu corpo
leve, e não parou de correr quando pedras voaram e fagulhas atingiram suas
costas como chuva. A fúria a fez seguir em frente, uma súbita repulsa que
esteve enterrada e esquecida sob a escotilha em seu cérebro: um horror
violento a Saw Gerrera, seu pessoal e o preço de suas táticas.
Jyn poderia ter chutado a mulher que apareceu na sua frente, se a garota
que carregava não tivesse se contorcido e girado, quase saltando para os
braços abertos dela. Jyn a soltou, ignorou a mulher falando e a dispensou.
Se ficar agrupada, você morre, ela pensou. O velho treinamento estava
retornando, afinal de contas.
Ela não estava exposta. Sabia disso. Vasculhou a praça, procurando um
abrigo e Cassian. Ela o avistou fora da porta onde se protegeram,
estupidamente, perigosamente perto do tanque, e percebeu que ele já a
avistara. Empunhava seu blaster e disparou uma série de tiros sobre a cabeça
dela. Jyn girou o pescoço a tempo de ver o alvo de Cassian: um rebelde
posicionado em outro telhado atrás dela.
Um instante depois, o alvo de Cassian e seus companheiros rebeldes
desapareceram no meio do fogo de uma explosão. Jyn podia apenas pensar
que um dos rebeldes estava mirando o explosivo nela.
Cassian atirou contra um dos rebeldes de Saw para salvar a vida dela. Jyn
achou que fosse ficar angustiada, dividida diante daquilo.
Mas não.
Correu na direção de Cassian. Agrupar realmente poderia matá-la, mas não
planejava ficar na praça e não gostava da ideia de ter de escapar de Jedha
sozinha. Saltou sobre Cassian quando outra granada atingiu o tanque. Jyn o
derrubou e o protegeu dos estilhaços de metal que voaram pelo ar.
Cassian a ergueu do chão e soltou um “Vamos!” sem fôlego. Ele não
agradeceu, e Jyn se sentiu grata por isso.
Pela primeira vez desde que cruzaram o deserto até a Cidade Sagrada,
Cassian notou o frio. A multidão nas ruas o mantivera aquecido pela maior
parte do dia; depois, durante o combate, o frio passou despercebido. Agora
que o pôr do sol se aproximava e sua camisa estava molhada de suor, notou
que tremia e que a sua respiração se condensava ao deixar seus lábios.
Se estava difícil para ele, Cassian podia apenas imaginar como Jyn
continuava de pé.
A necessidade em seus olhos dera lugar a uma raiva quase selvagem, um
instinto de sobrevivência que a guiava com uma assustadora certeza através
do caos. Mas, embora não duvidasse de seu estado de alerta, ela fisicamente
estava mais lenta. Os ferimentos que sofrera na luta com os stormtroopers
faziam-na estremecer a cada passo. Cassian também se perguntou se ela
sofrera uma concussão quando salvou sua vida na praça – a granada detonou
com uma força tremenda, e ela o protegera do pior da explosão.
Ela precisava de um droide médico. Uma chance para se recuperar. Em vez
disso, atravessava com Cassian e K-2 o labirinto do Quarteirão Sagrado, com
a cabeça baixa e a respiração forçada.
– Logo encontraremos abrigo – ele disse. Manteve os olhos adiante e a voz
calma. Duvidava que ela fosse responder bem à piedade.
De qualquer maneira, Jyn não argumentou. Cassian achou isso um mau
sinal.
Tentou se concentrar em coisas práticas. Precisavam escapar do Quarteirão
Sagrado antes que ele fosse isolado. Precisariam encontrar Saw Gerrera – e o
piloto – sem a ajuda do contato de Cassian. E, embora Jyn estivesse certa
sobre o pessoal de Saw não estar disposto a confiar neles, Cassian não
enxergava nenhum outro jeito.
Será que Saw Gerrera poderia deixar de lado as diferenças diante de um
destruidor de planetas? Parecia loucura ter de perguntar. Mas tudo indicava
que as desavenças entre Saw e a Aliança eram profundas, alimentadas por
anos de amargura que se transformara em violência; e Saw Gerrera não era
um homem que perdoava facilmente.
E transmitira isso a sua filha adotiva. Ou talvez fosse o contrário.
Jyn bloqueou o caminho de Cassian esticando o braço. De uma passagem
estreita demais para ser chamada de beco, eles observaram quando uma dúzia
de stormtroopers passou pela intersecção.
Cassian reconheceu uma rua lateral do outro lado.
– Aquela rua deve nos tirar do quarteirão – ele disse.
Jyn esperou a patrulha passar, depois prontamente correu na direção do
cruzamento. Cassian e K-2 a seguiram, mas pararam de repente quando Jyn
interrompeu a corrida. Bloqueando a rua lateral, em meio a uma pilha de
escombros, havia os destroços empoeirados de um caça X-wing.
Cassian praguejou. Não seria difícil escalar, mas ficariam expostos por
alguns preciosos segundos…
– Alto! Parem aí!
O trio se virou ao mesmo tempo na direção da voz. Os stormtroopers de
antes agora se espalhavam para bloquear a rota de fuga.
São muitos para enfrentar, Cassian pensou, mas sua mão tocou o blaster
mesmo assim. Seu cartucho de energia estava quase no fim, mas não havia
sentido em preservar seus tiros. Os ombros de Jyn caíram, porém encarava os
stormtroopers como se estivesse ansiosa para entrar na briga, contente por
não ter para onde fugir.
O líder do esquadrão acenou com a cabeça para K-2SO.
– Para onde você está levando esses prisioneiros?
Cassian sentiu algo muito parecido com esperança.
O droide encarou de volta o líder do esquadrão como se tentasse processar
uma resposta.
– Eles são prisioneiros – K-2 disse.
Cassian estremeceu. A sensação de esperança evaporou.
Mentalmente avaliou uma série de possibilidades. Talvez K-2 estivesse
tentando acessar algum programa comportamental do Império, mas sem
encontrar nada. Talvez algum protocolo desativado de lealdade Imperial
estivesse ganhando vida, graças a algum dano do hardware ou alguma
memória pessoal do líder do esquadrão.
Mais provavelmente, e o pior de tudo: K-2 era um péssimo mentiroso.
Sempre foi, desde a reprogramação. Honestidade brutal era seu estado
natural.
– Sim – o líder do esquadrão disse. – E para onde você os está levando?
– Estou levando – K-2 falava com um cuidado forçado – para aprisioná-
los. Na prisão.
Cassian canalizou sua irritação em um rosnado de raiva – um som que
rezou para que se parecesse com algo que um prisioneiro contrariado faria.
– Ele está nos levando para…
O droide golpeou o rosto de Cassian com seu braço metálico.
– Silêncio! – O golpe quase derrubou Cassian e deixou seu nariz e queixo
latejando de dor, o lábio quase rachado. K-2 se agigantou sobre ele. – E vai
ganhar outro se abrir a boca novamente!
– Nós cuidaremos deles a partir de agora – o líder do esquadrão disse.
Cassian tentou se concentrar enquanto os stormtroopers se aproximavam.
Eles empunhavam as armas, mantendo uma formação rígida, demonstrando
toda a disciplina de soldados Imperiais. Enquanto um deles apanhava duas
algemas, os outros ficaram de olho em Jyn, Cassian e o droide.
K-2 agora tagarelava.
– Não precisa. Se você puder me indicar a direção certa, eu mesmo posso
levá-los, tenho certeza. Já cuidei deles até agora…
Jyn olhou para Cassian e levou as mãos até seus bastões quando o soldado
com as algemas se aproximou. Cassian sacudiu a cabeça. Espere por uma
chance, ele disse apenas movendo os lábios, e Jyn parecia pronta para morder
quando o stormtrooper prendeu as algemas em seus pulsos. Alguns segundos
depois, Cassian também estava algemado.
– Ei – ele murmurou. – Ei, droide. Espere um pouco.
Por mais que os soldados suspeitassem, eles claramente não achavam que
K-2 fora subvertido. Se Cassian conseguisse deixar clara as suas intenções, o
droide poderia depois localizá-los na prisão, acessando o banco de dados do
Império para libertá-los.
Não era um bom plano, mas era um plano.
– Tire-os daqui – o líder do esquadrão disse. Os stormtroopers os cercaram
e se moveram em sincronia. Cassian sentiu um cano de fuzil empurrar suas
costas.
– Vocês não podem levá-los! – K-2 protestou.
– Você fica aqui – o líder disse. – Precisamos rodar o seu diagnóstico.
– Diagnóstico? Sou capaz de rodar meu próprio diagnóstico, muito
obrigado.
Não discuta, Cassian quis gritar. Lançou o olhar mais incisivo que
conseguiu sobre o droide, mas K-2 estava envolvido demais no debate com o
líder do esquadrão. Um stormtrooper empurrou Cassian e ele cambaleou para
a frente.
Se fossem capturados e a reprogramação de K-2 fosse descoberta, então
realmente não teriam uma saída. Poderiam afirmar que eram residentes da
Cidade de Jedha, mas isso não ficaria de pé em um interrogatório. Poderiam
dizer que eram desertores do grupo de Saw, mas não receberiam nenhuma
clemência.
Você estragou tudo, Cassian. E, dessa vez, vai ter de pagar o preço
pessoalmente.
Então uma voz gritou, firme e autoritária, e todos – stormtroopers,
prisioneiros e droide – pararam para olhar.
– Deixe-os seguir em paz!
CASSIAN ESTAVA CEGO SOB O capuz, mas, embora não tivesse os sentidos
sobrenaturais de Chirrut, ele sabia ouvir.
Durante a longa marcha saindo da Cidade Sagrada, ouviu atentamente seus
captores. Ouviu os códigos que murmuravam para aliados ocultos que lhes
concederam passagem para fora do assentamento e para dentro do deserto.
Ouviu quando ficaram confusos, depois a breve alegria e então o silêncio
sombrio quando o Destróier Estelar acima de Jedha encolheu no céu
crepuscular. Ouviu o Tognath afirmar calmamente:
– Saw saberá o que isso significa.
Ouvia a incessante cantoria de Chirrut (Que a Força dos outros esteja com
você. Que a Força dos outros esteja com você), abafada pelo saco na cabeça.
O efeito combinado parecia ao mesmo tempo profundo e absurdo.
Mais do que tudo, Cassian tentava ouvir Jyn. Tentava ouvir se estava com
dificuldades. Tentava ouvir sua voz. Tentava determinar quais passos na areia
eram os dela.
Se dependesse do que ouviu, ela podia ter desaparecido da face de Jedha.
Era a preocupação que o fazia se fixar nela? Sua missão era encontrar Saw
e, por meio dele, encontrar o piloto, encontrar provas de uma arma Imperial
que poderia mutilar a galáxia Se possível, também deveria encontrar e
eliminar Galen Erso – o homem que provavelmente era o culpado da criação
daquela arma. Jyn era, em primeiro lugar, um meio para encontrar Saw. Ela
já servira a esse propósito, o que significava que agora era descartável.
Mas Jyn continuava a dominar seus pensamentos. Cassian acreditava que
não era uma questão de pena ou pragmatismo.
Sacrificara Tivik sem hesitar.
Talvez fosse a necessidade que ele enxergara em Jyn, o fogo que a
carregara durante o combate no Quarteirão Sagrado. Parecia obsceno deixar
essa necessidade sem uma resposta, abandonada na areia.
Já era tarde da noite quando o bando deixou o deserto, ganhou os declives
rochosos da encosta de uma montanha e, dali, seguiu até os corredores cheios
de ecos de um abrigo de pedra. Cassian reconheceu os passos pesados do
parceiro de Chirrut ao seu lado e arriscou um murmúrio:
– Andamos quase metade do dia. Um templo?
– Um monastério – o homem disse. – As Catacumbas de Cadera, que
descem até os mortos.
O nome não significava nada para Cassian.
Tentou contar as vozes rebeldes a distância, mas rapidamente perdeu a
conta. Haviam chegado a algum tipo de base: armas tilintavam e aquecedores
zumbiam, e pesadas portas se abriam e se fechavam com violência. Gritos de
triunfo e o ruído de peças de madeira sobre algum tabuleiro sugeriam a
presença de guardas entediados ou soldados fora de serviço. Sem aviso, o
capuz de Cassian foi retirado e um forte chute acertou suas costas. Ele girou a
tempo de ver a sombra borrada da porta de uma cela se fechando. Piscou
furiosamente para se ajustar à escuridão.
A cela não passava de uma alcova apertada, esculpida na rocha. Chirrut e
seu parceiro compartilhavam o espaço com Cassian. O primeiro ainda
entoava suavemente (Que a Força dos outros esteja com você…), enquanto o
outro cruzava os braços sobre o peito, encarando a escuridão da caverna na
direção da porta.
Jyn não estava lá.
– Ei! – Cassian chamou. Correu até as barras e gritou. – Jyn Erso! Onde ela
está?
Ninguém respondeu.
Você é um tolo, Cassian disse a si mesmo. Eles não vão falar com você.
Mas tentarão achar a sua fraqueza.
Acalmou-se com o dúbio prazer de inalar aquele ar mofado sem a barreira
do capuz. As paredes da catacumba estavam incrustadas com esqueletos
humanoides – milhares deles; obviamente eram gerações de monges – e
cobertas com cabos de energia conectados a geradores, aquecedores e
estações de comunicação. Um punhado de guardas rebeldes sentava-se em
pequenos bancos perto dali, não muito longe de onde os equipamentos do
grupo se espalhavam sobre uma mesa. Havia outras celas, silenciosas e
escuras.
Cassian voltou a atenção para a porta e pressionou o rosto contra as barras
para olhar o painel de controle do outro lado. A tranca era mecânica, mas
conectada ao sistema do esconderijo rebelde. Definitivamente ele conseguiria
alcançá-la, achava até que conseguiria abri-la, mas não sem disparar um
alarme.
– Você reza? – o parceiro de Chirrut perguntou.
Cassian se virou e encontrou o homem falando com Chirrut, que ainda
entoava seu cântico.
– Você reza – o homem afirmou e soltou uma risada. Depois olhou para
Cassian. – Ele está rezando para a porta se abrir.
– Rezem para eu ter uma chance de trabalhar – Cassian murmurou, mas os
dois homens pareceram ignorá-lo.
Chirrut parou sua cantoria de repente.
– Ele fica irritado – Chirrut disse – porque sabe que é possível.
O parceiro de Chirrut riu novamente. O som foi breve e feio, mas Chirrut
apenas deu de ombros e falou a Cassian:
– Baze Malbus já foi o Guardião mais devotado de todos.
Baze Malbus. Cassian procurou o nome em seu banco de dados mental e
não encontrou nada.
– Agora ele é apenas o seu guardião? – ele perguntou.
Nenhum dos dois mordeu a isca. Cassian passou a mão no rosto e coçou a
barba. Certamente os dois Guardiões eram guerreiros formidáveis; e Chirrut,
Jedi ou não, meio louco, fervoroso ou sincero demais, era um eco de uma era
que o Império já havia quase apagado.
Mesmo os líderes da Rebelião raramente falavam sobre os Jedi. Será que
era comum encontrar homens como Chirrut? Homens tão seguros de sua fé
que a usavam como um escudo? Homens tão disciplinados que, mesmo
cegos, podiam derrotar uma dúzia de stormtroopers com nada mais do que
um cajado?
Quantas pessoas ainda viviam para lembrar?
Antes da ascensão do Império, Cassian teria considerado os Jedi como
inimigos. Mas ele era muito jovem, jovem demais para entender contra quem
estaria lutando e para quem estaria lutando. Agora os Separatistas estavam
tão esquecidos quanto seus inimigos Jedi.
– Por que você nos salvou? – ele perguntou.
– Talvez ela seja a única que eu tenha salvado – Chirrut disse.
Cassian grunhiu.
– Estou começando a achar que a Força e eu temos prioridades diferentes.
– Relaxe, Capitão – Chirrut respondeu. – Já estivemos em gaiolas piores
do que esta.
– É mesmo? Bom, para mim é a primeira vez.
– Existe mais de um tipo de prisão, Capitão – Chirrut disse. – Sinto que
você carrega a sua aonde quer que vá.
Baze riu novamente, mas sem a mesma explosão – apenas um som áspero
e vazio.
Cassian franziu as sobrancelhas e voltou a analisar a tranca e a caverna.
Demorou alguns minutos para perceber que ninguém havia contado a Chirrut
que ele era um capitão.
Tantas coisas podem dar errado, Orson Krennic pensou, mas no momento
antes da ação – naquele instante em que o triunfo e a derrota ainda são uma
possibilidade – a galáxia parecia magnífica.
Observava a evacuação de Jedha por uma dúzia de telas, na ponte superior
da Estrela da Morte. As naves menores, os transportes pessoais dos oficiais
de alto escalão e os transportes das unidades especiais de stormtroopers
foram os últimos a decolar. O Destróier Estelar Intrépido, que ficara
posicionado sobre a cidade de Jedha, já havia se afastado da lua. Apesar dos
protestos dos comandantes das guarnições locais, as forças destacadas para
Jedha estariam seguras daquilo que estava prestes a acontecer, fosse o que
fosse.
Um dos oficiais da ponte anunciou um número: 97 por cento. Krennic
emendou seu pensamento: 97 por cento das forças militares de Jedha
estariam seguras.
Seria suficiente. Jedha era um grande moedor de carne. Uma perda de três
por cento em troca de uma vitória total resultaria em uma comenda para
qualquer general.
– Já passou da hora, Diretor. – A voz oleosa veio da direção do
turboelevador.
Krennic girou nos calcanhares e abriu um largo e respeitoso sorriso para
Wilhuff Tarkin enquanto o velho observava o alvoroço de oficiais e técnicos.
– Concordo plenamente – Krennic disse e inclinou a cabeça. – Mas, dadas
as circunstâncias, acho que seria respeitoso esperar pelo comando do
Imperador.
– O Imperador está esperando o meu relatório – Tarkin rebateu.
O sorriso de Krennic diminuiu apenas um pouco.
– Eu esperava que ele e Lorde Vader pudessem estar aqui para a ocasião.
A voz de Tarkin estava carregada de irritação e uma exasperação fingida.
– E eu achei prudente poupá-lo de qualquer embaraço em potencial.
Embaraço meu ou seu?
O objetivo de Tarkin era transparente: o homem acreditava (com sua típica
certeza grandiloquente) que a demonstração em Jedha diminuiria a estatura
de Krennic, em vez de aumentá-la. Porém, a razão por trás disso ainda era
uma questão em aberto. Krennic não descobrira nenhuma evidência de
sabotagem; seus contatos próximos a Tarkin também não revelaram nada de
útil sobre os planos do governador. E, embora o desdém de Tarkin por
Krennic fosse supremo, ele certamente teria arranjado para que o Imperador
fosse testemunha, se achasse que a “incompetência” de Krennic resultaria no
fracasso da estação.
Não. O mais provável era que as precauções de Krennic contra sabotagem
ou falhas tivessem abalado a confiança de Tarkin. O homem agora estava
limitando suas apostas. Se Krennic tivesse sucesso em aniquilar Jedha,
Tarkin tentaria levar o crédito aos olhos do Imperador. Se Krennic
fracassasse, melhor ainda.
Mas não fracassaria. A Estrela da Morte estava pronta. Assim que Jedha
fosse destruída, ele receberia sua audiência com o Imperador Palpatine – e
tinha certeza de que poderia persuadir o Imperador a entender que era ele,
não Tarkin, quem merecia os elogios.
E isso era até verdade.
– A sua preocupação é desnecessária – Krennic disse. – Os melhores
cientistas e engenheiros do Império dedicaram suas vidas a este projeto. Você
verá que nossa fé neles será recompensada.
– Se ao menos dizer tornasse isso verdade – Tarkin murmurou, apenas alto
o bastante para que os oficiais pudessem ouvi-lo em meio ao barulho da
ponte.
Krennic mal conseguiu segurar um rosnado.
– Todas as forças Imperiais – ele anunciou, passando por todas as estações
de comando – foram evacuadas, e estou pronto para destruir toda a lua. – Os
oficiais se viraram em sua direção, assumindo uma postura de atenção; os
técnicos diminuíram o ritmo, mas não pararam de trabalhar, como Krennic
havia instruído mais cedo. – O que faremos hoje já foi considerado
impossível. Uma heresia científica. Porém, nosso Império e nosso Imperador
asseguraram nosso sucesso e nos permitiram a autoridade moral necessária
para tomarmos esse passo na direção da paz. A morte de um mundo…
Ele parou quando ouviu o leve aplauso de Tarkin.
– Inspirador – ele disse –, mas desnecessário. Precisamos de uma
afirmação, não de um manifesto.
O sorriso de Krennic se contorceu e se transformou em uma carranca.
– Então o que você sugere?
Tarkin deu de ombros.
– A Cidade Sagrada será suficiente por hoje.
Krennic puxou suas luvas e sentiu o suor nas mãos, conforme sua ira
aumentava. Sua avaliação de Tarkin estava incompleta: o velho apostava
contra o sucesso e o fracasso, garantindo que mesmo o melhor desempenho
seria, no máximo, pouco espetacular.
Será que poderia subverter as ordens de Tarkin? Destruir a lua e alegar que
o poder da estação fora subestimado? Olhou para o console e depois para
Tarkin, e de volta para o console.
Não sob seus olhos. Não com tão pouco tempo para se preparar.
Encontraria outro caminho.
– Mirem na cidade de Jedha – ele disse rispidamente. – Preparar ignição
única do reator.
Krennic escondeu seu ressentimento, acalmou-se com o som de sua
respiração e a torrente furiosa do reator da estação. Não foi assim que
imaginara a culminação de vinte anos de trabalho – um ataque menor, uma
jogada de um grão-moff atrás de poder –, mas era a realidade com a qual
precisava se contentar.
– Disparar quando pronto. – Sua voz estava firme. Merecia seu orgulho,
independentemente do resultado.
CAPÍTULO 6
Pendra estava de cara feia. Larn rezou para que a cara feia não se
transformasse em uma birra completa. Amava sua filha, mas já testemunhara
a pequena gritar por uma hora inteira, e ele já estava atrasado para o trabalho.
– Você vai ficar com a Tia Jola hoje – ele disse. – Ela tem aqueles
brinquedos de que você gosta, lembra? Aqueles que eram do Primo Ked?
Larn sabia muito bem que sua filha havia ignorado as naves estelares de
brinquedo na última visita à casa de Jola. Mesmo assim, se mentisse com
uma voz tranquila o bastante, sempre havia a chance de Pendra acreditar.
Em vez disso, sua filha ignorou suas palavras enquanto ele ajustava as
botas.
– Quero ir com a mamãe – ela choramingou.
Eu também, Larn pensou, depois praguejou quando tentou se levantar e
bateu os ombros na mesa da cozinha. Pendra continuava seus protestos, mas
ele já não ouvia. Larn a tirou do chão, carregando-a em seus braços, e olhou
ao redor do apartamento para ter certeza de que não estava esquecendo nada.
Aparentemente, Pendra não se lembrava da batalha no Quarteirão Sagrado.
Não se lembrava de quase morrer e ser salva no último momento por – por
quem mesmo? Não uma rebelde e não uma Imperial, mas, de acordo com
Huika, uma mulher qualquer no meio do tiroteio.
Quando foi que Jedha se transformou em um lugar tão perigoso? Nunca foi
assim. E agora estavam saindo para o trabalho, fazendo compras, como se
nada tivesse acontecido. Talvez, Larn pensou, ele poderia conversar com
Huika. Talvez ela estivesse certa sobre encontrar um jeito de deixar aquele
mundo…
Mas não hoje à noite. Hoje ele apenas queria que ela ficasse em casa,
segura.
Larn e Pendra Sillu não viram a luz esmeralda nem ouviram o trovão que
antecedeu suas mortes. Pendra ainda estava nos braços de seu pai.
Saw Gerrera olhou pela janela do Monastério Cadera e viu sua morte no
horizonte.
A Cidade Sagrada já não mais existia. Em seu lugar havia uma tempestade
de areia e fogo, como o feito de alguma divindade primal. O leito do vale
fluía como um oceano, salvo onde fissuras se abriam e lançavam areia sobre
si mesmas. O vento o atingiu, ardente e cheirando a ozônio. Saw respirou
fundo, inalando poeira, depois pressionou a máscara de oxigênio contra o
rosto.
