Você está na página 1de 328

I

europeus. No período medieval e agora, em finais do século XX, as


espêCifiCiOades foram e são atenuadas pela prevalência de estruturas
comuns e de interdependôncias relativamente a outras nações. Importa, pois,
caracterizar, em primeiro lugar, a Europa e a Inglaterra medieval.

A formação da nação inglesa consistiu num processo longo para o qual con-
correram diversas circunstâncias, nomeadamente:

afixação nas Ilhas Britânicas de diferentes tribos e formações sociais,


antes, durante e depois da presença dos exércitos romanos e da tutela
de Roma, que, pouco a polrco se foram organizando em reinos feu-
dais;

a constituição de um sistema de coesão social que se fundamentava


nas relações de kinship e de hierarquial

a difusão do cristianismo, por duas vias diferentes e posteriormente


unificadas;

a formação de uma língua comum adequada à comunicação e à ex-


pressão poética.

Uma b¡eve descrição de cada um destes elementos contribuirá para clarifi-


car as diferenças entre a sociedade e a cultura pré-moderna e moderna. Os
capítulos que a seguir desenvolveremos destinam-se a clarificar e interpretar
os aspectos acima enunciados.
-Url-
::a

1" Do Império Romano ao Feudalismo


Sumário

Este capítulo destina-se a traçnr um quadro geral da cuitura e da sociedade


ingiesas entre o períoclo da ocr-rpação romana e o século XI. Deverão ficar
claras as grancles linhas cie tl'ansformação quc passam pela extinção do
Impét'io e o florescimento de um¿r sociecJ¿rcle e cttltura in-tlesas. É, por isso,
lmportante reflectir sobre as estruturas sociais em mtlclança. lssitn como
sobre a língua e a religiãro. O conteúdo sumário do capítulo é o seguinte:

1. Características políticas do Império Romano.

A ocupação clas Ilhas Britânicas pelos exércitos rom¿inos'

A importância da família e clo reconhecin-iento pírblico lla orga-


nização social do Império.

2. A Inglaterra Anglo-saxónica: estrlttllras .sociais em mticlança.

" A organização social: factores de coesão e estrlttura social.

. Composição ótnica: as diferentes tribos que povoaram o territó-


rio.

. Língnas e religião: o Lìso do l¿rtirn e das língu¿is vernáculas. a


introdr"rçùo clo ct'istianismo.

o A cultura clistã: o uso do latim, a construção de i-erejas, a escrita


e a produção cle livros. o ctlsino e os seus conteútdos.

o As invasões viking e as reformas do rei Alfredo; proch-rção e


divnigäção de textost ¿r literatura anglo-säxónica.

' A rcfolmlr Lrcneclitinl.


1.1. A desintegração do Império Romano

A ideia de estado-naçáo é moderna, ou scja, começa a ganhar contornos,


ainda imprecisos e não uniformes, apenas em princípios do século XVI' Na
próxima secção serão desenvolviclas as teorias e as cottdições práticas que
promovem este conceito e avançadas as razões por que esta forma de estado
se implantou e desenvolveu na Europa. Importa agora analisar brevemente
as condições cle implantação e expansão do hnpério Romano, a sua desagre-
gação e a emergência do feudalisrno na Europa, em geral, e nas Ilhas Britâ-
nicas, em particular.

Em princípios do século V da era cristã, o Império Romano estendia-se a


ocidente até à Península Ibérica, a oriente até à Pérsia, a norte até à Escócia
e a sul ocupava o Norte de África. As Ilhaq Britânicas tinþam sidg atyo de
dgas invasões, chefiadas por Júrlio César, já em 55 e 54 a. C., que não
tinham, no entanto, resultado imediatamente em ocupação do território pe-
los exércitos de Roma. { conquista militar come-çpu apenas em 43 d. C., sob
o domlnio do_ Imperador Cláudlo e, em finais do século I, a totalidade cla
Inglaterra e Gales estava incorporada no Império, mantendo-se essa situa-
ção nos trezentos anos subsequentes.¡É característica dos -Impé{9¡
domina;
rem mas não governarem, ou seja, lJnfluêlóia directa dos imperadores é
limitada a um espaço geográfico e social muito mais reduzido do que a
extensão de território do Império, poJ.lalta de meios capal.eq de -e-xelcef'
com regularidade, as fg1Ções admin_istrativas neces,sárias à coesão dos terri-
tórios. $. continuaçao dòl impéiios depende, fundamentalmente, da organi-
,t9i? e da sua capacidade bélica.
1:¡-' "xércitos
Nas Ilhas Britânicas, como noutros pontos do Império, a p¡1tica romana era
a de ãeiegâi: ô-provimento e as despesas da administração quolidiana às
poputãfOes locais. Após as invasões chefiada-s p_o1 Cláudio, uma pcquena
parte do território sob dornínio rorìano erâ qovernlg,l po. co¡rcethos locais
reguiares, òheiiados poi notáveis locais, encjüañtó" os,.J.estantes ter¡!t-ó1.ios
eram entregues aos governantes britâni9os, ficando sob ¡uperv!sã9 romana,.
Na primeira situação, quando o pgggt local era visto como amigo de Roma,
havia lugar a recompensaS materiais, de queVerulamium. perto de St.Albans,
é exemplo. O segundo caso constituía o sistema de <reinos clientes>>. ou
estados Satélite nativos, que convinham a Roma. dentro e fora das áreas
militarmente ocupadas.

Um dos resultados importantes desta política terá sido uma ampla divergên-
cia nos aspectos culturais da romanização, consoante os reis clientes-e os
SeuS povos desejavam. olt tinham possibilidade, de adoptar o modo de vida ' The CuntL¡rirlge Culturttl
Histot¡' ol llli¡¡rin. cd. Boris
romanor. Nas cluas décadas que Se se-{uiram à invasão de Cláudio, A Suce'S-
Ford. vol l. [:urlt Bri¡aitt-
são de vitórias militares irlprimiu um ctl¡ho trir-rnfali'sta à ocupação romana. Canrbridge. Cambridge LJP.
desde logo rnanifestaclo nas constfuções arquitectónicas da cidade de I 992. p. 18.

.l-l
Colchester, e cotttinu¿rclo na redução clas guarnições rnilitares nos territórios
cu.ia conquista se julgava consumada
{::tlriti¿gla romana foi. então, a da
co-¡'¡q¡ri,sla das tribos bretãs aincla não roinanizadas, o que cl-e-¡1.o¡,!Sc1 a Lrnr
período de conf'lito violento, em que a oposição a Roma dirigida pela rainha
Bor"rdicca e pelos Trinovantes de Essex acabon por ser vencida. clefinindo-
-se. enl flnais do século I, ¿rs fionteiras clo Império: Gales e o Sudoeste da
Inglaterra tinham sido incorporaclos, e ¿t Íìorte o Sr-rl da Escóci¿r. O;-p-1l_gl.
-,1_cli9.!!-es"
foram poltco a polrco clesmantelado¡, e ao longo do século Ii
', a5siStiu. se..a um desenvolvirnento da .sociedade britânica segundo os mode-
los rornlnos.

Este parece ter sido um período de paz. em cllre a população atingiu níveis.
em nútmero e densidade. idênticos aos cl¿r Idade Média antes cla peste negra.
A agricultura constituía a principal ¿rctivida.de. desenvolvendo-se em quin-
las de proporções medianas, cr¡os proprietários se ¿rrticnlavam con'ì a vicla
clas cidadcs otrde descnrpctthlvatn funções cle acllninistração clos assuntos
quoticlianos. Apresença. em lnglaterra, do ImperadorAdri¿ino ern 122 con-
tribr"riu largatnente par¿ì um novo ímpeto n¿ì constrr-rção de infra-estruturas
cle servico pírblico, visíveis não apenas n¿i célebre mur¿rlha. mas também
noutros pontos cle Ingiaterra. nome¿rdamerìte em Londres.

Esta sitr"raçao de tranquilidade começou a ¿ilterar-se rìos finais do século.


com uma série cle surtos de revolt¿t rìas zon¿ìs fronteiriças do lrlpério. Neste
período. correspondente às primeiras décadas do século III, o Império
Rom¿rno pareceu entrar em desagregação, nomeadamenie durante o reinado
de Septímio severo (193-2ll). que chegou a instalar-se em Londres conl
toda a faniília real. para clirigir pessoalmente as c¿ìmpanhas pela preservação
d¿rs fronteiras. Em finais do século III assiste-se a Lrûìa revitalização do
Inipério, com os imperaclores Diocleciano (284-305) e constantino, o Glancle
(306-337). Eni 313. com o Éclito cle fuIilão, acaba oficialmente a perseguição
aos cristãos e. passaclo polrco m¿ris de r-rma década. a reìigião oficial do Iinpério
é a religião cristã. Convém lembrar. clesde já, qr"re a divulgação do cristianismo
nas Ilhas Britânicas não se irá fazer lincalmenie e partir cleste momelrto.
Teremos ocaslão de ve r. posieriornrente. como se clesenrolou o processo cle
intcglaçao do cl'istianisli'ìo nas c\tl'Lttru'its da socicdadc brit¿ulica.

No princípìo clo século IV pocle corì.statar-se. no sul cie Inglaterra, por uûl
laclo, unr¿r --erancie prospericlade. de clue são testemunho grandes c¿isas cle
campo e propriedades e, pol outro. uma tcndência conservaclora nos selts
habitantes. que pl'eservam ou recuper¿rm os cultos religiosos traclicion¿iis.
Esta prospericlacle poderá fical'a dever-se ao próprio imperadol constantino.
cLga sr"rbicla. iitconstitncional. ao trono. se fez ein York, e é pror'ável qLre
tenha recotnpensado gerìerosail'ìente os seus apoi;ultes britânicos. O períocio
cle plospcriclacie loi interrorriprdo enl 353 deviclo a conflitos políticos rela,
cionaclos com a. sncessão clo irnperacior. e a protecção às Ilhas Butânrcas.
fornecida pelos exércitos romanos, enfuaqueceu, tornando-as vttlnel'áveis a
diversos rttids, ou incursões, rápidas e vlolentas. por via rnarítima, de tribos
bárbaras. Nos p-r'imeiros clez anos do século V as Ilhas Britânrcas estavan-r já
praticllnente isolaclas clo l'esto do Império, sem exército nem funcionários
oficiais romanos.

Os acontecimentos da prtr-neira metade do século V são praticamente desco-


nheciclos. O por,rco que se sat-re assenta mais em conjeciuras verosínieis do
que em dados arqr.reoiogicamente sustentaclos Dqlt fenómenos parecem ter
concorrido, nestes anos, para mudar radicalmente a situação das Ilhas Britâ-
nicas na sua relação cotn o Império, reflectindo também tendências qLrc ocor-
riam noutros lugares: a divulgação do cristianismo e ¿ì sua aceìtação, cada
vez rnaior. por palte da aristocr¿tcia. e o refot'ço clo poder das forças bárba-
ras, frequentemet-ìte utilizadas por Roma e pagas.em dinheiro ott autoriza-
clas a fixar-se dentro das fronteiras do Império. Na primeira metade do sécu-
lo V a aristocracia romano-britânica parecia extremamente activa lla sua
aclesão ao cristianisn'ro, e uma das prirneiras e mais devastacioras heresias do
século ficor-r a dever-se exactamente ¿ì ulrt britânico, Pelágio. Becla refere, na
stta Ecclesi(tstical Historl' of the English Peo¡tle, a heresia pelagiana como
<ttoxioLts cutcl abontinable teaclting that nta¡t hud trc tteed oJ God's graceÐ, e
narra como esta heresia ol'tcLd serious|f infec:tecl the.faith ofthe Britislt
CluLrch>, o que teria levado os britânicos a lecorrer à quda dos bispos
gauleses, Germanus cle Anxerre e Lr-rpus de Troyesa. A narrativa de Beda, ' Rede. Ecclesiasti(ul HistLìr .\'

o.f tlte Ettglish People ttirlt


que data do século VIII, evoc¿t uma sociedade activa, rica, empenhada nos Berle's Lette r to fighett and
assuntos da religião. Ficam. porórn. obscuros os acontecinlentos qtre terão Cuthbert s Lettet on the Dc¿tth
ú Bed¿. Trad. Leo SherÌey-
levado à extinção do Império na Grã-Bretanha. bem como aqueles qLle pro- -Price ¿¡ 41., Flarnrondsu'ortlr.
porcionaram o aparecinìento dos zrnglo-saxões, e toda uma civilização pró- Penguin, 1990, pp. -56 e 65.

pria das Ilhas Britânic¿s.

û político da Europa lria transformar-Se pouco ¿ì potlco. ao longo do


rnapzr
século V com a progressiva desintegração do império Romano. T¿rmbém o
mapa clas Ilhas Britânicas iria frequentemente mudar. ao longo do chamado
<períoclo anglo-saxónicor. Mas esse será o assunto da próxinia secção deste
capítr,rlo. Interessa agora sistematizar, brevemente, alguns dos traços cla socle-
clade e cultura no período t'orrrano da ctvilização britânica'

1.1.1 {gSJll"J-e-s genéricos de caragrerizclç119 do lrypélo

O In'rpério não tem semelhanças com o moderno estado-nação. Enquanto


este ¿ìssenta preclominanicrrr'ntc nl capacidade das estrlÌturas admirlistratl-
vas. poclencio concluzit'ao preclon-iínio da br-rrocracia, colÌìo Se verá poste-
liormente. o hnpério ¿ìssent¿ì sobretuclo nas estrLÌtul'as rnilitarcs c na capaci-
dade de fazer a guerra. Os lirnites do Império não constituíam fronteifas e,
dentro desses limites, podiam coexistir diferentes formas de organização
política e social.

Entre os;elementos que caractelizam a Sociedade no período do Império


Romano devem destacar-se dois: a importância da família e a importância
atribuída ao reconhecimento público do mérito individual'

O conceito de família é abrangente, incluindo não só os laços de sangue,


mas também o pessoal doméstico e todos os dependentes' Este conceito
alargado irá ter continuidade nas Sociedade¡ europeias, durante séculos,-tendo
coìtiibuído, em ôonjunto com outros factores, para estrutltrar a sociedade
ocidental até ao período moderno. Uma das gondiçEes irnportantes ga
forrnação da modernidade será a alteração das relações familiares e do próprio
5
Adopta-se aqui a data avan- cónóeito de família por volta de 1500s. Este sistema de relações sociais, no
de clientela' que assegurava
çada por Larvrettce Stone etn
The Famill, Sex and lvlur' þeríoclo romano, era aind¿ì alargado pelo Sistema
riage, in Etrglund I 500- I 800. formas de protecção e de responsabilidacle entre grupos menos e mais
a que se fará referôncia poste-
podefosos. O clientelismo proporctonava. a uns. protecção, a outl'os, prestígio
riorrrìente.
pela protecção que exerciam. Construíam-se, deste modo, teias de relaçoes
mutuamente clependentes e eficazes ainda ao longo do período feudal.

O reconhecimento público do mérito individual teve também efeitos cul-


tuiàimènt" importantes. Na civilização romana deu lugar ao aparecimento
de inúmeras obras destinadas a celebrar vitórias, em escultura e arquitectu-
ra, que se mantiveram ao longo de séculos como modelo para a celebração
da excelência, tanto nas artes da guerra cotrlo nas da paz.

Dois factores, de natureza diferente dos acima apontados, são frequente-


mente invocados para suportar a tese cle que a Europa viveu, no passado,
uma unidade cultural que agora, no presente. Se fragmenta' Esses factores
seriant o uso de uma língua comum, o latim, e a convicção e prática de tlma
única religião, o cristianismo. Qualquef destas afirmações mefece anáiise
cuidada, o que se fará na secção seguinte deste capítulo, uma vez que o
período a que estas afirmações se referem é. em geral, a Idade Média. Im-
porta, porérn, não esquecer qlle, colrìo refefe David Held, <a 'Europa' foi a
criação de muitos processos complexos, na intersecção de forças 'internas'
6David Held. <The Develop-
ment of the Modern Stater. in
e 'extenlas', Há mil anos a Europa, enquanto tal. não existia. Os cerca de
Fornrct tiotts o.f M odernity. ed. trinta milhões de pessoas que viviam no território europeu não se considera-
Stuarr Hall and Bran Gieben.
vam como um povo inter-relacionado, unido pof uma história, uma cuitura
Cambridge. Polity Press.
1992. p 15. e um destino comuns6.>>

46
r.2 A Inglaterra anglo-saxónica

Com-algum se.nttdo de humor, G. M, Tleyqlyan comenta que, ao fim e ao


cabo, a presença romana em lnglaterra apenas deixotr três coisas com valor:
o cristianiÀmò galês, as estradas romanas e a imþortância tradicional de algu-
mas ciclades. nomeadamgnle Lo-nd1es. Para este autor, o acontecimento
cleterminante de toda a história de Inglaterra é o estabelecimento, no territó-
rio britânico, dos þovos Nórdicos7. Embora as razões avançadas porTrevelyan 7
G. Ì\4. Trevelyan. ¡1 Slt¿r¡l-
enetl History o.f Englattd,
assentem em juízos' sobrc a formação do carácter nacional, dificilmente HârmondsNorth, Penguin,
demonstráveis em termos sociológicos e culturais, o facto em si é da maior 1965. pp.28 e 37.

relevância para a análise cla cultura e da socieclade britânicas.

Tomando como balizas temporais os meados do século V e a morte, em


1087, de Guilherme, o Conquistador, poder-se-á dizer que, ao longo deste
período de seiscentos anos. se formou um conceito de englishness, para o
qual rnuito contribuiu a Igreja cristã, e que é já perceptível na obra de Beda.
Ecclesiasticctl Histort,oJ the English Natiott (c.731). Aþuns-P3._4-f.õ-e--E--de.--.
organização social nasceram também neste período e perduraram ao lolgq
d"e séculos:

os county shires, ou seja, as unidades territoriais de poder local, esta-


beleceram-se em formas que iriam perdurar até à sua reorganização
em 1914;

a rede cle dioceses e paróquias formou-se, segundo um padrão que


duraria até ao século XIX;

as aldeias e cidades inglesas começaram a tomar contornos e a adop-


tar os nomes que, ainda hoje, têm;

finalmente, foi também neste período que se começou a falar uma


forma ancestral do inglê-s moderno, e que aquele adquiriu o estatuto
de linguagem literária8. " 7.he Ca¡nl¡rirLge Cultural
Histor¡ o.f Britairt, o¡t. t:i1.,
p. l0l
Nestes seiscentos anos muita coisa mudou, e é uln erro pensar na Idade
Média, mesmo nos primeiros séculos, colrìo um períoclo mais estático do
que dinâmico. O ritmo de mudança era, sem dúvida lento, mas deu lugar a
pjg{u1das alterações, quer no aspecto religioso, quer no uso da língua e na
cupaciclade dc a utilizar. quer na organização clo poder. quer na economia ou
no clesenvolvimento populacional. Também os padrões cle produçâo das ar-
tes e do mecenato se alteraram neste período. Estes aspectos set'ão breve-
mente examinados nesta secção. com vista a delinear apenas grandes
enqnadramentos que persistirão, ou cuja alteração nlerece registo, nos últi-
mos séculos da Idade Média.
E importante, contuclo. nlcncionat, desde já. três,aspectos da sociedade anglo-
que apresentam contii.iuidade neste período. Ern primeiro lirgar, ás
t...4¡-9.1ica
mulheres parecem ter grande importância, tenclo sido fundadoras de casas
nlg¡.1st!91¡, proprietíìrias e gestoras cle bens próprios, que tíviemente podiáin
doat'. e tatnbc<m plrirorìas e rneccnlr\ das artcs. Posteliolnlentc. as mulhercs
vìrjarl a perder e.sta indepenciência e. no século XIX,-por exemplo, a própria
legislação limita drasticamer.ìie as libe'rclades da mulhel', principalntente
c¿rsacla. Os outros dois aspectcls relevarìtes para a análise culturai deste
períoclo refer.mlie à organização da família- g ¿ì natnreza !a.ços- q-ye
clo.q----------------

ligam os senhores e os seus dependentes. Estes, em particular. vil'iam a ser'


irttcrprctados no sóculo XIX pol alguns ¿tutores. no,r.od"nlentc Thornas
Carlyle. como alternativa às relaçoes ir-npessoais que se estabelecem e desen-
volvem nas socieclades inclustrializadas. É. pois. importante, perceber qual a
natureza destas relacões. para posteriormente podermos confrontar as suas
reinterpretações.

1.2.1 Aspecîos da r¡rgcutizctçcio socictl

.A !.çaldadg é a mais ìmportante forma cle relação erìtre um senhor e os sells


companheiros (cctnùtes ou gesrlzas). J,áL Tácito. no século I, fical'a impres-
sionado com o vigor desta reìação sublinhando o facto cle ela não ser tribal.
mas estritamente pessoal. ou seja, um chefe de reconhecido valor atrairia
para si homens de diferentes tribos, que competiriam contra outros chefes,
no campo de batalha. Seri¿r considerada inlâmia sobreviver ao chefe ou aban-
donar o,.:1ll]pg.de batalha. Segundo Táciro. <to deJencl ltint, tr¡ protecÍ him,
even to qi'!1.:i.liy"io his glor¡, their own elplf,¿it;, i.s the esselce oJ'their svttout
'r Cit. ì¡r Dorothv Whitelock. allegiartce. The cltieJ'.s.figltt frtr yit'torv, the follov;ers J'or their chiefe.>
'I'he
IlegitLttittg.r o.f English
A contrapartida para esta.clecltc¿rção seriam recompensas em armas, cavalos
.locl¿¡,r'.'ilte Anglo- Suton
P er to d. I-{arnrolldsrvolth. e terräi,-bem como um lugar cle destaque nas conlemorações clas vitórias. As
Penguin. l9-59. p 39.
lclacões de família (kùtship)e o ct¡ntilut¿r.ç mantiveranl-se ao longo dc toclo
o período anglo-saxónico. e serialn indispensáveis à sua estabiliciade.

A i'elação entre o senhcx e o seu companheiro envolvia o clireito e o dever de


vingança pelo soblevivente. no caso de un'i deles ser morto. o mesino acon-
tecia no âmbito da faniíiia, cluando um dos seus membros era ass¿rssinado
os familiares da r'ítima tinham o clever e o direito de exercer vingança - o¡r
exigir compensações. Esta com-pensação e¡a chan-i¿rda )l.g.l:gld e consistia å
É
nunl preço estabelecrdo. consoante a irlportância da pessoa ass¿rssinada. Quer
o ct¡iltiïttltts. quet as rclaçoes dc larlília. proporcionaVarn a preservaçio c
desenvolr,itrento cle uma socieclade fortemente hiereirqr-rizada. Os valores
¿rtribtrídos enl termos de n'ergilcl indicam cliferentes est¿ttlrtos sociais bcrn
tlciiniclos. corìlo pol exenrplo na rcsiio dc Kcnt. cnl qLrc a lci distingrria tr'ês
tipos de hc¡mens livres, três dc sen-rilivres e aincla três tipos cle escr¿ivos.
A terr¡inologia é, no entallto, v¿rriada e oS mesmoS termos não correspondem
necessariamente a sitr:ações sociais análogas, em toda a Inglaterra. Em Kent,
no século VII. os nobres são charlados ettrl, enquanto noutfas partes o ter-
mo não é utilizado senão na poesia. para rimar con'¡clturl. A palavrag esithcLs.
companheiro, é mais tarde substituída por tltorrc, qlle significara primeiro
<Servo>, mas que posteriormente fora promovida para designtir aqueles que
serviam o rei. Pode, no entanto. defintr-.se r-¡p grup,a $Q--c,ial. constituído por
aqueles homens iir,-re-s que sellialn o rei qlte, juntamente coTn as respectivas
famíliás, fói'niàm a nobreza. O! n-ob_r-es são proprietários de _lerraìs e re.pe,
tem. nas suas residências, ot ."iùòt hírbitoi cla cóltte, èmbora cnÌ lrìenor
esóala. Os seus cleveres pare c,o!l o rei consistent, essencialinente. napresta-
ção cle serviil iriilliar. òonstrução cle fortificações e leparação de
pontes.
Eni-ðoñliaþar:tida, são livres de utilizar as stl¿ìS terras e de as doar a quem
quisel.em

O hoinem livi'e comuln é cham¿rdo chttrl A esta cate-eot'ia corresponde ttm


v,ergLLilclinfêrior ao do tlnne (cerca de um sexto), mas o chm'l é ainda um
proprietário, por vezes substancial, de terras. Em certas zonas da Inglaterra
distingr"re-se um outro estrato, abaixo deste. os lnet, e ainda, os canÌponeses,
por quem também era devido w^erguild. Com o correr do tempo a situação
do chtu'L parece ter-se deterior¿rdo, acentuanclo-se a sua dependência relati-
vamente ao senhor. São, no entanto. perceptíveis inútmeras gradações de
irnportância e riqueza, neste grltpo. até ao século Xi.

Por úrltirlo, na hierarqUia anglo-saxónica. vêm o¡ esçraYos. Enlbora lhes


fosse atribuído um preço, este não constituía u,ergtùlcl, mas apenas o preço
cle um bem rnóvel. O escr¿rvo podia Ser complado e venclido, não possuindo
g!.{lquer,propriedade, Por esta razão, não podia ser condenado ao pagarnento
de muit¿rs por infracções conretidas,.sendo em geral castigado com chicotadas,
mutilação ou rìesfiìo morte. a menos que o seu proprietário estivesse disposto
a pggzil. ai mttilas ou colrpensações envolvidas AJgSislação não prev-ia
qu,?.lg!1"1 sanção para maus tratos dos esclavo,s pelos se-rls donos, que ficavam
apena..s lt¡eitos a sanÇões eclesiásticas. Foi também o aumento de influência
clistã qLre contl'ibitiu para nritigar. pouco a potico. a cortdiçrio dos escravos.
a quem, progressivamente, foram sendo reco¡hecidos alguns direitos. A
or'1gq¡¡ dos e$cravos, no período anglo-saxónico, é. valiacia Alguns des-
cenciiam da popLrlação bretã. e o próplio termo britr¡n significava
simplesmente <<escfavo),;olltros elarn plisioneiros de guerra, capturaclos em
escaranlltç¿ìs entre os diversos reinos e outros ainda, a maiol'parte. eraln
condenaclos em resultado de determinados delitos, ou por não pagametrto de
clír,idas.

As dilèrenças sociais eram clararrente visíveis nas roupas. jóias e ¿ìrtltadlll as


e Ùast¿trá comparar a riqueza do espólio clo funeral real cle Sr-rtton Hoo
(c. 625) cont a rniséria da inaior parte das c¿rntpas deste períocio. estudadas
pelos arqueólo-eos, para perceber a enorme discrepância de riqueza q*119--e-..r.!s-

ti¿i nesta sociedade fortemente_ hierarquizada. A introdução do cristianismo


n* u"io irarer ¿riteràções no seutido de uma maior igualclacle, como se verá.

I.2.2 Composiçao énticcL

A povos qLlg ocupa)/am ils Ilhas Britânicas neste pe-


c_o_1¡posição g¡-ll-94dos
ríodo $éculos V--Xi):não é uniforme e é importante mencioná-la. a fim cle
nlelhor se entenderem os traços culturais da época. Bj$o, por volta clo ano
de 131, preocupara-se em cf¿rrificar, parÍ,ì os leitores cla sua EcclesicLstical
History. a origenì-'dêStes povos, que d-e-!i-n-l_?, no presente. como-qua_tro na-
ções, falando cinco 1ínguas: os Ingleses, os Bretões, os Irlandeses e os Pictos,
que falavarn quairo línguas cliferentes. uniiicadas por Lrma quinta. o latim.

Os prirneiros habitantes teriam sido os Bretões,_que pg,v--q,_a,La¡¡r o Sq.f da I_n-gla-


teäã, vindòs clo norte da França. Olti-ç1gl teriam vindo da Escandinávia,
para as costas nofte da lrlancla, habitada pelos Irlandeses. que lhes te_riam
recòméndaclo que atravessassenr de novo p111.1-eïe e se,:stabelècessem no
l\orte da Grã-Bretanha_(na Pscócia), o que fora cumprido. Posteriormente.
roBede, o7r.r:if.. pp .14-a6 os pr'óprios lrlandeses teriam rnigrado para a mesma árear0. Bgdg p_ro¡-¡.egue
o suu nãit¡utiva contando episódios da ocupação romana e, no òaþítrlo 15 do
livro I. relere que. entre 449 e 456. os Anglos ou Saxõcs vierarn para a
Br"lgllo, a co¡v,i19 !o- re1 Vorlingerl Aosle-gém chegadqs for.ary dzidgq
tgïa-s e: em troca, teriam o clever de proteger o reino. Mas. segr"rndo..Bqd-¿, as
verdadeiras intenções desles poyos eram estabelecerem-se em Inglalerra e
dominarern o povo local. Por isso. tendo derlotaclo os illvasores do norte. os
Pictos. os Saxões teriam informado o seu próprio povo que o território era
fér'til e os Bretões cobal'cles. pclo que. prontamente. novos guerrciros se
't '

l,ierarn juntar aos anteriores, formando um exércìto invencível. A s-tn o_ri-


ge.m,ser!_am as três mai,s formidár'eis raças germânicas, os Saxões, osAnglos
e os Jutas. _

as áreas colonizadas por cada um destes povos e


P:_9*gl"¡le.g-ue. referincio
as vicissitudes decorlentes das rivalidade.s entre eles, concluinclo o capítLrlo
com urrìa narrativa cla opressão dos Bretões e destruição das stìas terras e
proili:iedades, pelas armas dos An-elos e dos Saxões, errì finais do século V.
É.inequívoca a opinião cle- que a segunda metad,e dq ¡é.gt¡lo V constituíra um ::1
:t':!

período de radical rnudança nas ilhas Britânicas.


I'r
ittl
A pesquisa arqueológica contemporânea não confirma exactanrente a inter-
;,1

pretacão de Beda. antes se lnclina a pensar que o estabelecimento dosAnglos, .a::i

Saxões, Jutas e alguns outros invasores nome¿rdamente Francos e Fr'ísios


da Esc¿rndinár,ia ocidental
-
constitlliu um processo longo, qr-re poderá ter
-
,,1 50 . :,r:

:- ...
,
,,,,.':

,:ili
.li

--

tido início antes dos meados do século V continuando até às primeiras déca-
\t The Cantbridge Cultural
das do VItl. No_ enlantg, quer tenha corlsistido num conjunto de acções ocor-
History o.f Brituin, op. cit.,
ridas num tempo relativamente curto ou. pelo contrário, quer tenha sido um p. 104.

processo mais longo,io- .",.,-1!9,!-"_l9cigen!o do¡ povos germânicos nas Ilhas


Britânicas apresenta er.'idências de ruptura cultural com a presença romaqa,
sem þáralelo com o que ocorre noutros pontos da Europa. São d¡'r-as qs;*g,*;
de descontinuidade mais significativas: a língua e a religião.

1.2.3 A língtta e a religicio

No ca-so,d-a-língua, a verificação imediata é a ruptura com o latim, colo


língua vernácula. Ao contráno do que aconteceu em Espanha, França ou
Itália, onde os Visigodos, Ostrogodos e Francos não impuseram as suas lín-
guas, os anglo-saxões ¿rcabaram por quase obliterar o celta e o latim. A pró-
pria toponímia é eviclência da supremacia anglo-saxónica, senclo raros oS
nomes de cidades, vilas ou aldeias que conservaram a raiz latina, em compa-
ração com aquelas que adquiriram nomes anglo-saxónicos ou escandinavos.
É evidente que o latim se manteve como língua de escrita e comunicação
oral em situações relacionadas com o estado, a igreja e as leis, mas muito
cedo começa a surgir uma literatura vernácula que demonstra a maturidade
de uma língua cle raiz não latina.

No caso verificam-se tarybém rupturas imponantes relativamente


-dareligião,
à presença romana. Na.s.primeiras décadas clo século V o cristianismo t'oma-
no þdrece ter üma enorme importância em Inglaterra, principalmente entre
os proprietários de terras romano-bretões. O aparecimento da heresia
pelagiana leva. inclusivamente, a que o Papa envie para Inglaterra, por duas
vezes, o Bispo de Attxerre. São Gernlano, que, como diz Beda, apazigua
duas tempestades, uma no Inar e outta nos pelagianos, além de praticar fei-
tos de armas e milagres.

Simultaneamente, em meados do sécuio Y São Patrício, que era de origem


romano-britânica. cristianizara a Irlancla, num processo que continuaria com
a obra missionária de São Columbano, não apenas na Irlanda, mas também
no oeste da Escócra e em Northumbria. Não p.arece ter sido intenção de São
Patrício fu¡dar, na Irlanda, uma forma de cl.isqianismo diferente do que era
praticado em Roma. Porém, todo um conjunto de circunstâncias contribuiu
para isolar a Irlanda nos anos subsequentes; a queda do Império Romano no
oqidente, a quase extinção de instituições romanas na vizinha Grã-Bretanha,
a conquista bárbara em França e na ltália. concorreram decerto para que,
privada de contactos com outras tegiões, a lt'landa desenvolvesse uma igreja
e,-g-T_q"-c-Lv,¡lizaçã,o próprias".de_raiaq.9!¡9.-gue se,exp-a!dir-r para o_sul"{$-scó-
cia.g.-l-91-!-9.-da.I¡g.1-ate"rra, vindo posteriormente a entrar.em confliro.com o
c rls !i a¡ 1
g mo roman-o-r

Não se sabe muito, como já foi referido, sobre os acontecimentos ocorridos


ern Inglaterra na segunda metade do sécirlo V. Beda atribui aos Bretões o
glime de não_ terem nltnca pre gado a fé cristã aos anglo-saxOes, masãðiesðéntt
que Deus não esquecerá o seu povo escolliido. Assim . jét na última década do
século VI. o Papa Gre_eório. o Grande. ter-se-ia lembrado de enviar uma
missão às Ilhas Britânicas, chefiada por Santo Agostinho. O relato cie Beda
tornoll-se urna clas Ilistórias mais recordadas da tradição inglesa e. por isso.
vale a pena nrencioná-lo. A história é narrada no capítulo I do Iivro IL onde
é resumida a vida e obra do Papa e, a este episódio, Becla atribni o desejo que
Gregório manifestara. aincla antes de ser Papa. cle ver conveilida a nação
inglesa.

Estando Gregório um dia no mercado. ern Roma, avistou, entre outras mer-
cadorias, dois escravos expostos para vencla. Eram de pele clara, feições
finas e belo cabelo. Perguntou de onde eram e em resposta foi informaclo
que vinham da Ilha da Bretanha, onde toda a gente tinha aquele aspecto e era
pagã. Entristecido, Gregório perguntara o nome da sua raça: (('They are
called Agles', he was told. 'Thctt i.s ctppropriate', 'he said', 'Jor the.v- have
angelic .faces, and it is right that they shotLld beconte joint-heirs with the
angels in hectven. Ancl what is the ncune of the province Jrom which they lruve
been brottght?"Deiru', ' ¡os tlte nnsvt:et''. 'Gor¡d. The1, s¡1o¡¡ incleecl be
rescued de ira
- fi'ont wrath - cutd called to tlte ntercl, of Christ. And wltctt
is the ncune of their king?' 'Aelle', 'he vvcts tolcl'. 'Tlrcn', said Gregon, ntcLking
plcty ott the ncune 'it i.t right tltctt their lancl shoulcl echo the praise of God
tsedc. o¡r. cir.. pp. 103-101 our Crecttor in the worcl AlLeluia.' t2 >

A narrativa de Beda regista os acontecimentos subsequentes à chegada da


missão chefiada por Santo Agostinho a Kent e a conversão do reiAethelbert
e da su¿r corte. um ano mais tarde. o Papa escreveria ao Patriarca de
Alexandria dizendo qLre jír l0 000 ingleses tinhani sido baptizados. Ern 604
tinham sidolá frindadas as dioceses de Rochester, Londres e cantuária.

A cristianização da Inglaterra não iria. contudo, prosseguir sem sobressaltos


e recuos. O paganismo continuaria a existir e os conflitos entre casas reais
mais ott menô.s iavorál,eis ao cristianismo levanam a flutuações na estabili-
dade dos cristãos. Simultaneamente. no Norte das Ilhas Britânicas, o cris-
tianismo celta desenvolvia práticas nerÌl sempre confol'ines às romanas e.
em meados do sécuio ViI, ó já evidente a diversiclade de práticas litúrgicas e
de organização da igreja. Por este motivo, a igleja da Northurnbria toma a
iniciativa. ern 644. de convocar o chamado sínoclo de whitby. que decidiria
pela conforrnidade com as práticas litúr_eicas cle Roma.
Esta decisão levott a um imenso incremento das relações com o mundo
mediterrânico, através das viagens de homens como Benedict Biscop (628-
-690), que fundou os Mosteiros de Monkwearmouth ern 641 e de Jarrow em
6gl-682, ou de Wilfricl (634-709), que foi arcebispo de Ripon e de Hexham,
A igreja irlandesa, que manteve as Suas especificidades, corltilluou ¿ì sef
procurada por nomes notá\,eis. como Alcuino, qtle, de França, m¿ìnteve cor-
respondência com os scJtolars irlandeses. Estas relações contribuíram para o
cosmopolitisrno da igreja em Inglaterra. Ilestes primeiros tempos. A ocr-rpa-
ção cle cargos eclesiásticos ern Inglaterra,
por homens clas mais diversas
origens, era fiequente, sendo de destacar oS casos deTeocloro deTarso (669-
-690) ou cieAdriano, orittndo clo Norte de África, bem coino um sem-nútmero
de bispos franceses em East Angiia e Wessex'

1.2.4 A cuhttrct crist1i

A conversão ao cristianisilo introduziu alterações significativas em todas as


ár.eas cultul'ais. Em primeiro lugar. a substituição clos cttltos e litLrais pagãos
pilos cristãos não só feria de trazer consigo uma it-nportantí.ssiina mttdança
dê ¿rtitude ielativamente à transcendência. à visão do mundo e ao reiaciona-
menro clo homem com os seus semelhantes, mas comþoitô[.-îäñì6ðñ-üm
conjunto de alterações nas próplias formas de expressrìto e I'epresentação.
Com a construção de novas igrejas foram introduzidos novos inateriais e
tecnologias, nõmèadamente no tl'at¿ìmento e utilização da pedra, elrì cons-
truçõcs tradicionalmente feitas ctn macleira, betn como novos cleme¡rtos
decorativos. O latim voltou a ser utilizaclo nos rituais religiosos e na escrita.
A litrirgia envolvia tarnbérn música e canto. bem como representações dra-
rnáticas. ensinados e transmiticlos por mestres vindos do continente' A pre-
servacão e glorificação das relíquias dos santos gerou também novas neces-
sidacles em bordaclos, ottrivesaria, trabalho de metais e pintura.

Com o cristianismo desenvolveram-se tarnbém dois aspectos fundamentais


cia cultura anglo-saxónica: a instrução e a técnica de fazer livros, Nenhum
clestes dois aspectos se generalizou, no sentido em que se quisesse clizer que
a sociedac-le anglo-saxónica em gerzrl era edttcada e tinha acesso a livros' De
facto. a lertura, a esc-r'ita e a própria prodLrção de livros raramente ultrapassa-
vam os iimites do mosteiro e da hierarquia da igreja. Aqui, porém. floresce-
t'am importantes bibliotecas. constittrídas primeiro com livros trazidos do
continente e, logo depois, com produções próprias, originais e cópias. Beda,
que nltnca viajou para longe de Jarrorv. conhecia as obras dos padles da
igieja. como Santo Agostinho cle Hipona, Santo Ambrósio e São Gregório.
ben-i como cle Isidoro de Sevilha. dos poetas cristãos. como Ar¿itor, Seduiio,
Juvenco. Fortunato, Próspero, Lactâncio e Pmclêncio. dos historiaciores
Eusébio, Orósio, Josephus, Cassiodoro e Gregório de Tours, autores clássi-
cos, como Plínio, Ovídio e Virgílio. Entre as produções das bibliotecas e
scripîorin dos mosteiros figurarn obras como os Lindisfante GospeLr, escri-
tos e iluminados pelo bispo Eadfrith em Lindisfarne, o Book of DtLnow, os
Durhum Go.spels, os Echternach Gospels. os Licfield Gospels e o Book of
Kells, todos eles apresentando extraordinária criatividade.

serc livro, não obstante o seu significado cultural, não teve imp4cto social
de maior, já o mesmo não se poclc dizer de unra outra esfera àe int-luência da
igreja, essa sim. sentida por toda a sociedade: a propriedade da terra. A cria-
Ção dé um mosteiro envolvia a doação cle terras que não podiam posterior-
mente ser reclarnadas para outras doações, destinadas a recompensar servi-
ços prestados ao rei. por exemplo. Por outro lado. a lundação de mosteiros
podia transformar-se numa quase instituição familiar, quando os membros
das famílias assumiam o cargo de abade e assim preserva\/am as suas terras
geração após geração. É importante perceber que a posse de extensas terras
pelos mosteiros não tinha apenas a finalidade de thes garantir um poder
temporal em reforço do poder espiritual. A riqueza, em terras, era funda-
mental para a econonlia do mosteiro, na execução das tarefas que se propu-
nha: por exemplo, a composição de um manuscrito envolvia uma organiza-
ção complexa e cara, em que um dos elementos essenciais eram as próprias
peles de que se faria o pergaminho. um só manuscrito, produzido em Jarrow
por volta do ano de 700. o codexAtniatirtLts, composto por 1030 páginas em
pergaminho. precisou das peles de 5 l5 vitelos. Dado o ritmo de proclução de
manuscritos e, em muitos casos. a sua üronumentalidade, lorna-se evidente
t' The Cumbridge Culturul a necessidade de abundantes recursos nos mosteirosr-r.
Hi.story, op. crr.. pp. I 12 e 141.

AT'þ¡.p,a-¡ lithas.de divulgação do crisrianismo, a irlaqdgsa g,a ronanq, garan-


tilm -4.
sua coqtinuidade, através do ensino, a rapazes destinados à carreira
ecle¡!áqtica, As matérias leccionadas eram as necessárias ao desempenho do
sacerdócio: o latim, as Escrituras, o cômputo das estações clo ano, a música
para as cerimónias religiosas. A teologia tinha lugar central no curriculum e
os mosteiros irlandeses continuavam. no século VII, a ensinar gramática e
retórica, com alguma atenção à literatura latina secular.

Pode situar-se neste período, a partir de meados do século vII, uma altera-
ção importante no âmbito do estudo da filosofia, com implicações intelec-
tuars. práticas e morais, e efeitos que perdurariam ao longo da Idacle Média.
para só começarem a modificar-se com o advento do humanismo e da
modernidade. o cristianismo impõe-se corno modelo de pensamento e de
vida. substituindò a filosofia. que iria sobreviver corto disciplina académica,
sujeita a lirnitações das fontes clássicas, em resultacio do declínio do conhe-
crmento do gre-eo. se santo A-eostinho de Hipona e Boécio. no século v,
faziam ainda a articulação entre a filosofia e a vicla. a bectÍu vitct clo primeiro
ou A crntsc¡laçao tla FilosoÍïa do segundo. já no tempo c1e Becla nin-euém
escolheria um sistema filosófico como base de vida, em lugar do cristia-
nismo. O própno Beda, a exemplo clo seu rrentor, Benecdict Biscop
(c. 628-689), tinha uma visão prática e não especulativa do cristianislrìo, e
muita da sua actividade foi orientada para a produção cle textos úrteis otl
edificantes, coûro estudos sobre ortografia e gramática. sobre o cálculo da
clata da Páscoa, o mundo da natureza, história e biografia (com o intuito de
demonstrar a intervenção divina nos ¿ìssuntos humanos). comentários às
Escrituras com fins didácticos, etc.

Na secção seguinte deste capítulo voltaremos a este assunto, o da sobrevi-


vência do legado clássico na Europa medieval e sna articulação com o cris-
tianismo. Antes, porém. irnporta mencionar dois aspectos da socieclade e da
cultura do período anglo-saxónico que introduzirarn modificações irnpor-
tantes. Tratar-se-á, em primeiro lngar, das invasões viking e das suas irnpli-
cações e, depois, da refonna beneditina.

1.2.5 As invctsões viking e as reþnnas clo reiAlJredo

A partir de finais do século VIII a costa leste da Inglaterra começou a ser


¡l
alvo de i;airl.r.provenientes da Escandinávia. que provocaram a destruição de
I láriot mo.sieíros, sobretudo no nolte, e,? c_o'.nquista de- c-g¡!r qs urba¡p5 lmpor;
lantgg: Em 876 a cidade de York estava em poder dos Vikings e. no ano
seguinte, o mesmo aconteceria com Lincoln, Nottingham. Derby, Leicester
e Stamford. A invasão viking só foi trar.'ada no último quartel do século IX,
pelo rei anglo-saxónico Alfredo (871-899), qlle conseguiu estabilizar a sua
zona cle influência, no sui, demarcando-a de Lìm norte predominantemente
anglo-escandinavo. A presetrça viking ery f¡glatetra só r'eio a desaparecer
ery,{!¡a!s do século X. mas deixou vestígios duraclouros num-q deryalcaçfo
norte/sul qlre. em certos aspectos, ainda hoje é,v!síve.l, .

Embora os vikings se tivessem rapidamente convertido ao cristianismo, não


cleix¿iram c1e provocar estra-qos irreversíveis, quer nos mosteiros que saqLlea-
r¿rm e bibliotecas que destruír'am, mas também na ocupação de terras, de
onde desalojaram uma aristocracia anglo-saxónica já habituada a proteger
as aües. O declínio dos mosteiros e da cultura monástica empobreceu tam-
bém âs artes e dinlinuir¡ o contacto entre as grancles casas de religião, que
era tão favorável à inovação e à criatividade.