Estava transfixado pela monstruosidade diante dele. Já fora testemunha de
muitas armas terríveis com o passar dos anos: feixes destruidores que
dilaceravam soldados; detonadores sônicos que deixavam residentes de
quarteirões inteiros alucinando e sangrando pelos ouvidos; vírus que se
espalhavam com o vento e se adaptavam a todas as espécies imagináveis. Ele
próprio usara essas armas e já não se abalava com a indignação da Aliança
Rebelde. Porém, agora via algo além de seus sonhos mais sombrios e se
lembrava de como era sentir medo.
Não. Não minta para si mesmo. Você temeu sua morte por muito tempo, e
ainda mais a cada dia.
Virou-se da janela, cambaleou e viu seu console faiscando com um último
pico de energia. Pensou em seus soldados nas catacumbas, considerou que
ordem dar. Mas certamente já estavam evacuando o lugar. Seus tenentes
sabiam qual era o próximo ponto de encontro e qual era o seu dever.
Sabiam bem o bastante para também saber que ele apenas os atrasaria?
Imaginou arrastar seu corpo envelhecido, preso naquela armadura
desajeitada, através dos corredores do monastério que se despedaçava,
amparado por dois guerreiros, um de cada lado. Seria uma humilhação. Uma
fantasia.
Chegou a hora, Saw. Já passou da hora.
Então, sobraria apenas Jyn.
A garota estava caída de joelhos, ainda olhando para o holoprojetor
desativado. Saw sentiu um lampejo de ira e vergonha (será que tinha se
tornado molenga, após todos esses anos?), mas afastou essa sensação de sua
mente. Independente do que Jyn havia se tornado, ela ainda era dele. Ainda
era sua melhor soldada.
Ainda sua única família.
O chão saltou e a ponta de sua bengala escorregou para longe. Saw
desabou no chão enquanto lascas de pedra se soltavam do teto. Sua armadura
amorteceu o pior da queda – a dor surgiu, como sempre, quando tentou se
mover, ao se levantar e cambalear até Jyn.
Tentou falar, praguejou contra seus pulmões debilitados e o ataque de tosse
que se seguiu. Puxou o ar na máscara de oxigênio e observou Jyn se erguer
instintivamente, sem tirar os olhos do projetor.
Ela era melhor do que aquilo. Melhor do que um piloto Imperial depois de
uma sessão com Bor Gullet.
Encontrou seu comlink, pediu ajuda com a voz rouca, mas não ouviu
resposta. Não podia contar com mais ninguém para resgatar Jyn.
Saw precisava fazê-la lembrar. Lembrar que era sua melhor soldada.
Lembrar que tinha uma missão a cumprir, uma guerra para lutar, uma Estrela
da Morte para destruir, um Imperador para executar, por todos os crimes de
uma nação.
Agarrou os ombros dela o mais forte que pôde e gritou seu nome.
– Jyn! Minha filha!
Mas Jyn pareceu não ouvir.
CAPÍTULO 8
A PONTE SUPERIOR DA Estrela da Morte estava escura, com exceção das fileiras
de luzes dos instrumentos e do brilho da tela principal. Dominando aquela
vasta tela havia os restos do vale da cidade de Jedha: uma tempestade revolta
de areia e pedra. O ar, ionizado pela energia do canhão da Estrela da Morte,
brilhava com relâmpagos. No epicentro da tempestade, a cratera da cidade
incinerada fumegava onde o feixe havia sublimado a camada superior da
crosta da lua.
Não era o destino que Krennic imaginara para Jedha. A Estrela da Morte
foi planejada para obliterar mundos, não apenas desfigurá-los. Mas não sabia
se a lua poderia se recuperar de um ataque daqueles, ou se os efeitos em
cascata resultariam em uma morte lenta, que se arrastaria por milênios. Sentia
nos ossos que sua arma expusera algo profundo – sobre a natureza dos
mundos, sobre sua essência vital e a agonia da sua morte –, embora não
pudesse expressar isso em palavras. Talvez, ele pensou, fosse para isso que
serviam os poetas.
– É lindo – ele murmurou, quebrando minutos de silêncio na ponte. Até
mesmo Tarkin respeitara a admiração coletiva dos membros da equipe
enquanto sussurravam uns para os outros e digitavam.
– Creio que lhe devo um pedido de desculpas, Diretor Krennic – Tarkin
respondeu. – O seu trabalho excedeu todas as expectativas.
Krennic fez o seu melhor para esconder sua surpresa.
– E você dirá isso ao Imperador? – Ansioso demais. Moderou seu tom de
voz; mostraria humildade, se isso agradasse a Tarkin. – Afinal de contas, esse
é o triunfo dele. O triunfo de sua visão e vontade, mais do que a de qualquer
outro homem. – Pronto. Suficiente para consertar minha ansiedade, mas não
o bastante para negar meu crédito.
Tarkin cortou o ar com um gesto desdenhoso.
– O Imperador deseja fatos, não bajulação. A sua passagem por esse
projeto foi repleta de contratempos. Contratempos que, aparentemente, você
superou. Direi a ele que a paciência com as suas desventuras foi
recompensada com uma arma que trará o fim da Rebelião.
– É muita gentileza, Governador. – Bastardo condescendente. – Mas você
também expressa minha esperança. Já vimos que a Estrela da Morte pode
destruir uma cidade ou uma base rebelde independente de escudos planetários
ou redes de defesa. E o que testemunhou hoje? É apenas uma fração do
potencial destrutivo…
O mesmo gesto de antes: uma exigência por silêncio. Sorrindo acidamente,
penitentemente, Krennic obedeceu.
– Direi a ele – Tarkin retrucou – que tomarei controle da arma que eu
primeiro mencionei anos atrás… imediatamente.
Tomarei controle?
Krennic fechou os punhos e olhou ao redor da ponte superior enquanto
segurava sua primeira e mais feroz resposta. Os oficiais não acompanhavam
o confronto – permaneciam ocupados em suas estações, checando a condição
do canhão principal da Estrela da Morte e realizando varreduras no sistema
atrás de sobreviventes.
Isso foi um pequeno conforto.
Krennic chegou o mais próximo que ousava de Wilhuff Tarkin e disse em
tom ríspido:
– Estamos no meio da minha conquista, não da sua! – Forçou a voz até um
sussurro. – Minha equipe é leal a mim. E a minha equipe é a única capaz de
operar esta estação.
Ele sabia que não era sábio ameaçar Tarkin abertamente. Podia repreender
um subordinado sem repercussões, mas não o grão-moff. E não havia um
cenário iminente no qual Krennic poderia remover ou substituir Tarkin – teria
de aguentar a existência do homem por mais algum tempo.
Mas Krennic não era alguém que sorria humildemente para sempre.
Tarkin deu de ombros como se não tivesse ouvido a ameaça – como se
tivesse certeza de que a lealdade dos oficiais era maleável demais para se
tornar um problema. Podia até estar certo.
– Temo que essas falhas de segurança desnudaram a sua inadequação
como diretor militar. O seu lugar, eu diria, é entre os engenheiros. Há muitas
iniciativas que poderiam se beneficiar de suas habilidades organizacionais…
– As falhas de seguranças foram emendadas – Krennic rebateu. – Jedha foi
silenciada.
Também havia uma falha naquele argumento, Krennic sabia. A ignição do
canhão e a tempestade resultante deixaram os sensores da Estrela da Morte
momentaneamente cegos. Era possível que sobreviventes tivessem escapado
da lua – possível, mas improvável.
Tarkin tinha um contra-argumento diferente.
– Você acha que esse piloto agiu sozinho? – Soltou uma meia risada. – Ele
foi enviado da instalação em Eadu. A instalação de Galen Erso.
Galen Erso.
Galen Erso.
A fúria fez de Krennic um tolo. Dessa vez, não conseguiu esconder sua
surpresa.
– Veremos quanto a isso – ele rosnou, depois deu as costas a Tarkin e
deixou a ponte superior.
O General Davits Draven era o terror de seus colegas e um herói para seus
subordinados. Não era o papel que queria exercer, mas acreditava que era um
papel necessário.
Como uma organização, a Aliança Rebelde se mantinha unida mais por
pressão externa do que por laços internos. A necessidade quase patológica de
Mon Mothma de realizar propostas políticas em busca de paz – independente
de seu sucesso – combinava muito mal com a política de ataques secretos do
General Jan Dodonna, que minimizava a atenção do Império e seu Senado. A
abordagem de Dodonna, por sua vez, era incompatível com o desejo de Bail
Organa de intervir rapidamente sempre que uma atrocidade Imperial ocorria.
Saw Gerrera havia efetivamente se retirado da Aliança por causa de
divergências estratégicas – mas outros membros do conselho compartilhavam
sua agenda mais agressiva. Não fosse o poder muito superior do Império –
não fosse a necessidade dos rebeldes de trabalharem juntos para sobreviver –,
a Aliança teria desmoronado em questão de meses.
Não fosse o poder do Império… e não fosse o General Draven.
Enquanto seus colegas argumentavam e mapeavam estradas para uma
vitória final imaginária, Draven mantinha um foco inabalável em proteger a
própria Aliança – em defender implacavelmente a organização e seu pessoal
ao mesmo tempo em que corrigia seus erros. Se isso lhe dava uma reputação
de arrogância ou intromissão, era um preço pequeno a pagar.
Quanto ao suposto destruidor de planetas, Draven temeu que não houvesse
nada, apenas erros para corrigir. Alguns desses erros pertenciam a ele
próprio. Mas não tinha intenção alguma de se esquivar de seus deveres.
Marchou para dentro do centro de comunicações de Yavin 4 com o queixo
erguido e os ombros para trás, da maneira como soldados imaginavam um
general. Esperava que os rebeldes em serviço perdoassem o suor na sua testa,
causado pelo calor da floresta.
– O que temos? – ele perguntou com contundência.
O Cabo Weems levantou-se imediatamente.
– Uma mensagem codificada do Capitão Andor, senhor.
Isso foi rápido. Andor era inteligente, minucioso e não particularmente
inclinado a entrar em contato durante o curso de uma missão. Dessa vez,
também precisava lidar com a garota, Erso. Draven esperava contato apenas
depois de uma semana, no mínimo.
– O que ele diz? – Draven perguntou.
Weems leu com o tom de voz deliberado de um homem que fingia não ver
o que estava vendo.
– “Arma confirmada. Cidade de Jedha destruída. Alvo da missão
localizado em Eadu. Favor instruir.”
– Destruída? – Draven ecoou. Weems apenas assentiu.
O destruidor de planetas é real.
A dúvida seguiu instantaneamente depois desse pensamento. Andor era um
ótimo agente, mas não era infalível. Sua mensagem era vaga. A transmissão
pode ter sido interceptada e alterada. Havia mil razões para que arma
confirmada pudesse não ser uma confirmação de verdade.
Mas Draven já havia testemunhado muitos comandantes usarem a dúvida
como desculpa para negar o óbvio.
Não havia acreditado no destruidor de planetas antes – não racionalmente,
não com a parte fria e estratégica de sua mente que era (ele admitia, ao menos
para si mesmo) a única coisa realmente valiosa que tinha para oferecer à
Aliança Rebelde. Se a arma estivesse ativa, então toda a estrutura estratégica
da galáxia estava mudando. Tudo o que a Rebelião havia construído, cada
plano de cada membro do conselho, teria de se adaptar.
Mas decisões urgentes precisavam ser tomadas primeiro.
A mensagem de Andor não continha nada de novo sobre Galen Erso. Essas
suposições permaneciam intactas e, se Erso era importante para o projeto do
destruidor de planetas, então talvez Draven pudesse dar à Aliança algum
tempo para respirar. Uma chance para evoluir antes que mundos, em vez de
cidades, começassem a morrer.
– Prossiga – ele disse a Weems. – Diga a ele que minhas ordens
permanecem. Diga que prossiga rapidamente e mantenha o plano. Precisamos
matar Galen Erso enquanto temos a chance.
A primeira vez em que Jyn se tornou órfã foi em uma fazenda perto do mar,
no planeta Lah’mu. Viu sua mãe ser atingida pelos tiros de um esquadrão da
morte e seu pai se render ao homem responsável, abandonando-a com um
soldado que ele mal conhecia.
A segunda vez foi nos desertos de Jedha, quando viu o homem que a criara
– o homem que lhe ensinara tudo, a quem odiava mais do que quase todo
mundo – ser enterrado debaixo de uma montanha, após ser muito gentil com
ela. Ou tão gentil quanto conseguia ser.
Entretanto, talvez nunca tenha realmente se tornado órfã. Galen Erso
estava vivo. Não o gentil fazendeiro de que se lembrava – nem o covarde e o
monstro que a deixou para trás para se tornar um criador de armas para o
Império, provocando anos de rancor. Esses dois homens também haviam
morrido em Jedha.
Havia outro Galen Erso. Tudo o que conhecia dele era uma luz azulada na
caverna de sua mente – a caverna onde ela vivia agora –, que repetia as
mesmas palavras uma vez após a outra. Palavras sobre amor e felicidade e
solidão. Desculpas para coisas feitas há muito tempo. Planos e mentiras sobre
a Estrela da Morte, um destruidor de planetas…
Meu amor por ela nunca diminuiu.
Não conseguia impedir essas palavras. Cada uma arrancava um pedaço
seu, e Jyn se agarrava a elas em busca de consolo.
Sentava-se na cabine do U-wing e olhava para seus companheiros das
profundezas de sua caverna. Observava seus rostos através da abertura
distante da escotilha quebrada. Uma parte muito pequena dela estava ciente
de sua aparência – uma criatura desarrumada, suja e exausta, completamente
catatônica com o olhar vazio – e odiou a si mesma por causa de sua fraqueza.
– Baze, diga-me – soou a voz de Chirrut. O Guardião dos Whills cego que
salvara sua vida. – Tudo? A cidade inteira?
Baze. O parceiro de Chirrut tinha um nome. Sentava-se ao lado do homem
cego com os olhos voltados para a parede. A luz azul-esbranquiçada do
hiperespaço vinda da cabine brilhava sobre seu rosto.
– Diga-me – Chirrut pediu outra vez.
– Tudo – Baze respondeu, curto e grosso.
A cidade de Jedha não existe mais. Jyn examinou aquela ideia em meio a
seu entorpecimento. A morte da cidade de Jedha significava a morte de Saw;
a morte de muitos ou de todos os seus soldados; a morte dos peregrinos de
túnica vermelha e dos animados vendedores de água. Significava a morte da
garota que ela havia tomado nos braços durante o combate na praça – a morte
brutal e sem sentido da única pessoa que ajudara de alguma forma desde o
início da missão…
Nós a chamamos de Estrela da Morte. Não há nome melhor.
O destruidor de planetas era real. Jyn havia zombado dele, zombado da
Aliança por acreditar, e era real.
Se tivesse acreditado antes, se tivesse mantido a fé em seu pai, alguma
coisa seria diferente? Teriam encontrado Saw mais rápido, agido em tempo
de fazer… o quê?
A cidade de Jedha era culpa sua? Mesmo só um pouco?
– Entendido. – Era Cassian falando agora, um murmúrio na unidade de
comunicação. Então, ordenou ao droide na cabine: – Programe a rota para
Eadu.
Jyn repetiu a frase de Cassian em seu cabeça, tentou ouvi-la sobre as
palavras de seu pai no escuro da caverna.
– Eadu? – ela perguntou. Sua voz soou áspera.
– Um mundo encharcado, de acordo com os arquivos – Cassian disse.
Olhou para ela com um toque de surpresa, rapidamente escondido. – Com
uma pequena população nativa, em sua maioria pastores de nerfs.
Oficialmente, o Império usa o planeta para pesquisa e processamento de
elementos químicos.
– É lá que está o meu pai? – Jyn ergueu o queixo e tentou forçar o fim da
rouquidão.
Tentou imaginar como seria a reunião. Tentou imaginar como seria
encontrar o homem do holograma pela primeira vez e dizer quem ela era.
Dizer a ele que viu sua mensagem. Deveria sentir alegria com essa ideia. Seu
pai era um herói.
Mas ela era Liana Hallik e Tanith Ponta e Kestrel Dawn, uma guerreira
sanguinária, uma ladra e uma prisioneira que havia passado quase quinze
anos detestando Galen. Prendendo-o em uma prisão de desprezo até que,
quando ele precisou dela, Jyn não acreditou em seus alertas sobre a Estrela da
Morte. Teria de contar isso a ele também. A ideia fez a bile subir por seu
estômago.
Será que ela poderia ter sido outra pessoa, se ao menos soubesse?
Tento pensar em você apenas nos momentos em que me sinto forte.
– Não tive muito tempo para questionar nosso amigo Bodhi – Cassian
disse. Fez um gesto na direção do quinto ocupante da cabine – um homem de
cabelos longos vestido com um traje de voo Imperial sujo e óculos de
proteção, mexendo os dedos sem parar. Ocasionalmente, o piloto sussurrava
algo sem erguer os olhos. – Mas ele disse que a mensagem veio de Eadu. Isso
quer dizer que o seu pai está lá? Acho que sim.
Jyn assentiu de maneira distante. Os sussurros de Bodhi se tornaram mais
altos – uma série de sons indecifráveis. Então ele inclinou-se para a frente no
assento, olhando atentamente para Jyn.
– Você é a filha de Galen? – ele perguntou.
Parecia não dormir havia dias. Como se esperasse que tudo ao redor –
Baze, os assentos, as paredes – fosse agarrar seu pescoço se ousasse piscar.
Parecia quase tão patético quanto ela.
– Você o conhece? – ela perguntou.
O que ele achava do estranho em seu holograma?
– Sim.
Ela tinha centenas de perguntas, mas não queria resposta para nenhuma
delas.
– Ele contou alguma coisa para você?
– Ele disse… – Bodhi baixou a cabeça. – Disse que eu poderia fazer algo
certo. Disse que eu poderia consertar as coisas, se fosse corajoso o bastante e
ouvisse o meu coração. E fizesse algo a respeito. – Seus lábios se moveram
repetidamente, formando e engolindo sentenças inteiras sem emitir som. –
Acho que foi tarde demais – disse, finalmente.
A cidade de Jedha não existia mais. Saw não existia mais. Seu pessoal não
existia mais. A garota não existia mais.
– Não foi tarde demais – ela disse. Ao menos o piloto havia tentado.
– Parece bem tarde para mim – Baze rosnou.
No silêncio da cabine, na escuridão da caverna, Jyn ouvia a gravação de
seu pai. Foi lá que plantei minha armadilha…
O grito final de Saw ecoava. Salve o sonho!
Agora Galen e Saw atingiam Jyn juntos, pedindo aquilo que ela já lhes
recusara, exigindo uma recompensa por todas as maneiras como falhara com
eles e por cada dia em que Liana e Tanith e Kestrel viveram suas próprias
existências gloriosas e mesquinhas. Mas não tinha nada para dar a eles –
estava vazia, e mesmo aquilo que antes existia na caverna fora perdido para a
escuridão. Tudo o que sobrara foi a voz de um holograma.
Mas Jyn sucumbiu mesmo assim. Cedeu às exigências, pois sua vergonha
era grande demais para não fazer isso.
– Não – Jyn sussurrou. Essa única palavra exigiu a atenção de toda a nave.
– Podemos vencer as pessoas que fizeram isso. Podemos impedi-las.
Faria um acordo com o holograma de Galen Erso. Obedeceria sua
exigência, e ele ia – se não lhe perdoar – ao menos parar de lembrá-la de seus
fracassos e sua culpa e seu ódio por si mesma.
E, quando encontrasse o verdadeiro Galen Erso em Eadu, ela teria algo
para mostrar em troca disso.
Falou calmamente, pronunciando cada palavra como se afiasse uma faca:
– A mensagem do meu pai. Eu a vi. Eles chamam aquilo de Estrela da
Morte. Mas não fazem ideia de que existe uma maneira de derrotá-la.
A tensão na expressão de Cassian se dissipou quando ele vestiu seu rosto
de espião, seu rosto inocentemente cerebral. Jyn percebeu e sabia exatamente
o que significava.
– Você está errado sobre o meu pai. Você acha que ele ainda está
trabalhando para o Império.
– Bom, realmente foi ele quem construiu a arma – Cassian disse. Como se
o fato mudasse tudo e apenas ele conseguisse enxergar isso.
– Porque sabia que eles construiriam mesmo sem ele. – Jyn respirou fundo
e esperou Cassian protestar novamente. Ela podia não conhecer o verdadeiro
Galen Erso, mas agora falava com a voz do holograma; ecoava suas
afirmações em submissão à sua causa. À causa de Saw. – Meu pai fez uma
escolha – ela continuou, firmando a voz. – Ele se sacrificou pela Rebelião.
Montou uma armadilha dentro da arma, dentro da Estrela da Morte. – Então
falou apenas para Bodhi: – Foi por isso que ele o enviou. Para levar essa
mensagem.
– Onde está? – Cassian perguntou.
Todos se voltaram para ele.
– Onde está a mensagem? – ele perguntou.
– Era um holograma – Jyn disse, afiada e frágil como vidro.
Cassian não recuou.
– Você tem a mensagem, certo?
– O que você acha? – ela rebateu rispidamente. Cassian sabia o que havia
acontecido com ela; testemunhara seu estado na câmara de Saw. Ela quis
saltar sobre ele, pressioná-lo contra a parede até forçar a calma para fora de
seu rosto. Quis abrir o próprio crânio para deixar a luz e o som do holograma
vazarem da caverna. – Tudo aconteceu muito rápido. Mas eu vi! – Ouviu sua
própria insistência como petulante. Infantil. Você estava melhor catatônica.
Cassian agora olhava para Bodhi.
– Você viu?
O piloto sacudiu a cabeça e evitou o olhar de Cassian.
– Você não acredita em mim – Jyn disse.
Cassian quase riu.
– Não sou a pessoa que você tem de convencer. Não sou a pessoa que pode
autorizar um ataque contra a Estrela da Morte porque ela pode ter uma
fraqueza. Talvez Mon Mothma…
– Eu acredito nela – Chirrut intercedeu.
Cassian sacudiu a cabeça, mostrando toda a sua exasperação.
– Que ótimo. Você também não faz parte da Aliança.
Por toda a conversa, Baze ficou de cabeça baixa, como se tirasse um
cochilo. Então ele se endireitou e perguntou especificamente para Jyn:
– Que tipo de armadilha? Você disse que seu pai fez uma armadilha.
– O reator. – Sobre isso, Jyn tinha certeza absoluta. – Ele acrescentou uma
falha ali. E vem escondendo isso há anos. Disse que, se você conseguir
explodir o reator, o módulo, todo o sistema desaba.
Fixou o olhar sobre Cassian.
– Você precisa avisar a Aliança – ela disse.
– Já fiz isso.
Jyn disse as palavras que o holograma queria que dissesse, reforçando a
voz com sua própria urgência:
– Então eles precisam saber que existe uma maneira de destruir aquela
coisa. Meu pai disse que podemos encontrar a falha nos planos estruturais…
– Não temos esses planos – Cassian respondeu, firme, mas gentil.
Condescendente.
– Ele disse que podemos encontrar os planos – ela insistiu –, que estão em
um banco de dados no planeta Scarif. Diga para a Aliança: eles precisam ir
para Scarif e roubar os planos.
Cassian ficou em silêncio por tempo suficiente para Jyn achar que tinha
uma chance.
– Não posso arriscar enviar isso – ele finalmente respondeu. – Mesmo que
tudo o que você diz seja verdade, estamos no coração do território Imperial.
Se a mensagem for interceptada, toda a frota da Aliança poderia ser atraída
para uma armadilha.
Até onde Jyn sabia, talvez ele estivesse mentindo. Evitando continuar a
discussão citando uma ameaça que ela não podia contestar.
Na escuridão da caverna, Jyn ouviu mais uma vez a gravação de seu pai.
Se estiver viva, se você conseguir encontrá-la…
– Você ainda quer ir para Eadu? – ela perguntou.
– Sim – Cassian disse.
Então não haveria redenção. Não haveria como melhorar suas escolhas ou
esconder seus pecados. Então, afinal de contas, encontraria o Galen Erso que
nunca conhecera e diria a ele exatamente quem ela era e exatamente o que a
Estrela da Morte havia feito. O único bálsamo seria aquilo que ele fizesse
depois; aquilo que os dois fizessem, fosse qual fosse o acordo ao qual
chegassem.
Teria de ser o suficiente para mantê-la sã no escuro.
Não tinha nada para guiá-la, apenas o holograma azulado. O resto já não
existia.
– Então, vamos encontrá-lo – ela disse. – Meu pai. E o traremos de volta, e
ele poderá falar pessoalmente com toda a Aliança.
Falou com uma convicção que não sentia. Cassian concordou – mas vestia
seu rosto de espião e Jyn não conseguia decifrar sua expressão.