O rei Alfredo parece ter tido consciência de que o declínio da acção educati,,'a
e social dos mostelros poderia ter estaclo na origem clo enfraquecimctlto e
vulnerabilidacle dos anglo-saxões à ocupação escandinava. A reforma
educ¿rtiva que foi empreenclida no seu reinado teve como objectivos principais
o desenvolvimento da cornpetôncia de leitura e escrit¿r et-n ver¡láculo e o

f -'l
fbrnecimento de livros em inglôs. O iatim continuaria a ser ensinaclo àqueles
qlle seguissem a vida religiosa ou clesempenhassem aitos car.gos públicos,
nlas a sua preocltpação central seria com a divulgação de obras úteis, em
inglês. par¿ì que todos os jovens nascidos livres e com meios de f'ortuna
adequados as pttdessetl conhecel'. Ern 890 enviou unla carta a cada um dos
setrs bispos, acompanhada por uma tradução d¿r sua autoria d,e The PctsÍorctl
cctre, cle Gregório, o Grande. e nela incluin a iista de obras que consicierava
esseirciars: The Pct.storul Cure e Dictlogues, de Gregório, o Grand e: (Jniversul
Histon' ctgctittst the Pctgtuts, de Orósio, e Eccle.Eiastical Histcttl, o.f rhe Engli.rlt
Ncttir¡n, de Beda; on tJte cons'okttir¡tt oJ'Philosoplz.r; cte Boécio. e parte dos
Solilóc1uios, de SantoAgostinho. ¿ì que acrescentou älguns olltros textos ¿ìcerca
Þ D. Whitelock. op. cít da sabedoria divina e da relação cle Deus cont a ¿rlma. humanaH.
p. 215

Pode, pois. dizer-se qlle Alfreclo fbi o grande impulsionaclor do olcl english,
na slla f'orrna escrita. A poesia vernácula exrstia já. m¿ìs as cluas composições
escritas em pergaminho mais ¿ìntigas. que são Caerlntott's H\nut e Becle,s
I)ettth.Song. devem ¿r sua sobrevivência e ¿rs inúmeras cópias que delas foram
feitas à sua associacão cor-n o nome de Beda. sabe-se, também. que Beda
conipletara, já no seu leito de morte. uma iradução para olcl english d,a
Evangelho segundo são João, qlre se perdeu. E sabe-se. também. que na
época de Beda existia r"rma tradição cle poesiä vernácula. de que se
conservarain al-{uns registos escritos. Poclenl. pois. distin_enir-se três períoclos
na Iiteratura anglo-saxónica:

o período de Becla. anglo-latìno. em que ap¿ìrecem os prirne iros ver-


sos escritos ent olcl english;

o de Aifredo. em que surge a prosa r,erníicula;

por últirno, o da retbrnta beneclitina, em que o oltl engli.rlz escrito se


desenvolveu e aplicou a Llrì¿ì série de finaliclades civis e i.eligiosas.

A poesia vernácula do tempo de Beda pertence. aincla, a unla cultura cle


tradição oral. os poem¿ìs são anónimos e consistem. em geral, numa cornpi-
lacão miscelânea de versos. compostos ao longo cle várias geracões. antes cle
terem sido passados a escrito. Este é o caso de Drectnt of tlte Roocl e c[e
Beov,nlf. ou rrÌesmo de poemas históricos poster.iores. como Brt.utcntburglt e
Mulclott. Becla conta a hìstória de Caeclrnon. que teria siclo frarJe no mosteiro
de stre¿inaeshalch. por volta de 680. e que teria recebiclo cle Deus a graça de
compot \¡efsos na su¿t língua m¿ìtern¿ì. sempre com ten-ì¿ts religiosos cris-
'' [ìcde. r,p. cir., pp. 2-18-251 tãosr5. Infelizmente os poen-ìas de caedmon não sclbreviveram e, de.ste
período. conhece-se ¿ìpenas Tfu: Dreunt rf'The Roo¿l. cle teniátic¿r religiosa
também.

Beov'ulf é um poeri-r¿r é.pico. que a crítica contemporânea não consegue ;iincla


clatar con precis:ìo. e cu¡a accão se desenrola no sul c1a Escandinár,i¿r.
no

56
século VI, principalmente na corte clinamarquesa. É,.rm poema simultanea-
mente histórico, lenclário e mítico. preocupado coll o destitlo dos homens,
dos heróis, dos reis e dos impérios, com a glória e a vaidade. com o heroísmo
e a vrngança. W P. Ker chama a atenção. na leitura deste poema, para as
alusões histór'icas e tcmas secr-rndários, onde Se encontram <reveiações de
um mundo tráigico>. e que, muito mais do que o clesenvolvinlento do tema
ì6 W. P. Ker. 'l-|rc Dark A¡:,es,
central, evoc¿urì um ternperamento aristocrático e uln auditório exigente16.
Nerv York. ìVlentor Ilooks.
1958, p 164,
Qrei Alfrecl-o,eq-!9-n-ciia.-q-r¡q I s-ab_g.d-o-ria (w'rsriopt) era i¡,{,1*-sp"e*nsá.vql-4.q...91.i;s-

tão, e que ela se- adqu.1¡1.4.at¡1v-é,q.ç,!q ap¡endizagem (lecLnú.ng).Os seus textos


originais e a escolha daqueles que traduziu tinham em vista a aquisição de
saberes como instrumento p¿ìra a construção do <edifício> cla sabedoria e
para a orientação na <<estrad¿i> da vicia. Mas, para além deste seiltido pecla-
gógico do próprio rei, o Seu reinado viu nascer a Crónicu Anglo-Sctxóniccr
qlie contlnuou a sef cornpilada até ao século XII. Sobre a acção educativa do
rei Alfredo é de registar a opinião de Michael Alexander:

It is a paradox that his cräsh programrìe of converting Christian assets


from Latin into Errglish, which had as an accident¿rl result the authoritative
establishment of a tradition of u,riting in English, rvas itself the direct result
of the disastrous coincidence of the decay of monastic learning and the
¿ilmost complete slrccess of the invasions of the Danish heathen. Nowhere
else in Europe s,as Latin literacy so thoroughly inipressed on a barb¿rrous
learned elite, so nearly lost so early, and then so quickly converted for
vernlcuIlrr pur'¡roses. i
- t' -l'he
Cantbridge CuLtural
Histotl'. op. r:i1., p. l9l.

1.2.6 A reJonna beneditittct

No século X assiste-se. em Ingläterra, a Ltm movimento de reforma cla vida


inonástica inspirado por moviinentos ¿rnálogos r-ro continente. nomead¿rmente
Cluny e Fleur-v en França e Ghent e St. Omer na Flandres. O rei será o
eiemento chave para o êxito da reforma da ordem que fora fundada por São
Bento cie Núrsi¿r, no séculoVI (c, 543). Foio reìEclgar (959-915) qlte garantiu
a doação e conser\¡ação cie terras que asseguravam o pagamento dos ¡lrll¿s, e
por isso eram indispensáveis à sobrevivência das casas monásticas. Em
Inglaterra. a reforma beneditina teria dois aspectos importantes:

lltúrgico
un-i. a reforma da vida monástica, com ênfase no seu carácter
e no ce[b¿rto, bent como na abolição da propriedacle privada;

oulro. promovido pelo rei, o cle tentar u¡¡if'oqrnizar as prírticas d-q;


dil'erentes casas nx)nástic¿ts. expresso no documenLo Regttluris
C)ottc:orclict.
lij
l#å
::.1?t


.::.i1..
çl
j,
rr3,.

Não obstante os esforços do rei e da lgreja, a reforma beneclitina não atingiu


a totalidade da Inglaterra, lrìas apenas aS áreas do sul onde o rei detinha
terfas. No norte, aS rupturas decorrentes das invasões viking dificultaram a
sua implantação. Merecem, porém, registo as inovações introduzidas pela
refonna. Se não ao nível dos costumes, pelo menos ¿ìo nível da actividacle
litúrgica e suas expressões plásticas. Foram introduzidas alterações na arqlìi-
tectura das igrejas, a firn de acomoclâr procissões, coros e canto em antifonia.
A iluminação e a ortìament¿ìção ganharam novo relevo e a importância das
alfaias litúrgicas era sublinhada pela riqueza dos materiais e a elaboração
dos desenhos. A arte deste período ficou conhecida como Winchester ctrt
devido à preponderânci¿t da catedral de Winchester no processo cla reforma.
Foi nela que, pol' volta do ano de 970. se rettniu o conclave que recligiu a
Regttlaris Concorclia, e foi ali tambén qlle o bispo Aethelwold e os seus
discípulos desenvolveram uma forma de escrita em olcl english que sefia
usado por mais de un século como norma, independentemente da variante
oral, de Canterbury no sul, a Worcester a ocidente e a York no norte. Seria
sob essa forma que, nos mosteiros. seriam elaborados oS manuscl'itos eln
que perdura a poesia anglo-saxónica.

Uma seguncla vaga de invasões viking em finais do século X e princípios do


XI obrigou ao pagamento de pesados tributos que, não raramente. envolve-
tl
I ::ì
ram os próprios tesouros eclesiásticos e obrigaram a uma visível recessão na
li construção de lugares e objectos de culto. Mas o cristianismo não enftaque-
ceu e mesrno Canuto. dinamarquês e rei de Inglaterra (1017-1035), fr:ndou
mosteiros e foi patrono das artes. O firn da Inglaterra anglo-saxónica não
seria precipitado pelos vikings, mas sim pela inflr-rência francesa que. já com
Eduardo, o Confesso r (1042- 1066) se começou a fazer sentir, na corte e nos
altos postos da Igreja, Com o regresso de Eduardo do exílio, começam a
desenhar-se traços de infìuôncia francesa qlle a conquista normanda iria acen-
tuar. Mas, enquanto o Confessor trouxe para Inglaterra modelos do conti-
nente que iriam marcar a vida da corte, os mais altos cargos eclesiásticos e a
arquitectura (a Catedral de Westminster, conieçacla em cerca de 1050 é já
exemplo da influência da arquitectura românica), o Conquistador iria pro-
mover uma sangria de bens e de riquezas para o cotliinente. bem como unì
programa de construção de casteios e igrejas em Inglatelra. que destruilt ou
fez desaparecer a maior parte da herança anglo-saxónica,

Mas a estrutura hierárquica da sociedade anglo-saxónica tinha já todos os


traços que iriam caracterizar o feudalisrìo no norte da Europa. A esta socie-
dade. entre a conquista normanda e a dinastia Tudor, serão dedicados os
próximos capítulos.
-FF-_

,I

"i
:.1

.., l

:Ì.,l::ii.:ìtl.::::::::',
:.ì :::il:::l:l:':'r h. : ì

Actividades

l. Quais lhe parecem ter sido as grandes linhas de mudança


da organiza-

ção social das Ilhas Britânicas entre os séculos


III e VIII?

2. Leia com atenção o seguinte texto, extraído da obra de Bede,


EcclesictsticcLl Historl of the English People:

At the present time, the Picts have a treaty of peace with the English, and
are glad to be unitecl in Catholic peace and truth to the universal Church'
The Irish who are living in Britain are content with their own territories,
ancl cio not contemplate any raids or stratagems against the English. The
Britons for the most part have a national hatred for the English, and uphold
their own bad customs against the true Easter of the Catholic Church;
however, they are opposed by the power of God and man alike, and are
porverless to obtain what they want. For, aithough in part they are
inclepende¡t, they have been brought in part under subjection to the English.

As such peace and prosperity prevarl in these days, many of the


Northumbrians, both noble and simple, together with their children, have
laid aside their weapons, preferring to receive the tonsure and take the
monastic vorvs rather than study the arts of war. What the result of this
will be the future will show.

This, then, is the present state of all Britain, about two hundred and eighty-
five years after the coming of the English to Britain, but seven hundred
and thirty-one years since our Lord's Incarnation. May the world rejoice
under his eternal rule, and Britain glory in his Faith! Let the tttultitude of
isles be glctj tltereof, ancl give thattks at the renrctnbrance o.f his hoLiness!

Escreva um breve comentário ao texto, tendo em atenção os seguintes


pontos:

2.1 O ano em que Bede escrevia. 't ,' t

2.2 O moclo como o autor descreve e comenta a situação das várias etnias
nas Ilhas Britânicas.

2.3 Arelação entre a paz e aguerra.


2.4 A relação entre os povos das Ilhas Britânicas e a religião cristã.

3. Enuncie os principars traços da cultura inglesa entre os séculos IX e XI'


BibliografTa sugerida

The Cuntbriclge Cultural Histr¡tt, of Brituin


1992 ed. Boris Ford. vol. l: Earl,- Britain. cambridge, cambridge
Universitv Pre-ss.

The O.rford Histort, of llritcrin


1992 ed. Kenneth o. Morgan, vol. r, Ronnn cutcl Anglo-saxon Britcrin,
Oxford, Oxford Universrty press.

BEDE
1 990 Ecclesìasticctl Hisrot ,- of the Englislt people, Witlt Becle's Lefter to
Egbert and Cutltbet't's Letter ott the Death of Bede, trad. Leo Sherley-
-Price e¡ ril., London, Penguin Books.

Eti|ON. Geoffrey
1994 The Ertglish, Oxford, Blackrvell.

POUNDS, N. J. G.
1994 The cLrlture of the English people; lron Age to Íhe Inclustrial
l Revolutiott, Cambridge, Carnbridge Uni.','ersity press.
:

WHITELOCK. Dororhy
al

l9-59 The Beginrtigs oJ' English societ ,- (The AngLo-saxon periocl),


Harmondsworth, Penguin Books.
.
ii

2" A Ingtaterra Medieval: séculos XI a XIII


Sumário

e sociais da orga-
O presente capítulo propoe-se tratar os aspectos políticos
claro o quadro
nizaçao da Inglaterra entre os séculos XI e XIII. Deverá ficar
das teorias
das relações sociais neste período, bem conìo os fundamentos
sobre o poder qr,re informam a reflexão teológica e
política. É ¿e referir,
desde já, qr-re alguns dos aspectos sociais e culturais
tratados têm prolonga-
mentos nos séculos posteriores. O conteúdo sumário do
capítulo é o seguinte:

. O contexto político e social: a ocupação normanda'

" A organizaç?ao da casa real e a acção de ordenação e reconhecimento


do território.

. Os laços sociais e a organização da sociedade'

" A organizaçáo económica e as interdependências sociais.

',ì, 6l ;

'tì

..=
l.l Contexto Político

l.tro ano cle 1066 começolt a úrltirna clas invasões, nas ilhas Britânicas, que
triä co¡rpletar o pacit'ão étnico e cltltural da sociedacie medieval inglesa.
Guilherme ci¿r Normanclia encontroll, n¿ìs lllias Brìtâlticas, utna sociedade
jurídico,
.rca e culta, com urna liter¿rtura própriir e um complexo sistema
política.
com traclições profundamente enraizacl¿is qr,re clificr-rltavam a unidacle

n-ral de-
Guilherme , por seu lado, vinha cie uma região com fronteiras ainda
finid¿rs. povoacla pol vikings e dinamarqueses. apenas toler¿rclos
pelo rei
de França. O espírito viking tnantivera-se vivo na Normandia.
impelindo os
filhos il-iaiS nor,,oS clas grancles farnílias a combater por novos espaços de
implantação noutros lr.tgares. como viria a acontecer na Sicília' Este espírito
de conqurst¿r ter^ levaclo Guilherrne. o Conquistador, a invadir a Inglaterra,
acompanhaclo por apenas cerca de 6000 soldados, dos 9!ars a maior qalte.
era rnercenária e foi ciispenslcla em i070, após 4.p-a-ci1ìci¡ç{o e $-evastlçãg.
das regiões clo norte clà Inglaterm,,A t¡lYg:ã,o no1¡n1¡r{a não lbi, como a
saxôriiõá ou a dinarnarqltcs¿ì. ttilla mig|ação nacional. E'o-ir antes, LtT-q..--c,9'¡].-
cprista al'istocrútica. concluz.ida por ulll homcm que assitn conquistou unt
t-ç-t¡^o e diql-¡i-*b-q!u te.rras pel.os seLrs segu.!!-ot9l,
formando-se' deste moclo,
I Doris
LlmA nova aristocracia que ocupotl o lugar da antiga nobreza itrgleszrr.
ìt'14,v.' Stenton. Érrglisfu
Sot:ierl itt Thc Eurlt l'liddle
Ages ; l 066- I 302. Harnronds-
No período que decorrelÌ entre a batalh¿r de Hastings, em 1066, e a morte cle worth. Penguin. 198 l. pP. l2-
Eduardo i, em 1307, a socied¿icle inglesa não se manteve. de modo algr-rm' -ll
estática. Importa. nesta secção, limltad¿i na sua extensão, refèrir apenas ¿ìS
gi'ancies linhas de mudança, a nír,el político e social, bem como os tr¿ìços
inovaclores que a ¿rristocracia anglo-normanda trouxe parâ as artes deste
período.

, A nível poìítrco, .sòbressaem ciois traços importantes. ambos r*r--o plano citi
orgaríizaiÇäo ilo estado, O primeiro cliz respeito à formação dos organismos
dô consulta e dòcisrio no âmbito do poder real. e o segundo à fonnação,
ainda embrionári¿r, do parlamento.

A casa real. no tetîpo de Guilherme I


e dos seus sucessores. governava
pìrìdâ, ciii:ec[amente, paíì O or-uanisrto centrai era o Exclte'rl¿r¿i", qLle reu-
9
nia em sessão solene cluas vezes por ano. com a plesenç¿l de todos os minis-
tros clo rer, e cujos procecliinentos ficar,,ar¡l regrstados por escrito. O pri-
trteiro clesses registos qr-re sobrevivett, data de 1130, sob o reinado de Henri-
qriê I. filho Guilherrne L Este-s registos. qllc continuaratÌl ¿ì ser elaborados
cle
até. à pnrneira reforma do Parlamento em 183?. erant enrolados e gr-rardztdos
lad_o a laclo aclquirinclo um aspecto de tubos, o qtte llies valeur a designação
de Pr¡rr: roll.s'. Aconsult¿r a este prirleiro Pipe roll inciica que o governo da
Inglaterra colreçav¿ì a ser centralizaclo e qr.re e xistia já r,rma organização ela- . ', ...: ..1.'.1.. :

: Itltnt, p 2)
bor¿rcla cle controle no reino. tarìto clas {'itiitttçtis, colllo da jr-rstiçar.
As ou-t_ras componentes, .dq casa rgal eram., a c4pel1 o !çt!1, e 1 câmara
(chlntbe¡') a $jrggç--ao da c,ape-la cabì4,"49- C/1c1¡1,cellq_y, no século XII já-o
¿ìntecessor directo do moderno Lorcl Chancellor. Poréin, 1ão 9¡1¡tla ainda,
no período medieval, qLralquer noção de servlÇo pú.blico: to!-gi_"q-s.lcsponsá-
veis-po-r cargos de go,,1er¡¡ação dependiam directamente do ret, do seu favor
ou desfavor, e ao Chancellot'cabia a finção, de suprema irnportância e con-
fiança, cle guardar o selo real, e superintencler nas tarefas de aclnrinistraçlìo
do reino.

A organiz-1çã9 do lall er?.e.xtremamente co-mplgxa, tarnbém. envolvendo a


acilnlnistraç-ão- das comiclas e bebidas, distribuída por f'r-rnções hierarquica-
mente organizadas, correspondendo a cada uma, como para o¡ fq¡1ci-onários
da cha¡rcelaria. uma remuneração em géneros e enl dinheiro perfeitamente
cleiinida. nlas slrsceptível de ser altcracla pcla vontade clo rei. Finalmente. a
câmara real er:r objec"to-de uma ad¡riqistlação e¡!ge_¡,!9 e cuiclada, não ape-
nas- p_,qr, enyolver o bem estar da pessoa do rei, mas também poJque nela teve
g{ge¡19 fesouro, oy ¡eja, naquele- 1empo, o lugal mais seguro para guardar
as riquezas pessoais, era o próprio qualto d9 dorqir Os funç-ionários. mais
impeiia.nles da câma¡a re¿rl eram o mctster chayúerlqin e, a seguir, o teìs_o*y-: ¡i
ìil:
r_e1.!--% O actu¿rl Lorcl Great Chttntberlctitt é o sucessol' directo do primeiro, ,.:l

enquanto o segundo. jir no sécr-rlo XII, era simultaneamente funcionário do


I
il Exchetltter. Da casa rea-';þ1m aindl parte o constcthle. cuja¡ fu_nçõ-es con
.]
ì
sistiam em zelar pela segurança dos membros da casa e controlar as. forças

j
reais eln terrpo cie guerra. c o rn(trslt(11. que zclava rnais clil'ectarnenie pela
pessoa do rei, a sua vida diária e as suas lotin¿is.

A casa real iria mudar. entre os séculos XI e XIV. No século XII os membros
do Exchec1t¿¿l'er¿ìm ainda considerados membros da casa real, bern cgmg-l
tesoureiro e o Clrcutcel/¿.¡i'. Mas, no princípio do século XIII, já o (,rchequer',
era Llm depaltamento do estado. que reunia em Westminster e o tesoirro um
departamento sr-rbordinaclo. mas ambos separados cla casa real. Embora
estas mudanças indiquern uma plo-9r'essiva autonomização cios selviços públi-
cos. ¿r pessoa do rei contiuurlva a est¿u no centro cla política, bem como os
membros da sua casa. Também o Chuttcellor. embora sempre presente jr"rnto
cio rei, já não tinha a Chancelaria no hall real. Quein substituía o rei nas
ausências era o./¿¿s¡iclr¿r. e este. juntamente cofiì o Cluutcellot', o Treasurer.
e todos aqueles que detinharn posiçoes na casa real constituíam uma espécie
de conselho alargado que participava nas decisões do rei.

Pode assim constatar-se qr-re. desde cedo, o poder clo rei era partilhacio conl
os nobres sendo o Exchecluer urìa instituiçao senr pal nos outros países cla
Europa Ociclental. Henrique Ii. eni particr-rlar (1154-l189), discLrtia corn os
seus barões todas as decisões e medidas reformistlis e este apoio mútuo terá
siclo decisivo na resoli.rcão do confronto conl os seus filllos. em I173-1114.
Sem podermos falar em <<modernizaçáo>> das estruturas do estado nestes anos,
podemos. no entanto, reconhecer alguns sinais de mudança com implicações
importantes na história cla Inglaterra. Nos trinta e cinco anos do reinado de
Henrique II foram consolidadas práticas de governo e administração da
jus-
tiça, que dotaram o reino não só de uma maior segufança, como de um con-
junto de homens com treino administrativo, aptos a governar. Foram estes
que gafantiram, ao continuar aS práticas estabelecidas por Henrique II' a
estabiliclade da Inglaterra durante o reinado negligente de Ricardo I, Cora-
ção de Leão.

Ao suceder aRicardo I, João mantém as práticas de adrninistração da justiça


estabelecidas por seu pai, Henrique II. Porém, um conjunto de factores, a
que não terão sido estranhos os comportamentos abusivos do rei para com
os Seus barões, mas onde, também, a conjugação da conquista da Normandia
por Filipe II de França e o interdicto lançado sobre a Inglaterra pelo Papa
Inocêncio III desempenhafam papel importante, levaram os nobres à revolta'
Não será demais insistir .sobre_
{,qp__o{aryJg..-dq.-Mag-n-a ,Carta, 9 d999$q!Jo
autenticado- 9g1_q s'.çJ,qip*el.-qm Runnymede em Junho ¿:.1?-ll (E importante
referir que ñao s" conhece um documento único original dá'Magna Carta,
mas sim quatro exemplares autenticados com o selo real, que fazem de
qualquer deles um <original>). Neste documento, multiplicado em cópias
em número suficiente para sef divulgado em todos os shires, o-19-i"""{=
concessões a todos os homens livres. que seriam s-9-mp-1..-e.. reco-1firyad-gs peloq
seus sucessot'es até à tomada de pocler pol Henrique VII. rlo século XV.

Do muito que se tem escrito sobre a Magna Carta, parece incontestável a sua, -

imensa importância como precufsora dos grandes estatutos do século XIII-e,


pelo menos simbolicamente. tern sido frequentemente interpretada como
documento fundador da democracia parlamentar britânica. Este será, para
muitos um exagero de interpretação, mas,parece indiscutível que a Magna
Carta aponta pafa uma nova época, em que o po{91real será controlado, não
pelo medo da revolta mas pela aceitação daÈ contingênclas da lei. A revolta
dos bai6éi em tZSS-65 continuaria este movimento de afirrnação clos
barões e a sua estratégia de apoio junto dos fepresentantes do poder local.
nos s/zl¡zs. Assume aqui particular relevância Simon de Montfort, frequen-
temente evocaclo no século XIX como fundádor da democracia,'quÞ convo-
cou oS replesentantes dos shires e dos boroughs pata uma só"assembleia,
quanclo, em 1265, se revoltou contra o rei, Henrique IIL Foi também nestes
anos. nos finais do século XIII, que Eduardo I passou a convocar assembleias
de cavaleiros e habitantes clos bltrgos, bem como membros do clero, para
debater os SeuS projectos cle reforma, associados à necessidade de levantar
mais impostos.

Entretanto, o Great CoLntcil. composto por todos os barões, reunia com me-
ttor freqlrência, sendo mais eficazmente substituído por um conselho mais

67
restrito, e maiS próximo do rei. As reuniões do Grande Conselho começaraill
a ser chamadas Parlamento, do francês ¡tarLentent ou debate. No século XIII
começavam a definir-se os colìtornos desta institr.rição: The King in CotLncil
in Pctrlirunelz¡ tornara-se, assiln, o supremo colpo governante do país' Era o
supremo tribunal, o lugar onde o rei testava a opinião púrblica Sobre a sua
política e requeria o apoio financeiro para a executar, o lugar onde Se passou
a promulgar legislação e a rever oS usos e as práticas da aclministração.
Embora as assembleias de ccndes, barões, prelaclos e burgueses tivessetn
sido convocadas com nlguma freqr.rência por Ecluarclo I. o Parlamento não
era ainda uma instituição ftrmenlente estabelecida. Porém, aqui se encontra
a semente que mais tarde se iria desenvolvet.

-., 2.2 Os lacos sociais

Aqueles que serviatn o rei na casa real. e eram muitos, eram recompensados
nao op.nu, em dinheiro. enl géneros e em roupas. mas também em terras.
Guiiherme I e os seus sllcessores imediatos dispunham de áreas irnen"éâs de
tetritório conquistado, que eram livres de doar a quem lhes prestava serviços
pessôai.s, tenclo procedido a generosas doações. Pouco a pouco, com o avan-
ço do século XII, as terras disponíveis foram rareanclo, e as doações reais
passaram a fazer-se através do pagamento de uma renda anual extraída de
uma quinta de um sJ'tire, paga pelo sheriff, ou directamente pelo Exchecluer.

Os séculos Xi e XII assistiram a outras evidências de organização do estado


em que. não t'aramente, a iniciativa real era empreenclicia para melhot'conhe-
cer a composição, em pessoas e bens, do reino. Os primeiros reis anglo-
normando_s viajavam incansavelmente pelo território britânico em tempo de
paz. o mesûro fazendo, já no século XIII, João Sem Terra. Mas, ainda no
séculoXI, sob o reinado de Gullherme I, todos aqueles que possuíam terras
com algurla dimensão loram chamaclos a prestar um juramcnto de lideli-
clade pessoal ao rei, conhecido como Salisburv Oath ( 1086). Ao mesmo tem-
po, Guilherme I pronioveu o ler,¿intamento minr¡cioso das propriedades, em
terras e animais, de cacla um dos arcebispos, bispos, abades, condes e restan-
tes proprietários de terras. o que não deixou de gerar ressentimentos e algr,l-
rnas falsas declarações. O inventário teve que ser repetido, e muitos foram
punidos por perjúrio. As proporçQes qLre este inqltérito real tomou. levaram
a que fosse comparado corrì o Dla do Juízo,e o nome sob o qual ficou conhe-
cìdo, quando finalmente se completou, já.no século XII, foi o de Dontesclrry lii
.::
Book.
:'.i]

i:J
A partir deste registo pode fazer-se uma estimativa segura do número de .1i

b¿rrões e cavaleiros, no reinado cle Guilherme L Os primeiros não chegäriam :i


;l:.1
aos duzentos, e oS segundos Seriam cerca de quatro rnil' Como o rei podia
cle mais
al¡da exigir o serviço cle cavaleiro sobre as igrejas inglesas. disporia
uns setecentos e oitenta cavaleiros. O rg.| parece ter seguido
dois critérios na
em vis-
distribuição das recompensas em terras: em primeiro lugar, terá tido
da
ta a segufançá de pontoS çhave n¿ìS Suas fronteiras, ou seja' nas costas
Inglaterra e nas fronteit'as com a Escócia e o País de Gales' Em se,g-lndo
lugar, a diqp-e1são cle terras cladas a diferentes Senhores, parece ter ticlo
em
vista garantir que nenhum terià recursos'concentracios, que pudessem pôr
em perigo a soberania real'

A estabilidade e a força da nova sociedade ficaram a clevel-se, sem dútvida, a

este ði:uzaileilio de intcresses, qlle obrigava os grandes senhores -ã


u.ompánúnr o rei n¿ts sllas visitas a todas as regiões dó pàís, a lim de
sLrperintendereflì Ilas suas própriaS terras. e que não permitia a nenhum uma
concentração de terras e a consequente possibilidade cie mobilização de forças,
que poderiam ser reunidas sob o princípio da leald¿ide feudal ao senhol'. Esse
laço. qr-re cleveri¿r, em última instância, ligar cada pessoa ao rei, futrcion¿rva
por gradações sucessivas. nutn complexo processo cle lelações e dependôncias
qlte, pouco a pouco, se fbram estrnturando, à medida que o princípio da
hereditarieclade garantia a transmissão da propriedade de geração em geração'

Os senhores feudais podtam, eles próprios, doar terras, criando um ìaço espe-
citrl, liege hotnrcrge, què vinculuuu ó cavaleiro ao Seu senhol'. Qutrnclo um
cavaleiro recebia teüas de mais de um Senhor, devetiaallegicutce àquele que
llre tivesse cl¿rdo a resictência principal. Os deveres de ctLlegicutc'¿ obrigavanl
o cavaleiro a nlinca julgal o seu senhor, e a segui-lo em guerra contra todos
excepto o rei, e o senhor deveria servir-lhe como seguranÇa. sempre qtle
necessário. Os serviços clue o c¿rvaleiro devia prestar ao senhor incluíam
aincia a guarda clo seu castelo e a escolta do senhor e sua família quando em
viagem. No entanto, dado que oS cavaleiros podiam receber terras de mais
cle um senhor, era inìpoSSí\rel prestaretn a todos, eilì pessoa, os serviços devi-
dos. pelo que lhes era permiticio comutá-los em troca de dinhelro. Esta prá-
tica. chamacLa scutage. era já cotnum no princípio do século XII, e propor-
cionou Ltma nova gradação. na sociedade medieval, distinguindo entre os
cavaleiros que cumpriam selviços militares e aqueles que aceitlivlìlll terrlls
com a intenção de não ptestar esse serviço e laSá,fo em ciinheiro.
. 1 a:at!-:

Não cleve pensaf-Se que a socieclade rneclievil'era estável, e que os filhos


continuavam sempre o estatllto dos pais. Urn cornplicado sistema de usos e
costumes limitava a liberclacle cie inicrativa e obrigava a rnúrltiplos pagamentos
de lendas e t¿ìxas. que podiarn conduzir à ruína, enquanto a br¿rvura e a
lealclade pocliam ser instrumentos de promoção. É importante sr-rblinhar que
as estruturas que clavam coesão à socieclade medieval eram substancialmente
dif'erentes claquelas clue posteriorrnente se loram desenvolvendo no período

I

moderno. Virnos já que, embora Guilherme I tivesse tido a preocupação ile
organizar o seu reino, a forma de organização praticada não assentava numa
noção de estado centralizado, mas sim num sistema político de autoridades
divididas, o¡de o poder se fragmentava em pequenas partes autónomas. Pod,e
dizer-setiúð nenhum g-ov-q!.n.a-!tq -e-u. estad.a LIa. então, sgberanor-no s,{1{o
I David Held, <The Develop- dg ier supre_mo sobre um dado território e populaçãor. Por outro lado, não
ment of the lvlodern State>, in
n,
existia tambérn umaescala hierárquica linear, con'ìpos.ta por senhores, vass.alos
I: o r nta t i o n s oJ' ÌlI o de r ni
op. cit.. pp.79-80. e camponeses. A hierarquia caracterizava-se frequentemente por uma cadeia
de relâçóés e obrigações em que grancles proprietários <sublocav¿¡¡', pârtes
das suas terras a outros. Na base da hierarquia estava a maior parte da
r G. Poggi. The Detelopntent população, objecto da governação. mas não sujeito de uma relação política4.
o.f the ivlodent Sf¿¡f¿. London.
Hutchinson, 1978, p. 23.

?,3 . lEnquadramento sócio-económico

A população da Inglatema medieval vivia principalmente da agricultura. Uma


grande parte do território estava ainda, no tempo de Guilherme da Normadia
e dos seus sucessores imediatos, cobe-rto por florestas, protegidas por legis-
lação que as leservava para coutadas reais. Mas, pouco a pouco, a área de
fÌoresta começou a ser reduzida por imperativos de subsistência das aldeias.
Os camponeses necessitavam de terra para cultivar, bem como de campos
para pastoreio. As terras aráveis elam normalmente cultivadas em dois, por
vezes três, grandes campos abertos (openfields), que se estendiam por deze-
nas ou centenas de hectares.

Este processo de tratamento da terra pelos camponeses em conjunLo (common


Jield proprietários individuais, tem dado origem
s-ystern), e não por pequenos
a teorias sobre os antecedentes do sistema de produção comunitário, tendo
alguns hrstoriadores interpretado a comunidade medieval como modelo de
sociedade comunitária e solidária. Uma diferença de fundo separa, no entanto,
a comunidade medieval das experiências empreendidas no século XIX, por
exemplo, no sentido de reconstituir uma sociedacle igualitária e solidária,
livre da concorrência individual: embora o tratamento da terra fosse
empreendido em comum. a posse da terra era sempre de outrem, a quem
eram devidos pagamentos.

O sistema de cultrvo em regime de open field manteve-se praticamente


inalterado até à revolução agrária do século XVIII, quando novas experiên-
cias e novas culturas. em conjunto com novas atitudes relativamente à pro-
priedade iuncliária. concorrerârn para altcrar clcfinitivamente um conjunto
de processos que apenas sofrera mudanças lentas e não radicais desde a
Idade Média. É irnportante notar, contuclo, que nem todas as regiões da Ingla-
terra pr¿ìticavam o sistema de open Jield. qtte é impraticável em terrenos
montanhosos ou eüì z.onaS de maior densidade florestal. Onde era praticaclo,
o rspenJielclcleixou vestígios ainda hoje visíveis em mttitas regiões, através
de traços no solo otlde se cletectam as culvas feitas pelos antigos arados
puxados por juntas de bois. Embora os camponeses detivessern peclaços do
conmtonfielrl. espalhados em strips ao longo de grancles sulcos abertos pelo
arado. nenhum teria a possibilidade de tratar dos setis pedaços, independen-
temente clos clos outros. As próprias jlÌntas de bois, necessárias par¿ì puxar o
aracio. pertenciam a mais de um dono, o que obrigaria. por si só, zt tttn irata-
mento em comum das terras da aldeia.

A alcleia mecljeva\ djspunha tarnbém de prados para alimento do gado. Nes-


tes séculos, it o não se encontl'am aincla registos que incliquem a prá-
Xltt.
tica de fechamento dos openJ.ielcls cotn o fito de oS transformar erì pasta-
gem para o gado ovino. Tal prática. considerada porThom¿rs More no século
XVI, corno estando na raiz dos males sociais que afligiarn a Inglaterra no
seu teÍnpo, teve origem mais tarde, col-llo se verá. Mas já neste período as
ovelhas e carneiros, e não a agricultltra, dominavam os interesses económicos
em muitas zon¿ìs da Inglaterra. Os excrementos serviam cle adubo, do leite
fabricavam-se querjos. as peles transformavam-Se em pergaminho para os
livros e registos. Mas era já sobretudo a lã qr,re se revestia de maior interesse,
e este mercado entraria em fratrca expansão no século XIII, corn um
concomitante desenvolvimento das relações da inglaterra com a Flandres'
grande compradora de lã em bruto, que era manufacturada e depoiS l'eeXpor-
tada para Inglaterra já em forma de tecidos e fazendas.

O povo, objecto de governação. mas não sujeito cle uma relação poiítica,
como acima se clisse, não era composto por Llm conjllnto uniforme de pes-
soas, em termos de recursos, actividades ou liberdades. Entre 1066 e 1307. a
maior parte claqueles que habit¿rvarn a Inglaterra rttral não tinha liberdade
pessoal. e era desigtlada. ao longo da Idade Méclia, por <vilão>. Nos come-
quem
ços clo mesnlo período havia ainda, nas regiões do oeste e do sudoeste,
tivesse um estatuto inferior ainda. referido no Dotnescla)t Book como <escra-
vo>. Estes. porérn. já não existiam antes ainda do sécr-rlo XiII. e tnttito polrco
se sabe sobre eles. Eram, provaveln.iente, propriedade de homens
rtcos. ocltpaclos em tarefas agrícolas ou serviços pessoais, recebendo em
iroca o necessário para viver. O seLt desaparecitÌlento ficar-se-á a dever ao
¿ìLnÌlento de poder clo rei e da lei. Em interpretações oitocentistas da idade
Méciia britânlca, nomeadamente no I'orìance histórico de Sir Walter Scott,
ou em certos textos cle Thomas Carìyle, a figr-rra do escravo cl'a vista como
um reforço do sistema de lealdades qlre orientava a socieclade meclieval.
Mas á vórdacle é que. Se o senhor Se encalregava de alimentar o escravo, não
se respons¿ìbilizava sempre por ele petante a lei.

<Vilão> (d,e t,illanu5. habrtante da aldeia) é uma designação que abrange a


maior parte dos camponeses na Idade Média. O seu grau de liberdade era
7- ill.
:1.1 ,,

ritl, ',

variiivel, mas er¿l sempre reduzido devido à ciependência qlrase absolnta rela-
tivamente ao senl-ìor, O vilão não poclia. em princípio. arrendar terras fora do
sev n:ütlot'de origerl. ne m ganhar a vida exercendo um of'ício r.ìLrma ciclacie.
Além clisso. mesnlo qlte prosperasse na a-qricLrltlua. tudo quanto ganhasse
seria. pelo menos eûl teori¿ì. clo senhor. Telia de nìoer a slla farinha no nloi-
nho do senhor. cozer o selt pão no forno do senhor. pagal estes servlços, bem
conìo mult¿ìs senlpre que vendia um animal ou casava Lrma filhä. Quanclo
morresse, os seus melhores bens pocleri¿rm ser recl¿ìrnados pelo senhor. e o
vilãto. conl tocla a sua família. podia ¿iincla ser vencliclo a outro senhor.

Se o núrilero dos vilãos era superior ¿io dos homens livres. é preciso não
esquecer que estes existiain também. e que o .seu núrÌìero aumentari¿i. ao longo
do tempo, à ntedida que a sen,iclão ia desap¿ìrecendo. As liberdades indir¡i-
duais teriatn. no entanto. maior expressão n¿ìs cidades. Um se rvo clue fngisse,
e conseguisse viver dur¿rnte um ano e utrr dia numa cicJacle. seria considetîdo
Llm homern livre. hlo período ariglo-saxónico existia jíi r-rrna cidade oll
melhor, vtn borottglz -
em cacia s/liiz. Este era um lugar oncle .se pocliarn
-
realizar rnerc¿idos e onde a troca de proch-rtos se e1'ectu¿tva sob o olhar de
testemunhas. qLre poderiam posteriormente garantir a legitirnidade da posse.
Eram iugares onde se podia cunhar moeda e que sen'iain t¿imbém de refirgio
enì tempo de guetla. O comércio e a defesa parecerrì ter sido os clois critérios
que levaram ¿ì criacão de boroLtgl¡.r. sempre fìrnclados por prerrogativa real.
No entanto. nos primeiros ¿rnos após a conquista normancla, muitas cidades
clecaíram. provar,elntenie por vont¿ide clo lei. que poderia consicleral o seu
ambiente n-iais propício à traição do que o ûreio disperso cias regioes rurais.

Pode dizer-se qlre no período entre 1086 e i286 a econornia Lrritânica não
sofrL'Lr irltclaçocs srrbst¿rnciuis. Enil'rol'a sc rcgisfe trrn irrrpolilultc autnentL)
r''
John Gillingharl. "l'he populacional. pode falar-se de <e.::pansão sem crescimento>5. I'lão Ìio,uve.
Earll' Ìvliddle Ages ( I066-
-1290)". Á Thc O.rilnd ftis- com efe ito, ut¡a revolucãto comercial nem unl desenvolvirnento clo sistema
tort ol [:tt.tluul. ecl. Kcnntth b¿rtlclit'io. ¡lclo qtrc tttna lloit pru'tc rlo eolnúre io cxtet'no britânicu csttva ntrs ',iäl

O. \'lolgrn. r'ol II. 'l hc


:\,1 t tld ! e ;\ ¡¿t.s. Ox iold. Oxlord
lniios clc tncl'e lrtlol'cs estlaltgciros: grscÕcs. f'ltnlcngos c iilLliallos. A ploclu- ¡
iaì]l

l-;P 1991. Ir. 66. ção de teciclos. a construcão. a actividade mineira e o tr.ttilmento cle metäis,
'.:lìl

a pesca e o s¿ìl, cotititiLtrrranl a scr ¿ctividacles seguidas em processos


traclicionais. Na agricultura poLrc¿r coisa muclou. tambénl. t: nlesillo as
experiências no sentido de utilizar os terre nos arírveis ent três folhas enl vez
cle dr-ras. nem se[ìprc fot'am berl sucedidas. À4¿rs. se as lolmas cle prodLicão
não rnudararn signilicatir,an-iente, algunias atitudes eram.jh substanci¿rltnente
diferentes no plincípio clo século XIII. daquilo qlìe se sabe tel'em sido
¿rnteriormenie. Ern princípios do século XIII um auiltento acentuaclo clos
preços obrigoLr os grandes senhores, que vivianr cle rendas, a totn¿u
directamente conta d¿ts suas terr¿ìs. vìncio ¿ì nascer tocla unla literirtura sollre
adniinisti'ação e gestãio cle propriecl¿ides. bem corno sotrre agricultnr¿r. cle que
o exenrplcr mais f¿uroso é o tratado ÍIttsbuntln, de W¿Llte l of'Henley.
t'>-

Actividades

A fim de meihol entender os conceitos de podei'deste períoclo, leia os excertos


transcritos a seguir.

De Johri of Salsbury. ltletuktgir:tnt. ll59:


There is rvholly or mainly this clifference bet"veen the tyrant and the ruler:
th¿rt the latter is obedient to la'uv, and rules his people by a willthat places
itself at their selvicc-, and aclministers rervarcls and burdens rvithin the
republic under the -uuidance of laiv in a wery favour¿rble to the vindication
of his e minent post. so that he proceeds before others to the extent that.
while individuals rrierel,v look after tndividual objects, LuleLs ¿rre concerued
vvith the burdens of the entire comntunitv.

Atribtricio a Ranulf of Glanville, Tt'eutise rn the Lutvs uncl Custonts o.f tlrc
Kirtgclont rd Englurul, 1 i 89:

It is not merely uecessary that the royal pou,er be adorned rvith u,c.apons
ägainst rebeis and nations rising up ergäinst the kingclom and itsi-ulù but it
is also appropriate that it be equippecl u,ith laws for the sake ol peacefully
ruling subjects and peo1tles, so that in both times. namely o{'peace and
\\¡ar. our glorior-rs king rnay perfonn his duties so fruitfLrlly that, by the
destruction .,r,ith the strong right hand of the pride of the unbridled and the
untamecl and by the mocleration of jr.istice for the hurnble and the rneek by
the staff ol equity, he will be victorious in subduing liis enemies, jLrst as l.ìe
rvill constantly appear to be evenhanded (aec1LurlisJ in the treatment of his
subjects....
Although En-slish not be u'ritten, it does not seenl absurd for
lar.r,s m¿ry
them to be called la,,vs (nameiy, those which are accepted beyond doubt to
be pron-rulgated b¡" decision of the Council, vr,ith the consultatiolt of the
nobilitl, ¿incl the assenting authority of the mler), since law itself consists
rn this: 'What pleases the prince has the force of larv.'

Escrev¿i uili comentírrio a estes tr:xtos procttrando:

1. Contextnalizar cacla um dele s,

2. Sintetizar a ideia de pocler do governallte e o moclo Como se rela-


cion;t cotn os governados,

3. Delinir o conceito de 'equidade', cetltrai para o entendimento do


conceito de poder;

4. Entencier a relação entre o poder tempot'al e o poder espilitual;

5. C¿rracteriz¿tr o que os autores entencienl por'lei'.


_.'F

Bibliografia sugerida

The Ccunbriclge Cultural Histr¡n'


1gg2 ed. Boris Ford, Vol. II, Mediet,al Britain, carnbridge, cambridge
University Press.

The OxJ'ord Histor.v of Britctitt


lgg2 ed. Kennerh o. Morgan, vol. II, The Middte Ages, oxford, oxford
University Press.

KERR, W. P.

1958 TLte Dark A.ges, New York' Metor Books'

MYERS, A. R.
1981 Englcutcl in the Lctte Middte Ages, Harmondswofih. Penguin.

STENTON, Doris May


1981 English societl, itt rhe EcLrll, Middle Ages: 1066-l307.
Harmondswoft h' Penguin.

SOUTHERN, R. W.
1990 Western Society ctnd the Chnrch in the Middle Ages, Harmondsrvorth,
Penguin.

THOMAS, Keith
l99l Religiol curcl the l)ecline o.f Magic: Studies in Populctr BelieJs in
s i xt ee nt h - cutd s e tt e ¡tî e e nt h- c e nt Lt t.}' En g, lcLncl, London, Penguitt.

TREVELYAN, G. M.
1961 English Sociul HisÍot't';A S¿ri'v¿r of Six Centuries, Chctttcer' Ío Queen
Victo r itt, Hannondsrvorth, Pengu itt.
A cultura medieval
F
:,l. , '
Sumário

Este capítulo irá tfatar as condições de produção cultural no período em


apreço: séculos XI a XIIL Deverão observar-se as diferentes formas de
expressão literária, bem como os ritttais que estrutllram tanto a cultura popu-
lar como a cultura das élites. O conteúlcio sumário do capítulo é o seguinte:

Asartesealiteratura.

Os rituais da cavalaria; a traciição arturiana.

A cultura popular e as festas litúrrgicas no período anterlor à

Reforma.

A religião cristã e a slra iilfluência nos planos político, económico,


social e cultural.

A concepção teológica do universo medieval e o legado clássico na


Idade Média.

rll.;'-
3.1 As artes e os costumes

Na-_sociedade a¡glo-no-tmanda, colrìo já s,.ç,-vl5a figura do rei polarizava


todos os ¿ìSSuntos clo país, no que se refere à política de governação. Mas
também nohtras árèás o rei e os seus tenattts-itt-chief têmum papel primordial,
sobretudo como patronos das artes. Não se poderá dizer que Guilherme I e
os seus sucessores tenham feito esforços no sentido de transfotmar ou extin-
guir as tradições anglo-saxónicas. Pelo contrário, artes como a iluminura,
onde os monges britânicos eram já excelentes antes da conquista, não sofre-
ram alterações; também a célebre tapeçaria de Bayeux foi executada sobre
um desenho feito em Cantuária, utilizando técnicas de bordacio inglesas.