DADOS COMPLEMENTARES:
“SEM CONFIRMAÇÃO”
Eadu era um mundo noturno mesmo durante o dia, coberto por nuvens tão
carregadas que Cassian foi forçado a confiar nos sensores durante a descida
através da troposfera. De cima, não havia nada para ver, apenas relâmpagos e
trovoadas – o panorama era quase sereno. Mas, assim que o U-wing
atravessou a cobertura de nuvens, uma tempestade envolveu a nave, e a água
começou a atingir violentamente o casco e a escorrer pela janela.
– Para baixo – Bodhi disse, agarrando o encosto do assento de Cassian. Ele
estava limpo e enfaixado, e exalava um cheiro de produtos de limpeza e
desinfetantes baratos. Sua voz, que antes soava aterrorizada e distante, agora
parecia quase humana. – Mais baixo!
Cassian baixou o nariz da nave o máximo que ousava. Imaginou a água da
chuva entrando em centenas de rachaduras causadas pelas pedras de Jedha –
pingos escorrendo entre fios expostos e causando curtos em sistemas cruciais.
– A nave não foi construída para voar nessas condições – K-2 observou.
O U-wing emergiu de uma densa neblina para revelar o cenário lá
embaixo: uma centena de formações rochosas, planícies largas e rochas
longas e pontudas que se erguiam do chão irregular. Um cânion estreito se
entrelaçava entre os desfiladeiros mortais, sua forma mal discernível no meio
da tempestade.
– Eles têm rastreadores de aterrissagem – Bodhi disse. – Têm esquadrões
de patrulha. Você precisa se manter dentro do cânion, voando baixo.
Cassian concordou, ajustou a altitude e checou os sensores em busca de
caças TIE. Não encontrou nada, embora se perguntasse se aquelas pequenas
naves seriam mesmo detectadas no meio da tempestade. K-2 aumentou a
velocidade quando o vento momentaneamente cedeu – o U-wing se lançou
adiante e os dentes de Cassian se chocaram.
– Se prosseguirmos – K-2 disse –, há vinte e seis por cento de chance de
fracasso.
– Quanto falta? – Cassian perguntou para Bodhi.
– Não sei – ele respondeu. – Não tenho certeza, nunca voei por esse
caminho…
Isso eu percebi, Cassian pensou. Estavam passando sobre uma torre de
pedra, a menos de dez metros do cume.
– … mas estamos perto. Disso eu sei.
– Agora há trinta e cinco por cento de chance de fracasso – K-2 observou.
Cassian acionou as luzes de aterrissagem. Seriam facilmente identificados
por qualquer patrulha acima, mas sua visibilidade era nula.
– Não quero saber – ele disse, olhando para o droide. – Obrigado.
– Entendo. Eu também preferiria a ignorância.
Quando o pilar de pedra ficou para trás, Cassian desceu ainda mais para
dentro do cânion. As paredes se curvavam para esse e aquele lado, seguindo o
curso de uma dúzia de leitos de rio sinuosos. As rochas estavam perto
demais, apareciam rápido demais, mas, se Cassian reduzisse a velocidade,
eles ficariam à mercê da tempestade.
– Agora! – Bodhi gritou, batendo a mão no assento de Cassian. – Aterrisse
agora!
– O vento… – K-2 começou a dizer, mas Bodhi se apertava entre os
assentos, apontando para algo através da chuva.
– Se continuar em frente, vai acabar em cima da plataforma de transportes.
Aterrisse agora!
Cassian praguejou. Bodhi estava certo – aquilo que havia pensado que era
uma refração de pingos de chuva na janela era uma série de holofotes
distantes. Uma plataforma de aterrissagem para naves Imperiais.
Diminuiu a velocidade. Quase imediatamente o vento aumentou sob a asa
da direita, lançando o U-wing na direção da parede do cânion. K-2 tentou
compensar, mas uma formação de pedra negra apareceu rápido demais,
mesmo para os reflexos de uma máquina – uma protuberância atingiu o U-
wing e Cassian foi jogado para a frente, no cinto de segurança, gritando
quando a nave soltou faíscas e caiu em um mergulho acentuado. O painel
estava vermelho com luzes de alerta.
– Segurem-se – Cassian gritou. – Vamos descer com força!
Se alguém na cabine o ouviu no meio do tumulto, ele não sabia.
K-2 estendeu o trem de pouso e ativou os retrofoguetes em uma tentativa
fútil de diminuir a velocidade. Quando atingiram a superfície do planeta, a
parte dorsal do U-wing gritou violentamente contra a lama e a pedra,
enquanto a inércia carregava a nave adiante. Por quase meio minuto, eles se
arrastaram enquanto o casco ameaçava ceder.
Quando o U-wing finalmente parou, a cabine estava rachada e enterrada
até a metade no cascalho e na lama, e Cassian teve certeza de que a nave não
voaria novamente.
Jyn não falou nada com os outros desde que deixaram Jedha. Quando Bodhi
tentou falar com ela, perguntando sobre Galen, Jyn apenas sorriu gentilmente
e o dispensou. Chirrut e Baze sabiam que era melhor não tentar conversar –
ou talvez, assim como Jyn, lutassem contra verdades difíceis demais para
expressar com palavras.
Ouvira o holograma de seu pai em sua mente e observara o escuro da
caverna se transformar na escuridão de Eadu.
O fato de que não havia como deixar o planeta ficou caído no chão de sua
consciência, intocado e irrelevante.
– Ele parece um assassino?
Observava Cassian e Bodhi descerem para a lama quando ouviu a voz de
Chirrut. Virou-se para olhar e viu que ele falava com Baze.
– Não – Baze disse, após um momento pensativo. – Ele tem o rosto de um
amigo.
– De quem vocês estão falando? – ela perguntou.
Baze olhou para Jyn, avaliando-a.
– Do Capitão Andor – ele disse, outra vez curto e grosso.
Ela devia ter se irritado com a explicação grosseira. Mas conseguiu apenas
ficar um pouco confusa.
– Por que você perguntou isso? – ela disse, agora olhando para Chirrut. –
O que quis dizer com “Ele parece um assassino”?
– A Força se move sombriamente ao redor de uma criatura que está prestes
a matar – Chirrut respondeu. Poderia ter acrescentado: Simples assim.
– Fascinante – K-2SO disse, dirigindo-se para a cabine do piloto. – Sua
arma realmente estava na configuração de franco-atirador.
Jyn imaginou Cassian montando sua arma e saindo da nave. Lembrou-se
da primeira vez que segurou um fuzil de precisão, olhando pela mira
telescópica sob orientação de Saw Gerrera, medindo a respiração para que
pudesse, com confiança, matar discretamente um homem a um quilômetro.
Talvez não significasse nada.
Sua pulsação acelerou. Girou na direção da rampa de embarque e desceu
para a lama. Um calafrio subiu por suas botas, passando pelas pernas e
seguindo pelas costas. Não conseguia ver o caminho que Cassian e Bodhi
haviam tomado, não conseguia ouvi-los no meio da chuva contínua, mas
podia ver a fraca e distante luz do complexo Imperial.
Lá, encontraria seu pai.
Baze Malbus observou uma rajada de vento lançar pingos de chuva no chão
da cabine, descolorindo o metal em mil pontos como estrelas de um céu
cinzento. A chuva cheirava a solo fértil, com tons de um fedor ácido.
Baze não era jovem. Já vira chuva antes. Mas as chuvas de Jedha – raras,
poderosas torrentes que eram motivo de celebração, que faziam sua alegria
quando criança – nunca cheiravam dessa maneira.
Logo, Baze pensou, esqueceria o cheiro das chuvas de Jedha para sempre.
Chirrut se levantou abruptamente, apanhou seu cajado e marchou na
direção da rampa de embarque.
– Para onde está indo? – Baze rosnou.
Chirrut parou, mas continuou de costas para Baze.
– Vou seguir Jyn. O caminho dela está claro.
– Sozinho? – Baze perguntou. A palavra veio cheia de significado. – Boa
sorte.
Tinha certeza de que Chirrut entendera seu alerta. Mas o homem cego, que
já fora um irmão de Baze entre os Guardiões dos Whills e agora era o tolo
que Baze estava condenado a entreter, voltou a andar.
– Não preciso de sorte – Chirrut disse. – Eu tenho você.
Baze observou Chirrut descer a rampa. Ouviu a ponta do cajado contra o
metal. Quando a batida terminou e Chirrut pisou no solo macio, Baze se
levantou pesadamente. Sem olhar para a cabine, seguiu seu irmão para dentro
da tempestade de um mundo alienígena.
– Não, não – Bodhi gritou. Rios de água da chuva escorriam por seus cabelos
e barba. – Precisamos subir.
Cassian estranhou, depois olhou para baixo, para a ladeira do cânion
enlameado, até o brilho distante das luzes do laboratório. Poderia questionar
o piloto, mas ainda estava de péssimo humor e não via utilidade nisso. Ou
Bodhi conhecia o terreno ou não conhecia; ou estava mentindo ou não estava.
Cassian deu de ombros e seguiu Bodhi, subindo a ladeira rochosa e
escorregadia. Pelo menos saíram do pior da lama.
Enquanto subiam até o topo, Bodhi tagarelava sobre seu tempo em Eadu.
Cassian ouvia sem prestar atenção às histórias do piloto de carga, que contava
sobre entregas de cristais kyber de Jedha para os cientistas locais. Bodhi a
muito custo conseguira autorização (é o que dizia) para acessar o refeitório,
descansar e reabastecer antes de voltar para Jedha.
– Se eu não tivesse começado uma conversa com Galen Erso na fila da
comida, perguntando qual era o melhor droide cozinheiro, talvez eu nunca
teria me perguntado o que estava acontecendo aqui. O que estavam criando
aqui…
Parecia demais uma mentira para Cassian realmente acreditar. Mas
também parecia uma mentira para o benefício de Bodhi, não de Cassian. Se
essa era a história que ele queria contar sobre como conhecera Galen, que
seja. Se Bodhi estivesse com medo de Cassian, desesperado para convencê-lo
de que sua deserção era genuína, Cassian também não se importava.
Eventualmente, Bodhi parou de falar quando o caminho se tornou mais
estreito. Cassian viu o piloto cambalear e notou que suas pernas estavam
endurecidas – o jeito como dobrava minimamente os joelhos era cada vez
mais aparente conforme a caminhada se estendia. Notou, também, os
hematomas escuros e a pele raspada na base do pescoço. Esses ferimentos
ficavam escondidos sob o colarinho de seu traje de voo, mas a chuva havia
feito o tecido cair, deixando as marcas mais evidentes.
– Você ficou quanto tempo preso pelo pessoal de Saw Gerrera? – Cassian
perguntou.
Bodhi estremeceu, mas continuou andando.
– O quê?
Cassian repetiu a questão.
– Alguns dias, acho – Bodhi respondeu, sem olhar para trás.
Cassian pensou na pilha amarrotada em forma humana que encontrara nas
catacumbas, subnutrido, maltratado e insano por causa do trauma. Menos de
um dia depois, o homem que o conduzia através dos cânions de Eadu estava
obviamente aterrorizado e ao mesmo tempo ansioso para conversar – mas
também fazia o seu melhor para fingir normalidade sobre aquilo que
provavelmente seria uma missão suicida. Até fazia um bom trabalho quanto a
isso.
Cassian riu. Foi um som breve, gutural, que quase se perdeu no meio da
chuva. Bodhi olhou para trás, surpreso e um pouco alarmado.
– O que foi? – ele perguntou.
– Nada – Cassian disse. Depois acrescentou, com um tom direto e quase
compreensivo: – Devem ter sido dias difíceis.
Bodhi sorriu – apenas um tremor nos lábios – pela primeira vez desde que
Cassian o encontrara.
Continuaram subindo juntos. Cassian agora podia discernir uma plataforma
do outro lado de um vale estreito – uma plataforma elevada de aterrissagem,
separada do hangar de transportes. Mas o caminho no topo estava cada vez
mais difícil. Logo quase desapareceu completamente, e Bodhi se apertou
contra a face da rocha enquanto pedras caíam sob seus pés.
– Estou logo atrás de você – Cassian disse, com o máximo possível de
tranquilidade.
Bodhi estava pálido, mas concordou.
– Vamos.
Cruzaram a passagem seguinte com um cuidado agonizante. À frente, o
caminho se alargava outra vez, e após uma última subida eles alcançaram o
topo e olharam para baixo, na direção da instalação Imperial. A plataforma de
metal abrigava uma série de galpões militares e estações laboratoriais.
Cassian reconhecia o estilo arquitetônico, mas os laboratórios pareciam
altamente customizados – avistou grupos inteiros de antenas e geradores que
não lhe eram familiares.
Arrastou-se adiante e ajoelhou atrás de uma grande pedra. Sentiu o frio
molhado do cascalho contra seus joelhos. Em seguida, puxou Bodhi para seu
lado, apanhou seus quadnocs e vasculhou a instalação. Havia atividade na
plataforma de aterrissagem – stormtroopers em formação emergiram de um
dos prédios, seguidos por figuras que vestiam uniformes de engenharia azuis
e brancos.
Cassian ofereceu os quadnocs para Bodhi, sem tirar os olhos da
plataforma.
– Dê uma olhada. Consegue ver Erso lá embaixo?
Bodhi ergueu os quadnocs, sacudiu a cabeça progressivamente, depois
parou.
– Ele está ali – Bodhi disse após um momento. – É aquele ali, Galen,
vestindo o uniforme escuro…
Sua voz subiu de tom. Cassian tomou de volta os quadnocs e vasculhou a
plataforma outra vez. Entre os engenheiros havia um homem vestido de cinza
e azul, com um rosto angular e cabelos grisalhos. Cassian procurou alguma
semelhança com Jyn e a encontrou nos olhos do homem, profundos e sérios.
Galen falava com os outros engenheiros. A chuva fazia todos parecerem
encharcados e abatidos, aborrecidos por serem levados ao ar livre tão tarde da
noite.
Cassian estranhou. Por que estavam ali? Será que ele e Bodhi acionaram
algum alarme? Será que estavam esperando por uma evacuação?
Quase não notou o barulho distante; achou que era apenas parte da
tempestade. Mas o som era estável demais e aumentou de volume rápido
demais. Cassian passou o braço sobre Bodhi e empurrou o piloto contra o
chão quando um transporte Imperial de asas largas passou acima deles e
seguiu para a plataforma.
– Eles sempre trazem os engenheiros para fora nas entregas? – Cassian
perguntou.
Bodhi tossiu quando a água da chuva entrou em seu nariz, depois negou
vigorosamente com a cabeça.
– Não desse jeito. Não a essa hora da noite.
Então tem algo errado. Talvez não seja relacionado com a chegada do U-
wing. Talvez seja relacionado com Jedha – o Império limpando suas
instalações de produção agora que a Estrela da Morte estava operacional. O
transporte era um modelo classe Delta de longo alcance, usado para
passageiros mais do que para cargas. O que quer que estivesse acontecendo,
agora poderia ser a única oportunidade para agir.
Cassian deixou os quadnocs de lado e tirou o fuzil das costas. Checou as
configurações, equilibrou a arma nas rochas e se posicionou enquanto falava
com Bodhi.
– Você precisa voltar agora e encontrar uma nave para fugirmos daqui.
Entendeu?
– E o que você vai fazer?
Cassian encostou o olho na mira telescópica e viu apenas uma mancha
sobre a plataforma. Ajustou as lentes e os filtros e deixou o computador
interno compensar a água da chuva.
– Você me ouviu – ele disse. Fez questão de parecer duro, tentando apagar
qualquer proximidade que pudesse ter surgido entre ele e o piloto. Não podia
se dar ao luxo de uma discussão agora.
– Você disse que subiríamos aqui apenas para olhar – Bodhi retrucou.
Minta para ele. Diga que você precisa manter Galen vivo em Eadu e que
não sabe o que aquele transporte significa.
– Estou aqui – Cassian disse. – Estou olhando. Agora, vá.
A plataforma entrou em sua visão. Mais Imperiais estavam emergindo dos
prédios. Ajustou a mira e começou a procurar o rosto de Galen Erso. Ouviu a
respiração acelerada de Bodhi ao seu lado.
– Rápido! – Cassian rosnou.
As botas de Bodhi lançaram pedras sobre a jaqueta de Cassian quando
começou a correr.
Durante o voo para Eadu, Krennic havia atiçado a fúria em seu coração.
Alimentado pela indignação e humilhação, seu fogo queimava forte o
bastante para aquecê-lo no frio que banhava o transporte – e para afastar o
gelo das gotas de chuva que o atingiram quando desceu da rampa de
embarque para a plataforma de aterrissagem.
As botas de seu esquadrão da morte chiaram contra o metal molhado
quando parou e analisou o grupo de stormtroopers, oficiais e engenheiros
diante dele. Os soldados cercavam os engenheiros – encharcados como cães
na chuva, de pé em um agrupamento indecoroso – em uma das pontas,
enquanto os oficiais seniores da estação se alinhavam ao lado do transporte,
fazendo seu melhor para ignorar sua indignidade na presença do diretor. A
comandante da guarnição deu um passo adiante para oferecer as boas-vindas,
mas Krennic a dispensou. Não tinha interesse algum em atrasar aquilo que
viera fazer.
Os engenheiros olharam nervosamente uns para os outros. Krennic
observou cada um, lembrou-se de seus nomes, estudou suas posturas. A
maioria ele não conhecia muito bem. Havia selecionado pessoalmente Uyohn
do Programa de Futuros de Brentaal – o mesmo programa que Krennic e
Galen haviam completado juntos – e se sentira muito decepcionado com os
resultados desde então. Uyohn endireitou as costas, sua expressão vacilando
entre medo e uma esperança desesperada e ilusória. Onopin, por outro lado,
parecia pronto para praguejar sobre interferência burocrática e enterrava sua
óbvia preocupação debaixo de uma tênue camada de orgulho profissional.
Krennic gostava de Onopin, mas torceu para que ficasse calado dessa vez.
Nenhum deles mostrou qualquer indicação de desafio.
Krennic olhou para Galen Erso. O homem deu um passo adiante, piscando
para tirar as gotas de chuva dos olhos. Mantinha uma postura que indicava
que a presença de Krennic não o surpreendia nem o preocupava.
– Bom, Galen – Krennic disse. – Ao menos está completa. Você deve estar
muito orgulhoso.
– Tão orgulhoso quanto possível, Krennic.
Era uma falsa humildade, é claro. Krennic tinha certeza disso.
– Junte os seus engenheiros. Tenho um anúncio a fazer.
Galen mal gesticulou. Os engenheiros se mexeram como gado, saindo de
um lado da plataforma para o outro até ficarem diante de Krennic e Galen
juntos. Amontoavam-se como se quisessem compartilhar calor no meio da
tempestade e afastar seu medo coletivo.
– Estão todos aqui? – Krennic perguntou, embora já soubesse a resposta.
– Sim – Galen disse.
Krennic deu um sorriso ácido e disse as palavras que havia selecionado
com cuidado a bordo do transporte:
– Cavalheiros. Um de vocês traiu o Império. Um de vocês conspirou com
um piloto para enviar uma mensagem à Rebelião. Ordeno que o traidor se
apresente.
Assim que terminou de falar, o esquadrão da morte de Krennic mirou suas
armas na direção dos engenheiros.
Jyn acordou com algo queimando em seus pulmões e o cheiro de morte nas
narinas. Quando tossiu, o baque enviou uma onda de dor do pescoço até as
costas. Ela rolou de bruços e se ajoelhou, usando a mão direita para se apoiar
na plataforma, mas encontrou apenas a beirada quente de um buraco que
cobria a maior parte do chão. À sua esquerda havia um cadáver enegrecido e
ensanguentado demais para identificar.
Jyn concluiu que estava viva.
Onde estava seu pai?
– Diretor! – alguém chamou. – Precisamos evacuar!
Olhou na direção do som. Através de fumaça espessa, Jyn avistou dois
oficiais apoiando o homem de branco, levando-o em meio ao fogo até a
rampa de embarque do transporte. Quando a rampa começou a subir, o
homem de branco lançou um último olhar na direção de um corpo do outro
lado do buraco.
O corpo de Galen.
Jyn forçou-se a levantar e sentiu mais dor descendo suas costas. Tentou
correr, mas apenas conseguiu dar passos vacilantes e desajeitados. Se alguém
tentasse atirar contra ela, Jyn morreria instantaneamente, mas ninguém atirou.
Ouvia passos e gritos. Não viu mais ninguém através da fumaça.
Gotas de chuva caíam sobre ela e um vento forte e quente a derrubou de
joelhos novamente. Quando o transporte se ergueu da plataforma, a força do
ar expulso dos motores aumentou até Jyn deslizar para trás, na direção da
beira da plataforma. Tentou se segurar com as pontas dos dedos no metal
molhado, mas apenas a subida final do transporte a salvou de um destino
semelhante ao do stormtrooper que ela matara mais cedo. Quando se arrastou
do precipício e se ergueu outra vez, viu suas próprias unhas rachadas e
cobertas de fuligem.
Tremendo, Jyn refez seu caminho. Logo voltou a ter firmeza nos passos e
correu até chegar ao lado de seu pai. Ajoelhou-se nas cinzas, envolvendo
Galen com os braços e trazendo-o para perto do peito.
Ele era tão leve. Apenas os restos de um homem envelhecido.
Mas estava quente. E respirava.
– Papai – ela sussurrou. – Sou eu, a Jyn.
Sua cabeça pendeu para trás e ele encarou as nuvens no céu antes de
finalmente virar na direção dela. Havia dor em seu rosto, perplexidade e uma
alegria na qual parecia não confiar plenamente.
– Jyn? – ele disse, e ela assentiu. Os olhos dela ardiam com a fumaça e as
lágrimas.
Meu pai está vivo.
Meu pai está morrendo.
– Poeira Estelar – ele disse. Seus lábios moviam-se com um cuidado
deliberado, como se ele quisesse que ela reconhecesse as palavras mesmo se
o fôlego acabasse.
Jyn acariciou seu cabelo molhado e sujo. Assim como Saw, ele era uma
sombra do homem de que se lembrava. Enquanto ela havia crescido, ele
havia murchado. Mesmo o homem no holograma era mais sólido que o
homem que abraçava agora.
Ficou surpresa ao perceber que não sentia nenhuma raiva. Não havia nada
para sentir raiva. Apenas um homem moribundo que a amava e que havia
esgotado tudo o mais que já fora.
As confissões de Jyn também sumiram. Aquele não era um homem que
precisava ouvir o que a Estrela da Morte havia feito, ou sobre como ela
perdera a fé que tinha nele, ou sobre as coisas que Liana ou Tanith ou Kestrel
haviam cometido enquanto ele dizia a si mesmo: se você estiver feliz, Jyn,
então isso já seria mais do que suficiente.
Galen voltou a falar, observando-a com uma intensidade triste:
– Ela tem de ser destruída.
– Eu sei – Jyn respondeu em um tom tranquilizador, tremendo quando
chegou o mais perto que podia. – Vi sua mensagem.
Não teve certeza se ele a ouviu.
Seu pai molhou os lábios.
– Alguém precisa destruí-la.
Ele ergueu o braço lentamente. Seu pulso tinha espasmos quase
imperceptíveis com o esforço dos músculos. Três dedos macios tocaram o
rosto de Jyn, depois caíram.
– Papai… – Sua garganta estava fechada. – Não. Não…
Jyn ajeitou os cabelos na testa de seu pai. Ele estava quente, mas o peito já
não subia e descia – nem mesmo com a leve respiração de antes.
– Papai… papai! Por favor…
Olhou para dentro, para a caverna em sua mente, mas o holograma não
estava mais lá e suas palavras não mais ecoavam. Havia agora apenas
escuridão e vazio. Nenhum abrigo, nada para protegê-la, nada para guiá-la.
Não soltou Galen, não soltou seu pai, quando um corpo de armadura
branca saiu da fumaça e mirou neles. Jyn procurou seu fuzil, mas não o
encontrou – não lembrava onde ele havia caído. Abraçou o corpo com mais
força e se preparou para um último choque de dor.
Ouviu o disparo. Viu o stormtrooper cair. Cassian emergiu da fumaça e
logo estava ao seu lado, com as mãos em seus braços e tentando fazê-la
levantar, tentando puxá-la para longe de Galen.
– Jyn, precisamos ir. Vamos.
Ela não entendia de onde ele aparecera, da mesma maneira como não
entendia o ataque dos X-wings. Entender não faria diferença.
– Não posso deixá-lo aqui.
– Ouça. – Firme, mas não forçoso, ele tirou os dedos dela do corpo de seu
pai. O calor de Galen havia desaparecido, substituído pelo frio da chuva. –
Ele se foi. Ele se foi. Não há nada que você possa fazer. Vamos.
Seu pai caiu no metal.
– Ajude-me – Jyn disse e ficou surpresa ao ouvir a força em sua voz.
– Vamos – Cassian insistiu. Ele a levantou. A dor atravessou o corpo dela
e pareceu ativar seus nervos. A fumaça machucava sua garganta. Passos
corriam na direção deles. A própria plataforma rangia.
Jyn precisava fugir ou morreria com seu pai.
– Anda! – Cassian urgiu.
Ela tomou sua mão e deixou que mostrasse o caminho.
Cassian já havia testemunhado Jyn presa dentro de si mesma no monastério,
em Jedha. Mas o que via agora era diferente – estava alerta, ciente dos
arredores e de suas decisões. Ele apenas precisava ter certeza de que ela
escolheria viver.
Cassian já havia fracassado com o pai dela.
Manteve uma das mãos agarrada ao braço de Jyn e a outra no fuzil
enquanto atravessava o caminho entre incêndios e buracos na plataforma.
Sabia que o tempo era curto. O esquadrão rebelde deixara os céus pouco
antes de Cassian encontrar Jyn – agora os Imperiais fugiam enquanto o
inferno gerado pelas bombas se espalhava pela instalação. Metade da
guarnição caçava intrusos enquanto o resto corria para a evacuação.
Cassian havia encontrado um turboelevador de carga, desprotegido no
meio do caos, que o levou até a plataforma. Conduzira Jyn por alguns metros
até a porta, quando um esquadrão de stormtroopers emergiu de uma das
estruturas vizinhas. Cassian ergueu seu fuzil – havia soldados demais, porém
ele poderia dar cobertura para Jyn – e viu uma rápida saraivada de tiros
energéticos derrubar os inimigos como bonecos.
Os tiros vieram da direção da montanha. Apenas uma vez vira um franco-
atirador eliminar um esquadrão tão rapidamente antes.
Obrigado, Baze, ele pensou, e correu para o turboelevador.
– Vamos – gritou para Jyn. – Vamos!
Disparou três tiros quando mais stormtroopers apareceram na plataforma.
Não viu se acertou os alvos – em vez disso, olhou para Jyn. Ela olhava na
direção do pai.
Quando se voltou para Cassian, havia gelo em seus olhos. Mas continuou
correndo com ele.
Logo estavam no fundo do cânion, correndo sobre poças e chutando
cascalho conforme passavam. Intermináveis tiros vermelhos foram
disparados de cima da plataforma. Quando Cassian e Jyn dobraram a base de
um pilar rochoso, mais tiros energéticos voaram atrás deles. Cassian tentou
contatar K-2 no comlink, mas não conseguiu. Chamou Baze e Chirrut antes
de lembrar que eles não tinham nenhum comlink.
Teve um vislumbre dos stormtroopers que se espalhavam no cânion, em
perseguição. Em um terreno familiar, Cassian poderia ter escapado deles.
Mas mal enxergava um palmo à frente do nariz e seria facilmente detectado
por qualquer sensor de calor. Sem um respiro, ele e Jyn logo estariam mortos.
– Os caças estelares – Jyn disse, com a voz rouca. – Você consegue
chamá-los de volta?
Seus cabelos grudavam no rosto. Cinzas cobriam a face e o queixo. Parecia
ter saído de sua própria cremação para se vingar do mundo que a havia
injustiçado.
– Não consigo – Cassian respondeu. – Eles já partiram.
– Mas não são da Aliança? – As palavras soaram mais como uma acusação
do que como uma pergunta. – Estão do seu lado.
– Eles não obedecem às minhas ordens, e não tenho como conta-tá-los.
Eles não podem nos salvar. – Não sabia o que ela estava pensando, não
imaginava sobre o que poderia se fixar em seguida, no meio de sua
perturbação. – Estamos sozinhos, Jyn.
Uma série de tiros atingiu a rocha perto dali. Jyn olhou impassivelmente
por cima do ombro de Cassian, na direção das fantasmagóricas tropas de
armadura branca.
Ele ouviu um rugido súbito, e uma rajada de vento quase o jogou contra a
parede. Aparecendo sobre o topo do cânion, mergulhando na direção de
Cassian e Jyn, veio um transporte Imperial – não aquele que Cassian vira na
plataforma, mas uma nave classe Zeta velha e gasta, construída para
transportar carga. A nave voava entre os ventos da tempestade como um
barco sacudindo em um redemoinho, mas conseguiu se estabilizar quando
chegou perto do chão. Canhões laser se moviam no casco dorsal, encontraram
alvos e dispararam contra os soldados sob a chuva. Stormtroopers gritavam e
caíam em montes fumegantes.
Cassian quis rir. Quis gritar.
A rampa de embarque do transporte se estendeu, o metal chiando sob o
vento. Uma voz veio de dentro:
– Vamos, vamos, vamos! – A silhueta de Bodhi contra as luzes do interior
acenava freneticamente.
Cassian e Jyn correram juntos e subiram a rampa. Bodhi sorria
abertamente, mas, quando viu Jyn – sóbria, implacável –, seu rosto murchou.
Cassian sentiu a nave subir sob seus pés e se virou, quase caindo para fora da
porta. Olhou através do véu da chuva.
Viu aquilo que procurava e gritou na direção da cabine do piloto.
– Espere, espere, K!
Chirrut descia um declive, batendo no chão com seu cajado em uma das
mãos e carregando seu arco de luz ornamentado na outra. Baze vinha logo
atrás, dobrando o torso e empunhando o canhão enquanto ficava de olho na
retaguarda. Os dois subiram a rampa de embarque correndo e entraram no
compartimento de cargas da nave.
Cassian olhou para o arco de luz de Chirrut com uma recém-descoberta
admiração.
– Você derrubou um caça TIE com essa coisa?
– Não elogie – Baze rosnou enquanto recuperava o fôlego. – Tem sorte por
ele não ter acertado vocês.
Bodhi acionou um botão e a rampa começou a se fechar. Quando correu
para a escada que levava à cabine do piloto, ele gritou:
– K-2, todos a bordo! Vamos!
– Entendido – a voz do droide respondeu. – Decolando.
A cabine tremeu quando o transporte voou para fora do cânion, inclinou-se
ao passar por uma formação rochosa e começou uma rápida subida aos céus.
Uma série de explosões distantes – algumas breves e sobrepostas, outras mais
intensas – se seguiu. O laboratório, Cassian pensou. O incêndio atingira os
cristais kyber ou algum outro material volátil.
Ao menos isso limitava a probabilidade de uma perseguição.
Quando os sons da tempestade e da destruição ficaram para trás, o
transporte se endireitou. Estavam deixando a atmosfera. Cassian desabou
sobre a rede de carga para também recuperar o fôlego e sentiu a exuberância
da fuga ser substituída pela fadiga. Olhou para Baze e Chirrut e percebeu que
os dois tinham expressões sombrias.
Estavam esperando Galen Erso.
Bodhi quase certamente também esperava.
Cassian não olhou para Jyn.
DADOS COMPLEMENTARES:
ANOTAÇÕES DE ENGENHARIA DA
ESTAÇÃO DE BATALHA
Erso:
Fiz os droides gerarem um novo Relatório de Segurança e
Compatibilidade de Sistemas incorporando ao núcleo do reator os
ajustes propostos pela sua equipe. Os novos planos dispararam uma
dezena de alertas de subsistemas e uma grande marca vermelha na
linha rotulada “Unidade Aniquiladora de Hipermatéria”. Nem
perguntei ao meu astromec o quanto aquilo poderia ser ruim – uma
linha vermelha em um sistema crítico fala por si mesma.
Por que estamos fazendo modificações no reator a essa altura do
jogo?
Peça para seus engenheiros checarem melhor seus trabalhos.
Obviamente, nenhuma mudança foi aprovada.
Vodran:
Minhas sinceras desculpas. Concordo plenamente que isso é
inaceitável. O objetivo das modificações é reduzir o tempo de
carregamento do canhão principal para níveis satisfatórios (tenho
certeza de que você viu a diretiva de Tarkin), mas não há desculpa
para trabalho desleixado.
Imagino que você tenha alertado o Diretor Krennic também.
Direi mais assim que falar com minha equipe.
Vodran:
Alertei o diretor pessoalmente, por sugestão sua.
Conversei com minha equipe e identificamos o problema. As
modificações do núcleo do reator estão produzindo um acúmulo de
radiação, que por sua vez tem o potencial de interferir com o
aniquilador de hipermatéria.
O acúmulo é causado pela blindagem interna, que está refletindo
ativamente o excesso de partículas e metaforicamente “cozinhando” o
núcleo do reator. Se a pesquisa da equipe de blindagem não fosse tão
compartimentalizada, isso talvez pudesse ter sido evitado.
Não obstante:
As modificações do núcleo do reator devem permanecer como
estão. Portanto, ficamos com três possibilidades para evitar o
acúmulo de radiação:
Opção um: construção de um funil reciclador de partículas. Isso é
tecnologia conhecida e testada. Tenho confiança de que funcionará.
Requisitos físicos significam que o reciclador teria de substituir
mecanismos não cruciais sob o setor de comando do norte, mas
calculo que a desmontagem necessária levaria menos de duas
semanas.
Opção dois: continuar o refinamento tecnológico de nosso reator
para reduzir o desperdício de partículas. Tenho vários membros da
equipe ansiosos por essa possibilidade. Estão animados sobre o
potencial avanço tecnológico.
Opção três: construção de dutos de ventilação e saídas de escape
térmico. Isso deve reduzir o acúmulo de partículas para parâmetros
toleráveis, mas não para um grau que eu pessoalmente considere
aceitável. Além disso, acrescentar dutos de ventilação pode levar a
incompatibilidades adicionais com sistemas não cruciais.
Por favor, alerte-me se tiver preocupações.
Diretor:
Como já discutimos, anexo aqui os relatórios preliminares sobre
dois métodos para reduzir o acúmulo de partículas. Deixei clara
minha preferência em pessoa, mas aguardo o seu julgamento.
Galen:
Mais pesquisa e desenvolvimento de tecnologia estão fora de
questão a esta altura. Detalhe uma proposta completa para a solução
da saída de escape e envie os planos para Vodran submeter ao rscs.
Erso:
Que lixo é esse? O Relatório de Segurança e Compatibilidade de
Sistemas travou depois de duzentas linhas vermelhas. Apenas revisei
as primeiras dez linhas, mas parece que você está inundando metade
da estação com radiação?
Achei que esses dutos de ventilação deveriam resolver o problema.
Não.
Isso não será necessário. Tenho certeza de que podemos resolver isso.
Mesmo se uma solução técnica fracassar, talvez possamos alterar a
rotação da tripulação para mitigar os riscos à saúde.
Talvez você seja muito obtuso para entender, Erso, mas estou lhe
fazendo um favor. Esse projeto deveria estar pronto semanas atrás.
Envie os planos finais para os dutos de ventilação e saídas de
escape. Vou aprovar manualmente o rscs e enviá-lo para produção,
manufatura e instalação.
As mudanças foram aprovadas.
CAPÍTULO 13
– Você deveria ter me contado – Mon Mothma disse. Mas não havia veneno
nas suas palavras.
Estava diante da janela de seu escritório: um largo vão no zigurate que se
abria para a interminável selva, sua antiguidade refutada pela lona pendurada
que Mothma usava como proteção durante as tempestades. O General Draven
a observava de sua cadeira, diante da escrivaninha, periodicamente olhando
para o relógio no console.
– Nada disso faria diferença – ele disse. Sua voz saiu amarga, mas a
amargura não era direcionada a Mothma. – Não ficamos sabendo de Jedha até
ser tarde demais. Quanto a Galen Erso, após perdermos o Capitão Andor,
após pensarmos que havíamos perdido o Capitão Andor, tive de tomar uma
decisão na hora. Assassinato em vez de extração.
Era uma mentira, mas Mothma não precisava saber que o assassinato
estava planejado desde o início. Draven não tinha medo de defender suas
escolhas, mas havia questões maiores em jogo e era melhor não complicar
mais as coisas.
– Você não sabe o que teria feito diferença. – Mothma girou; as
sobrancelhas juntas mostravam todo o seu desalento. – Você não tem ideia do
que eu estava fazendo nesses últimos dias, General. Desde que ouvimos
rumores do destruidor de planetas, venho tentando organizar nossos aliados
no Senado para que forçassem uma votação: uma declaração de intenção para
a desmilitarização do Império e uma reconciliação com a Aliança Rebelde.
Draven não sabia disso, embora tal votação já fizesse parte do plano de
longo prazo de Mothma. Ele deveria saber, certamente. Era uma indesejada
lembrança dos pontos cegos da Inteligência da Aliança.
Mothma ainda não tinha acabado.
– Eu poderia usar a incerteza. A possibilidade, os rumores de um
destruidor de planetas, meses ou anos antes de se completar, poderia ganhar
votos a nosso favor. O testemunho de Galen sobre seu poder e propósito
poderia ser ainda melhor. Mas isso… – Ela suspirou e sentou-se na beira da
janela, ajeitando as dobras de seu vestido branco. – Um destruidor de
planetas completamente operacional, pronto para ser usado, e a Aliança não
sabe de quase nada? Se eu revelasse isso, metade dos senadores não
acreditaria em nós, e os outros entrariam em pânico. Não posso controlar o
pânico.
Draven digeriu aquilo, guardou pedaços para investigar depois e fez o seu
melhor para separar o que era destinado a ele daquilo que era apenas
frustração.
– Então isso significa – ele perguntou, tomando cuidado para não mostrar
julgamento – que está desistindo de uma solução política?
– Nunca – Mothma disse quase num sussurro. – Mas talvez a paz tenha de
esperar mais um pouco.
Draven explodiu em uma risada e imediatamente se arrependeu. Após um
momento, Mothma ofereceu um de seus raros sorrisos autodepreciativos.
– Será preciso reunir o conselho da Aliança, é claro – ela disse. – O mais
rápido possível. Informe a todos e determine nossa estratégia diante de uma
crise.
Draven havia previsto aquilo. Uma reunião dos líderes da Aliança poderia
ser uma má ideia – um traidor com um detonador térmico ou alguma
transmissão descuidada seriam o fim da Rebelião –, mas ele não tinha opção
melhor. Os comandantes militares estavam acostumados a viajar
secretamente, apesar do perigo – os membros civis do conselho e os agentes
da Aliança espalhados no Senado Imperial e em outros lugares teriam mais
dificuldade para se juntar à reunião discretamente na Base Um.
– Cuidarei disso – ele disse. Seria como mover uma montanha em prazo
muito curto, mas ele cuidaria disso. – Há uma boa chance de que tenhamos
de volta o Capitão Andor e a filha de Erso a tempo para a reunião.
– Ótimo. O testemunho do Capitão Andor pode ajudar a tranquilizar e
persuadir os conselheiros mais céticos. – Mothma não soava como se
realmente acreditasse naquilo.
– Andor pode não ter muito a contar. Sabe aquela mensagem que
desencadeou tudo isso? A mensagem de Galen Erso? – Mothma assentiu e
inclinou a cabeça. Draven suspirou. – Acontece que a filha de Erso é a única
pessoa viva que viu a mensagem. Ela também se encontrou com Erso, antes
de morrer. Vamos interrogá-la, mas não sei até que ponto ela poderá
tranquilizar o conselho.
Mothma ajeitou seu vestido novamente e examinou o tecido por meio
minuto ou mais. Então se levantou.
– Quero Jyn Erso nessa conferência – ela disse. – Certifique-se de sua
presença.
Mais do que qualquer coisa que tivesse dito, aquilo surpreendeu Draven.
Jyn Erso?
– Aquela garota é uma ladra e uma mentirosa – Draven disse. – Ela estava
na prisão por um motivo. Quase arrancou a cabeça da minha equipe de
extração. – Mothma havia insistido em tirar Jyn de Wobani desde o início; se
se tratasse de qualquer outra pessoa, Draven pensaria que ela não queria
admitir que estava errada. – Você realmente enxerga algo nela?
– Fogo – Mothma respondeu, como se isso explicasse alguma coisa.
– Certo. – Draven hesitou; pensou em terminar a conversa enquanto ainda
estava em terreno relativamente firme, mas decidiu arriscar outra vez. – Seja
qual for a decisão do conselho, teremos de agir rapidamente. Vou tentar
chamar alguns especialistas, tropas de solo e ar ficarão na reserva, se
precisarmos deles.
– Obrigada, General.
– Quando digo seja qual for a decisão do conselho… – Draven se levantou
e soltou um lento suspiro. – Não prometo estar do seu lado quando a reunião
começar.
– Eu sei. Imagino que nós dois tentaremos compensar nossos erros.
Draven não tinha resposta para aquilo, então assentiu bruscamente e
deixou a sala. Tinha o bastante para se manter ocupado sem precisar se perder
em autorreflexão.
JYN SE SENTIU PRONTA DE UM jeito como não se sentia havia muito tempo.
Acelerava na direção de Yavin 4 com um propósito – e não um simples
propósito, mas um plano, frágil e delicado como uma pétala. Ela emergira do
compartimento de máquinas do transporte com uma única resposta, mas a
considerou suficiente.
A raiva e o ressentimento pela Rebelião permaneciam. Mas, deixadas em
paz, essas emoções diminuíram. Eram tão reais e irrelevantes quanto sua
velha raiva por Saw Gerrera e seu grupo.
Além disso, precisava da Rebelião para aquilo que viria a seguir.
Diria a eles toda a verdade. Ela pode ser destruída. Alguém precisa
destruí-la.
Ao desembarcar, Jyn mais uma vez foi tomada pelo perfume opressivo de
mofo e vegetação apodrecida. Estava logo atrás de seus companheiros, ao
lado de Bodhi e seguindo os Guardiões dos Whills – Cassian havia tomado a
liderança, correndo na frente para consultar um grupo de oficiais da
Inteligência que esperavam dentro do hangar. K-2SO ficou para trás
observando a todos, como se esperasse que todo mundo fosse fugir, com
exceção de seu mestre.
Durante a aterrissagem, eles viram outras naves irrompendo pela atmosfera
na direção do zigurate.
– Estão trazendo todo mundo para uma reunião do conselho da Aliança –
Cassian alertara bruscamente, desviando os olhos. Bodhi, Chirrut e Baze
seriam interrogados pela Inteligência da Aliança enquanto Cassian e Jyn
falariam diretamente com o conselho. Baze havia mostrado os dentes, mas
Chirrut dissera algo sobre mostrar cortesia como convidados no lar dos
rebeldes.
Agora soldados rebeldes armados conduziam aristocratas bem-vestidos em
direção ao interior do templo. Bodhi parecia deslumbrado, esticando o
pescoço para olhar cada nave que aterrissava.
– Aquele é um veleiro estelar Folha de Fogo – ele murmurou, apontando
para um ponto negro no céu azul-acinzentado. – Você pode saber ouvindo o
barulho agudo. São muito raros. Alguém importante deve estar a bordo.
– Você não entra no conselho sem dinheiro, armas ou influência – Jyn
respondeu.
Bodhi riu nervosamente. Após um momento, raspou a sola de sua bota
contra o chão de pedra e se virou para Jyn.
– Sinto muito por Galen.
Aquilo tomou Jyn de surpresa, embora ela não soubesse por quê.
– Obrigada – respondeu.
Bodhi deu de ombros.
– Eu gostava muito dele. Não que o conhecesse muito bem, mas gostava
dele…
– Você provavelmente o conhecia melhor do que eu.
O sorriso de Bodhi foi menor agora, mas não havia nervosismo.
– Acho que não.
Jyn começava a suar sob o calor. Sua postura transparecia inquietação e
desconforto enquanto observava um astromec passar de uma nave a outra
sem um propósito aparente. Bodhi parecia tentar manter o silêncio – em
consideração a Jyn, provavelmente, considerando seu hábito de falar pelos
cotovelos.
Jyn sentiu pena dele e fez um gesto para seu traje de voo Imperial.
– Aposto que vai ficar contente em tirar isso. Deve ter uma muda de roupa
em algum lugar por aí.
– O quê? – Bodhi olhou para seus braços e fixou o olhar nos emblemas do
Império, em seus ombros. – Não. Não, eu… acho que vou manter. Como um
lembrete.
– Um lembrete do quê?
Bodhi chegou mais perto, como se constrangido por falar aquilo.
– De que me voluntariei para tudo isso. Entende?
Jyn foi poupada de responder por um grito vindo do grupo de oficiais da
Inteligência. Os rebeldes rapidamente se posicionaram ao redor de Baze,
Chirrut e Bodhi.
– Vejo você por aí – Jyn disse quando um tenente começou a conduzir
Bodhi.
Cassian sinalizou para Jyn segui-lo, e eles se juntaram à fila de pessoas que
entrava no zigurate.
– Vamos – Cassian disse. – Eles estão prestes a começar.
A sala de reuniões era tão rústica quanto o resto da base rebelde. Paredes de
pedra vazavam umidade sobre dutos e cabos que conectavam consoles e um
holoprojetor central. As cadeiras eram poucas para a multidão: almirantes e
generais em uniformes chamativos ficaram lado a lado com guerrilheiros de
armadura; nobres e burocratas civis (vestidos com roupas simples feitas de
tecidos caros como Jyn nunca vira antes) juntos em grupos compactos. Jyn
ouviu murmúrios que sugeriam que alguns dos conselheiros presentes eram
senadores Imperiais; se ela se desse ao trabalho de acompanhar a política,
poderia até tentar reconhecê-los.
Acabou deixando um comandante Ithoriano corpulento prensá-la contra
um canto e perdeu Cassian de vista. Pouco tempo depois, Mon Mothma – a
sóbria mulher de túnica branca que Jyn conhecera havia alguns dias, que
agora pareciam uma vida inteira – aproximou-se do holoprojetor e chamou a
atenção da multidão.
– Quero agradecer a todos – ela disse – por terem vindo com tão pouco
tempo de aviso. Muitos de vocês enfrentaram jornadas cujos perigos não
posso nem começar a entender. Arriscaram ser expostos, cruzando linhas
Imperiais, porque acreditam em nossa Aliança. Porque acreditaram quando
informamos sobre uma crise sem precedentes. Eu gostaria de dizer que a
crise não é real. Gostaria de dizer que vocês vieram até aqui para nada. –
Mothma ofereceu um leve sorriso.
Alguém na plateia riu asperamente e tentou disfarçar com uma tossida.
– Mas a evidência que vamos apresentar não é especulativa – Mothma
continuou. – É secreta, sim. E, ao mostrá-la aqui, precisamos revelar certas
fontes e métodos usados pela Inteligência da Aliança, fontes e métodos que
não podemos levar a público ou ao Senado. Vocês ouvirão o testemunho de
agentes rebeldes confiáveis e de novos aliados. Se duvidarem de suas
palavras, lembrem-se de que todos eles estão marcados para a morte pelo
Império. – Houve murmúrios por toda a multidão, inquietos e céticos. – Peço
que não especulem até o final da reunião. Quando terminarmos, poderemos
discutir o que ouvimos e determinar juntos o futuro da nossa organização e da
nossa galáxia.
Mothma hesitou. Jyn viu o General Draven abrir caminho até o centro, mas
ele parou quando Mothma voltou a falar.
– Aquilo que encaramos agora – ela disse – é o ápice natural de todos os
males do Império.
Jyn reconheceu as palavras, um pouco diferentes daquelas do primeiro
encontro com Mothma. Você vem trabalhando nesse discurso faz tempo, ela
pensou.
– É uma arma criada para assassinar planetas – Mothma continuou. – Para
transformar em pó mundos prósperos e populações de bilhões. Vocês verão
hoje que não foi criada com a intenção de ser usada apenas contra entrepostos
militares, mas como uma arma de destruição e medo absolutos. Acreditamos
que o Império lhe deu o nome de Estrela da Morte.
Agora Mon Mothma finalmente abriu espaço. Draven tomou seu lugar e
começou a reunião propriamente dita. Jyn parou de prestar atenção em sua
voz – ele falou sobre uma série de relatos sobre extração de cristais kyber e
rastros de créditos para pesquisa do Império – e preferiu observar os
conselheiros. Com poucas exceções, os oficiais militares estavam extasiados
– tinham fé em Draven, por alguma razão, e tomaram suas palavras como
verdade. Os políticos mantiveram, como um todo, um ar de neutralidade,
como se tivessem passado toda a vida treinando suas expressões de
imparcialidade.