Nontros aspectos, porém, a conquista normancla afectou fegislvamente um


curso cle práticas goclais da maior irnportância sob um ponto de vista ctlltul al.
O primerrô refere-se à língua. A nova aristocracia anglo-normanda falava o
franco-normando, mais tarde chamado anglo-normancio, enquanto o povo
cornum falava urn inglês que, como se viu atrás. já era também utilizado
como língua literária e de administração. O poder da nova aristocracia veio
interromper esta tradição, e devolver preponderância ao latim, a língua do
saber, da escrita histórica, da ciência e da lei. Até,ao séculg XIV a língua
inglesa teria apenas um papel subalterno., muito embora tenham sobrevivido
algunl þôemas deste período. escritos em itlglês, que dão testemunho de
uma língua capaz de transmitir abstrac-ções, .ambiguidad-es e humor como
acontece com Dispute of the Owl cutcl the Nighting¿ile. escrito provavelmente
em 1190.

A literatura anglo-normanda reflecte, por otltro lado, muito dos costumes e

das instituiçõe.i da óorte, e demonstra inequivocamente as relações estreitas


que se estabeleðeram entre a Inglaterra e o continente, sobretudo 3 Flança.
Depois da conquista normanda não voltaria a haver porosidade com a cul-
tura escandinav¿r, e a Inglaterfa tornar-se-ia, na Idade Média, uma parte do
continente eltropeu. sem importância especial, em nenhuma área de activi-
cl¿de. Os .scholors. os poctas. os artistas. os suerreiros e os senhores fcudais
movimentavam-Se frequentemente entre a Inglaterra. a França, a Espanha e
a Itália, ou iam mais longe ainda, até à Terra Santa, em Cruzadas. O reino
normando da Sicília proporcionava ainda acesso a Bizâncio e ao contacto
com o Oriente. o que influenciou, em termos estéticos, uma série de manus-
critos bem como as célebres pinturas murais em Cantuária.

Da literatura deste período importa destacar, pelo seu si-enificado cultural,


o conjuntò çl,e'romtutc¿,t que, de iórlò moclo. suserem Llma intenção de glo-
rificação da tnonarquia e dos v¿rlores sociais que esta defendia. O patronato
reâi, com êfeito, surge como um pocleroso estímulo para a actividade literá-
ria. como sucedeu desde o tempo de Henrique I, Beauclerc, ell que a rainha
Maud e a irmã do rei. Adéle de Blois, m¿rntiveram cortes extremamente
preocLrp¿ìdasconl as artes e o saber. Na niesma época, Robeft de Gloucester
apoiou as histórias anglo-latinas de Williarn ol N4alnlesblry e de Geoffrey
of Monrnouth.

As histórias e os ronronces coÌn conteúrdo históricr) poderão ser' \¡istos conl


uma importância dupla por um l¿ìdo estrLrturan-ì toda um¿r tradição britâ-
-
nic¿r, relacionada com o p¿rss¿ìdo celta e bret¿Io e com as lendas e mitos
arturi¿ìnos. e. por oLttro lado, ilustr¿im as práticas sociais da nobreza e cl¿r
corte, nomeacl¿ìmente nos rituais de cavalaria e nos torneios. Jár por volta cle
I 120. Wiiliam of N4almesbury dava relevo à dirnensão histórica clo reiArtur,
sublinhanclo a su¿ì luta por manter o seu reino, bretão. contla o invasor angio-
-saxónico. Em 1 138 Geofì're y of Monmouth escreveria em latirr-r a sua histó-
ria dos re is de Inglaterra. Historicte Regun Briîcuuticte. em qlre p¿trr-cenl evi-
dentes os parzilelisn-ìos que o ¿ìLltor e st¿ìbelece entre a corte do reiArtllr e a do
seu próprio tempo a de Henlique I ( I I 00- I 1 35) e clo seu sucessor. Stephen
( 1 1 35-54)
-
como se pode ler neste pequeno excerto do Livro IX, cap, I 3:
-
IIn Arthur's time Britain] excelled all other kingcloms in general affluence,
the richness of,its decorations. and the courteous behaviout ofits inhabitants.
Every kni-ght... famed 1'or his bla.n,ery rvore livery and arnrs shorvin_e his
orvn distinctive colour; and woinen of fashion often displayed the same
colours. They sconted to give their love to any man rvho hacl not proved
hirnself three times in battle. In this q,ay the woinenfolk becarne chaste
r Cit. in Ste¡rhen Ìtleclcali. and virtuous and for their love the knights were even mole daring.l
(iLitcraturc and Drürna>.
¡lltt!íevul Bti.titin: 'lhe Cunr
bridge Cultutul H ¡.1tot.r, O autor refere-se aqui à herlilclica. qLre começava apenas ¿i estabelecer. em
p 100
Inglaterra, os símbolos e as cores qlle viriam a ser transn-ìitidas de get'ação
em geração nas f¿imílias. Mas está também ¿i referir-se ao ambiente do torneio
que nesta época corrìec¿ìva a ser comutrì na vida social. Proibidos
sucessi\'¿rn.ìente. por Papas (Alexandre III eni I 179 ou Celestilto III em I 1 93)
mas toler¿rclos or-r mesliro encorajaclos por reis. os torneios persistiram nos
séculos XII e XIII, polarizando à sua volta os icleiais cle bravura. lealdade e
amor cortês que semprc sc rissocianr cor-n a lclade Média. Simr-rltaneamente,
olttros ritu¿ris sociais conteçrì\'tnl a ùmergir. dando testernu¡iho de um¿r
sociedade organizacla, hierarqLricamente estrutulacla. A cerimónia de
btightltood. armar um nobre cavaleiro. cotllcçlì\'a n rcvestiL-se cle grande
solenidade. como ¿ìcontecclt conl a investidi-rra cle Geoffiey de Anjor.r ao
casar colll a {'rlha do t'ei llenriqLre I, em 1 l2l. e o valor simbóltco da tracli,
ção não foi negligenciado em i306. qr.ranclo Eduarcio I ¿rrmou cavaleiro
o seu filho, EdLrardo Príncipe de Gales. paganclo os custos da cerimónia
a mais 267 jovens. oferecendo ao lre,srìo teûlpo uma esplênclida festa
para celelrrar a ocasião. em cìue aproveitou pala .jurar publicamente qlle
castigaria a l'evolta que Robert Bruce iniciara na Escócia.
-

Os rituais cla cavalari¿r materializavarn. decerto. unl ide al de monarquia e de


vicla social que, historicanente. encontrava os seus futtdamentos no remoto
século VI, e no lenclário reino de Camelot. A história do rei Artr,rr tipifrcava
o rei magnífico, clefensor da paz do reino, rodeaclo por cavaieiros leais e

corajosos, decticados ao serviço do rei e do reino, constituinclo Llûìa corte no


centro cla civilização. Henrique Ii adoptott claramente o mito arturiano
conìo símbolo clo seu t'eino. e fez clar o nome de Artur ao Seu neto, em i 187.
O valor simbólico dos nomes dos herdeiros cla coroa, em especial do nome
cle Artur, faz-se sentir atncla no século XV, quando Henrique VII, empe-
nhado em legitimal' Lrtll trollo conquistado em batalha a Ricardo III, dá
ao Seu filho n-rais velho o nome de Artur, colllo relorço de intenção cle cria-
ção de uma dinasti¿r britânica que assegure ao reino paz,
estabilidacle e pros-
periclade.

Noutros aspectos aittda, o patronato real de Henrique II e da rainha Eleanor


cle Aquitânia promovelr a produção de obras que gloriftcav¿ìll-ì o reino. colno
por exemplo o Rontcut cle Rou, de GeofÏrey de Monrnouth (c. 1155), ou
ainda tima crónica em verso sobre as guerras do rei na Escócia, escrita en-t
i 175 por Jordan Fantosme. Outras obras celebrararl as iniciativas políticas
do rei, corno as de Ranulph Glanville sobre as lels do reino e o Dialogtts
Scaccarii ou Dialogue t¡n the Exclrccluer. que também é atribuído ao mesnìo
autor.

Na corte de Flenrique II e da rainha Eleanor aparece ainda uma segunda


versão cla lencla arturiana, ¿rbsorvendo agora os roiltûnces anglo-normandos
c1eTristão e representanclo uma visão qtrase religiosa do amor cortês: o célebre
ronlaLtceintitulaclo Tt'i.sttutdo poeta anglo-normandoThomas terá sido escrito
para Eleanor de Aqr-ritânia. Tambóm M¿rrie cle France, de quem pouco se
sabe, mas que alguns sttpõet-t't ter siclo meia-irmã de Henriqr"re II, a este dedicou
o seu l¿¿is, escrito e m fianco-norn-iando, n-ìas coll temática e motivos bretões,
e clue iria influenciar os rontutces rngleses durante pelo menos dois séculos.

IJma terceira versão da história do rei Artur, mais austera. comecou a ser
divulgada em finais do século XII, mas ttiìo parece ter ticlo eco na corte
angevina. Tr¿ita-se clo conjr-rnto de histórias sobre o Graal. drfundiclas por
Chrétien de Troyes e por Robert de Borlon. qltc stt-seriam o rnriagre da
transubstanciação. or-r seja, d¿r conversão das espécies no colpo e sangtte de
Cristo, na Missa. Os cavaleilos mediev¿iis definlriam assim os selts Valores,
à semelhança dos cavaleiros daTávola Recionda. como lealdade ao rei, amor
pela sua dama e a busca clo Graal.

Mas enl Inglaterra a lencla arturi¿ìna tinha inequivocamente um significado


político, qr.re fica clal'amente expre sso no poerna épico de Layamon (c. 1200),
Históriu Brutr¡ntun ov Brut'. uma larga parte do poema clescreve as lutas de
Artut colìtra os Saxões, e Layailon pafece transf'erir os sells sentimentos de
agravo contra o invasor nonlando ao narfar a situação paralela cla invasão
saxónica sobte os bretões da Inglaterra romana, concluindo a stta versão da
vicla de Artur com a profecia de Merlin, de que uln novo Artur virá, para
ajudar os ingleses. Esta faceta, tipicamente britânica, clistingtte o tratamento
do ronutnce arturiano dachcutsr¡n de geste francesa. qLìe procurava glorificar
o passado heróico das famílias dos grandes ma-qnates. como acolltece com
Ogier le Danois e Giratd cle Vierute, oLì cotn o tratamento dado em França à
figr.rra do rei Artur. que aparece como roi.faùtecutf . Por outro lado, a aristo-
cracia anglo-normanda do século XIII encomenda com frequência os r1?-
fttances (<ancestraiS>, onde Se inventam aventu[as destinadas a engrandecer
os <<antepassados>> dos novos nobres. e manif'esta preferências pelas narrati-
vas de <exílio e fe-qresso>>, em que o herói é expoliado e regressa para lecla-
mar pela força a sua herança, oll pot histórias em que urn filho mais novo
conquista a fama e a fortuna de que fora privado pelo direito de prirnogenitura.

A associação estt'eita entre a lenda arturiana e as práticas da corte e da


nolrreza angevinas é sublinhada ainda pela designação de Romcl Trtbles ou
Távolas Redondas qlte os torneios começaram a adquirir no século XIIL
En 1252 Matthew Paris comentava que os cavaleiros já não se dedicavam a
essa forma vulgar do torneio uma espécie cie batalha simulacla mas Sim
-
ao jogo de cavalaria chamado Tár'oia Redonda. Aludiu-se, atrás. à
- pompa e

às festividades que rodeav¿rm estas ocasiões, que poderiam durar vários dias,
o que clecerto contribuía também para a sua popularidade e pafa a violação
dos interditos papais Sobre este <desporto>>. O espír'ito que rodeava os tor-
neios era sern dúrvicla de grande excitação, sendo estas ocasiões favorár,eis à
quebra da ordem pública.

O rei Stephen tentou legislar no sentido cle restringir os locais onde os tor-
neios eram autorizados, e Ricardo I estabeleceu um conjunto de normas
restritivas para preservação dapaz no reino. bem como uma série de impos-
tos deviclos pela particrpação em torneios. Mas o atractivo destas Távolas
Redondas resistia aos próprios riscos de vicia ou de ferimentos graves que
envolviam. Henrique III tentou ainda lrniitar estas prátictrs, nìas o seu filho
Eduardo. o futuro conquistaclor do País de Gales e, pol' algum tempo. da
Escócia, era um ptaticante cntusiasta, qlìe na sua juventttde sofreu vários
reveses, mas que clarainente sublinhou o valor simbólico do torneio ou da
távola redonda coûto estímulo, para oS jovens, dos icieals de cavalaria.

Eduardo I era um apreciador da literatura arturiana, que de nlodo muito cla-


ro o inspirava nessa tarefa de revitalização de um tdeal de cavalaria que já
estaria em declíneo. Esta preferência teve diversas expressões, nomeada-
mente no facto de o rontcutc¿ artnriano lrancês Escuttor ( 1211- 1282) ter sido
dedicado a sua mulher. Eleanor de C¿istela. Em 1284 o monarca celebrou a
sua conquista clo País cle Gales corrì Lrm¿ì elabor¿rcla távola recloncla, e já foi
T-

referida a festa que deu por ocasião da investidura como cavaleiro do seu
filho, Eduardo Príncipe de Gales.

3.L A cultura popular

Se os torneios e távolas redotldas constituíam boa parte das ocupações


sociais da nobreza __ e muitos estão clocumentaclos Já, é mais
difícil saber
-
com precisão em que consistiam as festas populares. Supõe-se que as festas
clas alcleias e cicl¿rcles estivessem directamente relacionadas com o calenclá-
rio religioso. Já no tempo do rei Alfredo (c. 876) ti¡ham sido promr"rlgadas
leis eclesiásticas com clispensa de trabalho nos doze dias de Natal, sete dias
antes e sete depois da Páscoa, Llma semalla na Assunção da Virgem e no dia
de Todos os Santos. No tempo cle Eduarclo I (c. 1214) acrescentaraÛì-Se a
estes períodos oito dias no Pentecostes (WhitsLm). Nestes períodos, para além
clas celebrações religiosas, incluindo procissões, haveria segulamente dan-
çaS e olttlas manifestações sociais: descle o período anglo-saxónico até à
Reforma conhece-se a actividade de ministróis, dançarinos, nimos, e outros
et úe rtuine rs Prolissionais.

A natureza das festas e divertimentos é, porém, obscura, devido em grande


parte aos posteriores zelos reformistas, que levaram à destruição de poten-
cials testemunhos escritos or.r iconográficos destas festas, associaclas ao calen-
dário católico. Do pouco que hoje em dia se sabe, depreende-se que pode-
riam ser ocasiões de desorclem, que convidavam ao excesso e ao pecado,
devidamente condenados em sermões, manuais penitenciaiS e decretos epiS-
copais. Mas seriam também ocasiões de divertinento. em que a represen[a-
práticas, entre o pagão e o
ção tinha um importante papel, e efiì que certas
cristão, se confundem.

Pociem clefinir-se dois grancles ciclos no calendário medieval: do Advento


ao Pentecostes. a metade <<sagrada>> do ano, um período de ansiedacie' de
consumo de alimentoS, e cie semetlteira. Depois. do Pentecostes ao Advento,
a metade <secular>, onde a vida era mais fácil, o tempo cle colheita e de
armazenamento. Dentro cle cada nm clestes grandes períodos havia festas
bem definiclas, que podiam ter a duração de um dia ou dois, ou até algumas
semanas. Essas festas eram, concretamente: o Natal-Ano Novo, o C¿rrnaval
(shrottetideJ, a Páscoa. Maio, Midsutttnter, colheitas e Inverno.

Os doze dias do Natal clavam uma atencão especial à figura do Menino


Jesus, em diferentes ocasiões: na Natividade (a 25 cle Dezembro), no dia dos
Santos Inocentes (a 28 de Dezembro), na Circurtcisão (a i de Janeiro) e na
Epifania (a 6 cle Janeiro). O Natal era Llma festa de interior. com troca de
presentes e consumo de comidas e bebidas melhoradas. Se estas caracterís-
ticas ainda hoje se mantêm, já outras desapareceram, como as representa-
ções f'eitas por crianças vestidas de adulto. imitando padres. bispos e mulhe-
res, onde se destacava a figura clo <rapaz-bispo>r, que foram proibiclas na
altura da Reforma. N4as havia também uma faceta n$;tìna celetrração clo
Natal medieval, possivelmente associada a ritnais de expulsão do Inverno.
onde eram utilizadas máscaras, por vezes com a configuração de cabeças de
animais, e se representavam cenas em que animais se devoral'am, literal-
mente, uns aos outros.

O Shrovetide corresponde ao Carnaval dos países latinos. mas as suas cele-


brações em lnglaterra parecem ter sido consicleravelmente mais moderadas.
Os rituais de desafio à autoridade eclesiástica, a paródia às orações, e as
obsceniclades escatológicas, conviviam com lutas de galos. jogos de futebol
e mascaradas. sem no entanto parecer haver formas mais extremas de vio-
lência.

A Semana Santa incluía. para além das celebrações religiosas, as festas da


priinavera e da renovação. Estas tinham uma forte componente sexual. e
permitiam liberdades que normalmente nâo se expressavam nolrtras alturas
do ano. como jogos amcrosos, motivos de captura. nomeadamente na semana
a seguir à Páscoa: os Hock Mondat e HockTuesclct\,, a escolha de parceiros,
o aprisionamento e libertação. eram práticas <<festivas>> que se estendiam
desde o Mat, Dat, até ao Mid.çwttnter.

Este carácter abertamente sexual é próprio do May Day, cujas festas celebra-
vam a chegado do verão e incluíam concursos de beleza e a ornamentação
das raparigas com festões e coroas de flores. Tarnbém nesta altura, a partir
do século XV, se conhecem paródias à história de Robin Hood, que indicam
a representação de peças e comédias vulgares.

O ciclo do Mklsurnmer esrendia-se do Rog cttion -tide (se-eunda. terça e qlrarta-


-feira antes da Ascensão), pelo Pentecostes até ao dia de são João Baptista,
a24 de Junho. que constituía a r'éspera do Miclstünnrcr. As rogações. que se
traduziam em procissões púrblicas. conl sinos, ramos e grinaldas, destina-
vam-se a pedir protecção para as colheitas. e eram também ocasião para
jogos, con'idas a cavalo e festejos diversos. Entre estes. avultavam as fèstas
nocturnas do solstício, onde se acendiam e saltavam fogueiras e se dancava.
onde se faziam roiar rodas de fogo e se faziam vigílias que duravam toda a
noite. Durante o dia, na Londres do século XIL eram organizados jogos.
como o lançamento do dardo e de pedras. lançamento de flechas com arco.
luta livre e luta com escuclos.

O Pentecostes era normalmente a altura escolhida par¿ì a coroação clos reis


de Inglaterra e, de um modo geral, esta altula do ano era propícia a fèstas ao
ar livre, nomeadamente à realização de cortejos e de procissoes. No princípio
clo século XIV (1311) foi instituída a fest¿l do Corpo de Cristo, que não
pocleria ocorler cìepois clo dia 24 de Junho. e que veio trazer para aS
festir'ìdacles do Mitlstutlilrcr uma nota religiosa, que viria a ser abolid¿r na
Reforma. A festa do Corpus Christi era celebrada com proclssões e pageants
freqnentemente plotagonizados pelas guildas. Será talr.'ez redundante
snblinhar as semelh¿ulças que os ritu¿ìis medievais do Miclsmnt??¿/'apresentam,
relativamente às portuguesíssimas ceiebrações clos Santos Populares, mas é
impossível suprimir um comentário. quanto à natureza destas festas, que
clecerto combinam uma raiz pagã de celebração d¿r n¿rtureza e sua propiciação,
com um posterior enxerlo e assilnilâção dos rituais cristãos'
ì
Aq-gojher-t¿5' ott,o-.,,,!{.,-gf:y,!'.:t, eram Lrm período liturgicamente calmo, cuja
festa maior era a da Assunção de Nossa Senhora, a l5 de Agosto. O ciclo
começava ä 1 de Agosto com a celebração do Lammas, Llma missa em qì.le a
hóstia era feita cle pão cozido com a farinha nova, e estendia-se até ao dia 29
o períoclo das renovacões de arrencla-
cle Setembl^o, Michctebrlr¿s. Este era
ntento, clo estabelecimento de contratos, o tempo de fazer as contas. Ainda
em finais clo século XIX assini acontecia, como muito claramente o des-
creve Thomas Harcll'nos sells tomances. Tess of the d'Urbervilles on Jucle
tlte Obscure.

Finalmente, no Inverno celebrava-se o culto dos mortos. As festas de Todos


os Santos e de Fiéis Defuntos. nos dias I e 2 de Novembro. combinavatn as
orações pelas almas com rituais pagãos de origem celta. como dispor comida
para antepassaclos mortos, vigílias em cemitérios, fogueiras, procissõeS com
tochas, o Llso de máscaras par¿ì afugentar oS espíritos, a qtteima de efígles.
Festejava-se ainda o São Martinho (Mortìnnuts) a I 1 de Novembro. e o cìclo
cio Advento marcava. no princípio de Dezembro, o recomeço do calendário
litúrrgico. celebrado dentro de casa e centrado nas crianças, com a festa de
: A informação para as retì-
São Nicolau, a 6 de Dezembror.
¡ências às fìstas populares
inglesas ioi colhida no caPí-
tulo "Fcstive Culture in
Côuntry and Torvn". de
Richard Axton. \¡ ll'letlietul
ritain :'['he nú i tlg e C u ! -
3.3 .4 religião e as disciplinas do saber
I]
tural Histort. pp.
Ca r

l.+l-15-r.

3.3.1 A religião con'Lo enquüclrattte¡ttrt clavida

Os ritmos de I'icla e cie produção medievais, intimamente associados ao calen-


dário litúrrgico,-mänifestam inequivocatnente a irnportância da religião em
todas as esferas cle activiciacle. O crrstia..qLLtlq, introduzido nas Ilhas Britâni-
ças ¡1o¡ ¡,éc!,!los V.a.V.I¡como se viu anteriormente. envolvia
todas as activi-
dacles da sociedade e cla cultura medievais, Tudo qr.ranto atrás ficou clito. a
propósito da organizaçao do poder real, dos valores orientadores da socie-
l-

dade, das actividacles produtivas nas cidades e nos campos, tudo se rela-
ciona cort a religião e com a Igreja. A proporção de testemunhos religiosos
do período medieval que sobrevivett até hoje é esmagadora: por cada casa
medieval sobreviverarn 100 igrejas, por cada peça de verso secular 1000 ou
mais manuscritos religiosos. Não será excessivo afirmar qlle o universo
medieval é escatológico e que a cosmovisão medieval. que só começará a
transformar-se cotrt a Revolução Científica do sécuio XVII, irnprime a sua
marca a todas as actividades sociais e culturais.

Será importante referir algumas clas circunstâncias concretas cla organização


cla Igreja em Inglaterra, enquanto suportes instittrcionais e organizacionais
que propiciaram não apenas o significado espiritLral e cultural do Cristia-
nismo medieval, mas criaram também as conclições de sobrevivência de inú-
meras peças e edifícios, em contraste com as peças de propriedade privada,
frequentemente dispersas e perdidas por heranças, vendas ou outras formas
de aiienação. A lgreja medieval constitttía uma pocierosíssima organização,
quer pelas riquezas materiais que possuia, quer pela capacidade de formar
pessoal. como se diria hoje em dia. Em Ingiaterra haveria cerca de 60 000
clérigos. que administfavam terras que constituíam cerca de nm terço de
todas as terras cultir,áveis do país, e que viviam em edifícios frequentemente
monumentais.

A capacidade de organização da Igreja ficou a dever-se, em boa parte, à


profissionalizaçao do ciero. promovida pelo arcebispo Lanfranc (notneado
por Guilherme I em 1070), à transformação das dioceses e abadias maiores
em baronias feudais, e ao facto de o número de nobres normandos ser muito
lnferior ao dos thcutes anglo-saxónicos, o que favorecia as doações. São as
doações, sobretudo. qr"re irão proporcionar à Igreja as condições financeiras
necessárias à construção das grancles abadias e catedrais do período
norinando. como Durham. Winchester. Norwich, ou àquelas que se iriam
elgller nos duzentos anos subsequentes: corno Canterbury, Ely, Gloucester.
I-incoln ou York,

É inclispensár'el entender a organização da Igreja medieval e a sua


poderosíssima infìuôncia em todas as áreas da vida social para se poder
perceber as transformações raclicais que a Refbrrna em Inglaterra virá intro-
duzir. Estas transformações não foram apenas doutrinárias mas tiveram. como
se verá, r¡ma série de consequências sociais e culturais que contribuíram
decisivamente para a especifrcidade da cultura britânica. A igreja inglesa
era, na Idade Média. parte da cristandade latina. Vru-se, nurn capítulo anterior,
que zr igreja anglo-saxónica estava já aberta às influêrlcias continentais.

Porérn. a chegada dos normandos transportando uma iíngira e Ltma cultura


francesas. bem como o regresso ao uso do latim. foram factot'es que contri-
buíram para tornar a Igreja em Inglaterra mais permeável ainda à influência
---

de Roma. Além clisso, a reforma Gregoliana prolllovera um conjunto de


medidas, nomead¿ìmente na expansão da lei canónica' que aumentavam o
poder da jurisdição papal sobre toda a Igreja. Embor¿r a riqueza material da
Igreja, em Inglaterr¿ì, fosse exclusivame nte inglesa, jír as organizações ecle-
siásticas. os procedimentos juríclicos da lei canónica, as formas de or-Qaniza-
poder de nomeação
ção da igreja eram comllns à Cristandade. Tarnbém o
clos bispos, clur¿rnte alguns séculos usado pelo rei, passou a ter qtle ser arti-
culado com a engrenagem legal cla cúria romana.

É visível Llm processo de acomodação da Igreja em lnglaterra às normas


universais da Igreja Catóüca. Dois exemplos serão suficientes pala illlstral'
esta afirmação. Urn refere-se ao ceiib¿ito clos padres, posteriormente abolido
pela Reforn-ra. No sécuio XI o pároco da aldeia vivia ainda como qualquer
aldeão, e era provavelmente casado, tinha filhos c transtlritia a slla função
hereditariamente. O movimento reformista dä Igreja, que chega a Inglaterra
em 1076, encoraja, pelo contrário, o celibato, que é já a norma, pafa o clero,
no século XIIL Outro exemplo da importância das decisões papais refere-se
ao uso da excomunhão e clo interciito. A primeira só será desafiada llo sécttlo
XVI por Henrique VIII. como se verá. O interdito será respeitado em abso-
luto entre 1208 e 1214, quando o Papa Inocêncio III, na sequência da sua
querela com o rei João Sem Terra, determinou o encefralnento das igrejas e
a suspensão de todos os sacrarlentos. O pocler espiritual cla Igreja era tão
grande qlie, mesmo nesse período, ttão surgiram reiigiões alternativas ott
heresias, que permitam detectar desafios à autoridade papal'

A influência crescente da Igreja é irnediatarnente perceptível se olharmos os


dados numéricos conhecidos, refelentes à expansão das ordens religiosas,
posteriormente aboliclas na Reforma. Os movimentos monásticos que Se
clesenvolviant em tocla a Europa no século XI tiveram também expressão em
Inglaterra, como Se constata pelo aunento de 48 para cerca de 300 casas
monástic¿ts entre i066 e 1154, r,rm crescimento acompanhado por um
aumento do número de monges de 850 para 5000. Em 1216 haveria aproxi-
maclamente 700 casas e cerca de 13 000 lnonges, fieiras, canons e cu'Lonesses '

Um total era de cerca de 900 casas monásticas, cifranclo-


sécr-rlo rnaìs tarcie o
-se em l7 500 os membros das orclens relrgrosasr. Enquanto no século XI
I John Gillinghalr. "The EarlY
iddle Ages ( 1066- I 290)",
todos os mosteiros eranì beneditinos, já em meados do séc¡lo XIII tinham
lvf
in 'l he Ot.ford H istorr o.f
Il. 'the lt'liddle
surgiclo várias outras ordens religiosas que ofereciam um vasto leque de Britain. r'ol.
Age.r, p.58.
escolhas a uma sociedade onde um número crescente de pessoas optava
livremente pela vida monástica. Aqueles que escolhiam ingressar nas ordens
Cisterciense, Gilbertina (esta a única especificamente ingleszr), Templária'
Hospitalári¿i. C¿rrtnch¿i, Dominicana. Franciscana. Carmeiita ou Agostinha
eram adr-rltos e não já as crianças, oblatas. elltregues às casas beneditinas
pelos seus pais para nelas serem eclucadas e seguir a vida religiosa' Este
aumento clo número cle pessoas cledicad¿is à vida religiosa indica, ao Ìllesmo
F

tempo. um aumento cla alfabetização. visto serem as orclens religiosas os


tradicionais gar¿ìntes e coniinlladores das tracliçoes educacionais'

Se, cle facto, as igrejas e catedrais eram literalmente os <iivros do povo>'.


ensin¿indo a Bíblia e ¿r cloutrina através das suas escultttras. r'itrats e pitrturas,
as orclens religiosas clominavam todos as áreas da escrtta: a continuação da
Artglo-ScLxon Chronicle, inútttteras ccilecções de sermões, obras como The
Prot,erbs of AtJred e o Besticul' for:im segurrimente procluzidas em c¿ìsas
religiosas. Layanion er¿ì Ltrn pároco e o ¿ìLltor deThe Ou'l tutd the Nightittgcile
era clecerto também membro clo clero. A qr-rase totalidade dos textos csct'itos
em inglês antes cle Chattcer é de natltreza religiosa, e contpõe-se sobretudo
de manuais penitenciais, escritos homiléticos, lendas de santos, paráfrases
bíblicas ou trataclos sobre os Sete pecados mort¿ìis. qttel'enl pros¿ì colrlo em
verso. Parte deste acervo ficott a dever-se aos fr¿rdes que, clesde a su¿r che-
gadtr a In-glaterra a partir de cerca cle 1220, desenvolveram tod¿r r"tma literatlt-
ra cle clevoção, sobre a Vrgen-i our a P¿rixão, bem como algutts exemplares de
temas muito menos edific¿rntes.

A arquitectltra, artes visnais em geral e a liter¿itut'a tinham uma profunda


¿Ìs

tn¿ìrca religiosri. O mesmo acontecia con'ì a múrsica. onde se registava uma


forte resistôncia à introdução cle motivos seculares, cluando estes collleca-
fam a ser desenvolviclos. O moteto polifónico, qlle conleçava a Ser praticado
em França, só se tornou conhecido em lnglaterra no século XV. e a canção
polifónica é aincla posterior. A fornla universal de expt'essão musical na
Idade Média era o cantochão, termo qtte. cie uin modo geral, inclui tocla ¿r
música monofóntca cantacla na igreja. A polifbnia, que terá começado a ser
experimentacla no século IX no irnpério Franco. começou por ser tarnbém
parte integr¿rnte clos rituais lrtírrgicos. e fbr apenas em finais do século XII
que começou a adqurrir uma função secular. danclo origem ¿ìo motete que já
começava a ser pratic¿ido en Fränça err"i 1180, e se transformaria na puncì-
palexpressão cla polifonìa entre 1225 e 1425. Em Irtglaten'a, porérn, o rnotete
não se secnlarizou tão rapidaniente, e serír apenns em meados do século XIV
que começ¿ìrão a apalecer carlções secttlares en.ì rìliìnLtscritos ingleses. selrì-
pre em proporções muito t'eduziclas. até finais do sécr'rlo X\¡i.

O vigor e a importâncta do cristi¿urismo niedievats tênt que set'perspectivacios


face ¿ìs conclições cte vida clas comunlclades da época. Se é verdacle que o rei
e os nobres tinham hábitos de mobilid¿ìde, quer ern território britânico quer
uo cot-ìtinente, clesde a França à Palestin¿r, devido à necessid¿tde de fiscaliza-
guerras ou
ção dos seus interesses terntori¿ìís. oLr ¿to seu envolvimento en-ì
cl'uzaclns. fl tritiol'partc cìlr ¡topLrlação britinic¿t nascia. t ivilt c lnorl ilL lìa rncslÌllì
alclei¿i ou n¿t l-nesma região. O universo orientado pelos ideüis religiosos,
clue não rrìratneute irnpelia a aristocracia para fot'a cia Inglaterla. conclicto-
nava também a estabiliclade clas convicções orientadoras dos habitantes

i'.,,
å.:. 88

T
..r1,
a.
l.l i
'ìrl
;t:ì
;tr

n
-

dos br-rrgos e das aldeias. Para estes o mundo físico circunscrevia-se à reali-
dacie conhecidti, mas o munclo espiritual era t[anscendente, misterioso, e
articnlava-se quotidianamente e a toda a hora com a vid¿r.

O enraizamento clas convrcções cristãs, parar além da acção concret¿ì cla Igreja,
pode ter f icaclo a clever-se, t¿imbém, à natureza da resposta que a doutrina e
as práticas religiosas davam iìs situações do quotidiano. Se. de f¿ìcto, as
convicções em que assenta o cristianismo são transcendetrtes, logo rela-
cionadaS com um rrundo que é <otttro>). eSSAS cotìvicçõeS são aO ûìesmo
ternpo apoiadas por Lutl conjunto de prárticas qlre estrutllr¿lm as vivências
individuais e soci¿tis,

A promessa de um outro mundo. dividido em paraíso, pr"rrgatório e infertro,


não poderia cleixal de exelcer nma poderosa infltiência sobre a exiguidade
de um munclo sujeito a uma natLtreza dura e imprevisível, aos acasos da
doença. à implacabilidade da morte na infância ou na fbr'ça cl¿r vrda. A impos-
sibilidacle cle controle clos uscos clo quoticliano e ¿ì natureza desses mesmos
riscos. colistituem uma cias distinções fundamentais a estabelecer entre o
período pré-ntoclerno e o ntoderno, como veremosa, lvlas o qr're importa 'Cl. Cap. 5,
"Do Pté-N'lode r
no no iv'loclerno - Sisteln¿iti
agora detenninar é o conjunto de condições erl qlle a religião cristã se zação e Teorização".
implanta. olèrecendo respostas quer transcencientes. quer muito práticas para
a insegurança da viciti material.

O quadro das conclições de vida medievais é dorlinado por uma curtíssima


esperança de vida. Embora não seja possívei encontraÍ dados estatísticos
para este períoclo. conhecem-se as condições de proclução clos aiimentos e o
tipo de consLìtno alimentar, de onde se pode inferir que a escassez não só er¿r
a nol'ul¿ì para a rnaioria da população, como também a qualidacle e a natureza
dos alimentos era de molde a não prolongal' ¿ì esperança de vid¿r. A falta de
vitaminas e o consumo de alimentos conservados em sal tornavain a popu-
lação vulnerirvel a inítn-ieras doenças, com ¿ìS condições agravantes de falta
cle higiene e de condições sanitárias.

Doenças cotno a gripe , a febre tifóide, a disenteria oLr a pe ste bubónica alas-
travatÌt raprdamente e tranSfolmavam-Se em epiclemias, como aconteceria
ern 1348 e i 361, com a peste negra. que dizimoll cerca de um terço da popu-
1ação das Ilhas Britânlcas e continuou a aparecer em surtos terrívets nos
séculos posteriores. A niortalidacle à nascença, da criança e da mãe, bem
como a mortalidade infantil, ei'am acontecimentos tão comuns que lhes pode
ser atnbuída boa parte das atitudes que orientavam ¿ìs reìações farnilrares até
sensivelmente o sécr-rlo XIX, conio se verá. A ar-rsência de paliativos para a
cior física. bem como uma medicina aincla assente nos princípios galénicos
cia teori¿r dos humores, não ofereciam resposta aos sofì-imcntos do coryo.

Não será cle espantar, pois, que a Igreja pr:desse oferecer altcrllativas. citter
deslocando 1l¿ìfa a vida eterna aS compensações cìue ¿ì vida na terra não
!!r

oferecia. quer I'ecomendando um conjunto de procedimentos que poderiam


ajudar a melhorar situaçoes concretas. Keith Thornas, em Religion flIxcl Íhe
Decline of McLgic, enumera diversas práticas devocionais e propiciatórias,
comuns na Idade Media. mas proibldas a partir da Reforma, que foram pollco
a pouco caindo em desllso, mas quc não são estranhas, ainda hoje, nos países
¡ Keith Thonlas. Religion unrl católicos5. O culto da Virgem e dos Santos não só estava directamente ligado
the I)ecline o.f Mugít:: Studies
itt Populur Belíe.fs irt Six-
ao calendário. corno já se viu, mas era também propiciador de certos
teenrlt- tutd Seveltleeillh- benefícios, associados especificamente a cada santo ou à devoção à sua
- C e ¡t1u n Ettg ltuttl, London,
imagem. Estas fonnas de culto. a que er¿Ìm dedicaclas igrejas, altares, ima-qens
Penguin. 1991. p.57.
e santuários, proporcionou uma imensa variedade de obras de arte s¿ìcra. qlle
em grande parte foi destruída pelos ímpetos reformistas, de re-qresso a Lltrìa
fonna de religião mais austera e desprovlda do risco de superstição.

A rnediação da Virgem ou dos Santos era normallnente entendida como uma


via privilegiada cie acesso zì graça divina, que a Igreja propiciava através de
inúrmeros rituais: a benção do sal e da água para a saúrde do corpo e expulsão
dos espíritos malignos, a aplicação de á-er"ra benta. o uso de amuletos e
talismãs, o culto das relíquìas e das proprieclades nelas coniidas, o ministrar
dos sacramentos ou a recomendação da prática de orações. O excesso de
confiança nos ritnais e práticas religiosas, frequentemente para a obtenção
de uma graça, poderá ter sido. muitas vezes, confundido com superstição e
uma certa forma de magia. Keith Thomas afirma que é impossível definir a
linha que, em muitas sociedades primitivas, separa a religião cla magia, e
que esta distinção é igualmente difíciì cle reconhecer na Inglaterra medieval.

Se, a nível popular, é possível e provável que os princípios teológicos cla


religião cristã fossem confundidos com práticas propiciatórias próxirnas da
magia e da superstição, não é menos verdade que a clistinção entre uma e
outras era clara para os dirigentes da Igreja. O que é importante não esquecer
é a dimensão. simultaneamente teológica e moral ou prática, da reiigião
cristã. Veremos, posteriormente. como ó possível interpretar o ajLlstatnento
dos princípios teológicos a práticas individu¿ris e sociais de acumulação de
riqueza, quando acompanharmos as teses de Max Weber acerca dos desen-
volvimentos do pr"rritanismo. Mas, por agora, no quadro do pensamento
medieval, encontramos um cristianismo menos centrado no indivíduo e na
sua capacidade de salvação. como mais tarde a Refbrma viria acentuar. e
mais articr,rlado com a Igreja. enquanto estrutura visível de Deus na Terra.

Esta concepção envolve. em primeiro lugar, uma noção de hierarquia. em


que se concebe o universo corrìo un-ia imensa c¿ideia cle seres, relacionados
ut'ìs corn os outros. mas ¿ìo mesmo tempo detentores cle posiçoes rel¿itlvas
que não cleverão ser alter¿idas. A hierarquia enl,olve o macrocostllos. o espaço
celestial das estrelas e planetas e o microcosmos. o espaço do homenl e cla
natlìreza. ambos envolvidos pela existência suprema de Deus. o Criador.
A hierarquia do macrocosmos supõe a centralidade da Terra, num espaço
esférico em que todos os astros giram à sua volta. Esta concepção geocêntrica,
chamada ptolomaica, só será contestada por Galileu que, no século XVI,
publicamente defende as hipóteses de Copérnico sobre a centralidade do Sol
(heliocentrismo) no universo, relegando a Terra para uma posição securldá-
ria, idêntica à dos outros planetas. Na esfera sublunar, separada da zona su-
pra-lunar pelo desenho da órbita da Lua em torno daTerra, o ar que se respi-
ra é corrompiclo, diferente da substância pura, o éter, próprio à vida dos
anjos e às combinações dos planetas. A corrupção clo ar que envolve a Terra
é inclicaclora do estado de pecado em que vive o homem depois cla queda, ou
do pecado original.

Permanentemente sujeito à tensão entre o divino e o demoníaco, o homem


será o elo central da cadeia cle seres, pela sua condição simultaneamente
espiritual e animal. Os grandes degraus da hierarquia espiritual do homem
para Deus são preenchidos por diversas classes cle anjos, enquanto os
degraus da hierarquia da matéria são preenchidos pelos animais, vegetais e
minerais. Cada classe está subdividida em inúrmeras outras. todas hierarqui-
carnente organizaclas. A espécie humana, radicalmente igual pela condição
de pecado, estrutltra-Se, porém. em hierarquia que tem no topo o rei e se
desdobra. clepois, em planos sucessivos que definem uma hierarquia social.

Mas o homem é, também, o microcosmos por excelência, contendo em si


todos os elementos do universo. O seu colpo, composto em equilíbrio ideal
pelos quatro elementos terra, água, ar e fogo organiza-se em hierar-
- -
quia de cabeça, tronco e membros, e replesenta a própria organização do
ó
A ob¡a de E. M. W. Till-vard,
cosmos e da sociedade6.
7-he Eli¡abeth¿t¡t lfu¡rld
Pícture ll943l, Harnronds-
O corpo humano é frequentetnente utilizado como metáfora política ou rvorth: Penguin, I966, cons-
titui, ainda hoje. urna introdu-
Social. Se a harmonia do corpo se rompe, pelo incumprimento de funções de
ção estirnulante ù estes traços
uma das SuaS partes, o todo irá sofrer; do mesmo modo, se a harmonia do da or-eanização do rnundo
nredieval e eurly ntodent.
universo for perturbada por qltalquer infracção à hierarqr-ria, todo o universo
sofrerá. As estrelas e os planetas. nas suas posições reiativas, poderão ser
indicadoras destas pettlìrbações, e ajudar o homem a encontrar os momentos
propícios às suas decisões. A consulta aos asttos não parece Ser posta em
causa pela Igreja. como reclìrso de previsão, pofqLte os próprios astros são
emanações clo divino. Já o recurso à razão, para explicar a existência de
Deus é vivamente desaconselhado. sendo o desejo de saber considerado uma
manifestação de orgulho e soberba. objecto da ira de Deus sobreAdão e Eva
no Paraíso, causa do pecado original.
I

3.3.2 A orgar:izcLc(io dos sctberes e o legctdo clássico

A teologia rneciieval e a filosofia, bem corrìo as ciôncias periféricas _- ac


altes liberais, as artes mecânicas e ¿ìs artes inágicars organizam-se também
-
hierarquicamente p;ìr¿ì ¿r finalidacle úrltima, que é a glórra de Deus. Nos pri-
meiros séculos da Idade Méclia não se encontra aind¿r uma separação entre ¿ls
dnas primeiriìs, a teologia e a filosofia. como áreas distintas. Para Santo
Agostinho. como já se disse atrás, zr filosofia e a teologìa tinham em comunì
o ideal da beuÍtt t¡itct. e para Boécio é a filosofia que o gr"ria e lhe traz urna
consolação qLre depende. eni iritima instância, de uma apreensão intelectu¿tl
da orciem essenci¿tl. c1r"re subjaz àquilo que parecia ser um¿ì sequência
desordenada e acident¿'rl de catástrofes.

Mas no século XIII é já claro que é procurado. para a filosofia. um lugar


próprio entre os saberes, que será apenas superado pela teologia. Afilosofia
ser¿i. então. r'ista como ar:xiliar cla teologia, como recomenda Roger Bacon,
mas não deixa cie ter com ela inúrnrelos pontos cle conflito. As ¿rrtes liberais
(grainática, retórica, ciireito, medicina e geor-netria), as artes mecânicas (tece-
lagem. labrico de arr-nas. nave,gacào. caça, agricultura e teatro). benl como as
artes mágicas (adivinhacão. au-uíuios, obras maleficientes. soi'tes para o fu-
turo e ilusões), serão todas auxiliares (ltctndntnicls/ do saber supremo, que é
a teologiä.

Esta ordem de ciisciplin¿is será alterada com o humanismo. operando-se, no


sécuio XVI , toda uma série de mudanças episternológicas a que se fará
leferênci¿i. Até Ìá, o processo cle mudança nos saberes e nos modos de os
rninisilar foi lento. A cornbinação entre o legado clássico e a dontrina cristã
constituir-i o cìerne das drsciplinas transmitidas e desenvolr'idas na Idade
Média, r,inclo a operar-se, no século XV em ltália^ e no sécuio XVI no norte
da ELrropa. todo unl ctrrr.junto dc rcvisircs. ajustarncntos e inor,acÒes. corn
irnplicações teológicas. políticas. sociais. científicas e estéticas que vielanr a
definir o princípio cla Idade Moderna.

A herança do saber grego e rorn¿ìno na Idade Média foi transrnitida quer pela
leitura clos iextos originais. que r pe los sucessivos conientáricls a eles fertos
sobretudo pelos autores patrísticos: Orígenes, São Jerónimo, Gregório o
Grancie. Ambrósio de lv1ilão e. principalmente. Santo A_qostinho. O maior
obstáculo. no entanto. ¿ì transmissão do saber clássico. foi a pro_elessiva
queda clo uso e conhecimento do grego. devida, pror,avelmente, à própria
divisão do Impér'io Romano. A consciôncra do empobrecimento do saber
pela irlpossibilidade de acesso às obras gregas terá levado Boécio a acloptar
o projecto de traduzir a totaliclacle clos textos cie Platão e Aristóteles. Morreu.
porém, tenclo cornpletado apenas Lrma peqlrena parte desse plojeci(). que
constrtuiu a base clo legado clírssico na Euroi:a até åo sóculo XII. Cassioclolo.
contemporâneo cle Boécio, prete ndeu t¡imbém salvasuarcl¿rr a herançä grega,

92
não atr¿rr'és da traclução. mas sim do resumo de rnatérias e princípios essen-
ciais para o ettsitto, l-ì¿ìS Suas In.stittttiones. Terá sido fi'uto cio ac,aso qtte ¿l
história do pensamento ocidental teuha sido rrioldad¿r, durante a Idacle
Méclia, por aigum conhecimento cie Aristóteles. e qllase nenhurn de Pl¿ttão.