Mon Mothma conversava em voz baixa com os conselheiros próximos a
ela. A mulher se manteve ocupada.
Logo Draven passou a palavra para uma série de oficiais da Inteligência da
Aliança. Bodhi foi apresentado para um brusco questionamento sobre Galen
Erso e a construção que havia pessoalmente testemunhado. Cassian veio em
seguida, sempre profissional, relatando a história da “Operação Fratura”. Era
uma história que em linhas gerais – uma tentativa de contatar Saw Gerrera
por causa de um desertor do Império, um ataque à Cidade Sagrada utilizando
a própria Estrela da Morte – lembrava a verdade que Jyn conhecia. O
holoprojetor mostrava a cratera e a tempestade de poeira resultantes em
Jedha.
– O Império está dizendo que foi um acidente de mineração – um homem
murmurou, duas fileiras na frente de Jyn. – Eles também não estão prontos
para se revelar ao público.
Em seguida, Cassian mentiu sobre Eadu, chamando aquilo de uma
tentativa abortada de extrair Galen. Os conselheiros começaram a interrompê-
lo pedindo detalhes sobre os planos do Império, os quais Cassian não tinha.
Jyn desviou os olhos, sentindo desgosto, e quase pulou quando viu que Mon
Mothma havia chegado discretamente ao seu lado. No aperto da multidão,
sentiu-se intimamente próxima a ela.
– Eu sou a próxima? – Jyn perguntou. Riu causticamente quando
adivinhou o motivo da aproximação de Mothma. – Você está aqui para me
preparar?
Provavelmente existiam versões da história de Jyn que Mon Mothma,
chefe de estado da Aliança Rebelde, queria ver divulgadas – e outras que
preferia silenciar.
Mas Mothma sacudiu a cabeça.
– Não. Eu queria dizer… – Seus olhos se fixaram sobre o rosto de Jyn
enquanto buscava por palavras. Jyn pensou em todas as trivialidades que a
mulher poderia dizer: Sinto muito por sua perda. A Rebelião está orgulhosa
de você. Boa sorte com a plateia.
– Não esquecerei aquilo que fizemos com você – Mothma disse.
Jyn a encarou e tentou compreender a tristeza em sua voz.
Poderia ter feito alguma pergunta, mas então ouviu seu nome ser chamado
e uma mão começou a conduzi-la até a frente. Endireitou os ombros e se
preparou. Sabia o que precisava dizer.
Jyn contou sua história da forma mais concisa, direta e honesta que pôde.
Recitou tudo de que conseguia se lembrar da mensagem de Galen, embora as
palavras continuassem desaparecendo de sua mente, uma a uma. Sofreu o
questionamento de um senador de camisa vermelha (alguém o chamou de
Jebel, Ministro das Finanças Rebelde, título que lhe pareceu cheio de
potencial para zombarias), que se ateve a sua extração de Wobani: perguntou
se ela fora subornada com a liberdade, em troca da qual ela deveria servir
como testemunha, e Jyn retrucou com um “sim” antes de ver Bodhi lhe fazer
uma careta na multidão, e então retificou sua resposta. O Almirante Raddus –
um Mon Calamari cuja pele era salpicada como nuvens de tempestade e cujos
olhos eram vermelhos e nunca piscavam – perguntou severamente sobre o
rompimento com Saw Gerrera; ela mentiu, falando de seu desconforto com
os métodos de Saw, e isso pareceu satisfazer o almirante.
Jyn falava baixo demais em um momento e alto demais no outro, sem
saber como sua voz se propagava na câmara. Seus olhos analisaram a
multidão, sem se deter no mesmo ponto por muito tempo. No decorrer de
uma hora, depois duas, depois três, ela percebeu os conselheiros cada vez
mais inquietos. Cassian e Bodhi sumiram nas profundezas do zigurate. Jyn
terminou contando aquilo que havia acontecido em Eadu e repetindo as
palavras finais de seu pai.
– Ela pode ser destruída – disse. – Foi a última coisa que ele pensou. Era a
coisa mais importante da sua vida.
Sentiu uma aspereza na garganta e se afastou do projetor antes que alguém
pudesse gritar outra pergunta. Uma vaga decepção se abateu sobre ela – uma
sensação de que suas palavras deveriam ter carregado mais peso, ou que,
durante o testemunho, deveria ter sentido a mesma excitação que sentia
quando disparava um blaster.
Ninguém se apresentou para tomar seu lugar. A reunião havia terminado.
– Senadora Tynnra Pamlo de Taris. – Uma mulher com um capuz marfim e
um medalhão cerimonial anunciou a si mesma e tomou o centro, apesar dos
murmúrios de uma dezena de subgrupos concentrados em suas próprias
discussões. – Parece claro que a Senadora Mothma não exagerou ao
descrever a situação como uma crise. Essa Estrela da Morte é uma ameaça
existencial não apenas para nossa Aliança, mas para a vida como a
conhecemos.
Novas vozes se ergueram em aprovação e negação. Pamlo não se abalou.
– Digo isso com um sincero arrependimento e uma certeza moral: não
podemos, em sã consciência, arriscar mundos inteiros por nossa causa. A
existência da Estrela da Morte é um ultimato que não podemos negar. Até
termos certeza de que o Império não usará essa arma em um planeta povoado,
precisamos dispersar a frota e debandar nossas unidades militares. Não temos
alternativa senão a rendição…
A falsa aparência de civilidade da reunião evaporou como pingos d’água
em um motor quente. Discussões e murmúrios irromperam em balbúrdia.
Simultaneamente, vinte discursos grandiloquentes começaram e vozes
raivosas competiram por atenção. Generais despejaram os petardos retóricos
que preparavam desde o início da reunião.
Jyn olhou aquilo boquiaberta, sem entender. Ficou esperando pelo fim do
discurso de Pamlo, como se ele pudesse magicamente mudar de direção e se
tornar um grito de ação.
Vislumbrou fragmentos ferventes de perguntas e proclamações:
– Realmente estamos falando em abandonar algo que trabalhamos tão duro
para construir?
– Não podemos simplesmente nos entregar a…
Um dos civis e o Almirante Raddus disseram ao mesmo tempo, e suas
fúrias foram imediatamente rebatidas no mesmo tom por um homem altivo,
vestindo uma pesada capa azul:
– Nós nos juntamos a uma Aliança, não a um pacto de suicídio!
Jyn praguejou – em voz alta ou em silêncio, ela não sabia – e girou rápido
o bastante para empurrar seu vizinho mais próximo enquanto tentava olhar e
absorver a vontade da multidão. De todos os resultados que havia esperado,
de toda a inutilidade que esperava da Rebelião, a rendição não era uma delas.
– Apenas agora conseguimos juntar nossas forças – disse o aliado civil de
Raddus, um homem de meia-idade coberto de vestes marrons, que parecia
comandar uma atenção desproporcional a suas roupas simples. – Se
finalmente coordenarmos…
O Ministro das Finanças Jebel o interrompeu e não fez questão de esconder
sua zombaria.
– Juntar nossas forças? O General Draven já explodiu uma base Imperial!
Eu achava que a Aliança não concordava mais com as táticas de Saw
Gerrera…
– Foi preciso tomar uma decisão – Draven retrucou do outro lado da
câmara. – Você sabe como isso funciona. Quando acabarmos de discutir, já
não restará nada para defender!
Jyn passou a respirar mais rápido, com os dentes cerrados. A sala de
reuniões era pequena demais. Estava sendo esmagada pela multidão suada. A
escuridão que já fora a caverna agora avançava nos cantos de sua visão,
comprimindo-a, comprimindo tudo.
Pamlo voltou à discussão.
– O sangue de toda Taris não manchará minhas mãos. Se é guerra que
vocês querem, então lutarão sozinhos!
– Se é assim, então qual a razão de uma Aliança, em primeiro lugar? –
perguntou o homem altivo de azul.
– Se ela está dizendo a verdade, precisamos agir agora!
Se.
E isso veio do Almirante Raddus, um dos conselheiros que Jyn achava que
estava prestando atenção.
O que havia feito de errado? O que havia falado de errado?
– Conselheiros, por favor! – Mon Mothma tentou retomar o controle. –
Todos estamos perturbados com a situação, mas imploro que se abram para as
soluções de seus colegas em vez de…
O esforço de Mothma não funcionou. Mais gritos, mais discussões:
– É simples – um general vestindo traje de voo declarou. – O Império tem
uma arma de destruição em massa. A Rebelião não tem.
– A Estrela da Morte – Jebel zombou. – Isso é besteira.
Se ela está dizendo a verdade.
Jyn começou a gritar antes de perceber, abrindo caminho de volta para o
projetor.
– Que razão meu pai teria para mentir? Que benefício isso lhe traria? –
Agora ela imitava a cadência e a linguagem dos senadores. Soou estranho
para si mesma, mas viu Mon Mothma – a mulher que vinha praticando seu
discurso por uma semana – assentir discretamente em sua direção.
– O seu pai – Draven disse, firme e forte – pode ter sido um tolo ou feito o
jogo do Império até o final. Tudo o que ele disse pode ser uma isca, ciente ou
não, para atrair nossas forças para uma batalha final. Para nos destruir de uma
vez por todas.
Jyn se atrapalhou buscando uma resposta.
– Isso é loucura – ela disse. Já havia perdido sua postura senatorial. –
Vocês sabem que a Estrela da Morte existe…
Mas Draven estava pronto.
– Sabemos que uma perigosa estação de batalha existe, capaz de destruir
uma cidade. Não temos confirmação de sua total capacidade ou de suas
fraquezas. Foi assim que o Imperador sempre operou, desde o tempo da
República. A arma é menos ameaçadora do que a mentira.
O homem de azul ignorou Jyn e aproximou-se do Almirante Raddus.
– Você quer arriscar tudo com base em quê? No testemunho de uma
criminosa? As últimas palavras de um pai, um cientista do Império?
Jebel riu de raiva e frustração.
– Não se esqueça do piloto do Império.
Jyn procurou por Bodhi e o encontrou nos fundos da câmara, encostado
contra a parede. Ele não falou nada, não se defendeu. Jyn poderia ter gritado
com ele, se estivesse mais perto. Se a escuridão não estivesse se fechando
sobre ela tão rápido.
Fechou os olhos com força e pensou na garota em seus braços no
Quarteirão Sagrado. Pensou no templo destruído, nos Guardiões dos Whills e
nos sussurros de sua mãe.
Entregara a mensagem de seu pai, mas não era o suficiente.
– Meu pai – Jyn disse – deu sua vida para que talvez tivéssemos uma
chance de derrotar essa coisa.
– Foi o que você nos contou – disse uma voz firme e profunda. Jyn viu o
general de cabelos brancos que havia encontrado na primeira vez em que
esteve em Yavin; o homem que não dissera nada na ocasião.
Agora parecia instigá-la.
Jyn não era apenas a filha de Galen. Aquilo não era apenas a missão dele.
– Se o Império tem esse tipo de poder – a Senadora Pamlo disse –, que
chance nós temos?
– Que chance nós temos? – Jyn ecoou. Queria gritar: Quem se importa?
Mas precisava de uma resposta melhor. – A questão é que escolha nós temos.
Vocês querem fugir? Querem se esconder? Implorar por misericórdia?
Debandar? – Sua respiração estava rápida e alta demais. A pele parecia
queimar. Os conselheiros se calaram, um a um. Mon Mothma a observava,
com os lábios entreabertos como se pudesse dar a Jyn as palavras certas.
Mas ela ouviu Saw Gerrera. Você não se importa com a bandeira do
Império hasteada por toda a galáxia?
Jyn não parou de falar; aproveitou seu próprio impulso e encontrou
novamente a linguagem dos senadores, juntando a ela sua ferocidade.
– Se vocês se renderem a um inimigo tão maléfico assim e com todo esse
poder, condenarão a galáxia a uma eternidade de submissão. O Império não
se importa com a sua rendição. O Império não se importa se vocês não têm
mais esperanças. Eu já desisti antes, e isso não ajuda em nada. Não impede o
Império. Já vi pessoas perderem tudo simplesmente porque estavam no
caminho. A hora de lutar é agora, enquanto ainda estamos vivos para tentar.
Cada momento que vocês perdem aqui é mais um passo em direção às cinzas
de Jedha.
Havia novas vozes se erguendo na câmara. Jyn não viu nenhum dos
falantes, não reconheceu ninguém.
– O que ela está propondo?
– Deixe a garota falar!
Então Jyn falou.
– Enviem suas melhores tropas para Scarif. – A multidão se tornou uma
mancha amorfa por trás de um véu de suor e lágrimas. – Enviem toda a frota,
se for preciso. Precisamos capturar os planos da Estrela da Morte, se
quisermos alguma esperança de destruí-la.
Novamente respirava com dificuldade. Uma figura branca abriu caminho
na multidão e se aproximou. Através da mancha, Jyn reconheceu a voz da
Senadora Pamlo.
A senadora estava praticamente implorando.
– Está pedindo que invadamos uma instalação Imperial com base apenas
em esperança?
Jyn deu de ombros, incapaz de continuar fingindo a dicção dos senadores.
– Rebeliões são feitas de esperança.
– Não existe esperança – o homem de azul disse, como um pastor
anunciando um presságio.
Com isso, a discussão recomeçou. Chamados para a luta e chamados para a
rendição preencheram a câmara. O movimento de dezenas de corpos
disputando um lugar perto do projetor empurrou Jyn para trás e ela se deixou
levar. Seu momento havia acabado, junto com sua força. Esperou pelo
retorno da escuridão.
Ao menos tentou.
– Desculpe, Jyn. – Mon Mothma tocou seu braço, virando-a lentamente. –
Sem o total apoio do conselho, as chances são pequenas demais.
Não esquecerei aquilo que fizemos com você.
Jyn não disse nada e deixou a sala de reuniões.
Jyn avistou Bodhi correndo atrás dela no úmido labirinto de corredores, fora
da sala de reuniões. Ela tentava refazer seus passos para sair do zigurate –
sem ter certeza de seu destino final, mas havia decidido colocar uma distância
entre ela e o conselho. Talvez continuasse andando até a selva – se Bodhi
quisesse segui-la, Jyn não reclamaria. Já tivera companhia pior.
Considerou pedir desculpas a ele. Havia culpado Bodhi por não se
manifestar durante o caos, mas agora isso não parecia justo. Não teria
mudado nada.
Os dois chegaram ao hangar antes que ela decidisse se diria alguma coisa.
Jyn protegeu o rosto de uma chuva de faíscas quando um técnico e seu
astromec soldaram uma placa de blindagem em um X-wing. Quando baixou
o braço, viu Chirrut e Baze ao seu lado.
– Eles não prenderam vocês? – ela perguntou. – O interrogatório foi
mesmo só um interrogatório? – Tentou forçar uma voz casual. Mas o tom que
saiu foi amargo.
– Você não parece feliz – Baze disse.
Jyn deu de ombros.
– Eles preferem a rendição. – Não era verdade, não para todos os
conselheiros; mas era quase verdade.
– E você? – Baze estava sério como sempre.
Chirrut gesticulou na direção de Jyn com seu cajado.
– Ela quer lutar.
É tudo que sempre fiz, ela pensou. É a única reposta que tenho.
Mas dessa vez acreditava que era a resposta certa.
– Eu também – Bodhi disse, aproximando-se. – Todos queremos.
– A Força é poderosa. – A voz de Chirrut soou como uma promessa.
Jyn olhou para o homem cego, para o assassino e para o covarde diante
dela com admiração e confusão.
Não os conhecia – não de verdade; mal conversavam, com exceção das
discussões a bordo do U-wing. Ela pensou que nunca mais os veria depois da
reunião no zigurate.
Mas, na frente dos conselheiros, tivera dificuldade para encontrar palavras
que transmitissem os horrores dos últimos dias. Tentou expressar tudo o que
havia acontecido, tudo o que o Império havia destruído, sem expor suas
próprias feridas para os olhos dos rebeldes – sem revelar a vergonha de seus
momentos mais lamentáveis e desprezíveis, quando estava abalada pela perda
e presa em seus próprios medos.
Bodhi e os Guardiões já conheciam os horrores e a desonra de Jyn.
Lutaram e quase morreram juntos. Viram Jyn cair e lutar para se levantar. E
ainda estavam com ela.
Pareciam dispostos a enfrentar toda a galáxia, independente de não terem
escolha. Jyn não pôde segurar um sorriso, pequeno, triste e sincero.
– Acho que só nós quatro não seremos suficientes – ela disse.
Baze grunhiu desdenhosamente e olhou para Bodhi.
– De quantos precisamos?
– Do que você está falando?
Baze apontou para trás de Jyn. Quando ela se virou, viu mais de uma
dezena de soldados rebeldes marchando pelo corredor, ganhando o hangar e
bloqueando a entrada para o zigurate. Reconheceu Melshi, o rebelde que ela
havia acertado com uma pá em Wobani – os outros eram estranhos, homens
jovens e velhos com fardas remendadas demais para serem chamadas de
uniformes. Suas armas brilhavam de tão bem cuidadas. Um Drabatano
anfíbio de pele seca e cinza como couro curtido abriu um sorriso cheio de
dentes amarelos; um homem careca com olhos brilhantes e perigosos
ofereceu um aceno. Agigantando-se nos fundos estava K-2SO – emergindo
na frente apareceu Cassian, com o queixo baixo e as costas retas.
Parecia pronto para prendê-la.
– Eles nunca acreditariam em você – Cassian disse. – Não o conselho. Não
hoje.
– Agradeço o apoio – Jyn respondeu. Sua voz saiu frígida. Os punhos se
fecharam. Ficou surpresa ao descobrir o quanto não queria aquela luta.
Jyn se posicionou entre Bodhi e Cassian. Depois do que o piloto e o
Guardião disseram, ela estava pronta para fazer o que fosse necessário para
salvá-los dos capangas da Aliança.
– Mas eu acredito – Cassian disse. – Acredito em você.
Os olhos de Jyn passaram de Cassian para os soldados. Estavam armados,
mas tinham posturas relaxadas. As armas estavam abaixadas. Alguns deles
pareciam até achar graça daquela conversa.
– Nós gostaríamos de nos voluntariar – Cassian disse.
Jyn não confiava nele. Não confiava em nada que a galáxia pudesse jogar
contra ela.
– Por quê?
Ele sorriu, mas o sorriso não durou muito em seu rosto.
– Alguns de nós… – Cassian hesitou, esperando até Jyn olhar em seus
olhos. – … A maioria de nós fez coisas terríveis em nome da Rebelião –
falou sem rodeios, como se fosse a verdade mais óbvia do mundo. – Somos
espiões. Sabotadores. Assassinos.
Jyn olhou novamente para o bando de soldados. Olhavam para ela como se
esperassem um julgamento.
Será que aquilo era uma confissão?
– Tudo o que fiz – Cassian disse –, fiz pela Rebelião. E, sempre que deixei
para trás algo que gostaria de esquecer, eu disse a mim mesmo que foi por
uma causa na qual eu acreditava. Uma causa que valia a pena. – Ele quase
atropelava as próprias frases, forçando-as para fora antes que perdesse a
coragem. Como um homem empurrando um ombro deslocado de volta no
lugar, um puxão agonizante por vez.
Cassian continuou:
– Sem isso, sem a causa, estamos perdidos. Tudo o que fizemos seria para
nada. Eu não poderia me olhar no espelho se desistisse agora. Nenhum de nós
poderia.
Não faça isso, ela quis dizer. Não posso lhe dar uma absolvição.
Em vez disso, Jyn olhou para o bando que Cassian havia juntado e
sussurrou com uma espécie de admiração:
– Como você os encontrou?
– Foi um longo dia – ele respondeu, seco demais e sem humor algum. –
Não precisava assistir a toda a reunião para saber a direção que ela estava
tomando.
– Não posso… – ela começou a dizer. Não posso lhe dar uma causa. Mas
deu um hesitante passo para trás e viu a ferocidade, a necessidade nos olhos
de Cassian espelhada nos olhos de cada soldado. O que quer que tivessem
decidido seguir, já não era mais Jyn quem daria. Ela não poderia negá-los,
assim como Cassian não pôde negá-la depois de Jedha.
Jyn assentiu rapidamente. Alguém no grupo soltou uma risada.
– Não será confortável – Bodhi falou atrás dela, olhando entre os soldados
e a pista onde o transporte de carga estava pousado. – Vai ser um pouco
apertado, mas acho que todos cabem. Podemos usar.
– Certo – Cassian disse. A emoção sumiu de sua voz, sua confissão havia
chegado ao fim. Virou-se para os soldados: – Aprontem-se. Peguem tudo o
que não estiver preso ao chão. Não sabemos o que vamos encontrar em Scarif
e não temos muito tempo para nos preparar. Vão!
Os soldados se espalharam, movendo-se com propósito e determinação.
Bodhi e os Guardiões se juntaram a eles. Apenas Cassian e K-2 ficaram ali. O
droide olhou para ela.
– Jyn – K-2 disse. – Estarei lá com você. Cassian mandou.
Ela segurou um sorriso e olhou para Cassian. O homem que a traíra. O
homem que admitira sua culpa, mas decidira lutar por ela. Ele percebeu o
olhar de Jyn e olhou de volta com curiosidade.
Não era assim que traições funcionavam.
E Jyn lembrou que, embora Cassian – e Bodhi e os Guardiões – tivessem
testemunhado seu pior, ela também fora testemunha de suas ruínas. Bodhi,
que fora torturado; os Guardiões, que perderam seu lar; e Cassian, que havia
traído a si mesmo tão facilmente quanto traíra Jyn. Todos tinham suas
próprias desgraças.
Ao menos juntos já não tinham mais nenhuma vulnerabilidade.
Pensou novamente em Wobani, quando estava sozinha entre mil
prisioneiros.
– Não estou acostumada a pessoas não me abandonarem quando as coisas
apertam – ela disse, como uma explicação para seu olhar.
Não sabia se Cassian havia realmente entendido, mas ele respondeu:
– Bem-vinda ao lar. – E Jyn soube que realmente estava em casa.
Vinte minutos depois, carregando armas e sacolas cheias de equipamentos
roubados, Jyn e Cassian saíram do brilhante sol de Yavin e entraram na
cabine do transporte de cargas. Dessa vez, Jyn pensou, havia ainda mais
rostos do que antes, mais soldados cheios de cicatrizes, suor e determinação
do que no hangar. Com um aperto no peito, percebeu que provavelmente não
precisaria aprender o nome deles antes de chegarem a Scarif – logo todos
estariam lutando juntos por suas vidas em uma missão que muito
provavelmente fracassaria.
Jyn avistou Baze e Chirrut entre os rebeldes. A cabeça de Chirrut estava
voltada para ela, e ele ergueu seu bastão como uma saudação ou um brinde.
Lembrou-se de um ditado de seus dias com Saw Gerrera e falou alto o
bastante para ser ouvida no meio do barulho da nave.
– Que a Força esteja conosco.
JYN AINDA VIVIA NA CAVERNA EM SUA MENTE. Mas agora era maior, tão grande
que era como se pudesse conter mundos e exércitos, e tão repleta da luz que
vinha de cima que ela não mais se sentia presa.
Podia apenas torcer para que não se fechasse sobre ela novamente. Não
antes de a missão acabar. Não antes de terminar o que precisava fazer em
Scarif.
Jyn subia até a cabine do piloto quando o transporte saiu do hiperespaço.
As névoas azuis do túnel do hiperespaço recuaram e as estrelas voltaram a
aparecer, fixas no lugar por matéria e gravidade reais. No centro daquele
cenário estelar havia um planeta envolto em oceanos azuis e salpicado com
nuvens e arquipélagos rochosos. Não fosse a enorme estação orbital em
forma de anel acima do hemisfério norte, Scarif pareceria quase intocada.
– Certo – Bodhi disse. – Vamos lá. – Ele estava sentado ao lado de K-2SO
diante do console, acenando para Jyn se juntar a eles quase sem olhar para
trás. Era estranho, Jyn pensou, vê-lo tão confiante, tão confortável.
– O que é isso? – ela perguntou, cerrando os olhos na direção do anel.
Distinguiu os pequenos pontos que desciam pelo centro como naves estelares,
mas então um brilho na beira do anel chamou sua atenção: era o brilho
sutilmente distorcido de um campo de energia.
– Existe um escudo defensivo que envolve todo o planeta e tem apenas
uma comporta principal como meio de entrada – Bodhi disse. – O nosso
transporte deve estar equipado com um código de acesso que pode nos deixar
passar.
– Desde que o Império não tenha registrado o código como vencido – K-2
acrescentou.
– Ou roubado – Bodhi disse.