A influência do pensamento de Platão na idade Média ficotl a dever-se mais


aos ¿tutores pliÌtonistas, cot-t-to Plotino e Porfírio. cio que dilectamente à lei-
tura cle Platão. Foram os Platonist¿ìs que influenciaram Santo Agostinho e
lhe transmitiram algr-uls clos princípios filosóflcos compatíveis com a reli-
gião ciistã. que estruturaram a SLla conversão. Entre esses princípios deve
subltnhar-se a ideia de que existe uin¿i verdade para alérn da percepção se n-
sorial, o princípio de que o pecaclo e o mal cri¿rm escuridão na rnente, a
apreensão de um Deus omnipresente e imutável, a ênfase no espiritual qr.re
preconiza a subjugação c1a carne como via para a obtenção do saber espiri-
tual e clo conhecimento de Deus. Tambérn a trerdição iniciada no Século V
por Próclo contribuiu para clifr,rndir elementos platónicos Ito pensamento ilos-
terior, sobretudo a noção de hierarqr,ria do r-rnivetso a partir de Der.rs que.
segunclo Próclo, teria sido baseada nos escritos de Dionísio Areopagita,
conheciclo na tradição ocidenial corrìo Pseudo-Dionísio. De Platão conhe-
cia-se apen¿ìS, então, o Tinteu, que interessava os autores do século XII por
tr¿rtar do problema da criäção: só nos finais do século XII, surgiria uirìa tra-
dução do Phaetlo e outra do Menc¡.

Já o conhecimento deAristóteles é mr-rito mais completo. Em finais do século


III a lógica era ensinada a partir dos seis livros de Aristóteles conhecidos
cotrìo Orgunctrt, comentados por Profír'io e, não obstante algumas omissões,
pocle afirmar-se qlre a lógica inedieval era aristotélica. No século XII são
reencontr¿rdas tracir-rções das restantes obras de Aristóteles sobre lógica,
nomeadamente aigumas das tradr-ições de Boécio, bem como os chamados
libri ncttttrales: a Física, o I)e Anintct. o princípio da MeroJisica, e os citlco
trat¿idos que ficaram conhecidos como parvu naturulict. O ressr"rrgimento do
interesse por Aristóteles no século XII e o alargament o do corpus conhecido
ficor-r a clever-se. em larga meciicia, à influência dos comentadores Árabes da
Península Ibérica, sobretudo Avincena e At'erroes.

Outros autores e escol¿rs clássicas foran-i conhecidos e estudaclos no período


meclieval: entre os estóicos, Séneca e Cícero continuaram a ser estudacios e
comentados. e muito clo conhecinlento dos clássicos gregos na idade Média
foi obticlo inclirectamente pela leitura dos autores latinos, Finalmente, do
legaclo clíissico importa mencionar aincia um conjunto de textos atribr,rícios a
Hermes Trisniegistos, postos a circular entre o século I e o século III, que
combìnam elementos platónicos. neo-pitagóricos e estóicos coln mrtctiais
clerivados de cultos oriellt¿ris. A tradrção hermética nlanteve uma inegável
importância ao longo cle séculos, vindo a ser abafacla pelos clesenvolvimen-
tos clo racionalismo próprio da levoÌr"rção cre ntífica. Será tan-ibém oportlrna-
F
I
I

mente comentada a desvalorizaçáo desta área do saber na construção do


pensamento moderno.

Actividades

t. Leia o poema de Marie cle France, The Fable of a Man, His Belly, ancl
His Limhs,1160:

Of a man, I wish to tell.


As an examPle to remember.
Of his hands and of his feet, and of his he¿rd - they rvere angry
Towards the bellY that he carried'
About their eamings that it aie.
Then, theY r.vould not work anymore'
And they deprived it of its food.

But rvhen the bellY fasted,


They were quickiY weakened'
Hands and feet had no strength
To rvork now as they were accustomed.
Food and drink tirey offered the belly
But they had starved it too long.
it did not have the strength to eat.
The belly drvindled to nothing
And the hands ¿rnd feet went too.

From this examPle, one can see


What every free person ought to know:
No one can have honour
Who brings shame to his lord.
Nor can his lord have it either
If he wishes to shame his PeoPle
If either one fails the other
Evil befalls thern both.

Red¡a um breve comentário, tendo em atenção os seguintes aspectos:

1.1 A concepção de organizaçã'o social subjacente ao poema'

t.2 A metáfora predominante.

1.3 O modo como este poema reflecte conceitos próprios do tempo em que
fbi escrito.
2. Descreva os principais traços da cnltura da corte, neste bem
como os principais traços da cultura popular.
Y

BibliografÏa sugerida

The C atnh rid g e C tLlt u rcLl H is torl'


lgg2 Boris Ford, Vol. II, Mecliet,ctl Britrtitt. Canlbridge, Carnbridge
e.cl.
Llnivelsity Press.

The Oxþrd Histort' ofBritctitt


lgg2 ecl. Kennerh o, Morgan, vol. II, The MictdLe Age.s, oxford, oxford
Unrversity Press.

KERR, W. P.

l 958 The Dctrk Ages, New York, Metor Books

MYERS. A. R.
198 i Englrutcl in rhe Lctîe Micldte Ages, Harmondsrvorth' Penguin'

STENTON, Doris May


1981 En.qlish Societt, itt the EctrLl' Middte Ages: 1066-1307'
Harrnonclsrvortlt. Pen gu itt.

SOUTHERNI, R, W.
1990 Western Socier¡^ anil the ChtLrch in the MicldleAges, Harmondsworth,
Pengtrilr.

THOMAS, Keith
1991 R.eLigiort cuul the Decline of Magic: StttcLies in Popular Beliefs in
s ixte e nt h - cmcl s ev e nt e e nt h- c e nt u t1, E n g I onrl, London, Penguin.

TREVELYAN, G. M.
1961 EngLish Sot'icLl Hi5ton,; ¡l S¿1rve-r of Sir Centuries, Chattcer Ío Queen
Vi t: Í or ict, Harmondswolth. Pen-etrin.

F ,ä

"l
,{
¡
A lnglaterra i\4edieval séculos XIV e XV
-
E

|:i: iì I :
ì.:-tii I 'l .ì

lié .r:r:,
$$ ìl lr:
B1+ ìÌ.]
å;
&i:.
ê:*ì t
re*_
Sunrário

e a cttltura inglesas no flnal da


O presente capítulo reflecte sobre ¿r socieclade
t¿afle la¿aia. As muclanças nos planos poiítico,
económico. social e cultur¿rl
agora observaclas cleverão cl¿rrific¿rr um
processo cle mudanç¿ì qtte antttlcia a
os segltintes conteúdos:
fãLmaçho cla rnoclerniclade. O capítulo aprese nta

nos sécuio XIV e XV.


" o contexto po1ítico e soci¿rl cla Ingiaterra
As c¿rn-iPanhas na Irlancl¿t e na Escóciâ; aS c¿ìmp¿ìnhas em França, as
"
lutas intetnas.

" A Guet.r¿r clas Rosas: os conflitos que opòerrì its c¿lslìs de L¿rncaster e

de York.

As relações sociais e a organização económica'

As perturbaçoes religiosas: misticisnÌo e lolardia'

hldícios da forrnação cla nacion¿rliclade: a língua, a literatura. as

artes.

'.rjl:ìlu:l,:t: r:, .
t¿.,'';-rt;;t*.'..**
4.1 O contexto político-social

Os séculos XIV e XV eviclenciam já alguns dos traços qr:e iriam mais tarde
caracterizar novas fbrmas de organização política e econóinic¿ì, llovos modos
de ver o mundo, novas expressões estéticas.

Politicamertte, o período entre 1290 e 1490, em Inglaterra, é marcado por


Llma sucessão de guerras e conflitos. externos e internos:

internamente. os solr-e-ranos ingleses plocuram o clomínio terrltorial


sobrÈ o p¿rís de Gales, a Escócia e ¿r Irlanda, e dilaceram-se em terrí-
veis confl itos sucessórios;

externametrte, ltttant pela conservação dos seus territórios em França.


aneaçados por idônticas pretensões de consoliclação territorial pelos
soberanOs franceses, gerattdo-Se, pollco A pouco, um maiOr Sentido
de identidade nacion¿il.

A composição do tecido social altera-se:

regista-se o alargamento cla classe dos mercadores e profissionais


liberais, e de novos proprietários de terras:

correspondendo à emergência de uma nova classe social, também a


riqueza se redrstribuía e a sua produção se alterava.

Um novo espírito crítrco relativamente às instituições religiosas induzia. tam-


bém. inudanças:

promovia o aparecineiito de heresias;

proporcionava ¡n1 maio¡ sentido de individualismo. que Se expres-


sava quer em u-usticismo quer em novas representações estéticas tes-
temunhadas por uma hurnanização das figuras cle culto.

O rei e ¿ì corte, corn a família e a cas¿ì real no centro, cotrtinuava[ì a Ser o


fulcro cla política e clo governo britânicos, e a relacão estabelecida entre o rei
e os seus barões. ou con-ì os já influentes metcadores, cavaleiros e proprietários
rurais, bispos e fi.tttcionártos taielltosos era crucial, quer pala a política, qr-rer
para o governo. Também as relações de farnília oukinship estrttturavarn aind¿t
a socieclade e oS comportanìentos i¡rdividuais e sociais. Mas a relativa
eSlebilidlqe de uma socredade pouco sujcita a pressões de mudança
cconóllricu. socirlou cultulul foi dulante clois sóculos perttrlbacla pclas gttert'as
irrtc¡¡as e e\tct'nûs. c¡rrc luncionaranr corno crrlllistclore s de ttttttlançls soci¿tis.
clesenvolvimento constitucional e conflito político. que de outro moclo teriam
cert¿ìmente sido nlais ìentos.
Eduarclo I (1221- 1307) procuroll afirmar a soberania inglesa sobre o País de
Gales, primeiro, e sobre a Escócia depois. Ern 1301 tinha jír conquistado
metade do País de G¿rles e estabelecido um principacio, conferido ¿ìo Seu
filho rnais velho, o primeiro Príncipe de Gales llascido em Inglaterra. Na
Escócia. Edr-ralclo I procurou desenvolver Lrlna espécie de Protectorado, apro-
veit¿indo uma crise SLlceSSória. l\4as a sllbofdinação da Escócia ¿ì cofoa
inglcsa não il'ia processat-se pacilicarnentc. nen-t collstitttciotlalrnettte. Os
iónflitos com os escoceses prolongarart-se ao longo do século XIV cru-
zando-se com idênticos problemas de sobelani¿ì na Irlanci¿i, orìde a explora-
ção de recursos por Edlìardo I enfraqr.recera de tal modo a região e criara tal
hostilidacle ao reginÌe inglês, que os irlandeses virall com alívio Llilla Sobe-
rania escoces¿ì, por esta se opor à rnglesa.

No continente. os problemas giravam em torno do território da Gasconha,


onde os reis in-eleses, cotrìo Duques daAqLritânia. devi¿rm vass¿ìiagem ao lei
cle França. Aí gerara-se una situação cle fì'icção, pontuada por pequerìos
conflitos, esc¿ìr¿Ìrnuças e confèr'ências de paz, agravadas pelo qlloio q!9 a
F1a¡ça dava f-Escócla contra a lnglaten'a. Mas a guerra, propriamerlte dlta.
entre a In-elaterra e a França só começaria em l337, e iria durar n-ìais de um
século. frcando conhecida cotrìo a Gllerra dos Ceni Anos.

As guerras denlrq, das Ilhas Britânicas inpulsionaram mucianças c1e tácticas


militares e urìa relativa <<moderniz¿tção> dos exércitos, o que produziu resul-
tados notáveis nas vitórias de Crecy e de Poitiers. Pouco a pouco a Ingla-
te n'a foi ab¿rndonando o modelo do exército fe.udal, qr"ie loi sr-rbstituindo por

forças pagas, recrntirclas por capitães intlenlrtretl, que tornaram os novos


exércitos rnais disciplinados e flexír'eis do que as forças fr¿rncesas. M¿rs os
cltstos da gnerra er¿ìnlextrernarnente elevaclos. não só f inanceiramente. obri-
gando ao levant¿rnlento de l.ìovos impostos, m¿rs tambéln socialmetlte , tradu-
zindo-se na interrupção das actividades proclr"rtivns por p¿ìrte de rnilhares cle
ingleses, galeses e irlandeses, recrutados para os exércitos. Também o
comércio cla 1ã inglesa e do vinho da Gasconh¿r sofreram sérios reveses.

Poréin. não pocle deixar de const¿rt¿rr-se que o esforco da guerra cm França,


prosseguido ao longo de décadas, não gerou instabilidade política ou social
dentro da própria Inglaten'a, que conseguiu simultane¿ìn-ìente dcf'e ncler a fron-
terra com a Escócia, manter a pL\z no País cle Gales e evital revoltas na
Irianda. Estes feitos ficarão a dever-se à inspiração. exemplo e liderança de
Ecluardo III e do seu lilho, o Pr'ínctpe Negro. que personific¿rvam as virtltdes
da cavalaria queridas à nobreza e admir¿iclas pela socied¿rcle em geral. que
Jean Froissart elogior-r rzrsgadamente nos seus registos dos f'eitos de cavala-
IIìelph ;\. Gritiiths. "Thc lia mais notírveis do seu tenlpo, comp:irando Ëduardo iII ao reiArturr.
LatcL N{idclle Age-s i 1190-
'I'1lÌ5),. in '['ltt Ot.Íorl
íli.s¡or.r o/ IJ¡llafu. r'ol. ll.
A ¡íyel político internoeste período. entre 1290 e 1390, {'oi marcado por
'l h¡ ,\litldlt ,'1gz.r. pp. ,S2 8ì. alguns ¿rcontecimentos que se torn¿ì indispensáve I registar pclt' ciefinirem o

I (r2

ii
;1,i '! ri.,

&

V_
I

teor das relações entle o rei e os seus magn¿ltas. lnciicando r-rn-ia ptogressl\:a
cleiéäottäÇão clai reiuções pessoais que estrutlll'¿ìvalÌ'ì o exercício do pocler
Leál. pò¿erli àórìit¿rtar-se o r-e-curso, por parte dos nobres, a instrumenlos le-
gais e constitltcioll¿ìis para fazer frente à vontacle contrária do rei. Em 1291 e
f ¡00 os nobres invoc¿rr¿im a Magna Carta para se insurgit'em colltra ilnpos-

tos levantaclos setn o consetrtimento do contribì.linte. Em !108 o tiovo rei'


Eduarclo Il. foi l'orçado a tlm jut'amento. na sua colo:tção. que o obri-eava a
respeitar as leis e oi ôó.sturnes in-sleses. Em 131 I foram proclarnaciäs orcle-
n¿ìuç¿ìS que visavatn limitar o poder do rei, e que forain anunciadas
no Parl¿r-
mento. E,n 1326- 1321 adeposiçãro do rei constituiu um facto sem preceden-
tes n¿ì história cla Inglaterra, e a responsabiliciade da clecisão foi partilhada
pelo Parlamento.

M¿rs o sLrcessor cle Eduarclo será tambét-n confrontado cotn o


II, Eduarclo III,
clescontentamento clos nobres, dos mercadofes e dos Comuns no Parlamento'
transform¿rclo agora no forum onde se processavan os pedidos reais cie lan-
çamento cie impostos (1339-1343). Ngp a¡os setenta tlov¿ls ct'ises abalaram
o regime cle EdLr¿irclo IIL quändo oS Comllns no Parlamento começaram a
qr-restionar a honesticlacle e competência dos conselheiros do rei. levanclo à
cleposição de miilistros menibros c1o clero. No chamado Goocl Purlicttnent
cle 1376 os ministros clitos corftlptos fol'am actts¿rdos e jr-rigados pelos
Comtrns cliante d,os Lr¡rds, nnm procedimento que veio a permitir qtle, llo
futuro, os deterìtores de posições cie privilégio e responsabilidade pttdes-
sem se¡ publicamente respot-ìsabilizados pelas suas acções o irtt¡teachtnettt.
-
Ric,a¡_cl-q Ii, filho do Príncipe Negro, sucedeu Edr'rardo III. ern 1377'
¿r

A menorid¿rde clo rei, com 10 anos cle idade, pôs problemas de go'''ernação,
que tiveram alguma influência na Revolt¿r dos Camponeses' em 1381 ' Entl'e
as razõe s de ciescontentamento dos campotreses ¿rvult¿i, seil dútvida' o 1ança-

mento de um ¡tolL tux destinado a financi¿rr a guerra contra a Fränça' Mas


mnitos olttros aspecios clevetn ser tidos em conta. ltns de índole leligiosa, de
descontentamet-ìio relativametrte à Igreja, olltros de naturez¿r social, cie res-
sentin1ento contra a política cle repressão segr-rida pelos proplietários cle ter-
ras a seguir ¿ì Peste Negra. A Rei,olta. clue älastrott enl áreas tão clisttìntes
como o Harripsl-rire e a lronteira escocesa. Wirral e Norfolk' acabolt pol SeI
co¡ticia em Lonclres, onde o jovem rei conceder.r perdões e alvarás de liberta-
pelo Parlan-iento. collj o pretexto
ção da servidão. postciiorillente IcYogi.rdos
cle que teriam siclo emiticlos sob coacção.

A Revolta cios C4llrponcses ioi interpretada por alguns historiaclores colllo


ntovirnento cie libertação, precursor de movinientos reivindicativos pos-
r-ur-i

tenores, tenclo decisivamente contribtlíclo para o firn do fe-qime de servicião


ent l¡glaterra. Outros lristclriaclc¡res, porém. verificani utn enclurecimento da
atitucle clos ploprictários funcliírnos após ¿r Revolt¿i, que ter'á levado' pelo
qtle a autol'l-
contrário. ao adiamento da libertação dos Sevos. Importa notaf
clacle do tei começ¿tva a Ser qì-ìestionacl:Ì pelos lobres,
nul]l crescendo de
que o rei loi
conflitos qLìe cLtlrrìinari¿ì em 1 3I8 nô M¿ ciless P urlicunenÍ. em
paíS nllrìa
forçaclo a Submeter-Se a Lìrì¿l facção cle Lords, precipitando o
r.ìova crise poiítica e coilstitllcional'

os esforços posteriormente clesertvolviclos pelo rei. no senticio d.- o.tlb:Ìl- :l-


ao
gllel.ra com a Françir e rest¿ìLlr¿ìf a sua autoriclade em Inglaterra. levarani
e
seu casarîento com Isabc-lla. filha cle Carlos VI, rei de França, 1litttlea
com o Papa em Roma, Bo¡ifírcio IX. Porém, as alianças continentais
nãcl
entt'c
irnpeclirarìr ii contintutçrìo cle Lllll cstliclo dc pcrtnattcntc ri'Validadc
facções ern Inglatefra. o quc propol'ciotlott conclições f¿rvorár'eis
a Henry
BoLingbroke, filho cie Johii of Ga¡nt (pgr sua vez terceiro filho de ËclLrardo

III). para tomar o pocler peia for'ça em i399 e, ao qLle tuclo indica, mandar
executar o rei. prisioneiro no castelo cle Pontelract. em l¿100.

4.2 A Guerra das f,d.osas

As casas cle Lancaster e cle Yolk. qr-re -e¡1¡e s1 ]¡1t4¡irry pela cq¡o-41¡rg!e,¡4-¡19
conflito qr-re licor-r conheciclo como a Gtterr¿r clas Rosas, continuar¿im a "t]1-¡*9ll--
guerra clvil 9
rar a guerra coln a França e a,ilst1rb!f iciade, interna' gerada peia
1:l
tii
p.l.Jdifi.r.rlclatles eln l'llantel'as pretcllsÕcs de sovct'no sobre Glles' a Escó-
't:
: :,

.io n Irl¿rncla. No¡ggLilo X*V os sucg¡s1,r1os -go-\'er.nol dl l¡g]1!e¡1q.iriam


"
cessar as tentativas cl" tn,inutãnção cie un tit'ir:Ìiltrlslip na Escóci¿r'
e veriam
enfr:rquecer o seu domínio sobre a i|lancla. onde prevalecia o poder dos
cle Gales a
ntagnatas locais, colllo os concies cle Ormonclou Kildare No País
paz e o reconhecirnento cl¿r soberarria in-elesa erall tambérl di1'íceis cle
m¿in-

ter, senclo senìpre tepida unla reyolta galesa. à semelhança da


qr"re^ eil 1400'

loi chefracla por Orväitl Glynch,vr. O clescontentanlento no País c1e Gales po-
clelia. em conseqLlência cla pl'oxirnrclacle geogrírfrca e da f acilidade cle
acesscl

pof n1¿tr. tot'll¿u o territór'io inglôs vlrlnerável aos setls tnimigos coniinentais'

A consoliclação de Bolingbroke no podel foi consegulda atrai'és do e sniaga-


nlento cle revoltas internas, nome acl¿urtente a clo País de Gales, que rnobiliza-
qne
\r¿ìrl necessariamente os nobres c1r:e lhe erant f avorár'eis contt'a aclueles
de fendìarn Ricalcio II or-r os scLls potcliciars herdeilos'
Estes elam oS descell-
cle¡tes c1o seguncio filho c1e Flenriqr-re III. Lionel, e repfesentiìvílill aS
preten-
sões nvais ao tfono. Mas Henric|-re IV. BolingbLoke, collseglliu tambétrt
govefniìf co¡t o apoip clo Parlaniento seln abdicar dos serls poderes reais'

É importantc len-ibrar qlrc conlpctia lo rei o direito e o clever de governar


o

reino. Na sequêncta cle um princípio tradicional. ¡ìntigo e forte ' o rei cleveria
governar se lei clivina. a lei naturll (or"r seja. com eqtticlade), e segundo
a
-sllnclo
Is leis clo re ino. N4as era. ¿ìo mesmo tempo. recoilheciclo ao rei o clireito cle
ou suspencler o exercício cla lei em casos especiäis ou cie necessidade'
'ilularreis cia c,¡1.14 ç!e Lanc-:rslqr, tencio Tt¡ry-d4-do a sua dinastìii num ciiiro ac,!o-
E_os
,le üi¡',rpoçao, e sabe nclo-se permanenternente ameaçados iror actos
idênticos.
existentes' sobretucio dos
,r*."rriiÑl1m eilì ¿ibsoluto do apoicl clos pocleres
grancle s m¿ìgnat¿ìs. Este s, por sell lado, consicler¿ìv¿tm-se os diri-ucntcs
nattlt'¿tis

ila socle clacle e, etÌl consequôncia desta doutrina constitttcional, os consell-iei-


ros n¿ttrrrais clo rei. O seu poder territorial er¿r crucial para a munutenção
cla

pùz e o bom governo cie reino. se ndo como t¿rl reconheciclo e tratado por
I{enriclr-re IV'

Numa hierarquia que se clesdobrav¿i etn barões, viscoircles, condes. m¿Ìrqueses


e cluqnes. oS rnagnatas britânicos tofrìararu-Se, no .sé.culo- XV num grupo
social hereditíu'io e Lrstritaillente clefiniclo. que coiticiclia praticamerìte com o
conjunto cle pares que tinha asserìto n¿r Câm¿rr¿r dosLorcls. Esta grande nobrez¿r
nãro contari¿r pais cle sessenta f amílias. e talvez metade ciesse nútn]ero depors
de décaclas cle guerr:r civil, rnas era c1e la que clepettdia o controle clas provírtcias
:Ralph A. Gr-ilfiths. <The
inglesasr.
Late¡ lt'liddle Agcs'. in 7/re
():;lo ril 11 t s to t .t ú I:tt:sluttd.
Se os interesse s do re i est¿ir'¿rm intim¿imentc lìgados aos c'los nobres, os deste s vol. Il. 7-lr¿' ;\[íddle,4stts,
esta\,¿ìm relacionaclos com os c1a,qr:n/r-t'.' entre seis mil e llove tn1l g,etttlenten. p.105.

cavaleiros. que clesejavan"r a protecçãcl e senhorio dos magnatas e


e st¡Ltire s. e
qLte. ellì troc¿t. olereciam sert'iços fióìs. Os ma-gnatas davan-i gratificações,
lerr¿ìs e lL1gq1es, e ¿ gelttt']'clava conselhos, apoio e a-iLrda ry!]it¿ir'. Também os
bulgos e os selrs h¿rbitantes faziam parte clesta relação de inte ressc e sct'i''içtr
mútuo. a qLre alguns historiaciores chan¿rr¿rn-i <Ièudaiismo bastardo>.

Henrique IV legou a.o Seu sucessor. Henriqtle V um reino pacificado e um


trono reÇonhectclo externamente através dc aliancas estabelecrdas conl a
Aleilanha, a E,scaildinítvi¿r. a Bretanh¿r e a Flandres Borgonhesa. Estas con-
ciições 1'avofecefatÌì o retom¿ìr clas campatlhas en França, clue l{enlic¡r-re V
liclerou entre i4l5 e 1420, conseguindo a vitóri¿i c1e Agincor-rLt (1415), e
proceclendo clepors à conquista da Normandia. Ern 1420 oTrataclo de Troyes.
firntacict coil Challes VI. fez. ciele rege nte cla França e herdeiro clo trono de
Valois. A si-ra mofte, e¡ 1422, impediu Flenrrqr.re V de subir ao tt'ollo de
Franc¡r. mas o ser-r fillio, Henr-iqne Vl herdoLr a monarquia c1upla. As forças
inglesas consegnirant ainci¿r as vitóri¿rs cle Cr¿n,¿rnt (i423) e Ven.reuil (1424).

Mas a sorte mucla¡ia com a coroação de Cliarles \/II enl Rheims (1429), e
corn Lrm novo fôÌego aclqr-iindo pelos exércitos lr¿rnceses cotll a inspir.tição
de Joana I)'Arc, ANormanclia sena pe rclida ent 1.150 e a Gasconha eln i453.
Do Impér'io cie He nr iclnc V lestar,a apeÍì¿ts Calais. que rrìria a ser perciiclo sob
o l'einaclo c1e lV{ar,v Turlor, no século XVI. Henriqqe Vl set'ia conft'ontaclo
com estas clerrot¿rs pclos nobr-e s. desconte ntes corl a pcrdil dos seus territó-
riosemFrança,epelopovo,lideracloporLìmobscuroJohnouJackCade,
alguns di¿rs e clenunciou a
qlìe eÌx 1450 tomou a ciclacle de Lonclres durante
inconlpetêtrciaeaopressãofinanceir¿iirlpostapelosirrinistrosdorei.
cle gove-lrLil o'
ger al veìo acresce{ìt¿ìr-se tlln pr obiema
{q ç!-q¡go¡ttqltamento
clecorrentecleunrcolapsofísicoenentaldoi.ei.qugaþriunoYasexpecti.ttl\'aS
de unr
l, 1r,.t",-,.oes cla .asa cle York à coroa. Nem n-iesnro o t]¿tscinrentosituaçño
ttllru
filúo de Henrique VI, e* i453, I'oi suficiente para estabilizar
cla raính¿r contra a famí1ia
de grancle tensão, agravadar pela feroz hostiliclade
nas batalhas de Blore
de York e os selÌs apoiantes. As tensões clegeneraram
York no Parlamento
Heatli e Lr,rclforcl Briclge e n¿r concleiração clo Dr:qlre de
cle Convetrtry' Finalrrrente. em N4irrço cle 1461,
o t]ovo Dtlque de York,
Edtrardo,colllo¿itixíliocloDuqttecleWarrr'ick,conquistaria¿rcoroa.

o estabeleciurento d¿r clinastia c1e York não foi pacífico. o rei deposto'
a

clescontentamentos e plo-
rainha e o lilho continuav¿rm vivos. polärizando
ser deposto e Henrique
porcionando nov¿ts alianças. Eduardo IV ac¿rbaria por
vI reinstauraclo. M¿rs tarnbém Ednardo IV cotltinr:ava vivo e clisposto a
IecuperafiÌCoroa.oquefinaltnenteconseguil.tCOmar'itóriaobticlaenr
em 1471, Aririnh¿r ìt4argaret. truiher cle Flenrique
Ter,vkestru|y,
vI foi feit¿r
prisioneirer, o seu filho r-norto rla batalha e Henriqr-re
vI tlon'e ria' naToile cle
itl IV regressava a Lon-
ii: Londres, n¿l tnesma noite ern qtte o tritlttfante Eduarclo
dres. Ficar¿r assin extlnta a principäl linha de Lencastre'
:1.1 I
il il
os úrltimos anos do
:l
ir:
Il
Mas a sorte d¿r casa cle York não seria clttt'adoura: embora
a sua sLICes-
governo cle Eduarclo IV tenham siclo relativamente tranquilos,
qlìe não chegaria a
são caberia de novo ¿ì Ltlll mrnoI. o seu filho Ecluarclo V
i:l
itl apoiadas peios gran-
:'l1
liìi ser coro¿ido. Nnm país clivic|do por pretensões t'ivais,
ì,i
des magnates, o Dnque cie Goucester encontLou a
opoftuniclade de llsllrpaf a
jtintatncnte çOITì o irmão'
coroa ¿ìo SeLl sobrinúo, que terir l¡anci¿iclO exectltiìl
tenclo finalmente snbiclo ao trono com o nome de Ricarclo
III'
yitória de Henrique Tr¡clor' conde
A Guerra clas Rosas chegaria ao f im com a
rle Riclimond. sobre Ricarcio ill na batalha c1e Bosrvorth'
eni 1485' Mais
com Lìl1ì direito
ul-na vez a cofo¿t seria conqtiistada Por um pretenclente
g¿ìrantir' não ape-
remoto ao trono. Mas Henrique ViI tom¿rri¿r n'reclidas par¿ì
de un'i governo
nas uma sucessão legítimar, m¿is t¿imbém o fortalecimento
de consolidação do
que tencleria jíi ar usimir as car¿rcterísticas moclern¿rs
Estado e cla Nação.

4.3 As relações sociais e a religião

A instabiliclacle política cla Inglaterra clos séculos xlV e XV foi ¿ìcot].ìp¿ì-


social' reli-
nhacla pui.,n-r con¡unto cle muclanç¿ìs nos planos ec.nÓmico.

ti
Y_

gig.so_ e cul¡-u1a! que indic¿rrn Lrma pro-gipssiva tendência pilr'er a i¡rdi-


viduilizaçao e o conseqltentc rontptntento das relações feLldais do kinship.
O governo cla Ingltrterra aciquiriu, pol,lco ¿'t pouco. as pr-áticas e as rotinas
aclmini.stratir.,¿rs que lhe perrrititrni acção eficaz no lev¿rntamento t'egttlar cle
impostos, na cobrança cle taxas alftrndegírrias, nas qLtesiões práticas c1a
guértra, na nt¿ìnute nçãro da lei e cia orciem internas. O governo tornou-Sc coor-
clenaclo. cctncentraclo e seclentário, e Londres e Westtriinster transforn-iaram-
-se nos grancles cerltros aclnlinistrativos. comerciais e cultttrais clo reino.
O Pal'lanento couteçolt a l'elttliL cotn regulandade, a ter finções próprias.
procecliilentos regr-ilament¿rclos e representação permatlente dos collltltls tì
partir de 1337.

Nos planos económico e social. assistiu-se no g11d¡1f des_ilparec!¡¡9,¡to cio


tnünor feudal, ¿ì meclida que os serviços eram con-ìLtt¿rdos em clinheiro.
,q Pelié Ñ"gro, .,.,-t me¿rclos clo século XIV ao dizimar cerca de Llm terço da
popLrlação cla Inglaterra. contribuir-r t¿rmbóm para a alteração clas relações
sociais e para o clesaparecinlento grzrdual da servidão rut'al: a escassez cle
ntão-cle-obra terá levado ao l'ecurso c1o trabalho pÍlgo, e ao pt'o-Qressivo
est¿rbelecimento cle um¿r classe intermédia, de peqr-renos proplietár'ios e de
trabalhaclores livres. qlte começaranl a colmatar a imensa ciistância socìal do
teuclalisnro. entfe os proprietários e os viìões. O )'eontun independente.
relativan-iente próspero. bem humorado e excelente ¿rrcheiro tornou-se um
motivo constante nas baladas inglesirs descie a Guerra dos Cem Anos até à
I G. Ìt'I. Tlcvell"an. Engli.t/r
época Stuartr.
Sotlu! Í.{is¡on; A Strllc-r ol
.Si-r Cl¿r¡¡¿l'l¿s, (-. lttut:e r ltt
A tenclência pata a progre.ssiva libertação dos set vos e para o c,rescimento de
Que e n Vi t'toria - Hatnlonds-
uma classe interméclia de pequenos propnetár'ios livres. para a qual as expli- uorth. Penguin. 1967. p. 24.

cações populacional e económica iluminam ¿ìpenas Lìm Segmerìto de um pro-


cesso m¿ris con-iplexo, foi acornpanhada por Lull crescenclo de descontenta-
mento com os procedimentos da igreja e pol utrra alteração nos comporta-
rnentos relacionaclos com a reiigião. Indicadores conlo a ¿'Ifte imagens da
-
Virgem corrì o N4enino ao colo, olhanclo pala Ele. otr cie Cristo crucificado
en-ì exptessão cle sofrimento, por exen-iplo apontam pafa uma irnportância
-
crescente cio inclivícluo no Séclllo XIV A procura de fornias cle devoção rnais
pesso¿is, de moclos de imitzição cle Cristo. cle legtes.so ¿t unla pllreza apostó-
licá è ã Ltma lgreja mais c1e spojacla de bens matet'iais indicain urn espírito cle
muáánça que, embora tivessem sido já sentrclo ern períodos ¿rnteriores de
rðforrna religiosa, non-ie¿rclamellte com a cLiação de ordens como a de Cister
no século XIi. ou Franciscana no sécttlo XIII, são agora drficilrnente
assiniilár'eis, criando tensões e conflitos'

O misticismo do século XIV é outro indicador desta tendência para uma


vivência religiosa maris pessoal, clue tem e rn Richarcl Rolle. Walter Hiltoll ou
Julrana cle Nol'u,ich lttrtl e xpt'essão escrita, apelanclo a urn público cres-
centemente letracio. ¿ì. qllem se reconìenda a vida contemplativa. Tamtrém
eÌìtre os lei-eos Surgeill expressões de rr"risticismo. colllo no Blok of Mat'gery
Kentpe. ¿ì aLltobio-gt'afia espintLlal cle tlma burguesa cle Lynn. que exentplifica
as virtudes qlìe oS lei-eos homens e mnlheres devem plocural. e as
- -
revelaçrles. t,isões e êxtases atr¿ìvés dos quais aS alcançarão. O dr,rque de
Lenc¿rstre. Henry. escfevelì em i354 Llm livlo cle devoção em francês, e ¿t
mãe de Henrique VII, Margaret Beaufort dedicou-se a uma intensa vida
espirilual, talvez como re¿ìcção ¿ì aridez das discussões e debates teológicos
clos scftok¿r's.

Embora n¿io integraclo na Igreja institucionai, o nistictsujo é ortocloxo. Mas


o século XIV assisttria ao n¿iscime nto de urn rÌlovinlento mttito rrlais radical
clo qr:e as expressões incii"'icluais do misticismo, o dos lollards. insplrados
por'\À/yclil'lè. qire ahcl'tamentc qucstiorraranì a ¿rLttoric{arlc da I-ureju ù prcco-
niZâialn a cisão com ela. A Lolardia fbi consiclerada herética e os seguidores
de Wycliffe forail persegr-riclos e condenados.

E,ste-mor,'imento ter,'e, porém, irm inipo¡tante


significado. tantbéni ele indi-
c¿rclol cla muclança clos tempos: foi um movil-nenio tipicamentc inglês. qtte
:r ì
rnspiror,r uma sérìe de te xtos pclérnicos e sct'itos cm vetnlicr.tlo. bem coryO a
t1 prrrreira tradr-rção completa da Bíblia eni 1396. Wyglltfe apelziva ao espírito
li:
t'.1 anticleric¿rl da época. criticanclo a riqueza cla Igreja e a ntediocridade cie muitos
l,j
clos rlernbros clo clero. É taintrém un-i sin¡rl clos ternpos o facto cle as posições
de Wicliffe terem começado por inspirar siinpatta entre iÌ grancle nobreza.
incluindo John of Gaunt, a quem o plofessot' de Oxford terá fìcado a clever
Llm¿ì protecção qr-re lhe por-rpott Llt-tì¿t condenação por heresiä. que poderia
:l
l.i
chegar.a ser a fogr-reira. Por'ém. o ¿ìfastame-1l¡9--d"g.Wyclifte do seu posto em
Oxforcl. bem como o afastarnento dos seus seguidores mais próximos, trans-
!.i
ìì lorrn¿r'arrr a Lollrdilr nLnlr nlovinicnto clc l'cvoltlt. atneaçaclot'cla ordcrn pú-
blica. que ern ltteve Se desorgatrizou e fol alvo de persegttição, tnltntcrldo-se
aperìas entre pequenas comunidades cle at'tesãos e sacerclotes pobt'cs. nas
Legrões flonteiras com o Pirís de Gales e nal-uurnas cidades do ceiltro d¿t
Inglatelra.

A extinção cia Lolarclia no século XI\¡


não aniquilou, porém. alguns dos
princípios tnndantentais qr"re, mars tarcle. anlmartam a Re{blnia e o pLrrita-
nismo: uma hostilidade bíisica relativan'iente à autoridacle eclesiástic¿t. uma
cievoção ce ntracla exclusiv¡rmente n¿ìs Sagradas Escritttras. a confiança nttma
Bíblia em inglôs.

O nristicisrno e o rtovinrcnlo Lollutzl conl'ì-uuram jír r-rtlia progt'e ssir a (nilcio-


1l

l, nalização>> da Igreja inglesa. Nos linais cla Idade Médi¿t, a Igreja era Cató-
.:.
:!a
1ic:i. e ne ssa medicla partilhava a univetsaliclacle cl¿r Fé e cla cloutrina cle Roma.
.i:
::
''|
No e¡ttanto. em higialrrr¿ì. a climensão instrtucional cla Igre-1a raclicava pro-
t: l'r:nd¿Lrnente na e xperiôrrcia e nas traclições especif icamente Lrritânicas. clue
e strlrtllr¿rv¿ìm as le is do estado e ¿irticular anr cstrcitarncnte û ciintens¿1o mate-
rial e terrena cla lgreja com a vida e os hábitos cias popr-rlações. No sécnlo
XIV os ttìonarcas ingleses começ¿ìranl. inclttsiv¿rmente. a adoptar mediclas
que. claramente, iimitavam a jurisdição cla Santa Sé em algrins ¿rssutttos
ecle-

siásticos.

A partir.do reinaclo cle Eciuardo I for¿rm tomadas medidas que rtnpedian'r o


levantamento cle impostos pelo Papa, a clue Se seguiram limitações irnpostas
ao pocler de nomeação bispos otl outros ciignatírrios do clero, detido pelo
Papa. O Cisn-ra cia Igreja Católica, que colocou um Papa em Roma e oLltro
enrAvi_enon ( 1378- l4ll), of'ereceu circr-rnstânci¿is f¿rvorár'eis à prornr"rlgação
cle estatutos antipapaiS. qlle garantiiìm ao rei a iniciativa cla ttomeação
clos

bispos. Como resuitado clestas meciidas, verificar-se-ia utn número nuito


pequeno de nomeações cle estrangeiros na hierarqltia eclesiíistica em
Inglaterra, no século XV.

4.4 Indícios da formação da nacionalidade


,/")

Outros fenómenos sócio-cultur¿ris vão ocorrendo ao longo do tempo, sem


I I
que seja possír'el deterniinar com preóisão datas ou acont(lcilnentos cotn
eles relaciouaclos, mtii'qr-re indicam uma progressiva <nacion¿rlização> c1e
hábitos. costlrmes e práticas sociais. O prirneir-o.-indicador impor!:rn!e é o
.rrã Oo inglês, em detrimento do francês e clo lãtim. colrìo língiia de debate
pol!1ió,,iò purlnrÌ]"nro (o primeiro registo escrito data de 1362) e como
iingùà O" règisto òficial, em testamentos (1387) ou escritur¿rs de propriecia-
cles (1376). Ò uso clo inglês num cl'escente leque de actividades podetá
ter
dif-qrentes mo!ìvos. entre eles o clesenvolvin-iento de unr sentido de naciona-
lidacle que Se reforça como t'eacção à longa gr-rerra conl a França, o própno
movimento lolla¡-clque se äpoia em textos de clevoção em in-slês. utrla maiot'
pafticipação da sociedacle em geral nos assuntos políticos. tlonteadamente
nos clebates pa¡lamentares. ou o próprio ttso do inglês pelo rei e pela corte'

Simultaneamente pocle observar-Se al-euma ex-pansão da instrução bás-i_c1'


entenclicla corrro competência de leitura e de escrita. Entre 1351 e 1499 o
nútmero clos qr-re sabiarl ler aumentou cle tal modo fol'¿r dos linlites do clero,
que o cl.ran-iiÌclo ltene.fit of' clergt', urn priviiégio legal' cieixou cle abranger
toclos aqueles clue sabiani ìer, parn se aplicar apenas ao clero. As nlesmas
transforinações fizeram-se sentir. também, entre a Rei'oli¿r dos Campone-
ses. em 1381, e ¿i revolta de J¿ick C¿rde em l450: no prirneiro citso' todas
aS

reclamaçõe s dos camponeses cle Cantuária e Essex foram apresentadirs oral-


met-ìte ao rei Rlcarclo il, et-ìquanto qlle, em 1450, as pretensões clos segr-rido-
res cle C¡ide. oriunclos d¿ts llesn¿rs áreas geo,eráficas. fbram todas apt-esenta-
clas pol escrito. e postas a circular em várias versões'
The CatÍerburt,Tales (redigidos entre 1386- 1400, mas nlrnca completados)
revel¿rm.já a variadíssirna _eama de potencialidades do inglês como língua
de literatura. Chaucer, qlle conhecia bem a literatura francesa e italiana. o
Rotnun cle lcL Rc¡se e ¿rs obras de Dante, Petrarca. Boccaccio ou Froissart,
¿ìcrescent¿ì a ess¿rs inflr-lências uüla not¿r tipicamente inglesa, o sentido de
httnror. Ao laclo de Trot'lus ancl Criset'rle (1380-i385), este poema alarga
ciecisivamente o nír,el e o âmbito da poesia ern língua vernácul¿r. acrescen-
t¿rndo zì r'iqueza e drversidade do pensarnento um domínio do idiorla em
todas as su¿rs v¿rried¿rdes.

Outras formas cle poesia for¿rn tan-ibém escritas em inglê¡, e ggzqrlm de


erìorme póþuláridacle: Piers Ploughrnun, de Langland. um poenla simulta-
ne¿ìlrente profético e denunciatór'io. os poemas cle Gor.ver, Sir Gatv,uin ancl
tlte Green Ktûgltt, os dr¿imas rituais cristãos dos ciclos in-eleses dos Mirctcle
Plat's. Estes, especialmente populares nas ciclades do norte como York.
Beverly. Wakefield e Chester. cont¿ìm-se entre iìs peças rnais popr-rlares d¿r
litet'¿rtura do período, etrj qlre a poesia de longe ultrapassa a prosa en-r quali-
dacle e populariclade. É especialmente si-enificativo qlÌe os poetas. colno
Chaucer. Hoccleve e Lydgate tenham beneficiado do patronato do rei ou dos
nobres. Embora a plotecção tivesse por vezes a desvantageil da clependên-
cia e das fluiuações de prefèrência ou favor. delä dependelt, enl boa parte, o
1)
a.a
vigor daquilo que viria a ser a tradição d¿r literatura inglesa.

;1
l As mesm¿rs formas de patronato estendialn-se, também, a outr¿ìs áreas de
activiclacle. simultaneiu-ncntc criativas e útcis, onde se conlec¿ìnl t¿rnibém a
detectat'traços especificarnente britânicos. que as distingr-rem dos nodelos
continentiìis.

Na arquitect-ura, por exemplo. os desenvolvimentos insulares do -eótico


deram origem a dois estilos drversos que. descle o século XIX têm sido
desi-enados pol'(<decoraclor> e <perpendicular>, e qìie se encontr¿ìm nas c¿ìte-
drais ingle.s¿ìs. rÌ¿ìs igrejas paroquiais cle nlaiores dinlensões e nos colégios
c'l¿is Ljniversidades. O ch¿rmado estilo D¿coratetl nã.o introcluzia rnodifica-

ções na estrulufa arquitectónic¿r. ¿rnie.s cons[ituia o fundo ornanental que


realcava ¿rs inírileras pirltLltas e esculturas clue enchiarn os nichos ou se apoia-
v¿lm em pedestais.

A destruição das irnagens religios¿rs na Re1'ornt¿r limit¿i, hoje. a apreensão


clac¡:rlo que forä concebido para realçar-as próprias imagens. Esse funclo
arquitectónico clistingue-se por unla onl¿ìmentacão curvilínea e elalrorada.
baseacla no og¿¿. oll curva invertida. represent¿lnclo elaboradas folhagens
qlle se entrelacam nas abóbadas, capitéis e colunas. em peclra oLl em ni¿icleila.
A extraorcliníiria torle lanterna octogonal cla Cateclral de Ely. em macleira. é
um exentplo not/ivel cleste estilo.
mecliev¿rl inglesa. o estilo Per¡tendictLIcLr' é um
A últirna f¿ise cla alquitectura
Jesen'olvir-ìento de u'r clos aspectos
do Decot'ctlecl. A decoração torna-se
è ¿i col-rrir a superfície a|quitectónica; as
janelas
mais rectilíne a. nlas continua
$
pelos mesmos elementos rectiiíneos
,ao ,r-rrito niaiores, as parecles cobertas
clesenl-iadas e¡r padrões mais rectos e
uuo6to, nas jelnelas. as abóbaclas são
:ì,_l
:::Ti

As b¿rses e os capitéis são facetaclos e os arcos r'ão-se aba-


luoarungutares.
tenclo graciLralme nte até tomaretn forma qr-laclrangular' Sendo r¿iramente de
¿r

são leves, abertos'


grandà çirmensões. os edil'ícios clo gótico perpendicular
iLe;ac1os, esguios. A ornamentação em leque
é tamlrém própria cieste estilo.
equiiíbrio e execlr-
ct. ,1u. os exemplos mais conheciclos e cle extrao¡dinirrio
d¿r catedral
ção são a Capela c-lo King's Colled-ge em Cambricige e a ala este
de Peterbot'or-rgh.

Associ¿rda ;ì construção cle eclifícios reiiglosos, de


castelos e fortificações'
cle lesidêncìas reais e notlfes. encontra-Se o clesenvolvimento de todas as
e ourives'
forn'ias cJe arte pfaticadas por peclreiros e carpinteiros' r'idraceiros
do que
tecelãos e borclaclores. Importa, porém, sublinhar que, ao contrário
posteriorniente será observ¿ido. o ¡rrtist¿r na Idade Méctia é. aincla' o artesão
cle qr-tem não se conhece. salvo r¿rríssimas excepções, a iclentidade.
Du¿rs

razões principais poderão expiicar este facto: LllÌla, a própria noção de ¿irte.
que o
no períoclo rneclieval, qlle femete perra Deus a autoria suprema, de
artista é simples inecliacior e a obra ¿rc¿rbada é a expressão' A otttra r¿rzão
prencle-se corn o facto cle a nlaior p¿ìrtes clas obras ser resltltado da colabora-
o papel do patrono. fosse
ção cle cliferentes artesãos, e Ser apenas registaclo
ele o lei, um nobre. urn bispo oll tllll abade'

Conto se vel'á, a valorização cla criativiciacle indiviclual e ¿l consequente valo-


rização clo artist¿r e sua singttlnrização. ser'ão fenómenos que só poderão
ocorrer quanclo a própria noção cie incliviclualid¿iile.Se começai'a desenvol-
ver. t.ìo períoclo moderno. Pot'agora, ein fin¿ris da Idacle Média' se não encou-
tf¡ril-ìos como tal iclentiflcados, encontramos um¿ì outr¿ì
¿rincl¿r <artiSt¿rs>>,
1onna. colectiva, cle iclentificação a cle ttma socieciade que é jír inglesa'
-
As característic¿rs cla proclução estétic¿l deste período serão reapreciadas na
seguncla metade dcl século XIX. Corno posteriormente vel'emos. qlle[ os
moclelos cle ot.gr,rnização do trabalho. quef o seu result¿rdo estético irão cons-
tituìr fonte de inspiração e de proPosi¿ì alternatiVa. a ¿ìtltores preocltpaclos
co¡l ¿t rnassificaçãto e desc¿rractelização das ¿ìrtes. em resuliaclo da indus-
tLializacão.
Activiclades

Leia os seguintes passos da autori¿r de John Wiclifl'e, extraíclos da obra


On the Drüv oJ tlte King. 1378-1319:

God omnipotently creates the rvorlcl in a manner coresponclin-g to ihe F-ather,


lie preserves the clcated beings belonging to the rvorlcl in a rnrnller
"viselv
correspondin_u to the Son. and he bene volentlv governs the progress of the
preserved bein-_us rvithin His creation in a ni¿inner cotrespotrding to the
Holy Spirit.
Likewise. the king ought to ¿ìct alon-q sirnilar lines in regard to tlie corporeal
affairs entrusiecl to his rulership, fol he ousht to establish his io1,al sr"rbjects
in therr ranks, he ought to delend thern in the _eoods of nature, and third he
ouglit to govern them carefilly in regard to their temporal possessions
thlough Ilis lar,r.
Concerning the first point, it is clear that it is necessary for the parts of the
kingdorn to be coordinated in quantity alrd number. since if all were to be
lords, lvho rvoulcl be lvorkers c¡r se rr,¿rnts'? Jf ¿rll rvere to be presbyters, who
r.vould be the lords
-eoverning or functioning secularly? Therefore, it is
necess¿ìry for there to be a threer-fold hierarchv in the kingclom throu-eh
ì'.
I Ì.,:
rvhich all are arranged into one persol.t of one heart. nirntely. thc priests or
I :.l
ììl
those rvho präy,', the secul¿rr lclrds or defenders, and the coûìulon people or
:;l
ill labourels.
ìì l
:li
ì.i ìì
:. l.: The first group forms the roof of the house of the church for the reason
ii:
lll that the level oftheir intercourse ought to be ncarer to heaven, the burden
of their temporalities ouglit to be lighter and their defence of'spilitual ¿iff¿rirs
ou-uht to be loftier. For thev ought to protect the inferior palts froni the
heat of carnal desire, from the stornls of rvordl-v molestation. and from the

',vinds of hollorv bo¿istfulness.


The second level. .just like a rectan_elc. ought constantly to defelld the
kingdorrr ph.vsically flonl the four plagues in I rnanneL corrcspondin-u to
the four rvalls of a house. Tu,o separate u,alls runnin-R up to the ceiling and
do*'n to the grouncl are specifically reser.r'ed for priests
'fhe third level ou-uht to attend to r,vorking the land and therefbre. bv
sustäinig in the kingdoni in temporal goocìs. it nay be cont¡rared to the
foundation of a hor-rse.
When this three-f'olclhierarchv is proportionately arranged in quantitl,and
qLrality, zrccorcling to God's stanclarcls. the kingdorn r.r,ill proceecl to prosper.

Elabore um breve comentáno a este texto. te ndo em atenção os seguin-


tes aspectos:

L O pocler clo rei como clelegação cio pocler ciivino.

2. l\s t-azões
t'azÕes rlol'nlrrl
por dr¡fr.nrle unra
ç¡. defencÌe
qLle se q,ociedlde hierarqLuzacla.
rrnr:¡ socieclacle hiclrrnni'tttr'1,;,,
:

3. O tipo cle hierärquia proposto e as funções corrtspondentes a cada


grupo.

4 As it-nagens e irietáforas utizad¿rs.

5. Compare exte texto com cle Marie de Fr¿rtlce. incluido no capítr-rlo


antei'lor.

6. Procure contextu¿iiiz¿ìr este texto. e confroniá-lo com a instabilidacie


política e soci¿il da época ern que foi esclito'

Bibliografia sugerida

The Cuntbriclge CultLtral Histon'


1992 ed. Boris Ford, Vo[. LI, lvleclievul Brituin, Canibridge, Canibridge
UniversitY Press.

The Oxfortl Hisft¡t't' ol Britnirt


1gg2 ecl. Kennerh o. Morga¡. vol. II. The Micldle A.qers, oxford, oxford
UnìversitY Press.

KERR, W. P.

19,58 Tlrc Dctrk Ages, Nerv York. Metor Books'

MYERS, A. R.
l98l ÛtgLttncl in the Lctre lvlicldle A,ges, Harrnondsu,orth, Penguin.

STE,NTON, Doris MaY


1981 Eil,elish St¡c:iett' itt the Ectrlt' Mitldle A.çe'r" 10ó6-1307'
H¿rrmondsrvortli, Penguin.

SOIJTF{ERN, R. W.
1990 Wcstelt St¡ciett, curcl thc Chun:h in the Middltrrlgc's, Harmondstvorth,
Pctr gLr in.

l.FIOlv{AS, Kc¡ith
l99l Religiott cutcl the Det:Line r,t.t'' Magic; StLrclies in Po¡tulttr Ilelie.fs
S i rt e e n t h - cutd S et' e n[ e e n r h - C e n t Lt t)' E n I l und'
Lonciotl' Pen guitl'

]-RITVtsLYAN, G. N'1.

l96j I:uglish Sociul Histprt';A S¿¡r'r,¿1, o-f'Si,r Ce ttLtries, ChcLttce r to Que ert

V ic:t r¡ r ict, Harrlonclswortli. Pettgtti tt


.
'::l

5. Do Pné-Moderno ao Moderno * Sistematização e


teorização
s
'...*.

tlì

t:
;:
1l

,!
t:
,i
.,1
t.:

,
Sumário

Este capítulo tem como objectivo cleterminar as grandes linhas cle mudançn
na socieclacie e na cultura rnglesas que rìos permitem falar numa sociedade
rledleval diferente cle uma sociedacle moderna. Identlfica ch-ras linhas de irans-
formação da estrtttttra do sentil mecliev¿rl par¿Ì o moderno: a confiança e o
risco.

Os elementos estrllturais de confiança são: as relações famihares dentt'o cle


unr sistenra d,e kin,ship. ¿r conttnicl¿tcle local, a cosmologia religiosa e a tLadi-
çãro.

Os elementos estrllturais de risco são os aciclentes do mundo físico. a violên-


ciahumanaeareìigião.

O capítulo articttla e interpreta os diversos aspectos da cttltura e da socie-


clade inglesas etrt termos de estrtttttras sociais e cultttrais em mudança'

O presente capítulo introclltz Llm¿ì metoclologia drferente da dos outros capí-


tulos: estão, agora, em cleb¿ite, perspectivas teóricas contempot'âneas.
I
j

i
ì

Depois de te rem sicio clescritos e c¿ìracterizados os elemenlos funci¿imentais


cla cultura e da socieclade me dievais britânicas irr-ipõe-se uma sistematização
que permita determinat os principais vectores cle muclança. clo período
pré-ntoderno para o moclerno. O sociólogo britânico Anthonl' Giddens, na
obra IÄ¿: Cons.c,ç1¡tq¡tçes. r¡J Mo]e¡ nllll oferece utna il-ìterpretação qlre permite,
de {'õim¿i .iirnples e clara. perspectivltr algumi,rs das princlpais linhas de
muclança. A sr.ra anírlise problematiza do. i.s eleme¡tos sociológicos e cultut ais,
e o lisco- (risk)t. Seil se-uuirmos eract¿tntente cacl¿t passo
ì
.\nthnnl' Giddens- 199l.'l-lu:
1g,o-lll-iiuçq .(trust) C.rt nst i¡ Ltt: ttc e.t tt.f :ll udt ntit¡.
ão urg,,n1"¡to cle Giciciens. ele servirâ, contliclo, de slrporte tì sistematização Cìarubridge. Politv Prcss.
que a seguir se fará. pp. l0O Il.

Os p¡i¡neiro.s f-¿tctores onde se observam ntuclanças, do pré-rnoclelng pala o


rno_çþ¡-ryg, serão as gonclições c!1s reletções de confli1nça, 1.elac-1-o*1¡d¡1¡ coçt
äs noções cie lisco, cle segttrnnça e de perigo. l'las sociedades pré-rnodernas
estes f¿iðtoiles têm que ser perspeciivacios nr¡m enqltadramento local. dado
qLìe as re 1ações de espaço e de te mpo se circunscl'eviat-n, predominatjtenìente.
i E inrportantù
¿ì rìma reduzida área de tnobiliclader. Poclemos então definir cluatlo colr!-e-I:-,-
ter enl colìta
cìue iì csta -scn!ìr'alizâçlio.
cla noção cle confianç1
toj. i._gcalizado,s p.-qr.1
9 enqtlldr amelto poclcnr ser contr¿rptlst¿ts
inrinreras cxcepçtìes. Untbetlo
o_Eìmg11o ¿ o"!glr:¡ip'...s"yçþm, refericlo nos capítulos ¿tnteriores. o sistema Eco lcml¡r'a colrlo. na Idade
\lédia. um homeltl tinha
de lelaçoes estabe,lecido na casa 591h-o¡ial, e nvolvendo relações cle"respon- ¡roLrcas hipiitcscs cle conhecct'
sabilidacle e de clependência entre aqueles que viviam deb¿rixo do mesmo a cidadc r,izìnira. nlrs tinha
inúnler¿rs oportLtitidaclcs de sc
teció ou sob a alçacl:r do n-iesrno sedhor, fossetr-i oll não relacionaclos pot- dcsloc:ar a Santiago dc
}açoi cle sangue, poclil se t'at' tensocs e conflitos. Mas o sistema estabelecia, Corìlpos(cla ou a Jerusllóltt.
l1
À E.uropa rnediclal estavil
t-\ soble os conflitos imeciiatos. Llm comportamento geral en] qtìe se Verilicava rctalhada por roits tl¿
qlre os kinspeople estavaln preciispostos ¿r fazer f¿rce a ltm conjunto de obri- pcrcglinação. onde se deslo-
cavrnr. lite¡¿l¡ueutc. IttLtlti-
gações. tnclepencletltemente do grar-r de sirripatia pessoal que nutrìssem pelos clõ¿s. Eco conìpitt¿ì estits Iotts

indíviciuos específicos erì c¿ìLrsa. O kü.slti¡t proporciottaria. assirn. seguncio conì os ¡cttllti-s PClctlr-sos
tLrr'ísticos. -s¿ndo as abadi¡ts
Giddens, uma teia de relações ¿rmistosas ou íntin¿rs qlte reststia no cspaço e lurcdicr ais as agêrtcias dc
no tempo. O kr11;þ.1p constituí¿Ì. port¿rnto. utrl nexo cle relações sociais está- vrlgcns do pls-sado. e ¡s rotas
de pcrcgnnação conrPlrnclas
Veis quc. ern p|incípio. e quase scnlp|c na p|iiticlt. iol'tnitvlt ttm ttieio ot'ga- ìrs rotirs aórea,s- tluù tolllxtlì
nizaclor de relações de conftança. nrris fácil viqal rle [ìonla I
Nola Iorc¡ue do tluc a Spolcto
"-[hc [ìeturn oi
thc ñlÌddlc
É itr-rportante notar que. segLtndo Lar,r,Lence Stone. o ldrt';Ìúp e a linliagem Agcs)- uì [ntt'l.r itt ['ltpttt-
erail1 ¿ìpe¡as um clos três 1'actores r,rnificaclores da socle clade que se prolonga rr¿l1i ¡r . l!)8?. Lt¡nclon. Pic¿-
dor. p. 78.
aincla no sécr-rlo XVI, con"reçanc1o então a entral el.li nìptllra Os--o-9199¡..1191o-
rej! sedam o good lordslùp e ¿i honra. O prirleìr'o consi,stia na troca recíptoc11,_
dc prote cclìo. epoio c liosltit¿rliclaclc. crl troca dc dcl'e-l'ôtlciit. r'cspcito. consc-
lhö å lðaldacie. É este senhorio (torclslip)que abraça n;1o apenas as lamifica-
çOós de famíli¿r. iriìas tarnbém toclos os clepenclentes.
cotrìo os criados, os.
rencleilos e os <clientes>). tllllr contexto abri,rgente de afiniclades. A manifes-
tação ¡rais evidente clas relaçoes de ,(lrzslri¿) er¿ì ¿ì grancle cas¿ì. colll ¿ì sLlil
hospitaliclade abert¿i, col-ìì it sua ¿rusência de privacidacle . com ¿ls collst¿ìntes
multicloes cle nte cl¿r caSa, r,isitantes, peSSoaS ern busca de f'avores ou cie
-Ue
inllr,rôncia.
em
A manilestação psicológica destas rel¿ìções era Llnl sìstema cie valores
considerados
que o senhorio e a lealclacle erall personaliz,¿ìdOS e eram
¿ìs

com prececlência sobre os Dez Mandainentos' ¿i submissão


mais altas
¿ìoS
'irtlrcles.
clitatnes impessoais da lei e nlesmo sobre a det'erência
pÎrÎ cotll tì
lirnitado'
autorlclade pessoal clo Rei, E,ra. como cliz Stone, ì'ìl-ìl mLincio
al'ectado por noções mais
¿ìlt¿ìt'llûnte personalizaclo. que ainda tlão tinha siclo
vasr¿ts cle ie¿rlc1¿rcle a cócligos e icleais ilj:lis tlniversais.
A 1191,¡"1-era Llq -\¡11-9r
al-soqi¿lda ao
pessoal e não colectivo, corìo o kinship e a ]inhlge¡1' e es,tavâ .

óOOigo cle cavalaria, à coragenì físic:a, à tlo¿i ié, ao l'ecotlhecimento t:Í::::


l"
in¿iii¿ual. Segunclo Stone este v¿rlor persistiria ¿rtó ao século XVIII
expressanclo-se frequentenlente no cócii-uo do cluelo. r'indo
posteriormerìte ¿ì

j I-aurenct Stonc. 1990. 77¡¿ ser allsorviclo no novo senticlo da incliviclualiclader'


F¿liil-r' .!c-r dild trlurt ldge itl
I!tLgluttd: I5()0- 1800- L'<>tt-
Stone observ¿r o cieclíneo do sistema de kinship entre i 500
e 1750, à.medic1a
don. Pcnguin. PP. 7.1-74 de habita-
que aumenta a importância cla 1'an'rílta nncicltt'. nito cotlro irnidade
e atribtri e.stas alterações a factores qlte
ção. mas como estaclo cÌe espír'ito.
estado, encor¿l-
obse^,¿iremos no capítulo se-euinte: o ¿tunlento clo pode| clo
jado pela Ref,orma, e o êxito clo protestarìtisillo. especialmente na stl¿ì ver*
um polrco o
tente puritan¿ì, que vatôii)¿rua o matrinrótiio e'fazia da família
Ident. pp.93-1 sr-rbstituto da paróc¡-riar.

a irnportância das
Para Giclclens, n¿ìs conclições cla moclerniclacie mantérì-se
as relações cle
relações farniliares, sobrettldo cletltro cla faniília nucleat. mas
kirtship nãio são já portacloras cle laços soci¿rìs intensamente organizados'
¿rrrar,és clo tempo e c1o espaço5. No p9¡!9clo mocle¡1o
as relüções cle ki11.s9rão
¡ Gicldens, o7r. r:it.. P l0t
s'bstituiclas por relações pessoais ¿e-àrriizácte ou cle intimici¿idè
iexltal como
rneios estabilizadores clos laços sociais'

c'-o-1-i!e¡¡o,ç1-ç*ço¡f!qr1ç1,¡¡rs soc-1-e-c]lles p¡.é-ryo-clerl¡i¡, é a.colltt'


e:qgg1ilq
encluanto .1. relações localizadas orga-nìza-
.1i.9.? c l-"..ç_aj,-.Çntenclicla "tpaco
c-las em termos cle lr-rgar, não transl'ormaclo por
relaçoeS disi¿lnciaclas de
nos telnpos
temp0 e de espaCo. Coino se l,itt ¿rcin¿i e na llota 2. regiStarn-Se,
pt.é-moclernos. mìgracões popr-rlacion¿ris. nollaclismcl. viagens
longas ei]l
i.,-,.,po e esp¿ìço, de nrercaclores. pereglillos ott ùr'etttttrcit'os.
Mas a nlai-ol
colì-ìpitl'açio cottr
parte cla popr-rlação e fa f AZoave lnte nte ilnór'el e isolada, enì
as lortn¿is cle mobilicläcle proporcionadas pelos meios
de trauspot'te e comll-

nicação moclernos. Neste asilecto vereÛlos' em partes postei'iores deste


que ¿ìpell¿ls \¡em
mtrnual, o processo lento cie transfol'm¿ção cla mobiliclade.
Industrial'
aclc¡-ririr ritrrio progressiv¿rtnente ¿rceleraclo a pâftir da Revolr-rção

em contextgs
A conluniclacie local oferece . pois, segr.rnclo Anthony Giddens'
que se clis-
pré-moder¡os. Lrli senticlo ontológico cle se gurança, sob fot'n1as
Agora os
solverão subst¿ulcialillcllte nls ciLcuttlstâncias cla moclertliclade.
e cle espaçg clefi-
clistanciamentos intpostos llol no\¡tls ctlncepcõe s cle tenlpo
.em sistemas abstractos couto nlrrios cle estabilizar relações que não decol-
re111já no nleio familiar cla comtlnidacle como lugar lixo, de dimensões redu-
zidas e conhecidas. Com a moderniclacle o local e o global \'ão torrì¿u-Se
intimamente ¿issoci¿rdos. Persistirão. cor-r-ìo é natural. sentimentos de afeição
o¡ iclentificação cotìl lugares precisos, M¿rs os próprios lugares ìrão tornar
características cliferentes, não expressando ¿ìper.ìas prhticas e enVolvimentos
loc¿ris, mas est¿rndo perpassados por in{'luências distantes: meslrlo as lojas
de

alcleia recebem pt'odutos cio mundo irlteiro.

Este processo cie globalização é observ¿rdo pelos analist¿is c1a cttltura como
un fenónreno qlrer da nloclernrdade qr,ier da pós-rnoclerniclade. Têrn ultima-
tTlclìie srr|giclo clircrs;.Ls tcol'ias (lLlc ilponilllll l)art ttnllt noçl-to dc civilizttçlo
global, que é r,'istzr ou cotrto o fin-r da história, ou como o início cla história
universal. Nesta úrltima perspectlva. que é def'enciida por Raymond Aron.
existiri¿r hoje apenas Lrma civiliz:tção humatr¿r. de c¿irírcter global e seill <cos-
tLlras>. iti¿ìs coll uma iriagnífica valieclacle de rnanttèstações indígenas de
experiência de vic1a6. O percr-rrso até esta globalização p¿ìSS¿ì por uma aber- " Potle lcr-se. a e-itc rùspeito o
cirpítulo intitulado uA Clobal
tura cle hot'izontes geo-er'írficos e mentais, enl que a Inglaterrä tetn inrpol'tänte i¡ 'llotlen¡itt tuvl
Socictvl',
päpel. como se verá. quer no procrsso de transfortlação de matérlas prinlas Stullt Hall.
Its [;uturt:.t. ccl.
David lleld and T'on¡'
provenientes de tocio o t-t-tunclo, em objectos clepois exportados tambénl para \'1cCreu. I993. Carnblidgc.
toclo o rnunclo (a partir cla Revolução Incluslrial). conio no clesetrvolviilento Polìty Plcss. pp. 6l-1 16.

cle um moclelo aplicacio cle governo e cle lepresentação (o sistema det-nocl'¿i-


tico bntânico), corno na mutldi¿rlização cia própria língr-ra inglesa.

A terceira influênci¿i no co_ittexto pré-¡noclgrno de confiançi1é a cosmologia


r*lífioià n rétigiao poc'le se r tanrbérn uma fonte cle ansied¿rcle e cle instabi-
lictacle. ll-tiìs ¿ìs cosntologias religiosas proporctonam inlerpretaçõe s morais e
príittcas da vicla pessoal e soci¿rl. bem como do mundo trattttai. que represen-
tain en geral um ambiente de segurança para o crente. Nãq f.4pe¡¿r,s ¿i divin-
dade em qr-re -se acreclitzi que ofelece confiança; é toda a estru-tura cla reli-eião

_91g1nizad11. nomeadailiente ¿ì hrerarqr-ria religiosa e o ritu¿rl.Altthony G¡ddens


consicler'¿r que o niaris importante é o f¿icto de as convicçoes religiosas tipica-
ntente injectaiei-n confiança na experiêitcia do-s acolleciryentos e situações e
con.struiren-r ¡ur-r enqLiaclralllctlto ell'ì qltc estäs podem ser e xplicaclas.

As refèrências feitas nesta Secção. ¿ìce rca d¿i cosmovisão meclieval (que se
piolongará na renasce titista). entbor¿r cle caríicter muito geral, subllnhararn a
coes¿ìo de uma perspectiva hielarquizada e organizada ofèrecida pelas con-
cepcões relrgiosas. qrìe Ilr()porcionlLvaltr jr-rstif icação para o caos l'isír'el. de
Lltn munclo f'ísico que não era racronaln-iente explicaclo, e cie uma experìêncla
incliviclual clue se-qurir.meilte se confrontav¿ì com a instabilidacle ambiental.
Keith Thomas. em ReLision und the Declùte o.f'Mttgic, estuda os l'enón'ienos
cla ieligião, c1a magia. cla astrologia, das pt'of'ecias" da Lrrr"rxaria. clas miiolo-
gias meclievais. aprese ntanclo Lrrn riniverso cle arnbrgr-ridades e contladrções.
Mas. rnesnio a complexiclacle clas manifestações religiosas obsen,¡rclas. não
impecie este ¿lLrtor c1c afirmar. por e xemplo. c¡rlr rnesnlo depois cla Ref orma ¿i

I
probletnas
religião organizada continlloll ¿ ajttclar aS pessoas a lidar com oS
ao pro-
prírticos do quottcliano. ¿lo oferecer explicações pafa oS inlortúrnios e
I Keith Thomas. íì'eligirttt tud porcionar uma ionte cle cie o|ientação em tempos c1e incerteza;.
tlte DecLine ol- l[ugir': Stutlie.s
in l'opulttr BcIie.lì ûr 'li-t¡¿r¿rl¡/¡ N:r sequôncia cleste manu¿ll poderá observar-se o cleclíneo de sta concepção
tuttl Stt ettIcettlÌt CettItt1 \'
[inglantl. 1991. London. unificadora e estrutur¿lnte cia experiência i¡clividr-ral e colectiv¿ì oferecid¿r
o
PengLrin llooks. P. 179. pela religião. KeitliT_holnas, ao ploc_Lllill,.as l¿ìz-õ-e.s -que terão concllciomr-clo
ide-nti-
declíneo clas antigas cfenças niágico-religiosas no período modelno,
fica três: o crescimento cla vicia urll¿ìna, o nâscimellto e crescim-ento d¿r ciên-
I ldent. p.7L)1 . ciac aexpitnsùo clc lrrll;t idcologia clc 'rt'lJ''ht'lp'. Os algttttìclllos cle Tholrlas
são elabóraclos no sentido de questiorlar. não t¿ìnto as convicções
qlle se
pefsistentes
or-qanizam em slstemas cle religião, rl¿ìS sobretuclo aS atitudes
mes-
de relação coill o sobrenatural. que pocleûl ainda hoje Ser verìficacl¿rs,
mo nas socied¿rcles ociclentais.
um processo se secularização do _!_t-nlu,
Interess¿i-r-tos Sobretltclo obsef\¡¿u
menro e clos compoftarnentos, erh¡ç1-t1e- s9, ve¡rifiçal.íl qllt ¿ì rqlig!ão C-onsJ!¡ll
o esquema orientador até ao sécu1o XVIiJT para qepgis começal ¿r::l
iaing¿i
:subiiituicla peios esquemas científicos: Esta ----e9".11.,qß-U.Z-¿ç,S-o.,co.r.!ìpQltê' 90m9
é evide¡te, rnúmeras excepções, e verelÌ-ìos, a propósito da Revoluçã.p.Indus-
trial. como oS sistemas religiosos e os seLls preceitôs mof¿lis e práticos desern-
penham um papel funci¿rmental. N4as obser"rliue,ryo,s tambén] qlle, cm termos
de
de explicação para o clesconhecido, o inesperado ou para a determin4ç.ão
uma lógic¿t e cle ttm¿r racionalidade no universo físico e mental, a religião
perclerír, poltco a pouco. ¿ì slrpremacia. vindo o seu lugar a ser ocupado
pgla
ciência. Giciclens sinretiza est¿ì transição do pré_molierno para o.. 11.ìoq9.,.Jlo
cont a indicaçaó dô que o pensâmérito se torna <<contfa-f¿ìctual> e orielado
para o flttql'o. como meio cie relac-ionar o passaclo e o presente' A cosmologia
ieligiosa foi suplantacla por un1 Saber ol'ganizaclo cle fortna reflexa, goriêr
nado peia obsen'ação enpírica e pelo pensamento lÓgico. e co¡1entr1-s9-
"Giddens. ¿ilr. cl¡.. P. 109
Sobre :is tecnologi¿rs trateriais e os cócli-eos socialtnente aplicáveise'

o conre,rro ¡eiaçõe¡ cle confiança nas


da,1 cllturas pré-modernas _é a
-qg3r,to
se refere a uin
prq¡ri'.1tuq-ição, Ao contrário da religião. a tradição não
óóiþò-"ip"cífico cle crenças e cle prírticas^ Ill¿ìs sini à nianeit'r-t colllo cssr.ls
crençaS e práticas se orgirnizatl. especiitimellte e tt-i relação ao tempo'
A,ïg-
clição reflecie um moclo clistinto de estrutltração cla teniporaiìdade . orie¡rtado
p.ioi"¡;tiçaó, ¿e Toclo qr.]e o passa_clo se torla num meio de olgauização çt-cL
iutu¡á A difei-ença ürndaiìrental entie àl ónlturas pt'é-modernas e as moder-
nas consiste nltma orientação pelo passado clas primeiras, e umtr ortentação
para o futuro clas se-eunclas. A traclição expressa-se alla\l9s dti r.o¡i¡¡¡ e {i¡
iitual Mas a rotitl¿t é intrinsecamente significativa. e não mera repetição' por
força do hábito. e o seu signif icaclo inscrevc-sc nt) respeito. oll mesmo leve-
rêncra próprios c1ä tradiçãO e relacionacìos c:ott-l o ritual. o ritual. que [t'e-
qLlentenlente tenj aspectos compulsir,'os. ofe rece ao l-n(]snlo tempo conlorto

l2:
e SegLÌrança porqtle infuncle qualidacle
sacramental a determirlados cottiun-
para a seglrr¿ìnça ontológica,
tos ;e práticas. ALr 1cl1e iro.. cgn-lribui cer.rtralmente
na continr'riclade do passaclo' p1'esente
na r.neclicl¿t eni qüê .supor!a a co1fìança
em roti-
e futuro, e relaciona àssa confiança a práticas sociais interiorlzadas
1rÈ:
1" ¡\ obra dc Peter' [ì urke
Ptt¡tulut CuIture irt ['ar[1'
no períoclo pré-nloderno'
A observação e interpretação cla cultura tr¿rdicion¿rl. i\lorleru I:urope. 1994.
Ernbora seja possível Cambridgc. Scholar P¡¿ss.
tem que Ser Sempfe cit'ctttiscrita a contextos localizaclos' ilu-striì benì estc Polìto.
que. generic¿ìlne nte' habita
dete¡nrn¿ir algutls tf¿ìços comllns a Llma sociedade
provavelmente' I I
Especìaltrente sìgnificativa
um mesÍno território, as clir,ersidacles locais e regionais São, éa posiçio de E. P.1'hontPson.
rnais significatir,¿rs do clue oS aspectos gerais qìie' no
período medieval' não etÙ c¿1.ç¡0ll¿.1 tt c-0ttlttl0tl-
1 993. Lonclon: Pcnguin
Por isso os
são específicos de nenhltm¿r nação, mas colflults à Er"rroparr)' lJooks. tltt qt¡c o rutor lnllis¿
analistas cla cultttra. que ploctlr¿ìm cafacterizar o período
pré-rlodertlo e o o século XVlll. considerando
l,r'iolitirio. pllr o rigor rla
ectrLt' tno¿lei'r¿ têm ticlo ¿r preocr-rpação de distingtlir o
valor dos processos
lulrilisc. a tlcterlttirtrtçio tlos
tradicionais cle transmissão da cttltur¿r em contextos localizadosrr' A.ct-iltltra lùctoles clc diferenciirção
traclicional pertencia t"lit comunidade clg qr-re iro país' e só se podia l oc ais.

.Ì.
peipèti1ár se uma paíte significativa cla população se mantivesse no mesmo I: A obra cle N G. PoLrnds. 77¡¿
Culturt r ti t lt t' Iit LyIi.s I t P tr t¡tIt"'
lugar geração aPós ge¡açãorr. Irot ,'1,c¿ t0 Indts¡tiu!
olutirtn. I994. Cambridge.
Ret

m,o-bilictacle que se acentu¿l no século XIX contribr"rirá


A para praticamente Canbridge UP. sistelnatiza t;
tliìta eolll Irorllìdnof os
cli-¡qolrler a cultura traclicional, embora-s"urþJr--em simr-rlt¿ìneo. pl'eocu*palçõeS Jilcrtrltt: tt iìçr)s Jc conti-
de or.dem icleológica, socrológìca ou poiítica. orientadas para a pteservacño nuidade ou ruptura. bclil
conro as va¡ icdades da cultura
oll'recuperação da cultura trciicionallr. Aemergêrlcia de uma cultura <1naci9- inglcsa. ao longo cle um
nal>. cla Inglaterra ao Reino Llnido é um dos aspectos cle tteflexão deste ma- extenso petíodo de tùmpo

nual. que scl'ír pcrspcctivacla enì ¿Ìspcctos políticos. icieológicos. rcìi-tiosos r' () intcr.'"r ¡lcl.t conscrr a-

ou Linguiiticos. onde se verificará qr-re o período moderno compolta o pro- ção da.tradiçào' Pode ser
risto logu Ilo Rcltlt:citncnto.
gressivo acentu¿u'cle um espírito nacional, qLle cotresponde simuitaneamen- rìJ lìr'c\cl \ açã(ì dc' llrodclo:
te ao alargi,imento clos contextos locais para contextos nacionais prirr-reiro e nrcdievais clc co¡rduta ou na
eolllinuitl:rLlt rl;ttlrt :ros lrrr-
internacionzris depois. ncios. i\lrs o ilìtLr('sst \i5tc-
trliitico. cr¡rlr':i,ì !-Ilì ill\ csti-
Para além cla localização, as form¿rs de cultura traclicional devem ser subme- gação e teorização sobre a
errltrrra tt lJieiortal. surgc :tpc'
tidas a outlas distinçoes, colno a que se estabelece entre cultuta popttlar 9 nas eni fìnais do século XVIII.
eruclita. Tambérn neste aspecto a rnodernidacle irá irnpor clistinções pl'o-qres- com l-lerder na Alemanha. e
tcl.á continuida,:le no Pensâ-
sivamente acentuaclas. já que a cultttr¿r das élites começa a assutnir expres- Irrento ingli'i. {ohlCttl\lo ir frl'
são distinta da popular, clar¿rmente, no século XVIil. tir do ronlantisnlo.

Se as quatro conclições enuilctadas proporcionam contextos cie corlfiança no


período pró- moclerno. clue se irão alterar no moderno, há ainda que conside-
rar as condiçoes cle risco e o moclo como estas se alteram também' do pré-
-moderno para o moclerno. As cnlturas tradicionais est¿lv¿ltrì inset'tdas em
ambientes cle risco, cle natureza diferente dos riscos modernos.

Ûs- açiçlq¡rtgs do. ¡11u.¡¡do_ fip-ic-g constituem o pritleiro traço cle ri5co.51-11-e
çlonririil ¿rs cultur¿is traciiciona!s. Os acidentes e periurbaçÕes natttrais. colllo
.clin-ra, inr-rndações. trovoadas, seciìs. ou ûìesmo
as väriações de terr¿ìmotos'
afèctavani ¿ì ordem s.ocial. e o seu significado era frequentemente irrterprc-
titdo lttt'ar és cilr rcliei¿to. M¿is or.ltlos fc¡lómellos nttul'aic. ¿tssocia(los ¡, .onai-
ção hurtnüna. impirnhanl também circr-rnitáncias cle instabilidacle e risco,
llìtlit¿IS vczcs (t'c\oltirlas' pclo recurso i nlügia. As taxts cle rnorialicladc
itif'ltlltil c (le tll()r'tc no pi.u'to. cr'¿urì ültîs. cn(lulrìto ¿t cspelarìça clc vicl¿r era
l'clitti\ ittjlcttte buix,it. Ai dre nç,,, cr'órìic¿rs e inlecciosas ilcct,ruanì quillqucr'
ì.lnr, rrìdependcntcrnente clo ieu n¿ìscimento, e ¿ìs doenç¿ìs endémicas pròfife-
f ¿ìv¿ull.

! As condições de resistência e defesa ao potenciaì de struidor do rnundo físico,


Kcirh -['homas. 198-j. J./r¿l
'l
and lt¿ i'¿turul llltlt:l: bettl como as iìtitllcles perante a mllndo natur¿ìl irão muclar substancialnìente.
Cluuvqing .-l l¡ll¿r¿1¿.r in
clo pré-moderno p¿ìr¿ì o noderno. KeithThonl¿ìs. emM¿lrt (rntl NuturctlWorlcl;
[:ttglund 1 -;A0- ] SA0. Lontlon.
PengLrin. Entre outros ¿ìspcc- Chttttging Attitutle.s irt Ertgluttcl 1500-1800. determina os tracos clessa
tos.Thonlas ¿ìnali-sa û transfor-
(lc ulÌ conccito
nltldança de ¿rtitude. repassada cle anbigr-ridadesra. Como ref'ere este ¿ìutor.
nração clc
niìtLrrcziì clLrc clerc scr tlr¡nri poi _\jolta de lB00 tinharTr comeÇado a surgir dúvidas sobre.o lu_qar do homem
nlda pclo ho¡ucnl e post¿ì ùo
u¿t n¿ìturezrì e as suas telações com ¿ìs outfas
sctì -iCtYiço --
prcr.alecenic -e¡pécie,s, O estuclo objectivo
no Rcrìírscinìcnt0 0 ùonì0 \.c- ¿i.i óiêììôi¿rs n¿rtr.trais tinha jír cie sacreclitaclo. em boa parre, as pelspecrivas
renìos. nA Iìe\oluçno Cicntí-
fica c nrcsnto na Iìc\oluclìo
antropocôtltricas. tendo-se clesenvolviclo entretanto Llm sentimento cje
IndLrstrial parl îs idcias de aliniclacle entre o honem e a n¿ìtLìreza. qLÌe Ieva, por exenlplo. à cornpaixão
--
prcscr\'àçÍo cla natr¡rcza r dc
p¿Ìra conl os ¿ltlill-ìais ou à preocupação etr.i replantar fiorestas ou cultiv¿ìr
rclativisaçao do lusar honlent
ncr nrrrnclo fÍsico. flores para satisfação pessoalr5.
ii ft1i:rr. p. 243.
M¿ris recentemente est¿rs cii{'elenças de atitude entre o ¿unbiente de risco do
pré-modertlo e do noderno ¿rcentuam-se. sobletuclo nos sectores industriali-
z¿ìclos cio globo. Os fenómenos natlrrais continualr a srr potenci¿llmente
c¿ìtastró1icos. senclo a ciin'iensão de catástrole acentuacla qller pela concen-
tração de popLrlaçoes afectacias por chei¿ìs. tornados. te rramotos ou err:pções
vulcânicas. qr.rer pela visibilidade que os ¿ictu¿ris ineios cle comr-rnicação ofè-
recen"ì à divulgacão clessas c¿itâstrofes. Mas, mais importante. cle un ponto
de vista de anírlise da cultura. é a älteração cle atitude peränte a natureza dos
riscos no ntunclo modcnio. As ameacas de calíistrol'e ecológic¿r oll cle gLlerra
nttcleaL. cir-re hoje nos ¿if-ect¿rnt. são resultado do saber organiz¿rc1o. mecliaclo
pelo intpacto cla industrialização sobre o alnbiente materìal.

U-ttt¿,15¡gLtnclt fonte cle risco e clc insegr"rriÌnçìit. no ml¡¡rclo p¡ó-ntgcle¡r1o. era a,

violêmcia human¿r. Antes clo aparecimento clo guerreiro especiali'4aci,a,.,os


llítcis clc violcrlclrì. nirs sociccllrdc;s cirçerloras c nrlnlutl;-rs. p"ì'aaam tcr sitlo
telatlvatne tlte buixos. Qr-rando as so-ciecl¿rcies se corÌreçam a org¿ìrìizar. s.obre
nina base agr'ícola. o pocler Àilitnicorneça a constituir-se. muito embora as
autoliclades não dispr-rsesse u de meios de conttole coilìpletos. Estes estadoi
nllnca estaYaill pacif icados internaniente. conlo estarão os estados mocler*
rìos. o de segurança dos grllpes populacionais no mu_nclo pré--r¡oclerno
-_-erau
birixo, já qLre as populações est¿tv¿un constantcntentr. ii ltrercô cl¿i vlolê4.-
91'ti
cia cle exércittts invasores. cie salte¿rdores. cie ladroes or-r cle pìratas. Aincla no
t
a

-_

século XVI ¿r (ltopia More oferece a clescrição cle um quadro cle


cie Thom¿rs
da
insegurança senielhante ¿i erste. em qlle uma parte cla responsalliliclacle
instabilidacle decorre justamente cla existência de exércitos prir''ados'

45.cqndições de risco clecorrente d¿r


Ng-p-g-,ti-o-qo mocle-t'no
vìolência hum¡rna
a
alteraram-se, ernbora contintten a exisìir:. Para Giciclens c111ere1ÇiÌ
tgtlt]"
no facto cle o risco de ataque pessoal e star hojc cotnparaitivamente
reduzido
a bolsasperiféiìcas nos io_s yrbanos, senclo a violêrlcia httnlan¿i transf'erida
¡r-ie
cle vio-
para as ameaias ciócòrientes àa inclustrialização cia guerra. O risco
lônci¿r niilitar continua ¿r existir, n-ìas o SeLl cafacter tl'tudot-t suLrstancialmente'
à meclicla que foi rnudanclo o controle clos trieios de violência
ern reìação à
gLterra. Vivernos hoje nutna orclenl militar global em cìue, ern resultado
da
¿ictual-
indr,rstrialização cla glleila. a escala c1e pocler clest¡,ridot'cio ¿irnramento
processo tem
rnente espaihaclo peio munclo não tet-n precedetltes. Mas este
dos
coincidiclo, clo ponto cle vista cle Giclclens, coll-ì Lll-na pacificação intet'na
estados. As guei'ras cir.'is não sã9 loje tão frequentes col'ìlo eram
no período
pré-moclenlo,. enl qlle -{!---q-1y11-Q-ql,,4q po-4-9i--ir!.!!try, acompanhadas
de fre-

iioit,ór.otlflitos,.rott tntiit allormâdo qrle aexcepçãoì6'' :llf'"'rryr


i:ir" pp 106-7

medieval
Opinião cllfereilte tem Umberto Eco, que cottsiclera semelhantes' no
e no contemporâneo. as conclições de violência. Eco compafa
o sentiinento
de apocalipse qlle prececlett ao ano 1000. corn os teillas recorrentes de
do
catástrofe ecológica e atómic¿t que se registam agofa, com a aproxirrlaçño
possír'e I
ano 2000. Se é possível estabelecel u1n paLalelo histórico' é também
estabelecer outro. psicológico. p¿ìra a itlsegut'ança senticla na lclade
Média e
que
no rempo pfesenre. como {i¡qa este autor. na Idacle N4édia algr"réni
esiivesse nos bosques à noite ientir-se-ia rodeado de presenças
maléficasl ¿rs
cla cidade sern
pessori-i rìao Se aventurari¿tm a it' llluito pat'a fora dos limites
irem ârrn¿rdas. Hoje o branco da cl¿isse-mécha, habitalle.ciò Nova Iorcige'
do metro-
laé"-i11iì ao Central Park depois cl¿rs cinco da tarcle, não se 4peia
politanó àm H¿tLletn, ne¡r viqa cie netropoiitano de noite' Simultane¿imente
tal como
o roubo torna-Se prática revolucionária, raptani-se embaixadores,
um carcieal e o stg sécltirto pocìeriam ser raptados pol' um qualquet'Robin
geral é o
dos Bosques. P¿rr¿r ljmberto Eco, o toqlle fillal nest¿t inse-{ltrança
com fazìatr-t
facto de ¿ìgora, colllo n¿r ldacle Méclia. a guerfa não ser decl¿rracla,
ìr U nrbcrttl Ëco. rrP. r;i/
os est¿rclos liberais modernosrr. pp.79-80
clupla influôn-
Finalmente, irnpõe-se unla últtma 1e-ferên1ia à religião e à su¿r
cia. sirnulianeamente colllo prop¡ôiadota cle refírgio lelatìr'anente às
¿rtri-

br.rlações cló cilir'¿t cûit, e fontà de ansiedade e apleensão mental


Estes as¡rec-
á agora ¡ecot:
tos'SéiãÓ'-reþeticlarr-retrte focados neste manlÌal, peio que bastar
e socioló-gica'
dar a ce¡traliclade clos fenómenos religiosos na an¿ilise cultural
um meio de
Jír foi ttiertcionaclo o moclo como a religião pode servtt'colllo
e pocle aclescen-
coclifrcação cle un tnunclo incompreensír'el ractorralmente'
o esp¿ìço
t¿*-se. colro sinal contrário, o moclo como a religião pode ocupar
psicológico da ansieclade. V..ç:lçnq,s, ao abord¿ìl'a-s teses de- M-a-¡)V-e,bg-!l-9,9"119
¿ì religião pode afectar a vida quotidiana gerando tensôes en!r9 pe91g9 9,.
iatláçao, e proporciop¿tndo orientações de concluta, para a salvação,

Giclctens lijl'lnl. tlit cotìclttsito tio sett ar-sttmcnto. qlte o risco c o perigo'
experimentaclos em reläção com a segltr¿ìnça ontológica. se seclllarizaram,
t¿rl como a maior parte dos aspe ctos cla vida Sociaì. O q.y1-q-c1o, agora e'struttlraclo
preclomin¿ìntemente por qlillclç¡s pelo próprio ho¡nem, reserva pollco
lis-cos
espaço influôncia ciivin¿r oLr à propiciação mírgica das forças or Oô! i;ffi,:
¿ì

tos clsrnicos. Unla concliçiìo ccntlill cia lrtoclcnticl¿tctc seri. aincla segunclo
Giç1clens, o fiÌcto de os riscos sercrl-ì. eni princípio, clefinicios em.tq,-mlos de
conlÌecimento'generalisável acerca cle perigos Potqnciais' e já não ern tet-
mos cle <lsorte>> ou <<foftlrn¿ì". Quando !9..c-.glheçe o ¡isco e se reçQnhece a
slta existência aceita-se a possibiliclade de que as coisas possam corre-r rìal,
e de que eSSa possibilid¿rcie não poSS¿ì Ser elimin¿ldzr. Paradoxalmente, no
entanto. as crenças t¡aclicionais no destino não desapär'ecelr, na Lnodemidacle,
e qU!Ìnclo os t'iscos são maiores ess¿rs crencas tendem a reaparecer colll mais
rs
Gicldens. op. tit.. p. lll lor'ç ltr'.