– E se tiverem? – Jyn perguntou.
– Então – Bodhi respondeu –, eles fecham a comporta e nós somos
aniquilados no frio e escuro vácuo do espaço.
Jyn bufou uma meia risada. Estava começando a gostar da versão
confiante, confortável – e cínica – de Bodhi.
– Não eu – K-2 disse. – Posso sobreviver no espaço.
Jyn cravou os dedos nos assentos e tentou não se inclinar para a frente. O
transporte tombou gentilmente na direção da comporta e os pontos logo
cresceram. As grandes massas em forma de cunha de dois Destróieres
Estelares se agigantavam como estátuas monstruosas sobre o portal da
estação orbital, eclipsando o enxame de naves de carga, transportes e caças
TIE. Jyn tentou se lembrar da última vez que viu tanta atividade Imperial em
um único lugar, mas não conseguiu.
– Certo, isso é bom – Bodhi disse. Olhou para os Destróieres Estelares e
depois para seus detectores. – Normalmente não é tão movimentado assim.
Acho que isso é bom. Somos apenas mais uma nave, nada para ser notado. –
Jyn percebeu sua confiança vacilar, depois ser restaurada. – Certo. Aqui
vai…
Os motores do transporte rugiram e o convés tremeu quando a nave
acelerou pela vasta distância que a separava da comporta. Bodhi operava o
comunicador com uma das mãos e disse sem hesitar:
– Transporte de carga SW-0608 solicitando uma plataforma de
aterrissagem.
Jyn se endireitou e recuou cuidadosamente. Confiante, confortável e
Imperial. Poderia ter imaginado como Bodhi era antes – como qualquer um
de seus companheiros era antes da Estrela da Morte –, se não estivesse tão
concentrada em não fazer barulho.
– Transporte de carga SW-0608, você não está listado no cronograma de
chegadas – a voz no comunicador disse. O operador soou vagamente
surpreso. Bodhi já tinha uma resposta pronta.
– Entendido, Controle da Comporta. Fomos redirecionados da Estação de
Voo de Eadu. Transmitindo código de autorização.
Jyn estremeceu ao ouvir alguém subir a escada que levava à cabine do
piloto. Olhou e encontrou Cassian, que pareceu sentir o clima e parou no
meio da subida.
Ela sabia o suficiente sobre como o espião era antes da Estrela da Morte.
Ainda não tinha certeza se o havia perdoado ou simplesmente decidido
abandonar a raiva como um cartucho de blaster usado.
– Transmitindo – K-2 disse. O console zumbiu suavemente e silenciou
quando a transmissão acabou. Cassian terminou de subir, rápido e discreto.
Jyn manuseava o colar em seu pescoço, puxando o cristal kyber contra a luz
do sol.
Cassian tinha dito: nós fizemos coisas terríveis. Se tudo desse errado agora
– se fracassassem mesmo antes de aterrissar –, Jyn tinha certeza de que a
única escolha imperdoável seria a dela própria.
Envolveu o cristal com os dedos. Imaginou uma prece como a de Chirrut.
Quase riu, perigosamente alto, mas segurou o som.
– Transporte de carga SW-0608? – a voz no comunicador retornou. – Você
tem permissão para a entrada.
Jyn soltou o cristal e fechou o punho, quase gritando de triunfo. Girou e se
surpreendeu ao ver Cassian perto dela. Por instinto, no calor do momento, ela
agarrou seu braço e o apertou.
Cassian olhou para Jyn com um sorriso irônico e curioso. Ela soltou seu
braço e passou por ele.
– Vou contar aos outros – ela disse.
A caverna estava se iluminando cada vez mais.
Scarif era iluminada como um deserto, tão brilhante quanto era a sua caverna
agora. Jyn podia sentir a água salgada no ar. O calor do sol poderia ser
insuportável sob seu uniforme negro, se a brisa não estivesse em constante
movimento, fluindo e ondulando como se sentisse inveja das marés. Tentou
não olhar para os transportes que passavam acima deles, mantendo o queixo
erguido e olhando para a frente, como um guarda normal. Não sabia se estava
atuando bem – precisou diminuir o ritmo duas vezes para permitir que
Cassian, seu “superior”, seguisse na frente. K-2SO vinha logo atrás; seus
servomotores zumbiam a cada passo.
Desceram marchando da plataforma de aterrissagem, cheia de consoles,
caixas de cargas e estações de energia. De lá, seguiram uma curta trilha até
um bunker acima do solo, conectado a um sistema de trilhos repulsores que
levava até a Cidadela. Jyn piscou para se proteger da luz do sol e de uma
súbita e distante sonolência.
– Senhor! – Quando alcançaram o terminal, um guarda apertou um botão e
as portas de um vagão se abriram, permitindo a entrada de Cassian, Jyn e K-
2.
Mantenha o foco, Jyn.
– Nossas chances de fracasso aumentaram – K-2 disse. – Tenho um mal
pressentimento sobre…
– K-2! – Cassian disse rispidamente.
– Quieto – Jyn acrescentou.
As portas se fecharam, negando a entrada de um par de stormtroopers. Jyn
sacudiu a cabeça bruscamente quando o vagão entrou em movimento. Sua
postura traía sua inquietação.
– O quê? – K-2 disse.
Nenhum dos dois respondeu. Concentre-se, Jyn disse a si mesma outra
vez, enquanto apoiava o peso do corpo ora sobre um pé, ora sobre outro, sem
encontrar uma vazão para o nervosismo e a tensão que se acumulavam na sua
mente. Pensou no sorriso de Baze, na promoção que recebera do Tenente
Sefla, naquilo que seus colegas se preparavam para fazer lá fora.
– O que foi? – Cassian perguntou. Sua voz saiu grave: sombras e luz do sol
dançavam sobre seu rosto ao passo que o vagão corria sobre a água. Jyn fez
um gesto com a mão, dispensando sua preocupação, mas ele apenas
perguntou novamente, com mais ênfase. – O que foi?
Ela girou e olhou pela janela. A Torre da Cidadela crescia cada vez mais,
negra contra o céu iluminado.
– Só estava pensando… sobre aquilo que falei para eles na nave. Sobre
aquilo que Saw Gerrera dizia.
– O que tem? – Cassian perguntou.
Jyn ajeitou um dos dedos da luva, que era grande demais.
– Nunca lutamos desse jeito com ele. Eu nunca lutei. Com Saw, o que a
gente queria com as missões era bater forte no Império. Bater por vingança,
lentamente sangrando o Império até a morte.
– E o que estamos fazendo agora é diferente. – Cassian foi cuidadoso, sem
revelar nada de seus pensamentos.
– Sim – Jyn disse. – Se não vencermos agora, as pessoas lá fora… – Ela
apontou para as estrelas, ocultas no céu. – … não vão simplesmente ignorar.
Temos que achar os planos. Acho que não sei como lutar para realizar algo.
Era tudo verdade. Mas nada daquilo era o que mais perturbava Jyn. Nada
daquilo era o que queria esconder de si mesma, agora que enxergava a
verdade.
– Você vai conseguir – Cassian disse. Ele tentava, falando com uma
gentileza e uma compaixão que Jyn mal vira antes, mas não era a resposta de
que precisava.
Lutaria para encontrar os planos. Confiaria em Cassian e Chirrut e Baze e
Bodhi e Melshi e todos os outros para impulsioná-la pelo caminho que
precisava seguir. Mas, se a missão começasse a dar errado, o que faria? Se os
perdesse no caos…
Jyn lutou por toda a sua vida. Mas, mesmo no grupo de Saw, havia lutado
– mais do que por qualquer outra coisa, mais do que por vingança ou
ferocidade – por sua própria sobrevivência.
Se voltasse para seus velhos instintos, o que aconteceria? Poderia se
arriscar por uma pessoa. Tirar uma garota inocente do fogo cruzado. Mas, se
acabasse sozinha, Jyn não sabia se poderia se arriscar pela causa.
– O vagão está parando – Cassian disse.
Apenas concentre-se, Jyn.
O zumbido do vagão mudou de tom e as sombras dançantes relaxaram seu
frenesi.
– Precisamos de um mapa – Cassian continuou. – Este lugar é grande
demais e estamos vulneráveis demais para sair por aí procurando pelo banco
de dados.
K-2 inclinou a cabeça, mas não olhou diretamente para Cassian.
– Ah, tenho certeza de que tem algum mapa dando sopa por aí.
– Você sabe o que tem que fazer – Cassian respondeu.
Jyn estranhou. Antes de conseguir perguntar o que Cassian queria dizer
com aquilo, as portas do vagão se abriram. Eles emergiram dentro da
Cidadela de Scarif, onde já não havia mais a luz que iluminava lá fora,
substituída por fileiras de iluminação artificial encrustadas em paredes de
metal escuro. Corredores se estendiam da estação de transporte, e oficiais,
guardas e ocasionais stormtroopers andavam sem pressa pelas passagens.
Cassian estava certo. Sem um mapa, estavam completamente perdidos. Jyn
puxou seu uniforme, que pareceu mais desajeitado do que nunca.
Um droide de segurança idêntico a K-2SO passou por eles. Cassian
assentiu na direção de K-2 e eles começaram uma perseguição disfarçada. Jyn
forçou-se a não tocar a sua arma, lembrando-se de que deveria ficar calma. Se
tivessem sido detectados, um alarme já teria disparado. Se os outros tivessem
sido detectados, todo o complexo já teria caído em alvoroço.
Seguiram o droide por um longo corredor. Quando o droide curvou-se para
entrar em uma alcova forrada de maquinarias, Cassian se posicionou contra a
parede ao lado. Jyn tomou o outro lado e observou K-2 seguir seu gêmeo.
Com um único movimento, K-2 esticou o punho, ejetou de seu pulso um
bastão conector e o mergulhou na parte de trás da cabeça metálica de seu
gêmeo. O segundo droide soltou um gemido eletrônico que não durou mais
do que meio segundo; depois caiu de joelhos diante de K-2, que manteve a
conexão.
– Rápido – Cassian urgiu. Pôs-se em frente à alcova, ainda vigiando o
corredor, como se seu corpo pudesse esconder dois droides grandes como
aqueles. Jyn se juntou a ele, alternando o olhar entre o seu lado do corredor e
K-2.
A cabeça do droide balançava no pescoço, para a frente e para trás como
um cata-vento.
– Está tudo certo com ele? – Jyn perguntou.
– Droides série KX são reforçados contra intrusão – Cassian disse
bruscamente. – Invadir sua programação não é fácil.
Após quase um minuto, ele perguntou:
– K-2?
K-2SO ergueu a cabeça e extraiu o bastão conector de seu gêmeo.
– Nossa rota ideal para o banco de dados coloca apenas oitenta e sete
stormtroopers em nosso caminho – ele respondeu. – Avançaremos um terço
do caminho antes de sermos mortos.
O segundo droide desabou inerte no chão.
– Certo – Jyn disse. – Vamos torcer para todos estarem em posição.
Baze Malbus não conhecia nem confiava nos soldados rebeldes ao seu redor.
Não respeitava suas lealdades. Não podia contar com suas habilidades.
Lutaria ao lado deles porque Jyn Erso os aceitara em sua própria revolução –
não a revolução da Aliança, mas uma revolução que surgira das cinzas da
Cidade Sagrada para trazer retribuição onde a ressurreição era impossível.
Confiava na fúria e no fogo de Jyn. Mais do que tudo – embora odiasse
admitir –, confiava em Jyn porque Chirrut Îmwe confiava. Naqueles em
quem Chirrut confiava, Baze encontrava uma razão para também confiar.
A vida era mais conveniente desse jeito. Até mesmo Baze achava exaustiva
sua eterna desconfiança.
– Vão! – Bodhi gritou da cabine do piloto, no transporte de carga. – Agora!
O caminho está livre!
Juntos, os soldados se derramaram da plataforma de aterrissagem. Baze
empunhava o canhão e seguia na sombra de Chirrut, deixando o homem cego
escolher o ritmo e vasculhar o chão com seu cajado. Seguiram os rebeldes
para fora da plataforma e entre as árvores de folhas largas da selva, longe dos
olhos das patrulhas de stormtroopers e dos caças estelares.
Cinco soldados haviam permanecido a bordo do transporte para proteger o
ponto de extração e Bodhi Rook. Em outra vida, Baze talvez tivesse rezado
pelo piloto – nesta, Baze sabia que Bodhi viveria ou morreria de acordo com
sua habilidade e sorte. Mais provável que fosse pela última do que pela
primeira.
Um dos rebeldes, um olheiro de barba feita, chegou ao lado de Baze.
– Ele consegue acompanhar o ritmo? – perguntou, indicando Chirrut com
um gesto.
Baze bufou uma risada e não se deu ao trabalho de se virar para o olheiro.
– Esconda melhor o seu rastro. Daí ele consegue acompanhar. – Apontou o
dedo para a areia branca e os pés de Chirrut. Onde Chirrut batia no chão com
o cajado, ele jogava areia para o lado, cobrindo o rastro dos soldados. Onde a
barra de sua túnica se arrastava, ocultava as marcas restantes.
– Ele pode ouvi-lo – Chirrut disse de repente.
O olheiro assentiu rapidamente. Constrangido, ofereceu um “desculpe,
senhor” e seguiu para a frente do grupo. Baze notou que, dessa vez, o rebelde
tomou o cuidado de ocultar suas pegadas.
– Ao menos ele não perguntou se você era um Jedi – Baze murmurou, mas
Chirrut havia começado a entoar um cântico. Que a Força dos outros esteja
com você.
Eles se embrenhavam cada vez mais na selva; a cobertura verde das
árvores nunca se tornava fechada demais para obscurecer o sol. Quando a
areia começou a dar espaço a um solo mais rico, Baze se ajoelhou e, no meio
de um passo, apanhou alguns grãos pálidos entre o polegar e o indicador.
Ergueu a pitada de areia até o nariz – cheirava a sal marinho e barro.
Encostou os grãos na língua e cuspiu.
Até mesmo a terra tem um gosto diferente, ele pensou. Terra era tudo o que
restava de Jedha, mas Baze não achava que voltaria para lá. Scarif – com suas
árvores tão verdes quanto as vivas luzes esmeraldas de uma cantina, com seus
tépidos oceanos e areia igual a ossos triturados – era seu lar tanto quanto
qualquer outro lugar.
A cidade se foi, meu velho. NiJedha não existe mais.
Levou a mão até as costas e apertou o duto de ventilação de seu gerador
portátil. No calor de Scarif, teria de controlar a temperatura do canhão. Não
seria nada bom se a arma travasse no meio do combate.
Os soldados pararam perto de um monte baixo. O Sargento Melshi, que
comandava a equipe, olhou do topo com um conjunto de quadnocs. Baze
estreitou os olhos diante da luz do sol e viu uma estrutura Imperial e dois
esquadrões de stormtroopers do outro lado.
– Um quartel – ele murmurou, e Chirrut concordou.
Melshi desceu até a base do morro e sinalizou para um de seus
subordinados. O segundo homem passou entre os rebeldes, rapidamente
entregando detonadores magnetizados.
– É aqui que nos separamos – Melshi disse. – Espalhem-se. Um detonador
por plataforma. Se encontrarem alvo melhor, eliminem, mas não temos outros
detonadores, então escolham bem.
O rebelde que carregava os detonadores ofereceu um para Baze e Chirrut.
Baze negou com a cabeça, e o garoto seguiu em frente. Melshi ainda estava
falando.
– Queremos atraí-los para fora, então continuem avançando quando
começarmos e não deixem que recuem para os bunkers. Vou sinalizar a hora
certa. – Observou o grupo e assentiu bruscamente. – Vão!
Os rebeldes se espalharam, em duplas, trios ou sozinhos. Melshi olhou
para Baze e Chirrut.
– Vocês se acham bons demais para ajudar na demolição? – Seu tom foi
bem-humorado, mas curioso.
– Alguém precisa manter os seus soldados vivos – Baze disse. Sorriu,
mostrando os dentes.
Melshi não gostou do gracejo.
– E então? – Baze perguntou, gesticulando para Chirrut.
Os lábios de Chirrut estavam se movendo. Quando terminou seu cântico (A
Força está comigo, e eu estou com a Força…), o Guardião seguiu atrás de
um grupo de rebeldes.
– Não vamos nos demorar – Chirrut disse e olhou para trás, lançando um
olhar cego para Melshi.
Quando Chirrut seguiu os soldados rebeldes, Baze seguiu Chirrut. Juntos,
eles saíram à caça.
Entre os stormtroopers que vagavam pelos caminhos de terra, pelas
plataformas de aterrissagem e pelos bunkers, havia muitos que usavam
armaduras especiais, da cor de dentes apodrecidos. O uniforme era
evidentemente leve e flexível, adequado para o calor e as patrulhas nas praias.
Vulneráveis, Baze pensou, a golpes rápidos que quebravam pernas e
pescoços.
Chirrut derrubou os dois primeiros stormtroopers do dia, eliminando-os
antes que pudessem completar a patrulha ao redor de uma plataforma e
flagrar o olheiro rebelde plantando seu detonador. Baze eliminou outro
soldado logo depois, saltando da vegetação para envolver um pescoço
coberto por uma veste negra – enterrou os dedos sob a borda do capacete do
stormtrooper e o arrastou para o meio das árvores, negando-lhe ar até o
capacete se soltar e Baze bater seu rosto contra uma pedra. O stormtrooper
não se mexeu outra vez.
Os dois caçavam em sincronia, Chirrut sempre espreitando perto dos
rebeldes e Baze sempre espreitando perto de Chirrut. Baze não limitou seus
alvos àqueles que poderiam flagrar o homem cego, mas manteve Chirrut sob
observação mesmo assim – onde a Força poderia falhar com Chirrut, Baze
não falharia.
Suas mãos e braços rapidamente cansaram. Baze era forte, mas já estava
envelhecendo e, no momento, não podia se dar o luxo de usar seu canhão.
Secou as sobrancelhas com a manga da camisa e tomou um gole de seu cantil
quando os rebeldes se reagruparam junto de Melshi, agora já bem perto do
quartel. Chirrut se abaixou entre as árvores, a alguns metros dali.
Os soldados pareciam ansiosos. Pareciam determinados. Analisaram o
quartel e os arredores, seus fuzis prontos enquanto se deitavam na areia ou
usavam as árvores como camuflagem.
Talvez, Baze pensou, pudesse confiar neles, afinal de contas.
Ouviu a voz de Melshi em seu comlink.
– Preparem-se. Aguardem o sinal.
Ouviu a espuma das ondas se derramando sobre a areia e o uivo longínquo
de naves de transporte.
Eventualmente, a resposta de Cassian veio no comunicador:
– Detonem tudo.
YAVIN 4 ERA UM MUNDO PRISÃO. Parecia uma descortesia dizer isso em voz alta
– a Base Um dera a Mon Mothma um lar, um abrigo contra um Império que a
teria perseguido ansiosamente através dos confins da galáxia, em troca da
mínima chance de executá-la. Mas deixar Yavin era quase impossível por
essas mesmas razões. As viagens de Mon para fora do mundo eram raras e
curtas, e sempre acabavam de volta a sua cela, dentro do zigurate.
Ela era chefe de estado da Aliança Rebelde e seu poder se estendia apenas
até onde a selva acabava. Mon abafou uma forte inveja enquanto via os
conselheiros que havia convocado embarcarem em suas naves estelares,
decolando um após o outro até ganharem o céu azul. Voltavam para seus
mundos, seus campos de batalha e seus quartéis-generais móveis, prontos
para guerrear, fugir ou se render, pois o impasse na Aliança permanecia e os
discursos de Mon não foram suficientes para influenciá-los.
Observou o transporte sem identificação da Senadora Pamlo decolar em
direção a Coruscant, onde Pamlo denunciaria publicamente a estação de
batalha Estrela da Morte antes de renunciar ao cargo e pedir a dissolução da
Rebelião. Mon havia conseguido essa concessão durante seus oitenta e três
minutos de debate com Pamlo pela manhã. Talvez um dia Mon se lembraria
disso e sentiria admiração pelos princípios de Tynnra Pamlo. Mas não hoje.
Ela voltou para o hangar, cruzou a pista e ganhou as sombras do zigurate.
Uma fila de conselheiros continuava seguindo para suas naves,
aparentemente supervisionados por Davits Draven e Antoc Merrick.
Merrick era, para todos os efeitos, um excelente piloto e um bom
comandante do Esquadrão Azul. Ao vê-lo com Draven, Mon precisou resistir
à tentação de perguntar: quem vamos assassinar agora? Em vez disso,
apenas disse:
– As decolagens estão seguras?
Não havia razão para mexer em feridas que nem haviam começado a
cicatrizar.
– O Esquadrão Azul está pronto para ser lançado, se alguém solicitar
assistência – Merrick respondeu.
Draven grunhiu.
– Até agora tudo está indo bem. Ao menos os Imperiais não seguiram
ninguém até aqui. – Ele olhou de um lado a outro, acenou com a cabeça para
um assessor distraído de um senador e baixou a voz. – De qualquer maneira,
eu gostaria de começar a procurar um novo quartel-general. Pessoas demais
sabem sobre a Base Um e não temos certeza de quantos ainda estarão do
nosso lado amanhã.
E assim, de repente, Mon pensou, estamos nos preparando para o
rompimento da Aliança.
– Faça isso – ela disse.
Merrick ia dizer alguma coisa, mas foi interrompido por um grito vindo da
parte de trás do hangar.
– Senadora! Senadora Mothma! – Um homem abria caminho entre um
grupo de técnicos e um astromec série C1, correndo em sua direção. Draven
se posicionou para interceptá-lo, agarrando seu ombro com firmeza, como se
estivesse pronto para jogar o homem no chão.
Como se Draven quisesse, Mon percebeu, protegê-la de um potencial
assassino. Não sabia se deveria se sentir grata ou preocupada.
– Pare aí mesmo – Draven disse, com a voz grave e severa.
O homem congelou, praticamente tremendo de nervosismo.
– Deixe-o falar – Mon disse.
– Uma transmissão Imperial interceptada, senhora – o homem respondeu. –
Rebeldes em Scarif.
Scarif? Como era possível?
Mas a resposta era óbvia. Ela também a enxergou no rosto de Draven e de
Merrick.
Enquanto Mon havia passado a noite agarrando-se a qualquer parte da
Aliança que pudesse preservar, Jyn Erso seguira para arriscar tudo o que ela
tinha.
Olhou com uma expressão sóbria para o homem que trouxera a mensagem.
– Preciso falar com o Almirante Raddus – ela disse.
– Ele já partiu. – O homem estava quase gaguejando. – Está em órbita a
bordo da Profundidade. Ele vai lutar.
– Entendo – ela respondeu, e lentamente sorriu. A expressão de Merrick
era de expectativa; a de Draven era séria e determinada.
Talvez Mon tivesse desistido da esperança cedo demais.
Menos de dez minutos depois, sirenes anunciavam a partida dos
Esquadrões Vermelho, Azul, Verde e Dourado, junto com os transportes U-
wing. Raddus já havia contatado todas as naves capitais dentro do alcance de
Yavin ou Scarif. Draven havia bruscamente alertado Mon a não considerar se
juntar à missão, por mais que achasse o gesto inspirador – mas o alerta não
fora necessário. Mon entendia seus limites bem o bastante para não se pôr em
seu caminho.
Em vez disso, lembrou-se do orgulho que sentia pelos soldados da Aliança
e observou pilotos, infantaria e técnicos correrem para suas naves. Qualquer
pessoa capaz de contribuir seria bem recebida na batalha que se anunciava.
Quando os últimos transportes começaram a se encher, Mon voltou para os
corredores do zigurate e seguiu para o centro de comunicações. Teve de abrir
caminho para um droide de protocolo dourado e uma unidade astromec que
corriam na direção da pista, e vagamente ouviu o primeiro declarar com
indignação:
– Scarif? Estão indo para Scarif? Por que ninguém nunca me avisa de
nada, R2…?
DADOS COMPLEMENTARES:
A FROTA REBELDE
A CAIXA-FORTE ESTAVA DESTRANCADA. Tudo o que Jyn queria fazer era correr lá
dentro, apanhar a fita que continha os diagramas da Estrela da Morte e correr
de volta para Bodhi e a nave. Cada momento em que se demoravam era outra
chance para serem flagrados pelos Imperiais na Cidadela – e lá fora, na selva
e na praia, pessoas certamente estavam morrendo.
Quantos rebeldes restavam? Quantos stormtroopers eles poderiam segurar?
Será que alguém diria a ela se Baze e Chirrut morressem?