Bp-derá, assim, afiru14,¡ie qlre,it -t¡-!]ql!çqi-o p,a¡qnlodqruid4dp nãlo sli¡t:r,rxq-u


a.

completame._¡-t-le, a_ sägaclo. neni ficou clefinitivamente mafcada pelo seculär


e pelo profano. No-j!þ a dìa os ele.mentos- c.ulturais do sagraclo sãìo-Llr.e...U.9s
vi-síveis clo que as racionalidades e as rotirìas das actividacles.mundan¿rs.
Porém persistem traços clos elementos do Sa-qrado etrr pelo rìenos três pla-
nos cl¿r anátlise cla cultura: a cfença em Deus e em certos r'¿rlores tnorais
tradicionais, nos discltrsos e nas prátic¿ls cliscursivas que regrtl¿lmentam o
comportäi1-rento e, finaln-iente, n¿ìs col1-ìurlidacies <irnagtnadas> e ideologica-
r" O capítulo da at¡toria de mente coustrLlicl¿ìs. colno iìs naçocs e o sell sentlclo cle identid¿iclere. No pró-
-f
Kenncth honrpson intitL¡Iado
ximo capítr.rlo começareû]os. ex¿ìctarìente. por cieb¿rter este írltlmo aspecto,
Iìe yi o tr, l'ul ue s u nd I tl e o ! o gr.
¿t cotìStrução c1a identidade nacional, que se nos afigr-rra central pala o
I i

integrirdo no volttnte Socl¿¿1


und Culturll I ornts rtl
enteclimento da cultr:ra inglesa no pelíodo ectrh' ntoderrt'
ùl o d e n ti Ít . xcl. Robert Ilocock
lnd Kenneth Thotnpson.
1991. Canrbridge. Polit-v Outros aspectos pocleriam se I isolados. no seritido cle proporcionar uma mais
Press. pp. 321-i66 drsct¡tc contpleta sistematização clos traços de mttd:inçti. em ternìos cultur¿its e socztis,
estes aspe ctos da i'olmação tlir
motlcrniclade clo pré-moderno p¿ìr¿l o modt:rno. A tl'¿insfot'mação das relações huinanas.
nomeadamente nas esferas do púrblico e clo privado, dä ätt-lizitde e da intimi-
clacle. clas relações farniliales e Sexuais, o papel clas mulheres. as relações
entre a<iultos e criancas, corrstituem outras tantas temitticas qr,re tôm vindo a
anin-i¿rr a anírlise cultural. N4as. de algr:ma maneir¿r. elas acaballl por estar
incluíclas rìos campos mais vastos do local e do -elobal, das relaçoe s cle krrrslrl¡i
e cle moclelos otleritados pela afectividacle. Direct¿t ott indirectamente, estas
temáticas serão aborcladas tambénl ao longo dos capítulos qlte se seguem.
.i¡

Actividades

1. I)escreva as muclanças que pode encontf¿lr na estrutura da família ao


longo do período mediet'¿tl.

2. Relacione essa estrutllra com a estrutlu'a do pocler e a hierarquia social'

3. Enuncie os principais traços do universo religioso medieval e interptete


a clLipla possrbiliciade que este oferece, en-ì termos de confiänça e cle
risco.

4. Enuncie os principais traços cla cultura popular medieval. relacionanclo-


-os com a organização social e com a cosmovisão religiosa.

Bibliografia sugerida

BLTRKE, PeteL
1gg4 Populur cuLtLtre in EcLrll, Modent Et|'ope, carribridge, scholar Press'

GIDDENS, AnthonY
1991 T'he conseqLtences oflvloclernin; cambridge, Politv Press.

STONE, Lawrence
1990 The l;cLntih" se.r ctrtd lvlctrricLge in Englcutcl; 1500-1800, Lotulon.
Pen-euiit.

THOMAS, Keith
1991 Religiort ctntl the Dac:line oJ'M&git:; stLttlies in Popular Beliefs ìn
s i.ut e e rtt h ct ncl s et, e nt e e ¡ û h c e t ú u t't ErL I lct ncl, London,
Pen-9uin.

THOMAS, Keith
l983 the NcLturctl Woilcl; Chutgirtg AttittLclas itt Ënglattcl 1500-
lvlct¡t cLtul
- t 800, London, Penguin'

THON'{PSON, Kenneth
1993 <Religion, Values ancl Icleologyr, in S'o¿:ir¿l uttd CLltutal Fonrts oJ
lulotlernin" eci. Robert Bocock and Kenneth Thompson, cambridge,
Politv Press.
J tì,

II. A FORMAÇÃO DA MODERI\IDADE.
O PERÍODO EARLY MODERAI
:.!F_

Introdução e objectivos de aprendizagem

Virnos em tr¿ìços largos, ng&-r-rry-iiq o percurso-(a forrnação dî-tl+ç-{,o"


-P-*L*e,
instituições reco-
ingl"-9,¡.1,-gstrutr.rt a*do-¡-a [i¿-q.Cãq"ci-e -Un-e.lÍngU"!l ç-,o.-¡¡.tu-m, ern
nhäöi¿as pela sociedacle em ger;rl, na formação de uma cultura comum. O
termo <<comum>> inclica um toclo social, onde se distingr.rern as chamadas
.,classes sociais,r. que se diferencialn qLrer pclos seus rccllrsos financeiros.
'quer pelos hírbitos, usos, costumes e exigências da vida em sociedade. h{ão
obstante ciiferenças evidentes no quadro cle uma hierarqr'ria social, parece
existir, em finais clo século XV u,T.a--99nsciência.c-o.þç,ti-u"-q--d"ç.itllg-..q.ll+-ç{q
ingle_sa possui ttma esp.qcifici-dade ç1qe lhp é própr.ia. e que a distingue dzrs
oulras nações europeia5. Poderem,o*s-d-__e-,qi-gnar.-esta consciência comttm por
i!-e-n!idade nacional.

Iremos. agora, tratar da consoliclação desse princípio de identidacle, asso-


ciando-o ao conceito cle moclernidade, ¿rtravés da definição, descrição e
interpretação dos elementos qlre contribuem claramente para a especificidade
cla cultura britânica. e que ocorrem dttrante o século XVI: a Reforma, que
¿tssu_trìe em Inglaterra caractetlsticas diferentes d¿is Reformas continentais.
cle Lntero e Calvino; oË**g,$t.rq9_britQ¡r;co, que plepq,la o caminho pata,a.
R"þlT?: e que clará h1S11 a yma. forina tnsular e tardia de Renascim,entg,
qr" t" .unifesta .m .ipr"stões próprias, ajttstadas às circunstâncias da
nação inglesa. fh-p.ll-gs-.!l-ore e a U^|g-Pia merecerão referências específicas,
corno ilu,straçãg cie alguns aspectos centrais do len¡11rne|to hurna.11¡t1

No capítr-rlo seguinte, tratar-se-á de desenvolvimentos e novos arranques,


próprios da cttltura e da socieclade inglesas, ocorridos ao loitgo do século
da ReformaAnglicana.
Xy_lI,cotr-i o acentuar cle algumas das características
nome¿rclantente no de-Sç¡1volyiU:r,en-to, d-q. PUt:itan-iSm'O. O pensamento polí-
tico será objecto cle estudo, perspectivado no P.e!s-ame!!o dq L-o1k-e. q de
tf.obbes, inclicianclo já posterioles desenvolvimentos' A Reyolução Cien!í-
,fica será t¿rmbém perspectivada. sendo feitas referências específicas a.o--pen-
samento de B-acon e de Ne¡1-t-o-p.,-..

Trat¿rren.ios, clepois, cla-cuqgterização da.cll-tura po-pulal- e da cultula {a¡


élites ao longo tlc toclo o pet'íocio. já que. em muitos aspectos. se t'cgistiitn
'ðoìiiint
i¿odes que nos permitem Ltln triìtamento globalizante. Porén-i, os efei-
tos cla Reforma e clo Pr-rritanismo sobre a cultura populal merecerão referên-
cia específica. Finalniente será feita um*-s,ll!9.T1t1zaçio das g-1a¡t9.t-l..lilþ.-q.l
de nuclança cia sociedade préli4duqtrial para a sociedacle industrializqdl,
- Deverá ficar claro o quadro do período early modern, e dos nexos que o
relacionam com o Iluminismo e com a Revolução Industrial. Os objecti-
vos de aprendizagem serão:

Problematizar o desenvolvimento das estruturas do podel', em Ingla-


terra, r,erificando um ptocesso tendente à centralização' que começa
a ser visível na dinastiaTudor. e se acentua. ao longo do século XVII,
que será. porém. contido pela intervenção do Parlamento'

Entender as inovações introduzidas no pensamento político e social


do século XVi e XVII, e as suas implicações religiosas. pers-
pectivando o httmanismo, a Refortna e o puritanismo no contexto
social e ideológico da época.
',: 'fij!_i.i.
r. , ,. .,.ì .
L.r'i,r 1.;,:'t.¡.: i¡:.i. I. i:.ir. ,1,,,..-
!.:i-..Ë':r''r

Perspectivar as mudanças epi.stemológicas dos séculos XVI a XVIII


eill contexto europeu. e reconhecer o quadro de inovação britânico
na Revolução Científica.

Conhecer a estrlltllra da sociedacle earlv modent e as expressões cul-


turais que lhe são próprias, entendendo os processos de transmissão
cla cultura.

Sistematizar as grandes linhas de mudança sócio-cultural neste


período, reconhecendo o contributo teórico de análise de algr-rns
autores contemporâneos.
1" A identidade nacional
r-
Surnário

Trata-se cle um capítr,rlo introdutório, qr-re visa çJtrili,-c-ar o sentid-o--d*os'!-9"l.no:-


'e¡lil_d--o.,-¡-ação' e cle '!d--q.llqlçlgÍi.e_,qa,ç-io..na-11.. -os conceitos associados a estes
telnos são fundamentais p¿ìra a interpretação da tnodernidade, e da cultura e
sociedade inglesas em contexto moderno.
f.i A questão da identidade nacional

Antes de situar o delrate sobre a sociedade e a cultura britânicas rlo


enquadramento cios séculos XVi e XVII. é importante clarificar o conceito
cle identidade qr-re lhe será subjacente. Falamos, neste momento, de iclenti-
dade nacional, e não cie identidacie pessoal, acloptarndo Lim ponto de vista
idêntico àqr-rele que Str-rart Hall define, t-tos seettitltcs terlnos:

... riational iclentities are not things we are born with. but ¿rre formed rvithin
in relation to represeiltctÍir¡n.\Ye only ktio'"r, what it is to be <En-elish>
¿rncl
because of the way <E,nglishness> has come to be represented, as a set of
meanings, by english national culture.i ' Stuon Hall. <The Question
ol Cultural Identity", in
lvlrtrlernitt untl il.¡ [;utures.
Explicitando esta posição. o re.f,e11do autor infere -q!l,e.Llma ¡lilção- ¡ão é ap.e-- 1992. Cambriclge : Polity
nûs urrìa entidade pglít19a, mas é lam-bérn algo que produz significados - 11171 Press. p.293.

si.çià'mu cle repre.settttrçîty1-cytlt-yLt'al. As pessoas não serão, então, apenas cida-


ciãõs legais de Lilnà rraçao; pal'ticipiìm na ideia de nação. representada na sua
cultura nacional. A nação é uina comunidade sin'rbólica. e é desta condição
que decorre o seu poderpara geral um sentido de identidade e de aLlegicmce.

Serír apenas no período moderno que se poderá coiriecar a falar de culturas


nacionais. Como verentos. no caso inglês, a i¡þþ de naç-ão.co"-n-g-ç"-q'L-!^ql-*
e x p re s s ão ao I o n g o do_,:ç ç-U¡l-qX-YlJn q u an to .n a a-c! e M é-d ia a q I I g g i t1 t c
-i-d I 9
era þiéliâdìi-ið-iãünu'. e a iclentificaçrìo possível se faria. eventualntente,
.om o gtttpó faililiar a qlle se pertencìa, já no período moclerno começa a
oq::ar-se a transferência do sentido de allegiurce e de identidade partr o
esì-âäô-nação. Antes de observ¿rnrìos o processo cle construção da cultttra e
da sòôiedade inglesas no século XVI, torna-se indispensír,.,el examinar o coti-
ceito de estado-nação e defirlir os nexos elltre ¿ì esfèra política, a social e a
cultural, na anáiise da cultura cleste período.

De lorma t¿ìvez um pouco simplista, pocl.e-¡-q peilsal se lo go!erno medie.val


elìt termos clo rnonarca, da sua Casa, e do círculo imedrato cle conseilieiros e
pcsso¿ts clcientoluç cic postos públicos. Estc Illoclclo colìtl'asta cottt lquelc
clue, em princípios do século XIX, jí
vigo1q,l na malor parte dos est¿rdos
ç¡!.,opit,i Entre o sécr:lo XVI e o sécuìo XVIII ter-se-á desenvolvido o
estado
moclerno. senclo incltspensírvel acompanhat' esse desenvolviulento no c¿Ìso
britânico. que veio a tornar-Se. etrl dil,ersos ¿ìspectos. modelar para outros
e staclos.

Os te¡mos <<estado> e <est¿rdo-naçlLo> serão r-rtilizäclos para referir dois pla-


nos cla mesma entidade . Pot- ,.estado>> entenderse-á irquilo qlle se pode des-
: ;\. Shrlps. [.urh trlolertt
crever como o apare lho cio estado: as institr-rições. o pesso¿tl e as ideolo.eias J.
[:nglantl: .] .5¡r¿ lrl1 IIt¡tor.t
clue srrnultaneatnentù con¡tituern e .rpoiatn as estrutttras cla autortcl¿icler. I 550- I 7()(). 1991. l.onilon:
Por <est¿iclo-ittição> etltencler-se-á o con.ir-rnto cle lnanif'estações que se expres- Iìcl* aril ,.\rnl'ld. P 99.
F

sam na cllltura nacional, e que têm ver conl os padrões cie literacia. com o
¿ì

Llso generalizado de uma úrnica língr.ra vernácula conio nreio de comunic¿r-


ção em toda a nação, com o desenvolvirnento de sistenlas n¿icionais cie trans-
missão do saber, como o sistena edncativo. quc. no seu conjunto. criam
lormas de representação entendidas e partilhadas por toclos os cidaclãos. Nest¿r
acepção poderá falar-se também de cultura nacional ou de cultura inglesa.
mas ter-se-á sempre em conta os elementos de uniclacle e de diversiclacle que
a compõem. a fim de ser possível problernatizar as tensões e os contlitos qlle
lhe são próprios.

No que se refere à ideia de identidacle cultural importa clistingr-rir al-eu¡s


planos de análise, que visam clarificar os modos de forrnação cleste sistema
de representação que, r.ìo período contenporâneo está sujeito a inúrneras
erparentes contradições. Se_euindo ainda as propostas cle Stuar[Hall. podere-
mos seleccionar cinco elementos que sintetiz¿ìm ¿ìs estratégias atrar'és das
quais se reproduz a ideia de iclentid¿rde da cultura britânica:

1) A histór'ia, a literatura. os meios cle coinunicação e a cultura popular


n¿ìrram um conjlrnto de histórias. evocafit imagens. símbolos nacio-
nais. ritr¡ais. paisagens e cenários que representarn as experiências
partilhadas que dão signifrcado à nação. como membros desta comu-
nidade. ima-qinacla e narrada, as pessoas sentir-se-ão parte de um des-
tino n¿rcional. que lhes é anterior. e que continuará depois delas. por
estes meios serão enfatizadas as ideias de tradição e cle heranca naci-
onal. num percurso de continuidade qr-re vê o presente como o flores-
cer cle uma longa evolução orgânica.

2) A ênf¿rse nas ideias de origem. continuidade. traclição e intem-


poraiiclade. que valorizam urìa noção de carácter nacional uniforme
e imutár,el. atrar,és dos tempos. Este <carácter nacional> estar.ia ¿rsso-
ciado à icleia de construcão do Império Britânico e dos valores que o
orientaram.

3) outra estratégia par¿ì a preservação cla idei¿i cle iclentidacie culiural


consiste na invenção da tracirção. Mr-ritos dos rituais que. hoje enr
dia. parecerr ter origem em tempos remotos. têrl. de facto, origcnr
nos finais clo século XIX ou mesnlo no século XX. No entanto. a su¿r
configr-rração e repetrção. evocam a continuiclacle c1e um passzido his-
tórico. que gar¿ìnte a preservaÇão de certos v¿rlor es e normas de com-
portanlento.

4) o rnito da fr"rndação da nacionalid¿rde contribur. também. para a cons-


trução cla cultura nacional. As oligeris cla naçi-io lcrnontariam ¿r uin
per'íoclo renloto - o anglo-saxónico oncle se correçariar-n a clelinear
-
qualiclacles naclonais que teriam continuiclacle até ao presente. Esta

Ê-__---
visão da funclação da nacionalidade. associada à ideia de continui-
dacle e de invenção cla tradição reveste de sentido, e torna inteligÊ
veis, os desastres e as confusões da história.

5) Finalmente, a identiclade nacional é frequentemente associada sim-


bolicatnente à ideia de um povo puro e original.

Ao enunci¿rr estas estratégias cie representação da identidade nacion¿r1, Stuart


Hall tem a intenção cle negar a própria ideia de iderltidade. No seu entender'
estas estratégias constituem tnstrumentos que têm a finalidade política de
criar a ideia de umet grande farnília nacional, anulando assim os focos de
tensão e ruptura que decorrem das diferenças de classe, género' raça. etc.

Embol'a concordemos com Stuart Hall, na ideia de que a identidade nacional


é. no munclo moderno e na Europa Ocidental. um mito, já que nenhuma
nação é contposta por Ltm só povo. uma só cultut'a e ul-lìa só etniar, não 'stuart Hall. op. t:it.. p.297

deixamos de reconhecer a lmportância do conhecimento das transformações,


ocorridas I-ìo tempo e no espaço, que estrutlìram a cultura moderna e con-
temporâttea. Procurar-se-á, pois, clistinguir. na análise qr:e a seguir se fará,
aqurlo que é, com a objectividade possível, elemento constituinte da socie-
dade e cla cultura britânicas, e aqttilo que é a elaboração teórica, tendente a
interpretar e a dotar de significado a mesma sociedade e a nlesnla cultura'
Nem sempre será possír'el clistinguir com total clareza os dois planos. daclo
qLìe as análises históric¿r. sociológica e cuitural são. elas próprias. orientadas
por princípios de selecção e porìtos cle r¡ista que diluem a factualidade dos
dados na perspectiva teóric¿t qlle os organiza. Se é necessário, hoje' desmon-
tar as ideias aclquiridas sobre iclentidade nacloilal é porque esta ideia existe
cle facto e tem contribuiclo para distinguir as diferentes cttlturas dos diferen-
tes estaclos. Por isso, nas páginas que se seguem. falar-se-á fì'equentemente
no nascimento cle um sentido nacional que, segundo as anâlises históricas e
culturais, se começa a clesenhar com alguma clareza em frnais clo sécr"rlo XV'

Actividades

Comente as propostas cie Stuali Hall. quando define os cinco elementos que
sintetizam as estratégias através das qr"tztis se reproduz a rdei¿r de iclentidade
cultural britânica.
F

Iìibliografia sugerida

HALL, Stuart
1992 <The Question of Cultural Identity>, in Moclerni4, ctncl IÍs Fufures,
ed. Stuart Hall, Davicl Helcl ¿rnd Tony McGrerv, Cambr.idge, Polity
Press.

STIARPE. J. A.
1993 Earl-v Moclerrt Englancl; A Socìctl Hìstory, 1550-1760, London,
Edward Arnold.

ì:.:,

¡t t¡
li i:l

ì..
lr,
¡rt
f.
:fì.l
,::j :: 'i i'
.i:,,
:iii i,:.
j::,ìl

¡ù.t ¡
2. Os Tudorse o Humanismo e a Reforrna
Sumário

O presente capítulo tem por objectivo a apreetrsão de três planos comple-


mentares de entendirnento deste período, cujo conhecimento é furldamental
para a análise da cultura inglesa:

i. A formação de um sentido nacional. associado aos monarcas da clinastia


Tudor, perspectivado através da Reforma Inglesa na religião e att'avés
ci¿rs reformas administrativas. muitas delas decot'rentes do próprio pro-

cesso de Reforma religiosa.

2. A ilustração do espírito da época nas refþrências aThomas More e à sua


posição no quaciro clo httm¿rnismo europeu.

3. O períoclo isabelino. os novos equilíbrios em matéria de religião' o


florescimento de ttm renascimento tardio.

O suinário dos conteítdos é o seguinte:

" A formação do mito Tudor e a acção política de Henrique VII.

. O Humanismo e os funclamentos teóricos da Reforma; ¿ìS posições


de Lutero.

' Thomas More e Uto¡tiu.

. A Reforrna Henriquina.

" A continuação da Reforma.


, O compromisso isabelino.
F
2.1 O rnito Tudor

SegLrnclo-qt!.versos testç¡ILl¡lho-s.-c!¡1 f-poca. já em m9tido,1 çt9 sÉ-tulq4V-o--S ...


ingles-es.s".g9ns.lcl-eütv.anlsuperiorcs ¿i QLIU.ol e rnT-gjlvan-r 9
povo!..............,'
f.:.tt.--d-e.f
pl¡-zo-q_c1m gale,ses, irl-4n-d.e-ses-oq !lq¡¡er1go,¡..4o mesmo tenpo' v'i-f!!È!!91
cstrangcilos. tìotiivatl. O olgtrlho qllc oS itt-Ulcscs titlhlttn nû stla ol'igetn c
tjgg'.' o moclo cor"t-ìo ¿rferiant as eventuais virtr*rdes cie otttros povos
peias
; ) O,rlt¡rtl H i.¡to rv t¡.Í Brituitt'
rîäî'. Em meados clo sécr.rlo-Xyj, r'isitantcs verleziatlos oLt espanhóis, que
vol. II.7/i¿ I'liddle t\g,es,
II a Inglaterra, notavjrlllçorn qqti-tt.tthçzq-q ¡¡ì-oç19-q,ql.¡.lo
aconpanharan-i Filipe l!)91. Orford: Oxlo¡d U. P.
em
ou ¡¡1gl"r"¡ pareciam clete¡lar -!.ç¡dq -o- ç¡-19 ¡r.ão fbsse lnglê-q' desprezando
pp. ll5-137.

que
especial os fr¿rncesel,Q os espanhóis; estt'anhal'am, tatlbém, a liberdacle
os ingiesôs clavant ¿ìs su¿rs ntttllreres Or-rtro¡notivq.-dP estranheza estava
no -

faiið ¿è os ingleses p¿ìrecerem ser extremamente violentos ulls com os


()Lttl'os. e trrn cliplorttlt;.t venezillllo eSCl'everie ttrcsmo. ttOs printcit'os atlos do
reilllrclo cic Isabcl Iqtre. pol incrír'el qLtc parcccsse. llos villtc enos atrtcl'iot'es
qua-
tinhani morliclo, cle morte violenta, três príncipes reais. quatro duques, -
: Shllp.-. ///r ( ¡f., Pp. :l-
renta condes e m¿ris de três mil outras pessoasr'

Não obstanre a esrranheza qlre c¿ìLìsava na época. aþgiaterra-T*9_-ol"-p-:L$g[:+'--*"


ser vista. retrospectir,¿ìt-nente, cq¡:,.ç*U.lx espaço e um tetltpo o1-cle- c,q¡¡yqrg1 .
r¿lfi'irqqcles, taiäñîos e prixõe s. e'i grau si¡rguìar'.Ienrique _VIII e Isabel I
são monarcas que continuam a estitnular a imaginação- quel pelas
vicissitu-
des clas suas viãas pessoai.s, quer pe]i1-i1gl1l dlg-!.e.-os rcspectivos reinados se

passaranl a revestir' Sii flionrâ's lraofe c-QL!i-n-r-ra a ser paracli-grna d--e--c-oncluta

Francisl,"aîõñ de irnaginaç¡r.o- .y.is1o-¡-¡il-i-a, 'cie u"m. fqlqro


sec.g1+,¡-,-yl.rt-uosa.
r"giil ¡;i;-'óiência " p.lã ì.ii4-o. Shakqspeat e ,será sempre útnico e o *liof q"
todqs os poetas, mas também Marlowe e Spencer evocalll as angústias
uni-
vers¿ris cle F¿tttsto e as alegorias clttFuerie Queene. ARefol'ma' o desenvolvi-
mento do Parl¿rmentcl, ¿t c1e rrota cl¿r Armada Invencír'el, o estilo Tudol
e tan-

las olltras ref'erênci¿rs. hoje iclealizacias pelo menos em parte. contribuem


para a her¿inca cultut'¡il britânic¿r e pâf¿ì o sentido de identiclacie desta nação,
mas não poclern, por isso, deixa| de ser analisadas e perspectivadas'

O charnado mito Tudor form¿i-se. retrospectivänlente, com a vitória' no


canlpo de Boswilrtl"i, do Conde de Richmoncl sobre Ricarclo III Mais
rigorosamente, porém, é hoje sabido qtte clurante os trinta anos em
que

decolreram as Guerras cJas Rosas. est¿rs tlão plodr-rziram setlão t-feltos


parce lares e esporírclicos sobre a população inglesa' e a vitória
eil Bosworth
Agostct cte lzl85) não cleve ser r'¿iloriz¿rcla para alénl da constatrição
de
(22 cle
ruma imenSa sorte clo lacio cio vettceclot'. Ou seja, a vitória de
Bosrvorth nãcr

veio pôr ternlo a um conflito com impacto nacional' no Senticlo cm que


a GueiL¿t d¿ts Ros¿ts puclcsse ser etttenclicl¿i conro Lll-tla -querra civíl' Este
aconteci¡rtcntO, tio clliulltO. pct'rnititr cOnl'irnlaL a ¿ìLltO-prOCl:rilação
qLle o
como
Condc cle Richnioncl frzera. cont ef'eitos a pal'tir cia r'éspet'a da batalha,
g:
;,: a
ir'iri
ìr't i
li: 1

l:l:
å ¡rj
aì:
i Rei de In-elaterra. O casa.nento a seguir realiz¿ldo. com lilizabeth cle York.
:ì:i l
i:r'1.: filha cle Edual'do IV. veio garantir a p¿ìcificação entre as ciuas Casas, de
1.,:,
¡:'. Lancaster e cle Yolk. reforçacla. ainda. conì o nascinlento cie qLratro príncipes
ii: :
t::: e princesas: Arihnr (1486), N4argaret (1489), Henry (1491) e Mary (1496).
i- ì,:
:ilr
1::
O reino. no e nt¿ìnto. precisava cle unta estabilidade qlre não podia ser giìr'an-
tida apenas por Lrm c¿ìsame nlo e um¿ì coroação. F{enrique VIX, pala continu-
ar no lrono, teria clue sarantir à monärqui¿ì e ao rei um podet clue fosse reco-
nheciclo conlo slrprenlo pe los grarìcles magnates. Por olrtr¿ìs palavras. o Rei
não teri¿i simplesntcnte qLrc rcirìiìr: tclia tambén-ì qlle governar. A tarefa cle
consolrclação e establlizacão da coroa e clo reino ocltpolr a maior parte dos
prinreiros ¿rnos clo reinado de Henriclue VIL Embora o modelo de
governo seguido nos primeiros anos do seu reinado não fosse rnr"rito dife-
rente do medier'¡r1. a escolha c'los con.selheiros provou se r inovador¿r e eficaz.
Em lr-rgar cle se locle¿rr dos grandes do leino. conio fbra hibito dos reis in_sle-
ses. Henrique VII conìecolr ¿ì recrlrtiìr os seus conselheìros segundo o crité-
rio dä contpetênci¿t. independentemente dä oligern soci¿rl, Os glancles senhores
c1r:e também fizeram parte clo seu grlrpo cJe conselheiros sabiani tel' siclo
t O.r.l¡trd Hr.rt¡trt ol BritLtítt escolliìclos pelas suas qualiclades e não pela sLra posiçãor.
vol. III. 7/i¿r'lutlt.¡ts untl ¡lte
Snrr¿r'¡.ç. 1991. Oxlord. Orlord
U. Iì. pp. l2'1.1 Os conselheil'os clo l'ci rcuniun nuul conselho alargado . o great cotutcil. que
S. T.Ilindoif.'litdrt r [:tt g Lut ttl. integrava patres do re ino. di-enatírrios da I-9re1a, jr-rizes e luncioníu'ios reais,
I967. Flarmontl-srvolth. Pcn- bem cono ciciadãos proer-ninemtes. Este conselho reuniu ¿ìpen¿ts qlt¿ìtt'o olt
guin. pp. -58-(r3.
cinco r,ezes dur¿inte e ste rein¿ìdo. Coln maior lrecluência reuni¿r um conselhcl
reduzlclo. clue veio a ser coilheciclo apenas por cottncll- Este. por seu tllrilo,
tem de set visto conlo subdil'iciiclo em dois: um conselho alargado. corrì
cel'ca de 150 nomes. clue incluíam pläticamente tocla a nobrcza e a inaior
parte do clero supelior. e qlrc criì riu'¿uÌrente co¡rvocaclo. A sua existência
confirma. potém. ü noçlìo cle que estes são os conseltreiros n¿rtur¿iis do rei.
Oütro grupo. iluito mais leduziclo. reunia coin fì'ec1r"rênci¿i e constrtuía o cotr-
selho pesst¡al do rei. |i'¿t sua conlpo.sição e nträr,atn notnes sern títll-
-{randes
los cle nobrez¿r ou forttinu. quc nrcle ciam ¿r confiança pessoal do rei, ¿ì qlrenl.
por selì läclo. prestavant f idelicladr: absoluta. Ilenrique VII dornina\¡a pot
cornpleto o selr consLìlho. e lntervinha. clirecta e pessoälrnente. nos assuntos
da -governação. rnclusi\'¿lnlente na criação cie uni sistema de re gistcls. desti-
tr¿rclo ¿rcontrol¿ir as finançäs e a ¿iclministração. clue o próprio lei verific¿rv¿i.
píigina a pírgìna.

O recr-rrso iì competência acln-irnistratii,a. indepenclenteniente c1ä ori-ee m soci¿rl,


ó sem dúlvida. inovaclor. \,ias Henrique VII não de ixava de reconhecel'que ¿ì

seguranÇ¿ì interna e e xterna cle pendiam ainci¿r cio aporo dos gratrcles clo leino.
que não era possível alienar. nl¿ìs que cra possível contl'olar. Algr-rns clos
intrumentos cle controìo conce bidos e executados por Henlicltie VII e pe los
se Lls sllce ssorcs visar,anr o estabele cinrento cle penas. f'r'e quenle rrie ntc sob a
form¿r multas, cujo produto reverti¿r ¿r favor do tesoi"tro t'eal. As ¿ìIne¿ìçaS
c1e

cle revolta oLì oS ¿tctos revoltosos podian set punidos com a morte. rn¿ìS
também com as arnt¿ìs jurídicas conliecidas por crtttLitrcler e .fitrfeitut'e'. o
prirneiro consrsti¿i nLun estiìirÌto parlament¿Ìt que llroclaill¿ìv¿l uma conclenaçãio
por traição e decl¿irar,a que as proprieclacles da vítima seriam confiscacias
pela coroa (foú'eittLre). P¿rrece incliscutívei que Henriqr,re Vii tenha usacio de
um cor-rjnnto de meios cie coäcção prìr¿r controlat' a nobreza e equilibrar ¿ìs
finanças clo Est¿tclo. por vezes mesmo colll corrupção da jr'rstiça.

Sem pretender av¿ilrar csse s nteios, tcnl que se reconhecer que este monarca
lançor-r as t-rase s cle um¿r eficiente archninistração clo Estado. e cleu início ¿r un]
plocesso de lirnttação clo pocler individr-ral clos grandes m¿ìgnatas que ¿ìnlln-
ci¿r, clalat-nente. o f im do feudalisn'ro.

2.2 F{umanismo e fundamentos da R.eforma

Henrique VtrlI sLrbiu ¿Ìo trono erl 1509. ciecldiclo ¿'t ¿lument¿ìt'o poder t'eal.
Pa¡a tanto procuroll. nlìo aperirs scsr-ril r:ma política de concluista. ainda cle
,,moclelor, 1èLrclal. n-ias tambéln. pol t'¿rzões que iremos obsetvar. uma polí-
tica de relorma internl colll collotacÒes <imperiaist,.

No prìrneiro aspecto poiítica de concltiista aincla cle moclelo feudal


Ltm¿ì
-
p¿ì.recell clesejoso cle prosseguircls ideais medievais cle car'¿rlaria, cot]ti-
-nrranclo ou fecupel'¿rnclo as tradições de Ecluarclo, o Blac:k Prittce. e de
Henriqure V. As stt¿ts canlpanhas em Fr¿rnca foram ousadas e extens¿ts. de-
monst¡anclo por um lado a atìtude perante a ÐsLlerra cotllo desporto dos reis. e
por outro ri convicção de que ¿r horira se conqttistiì tio ciìlììpo cle b¿rtalha.

Mas foi no campo clas nteclidas políticas. rel¿rcionadas cotll a Re fortna. que a
acção cle I-Ienriqr,re VIII deirou mafc¿ìs. até hoje presentes n¿r cultura. naS
institLrições e na socieclade britânrcas. Esta re lerência específ ica ¿ro Rei, colrlo
¿rutor cle r.rma polítìca cle irlportância e repercttssões imens¿rs. é cleliber¿rcla:
Henrìc1Lre VIII esteve. de l'¿rcto. no cerìtro das clecisões. orlent¿rnclo pessoal-
n1ente a política e perinitindo aos selrs ministros e o.fficiuls apen¿ls Lllll¿ì
eslreita m¿ìr'gem cle liberclade cle actuitção,

¡\ Reforma henriqr,rina não f oi nnra sirnple s jogada poiítica de um nlonarca


ansioso por encontl'¿ìr Lul¿r solução legal para um protrlema se ntimental. Para
entenclelmos o conjunto cle acontecimentos que. ao longo clo século XVI
transf'orm¿ir¿ìlr a socìedade e a cultnra britânicas. temos cllte enquadrät a
Reforma no clima cle opiniiLo ellropelì e bi'itânicct que clebatiir lts qLtestões
reìrgiosas e políticas cla união ou seperrarcão clos poclet'es espiritual e tempo-
ral. be nl co¡no analisar as reprlclrssões sociais clas tlecliclas refornladoras.

t -il
Teremos ialnbénl, que ter elrt conta qLle a Reforma em Inglaterra foi Llnl
rxovinlento graclLtal e. em muit¿ìs clas suas I'ases, oficial'

l.{os aspectos estritamente processliais, ¿i início tlo princí-


Refoln-ìa teve o seLI

pio da décacla de trinta do sóculo XVi, com a rlìptur¿t de Henrique VIII corn
Roma, e com os ataqlles do Parl¿imento aos por,lefes da Igleja. Durante o re i-
naclo cie Eduardo VI ¿r Refornla tonlolr ¿ìspectos mais dolltllnais e caiVinistas
(1541- 1553).Após a morte cleS,[ary, que procurou o re-qresso ¿to c¿ìtolicistÌlo.
a Refornla completoLt-se. a partir de 1558, no reinado de Isabel I, com a
I Quentin Skinner. 7'Íc irnplantaç:ão desse <híbrido útnicoo. a Igreja allglicanar.
f:oundutiot¡s o.i itlodern
I' u !í ti t ul ['l to u g lt L vol. II. 7J¡¿: As teorias de Lutero, que estão n¿ì raiz cle toclas as Refornt¿ts cllropcias.
ANe o.Í lle.li¡nttution. 1992.
Canrblidge. C.anrbridgc U. P..
est¿lv¿ìnl estreitamrnte ligaclas e até deriv¿iv¿ìnl, eüt p¿ute, cle ttm conjttnto cle
p. 21. tradiçoes do pensamento medieval sobre premissas teológicas e cloutrìnas
políticas. Enunciando brevemente aS permissa teológicas. poderá dizer-se
que elas ¿ìssentam n¿Ì reflexão sobre ¿ìs relações etrtre o homem e Der-rs jír
ciesenvolvid¿ls no cìLladro da devotio moderna, un1 nlovimento sllrgido na
Alemanha e nos Países Baixos em finais do sécr-rlo XIV Para estes místicos,
a nâiurez¿ì human¿r é essencialrnente pecadora e a única via de salvação serír
a redescoberta da fé pessoal na gr¿ìça fedentof¿ì de l)eus. Nenhum acto
hnmano. nomeadamente a atribuição de indulgências plenárias peio Papa,
poderá alìxiliar o pec¿ìclor a atingir o mérito. Aúnrca esperança p¿ìfa o peca-
cior será o estabelecimenio cle nma relação de confianç¿ì cotn Deus, cotlsicle-
rando as Escrituras e as traciiçoes Apostólic¿rs como ítnica regra de fé.

Em segundo lugar. a tradição escolástica cla via moderna fundamentar'¿r.


também, o luteranlstno e o espírito da Reforma. Esta escola, pfotagonizada
por non-ìes de origern britânica, como Duns Scotus primeiro e lVilliam of
Ockham (c. 1285- 1347) clepois, reagirzr contra a doutt'ina Tomista de que a
razão, tal como a fé, tem um papel a desempeuhar no entenclimento de Deus.
Para Ockham o papel cla r¿zão seríi quase nulo para a questão do conhecitrìento
cie Deus - os clogn'ias da reltgião levelada, ¿ì existêllcia e os atlibutos de
Deus nunca podetão ser conhecidos através das evidências cla ralzão, mas
apenas pocierão ser provaclos teologicarnente sob suposrção de fé. Nesta linha,
Deus não ap¿lfece como o autor de leis naturais. clue será possível ao homem
apreender atra\'és cia razão e aplical n¿Ì sLra condttt¿t. ul¿ìs antes como uma
<<vont¿ide> ontnipotente e inescrutável. que age de modo aparentemente
arbitrário. A fé será assini considerada o único modo dc apt'oxirr-iação entre o
homem e Deus. o que le'u,anta a qllestão da relação entle o nlériio indiviciual
e a salvação. Os desenvolvimentos mais raclicais desta cloutrina irão clissociar
por completo o mérito tndivldual da ideia de salvação. argulnentando cltte a
natllrez¿ì hum¿ina é inc:rpaz- de conhecer ou de qllerer fazel o bem. peìo que a
salvação clepcnclerá apen¿ìs cla graça de Der-rs e não das obras praticadas.
A graça clivina será a.ssil"r-t nm dont de Deus. infr-rncllclo sobren¿ìturalme nte na
alnra do pecador.
Tainbém oS ataques de Lutero ¿ios ¿rbusos da Igreja tinha antecedentes na
Iclacle Média. Lutero locara as insuficiências clo Papado. e insistira ll¿l neces-
siclade c1e regresso à ar.rtorictacle das Escritur¿ìs e no restabelecimento de uma
forn.ia cle IgrejaApostóhca rnenos mundana. Jásebastian Brant ( 1458- 1521)
¡¿r slra N¿y,e ckts Lr¡LLt:r¡s ( 1494), lamentara ¿r decadência da fé cle Cristo cau-
sacla pela t'icluez-a e ilr¡ndaniclade da Igreja. e satirizar¿r oS <(loucos> que a
govrrnav¿ì¡1. cotll os corresponclentes vícios de simonia e ltcpotisttro. os
abusos cle espiritr-raliclacle perpetraclos por horclas cle monges glutões e pa-
clres ignor:rntes. o cfescente desprezo pelas Escrituras saglaclas.

Em Inglate rra for¿r¡n pLrblicaclas tracluções da obra de Brant ern I 506 e 1509'
e John Skelton (c. l460-1529) tipificou o pens¿ìIllento antj-clerical num
conjLlnto de sírtiras e m vcrso. Não será clespropositado tne ncion¿ìr que Skelton
foi tutc¡r do príncipe Henriqr.re. futuro Henlique VIII, e que alglllls dos setts
poemas contêm ataclues qtle parecem ser destinados ao Carcle¿iì lVolsel''
Estes pocierr ser et-ìteÌldicios cle ntodo mais geral, colllo ataques à hierarquia
cla lgreja. acusacla de ignorância. corrr-rpção, espírito mercenhrio e luxúr'ia.

Tanrbém o EloS¡io da Lottct¿t'ø de Erasmo, publicado em 1509 evidencia


sinais da influência de Brant. l)edicado a Sir 'fhomas Nlore' Moriae
Ertconútu¡t é uma oração clásSica, em qlle a Loucura de screve oS SeuS pocle-
res argunentancio que a guerra depende deia e que os hoinens se constitueni
em sociedacle por loucura e lisonja. Os seus maiores aclmiradores são os
membros mais notáveis cias profissões clo sabet, principahrente os médicos
e os honrens cle leis, nìas também os prfucipes e os selts corteslos. os ttiotiies.
oS padres, os bispos e. em especral, o Papa se contalll entre os seus admira-
clores e seguidores. Embora mais tarcie Erasmo insistisse que o Elogio dct
Lolc¿trtt tinha como objectivo orientar e não satirizar, air:dat'e não tna-eolL'
Í Janres \lcConica. "Eras-
mosif¿ìf aOs homens ColTìo tornalem-Se llelhoresj' não cieixa de Ser, então lrus"- in Ilcttttissttttcc'l'ltítt-
como hoje. urr leroz aiaque ¿ì <lor.tcur¿i> dos homens eni geral. da lgreja em kers. 199-1. Oxlord. Oxlord
Ll P. p. 98
pärtrcular.

I O HLuntLni,çtnr¡

O senticlo crítico patente no pens¿ìmento de E,rasmo pocle ser consiclerado


inclic¿rclote tepresentativo de uln llovo clima de oprnião que uão se circuns-
creveu ao clebate religioso, embora este tivesse lttgar importante. Este clima
c1e opinião ficou expresso llo inovinlento a qtte chlnraremos Renascimento

Nórdieo. cujos protagonistas cli¿tttlaremos humanistas nórdicos' Seria


reclutor pfocllr¿ìr entencler a Reform¿r sem ¿ì refèrôncra ¿ios hunlatlistas qtle .
clirecta ou inclirectamcnte, cLiir|ant as conclições de abertttt'¿ì a llovos saberes
e inetoclologias c1r-re .,,ieram rever' ¿titucles ttacliciol.t¿iis e ,,vercl¿ides, apenas
s¿rncionacl¡is pelo Lrso c nlto ttccesslLriltltlente pela razão.
C) estudo das humanidacles, con-ibinado colll o grego e o
latim, teve o seu
e na Uniyersi-
início em meaclos clo século XV em u¡iversiclades itaiianas
cl¿ide de Paris. Em lnglaterra já algun s sr:hc¡lcLrs
it¿riianos tinham começado a
exemplo notável
clesenr,olvet o gosto pelos estudos llovos, sencio o prrmeiro
o cìo italíano Pietro clel il4onte que aconselhou o Duque Humphrey
cle

livros e tÌ]alllls-
Glo¡cestet, irmão de He¡rique v n¿r compr¿l de numerosos
Aristóteles e
critos, oncle sc incluiam jír as melhores traciLlções de Platão,
Plutarco, ¿r totalid¿rcie cios textos conheciclos cle Tito Lívio,
as obr¿is n-i¿ris
moder-
imporlantes cle Cícero. e ttm gr¿ncle nún-iero cle tr¿rt¿rdos hum¿rnist¿rs
,-ror, q'-r. incluiam Petr¿u'c¿r. entle olltfos, O lacto de
o Dttqr'te Hurnphrey ter
entre 1439 e 1444
cloado perto cle trezentos livros à Llriivelsiclacie de Oxfbrd
contribuiu, ei-n n-iuito. para a clivulgação do pensetmento hunranista.
.fanibém finals clo século XV alguns hutnanistas itali¿rnos começaram
a
err-i
clifr-rndiram a
ensinar nas universidacies de oxforcl e cle C¿rmbLidge, onde
ttnt
cultura do Renascinlento italiano. Etrl brevc colllcclrilt a t'e-Qistar-se
n-iovimento em seniido contrírrio, or-r seja cle l¡glaterla p¿ìra
ltália, oncle oS
interessaclos nos .rr¿r¿ll a lttuntutitr¿Iis encontl'avat.ìl o
t]leio p|opício ao sell
clesenvolvimento. Algr,rns c1e1es irian-i clesernpenhar papéis
flllcrais no pro-
cesso cla Reforma em Inglate|ra. como veremos. Thom¿ls
I-inacre (c' 1460-
l'ormar-se el¡
-1525) é urn clos prirr-reiros a viai¿ìr para ltália. onde pretetrdia
meciicina,Mas em breve seria secluziclo pelo estuclo clo Grego e das humani-
activiclacle entl'e ¿is duas
cjades. continuando ao longo cla vicla. a dividir ¿i slta
jovens cla Linivelsidade
áres. l,{;,i úrltirna clécacl¿r do sécr-rlo xV um grllpo cle
cle Oxforcl começolì a emprencler um conjutrto cl¿t deslocações pelas ttniver-
srdacles italianas. Os expoentes mais importantes for¿im
l{illiam Grocyn
(c. 1449-1519). o seu amigolvilliam Latimer (c. 1460-1545) eJohn colet
(c. 1467-1519). Os trôs regfessar¿ìm depois a oxford. onde Grocyn leccio-
nou. errì 1ri9 1 , a primeira cacleira de Grego. onde Latirner
foi nume ado ttLtor
perante toda a
par¿l ¿ls humaniclades logo ä segr.tir, e onde colet proferii:,
comunicl¿rcle unir,ersitári¿r, um¿i célebLe série cle 1ições ou conferêllcias sobre
as Rpístolas de São P¿rn1o.

Ernbora OS h¡mauistlis tngleses tenhatn leito boa parte da sua form¿rcão


en-i

Itírlia. cle moclo algum se pocle peÍls¿ìr qtìe o rctlascinlellio e o humanismo


pelo con-
tnglês se fesumem à importaçoes cle mestres italianos. Asststimos'
e dos princí-
trírrio, ¿t Ltilt pfocesso cle assirnrlaçtro e transformacão das lde i¿rs
iìpoia llas
pios relevantes par¿ì :r experiôncia e interesses ingleses, qlle st-
técnic¿ts c1e investt-uação aplencliclas eln Itália. c sc clricnt¿r
predornitlante-
me nte para o pensanìento social e poiítico'

No centro cl¿r cultura hltmanista est¿ì\i¿ì ¿r ietlt¿rtiva de aplicar técnic¡rs llorlne-


noriz-¿iclas cle cr'ítica hrstórica e f ilolÓgica ¿ìos textos
do mutlclcl antigo Toda
a ter lr:gar
unla activiclacle de edição e traclução de textos clássicos collleça
com
eut F¡irnça. n¿r Alentanha oll el11 Inglaterra, oncle Linacrc se clistirlguitt,
¿ìsua tradução de Aristóteles. Mas as inovações clue prociuziriarn ef'eitos
revolucronários e cir-rradoiros não serian-i, plitnorclialmente. as tracluções e
consecprente clivr,rigaçãio clos clássicos. mas ¿'tntes os novos estudos sobre os
códigos jurídicos e sobre a Ïìíblia.

E,nibora não se legiste. etri InglaterLa, nenhttttt nonÌe nível de Lorenzo


¿ìo

Valla, ent ltália, olt de Guillaume Buclé, em Fränça, o impacto dos tr'¿iba-
lhos ciestes âLltores fèz-se. sem dúr,tda, sentir, o que i¡udarír a enquadrar
algumas nov¿ìs atttr,rcles f¿rce às leis, ¿io Estaclo e à Igreja. qlte se prcst-ticil.tltt
no pfocesso cla Reflorm¿i. Segr,rinclo o método de anírlisc de texto clue bus-
c¿rva eluciclar O selt signil'tcado il partir do clriginal. em vez cio métoclo
escolástico, clue olèrecia uni¿i série cle conientários aos comentários ante-
riormente feitos. os juristas do Renascimento eviclenciam utla atitucle nor'¿t
relativ¿rmente ¿ìs srias fonies: consider¿ucnl os te xtos antigos col-llo textos
apenas. sr-¡eitos a crítica e a anhlise, e não fontes cie princípitls ttlcontesiá-
veis e ìn'rutáveis.