Em vez de pensar nisso, Jyn ajudou Cassian a arrastar o tenente
inconsciente para fora do túnel de triagem e de volta para a antecâmara.
– Isso é para o caso de existir outra trava biométrica no console – Cassian
murmurou. – Não quero que o K-2 tenha de se desconectar.
Cassian suava debaixo de seu quepe de oficial, e Jyn percebera quando ele
mais de uma vez procurou seu comlink. Queria saber o que acontecia lá fora
tanto quanto ela.
Soltaram o corpo no chão, perto de K-2, que ainda estava conectado ao
console.
– Acessei as comunicações internas da Cidadela – o droide disse. – A frota
rebelde chegou.
– O quê? – Jyn sacudiu a cabeça, confusa.
– O Almirante Gorin entrou em combate contra eles – o droide continuou,
como se lesse uma lista: – Estão lutando na praia, bloquearam a base,
fecharam a comporta do escudo, alertaram…
– Espere… O que isso significa? – Jyn o interrompeu, tentando
compreender as implicações para separar as positivas das negativas. Eles
fecharam a comporta do escudo? – Estamos presos?
Ela olhou para Cassian. Sua expressão era sombria, a boca fechada com
força. Foi resposta suficiente.
Jyn praguejou, sussurrando cada obscenidade que conhecia. Viu as paredes
da caverna se fecharem, a escuridão avançar sobre a esperança brilhante que
a havia impulsionado até ali. Vasculhou seu cérebro atrás de um plano, mas
não encontrou nada – com ou sem bloqueio, conseguiriam encontrar uma
saída da Cidadela, mas, se não tivessem como sair de Scarif…
– Temos que dizer a eles que estamos aqui – ela disse. – Estamos tão
perto!
– Eles não teriam vindo – Cassian replicou – se já não soubessem disso.
Jyn chegou perto o bastante para sentir o cheiro dos produtos de limpeza
usados em seu uniforme Imperial.
– Da última vez que vimos aquelas pessoas, elas não queriam estar aqui.
Não vou lhes dar uma desculpa para ir embora e, se tiverem algum jeito de
nos tirar daqui, eu gostaria de saber.
Cassian não cedeu espaço; encarou-a de volta até seus lábios finalmente se
contorcerem em algo parecido com um sorriso. Seu olhar permaneceu duro e
perturbado. Jyn não sabia se ele havia piorado seu jeito de esconder suas
intenções ou se ela simplesmente passara a conhecê-lo melhor.
Estava pronta para desafiá-lo, para perguntar o que ele sabia que ela não,
quando K-2 a interrompeu:
– Podemos transmitir os planos para a frota rebelde. Teríamos de emitir um
sinal para fora. O problema é o tamanho dos arquivos. Eles nunca passariam.
Alguém precisa derrubar a comporta do escudo.
Cassian apanhou seu comlink.
– Bodhi. Bodhi, você pode me ouvir? – O momento de reflexão, de
confusão, havia acabado: Cassian voltou ao seu feitio normal, tenso e pronto
para a ação. – Diga que você está aí. Bodhi!
Esteja vivo, Jyn pensou. Todos vocês, estejam vivos.
– Estou aqui! – A voz de Bodhi surgiu no comunicador, rápida e sem
fôlego. – Estamos a postos. Eles começaram a lutar, a base está bloqueada!
– Eu sei – Cassian disse. – Ouça-me! A frota rebelde está lá em cima. Você
precisa enviar uma mensagem. – Fechou os olhos com força, falou algo para
si mesmo apenas movendo os lábios, depois falou em voz alta outra vez. –
Você tem que dizer que eles precisam abrir um buraco na comporta do
escudo para que possamos transmitir os planos…
– Não posso. – Bodhi soou horrorizado. – Não estou conectado com a torre
de comunicação. Nós não estamos conectados com…
– Encontre um jeito. – Cassian encerrou a conexão e guardou o comlink. –
Foi suficiente? – ele perguntou para Jyn.
– Suficiente – ela concordou. Talvez sim, talvez não; mas tentou fingir que
a chegada da frota era uma boa notícia. O plano de fuga nunca foi exatamente
infalível e, se a Aliança não conseguisse abrir um buraco no escudo de Scarif,
que chance teria contra uma Estrela da Morte?
Ao menos, alguém finalmente estava do lado deles.
Cassian alternou o olhar entre a porta da antecâmara e K-2.
– Cubra nossa retaguarda – ele disse ao droide, depois seguiu para o túnel
de triagem.
Jyn imaginou stormtroopers correndo para dentro e encontrando o corpo
inconsciente do tenente. Mais por instinto do que pela razão, tirou a arma que
havia tomado do tenente, checou os indicadores – totalmente carregada, sem
configuração para atordoar, fácil de usar – e a ofereceu a K-2, com o cabo
voltado para ele.
– Você vai precisar disto – ela disse. – Você queria uma, não é?
K-2 apanhou o blaster com uma vontade desconcertante. Sua outra mão
permanecia conectada ao console quando ele virou a arma e tocou o gatilho
com o dedo. Manteve o cano voltado para o teto.
– O seu comportamento, Jyn Erso, é continuamente imprevisível.
Eu não poderia pedir um elogio melhor, ela teve vontade de dizer. Mas
decidiu que preferia não receber a inevitável correção.
– Jyn. – Cassian estava na porta do túnel. – Vamos.
Jyn abriu um sorriso breve e feroz para o droide e seguiu para encontrar
aquilo que fora roubar.
DADOS COMPLEMENTARES:
ORAÇÃO DO PÔR DO SOL
Na escuridão, frio.
Na luz, frio.
O velho sol não traz calor.
Mas existe calor no sopro de vida.
Na vida, existe a Força.
Na Força, existe a vida.
E a Força é eterna.
CAPÍTULO 20
Tonc estava morto. Bodhi não viu acontecer – havia se abaixado e seguido
em frente, protegendo-se no paredão de caixotes de carga. Quando voltou a
olhar para a plataforma, avistou o soldado, imóvel no chão. Afogou a
urgência de correr para junto dele e pedir ajuda, gritando para os rebeldes
ainda vivos – não havia nada que pudesse fazer. Pessoas estavam morrendo
por toda parte. E os stormtroopers continuavam aparecendo.
Um tiro de blaster passou por cima da cabeça de Bodhi, perto o bastante
para sentir o calor e o cheiro de ozônio do ar vaporizado. Ajeitou o cabo no
chão com uma das mãos e olhou, impotente, na direção da nave.
– Bodhi? Você está aí? – Bodhi apanhou o comlink do bolso. A voz de
Cassian parecia rouca. – Fale comigo!
– Estou aqui! – Bodhi disse. – Estou aqui. Estou cercado. Não consigo
chegar à nave, não consigo conectar! – Não quis soar desesperado, mas por
que mentir? A situação era ruim. Não era culpa sua, mas era ruim.
– Mas você precisa! – Bodhi já ouvira Cassian bravo e determinado antes,
mas aquilo era algo novo: era quase desespero. – Precisamos da frota, Bodhi.
Você precisa transmitir a mensagem!
– Você está bem? – Um pensamento horrível demais cruzou a mente de
Bodhi. – A Jyn está bem?
– Estamos bem – Cassian respondeu rispidamente. Por um momento,
Bodhi ouviu apenas longas respirações ofegantes. Então Cassian pareceu se
recompor. – Vamos mudar de tática. Não temos certeza… Talvez não seja
possível voltar para a extração, mas podemos tentar transmitir os diagramas
no topo da torre de comunicação.
Bodhi quis discutir – o que exatamente isto significava: talvez não seja
possível voltar para a extração? Mas Cassian continuou falando.
– É muita informação – Cassian disse –, e mesmo a torre não conseguiria
atravessar o escudo sem perda de dados. Diga que estou certo sobre isso,
Bodhi!
Bodhi forçou sua concentração. Áudio era uma coisa, mas transmitir um
cartucho de dados através do escudo seria como tentar transmitir através da
galáxia. Dados demais, interferência demais.
– Você está certo – ele disse. – Você está certo.
– Então você precisa avisar a frota – Cassian continuou. – Eles precisam
entrar em posição para receber a transmissão, pois duvido que teremos uma
segunda chance. E eles precisam destruir a comporta! Se o escudo se abrir,
poderemos transmitir os planos!
– E quanto a… – E quanto a você? E quanto a Jyn? Mas Cassian já
parecia pronto para sucumbir à pressão, e Bodhi simplesmente não conseguiu
mantê-lo na linha. – Certo – sussurrou. – Vou dar um jeito.
Apressadamente guardou o comlink no bolso e olhou outra vez na direção
da nave. A saraivada de tiros não parava, nem mesmo diminuía. Os soldados
de Tonc não estavam vencendo. Talvez, Bodhi pensou, se Baze e Chirrut
retornassem para a plataforma – mas não. Já havia enviado os dois para
acionarem o interruptor-mestre.
Quanto tempo ainda tinha antes que a plataforma fosse tomada?
Não volte atrás agora.
Apenas corra!
Seu primeiro passo quase o derrubou no chão, quando saiu de uma posição
agachada para uma corrida intensa. Retomou o equilíbrio e continuou
correndo, ouvindo o cabo se estender do carretel em suas costas e vendo
seguidos lampejos vermelhos queimarem o ar entre ele e a nave. Ao chegar
perto dela, um tiro atingiu o trem de pouso, derrubando uma fagulha quente
em sua testa – Bodhi ignorou a distração e a dor e subiu a rampa,
atravessando a cabine e correndo até o terminal. Atrapalhou-se com o cabo
em suas mãos suadas até conectá-lo no encaixe.
O terminal registrou a conexão. Bodhi gritou de triunfo, ignorando a luz de
advertência que indicava que o computador da nave não conseguia encontrar
a torre de comunicações. Baze, Chirrut e a equipe de Melshi precisavam
achar o interruptor-mestre logo. Bodhi avisaria a frota sobre a nova
estratégia.
E quando Cassian e Jyn estivessem no topo da torre, transmitindo a fita?
Ele voaria até lá e os encontraria, igual fez em Eadu, e todos fugiriam para a
comporta do escudo juntos.
Esse era o plano. Esse era o seu plano. Achou que Tonc aprovaria.
E torceu para que seus colegas trabalhassem rápido.
Quanto tempo agora até a plataforma ser tomada?
As mãos de Cassian tremiam, mas seus olhos estavam firmes quando baixou
o comlink.
– Bodhi está trabalhando no problema da frota. Ele vai dar um jeito.
A sala de controle da caixa-forte permanecia escura, com exceção do
brilho vermelho do poço. Mas então o ar refrigerado rapidamente esquentou e
se encheu de um cheiro metálico – Jyn ouviu o zumbido de maçaricos de
plasma do outro lado da porta blindada.
Talvez não seja possível voltar. Jyn ouviu Cassian dizer isso para Bodhi,
mas não para ela.
Esticou o pescoço e olhou para o topo do poço, no centro da Torre da
Cidadela. A fita de dados de seu pai estava lá. Em algum lugar, depois do
brilho vermelho, havia uma saída.
– Para trás – ela disse, pedindo a Cassian que se afastasse da janela.
Jyn sacou sua arma, mirou com as duas mãos e disparou no vidro. Cacos
afiados, derretidos e enegrecidos explodiram sobre o console e para dentro do
poço. Tilintaram como sinos ao vento. Jyn se aproximou para estudar o vidro
quebrado, depois começou a tirar seu capacete, o peitoral e o uniforme
pesado que usava sobre as roupas. Já não havia razão para disfarce e não
precisava do peso extra durante a subida. Cassian fez o mesmo, tirando o
casaco de oficial do Império.
Agora apenas com as roupas com as quais chegara, Jyn procurou lugares
para se apoiar no poço. Manipuladores de extração de cartuchos se
projetavam a intervalos regulares, e os bancos de dados empilhados tinham
leves protuberâncias. Não seria fácil escalar, mas Jyn achou melhor não tirar
as botas, para ganhar mais tração – lembrou-se de uma noite muito longa,
após deixar o grupo de Saw, a qual havia terminado com solas esfoladas,
unhas quebradas e uma lição valiosa sobre usar calçados apropriados para a
ocasião.
– Vamos – ela disse. Antes que se fechem sobre nós, ela quase acrescentou.
Mas Cassian não enxergava as paredes da caverna.
Jyn subiu sobre o console, dobrou os joelhos e saltou sobre o abismo até a
torre mais próxima. Agarrou-se em manipuladores e procurou apoio para os
pés. Depois de um instante, sentiu os cartuchos tremerem sob suas mãos e
temeu que fossem se soltar – mas era só a vibração dos próprios bancos de
dados, tremendo com os mecanismos que refrigeravam e catalogavam as
fitas.
Escalou um metro, testando a força que podia aplicar sobre as fitas e
sentindo a distância entre elas. Olhou para o abismo escuro lá embaixo em
tempo de ver Cassian saltar da sala de controle. Ele também se agarrou.
Jyn voltou a olhar para cima, fixou os olhos sobre o braço manipulador e
começou a escalada.
Ouviu Cassian se esforçando atrás dela em meio ao barulho do sistema de
circulação de ar. Sabia que deveria ter falado algo mais para ele: Sinto muito
sobre K-2, ou Ainda podemos escapar de Scarif, ou Vamos terminar nossa
missão. Mas nunca foi boa com discursos de incentivo e já tinha gastado
muitas palavras – com os conselheiros da Aliança, com os soldados rebeldes
– nos últimos dias. Não tinha mais forças para gastar com ele – apenas a
determinação para escalar uma fileira de cartuchos por vez, para se arrastar
para longe da escuridão e para a esperança de alguma luz.
Contou quinze fileiras até o braço do manipulador, depois dez. Vislumbrou
uma porta na parede do poço – acesso de manutenção, ela imaginou –, mas
não a considerou um meio de fuga. O Império devia estar de olho. Mais cinco
fileiras. Seus ombros começaram a doer e sentiu uma rigidez nos pulsos por
tentar se agarrar nos cartuchos sem arrancá-los do lugar. Os sons da subida de
Cassian estavam ficando para trás, mas Jyn não podia esperar por ele.
Uma fileira. E então estava pendurada ao lado do braço manipulador. O
braço agarrava o cartucho da Poeira Estelar como um cadáver miserável.
O cartucho não tinha identificação, não era diferente dos outros. Não era
diferente dos milhares que a cercavam, exceto que seu pai dera a vida para
revelar seu conteúdo.
Jyn enfiou uma bota entre duas fileiras para se apoiar, usou uma mão livre
para agarrar a alça do Marco Ômega, da Pax Aurora, do Destruidor de
Corações ou de qualquer outra coisa pavorosa que os cientistas do Império
tivessem idealizado e puxou a Poeira Estelar do braço da máquina. O braço,
imóvel, não soltava o cartucho – então ela puxou com força e o braço se
soltou, acabando pendurado no ar.
– Consegui! – ela gritou. E sim, havia conseguido, e apertou a fita e a
trouxe mais perto para sentir o cheiro do metal no meio do ar frio e seco. Por
mais que já tivesse fracassado, por mais mortes que fossem culpa sua (Saw,
seu pai, a garota em Jedha, o droide que se sacrificou), ela tinha chegado até
ali. Estava pronta para gritar obscenidades para o universo e amaldiçoar o
destino, a Força, o Império.
E então sua bota escorregou e ela se atrapalhou toda, usando apenas uma
mão para recuperar o equilíbrio.
– Cuidado! – Cassian gritou de baixo, e agora Jyn sorria abertamente
enquanto ofegava. – Você está bem? – ele gritou novamente.
Ela não respondeu. Já estava escalando de novo, o cartucho preso com
segurança em seu cinto. A onda de energia triunfante, exultante, sumiu tão
rápido quanto apareceu, deixando Jyn apenas com uma necessidade urgente
de escapar da escuridão. Seus braços começaram a tremer com o esforço da
subida, seus músculos se lembrando da agonizante escalada na plataforma em
Eadu. Através da penumbra, ela discerniu uma luz piscando lá no alto – uma
abertura no topo da torre, pulsando a cada vez que se abria e fechava; quase
não era larga o bastante para produzir sombras.
Perto. Tão perto.
Então ouviu outro grito abaixo dela. A fúria se misturou com o alerta na
voz de Cassian quando ele gritou seu nome.
Jyn soltou uma das mãos e girou a tempo de um lampejo vermelho
obscurecer sua visão – e atingir a pilha de bancos de dados, deixando uma
massa de polímero derretido onde a alça de seu cartucho estava. De pé na
entrada de manutenção havia três figuras saídas de um pesadelo familiar: o
homem de branco e seus stormtroopers de preto.
Em Eadu, eles pareciam uma impossibilidade, tanto que ela já havia quase
se esquecido deles – dispensara-os como um exagero, um truque de uma
mente exausta envolvendo um fragmento de seu passado com uma camada de
realidade. Agora retornavam para jogá-la em um abismo de loucura.
O homem de branco ergueu os olhos. Jyn quis gritar – mas engoliu o som,
da mesma maneira que fizera quando sua mãe morreu. Queria congelar,
queria se esconder dentro de si mesma e despencar no poço.
E se fizesse isso?
A Poeira Estelar, o cartucho em seu quadril, seria enterrada em sua caverna
junto com seus próprios restos mortais.
Jyn forçou os olhos para longe do homem de branco e voltou a olhar para o
topo da torre. Cativada pela lógica do sonho, sabendo que não era real, ela
pensou: Se eu alcançar a luz, posso escapar para sempre.
Suba!
Brilhos vermelhos explodiam ao redor de Jyn enquanto ela se pendurava
nos cartuchos, tentando se posicionar do outro lado da torre de bancos de
dados para ter alguma cobertura contra seus agressores. Teve um vislumbre
de Cassian tentando fazer a mesma coisa – mas ele era mais lento e havia
sacado sua arma, disparando cegamente contra a porta. Um disparo
milagrosamente acertou o alvo, jogando uma figura de preto para as
profundezas do poço. A queda arrastou Jyn de volta para a realidade – quem
quer que fossem os homens de preto ou de branco, eram pessoas, e não um
sonho. Podiam morrer, assim como ela.
Os Imperiais miravam apenas em Cassian agora. Ele se lançou
desesperadamente, procurando cobertura enquanto faíscas saltavam do metal
atingido ao seu redor. Jyn começou a chamar por ele, mas Cassian gritou
mais alto:
– Continue! Continue!
Jyn levou a mão trêmula até sua arma. Ela podia morrer. E eles também.
Mas sabia que precisava continuar subindo.
A decisão foi tomada por ela. O segundo stormtrooper foi atingido quando
disparou na direção de Cassian. Soldado e espião caíram juntos – Jyn não
sabia se Cassian fora atingido ou se simplesmente perdera o equilíbrio, mas
ele despencou para fora de sua visão sem gritar ou dizer nada. Jyn quase
perdeu a força nos dedos, quase o seguiu para o abismo, mas uma onda de
vertigem a tirou de seu horror e a impeliu a se segurar com mais força.
Cassian estava morto, assim como tantos outros. Tantas vidas tiradas pelo
homem de branco.
Ela precisava escapar.
Suba!
Scarif queimava. Caças estelares duelavam disparando seus canhões e
enviando metal retorcido sobre as praias. Os enormes corpos de walkers
Imperiais sangravam uma fumaça que cobria áreas inteiras da selva. Reforços
entregues por U-wings rebeldes substituíam com novos soldados aqueles que
eram abatidos – e os que chegavam eram derrubados por novos stormtroopers
de preto, homens e mulheres que se moviam com a calma sóbria dos
executores, eliminando seus inimigos um a um.
Baze Malbus atravessava o inferno em silêncio, intocado pelo medo, pela
tristeza ou pelos tiros energéticos. Ele seguia Melshi e Chirrut, confiando que
os dois enxergassem a missão, e protegia vidas quando podia. Disparava tiros
rápidos e precisos, abatendo stormtroopers demais para contar.
Não sentia responsabilidade pelos aliados que não podia salvar. Nunca
fizera nenhum juramento, nunca prometera segurança para ninguém.
Fracassou em impedir que um stormtrooper surpreendesse uma mulher de
cabelos escuros e a deixasse para morrer na maré baixa; fracassou em tirar
um atirador de elite do caminho de um caça TIE. Havia derramado mais
sangue em um dia do que achava possível e, embora seu gerador zumbisse de
um jeito alarmante e seus músculos estivessem enrijecidos como couro seco,
ele estava pronto para continuar lutando. Lutaria até o anoitecer, se fosse
disso que Jyn Erso precisava.
E se a missão fracassasse? Se houvesse redenção por meio da matança, ele
certamente já a havia encontrado. Mas continuaria lutando mesmo assim.
O pelotão de Melshi corria para a Cidadela em sua busca pelo “interruptor-
mestre” de Bodhi. Logo no perímetro externo, Melshi prometera, havia um
complexo de bunkers contendo aquilo que procuravam. Baze não sabia por
que o interruptor era importante – algo sobre a frota rebelde –, mas, ao se
apressar junto de seus companheiros, na praia, não deixou de notar a
trivialidade sombria de que o destino de planetas pudesse ser alterado por
uma coisa tão banal.
Um U-wing despencou do céu. Atingiu a areia muito próximo dos
rebeldes, enviando uma onda de choque ao longo do chão e abrindo uma
trincheira profunda. Lama e fogo foram lançados pelo ar quando o metal se
rompeu e rangeu. Quando os rebeldes se aproximaram, uma salva de tiros de
blaster atravessou os destroços e as chamas – pelas aberturas no metal
derretido, Baze avistou mais stormtroopers de preto se aproximando.
Disparou uma série de tiros que causou pouco efeito – os stormtroopers
avançavam abaixados no chão, eliminando seus alvos lenta e metodicamente
enquanto Melshi gesticulava de maneira frenética para seu pessoal, indicando
a direção do complexo de bunkers.
Os soldados começaram a correr dos destroços e da água, expostos e
vulneráveis. Um rebelde caiu, depois outro. Chirrut saltou entre tiros de
stormtroopers como se os disparos o empurrassem para o lado, mas outros
não tinham a mesma sorte. Baze pulou sobre mais de um cadáver, virou-se
para disparar mais tiros de canhão sobre os inimigos, depois correu para a
sombra da Torre da Cidadela. Viu Melshi tentar arrastar um aliado para a
segurança e levar um tiro por causa disso – exalando um cheiro forte de
tecido e carne queimados, Melshi mancou junto com Baze até o relativo
abrigo de um bunker compacto.
Sobravam apenas quatro guerreiros. Chirrut estava perto da frente do
bunker espartano com Baze, ofegando e apoiando-se em seu cajado. Um
atirador de elite robusto – alguém o chamara de Sefla – atirou a esmo na
direção dos stormtroopers através das aberturas estreitas do bunker quando o
inimigo cercou o perímetro. Melshi tinha dificuldade para se manter em pé no
canto mais afastado.
Talvez houvesse mais sobreviventes espalhados pelo campo de batalha. Ou
talvez Baze, Chirrut, Sefla e Melshi fossem os últimos.
Uma voz urgente falou no comlink de Melshi:
– Melshi, responda, por favor! Alguém aí fora! Rogue Um! Rogue Um!
Alguém!
Chirrut ergueu seu arco de luz ornamentado e disparou contra os
stormtroopers quando eles forçaram Sefla a se proteger. Os stormtroopers
ajustaram e miraram em Chirrut, e Baze o substituiu, assim como Chirrut
havia substituído Sefla, que agora se preparava para substituir Baze. Juntos,
Baze pensou, poderiam segurar os Imperiais por vários minutos. Mas não
mais do que isso.
– Eles conseguiram pegar os planos – soou a voz de Bodhi pelo
comunicador, misturando triunfo e terror. – Estou conectado aqui, mas não
posso segurar o tranco para sempre. Perdemos Tonc…
Os stormtroopers haviam estabelecido um largo círculo ao redor do bunker
e seus equipamentos – consoles, estações de carregamento e antenas de
transmissão. Baze rosnou de satisfação – ela conseguiu pegar os planos! –
enquanto disparava um tiro que derrubou um homem, depois protegeu a
cabeça quando os inimigos retribuíram fogo.
– Rogue Um! Alguém pode me ouvir? Já estou conectado, preciso de uma
linha aberta…
– Aguenta aí! – Melshi ofegou e jogou seu comlink no chão antes de
acenar para Baze. Melshi fedia a morte. Baze foi até ele e deixou Chirrut e
Sefla disparando contra o cerco.
– Seja rápido – Baze disse.
Melshi assentiu, com os olhos arregalados e úmidos.
– O interruptor-mestre – ele disse. – Está ali, naquele console. – Ergueu
um dedo trêmulo e apontou para a zona de combate.
O terminal estava a dez metros de distância. Muito fora de alcance.
Antes que qualquer um pudesse reagir, Sefla estava fora do bunker,
correndo na direção do console, forçando pernas e braços enquanto o suor
escorria em suas costas. Movia-se com uma energia cheia de convicção e
coragem. Ele morreu em um instante, derrubado por uma dezena de tiros,
conquistando nada.
Baze olhou de volta para Melshi. O soldado estava caído no chão, ao lado
de seu comlink.
Talvez fosse melhor, Baze pensou, ser morto pelos walkers. Morrer
encolhido diante de uma vitória inalcançável era uma humilhação.
Talvez a morte sempre fosse uma humilhação.
Baze ergueu seu canhão. Talvez houvesse outros sobreviventes. Talvez, se
derrubasse stormtroopers suficientes, reforços poderiam alcançar o
interruptor mais tarde. Uma carnificina final era tudo o que podia oferecer a
Jyn Erso e aos mortos de Jedha – tudo o que podia oferecer para atormentar o
Império uma última vez.
Mas, antes que Baze pudesse atirar, Chirrut se ergueu do bunker e
caminhou na direção da luz do sol.
Chirrut Îmwe sentiu o calor de uma estrela alienígena em sua pele e uma
brisa oceânica soprar sua túnica. A ponta de seu cajado se enterrava na areia
compacta. Sob os odores de conflagração e morte havia o perfume de flores
da selva e o cheiro doce de besouros da terra. No meio do estalo elétrico de
tiros de blaster, ele ouvia o gorjeio de um animal que nunca encontrara. A
essa cacofonia, acrescentou sua voz:
– Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
O que quer que Chirrut houvesse se tornado em sua vida – e sem o templo
ele não poderia ser realmente um Guardião dos Whills; sem alegria e
frivolidade ele não poderia ser um palhaço e um piadista entre seus colegas;
sem a Cidade Sagrada ele não poderia ser um protetor de seu amado mundo
–, o que quer que fosse agora, ele não era um guerreiro em seu âmago, e os
eventos do dia haviam corroído seu espírito. Enquanto Baze, seu irmão e
protetor, havia abraçado seu papel com uma determinação feroz, Chirrut
havia lutado e corrido e matado porque lutar e correr e matar era necessário.
Agora não era mais, e Chirrut ficou satisfeito.
– Eu sou um com a Força – ele disse outra vez – e a Força está comigo. –
As palavras ecoaram dentro dele. Eu sou um com a Força e a Força está
comigo.
Baze gritou seu nome de dentro do bunker. Chirrut não parou.
Sentiu disparos quentes passarem por ele, ouviu luvas de couro apertando
gatilhos de metal e virou o corpo como se abrisse caminho em uma multidão.
Batia a ponta do cajado no chão, sentindo o caminho que levava ao console
por meio dos rastros dos cabos enterrados. Prestou atenção nos ecos ao redor;
o barulho do combate refletia nos terminais e equipamentos.
Fez tudo isso sem pensar. A arte do zama-shiwo, o olho interno da mão
externa, sintonizava sua respiração e a batida do coração com seu cântico. Era
seu cântico que guiava seu movimento e controlava seu ritmo enquanto
seguia adiante. Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
– Chirrut! – Baze chamou. – Volte!
Baze estava aterrorizado. Mas não Chirrut. No instante antes de se
levantar, no bunker, questionara sua própria sabedoria: como poderia separar
a vontade da Força de sua vontade, de seu ego, exigindo ação quando ação
não era necessária? Mas não havia dúvida em seu coração agora. A Força se
expressava por meio da simplicidade, e tudo o que ela pedia era que ele
andasse.
Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
Seu cajado atingiu metal. A lateral de um console. O cântico o guiou para a
frente do console e ele deslizou seus dedos sobre botões e indicadores. Tocou
uma alavanca larga recuada no console: se parecia muito com um
interruptor-mestre. Um tiro energético reverberou a centímetros da sua orelha
esquerda enquanto Chirrut movia a alavanca para a frente até senti-la travar
no lugar.
Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
Sorriu suavemente e pensou em Bodhi, o estranho piloto que cheirava a
Jedha debaixo de seu traje Imperial.
O cântico de Chirrut agora vacilou. Com o interruptor acionado, seu
caminho se tornou obscurecido. Prestou atenção na tempestade de tiros de
blaster e ouviu novamente a voz de Baze:
– Chirrut! Volte aqui! – Então se virou na direção de Baze e do bunker e
começou a refazer seus passos. O ritmo de sua respiração parecia errado, e os
mil barulhos, odores e sensações ao seu redor perderam a unidade de antes;
cada sensação o puxava para um lado, insistindo por sua atenção exclusiva.
E então ouviu apenas um barulho: um terrível trovão como se o próprio
mundo se partisse. Foi jogado para a frente quando uma onda de dor passou
por seus velhos ossos e cada ferimento que já sofrera se incendiou ao mesmo
tempo. De algum jeito, quando Chirrut desabou sobre a terra e rolou de lado,
estava ciente de que Baze gritava seu nome.
Não conseguia mais sentir seu cajado. Não conseguia mais sentir sua mão,
exceto por uma terrível sensação latejante e seu peso dormente no final do
braço. Mas a arte do zama-shiwo ensinava o controle da dor, e Chirrut
permitiu que seu sangue se derramasse sem experimentar sofrimento. A
violência causada em seu corpo o perturbava menos do que a violência que
ele causara nos outros.
Estava morrendo, é claro.
Sentiu os passos pesados e familiares de Baze atingirem o chão, sentiu o
cheiro do suor de seu irmão quando ele chegou mais perto. Queria dizer:
Baze! Meus olhos! Não consigo enxergar! Mas Baze Malbus sempre preferiu
conforto a humor.
– Chirrut – Baze murmurou. – Não se vá. Não se vá. Estou aqui…
Perguntou-se por um momento como Baze havia cruzado o campo de
batalha para chegar até onde estava. Mas, é claro, a Força os havia reunido
antes do fim.
Os dedos cheios de calos de Baze esfregaram vida nas costas da mão de
Chirrut.
– Está tudo bem – Chirrut disse. – Está tudo bem. Procure pela Força e
você sempre me encontrará.
Tentou sorrir, mas já não sabia se conseguiria.
As palavras do cântico ecoaram no coração de Chirrut Îmwe mais uma vez
antes de morrer:
Eu sou um com a Força e a Força está comigo.
CASSIAN ESTAVA MORTO – JUNTO COM QUANTOS OUTROS, Jyn não sabia. O homem
de branco que participara dos piores momentos de sua vida estava presente
outra vez. A escuridão a envolveu, rompida apenas pelos milhares de olhos
vermelhos dos cartuchos de dados. Seus braços tremiam violentamente
sempre que ela se erguia na torre, como se prontos para serem arrancados do
ombro.
Mas ela podia ver a luz acima.
Suba!
Suas luvas encharcadas de suor esfriaram com a refrigeração da caixa-
forte. Encaixar as botas em apoios estreitos deixou a ponta dos dedos dos
seus pés entorpecida. O cartucho em seu cinto parecia pesado o bastante para
arrastá-la para baixo da crosta de Scarif.
Jyn agora enxergava claramente a abertura que pulsava no topo. Uma série
de dutos de ventilação se abria e fechava em sequência, sugando o ar mais
quente da torre. Esse ar parecia carregá-la quando era liberado.
Suba!
Jyn vislumbrou o céu azul. Estava no topo da torre de banco de dados,
perto o bastante do primeiro duto de ventilação para passar o braço pela
abertura. Imaginou-se tentando e sendo esmagada pela porta que abria e
fechava ritmicamente. Por um único momento de desespero, achou que não
fosse aguentar outra subida. E então o momento passou e ela contou até três
para se sincronizar com o movimento dos dutos.
Liana Hallik, Tanith e Kestrel – velhos nomes, velhas vidas – já fizeram
coisas mais corajosas, mais ousadas do que isso. Jyn Erso também poderia
fazer.
Agarrou-se em um duto, saltou para o seguinte – escalou e esperou. Ficar
parada era tão agonizante quanto se mover. Enquanto esperava entre as
aberturas, contando os segundos para o salto seguinte, seus músculos
imploravam por impulso ou por descanso eterno – não aquela série torturante
de saltos e paradas. Um, dois, três, vai! Espere, dois, três… Ela mal notou o
ar passar de frígido para quente, a umidade molhar seus lábios e sua garganta.
Um, dois, três, vai! E então já não havia mais para onde escalar e ela se viu
estatelada sobre um chão de metal, a superfície desconfortavelmente quente
sob a luz do sol enquanto se arrastava adiante.
Estava fora da caixa-forte. Fora da escuridão.
Porém não tinha mais forças para se sentir triunfante. Levantou-se com
dificuldade, empunhou seu blaster e procurou por stormtroopers, por
assassinos de preto ou o homem de branco. Mas estava sozinha no topo da
torre, em uma larga plataforma à sombra de uma enorme antena. Seus joelhos
tremeram quando analisou o céu claro, denso, com nuvens que encontravam
o oceano no horizonte.
A serenidade foi maculada por gritos de caças estelares, canhões
disparando em tons vermelhos e verdes enquanto rebeldes perseguiam
Imperiais e Imperiais perseguiam rebeldes. O vento trazia um cheiro de
cinzas vindo de algum lugar lá embaixo.
Porém, ela estava sozinha.
Você não tem muito tempo, Jyn disse a si mesma e forçou o corpo a se
mover.
Avistou um painel de controle na frente de um turboelevador e dirigiu-se
cambaleando a ele, tentando recobrar a força nas pernas. Não reconheceu os
controles – parecia um terminal de comunicações, mas não havia entrada de
áudio e ela não reconhecia as dezenas de botões. Então encontrou uma
entrada para um cartucho de dados – quase sem acreditar, Jyn o estudou com
os dedos antes de inserir a fita da Poeira Estelar.
A tela se acendeu com opções e jargão técnico. Uma voz eletrônica
autoritária repetiu severamente:
– Reiniciar alinhamento da antena.
Ela praguejou e socou o painel. Queria chutar K-2SO por tê-la enviado até
ali, chutá-lo até não sobrar nada – e imediatamente se sentiu culpada por
pensar assim. Voltando a sentir toda a dor no corpo, debruçou-se sobre a tela.
Não sabia nem o que deveria procurar. Será que K-2SO havia
reconfigurado a antena para transmitir para a frota? Será que Bodhi tinha
feito isso? Será que o escudo estava desativado, então a antena precisava se
reposicionar? Jyn não sabia, e o painel também não lhe dizia nada. Mas
imagens piscavam na tela indicando outra unidade de controle, na ponta de
uma passarela que se estendia da plataforma da torre.
Certo. Vamos reiniciar o alinhamento da antena.
Ela não seria a mulher que condenou a Aliança porque não conseguia
entender um maldito painel de comunicações.
Agarrando seu blaster, Jyn seguiu para a passarela e avistou a unidade de
controle cilíndrica erguendo-se na ponta. O vento quase a carregou quando
pisou na passarela, e o corrimão parecia baixo demais para servir como
proteção. Correu até a unidade, encontrou um interruptor giratório e o girou
entre os dedos, passando pelas posições até a voz anunciar outra vez:
– Alinhamento da antena.
Ouviu servomotores zumbirem e se virou para ver o grande prato da antena
se mover. A antena se ergueu e se ajustou até apontar diretamente para cima.
– Antena alinhada – a voz disse. – Pronta para transmissão.
Por favor, esteja na posição certa.
Jyn começou a voltar pela passarela. O grito de um caça TIE foi carregado
pelo vento, mas a princípio ela o ignorou. Então a nave apareceu, descendo
na direção da plataforma com seu grande olho da cabine fixo sobre ela. Jyn
congelou, sem saber se deveria correr ou se abaixar na passarela, na
esperança de se esconder.
Ela correu, e os canhões do caça pulsaram.
Luz e fogo esmeralda mancharam sua visão. A passarela ondulou como
uma bandeira ao vento, depois se desprendeu por inteiro. O som de metal se
rompendo encheu seus ouvidos enquanto estilhaços atingiram suas pernas e
seus braços. Seu rosto parecia queimar. Jogou os braços para a frente em
desespero, sentiu os dedos envolverem algo – os restos do corrimão ou a
parte de baixo da plataforma pendurada – e soltou um grito silencioso e sem
ar quando sentiu os músculos extenuados do ombro quase se romperem.
A passarela danificada balançava perigosamente com o vento. Jyn se
segurou com toda a força que conseguia e tentou subir, conforme sua visão
voltava. Através de um filtro de fumaça e manchas ela conseguiu distinguir a
imagem da plataforma, a pouco mais de um metro.
Suba!
Dessa vez não havia alças de cartuchos. Nenhum conveniente apoio para
os pés. O metal em chamas era quente demais contra o corpo de Jyn. Ela se
arrastou para cima um centímetro, um milímetro por vez, enquanto o vento
tentava soltar seus dedos. Estava perto o bastante para tocar a borda da
plataforma quando sentiu uma sombra passar por ela. Ergueu os olhos e viu
uma mancha contra o céu azul, cuja claridade a fez piscar com força.
Seus olhos queimaram com a mistura de cinzas e lágrimas, mas a mancha
apenas se tornou mais nítida. Uma perfeita esfera cinza pairava sobre o
planeta; sua superfície era marcada por linhas como um circuito eletrônico.
Jyn não havia visto aquilo em Jedha. Não de verdade, não no estado em
que estava. Mas a reconheceu mesmo assim, seu subconsciente sabia o que
era, e não se sentiu surpresa.
A Estrela da Morte havia chegado a Scarif.
Da última vez que Cassian se feriu tanto, K-2SO o carregara para um local
seguro e, no caminho, foi enumerando todas as contusões e analisando a
probabilidade de infecções e danos permanentes aos nervos. Era o jeito do
droide de mostrar que se importava – ou, ao menos, seu jeito de mostrar que
se preocupava com o destino de seu mestre.
K-2SO não estava lá para ajudar Cassian no topo da torre de comunicações
da Cidadela. Mas Jyn havia se voltado para ele na frente do painel de controle
parecendo a última sobrevivente de uma guerra, e ela sorrira de um jeito que
ele nunca vira antes. Não foi um sorriso atribuído à coragem ou expectativa,
ou maculado por tristeza ou dúvida – apenas um sorriso tão normal que
pareceu transformar Jyn de uma heroína mitológica em uma mulher que ele
poderia ter conhecido e entendido.
É claro, Cassian não a conhecera e não a entendia. Não havia tempo.
Ela cambaleou até o seu lado e cautelosamente passou um braço ao seu
redor, conduzindo-o até o turboelevador. Cassian tentara não mostrar a
extensão de sua dor (ficar de pé era ruim; andar era pior), mas desistira após
um momento, apoiando-se pesadamente sobre ela. De algum jeito, Jyn
carregou seu peso.
– Você acha que alguém estava ouvindo? – ele perguntara.
Não conseguiu erguer um braço para apontar o céu depois da transmissão,
mas ela entendeu.
– Sim, acho – Jyn dissera, suave e, para seus ouvidos, sincera. – Alguém
está lá fora.
E ela o conduzira para dentro do turboelevador e o apoiara quando ele se
encostou na parede de metal. Era ali que estava agora, com um braço
envolvendo Jyn, sentindo sua impossivelmente frágil forma humana.
Cassian não sabia se ela estava certa. Não sabia se, de fato, alguém
realmente estava lá fora ou se o Império já havia assegurado a vitória.
Enquanto revirava a questão em sua mente, ficou surpreso por perceber que
não estava preocupado com a resposta.
Talvez fossem seus ferimentos. A dor e a exaustão estreitavam sua
realidade, tornavam difícil visualizar qualquer coisa fora de sua linha de
visão. Quando pensou sobre as pessoas de quem gostava, as pessoas que
teriam que continuar a luta contra o Império e a Estrela da Morte (aquelas que
não se voluntariaram para a missão em Scarif), não conseguiu pensar em
ninguém – e isso não poderia estar certo. Poderia?
Mas, quanto mais pensava sobre isso, menos acreditava que a névoa em
sua mente explicava sua falta de preocupação.
Ele dissera a Jyn: fizemos coisas terríveis em nome da Rebelião.
Lembrava-se de algumas delas agora – Tivik, que possibilitara tudo aquilo e
fora recompensado com a morte –, mas a maioria, para a vergonha de
Cassian, ele não conseguia trazer à mente. Havia negociado seus ideais e a
vida de outras pessoas, um por um, para encontrar uma vitória que faria tudo
valer a pena. Porém, enquanto observava as luzes pulsantes do turboelevador,
sentiu profundamente que nem a vitória nem a derrota mudariam as coisas
terríveis de seu passado. Jyn não poderia dar aquilo que Cassian buscava.
E esse era o ponto crucial.
Pois ele havia entregado a Jyn aquilo de que ela precisava, e cumprira a
missão corretamente, e ele descobriu que isso era o bastante.
Jyn acreditava que havia alguém lá fora. Talvez até fosse verdade.
Ele queria que fosse verdade. Com todo o seu coração, ele queria.
A fé dela o carregava junto com seus braços.
Mas Cassian não falou nada disso. Não queria perturbar o silêncio
enquanto descansavam um contra o outro, doloridos, mas relaxando, ouvindo
o zumbido mecânico e o distante crepitar de incêndios. Afastou lembranças
de velhas missões e pensamentos sobre o futuro – decidiu se concentrar
naquilo que podia ver e ouvir e cheirar nos últimos momentos de sua vida em
Scarif.
Quando Cassian Andor morresse, estaria pronto, e estaria satisfeito.
A Tantive IV não estava pronta para decolar, muito menos para lutar. A nave
passara por frenéticos reparos durante a viagem no hiperespaço, de Yavin
para Scarif, segura no hangar da Profundidade, onde estivera desde sua
última missão, teimosamente resistindo aos mecânicos. Mesmo após sua nave
anfitriã ter chegado ao sistema e se juntado à batalha contra a armada
Imperial, o Capitão Raymus Antilles e seus engenheiros e droides
continuaram trabalhando desesperadamente para deixar a corveta pronta para
encarar o espaço: selando vazamentos no motivador do hiperpropulsor e
limpando excessos nos dutos de ventilação. O Almirante Raddus deixara a
situação clara: cada nave da frota tinha um papel a desempenhar.
Raymus amava sua nave. Quase a perdera uma vez. Pela Aliança Rebelde,
a arriscaria novamente.
Mas a batalha em Scarif terminara antes que a Tantive IV pudesse se juntar
ao combate. Justo quando o reator da corveta ganhou vida, a Profundidade
gritara com seus pulmões metálicos perfurados. A Tantive IV sacudiu no
hangar, quase deslocando as rampas de embarque presas a suas escotilhas
pressurizadas. Em vez de ordenar a fuga imediata de seu hospedeiro em
chamas, Raymus pediu à sua tripulação que se preparasse para decolar,
depois saiu de sua nave. Sob o piscar das luzes de emergência, respirando o
ar carregado de fumaça e veneno, Raymus acenara para que a tripulação de
Raddus embarcasse na corveta, levando amigos e desconhecidos para a
segurança.
Reconhecera uma das técnicas de Raddus – uma mulher de meia-idade que
se lançou em seus braços. Seu rosto estava queimado, mas ela pressionou
uma fita de dados contra a mão de Raymus e se afastou.
– Conseguimos aquilo que queríamos – a mulher disse. – Você precisa
decolar. Ordens do almirante.
Raymus quis discutir. Em vez disso, fez questão de embarcar a mulher
queimada na Tantive IV. Depois deu as costas para os bravos rebeldes que
permaneceram na Profundidade e seguiu para a ponte.
A Tantive IV não estava pronta para voar, mas voou. A nave emergiu dos
destroços incendiados do cruzador e acelerou para longe de Scarif. Por alguns
poucos segundos de paz, seguiu pelo espaço sem nenhum problema. Mas
então a nave sacudiu novamente, estrondos ecoaram e faíscas voaram. De sua
estação na ponte, Raymus sentiu o cheiro de circuitos derretendo.
– Destróier Estelar se aproximando! – gritou o oficial do console tático.
Raymus não reconheceu o rosto – era um dos homens de Raddus.
Apagou o medo de sua própria expressão.
– Salte para o hiperespaço – ele disse. – Certifique-se de travar a escotilha
pressurizada. E preparem as cápsulas de fuga.
A Tantive IV podia saltar para fora do sistema, mas ainda precisava de
reparos e seria perseguida. Era melhor não arriscar.
Ainda segurando a fita de dados, Raymus viu uma figura vestindo túnica
branca perto da entrada da ponte. Aproximou-se da mulher e disse, com um
tom respeitoso:
– Alteza. A transmissão que recebemos…
A mulher olhou em sua direção. Raymus já tinha visto seu rosto muitas
vezes, o conhecia bem. Era jovem, parecia mais jovem a cada dia, mesmo
com suas responsabilidades crescendo e crescendo.
Ele estendeu a mão. Dedos quase infantis tomaram a fita de dados.
– O que é que nos enviaram? – ele perguntou.
A Princesa Leia Organa olhou para o capitão como se ele tivesse lhe dado
mais um fardo – outra responsabilidade no meio de tantas –, mas ela se sentiu
orgulhosa disso.
– Esperança – ela disse.
Raymus acreditou nela.
DADOS COMPLEMENTARES: IN MEMORIAM
Lamento dizer que me encontrei com Jyn apenas duas vezes. Dizer
que eu a conhecia seria um insulto para a jovem mulher cujo fervor
cativou tantos. Por outro lado, falar apenas de seu efeito em nosso
movimento – recontar mais uma vez o discurso que fez para a
Rebelião e nossa transformação de uma coalisão desconfiada para
uma nação unificada – seria redundante e um insulto.
Então não creia em minhas palavras. Posso contar sobre aqueles
dois encontros e aquilo que enxerguei nela – ou aquilo que, em
retrospecto, eu me lembro de ter enxergado nela, o que pode estar
muito longe da verdade. Você pode encontrar mais uma ex-senadora
desconfiada do que a própria Jyn Erso em meu relato.
Jyn estava algemada quando nos encontramos pela primeira vez,
antes da Operação Fratura. Eu conhecia seu arquivo e a escolhi para a
missão por razões pelas quais gostaria de poder me orgulhar.
Esperava encontrar uma garota problemática que fora injustiçada pela
Aliança de centenas de maneiras diferentes: injustiçada por Saw,
injustiçada por aqueles de nós que conheciam Saw, injustiçada
quando partiu para agir sozinha e injustiçada por nossa incapacidade
de salvar seu pai ou sua mãe. Esperava que ela pudesse ser persuadida
(e com isso acho que eu queria dizer manipulada) a nos ajudar e, ao
fazer isso, nós também a ajudaríamos.
Mas a mulher que encontrei na Base Um não podia ser manipulada.
Existem poucas pessoas cuja força de vontade e ferocidade são tão
grandes que atraem todos ao redor. Já conheci algumas delas que
cultivaram esse talento como políticos e generais, para o bem ou para
o mal. Jyn, eu acho, nunca soube do efeito que causou nos outros –
nunca percebeu a intensidade de sua própria humanidade ou a
presença que trazia para uma sala. Ela era, como esperado,
problemática e arredia – também era impossível de ignorar ou
esquecer.
Em sua curta vida, Jyn encarou intermináveis dificuldades e se
tornou ela própria difícil. Mas seu fogo brilhava forte.
Se nosso primeiro encontro foi breve, o segundo foi ainda mais.
Trocamos um punhado de palavras em particular quando ela
informou o Alto Comando da Aliança sobre a ameaça da Estrela da
Morte, e a mulher que encontrei então era muito diferente daquela
que aparecera algemada em Yavin 4. Estava em paz? Creio que não.
Mas se portou com uma determinação renovada.
Virou moda em alguns lugares dizer que Jyn Erso seguiu para
Scarif com a intenção de se tornar uma mártir – que percebera que
havia perdido tudo e escolheu seu caminho por causa de seu fim
inevitável. Contestarei essa afirmação até o fim dos meus dias. Acho
que Jyn conhecia totalmente quem ela era e buscou uma maneira de
canalizar seus melhores e piores impulsos, seus momentos mais
sombrios e os mais iluminados, para uma causa digna de sua
verdadeira incandescência.
Em um universo mais bondoso, ela teria escapado de Scarif. Não
posso imaginar em quem ela se transformaria, mas acho que seria
uma pessoa extraordinária.
Sou grata por tê-la conhecido, por menor que tenha sido nosso
tempo juntas.