O Cócligo Justiniano, sobre o qual assentava tod¿i a teolia da su¡rrernäci¿r clo


pocler clo Papa sobre o pocler dos reis. {'oi des¿icreclitado por Valla lo-9o na
clécacla cle cluarent¿r do século XV com l-rase llLlnla análise histórica e
filológica. Rapiclaniente se começa a diftindil nn-i¿r atitude de distanci¿tnle nto
face ¿ìs fontes analisaclas, que proll-ìove Ltnl novo pensaûlento histórico, onde
o docurnento é elltendido no seu enquadranlento tentporüI, c n¿ìo llccL-ssiì-
riamente com valol para todo o senlpre. O chrerto ronl¿tno sofre. assim. um
clescréchto que concluz. simultaneamellte. à valorização das legislações
autónomas. traclicionais, cle cacla Estaclo. A tentativa cle sistem¿rtização clo
clireito consuetuclin¿'irio. por seu tlurìo. levalia ¿ì necessiclacle cle estud¿tl'os
precedentes. o que venl dernonstrar a necessiclade de, tambéin ¿is lets, serelrt
pe rspectiv¿tclas historicamente. No c¿tso ingiês poclenios obset'r'at'. tras atitt-t-

cles perante a lei e o clireito. poclerosos l'¿rctores de integração e consciência


nacional, que irão acentltar o traço pecultar inglês, jli patente na ldade
Méclia. cle conf iança n¿r cham¿ida Klng ir 1r¿rr'. oLt cotnntott lat+'- qlte viriii. etlt
1688. a ser iclentif'icircla cont a constiilriçào.

Mas o c¿lmpo cle inoi'ação mais ¡rrofícuo no quadro c1o Ìrltt-t-l¿tttismo inglês loi
a aplicação clas novas técnicas filológicas ¿ro estudo da llíblia. o quc rcclr.tct'ìit
LuÌ-ìa nova ¿rtitucle f¿ice ao comentíuio e e xe,qe se tríblicos. O método cscolástico

ortocloxo consistia num processo cle rel¿icionação de dil'erentes p¿ìssos, com


o fito cle cleles exttair algltm ensinamento geral ou princípio de f'é. Os
hunt¿irlist¿is. pelo contr'ítrio, procuravan-ì recuperar o conte xto histórico precist'r
pa¡a cacla clor:tlina ou ¿ìt'gltûtento. Foi estc. it-tstrttnetltc. o tlré[oclo r-rtilizado
por John Colet qr-ranclo. eni l-196. proleriu ¿ìs suas lições ent Oxfol'cl. colll o
títr,rlo A¡¿ E,r¡tosítiott r¿f'St. Putil'.s Iipistle fr¡ Íltc Rr¡nttttts. atitecipatldo as
precrcr-rpações conl o ligor sernântico (i¡tsi:'.s'itrtu verbu)cla leitr-rla cla Bíblia
rlttc a Rcl'ol'tlltt ltlte l'altlt r ililt lli.tlclìtcitl.
Outra inovação, não ilenos importirnte, cliz respeito iì aplicação clas novas
técnicas fïlológicas a novas traduções. mais rigoros¿rs. dos ittltigos tcxtos
em grego e em hebraico. Neste cr¿llllpo não se pocle ornitil a refèrência, de
novo. ¿r Lorenzo Valla. cllte escrevell. em 1449, uma série de anotacões ¿ro
Novo Testamento. que Et asmo faria imprimil e n-i 1 505, nem à Unir.'ersidacle
c'ie Alcalá. ent Espanha. onde entre 1514 e 1517 ioi compostiì c itrtpt't'ssrt a
prime ira versiro poliglota da Bíblia, unra obra-pt'ima cie elr-rdição httmanista
e arte de iniprensa.

É itnportut-rte me ncionar que a imprensa. r'ecérn lnventacla, irta ter r,rnt papel
clecisivo na clivulgação das llov¿rs icieias, t¿il como os htttt¿tttistas rapicla-
mente perceberam. Logo acl pr-rblicar o manuscrito cle Valla, Et'asnro apro-
veiton a oportr-rnidade pala ihe acrescent¿ìr uma introclução, em qtte subli-
nhava a importância cias humaniclades conro slrpor[e da teologiar. e insistia
em qlle a traclr-rção clas Escritur¿rs clevi¡r ser t¿rrefa para o gramírtrco. Os estu-
clos bíblicos de Erasmo culminat'arn. eln l5 16, conl a pr-iblicaçao da stla e cli-
ção do Novo Testatnento -gtego, betn cono uma traclucão para latinl, oncle oS
erros cla Vul-eata loranr corrigìclos pela prirneit'l vez. Também nltnl texto
introdutório. Erasno exorta toda a gentt: a lel as E,scrituras. e a cluc elas
sejam tr¿icluziclas eni tod¿ìs as línguas,

Convictos da irnportância dcis st:lls pontos cle vista. os humanisttis irão


clese mpenh¿ìt'ut-tì¿timportante activiclade pedagógica. e xprcss¿t ttttm grande
número cle obras para ¿ì ech,rcação clos-jovens. clos princípes ott clos t-nagi.\tr¿ì-
clos. cle entre as cluais há a s¿ìlientar T'lte Educ'utiott o.f u Chri.stiun Pritrc:e. clue
Erasrno dedicor-r ao fìrturo Imperadoi'Carlos V. em 1516 e, lttls Lttios tllais
tarcle. o célebre T'he Book lVcune tl tlte Gc¡t'erttr¡r^ de Sir Thor-¡las trilyot
(c, 1490-1546), este cl¿rt'amente inllttettciacio por Castiglione e o seu famo-
síssimo The Brlr¡k of'tlte Cour'll¿:¡-. Mas o senticlo pedagógico clos humanistas
tanibén se olientou piìra ¿ì eclucação clos cicladiros. e não aperì¿rs cios pr'ínci-
pcs. Aqui o e xe mplo mais notíivel é fJtupia, cie Thonias Nlo|e , putrlic:rclo ert-i
151ó. a qr-re cleclicarr-nlos lìtL-nciìo r'spt'cial. c a obra cle Thomas Starke3'
I)ictlo¡4ue b¿tyt'een Reginuld Pole cutcl '[ltonus ht¡tseÍ. conclLtícla em 1535.
O bem estar espititual e ntaterial cla comuniclacle continu¿u'iarn ¿i sel ob.jccto
cle debate eni Inglaterra. oncle o rnovin.tct"tio pelcl Cr¡nunontve¿¿,t1li. em mea-
clos cio sécLrlcl XVI, iria debater os problemas econónticos e cot'ìstitr-rcrc¡nais
da inglaten'a nLìnìa óptica httm¿rnista.

Na preocupação eni definir os ntales políticos e sociais de clLrc ctll'c-ttttitvit o


est¿lclo e a socieclacle, as icleias dos hunranist¿rs confunclcm-se cotll os plincí-
pios reformaclores.

As af iniciacles cie l-utclo coul os Flumanistas 1'at'ão conì qLle cstcs sc ¡itltrurl
lirrtenlente atraíclos pelas suas teses. Em nluitos cesos. pttt'éni. lttrllt 1ll'itticit'û
ntanifestação cle entusihstica aclesão ao ataclue cle L,lttero i\ r'etncia cle rndnl-
-

gências, ern 1517, seria seguicln por alguma hesitação. William lvndale
(c. 1495-1536) é o m¿tis l'amoso exemplo, ern Inglaterr¿i. cleste coillport¿-t-
rnento <1e ätracção se-euida de hesitação. Os estuclos hum¿inist¿rs de Tyndale,
pros.seguidos em Cambriclge . levaram-no a estudar a lunclo o hebraico. berr-l
conlo o latirn e o grego. As suas convicções luteran¿rs ficaranr cl¿rtanente
express¿ìs no texto The Obeclie.nce oJ u Cltri.çtiun Man,ptrLthc¿rclo em inglôs.
em Inglate rra, enl I 528 e cle pois, erri 153 1 . na sua respost¿ì à crítica de Thomas
VIo¡e aos ref'orm¿rclores. enì Attsx'er Ío Sit'l-lrctnttts Mt¡re's DialrtgtLc. Mas o
contributo mäis impor^tante de Tyndale para ¿r Reforma ernl Inglaterrä l'oi,
serl clúvicia. ¿ì su¿ì traclLrção para inglôs do Novo Teslamento. itllpt'cssli ctli
1525, e a traclução clo Pentàteuco, ciirect¿ultut{r do hebraico para inglôs.

Os funclamentos intelectuais d¿i Reforma em Ingl¿ìterra situant-se. ein larga


nieciicla, na activiclacle clos .schr¡lttrs da tiniversidade de Cambridge neste
períocio, oncle se pocle recotthecer unt¿r tei¿l cle influências recíprocas que
ler,ar¿ìnì¿ìtraduç:ãocoinpletadaBíbliäpor&{ilesCoverdale(c. 1488-1569),
e iì formação protestante cie Sir Jotrn Cheke ( 15 i a-57), que I'iria il ser /r/.or'
do principe Eduarclo. c the lrenstl-ritiiia as su¿ls convicções luteranas.

Mas o pensanlento cle Luiero, rto que dizia respeito à autoriclade juris-
dicional cia Xgreja. tinha tarnbén.i fündamentos na lclade Média e, em lalga
meclic1a. na acção c'le pensadores britânicos. Lutero considerav¿r ei lgre.1:i uma
cortgregutio.fideliunr, ott scja. Lttlllì consregação cie fieis sobre a qual o Pzrpa
não cleveria excrcer clualcluer papel cle cobrançä de impostos oi.t exercício de
autoricl¿rcle iegal, agindo ¿itravés da iei canónic¿t e imponclo unl sistema clt:
tribunais eclesiíisticos sobt'e os tribr-rnaìs cii'is.

Conro se viu ¿rnteriorntente. já e rn finais clo sécttlo XIV o nlovit-nento Lollttrcl,


inictaclo coti-t a piegação e oS ttxtOS cle John Wl,clilte , dera voz a todä uma
oposiçt1o evan-eélicä à rtcltteza e ao pocler junsdrcional da Igreia. Em 1395
Llnl gfllpo dc lollctrcls conseguira tntsnìo 1'azer aprovar no Parlame nto Llm
ataque contra a corrupção e a subordinação da Igreja inglesa ¿icls ciitai"nes de
Roma. Cor1-lo loi refendo atliis. o movimento lolktrclexpress¿ìv¿t já url sen-
ticlo de autonomia naciou¿ìl qr-re é reforçaclo pelo uso do vernlicr"tlo. noille¿ì-
darnente no texto cle W,vclilf e I'he Churclt cntl Her Membt:r's. A lolardia 1'oi
cclnsiclelacla herética e precipitoLr. en 1401, a promlrlgação cle um esti'ttllto
clue ¡ret'nritia a persegLrição religiosa e o c¿ìstigo da heresla pela f'o-Queira.
Mils. apesar clos perigos cia persegLrição. o tnovitttctìto nrt(r só ct'iott raízes
eil Inglaterriì r nil Escócia. corrìo alastrou peia Er"rropa. onc'le fol erltur'siasti-
cermente recebicio pelos scguiciores cie .Jan Fluss. na Boémia

O conce ito clc cluc o Papaclo é urna rnonalquiä absoluta cotneçoì,1 tatubéi-n a
ser contest¿lclo na Iclacle N,{éclia e . cle nor,o. observ¿mos itnl papel ¡rreponde-
riìnte. n¿ì forinação cla oprnião na ópocit. poi pârtLr cle unt pe nsaclor c1e oli-uem
britânica. William of Ockhanx. como r\larsiglio de []ádu¿r. conte stolr o pocler

i
i':
i ì.'l

ì.] ìì
ìlr:
¿rbsoluto do Papa. e defendeu a separação dos pocleres espirituale temporal.
O seu trat¿rdo The Pr¡çer oJ' Entperors turcl Po¡tes acentuara já estas duas
ideias, inclicanclo que a ntonarquìt papal cleveria ser constitucional, e não
¿rbsoluta, depende nclo da acção do Papa em benefício dos fiéis. e que o Papa
deveria assunìr ¿ìpenas um poder espiritiral, p¿ìrÍì olienttciìo
daqr"reies e para a salvação das suas almas.

As teses de Ockliarn for¿rm posterioulle nte desenvoìvicl¿rs pelo seu disc(rulo


Jean Gerson qlle. muito clar¿imente, clistingr"riur o pocler do Papa clo pocler da
Igreja, considerancio este superior, o qlle veio f'undanlentat' a teoria do
conciliarismo. Dito por outras palavras, Gerson considerava a Igreja como
ulna monarquia limitaclä. clue agia atrar'és de una assembleia representä-
tiva. pelo que seria possível con\joc¿ìr urt Concílio senl a presença do Papa,
e seri¿r possível ¿ì assembleia conciliar, em certos c¿tsos, julgar o Papa.
O escocês John fotrair iri¿i reiterar est¿rs ideias que, conjuntamente . comeca-
ri¿rm ¿r constituir uma forte corrente cie opinião crítica relativamente aos po-
deres do Papa e da Igleja e a unl sentido de contiitr-rid¿ide na oposição
-qcr'¿ìr
que relbrçaria o princípio cla Relorma em lnglaterra.

Este sentido de continr:idade enraizada no tenjpo é clalamente expresso por


John Bale ( 1495- 1563), que escreveu a crónrca cia Refornta. insistindo nas
¿rfinidades e ntre os protestanies ingleses clo século XVI e os seus ¿ìntecessores
,:,
tj lollnrcl. A BrieJ'Chrrtnicle. comecacl¿r em l -544, é já urn relato de martírio em
ìi. ptoi da Igreja de Inglaterra. que a verÌ-ì dot¿il cle história e cle relações cont Lìul
;l
passado heróico. N4as a consa_eração dos movinlentos de oposição rì IgLeja
:lri estabelecida. corno historicarr"iente f'unclamentados e ao mesmo tempo
:.|
inspiradores de futuros comportanlentos exemplares seriä prota-eonizada por
iitì John Foxe ( 1 -5 1 6- I 5 87) corri a pubiicação cle A¿:rs ruul MottLunertts. que fi-
ii
cou conhecrclo como lìook of Martyrs.

os ataques ¿ìo comportamento do Papa e de membros da hierarquia da I_ereja


não r,rnha apenas cla área dos críticos teológicos. T¿imbém entre leigos e
membros de govet'nos do norte da Europa sulgiam críticas contr¿ì os pni'ilé-
gios do clero, Ao longo cla clécada de 20 clo século XVI nluitas for¿irn ¿is
sátiras publicaclas ern panfleto em lnglater-r'¿ì. que culminaram em 1529 con-t
a publicação de 5rry4r1r tutiott.frtr the Begeur.r. provave lt.nente da autolia de
Simon Fish. Este te xto. breve nas e loquente. ioma a lblrna cle uni apelo dos
pollres dirigido ao rei. apreseulanclo qr.reixas contr¿ì a vicla dissoluta dos
padres. os excessivos pocleres da Igreja. o entpo[rreciirlento clo poi,o pelo
enriqttecimetito clo cleio. e consiste tanbéni nunt aviso to lei de qLle a su¿l
ar-rtoriclacie está a sel rliinada pela äLrtoridacle jLrrisdicionaÌ da I_ereja.

Enire os juristas coûlec¿ìv¿t também ¿r clesenvolvrl-se un'ì¿ì lorte corlenie de


pens¿ìmento nacionalista. que bnscnv¿t {'uncl¿rrnentos para contcstüt' us inter'-
ferências cla lgre-jae clo Papaclo na legislaçao. Este espírito nacionalista. c¡Lre
valorizava a cottlntoil /nu' inglesa e ¿rs resoluções do Parlamento, tinha já
expressão no século XIII. m¿is reforça-se com P rctise o.f the LtLtvs o.t''Englartcl,
cle Sir John Fortescue (c. 1394-1416). No princípio clo século XVi mr-rlti-
plicarn-se os sin¿ris cie hostilrdacie ¿ros poderes legais cla Igreja. como é o
c¿iso clos textos cle Eclrluncl Dr-rdle-v (146?-i510), ou cle Christopher St
Germ¿rn (c. 1460- 1540).

'fambém atrar,és cie rneciiclas legislatir,as, ainda cliscretas, os próprios gover-


nos tentavam linitar os podeles e a riquez-it da IgLeja. Henrique VII procu-
rara jír. no decnrso cla clécada cle noventa do sécr-rlo XV legislar no sentido de
recluzil' O número cle cOtlr,ctltos isctttcls de irlpoStoS ao estado, bem como
linritar o chaniado .,benefício clo cìero> (beneJ'it oJ clergt), qtte garanti¿r imu-
nidade aos memblos do clero nos tribun¿rts civts. Mas seri¿rm os aconteci-
tnentos em toülo do clivórcio cle Henrique VIII que irierm precipitar toda ttma
nova le-gislação qr-re acabaria cle clar corpo ¿r descontentamentos e tradições.
corrcntes de pensamento e atitucles. havia n-ir-rito sentidas, e concretizar o
processo da Reforma em Inglaterra'

Alltcs. poróm. de obselval esscs acontecirnetttos. itnpclt'ta iluslral'lts circulls-


tâncias da época ¿rtrar,éS c-lo pensamento de Sir Thomas N'Iore. sobretuclo
eKpresso tl¿t slla obra mais conhecida. Utopia.

2.3 Thomas More e a {Jtopia: ilustração da situação da Ingla-


terra e cnítica ao humanismo

euentin Skinner afirma, etnThe FoLtntkttiotts ofMoclertt Pr¡liticulTlrctught.


que píìrece inescapável a tese de que a teoria po1ítica do Renascimento nórdico
consistiu essencialmcltte na extellsão c consolidação de Llma g¿ìma de argu-
n1entos jír ciebaticlo s t1o clLtuÍtrocen[o rtalianoó. No entanto. o debate de icleias 'Quentin Skrnner op. crl
1991. r'ol l. p. 2'1'1
políticas dos italianos clo sécu1o XV não foi meramente repeticlo no norte da
Er,rropa e. en-ì c(]rtos itspcctos. ls tcolias äqui desenvolvidas ¿ìpresel-ìt¿ìm-se
cle lorma crítica. Especiallrnente slgnificativa é a posição de Thornas More,
principalniente no f¿imosíssimo lìr,ro ()tr.t¡tict. N{as ¿r vtcla e o conjunto cla
obra e clas actividades cle More pOclem ser,,'ir como um estudo de caso, Sen-i
clúr,ida singular. rn¿is reflectindo rnuito d¿r convergência enit'e o pensamel.ìio
e as atitucles medievais e inoclernas I-r¿ìs primeilas décaclas do sécr"r1o XVI.

Na opinrão cle Anthony Kenny. Thomas More merece urì lugar nzr históri¿t

intelectual cla Europa por trôs raz.ões:

eni prit-nert-o lttgar, pot ter escrito um clássico enl latim, Uto¡titt, qve
continu¿i. agora como antr: s. a ser atnPlamente liclo:
ern seglìndo lllgar. porque. na slr¿ì vida. estabeleceu um padrão de
sânticl¿ìcie. sabedoria e serviço púrblico que contirìua a fascln¿ìl'escri-
tores e historiadores clas niais v¿ìriaclas convicções, e qlle contribuilÌ
para ¿ì caracteriz¿ì.cão daquilo ¿ì que os ingleses ch¿ìn]¿ìm o Engli.slt
c'JtctrcLcÍer'.

por úrllinlo, os selrs textos eili inglês oclrp¿rnl urÌl lug¿rr si,enificativo
na história da língua inglesa e na su¿ì lrteratula de devoção e cor.ìtro
i Ånthon¡ Kcnn.r. 199-ì vérsia7.
<l-hontts \'lorc" in /ì¿¡r¿li.ç
sirrica 77rlr,{e r'.r. p. 20!).
I)e eiltre estas três razões a prin"ìeira terá, talvez. nl¿ìior intel'esse para o ana-
lista da clrltura e sociediÌde rnglesas. visto qLre UtopitL of'erce a possibilidacle
de urn riquíssinio leque de interpret¿ìções sobre a época em que o seu autor
vive Lr. bem como sobre ¿ìs tendências clo pensamenio nas áreas da filosof ia e
leologia. cia constilr-rição cla socieclacle e clos princípios cla economia, dos
funclamentos políticos clo est¿iclo, de c:onceitos de ciência e cie
razão. cle felicidade e pr¿ìgnatismo. sotrre Lrm sern núnlel'o cle olltr¿ìs temáticas.
cot-ìlo ¿ì guctra. a eclucação. ¿ì ofg¡ìiliz¿ìção da farnília. etc.

2.3.I Algutts aspecto:; cl¿t t,iclct tle ThotncLs More

Alguns aspectos d¿r vid¿i de N4ore ilustram cic modo significativo o períoclo
em qlre viveu. O seu comportamento no processo cla Reforila henncluina
represent¿ì ao nleslTìo tempo a lealdade aos valores e princípios do catoli-
ìi
tl. cisnlo e ¿ì natlrreza ainda imprecisa clas mudanças operadas nesta primeira
]ji
:i: fase d¿r Reform¿r. A atitr:c1e perante a adversidade pern'ianece. aind¿r
)r i
hoje, como exL:mplo cle sangue fì'io e sentido de hunlor peculianrente britâni-
cos. Antes de tr¿rtar especificarnente cle LIto¡ti.u rÌlencioniìl'cnlos os
aspectos cla vicla e cla obra cle More cìue melllor contribllern para iiustr¿rr
os pontos ¿rtrás lefèridos olr qlle têrl aigr-rma relação com aqnelä obra.

' ¡\ drta dù niìseinìcnt0 dc Thomas N4ore nasceu por volta cle l4ll oLr 1478. no reinado cle EdLrarclo IVs.
\lore ú irrprecisa Sobre ela
diz lrtr-nanclo clc Nlclir¡ \loscl
C)s irrimeiros ¿rnos cla sua r¡icla são conternporâneos rlos últrilos anos clas
"O-r cspccialistas ruro chc,ga' Guerras clas Rosrs. que Mote viria a tratar. trint¿i anos depois, n¿r sua biogra-
rarn a l¡orilit (lr{luÌ10 iìo itnil
.rrn []Lrr Ì\'lore na:rceu. i'ia cle Ricai do III. A juventr-ide cle More decorreria sob o reinaclo de Hcnric¡-re
Ccnr¿in \lric hardoLrr prc- VII. o prinieiro rei da clinastia TLrclor, que comecaria a desenvolver ¿ì concen-
fclc- conr trons trgtrnlcnlos.
I1l .i tl. L:niirt.t ¿it '[ itutttts
traçãro cle poclelcs a qur. mais tarLle . se cham¿iria ci absolutìsrrio Tuclor'. More
,L/¿rr r. P¿ris. l9ó1. pp. -i-l--l I l. passoll Llrna parte da sua inlância conro pagLrnl enl casa do Arcebispo cle
nl¿ì,\ x ttrì(l¡neiit lcral c parl
con-ridcnu l-llii corlo o lnais
Cantelbury. John ÌWorton, nunl pl'ocesso eclucativo usllal na época. IJtct¡tiu
plor lri'c1.,' '1 ltt,t¡tu.¡ llt¡n ¡ t'.r irá conte r rel'erôncìas a ùste prríoilo. como se ve rá. Estuclor: clepois e nl Oxl'orcl.
Ca¡¡ti¡tittt: ,.lt Peì Í{;tLãt)
\tga. !S2.
onde esteve ulenos cle clois anos. c que não lhe deixou sauclacles. nenl quaÌltc)
Ílut¡:Lt¡tu- [-ishLra: I

I lt) iì r,icla estuclantil rìen'ì clLrÍu'ìto ao conteúclo clas n'ìntérias leccìonaclas, sobre-

ì5(r
tuclo a lógica. A seguir, por iniciativ¿r do pai. que clesejava qlle o filho o
sc_euisse na carreira ci¿rs leis. entrou par¿ì os ltms r¡f Cottt't e foi adnliticlo en-t
Lincol's Inn ent 1496. obtenclo o seu cliplomade advocaciaem i502. Ìrleste
períoclo estudou latirn clássico. qlle rapidamente dominou tão bem qr're l'oi
conr,ícl¿tclo a leccionar uÌn cLìfs0 sobre A Ciducle tle I)eus de Santo Agosti-
nho. na igreja de que era Piiot' William Grocyn. um clos polrcos sclrc.¡lurs
ingle ses c1r:e sabia grcgo. Em 1501 Grocyn conleçoll ¿l L-llsinar grego a N4oi'e.
que depressa se lotnoll tambéni conhecedor dessa língr-iit.

A formaçäo inielectual de More era, pois. a clo humanista, convicto clo

valor d¿is <lett'as hunranasr, - dos clássicos gregos e laiinos' Ern 1499 More
conhecera lìrasmo cle Roterdão, então enl visita a Inglaterra, e clesde aí
ficaratn amigos, tenclo Erasrno visitado More freqr"rentenlente depois do cas¿r-
nlento cleste, e tendo-lhe cleclic¿rdo. em i511, como ¿rcima se referiu' o Elc¡-
gio dcL LoLtcuru. Este títr-rlo, ern latim F,nconiutn Moritte, esconde uill troca-
dilho, er-n que o norrìe cle More aclqr-rire o dr-rplo senticlo de <lotlcura* (trtoriu)
ou cle clesignação cla pessoa. Est¿r <loucnr¿ì>. qlle Er¿ismo reconhecia no sell
arnigo, é o conjunto do sentrdo de hnmor e cl¿t siinultânea seriedacie próprias
cla personaiiclade cie More.

M¿is N4ore, que se disttngr-rira descle cedo pe lo tom humorístico dos epi-sramas
que escrevia e cias conve rslls qtte mitntinha. tinh¿i, aO mesmo tempo. tracos
cle ascetismo qr-re discret¿ìmente escondia. Depois de se ter sentido inclinado
a seguir a carreira sacelclotal. tn¿ìs ter decidido ¿ìutes casar. More tlanteve ao
longo da vicla práticas cie ¿rustericlade monásticäs, r:s¿lnclo, por exemplo, uma
camisa cle ctin¿t por baixo da roupit, qr-re lhe feria a pele. Segunclo o setl
biógraf o, Wrlli¿rrn Roper. cas¿rclo com Margat'et. a sLÌ¿ì filha mais velha. ape-
nas esta conhecia esse hábito, pof ser a elä que o pai peclia que. em segredo,
lhe iavasse a refericla peça. Segundo Roper. More praticava também a iÌLlto-
llagelação. à imagent cios procedimentos da mais rigorosa ordem re ligiosa, a
clos monjes cartuchos cle l.onclres.

More f oi um rnariclo e um pat atento à edr-rcação da sua fanlília. irdoptando


uma perspectiva n¿i eclucação clas filhas extfemamenie avançada, já que lhes
facnltou a instlução humarlist¿t geralmellte dada apenas aos f¿lp¿lzes. Edu-
cou. ¿tssim. oS SeuS fiihos no estuclo cle latim. clo gtego, da lógica. cla filoso-
fia, da teologla da malemática e da astt'ononiia. O pritnclro nanual para o
ensino cia arìtmótica pr,rblicaclo ern Inglaterr¿ì e intitulado On lhe Art rl'
CctLcLLlutioti, 1'oi esctlto pelo amigo cle More,llìrnstall. e a elc cledicado. <to
be passeci on to yoltr chilclrenoe.

lrJo ntesmo ano em ciLle casoLt.Mole foi eleito nletnbro cio Parl¿imento, caindo
no clesagraclo clo rei. cntão aincla Henric¡r-re Vll. por ter denunctaclo o qtle
co¡siclerou st3r urn linanciarnento excessivo ¡rretencliclo peio lei. Enl lesttltado
cla sua intervcnção, o Parlarrento ¿tl]rovoLl nlenos de nlttacle cl¿t som¿t
r

pretentida. Com este gesto. More ¿rlienou todas as possibilidacles de uma


carreir¿r pirblica ein vicla de Henrique VIi. Mas seis anos mais tarde. en-i
15 1 1. sob o jovem re i Henrique vIII, foi nomeado tmcler-slteriff d,e l,o¡c1res.
tenclo con-io funções dar apoio legal aos sheriJJs e exercer o cargo de juiz, às
quintas-feiras cle manhã, no Guilcihall,

Escreveu. neste período em inglês e em l¿itim. entre olrtras coisas, um¿ì tra-
ciução cla vida de Pico clella Mirandola. humanist¿r l'lorentino. traduzi¡clo
também para inglês alguns dos textos cle Pico. Nestes ¿uros escreveu ainda a
vida de Ricarclo III. ern cluas versões simultane¿ìmente. em inglês e ein latiin.
que ficaraim incompletas e forain publicadas ¿ìpen¿ìs postlrm¿ìmente.

More foi. além cltsso, elertolliglz Stev,urtlda Universidade cle Oxford, r,indo
A ent'olvet-se elr polémica contra os sectores mais conservadores da Lini-
versiclade. que viant com grande desconfiança os novos estudos de humaili-
dacles que More favorecia. Em 15 18 nma carta cle Nlore à Llniversidade de-
fendia o estudo do grego. bem como clo l-rebreu e do latirn. que considerava
indispensár,eis para o inelhor conhecimento das Escritulas, e para un-ìa pre-
par:ição adeqr:ada a uûta vida virtuosa.

o ano de i 5 1 5 foi de virageni na vid¿r de lt4ore. Foi nomeado pelo rei pzu'a a
sua primeìra missão importante: com Tunstall foi enviado ¿ì Fianclrrs para
ne-{ociar a interpretação cie algr,rns tratados de Henrique VII sobre o comér-
cio da lã. Erasmo der-r-1hes c¿ìrtas de aprcsentacão a Feter Gilles. ¿rlto fr-rn-
cionário público de Antuérpia. As ne-eociaçõcs prolongaraûr-se ao lon-eo cle
alguns meses. que N4ore aproveitor-r p¿ìrî escre\¡er o livro II de L/topia. Após
o regresso a In_slaterra escre\¡eLt o Livro I, onde ponclerava os prós e os con-
tras cla aceitação de sen,iços públicos nas ntonalquins.

Não obstante as opiniões aí expressas. More viria a ¿rceitar, em Agosto de


1 -5 I 7, o collvite cle Henriqne VIII pala inte gral o Consell-io do rei. Trabalhou

então sob as orciens directas cle Wolsev. clìie controlava o Conselho. mas
passava a ntaior palte do tempo n¿ì c¿ìsa real. que fì'ecluentemente se desloc¿rva
pelo país. Henrique VIII charnava ÌVlore freque nternente. p¿ìr¿Ì com ele cliscutit:
¿istronomia. geometrìa. teologia ou ¿ìsslrntos clo estado. Por volta de 1522 ou
1523 N'lore e a farnília muclar¿im-se para a quinta de Che lsea. recebenclo. e in
i626 a r,isita do pintor FIans F{olbein. a quem forarr encoûlendadas um¿r
série de retr¿ìtos individuais e um retrato cle grupo familiar. Embora o retr¿ìto
de -erupo só tenlia sobreviviclo eni cópras. é hoje conhecido por rnilhoes cle
pessoas.

A carreira púrblica de Mole plosseguiu sob as orientaçõe.s de lYolsey qLre,


cotl'ìo se verá. prossegr-ria um¿r estratégia cliplonártica tottllosa. ¡\ úrltima clas
missões cliplomáticas de More consistiLr numa enlbaixacla ¿i C¿rmbrai. ¿rcom-
panhado cle Tunst¿rll. para fazer a paz com o Imperador. após a derrota da
aliança Anglo-Franca-Papal, que tirrhä sido constituída ern 1525.

Nestes anos, sensivelmente a paltir de 1525, More começou a envolver-se


rnais de perto com os problemas que começavaffì a surgir devido à repercus-
são d¿is teses luteranas, tornac'ias púrblicas e nt 15 17. Tunstall, a-qora Bispo de
Londres. pediu a More que eSCre vesse contra Lutero e contr¿ì o seu principal
defensor em Inglateria, Williarl Tynclale. \nd¿ile tinha já traduzido os Evan-
ge lhos para inglês e publicaclo o panfle to Tlte Obediettce ctJ'a Chris'tian Mcut.

A f'rn-t cie atingir r,trn público ntais extenso clo qr-re o dos scl¡r-¡1ír.!'. utn público
qr-re. afirraljli tinha lido a velsãro inglesa do Novof'est¿tûrento.Tr:nstallpeclir-r
a Mole que escrevesse etn inglôs. A Diulrtgue Conce.ntirtg Heresies lol entãro
publicado ern 1529 e de nor,o. coin algumas revisões, em 1531. Aclefesada
ortodoxi¿i ernpreenclida por More não se limitou ¿ì escrit¿t, mas foi tatnbém
aplicacla nas suas fr"rnçõe s pírblicas, como juiz e depois col-t-ìo Chanceler, já
qlle. enl 1527, foi nomeado para sr-rbstituir Wolsey nesse c¿ìrgo.

A paitir de 1529 a vicla de More ficou c¿ida vez inais envolvida no processo
do c1ir,órcio cio rei, e na série de mecliclas de política intern¿r e externa dele
decorle ntes, Lul llrocesso do qr,ral lVlore sempre se quisera miìnter
:rfastaclo.Como Chanceler do Reino cabra-lhe presidir à Câmara dos Pares,
logo participar n¿ìs sessões parl:rme ntares qLte , ¿l partir de 1529. começaraill
a legislar no senticlo da Reform¿i. Err-r 1 529 o ReÍ'ot-n'tcttiott Purlicntetú recluzitt
os pri.,'ilégios do clero. em 1530 l{enriqr,re VIil obrigou o clero a l'econhecê-
1o conro onh, Suprente Heud oJ' the Ðrylish C|uu'ch. ern 1531 cor.rbe ¿r More
o clever de apresentar ao Parl¿rÌllento o p¿lrecer sobre o divórcio que o rei
solicitara às Untversidacles, e qr,re llre er¿r fl¿ivorár,el. Eur 1532 o rei exercett
novas pressões sobre o clero, no sentido cle lhe ser submetida toda ¿r futur¿r
le_eislação clelical produztcla pela Hctuse of'Crnn,{tc:tLliort, a que. depois de
ztl_eurna reststênci¿t o clero acaboi-t por acecler. No clia seguinte, 15 de N4aio
de 1532, More entregolr ¿ro Le i a su¿t clemissito, perciendo, ¿ìo mesmo tempo,
¿ìs su¿ìs fontes de renclinento. Aléni de ter de viver. com a fanlília, nuilla
situaçi1o cle pobreza, More foi ainda r'ítinra de prclcessos em que et'a acusado
cle ter recebiclo subornos no decurso da sua actividacle como jLriz.

A partir cle então, elnbclr¿i af'astaclo clos centros cle clecisão, À4ore não deixclr-t
cle ser pressionaclo pelo rei, fieqlte ntemente atravós cia presença directn de
'I'homas Cromrvell, no Senticlo cle ¿rceitar, publican-ieille, as rnediclas que,
pollco a pollco, erarr pronìLrlgaclas, visando o reconhecimctito c1a nuliclacle
clo c¿rs¿rmento do rei com Catarinha de r\ragão. a legitirniciade cio casatllento
com.Ana Bolena. a ilcgitimidacle da princesa Mary e o direito sLtcessório da
princesa Isabel^ entretailto n¿rscicla clo cas¿rt-ne uto com Ana Bolen¿r.

Corrio ¡rosteriorntente St: verá. toclo o processo pessoal cle I{enrique \¡III
e st¿ìva inclissociave ln-iente ligaclo a Llm complero pl'ocesso político c reli-
Papa. Qunndo, en"t
gioso, onde estava em jogo, sobreludo, ¿r autoriclade clo
a sucessão ¿'¡
1534, o Parl¿rmento legislor-r no senticlo cle ser recotlirecida
tfono na clescenclência cle Ana Bolena. e obrigou ¿ì qLre o reconhecimento
losse fèito por jLtrantento itrciii,iclttal, More recusoll.
A recus¿i baseav¿r-se não
a aceitar, mas sinr
no reconhecimento d¿r sucessãio, que More est¿ìva ciisposto
cotrr Catarina
no conconit¿rnte reconhecinlento da nuliciaiie clo cirs¿rmetlto
já que nenhtttn Papa
de Aragão qlre. piÌra More. cor-rtinu¿rv¿r váliclo e sagr:rdo,
o tinha pronntrciado nltlo.

Com o Car-
O encarcer'¿ìmento c1e N{ore. resultante clesta rccusl..jttntatncllte
deal Fisher. na Torre cie L,onclres. teve lugar em Abril do
mesmo allo'
de interroga-
A execução cie More teria lugar em Jttnho cle 1535. zrpós meses
legislação' decor-
tórios e pressões, aunìellttdas aincla pelos efeitos de nov¿i
reunido em Novem-
rente cla sessão parlatmentat do Ref'ornttLtiott Prn'liutttcttt
Lln-ì lloyo
bro c1e 1534: o Act ofSu¡tremctt:t, um segtlndo Ac:t of succe,s.sitttt.
ptrssatcios clirect¿rmente
A6t o.f Ti'ecLsotts e fin¿ilmente os Acl5 rtl Attuincler',
que haviam recusädo o
contr¿i More. Fisher e cinco outros membros do cle ro
Li niais
jrrran-iento. Dnr¿inte o períclclo em que esteve prescl More escl'evcu
Tribulutirnu
populn, das suas obras de de voção, Dinlogue o.f conlfort agctìrt'st
un-ra ,-nectitação sobre a perspectiva de uma n-iorte
com sofrimento'

2.4 0 significado eo impacto daUtopia

r cltre a vida de More estít


Er-nlror¿r yista em tfaçoS largos, podemos rec'onhece
formaclo
impregnacla das circunstâncias cla época: o caríicter indivitlu¿rl'
to,ol-,é,'r'r pela ec-lucttção lrunanista orientaclä peìo
satrer e pela vllillcle' a.s
públicas
convìcções religiosas colÌìo orientacloras cla conclutir' as ftlnções
extel'ìores, c1¿l
clesempentratias, conjr,rganclcl-se par¿ì que ¿rs circunstâncias
s reli.eiosas
po1íticà, r,iesser.n a irnpôr e scolhas cleterminilclas pe las collYlcçõe
cleste períoclo' N4as,
e ,nor,ris, constituem traçOS c1o compot'tamento exemplar
ao iongo clas gcrações,
se a vicl¿r cle Nlore te rn e xerciclo fascíne o e aclrniração
¿r sr-ra ob|a (tto¡tiu mantóm-se conlo r¡nl
cliissiccl cla cultr-rra britânica e da
cultura ociclental.

texto contpõe-se, conlo foi |ef'ericlo. de clois livros. em que o


pl'illlt-ilo sc
o
clese nvolve comg Lrrn cliálogo sohre assr:tltos d¿ì
política e d¿i socie clade con-
da sociecl¿rde na
teiuporâneas, e o segunclo corno urn rclato cla ot'gatiízaçào
ilh¿r il¿i Utopra. As pctsottagetrs itltcrreuientes são o
próplio'fhortl¿ts More'
Peter Gilles e u¡l¿ì pets¡u;ìgem f iccional, Raf'ael Hltlocletr. hurnanista,
cle

conhcceciot'clas
orige m pgrtlrguesa, travegaclor clas sete parlictas clo munclo'
realicl¿Lcies hlLtranas e clas políticas cL¡s est¿rdos' N4ore e Gilles sltt'r aprcsentä-
:-!
I

I
I
.j

i
I

t;

clos como eles próprios, uo enquaclramento da embaixacla de More aAntuér-


pia, acima referida.

se aplica à iiha
A palavra <<utopia>>, qr-re ciá o títr-rlo à obra e, simultanealnente
do grego o¡.¿. que significa
clescrita por Rafael, fài cr_rnhacla por More, a partir
<<não> e to[)os, qLre significa t<lugar>>' <Utopia"
significa' pois' <tnenhum
(Jtopitt são cunhaclos taÍllbém a partir
iu-eaL>. Outros termos utilizados ern
cle r¿riz grega, coïl1o é o nome cle HitlocleLr, ou
de lugares na ilha d¿r Lltopia'
têm significados
como a capitaì Am¿rurot¿r, ou o rio, Aniclro. Estes nomes
coln a língua grega'
itriecliatane nte perceptíveis para os leitores f¿rmiliarizaclos
, Contê'r urn¿r boa dose de
mas coinp letame nte ìi-nperceptíveis par¿ì os outros
Anidro significa
ironìa. ¡á que significam o contrário clo que repfeseniam:
de h-tthlos'
,.sem água> e Amaurot¿ì (tornar escuro>). Hitlodeu compõe-se
<saber>>
<palavras ocas>> ou .,disparartes)> e clctios ov tlctiein, respectivamente
esct'ito e ni iatim. a fim de
ot, ..esperteza> e <distriburrrr. o f¿rcto de Moi'e ter
que esper¿ìva
I limitarl o ser-r púrblico apenas aos tnais cultos, poderá inciicar
t clas propost¿rs nele
que as ironias clo texto forr"ro percebiclas, e que a leitura
contidas fosse quaiific¿rcla, e não ¿icette literalmente '
entendido como
o texto pocle ser. licto sob múrltiplos pontos de I'ista' Pode ser
obra iiterá¡a que usa os recursos d¿i narrativa cientro
da narrativa - o rel¿ito
clo llvl.o segunclo inscreve-se no diálogo começado
no livro prin-ieiro: ott
irliciador de
colllo livro cle viagens inscrito na tradição ocidental' ou coTno
Ltlrì r.ìovo subgénero narrativo e cle ficção - a utopia' com florescimento no-
Fertiando
litel'atura inglesit posterior. Quanto à análise do conteúclo'
tár,e I na
nestes termos:
de Mello Moser resume as ciifèrerltes possibilidacles
a uma
Em cletermin¿rclo scnticlo , a Lltopia não é susceptír'el de redução
leitr-rraunívoca.porseraquiloaquemodernail-ìelltesedeuotromede
<obr.¿r aberta>. facto insuficientemente recordado
por inuitos dos seus
Treìta-Se de unra obra que, embora atraente à
prinreira lei-
conentaclores.
tr-rra.exigeaponderaçaodenunrerososporn,ìenoles.emsit-nesnrosepelo
elettoquereciprocamenteexercem,influinclonoconjunto:umaobracon-
que possuítt Lìma expe-
cebrcla por Llmescritor cle eruclicão sólida e variada,
atellta à col]]-
riência rruitO rica ci¿i Vicla e clos hometls. e um¿ì inteligência
cle comentários diversos, contraditórios nas
ênfases'
plexiclacle. Da leitura
qrtanclonãonainterpretaçaoglobal.resultaasensaçãocleqr'reconsttuil.am
yiliiias c sr-tgcstivas' llllts qtlÙ
outt'as iatltits ¿tpro\irltltçòt's. ttlltis ort lllcllos ì" Fernando dc
ìo Ñle llo l\'loscr.
não esgotarm a matéri¿l o¡ r:it., p. 68,

pontos especilica-
Da v¿rriedacle de Ìeitr-rras possíveis itlteress¿rm-nos alguns
rÌìente. cle que s¿ilientarerilos o conteúrclo político
do texto e a visão de uma
sociecl¿rcle igualitíi¡ra clescrita no Livro II. Muitos
outros aspectos convicialn
¿t L¡lt CotrentáriO, Senclo que algunS
deles se erìContranl menciclnaclos nOLl-
eucontr¿u-n-se lliterliga-
tfos piìSsos deste luanual. Os clois aspectos relericlos
rio texto de Uropict. que frequenieniente oJ'erece" no J-ivro
clo:s ll, respostas
para interrogações deixacl;rs em aberto no Livro [.

C volltme c1e conte ntíirios acilmr-Llacio ao lougo iic sécuios solrrc esta obra cie
Thomas h'ior e proLrlein¡.tiz¿r uma inf inìclacle de aspÐÇtcs. ge lais * e spe cí{'icos.
cla {,ltoltitt. rel'lectinclo Tì'erir.tentenrenle Llnla ce rta naiiipr.ilaçho das icleias cle
fu{ore. qtte se toi'n;r possír,el el*vido ;ì arlbiguidac{c cle que eslss utuii¿s .,,*¿cs
sÐ re\¡estcrlt. em tt1'uros polítrco-ideo,iógrcos, Essa arribiguidacie resicle naE
próprias eslr¿ìtógiiìs c1e ccmunicac;io" impregnacias d* ironia, oncle as opinioes
L r'triti̡ sr' tlir iil'"'ttL

Paraurnacorrente clc rnítli:;e, o cliscr_irso de lìajael Fïitiocleü:;cbi.c c si:lisnla


scclal lttclpiancl dor"'c ser tom¿ido a sério" e ft4orc cleve ser vislo cu¡ro r-rrri
socialìsta ü)'(tn| ltL lelÍre. (Jutla corre¡ite crítica. qr,re inlelpleta o discr-u'so cie
i4r.fael como senclo pr"onunciado sÐn-ì distanciaurentc e cpraiificaçãc humc*
rís¡ic¿i. 1ô u Uto¡tin coiìlo t-lnia ¡,f irn.:ação ob1íclLra, mas só¡ta. clos riieaìs cir>
hum¡rnismo cristão. Em p;ilte " esta l*itur:r bas*a-se ùir comentâuos ri* ccq-
teniporâneos r a,ruigos clc i\,'lore . corno {l¡-iillaunl* Ëudó. que relerem a Uro-
pia corno icleai cle cornrnûît\r'(a//li perf liio. c,\i)o\tt) rotrr {-ùdiì- s serieil;lele
pelo s*u illrtÐf.

Ar principais cot"r*ni-es cle inti:lpretação. ilo cnl¿ì.1'ìfo. itssûTlt¿ìül llÐ Ilrcssì-1-


ilûsto ile qr"te ù'{ole não rcçomeircl¿triasrr;r rcseil,i-ìri u }isrct-uLì r,rtoplano. Sob
gstÐ poilto cl*; i'ista, More tÐria des*.jac1o expor os lilnites clo r-acionaiisrlc,
corll iì irrrplicação clc. ciue oi (:olnÍ7tortv,,,e{tílhs cristãos cla Ðr-rropa porleria;l
n-le lirclar irluilo. se ve rci;rc1*ir¡.me n'lc cir-iise s:;en,.1á qLre ¡¡.s vìrtr:clcs cla Litopi;r

pagã e xpõelÌ1. pûr roniriìslf. os vícios cia Europa crislã.

cutro:; pariilhäm iì prr'spectiva r1c que Þiore prer*nrii;r afere-


r:omentaclor"Ð:;
ce r rloìs potltos cle vista igr:almenle dclensár,eis. :ìom assllnii; um cleie s !ne-
çtrivocanteiltc. l-.st¡i iinha e xpìor'¿ì ¿ìs potencialídades tolmais dnútr;¡tiu cùu1o
Lrrii diíricgtr. linta últinia possibiiiriacle. ntais i'ar-ircal. c1e leiti-rra dtt Lrnt¡ttct ê.
considet'ar clue fullore nlio rlr.'ciurlr iprù o leiloi'lcvasse a sério nacla clacl¡-rilo
c1r-re Rafael n¿ìrrolr.

Coirio ¿:.ertni;r ibl inrlicaclo. o tcxto consrste nLirl ciiírlogo iìnr cllìo" na pirm*ila
parte. Thorllas h4orc tr¡,vit conhecini*nto coil Tì¡.fael l{itlodeu. ati"ar,és cle
P*ter Gilies. clesettvolvcncio-se enírÐ os tr-ôs umä convr:fs;l eilì qlre se abor-
clani ie mátlciìs cotllo ;is le i¡ injustas. que c¡ìstisam se m eliminar ¿is c¡rus;rs cl;r
crirninalirìac1e . I gnet'ra * os e xércitos pennanentes. a f'nnçã.o cle conse lheilo
dos pr'íncipes. iLiloniando-sc o m¿lu fìrncionanrcllto clos estaclos europeus.
que ó contraposto :ì outros exemplos. r-ul.c reais olltro$ f ice ion-1i.,.

{} l,ivlo T1 descre,,'e. conlo.já.se clissi:. a sor:ieciacle utoprana. os seiis co.stri-


ll.ìûs. ¿ì st,t;t ot'sarlização política e econónticn. ;r sua rducação c ¿t su¿ì r*ligião.
Trata-se cle i¡ma organizaçlio política deinocrírtica, em quo os llostos púibli-
colsioplecnchirlost()tat irarncntccpor clciçlìo.Aolgllti¡uçlìuccottónltcitc
socral é comunitári;r. fundacla nü ¿rusência cle proprieclade privacla e n;r ar:ti-
viclacle produtiva permarìentr cle toclos os membrcls da socieclacle . c1e qlle t-l
lanlília constiir-ti o núcleo central. O r,rtopiano é um ser racional cllle . Ênqu;ì-
clrsdo por leiS e costllil-ìes lLtStoS e racionais não tem qualquer apetôn.ria pof
uil;r conchrta dif erente. Aceit¿r. portanto. colr-to nolttìit. a igualdacie. ¡r dtstri
buição ecluitativa cie bens, a ¿rusôncia de proprieclacle e a prir,'nção cle algu-
n"ras libeldacles. e encontra a lelicìdade num icl*al c1e vida comunitário e tiãtl
inclividuaiizado.

Sob o ponto de r¡ista cla cloutrina po1ítica clo hr-tnt;rnismo. o texto de fo{orc
ciistingue-se cias posições clefendidas pelos ¿llltores italianos clo c¡ttuttrocettto
em diversos aspecios. O primeir"o serír o da atitucle rel¿rtir'¿lmettte iì guerra,
O humanismo cívico consicler¿r.v;r iì gr-Ìerr¿t uma activid¿ide nobre. que cli:via
ser enc¿rr¿rd'.ì colllo p;irte cios serviços públicos regttlares. h4ore refere. ao
contrário, que os ntopianos tuclo l¿rzem pala rvitar i.ì gt.lcl'uì. c que . qltando ela
é inevitirvel, prel'erent coutratrr os serviços cle mercenái'ios a ter c1e comb¿r-
ter. O cócligo de condnt¿t renascentistiì começara a valclt'izar a eclucação pe-
ias letras e pelas ¿:tnll¿Ìs. e o próprio More tinha ¿rcontpanhado I-IenriclLre VìII
a França-. ¿ì írltrma gr:rnde irianifestação cle rer,iv;rlismo dos icleais c1e c¿rvaia,-
rta" o Field o.l'' tÌte. Clotlt o.f Gold. Porém os utoptanos consider¿rm clesprezíveì
a ideia de giória äclquiricla no c¿ìlnpo de batallia. e prefet'em iluclil oll subor-
¡¿ìr os ser-rs inimigos. e m vez cle thes cl¿r batalh¿1. Þ{a primeiriÌ parle cle Llttt'
¡ttit os exércitos pernliìnentes são relenclos coi-no potenci;ris irctti:rbaclores
cia paz, os soldaclos 0 nlefcenártos como ladrõcs, rlue perícì:t no usc cÌa-S
armas torna ainda mais perigosos.

Vlore re-jeita tairbóni o pnncípio ¡:asão de esfa€åo, favcrecicio por algr"rns


cl¿i

hum¿rnist¿rs, clue consiste. b¿rsicamente . ein consrclelar ser' legítirno, enl cÐl-
urs situ¿rc-ões, Ltilt coilportiìnlrllto rnor¿rlmente reprecnsível ilas que poclel'á
r,,ir ¡i trazer beilel'ícios para iÌ socie clade. hm (|to¡tiu o conceito cle lListrça e de
concluta moralmenle illepleensír'el é central, c¡"ier se irate cle reis or: pi'ínci-
p*s. ou dos seus conse lheìr'os. A virtude ó" irara More. a únic;t e a verclacleira
nobreza. ir{este tìsFeclo" as icleias cle More s;-lo converçlenl,e s cotli as dos sr:i-ts
conteniporâneos hurnanislas. Por'érn, contrart¡rnc1o ladic¡,lmçnfe o trroclo conlo
estes infeli¿ìnl qlìe ¿rs r,iltuclcs se exllress;ìur melhor e m¿ris frecluentet:r*nì.e
nos estriÌtos su¡:erioi'cs c1a socteclacie . Mor'c iìtilcJ u,Lri-sioe tlcitt c ile nunci¡- cts
r,ícios cle comport¿ìrrenio ciaqr-re lcs que heldaram ü nobreza c a riclr'tcza e não
as conquistaram pelas virtltcles pessoais.

O Livr-o Il c1e {/fopfu¡ clescre','e . LrorlrÐ jh se rlisse. uma socíedäcle igualitírria.


que preza e å¡o:;:¡"¿¡ ;r viråucle. lltiìs i,llr* clesv¿lortza ioclus o.c siit'Li : cx[]i'iot':s
cle nobreza. a riqr.ieza cÌos tra-jes. o protocolo cJo tr:rtanlcnto soi:t¡,Ì. o cerimo-
nial das hoili'as públicas. tão ao gostû cliì socir:clacle conlemporânca. More
fala em <people r.vho think themselves finer folk becatise they wear finer
clothes>>. e que esptram qlie lhes sejam pl'estacias honras apenas porque ves-
i1 Jhernras \{orc. L'ta¡rlr. tem Llm fato ricorr. E sobre a ¿'Lristocracia cle sangue colneljta:
I I 99-r]. Clnrbr i"e(lc, C'anl-
blitìgc U. P. p. 71. Esta ecliçiìo The pha¡tont of false pleasr-rre is illustrated by other ll-ìerì wlìo run lr¿ìd
se ri rrsacll cl¡.r titillt-s its
rvitli cle light over their own lllue bloocl. 1-latter themselves on ttìeir nobilitv.
reti:r'ôncìas iìo tc\tQ. tluc
pirssarlo I scr lcitas Pclo ¿ìnd gloat over all their ricil ancestors (the only sort of nobility rvo|th
núrurcto tla pliginl. no tcrto. claiming these clays). and all their ancient {arnil.v estatts. Evcn if thel' don't
O¡,,tou-.sc pùr usnr a ciÌicão
nr:ris rcccntù da sór-ie hai,e the shreci of ¿ìu rst¿ìte themselves, ol if they've sqllanclered everv
(.'untbril'¿t Ie\tr i]t iltt a hit less noble
llellriy of their inheritance. they don't collsider thelnselves
Il í: to rl tf' P rt !i t it:u['l' lttt u gltt
(P 12)
e não ¿ì {(li(,'ÍÒ ctitica. o
volrrinc J tlc'l'ltc C'ontpltttt'
llil.I-s ¿ri "5l. I'Itttt¡tus ,\1ore. etl. A ploposta cle i\4ore vai ao arrepio cle todas as converìções cla época. que
Lrrhvard Surtz. S. -1.. and J. H.
asseuta\¡am nltma vrsão hierirrqLìica cio munclo e cia sociedacle. É possírrel
llcrter'. Ncr', Ilatcn. Yrìc LrP.

1965. iror' rxzÕLìs dc encontfar prececlentes, n¿ì literatura. de socieclades baseaclas na igualclacle, e
o
acc-ssrbìlldatlc para o ltitot.
A RepLibtic.¿ e A.r Lcis cle Platão for¿rm fontes de inspiração rlencion¿ìdas no
nrrslno clitilio sclli LtsarÌo
piìrâ o colìlcrìtáI1o ¡ 9þ¡¡-s tlc próp¡o tcxto da tJto¡tin. É, tambérr-i, possíYel encontf¿ìr prececlelltes p¿lr¿ì o
orrtros ¡utùlùs. scnlPlc (ltlc icleal cle comuniclacle igLralitária qlre More ¿ìpresenia: as colllllnidacles tnonírs-
rrr ist:ulì cdiçÕ.s rcc-ssír'cis. de
qualidrclc. ticas meclieviLis for¿-ul-ì, sem dú\'1d4, modelos p¿ìra a clescrição da socteclirde
Lrtopiana. No entanto nenhum clestes esgota o poterìcial inov¿rdor e raclical
clas pl-opostas cle More qlte. é importzinte stttrlinhar, clescrevianr a socied¿ìcle
sem classes como clliclaclos¿ìn-ìerìte estrutulacla. (horizontaìmente), ot',9rini-
zacla e feliz. A desordem e o c¿ìos. que os sÐLIS contelnporâneos previalll cluc
se inst¿rlari¿ìtrì. c¿ìso as hierarquias f ossem perturbaclas. existenl apenas na
socieclacle desi-eual e iniusta cla época contempolânea, tal como o alltor a vê'

More enu¡cia cluas r¿ìzões p¿ìta afirmar qlle ltma sociedade estruturada hie-
r¿ìrquic¿ìlllrnte não pode constitur Llnl conutlotttt)eíl¡ft virtuoso. A priûleira é
qlle. enì toclas as hierarqr,rias. são sempfe os piores qLlc gilnham pocler e o
Lts¿ìt't-ì em benel'ício próplio. O segtlndo afgllmento confirma o
prineiro e vai
iltais ìouge: nenhum¿ì socieci¿ìde hierár'quica pocle ser virtuosa. \ isto qlte a
existôncia cle hielarqLrias encoraja o orgulho, que é o pior dos vício.s' E é o
otglrlho qlle está no ceniro de todos os contnlotlr\"eolths, impedincio que
estas socie clades possuiìnl qualqller senticlo de justrça ou de equidacle.

se a sociecl¿1dç só pocle ser erguida sobfe a igualclade, então ¿I


rrir.tr-roS¿l

socieclacle liierár'c¡uica. a precedência e o gr¿ltl, têm qure ser desmantelados'


O ú¡ico catÌlillho será a abolição cla propriedade privacla e do uso clo dinheiro.
Só na partilha clo tratralho. que gar¿ìnte ¿ì todos ttlclo quanto lleccssitiìm. scnl
nccessidacle cle se efectuaren trocas por dinheiro. só na rgualdade radic¿rl e
vivicla etÌt toclos oS lllol-ì"ìelltos clâ exlstência. poderá Llma sociedade ser
virtuosa e feliz.

O celne cla algumentação cle N4ore , brevernente enunci¿ìdo, desclobra-se em


ciilele lltes planos cle raciocíneo e ¿rrgurnentação. O nloclelo de sociedade ex-
r:iì

ì,:r

i;t
posto r:tÌl L:topiu ó clcscrito com um porntenol e un-ì¿l lógica que tofnam
r,l:
clifícii, se não mesmo impossír'el, cletectar contradições. E mesmo oS aspec-
r'rtopiana
toS menos atr¿ìenteS oll ûlaiS impi'ováveis da organizaçao soci¿rl
tên-i uma tazão de sef, Ltma explicação plar"rsível e ractonai.

contem-
Enquanto o Li,,,ro I cliagnostic¿t os m¿rles que afligem as socieciades
porãn*r,r, e cleb¿rte a crirninaliciade, a pobreza. a injustiça. a crr"teldacle
d¡l

iegislaçi1o. oS costltlïìes clos ricos e os vícios ì qtle Se cieclicam. reit'at¿rtlclo


¡ro

ñìesmo te1npo o ambiente cle lisonja e mentira qtte rodeia os poderosos.


¿

or-r g1ó-
iahbiliclacle das decisões tomadas por imil-rlsos cle orgulho' ganância
ria, o Livro II clescreve a sociedade perfcita'

O primeilo livl'o evoca a socieciacle c1a época. () refere situações collcret¿ìs'


relacionacl¿rs com a acln-iiliistração cla justiça e a niìtllrez¿l das
ieis, bem como
co¡r circunstâncias específicas, oncle se destac¡i tt enclosure. a veclação de
para a
terras antes cieStirladas à agricr-rltr,rla e que passain iì Ser rtservircias
parte dos
criação cle carneiros. ESte ponto ten"i stiscitaclo algtlma ätenção por
historiaclores, qltc têm terìtado e¡quaclrar as afrrmações cie More nos
daclos

conheciclos cleste períoclo. As conclltsões a qlìe tôm chegaclo refèrent


clue a
coirlo
etrclosnre não constituia unt processo generalizaclo ern todo o tet'ritório,
se pocleria depreender. clas palavras de Raf¿iel Hitlocleti, lllas en-ì larga inedicla
¿rnálise sócio-
os efeitos eram aque les qlÌe a Uto¡tirtenunciava, ¿itr¿rvés cle unra
-económica cio processo. Esta equaciona as rnotiväções ganância. luxo,
-
f¿rlt¿r cle escrúpulos, com as inlciativ a vedação e trarlsferência cl¿i
a_errculturä para ¿l criação cle carneiros, e ¿ìs coirsequônci¿rs campos abän-
- obrigadas
ciãnados pelas faniílias clue deixam de ter nleios de sustento. qne são
a vender o poltco qr.re têm por quase n¿rcla. e que inevitaveìmettte irão engrossat'
os números claqueles que roubam ou ¿rssalt¿im para sobreviver.

Ao nresmo tempo à ent:losure concluzia ao aumento de preço cla lã, fix¿ido


por um oligopólio poclerosíssimo, o que gefava ineyitavelnlente o aLlmento
à. pr.ço c1e outros proclutos. O ¿tttmento gerai de preços concluzirla. prissäclo
pouco tempo. ao clespeclimento cle pessoeis empregadas noutros scrr"iços
¿los ricos e pocle-
ipp. 18-21). Mais utra \iez aqui MoLe tece Lllna crítica feroz
,.òror, qre ficarii i*punes quanclo são eles os útnicos Lespotls/t'eis peta
crirninaltclade clos Pobre's.

O tenra da ettclrtstrLz é irltrocluztclo rlo contexto m¿ris vastcl cle um tliíilogo


ticla
clentro clo cliíriogo. em que Rafael conta a More e a Gilles umiì conversa
er¡ casa clo Ca¡cie al Morton, o mes1rìo cle qltem More for¿r pagem' Este cirálo-
go ilustra, por ¡m l¿rclo. os costllfiìes de uma casa nobre cla época' colll poft¿l
p¿ìr¿ì contrastar
abert¿i e mes¿ì posta par¿ì quem passasse. mas Serve t¿rrnbém
os hontetis inteligentes c jLrstos colll oS bqulaclores, dc opiniões {'ltticlas
c

falsa lisonja. O Calcleal é um homem raro entre os poderosOs otLS tttLtc'Ìt


res¡tectetl.fctr his w'isflr¡rn ttttclt'irtr.Le cts.f'c¡r his cu¡futril'" (p 15)' Os olrtros
um
intervenientes. alétr cle Rafael. cujas qr.ralidades estão ¡á cleÍ'inidas, são
homem de ìe is, r-rm pärasita cia socicdacie e LÌm fì'ade, Cacla um se deline pelo
discurso. a1lrescntando porìlos i1c r,'ist¿r ou meiL.s cle algumentação que são
irrópLios clas funções quc cleur:mpenhairr. sencio eslas vistas sem cornpia.cên-
e ia por }¡Tore .

É esp*cia.lrïLìnlÐ significativc a 1:apel dc honie rn r1e leis. qlle teilt, ¿rfinai. a


rlìcsìl¡, prolissão de i,'îol'e A ;rrgumentíìção clue produz. def'endenclo a legis-
1ação ern r,1gor, r ;r.rgì,tmenl¡:.nc-io com oÍhe s'olenut sn'l.e r{ dispufruús u:|rc
ure beller r.tl sLtntrnùrg up ÍÌutn ut re¡th'ing, tutrf .,r,ho like to sltow, off tlrcir
ntetnoì-1:> (p, 21). caur.cteriza o aclvogacio com¡-lin na. época. É pot isso cle
regist;tt' clue Sr{ore não clefe ndr a cla,sse r-uócll;r <cnt iìscensão>, eomo clizem
a.lguns comct-ttadorÐs" e o seu ¿ìtaque à ar^istocracia uão irlplìca a clefes¡. cle
orltr¡r cois¡- seilão d¿r viftucle. c1a i:cluictade c da justiça".

As or,ilras p*lsoii;r.ggrìs só sllo rei*van{es para evidenciar, p<-x contrasie. as


qi-raliclarles do Carcleai e t¿ln-ìtrém de Rafacl. lmporta sobretudo sr"iblinha.r
que ;l.rguIli*nlaqño cic Ilitiocieu. ouvicla com atenção pelo Cardeal. Íìssenl¿ì
no presslì-p{r5ïÐ de que a criniinalidade é uma cons*quônci¿ c'los d-efeitos de
oigiinizi:ç:l¡ social e nã-c c¿lusa clos mesnros. As leis. por sell tt-trrìo. são con-
ce biclas 1râr¿t c¿ìsl"igar e não para recup{ìr¿ir o crimiiloso. e são cl* rigor exces-
sivo p;ria r- n¿ìllÌrez;ì clos ciiines comctidos" l{ão será. pois. de estranhar clue
a socle<lade cizi {Jtopiä te nha dcsenvoiviclo um sistema social com muìto poLr-
cas lcis. É a prÓpria orgânica social, são os coslulres c¡rlaizados. as rotinas
livlenren'le ;rce ites. que clesencorajant a cnrninalicla.de e o vício.

Cs i"ícios da aristor:racìa e cle toclos aqueles que qlÌeretn imitai' os ai'istocLl-


ias, pensancJo assim promover-se. relaciona.m-se com a ostentação" jír iefe-
ricla. e r; o*l iì pref'erência por praze res irr;ir:icnais. coiuo os jogos de azar" a
gr"rla" a lLixúrria. De toclos estes.,,ícios esiãÐ os utopianos ìsentos^ por terem
s;rbiclc ¡ri:t'cebe r. usanclo a razão. qlie estes prilzere s são meramente ilr:sórios.
arrastaur1o consigo iluito mais insatisl'ação do qr"rc saiìsfação. Para os
utopi;ulos a felicidacle encoutrâ-se alrÐnir.s no pl'osscguilitr--nlo dos prazeles
<<bc:ns e honcstos>>, scìnclo ¿rssim virtuoso,q, È, a virtiid* conslste em viver c1e
¿rcorcicc{ìlllil.nallÌfeza, <V,¡hett(.tnltutobetslherlicruîescf reu,soninr:hoosittg
r¡ne lhirt? rurcl cn.'r¡i¿litt'g tur.otlta¡ he i.s fbllovt;ing rtrLtnre> (p 69) Ao,seguil a
niìtllreza. cs r:topianos l'ir¡em cle ¡,corclo com a lei c1e lleris. que eliou ir,s
pe ssoiìs trt¿lf¿I sere m f'e 1i;:e.q.

O icle al d.e feliciclacle e xposto no Livro lT cle Lirr4;¡a ó erl¡-borado airavés da


cOni'ergônci:r cle uil r:onceito cle racionaliclacle r: r,,irtudr. próprìas da n;rtn-
rezl human¿ì. conl as institLricõe s sociais constrLiidas pe io home rl. r,isando :t
f'eliciriarl.:. obtida no cclLrilrbric, ll;r p;Ì2, n.t igLraldnde .

A L:topla ó uin¡t ilha. siii-racla erìr pârr,c incert¿r e ressuarcl¿icla rlo cont¿lcto
reglriat-collì otitf¿ì,s civilizaçiles. {) scLr isolarnento prrmite,ihc nr¿Lltl¡,:r int¿ic-
tiìs * scin contalrin;rçãc- as cpr;ilicl*cies cio se¡-l sistema po1ítico" ccotlótl-tico t:
soclal. A organizacã-o poiítie a é sinlple s, de stinancio-se nl;ris a garr tliii' il par-
tiihä cie respons;ltriliclailes cto qu': piopriamenLe decisões estr:atógrcas. As
ciìractetística.s gcrais ctesta socieclacle galantem-lhe tal estahiiiclarli: qu* a
poiític;.r-. l,omc é ho.je er-ile nctrcla. não lem qu;tlqu*r.ceiltido. Tem senticlo sim,
pafa os utopianos. a política no sÐLi serltido c1/rssico, e1e vrd-o" na ¡;olis" or: :i
vicla social partilhada, n¿ts respon:jabilidacies" nos prtl-zeres^ níls actii.'idades
proclutivas. Por isso as cstrutLiras rfixesent¿ìtlvas dos r:topianos. chatnaclas a
tonl¡u as poltcas ciccisões nr:cessá-rias, são enianaçoes i1o nílcleo central da
sociedacle " ;r farníli4.

A .,'icla dos utopianos é comunithLia. irr: senticio em qltfl Jrartilharn os esp¿ìços


de esîar e de lazr:r'. tal cor:l'ro s¡ll;rs e cozinh;rs coilllllis. qlle sÐr\cill. ctlttjtlttîos
ile far:ríli*s. ur.rmei'ic¿rment* definidos. H,sta é, pat';t os ttlopianos. Lllllil org¿l-
nização lacional. quc SlrrriuìLc cctrnuiria e mclhor c¡"raiirlacle" na illlìão cle
esforçcs pelo bem esta-t do qric no sçu prûsseguimentc rnclivirlualiz-aclo. Nao
havenclo pioilrieclacle ¡tri.,,ai1a as habitaçoes clos utopt:tttos são tambéni cl¡-
comr:niciacler. deyenelo .ìs casrìs s*r rolatìvänlenlt ocripadas. Ð, con-io iodos
produzem para o bem comuil, os aliillentcs não são transaccicnactos. mas
silnplesntente requisitaclos. coníbnnÇ a.s necc:;sicii,dc.s, il;ìr¿ì clicia um clos
conjuntos cle farnílias. A prioridacle para o coilsluno de góneros e1e c1r:aiiclade
superior é rJacia aos hospilais, clue se sitr,t¡.;n fora clos tlìuros das cid¡des, ¿r
fim de precali*r srtr-rações de contírgro.

O tr;rbalho é a fonte riciueza da l-ltopi¿i, cujos rectilsos n¡.iurais não sãc cspe-
ciallnente gÐíìetosos. mas qufl a sociedaci* foi ca-paz de torn;rr e xlrçnr¿me nt¿
pi'oclut.ir,,os, através de um sistem¡. enl rlue todos trabalhalr: na agrieLtltLila
ltor Lrll períoclo f ixo de tenìpo. podeiiclo clei:ois riecltcai-se iì outl¿ì.s actìr,'ida-
des proclr-rtivas. Deste nroclo não i;oderit st-rt'gii nenirui-ir;r eliferenciaçã.o cle
claSSCS, nCm pOciet'itt Sttit:iL '',lri'asilrLs :;OeiaiS. I-Jrria Sér're de cO:,tumes
utopianos re f'orça a idel;r ci* igr-raìilaciÐ. comû n vestuiliio, l-ocio igr:alr: lrera-
meiile funcional. seüì ornamentos. o cumpliinenio cle horírrìos lclênticos ou
pfrcllrsos educacionais senlelira¡it*s. Atravós ciest*s ': clç oi-lttos costlìmes.
os r;topianos nãio são cxpÐstos às lrirtações que clestroetrl ¡. ,,'irtr-lde nas socieeJi:"-
des ocidi:ntiils,

f\ l'eligião ulopi;tna. cLiriùs:ltllclltç. ilj-u é apenas u,illa" pl;ìiicacla. por toclo¡.


Os r-rtopianos são livr*s c1e scgurr ¡,s suas pLóirrias con,¡iccõe.r. lllas lr lriaiot'

paite acreclita nunra folma de relrgiosrcl¿rcle raciotral. tfio compatír'el cotll o


cristi¿utisino ntr:itt:s aceitar'ão csta ie1lgiã,o iogo clue a cotlhecr:rl. atl^lit'ós
qr.re
c1c Ral'a*1. S,4ore arguil'ìÐnta. nL'si* rìspÐcto cle {,11o¡tla. clitil t, ;l'i>iìiltlìstrro
cleye :¡er olie nt-acl.or ntolal da condr-tta qr-iotidiana. c qi-ie nã-o ó tlf, lodo incoil]-
patíveì cOrìl iì fcliciclaclc: os utoplünos vôrl ilt ttrt¡do ct'ítìr:o t)5 rll'clììitl\. t)\
asceits. aquclcs qLtÐ Loni,l,uirLtri;r lri.riLlfû7-¿ì {jil'ì nûilliÌ ilo sactíiici0 pcllr ptt'-
feição. Por outro lado, os Lltopiar'ìos admtr¿rm e prezam aqueles que abdicam
cle toclo o conforto para ajudar o seu sernelhante. e More descreve as activi-
dacles destas (seitas>) colÌr traços rnuito parecidos com os das ordens monás-
ticas meclievais. A compatibilidade d¿r religião utopiana conl o cristianismo
assenta, afinal. na convicção na tr¿lnscendônci¿r. ot"t sejä, na existência de
Deus e na imortalidacle da ¿ilma. A preocupação coni a salvação da alma
deverá funcionar como um relorço da conciltt¿t racion¿il, jh que Deus. como
foi refericlo. criou os homens para viverem de acorclo com a natureza e
sererrì f'elrzes.

Se as leis de Deus são racionais, as leis hum¿rnas t¿imbén o serão. Atr¿ivés


d¿rs suas institüiçoes o povo ì"rtopiano criou tocias as situações preventivas dir
criminaiiclade e. nos casos raros em que as leis oLr ¿ìs nornìas são infringiclas.
os castigos são proporcionais ao clime e visam a recuperação clo criminoso.
More antecipa de quase três sécr:los perspectivits sobre a reforma clas leis
britânicas que viriam ¿i ser clesenvolvici¿rs pelos laciic¿ris e utilitaristas dos
finais do século XVIII e das primeiras cJécadas do sécLrlo XIX.

Estir exposição. necessarì¿rmente breve. d¿i substâncradaUtctpia. poderíi tor-


nar mais claros os comentár'ios finais. cle Rafael e de More. Estes conentát'i-
os sintetizan-r dois pot.rtos cle vista clistintos, entre os qr-rais More. colro ¿rlrtoi'
e não coino personagem cla obra, não toma posição. O comentário de Rafael
compara a Utopia com os olrtros cotnnton\t)eultls cltt época e diz, nomcacla-
nlente:

When I run or,er in my mind the various comrÌionwe¿ìlths flourishing today,


so help me God. I c¿rn see in them nothing but a conspiracy of the rich,
Iyho are fattening r.rp their orvn interests uncler the name and title of the
cor.nnlor.ìwealth... Pride is too deeply fixecl in human natlìre to be easily
plucked out. So i arl that the Utopians ¿ri leasi have been h-rcky enor-rgh
-slad
to ¿ichieve this republic ri,hicli I r.vish all mankind *,onld irlitate. The
institutions the-v have adopted have m¿rde their corrn.u-rnity most happi,'
anc1, ¿is far as anyone can tell. capable of lasting fore,,'er (pp. 108 e ll0).

O conreirtário cle N4ore. person¿rgcrìr interveniente il¿'r obrtt Uto¡tin. refere;

When Raphael haclfinishecl hrs story, i tvas lelt thinking that quite a felr,of
the l¿rli,s and customs he had described as existing ¿ìmon-q the Utopians
u,ele re¿rlly absurd. These includecl tlieir metliods of rva-eing rvet, tlieir
religioLrs practices, as r.vell ¿rs other.s o1'their custonrs: but my chief cltrjection
u,as to the basis of their- rvhole system. that is. their commnnal livin-e ancl
tlieir moneyless econonry. This one thing alone subvelts all nobility,
rnagnificence. splenclour and mi¡esty rvhich (in the popular vierv) are the
trlìe onlaments ancl -ulory ol any comnlonrvealth.,. lV{eantime. rvhile I can
harclly a-eree rvith everything hc said (though he is a rran of unquestronable
learning and enormous experience clf hnrlan aff'aiis). yet I freell,confess
...!
. I

I
:

that in thc Utopian comn-ìOl.ìwe¿ìlth there are lrriìlly lèatures ihat in our owll
socie ties I rvoulcl like rather than expect to see (pp.l i0- I 1 1)'

Os ciois pontos cie vist¿r finais da Utrtpitt contribuem para um convite à lei-
tura clo texto corno <obt';i abert¿i>>, collìoiá foi referido' A ironia e o humor
não tomam, no entanto. nlenos séricts os pioblell-ìas de orgatrização social
levantaclos no texto. nl¿ts tofl-ì¿tm o texto scguli.ìlllelltc lllais iltlaente. Se, em
algu¡s aspectos cle portnenor, o hllnlor lliofi¿ìÌ'ìo poclerá ter exageratlo as

peculiariclacles cle algtrns costlllrres utopi¿uloS, não é menOS verclacle qtte ¿l


lógica e a serìsatez cl¿i narratir,a Ie vestelll piopost¿ìs sérias. mesillo que não
fossem reaiistas.

2.4.I A literutLtt"tt túri¡ticct etn lttgl(tlerrü

Depois de (ltopia Sltrgill. em Ingläterra. todo uma literatura utópica' New


Atltgttis c1e Francis Eacon terá mLÌitos dos traços que irão iclentificar este
tipo cle ficçãro: a socieclacle alternativ¿t. qLre implicitamente evoca. pela clife-
renctì olt pelo conträste. a socieclacie britânic;i, o motivo da ilha. repetido
alihs no te¿ìtro isabelinol a situaçã¡ do narrador, de origenr hrilânic¿r m¿is
viajante perciiclo em iongínqllas par¿ìgens. clas quais traz nolícias e histórias
insó1itas e exeniplales. James F{arrington. com Ocecun continu¿irá este tiilo
cle liter¿itura. oncie poclernos enquaclrar obras cle fìcção como G¿¿11¿r'er's
Trcn"els

cte Srvift ou ittsrtn CrLrsr¡e de Ðefoe. no século XVIil' The lclett ctf' a
Rol
Per-fect Cr¡nunortvt'ettlth de David }Iume. texto tanlbém setecentista é outro
exernplo de utopiä. esta solrclarnente ancoracl¿i nas próprias ilhas Britânicas
e sem o atractivo d¿r narratiYa ficcional.

No século XIX or-rt¡as r-rtopias cóiebres serveill o propósito de lecriar in'ragi-


nirtivamente sociccl¿lcies alelnaiir,¿rs à socicclacle inch,rsrial, cotlo Ìlett's.front
Noy'he¡'e. cle tr{illiam fr'Iorris. ou Erev'\rc¡tr, cle Samuel Butler' Est¿ì' no en-
t¿ìnto, prenltncia a clìstorção c1a r-rtopia. oLt distopi(l- qlle na vil'lselil piìl'a o
sécr:lo XX começou n stti'git', lriì pcni-l cle F{. G. Wells' A ldera cle que o
progtesso tecnológico pocler'á sribvefter e penrerter todos os valores tr¿rclt-
cionais cçmeça a ganliar \,olulne, e a obra c1e Aldous Huxley Brtnte l'lev'
\\t¡rltl. expressão entprestacia cio t'enascilrento is¿rbelino. venl expôi a per-
rr .HÐrl bcaute0us mankincl
versão cla socìeclacle baconiana levacla ¿ìs últlrnas consequênciasrr' A bon-
is I O brrvc ne r',. * or lcl thlt has
clacle clos sistemas conlunitários e Socialistas. qtte a dltopia de More tofnara -rLrch pcopìe in itl" Shakes-
(Jeorge
atfaentes. explodirá pela negativ¿ì enl 1984, a ficção utópica cie pe rrc. in 77ir 7Llt7re.ti. Acto V.

ertnâ L
ûrrvell. clenúnci¿r angustiante cla socieclacle comunista. O culttvo da r-rtopia
na liter¿itttrü aconlpanha, pois, as lclc'ologias c os PCI'ctlrsos da própria cul-
tura inglesa. como pontuallìlente se verá'
2.5 ,4" lRefor¡aaa fuema"iqxåmn"

'fhonlas
Embor;r oS pontos aciilla tratados. com îÐlefôncia ospecífica ¡ 5ir
fu{ore e a {/topicL, ¡0s tenhanr obrìgitdo a inrlncionaf alguns dos f;lctos cla
Relorina h*ngqgina, ìnrpÕem-se ainda illgun.ì;ìs ccltsiclclûÇões inclisp*nsá.-
Ycis rtllr;r rslcs rrcunlct'irilcl¡ios.

Os f:rctos fornra henriquìir;r coilt¿Ìl1-l-si lapidâmente: por votrta de 1525


c1¡- R.e

iìenrique Vl{I peLdera ¡- esper¿ìÌtça rle vir 0 ter Lirn helclctro rrasculiilo. l}o
â pfiìl-
seu c¿ìs:ìlne nto col1l Catarina i1*Aragão sobrevivera apÛíìas LlÌllâ filha'
cesa Þ,ilaty. Em 1527 o lei parecìiì âilsioso por c¿ìsar cotr-t A'1la Ilole n;:', prtÇi
Sando pata ïanto de se. dl.,'orciar cle Cataritl¿^ i)J"l ;l o qtlc "lpfesentÛu o selì
caso ¿lo papa Clerlente Vi{. lJrn conjr:nto cl-e circutlstâncias clesi'avorár'eis ¿r
F{enriqr"le VI{l em Roma tùriioli iritpossível o consentìmento clo Fapa. Ërn
1529 o re i ç:o¡'iYocori o ï)iìrl;ìme nlo c Ðncor¿ìJoll os Seus n-ìgllltlro''i a expfessar
os.qelrs sentiineittos anticlerícats, Ðntre 15?.9 e 1532, o cham;rciollei'ortnttliot't
Pctrlicu¡tenf reltniu clll quÌtro scbsòc\. com trêS objectivos Cliìfos: relinìr oS
leígos em apoio sólldo ao rei, illtimiclaL o clero e ievír-lo a ceclet'às exigôir-
cias clo Farlamentc, e coilseguir ä anuência d-o Papa pala ¿l atrillação do casa-
menlo do reì,

Os clois pritneiros objectivcs for¡-m cousegr-tidos; o terceiro não Ilm i!'4aitl


cie1532. quancio ac¿rbou a qu;rrl;r Sessão do granrle Parlamçnio. as relaçõÐs
entic F{enriquc V,{II Ð o Pap;ì eran-ì tensas. mas ilão havia ainda rtlptllras irrÐ-
paiáveis. A crise pfccipiloll-se enì 1533" corr o casíìmfìnto:ieclelo i1o rei
conl Ana Boleira ß a nome¿Ìção cle Thomas Craniler colllo .{rcebispo de
C;rniirárìa-. Entre Fevere iro erAbril o Parlamento irroinlllgor: oAcf in Restruirtt
of lttrtpertls" elue transle ria para o Aice brspo cic Canti-ráriÐ- o poder de decisãcr
sollfÐ iìssltiltos c1<: foro espiritr:al, retìrando esse poder a Rolna hio qLre dis-
s*s5e fßspeito à pûssoa clo l'ei, o poder iesìciiria n¿. L|pper Ílr¡Ltse ot
Co¡n,or:utict¡¿. Este d.rspositivo l*ga1. tota.lrnentÐ ingìô:ì e indt:penctente dr:
Ronia, pronunciot-t ntÌ10 o casamenlo cle I'lenrique VIT^ com Cat¿rrrna c1e
Aruglìrt c ieuitilnorr Ärìil Srileilrr (onlo i',tiilhltilr ìtigl,ricll';t. Itll ScTclilbl'o..l."
!r O rellto dits lconteciltlcn- 1533 nasceria a- princesa îsalrel, único liuto rie:ite sÐgundo cnsamenLo clo reirr'
tos ¡roclc .str lido cm portnc-
nor enr S. 1' .llindolf. 7ìldor
cxtl (Stìcce-sslon
A convocitção cio Patlatitetlio crn i-î29 poderh t"il coffesponclido, frl
f: n untl.
lngiaten':r. ¿l Ltil-tiì cainpiìnha of ici¿r1" ntontada em olltfos esliìdos Co norlc cla
:.< i

anrl Suprcmircv". pp. 77- I Il.


eIlì qr]c estc piìráslâfo sc
Europ;r. r,is¿ndo collsoliclar e lorirializal os princípios le1ìr"rnado|es As
basc i a.
jogaclas decisi.¡as foram cìrprerndidas airar'és de 'Ã'åa*cnas {lr*¡aaal'eåå em
1532. e consistìram prìncipalinente na aproviÌÇã.o cle leis qi-tc .ttlit'lrtt1ìilttl a
<Sr:bnrissão do Clero> ¿o pocler clo rci. 8m 1534 a Act,f rtr tlte Subnission o.f
the tler¡1.t cleixorL bem claro tplo û esl¿ttuto cla igreja colllo r.titi .Lcillo* oLt
ï¿snunt separaclo tini-ra clie ¡:aclo ao i'int. {} älcitnce político rie sl;ts mecliclas
não porle se r ìgnoLado. 5c*lunclo o hìslonaclor G. R. ltltcln, os ;ìllo:i tt-inta cio
sóci,rio XVI assìstil;tlr a Llllì¿t ve iilacleìr a <re volLtcão'> ilo ,qo\rorllo cla {nglate rra"
'Thomas Croillveil' que lcrulartil
operiìd;ì a p¿ìrlir clo gónio polítrec c1o
de um¡t
rrì.eversível a seci:lariz.açã,o clo esiad-o, e garant.iria a ellciôncia
r'1' il C R. l:lton. '[ht I'udor
adn'rin istraçãro píi blica i nclepon dente dc cìero Rt:r'oIutit¡tt itI GoIe t tlttteI!!'
Ådnti¡tisIruIit tt Chunge.r in tlrc
Alside 1533. conhectcla como,4 r:l itt Reslrctint rlA¡;peoLs lr¡ [ìat¡te., asslna]a Ilci1n of-Henrl VIII, 196)-
Esta lei foia
clarame nt* a lr¿rnsf erêilcìa cle;u;:iscirç;ro ila IgLeja piìfa à coioil'
Canrbridgc. Canrblrdgc. t.l. P..

pp. J l5--127.
anteeeclicla por Llm célebrc pteâllbri1o, cla auloria- i1e'1'honils Cl'omtve1i,
onde
se cleclarava qlìe o rein'¡ de l;rglaieiri;. er¿l LÌTTl lrlpr3rio, governaclo
por um
clrefe sr-ipreûlo" {ilie detiilha ,rplertttt'1', wlnl* oncl en{ire po\,ver^>>' Os cLreìtoS

imperiais rlo rei serão cie rnolcle a que e1e adininistre a jr-rstiça em assuntos
r''. O le i pass;ì, assítl, a ser chef e c1a igrej a. Para poder- r5 Skinnq:t. o7r. r'it., vol. II
te mporais * e sptritur;ris
p. E6.
mos *ntencler melhor o gesto rÐvolllciûníì,rio que ittforrn¿r esta illedida' tcrÐ
mos .p1,J o enquadurr tan-il¡ém nos princípios teórícos clas cloutrinas político-
-r ciieio:irs illr jpocit.

Eur pritneilo li;g;rt, importa t'ecorciar nm prtneíirio fundamental, desenvcl-


vrdo por Luti:ro: o cle qu* o mLindo se e ncorìtriì providencialnrente orclenado
e de elue tr,rdo ac¡-iilo qlle .lcontece nele é ltm reflexo da vontade e dos desíg-
¡ios eie Ðeus. .lá lindale c h4elanchion haviam e laborado sobre este princí-
pio, o pr iirie iro ern T-he Obetlie¡Lt:e of' a C'hristicL¡t Mctn' A orclem da criação ó
;rqui louvacia. estatrelecendo-se uin paralelo entre ¿i obediência que os súrbdi-
tos dei¡em ao rei^ coll-ì a que Deus instrtr-riu pata as criirnças relalivamenTe
a.os pais, as mulheres aoS maricios e oS Sefvos aos Senhores. Daqr"ri deriva
uma premiss¿r esse ncial - a cle que todos os sistemas polítrcos fazem parte
<1os clesígnios cle l)eus sotlre o munclo. Sendo assiitl, ¿r obecliência
cio sírbclito

p¿Ì1-a Çom o sol"lerano é um clel'er. não apenaS resi'tltante do temor


mas. sObre-
tr-rclo, clo exçreício cla consciêticia. Eil contrapartida. o clever do soberano é
reinar segunclo as le is cle Deus e não ¿r favor dos interesses piópLios.

A arguinenta.ção cle 'fynclaie inslste ileste ponto" de que todos, incluindo o


clero, clevem obecliência ao rei. Dac|-ri decorrem dr"ras irnplicações: a pri-
meira é a cle quc toclos os poclei"es exerciclos pelo Papa e pela lgre.la Católica
que
são lrsui'pacões cle atttoriciacle. ilegais e condenáveis' A segunda, é a de
toclos os pocleres jLrrisclicronais e toclas as libercl¿rdes ecleslírstìcas devem ser
abolicias e assunticlas peltrs auioriclades secnlaLe s. A orde m desej acia por Deus,
segr:nc-loTynclale . Seria,,unl rei,ltttl¿l lei>. Não será de estranliar qr-te He nriqrie
VtrIf tivç,.sse apreciaclo ¿r obra de Tyndale. que ter'á liclo ern i529, poI reco-
rn
Skinner. idertt. p.72
mendação cle Ana BolenaLi'.

C processo políricro e constitucional cla Rel'orma tião ¿tcatroil aqui' Em 1534


LÌnt¿t nova lei trar"ia consigo irnplicaçÓ*s clecisiv¿rs^ cltÌtr pala a lnglatcrra'
cìL1ef parâ;r vtcla cle fhornas þ,4ore e cie Johti Fisher^ Bispo
de l{ochester'
O Ar,t 9f'Strcr:essi9¡¿ clestinavir.-se tì conf irm;rr a sucessão a-o trotlo de Ingla-
icrra nÐ pessû¿t c'h princesa L,lizabeth. filha de Anä Bolena. Aceitar a vali-
d:ii1e c1r::;ta linhl sr-rccssór'ia e nl olr,'i¿i Ltl-ti con-ii-rnto clc irnplicações que More
r
ll,l'

e Flsher reconheceranl: implicava reconhecer o divórcio do rei de Catarina


de Aragiio e iìceitar oS tern-ìos clo preâmbulo do Acl oJ'successiol?, onde Se
cieclar¿iv¿i clue o <Bispo de Rom¿i>> (o Papa) não tinha poder Sobre os irnpera-
<in'iecli-
clores, os reis ou os príncipes. ct¡o pocler não era mediatizaclo. mas
atamente> conte¡clo por DeuS. Ace itar este pfincípio significava rejt'ita¡ o
ponto cle vistit catÓlico sobre o regilLtttt e o sctcerdr¡tium. Ojuramento obrig¿-
tório. cuja clesobeclìê¡cia era consicleracla alta traição, qlle consistiit clrl l'cco-
nhecer o rei cotr-io chefè sLrpremo cl¿ì Igreja erl Inglaterr¿ì' marcou sem mar-
ge m p¿-rl.¿t clúr,iclas as implicações políticas cl¿r Lei da Sucessão. reiteradas
no
ano segttinte pela Lei cla Supremacia (Act ofSLLprenutc:l')'

Nos seus aspectos coustitr-rcionais, a Reforrna He nriquina estava conclttícla.


O processo cla Reforma, n¿ìs suas aplicações práticas e no desenvolvimento
cle teoria ilia, no eniatlto. continttat' por muito tenlpo. e sofret' inflexões ¿ro
longo clas clécaclas seguiittes. Mas o ponto cle vìragen-i tinha sido alcançado e
nacla seri¿r cotr-lo ante s, nas relações erìtre o podel temporai e o poder espiri-
tu¿rl em lngl;iterra.

Entre os histol'iaclores qtlc. hoje em dia, estudatn este período. está abelto o
clebate Sobre a n¿iturez¿'t d¿i Reforma, senclo de regtstar duas tendências cle
análise pleclominantes. Um¿i defende que se lratou de um moviinento ainda
<medieval>>. em qlte as meciidas ton-iadas nas primelras décadas do sécuio
XVI apenas prolongaram e conl'irmaram tendências de pensalne nto e acções
vinclas cle tríis, que se tracluziam nunl movintento inexorável en-i direcção tt
unra Igreja n¿icional. e que o Estaclo. em finais cio século XV tinha já grande
controle fle.facto sobre os poderes tradicionais da Igreja. Outra iinha de aníi-
lise ¿rfilma que, pelo contrário. a Reforma foi um movimento revolr¡cioná-
rio, conscientenlente entendiclo colllo tal pelos seus principais protagonis-
tas. G. R. Elton e Quentin Skinner partilham cl¿rr¿rn-iente este pollio de vrsta
e sublinhant a itttenção revoluciorlária de Thomas Cromwell ern, pelo
¡te t-ìos. clois pontos essenci¿ris: a lgreja ern Inglater-ra deixott de ser consicle-
racl¿ì con"io L¡n rall-to cla Igreja Católica, otl seja. univers¿il, e paSSoLl ¿ì Sef
entenciicla conto lgreja de trnglaterra (Chnrch o.t'' hrylcutd)' Ern segundo
lu_uar. o conceito moclerno cle obrigação política relativamet-ìte ao clesempe-
nho cla autortclade secular Surge agora. e só agorä. pela p¡me ira vez.

2.6 Resultados sociais da lìeftlrma

A Refolma henriqr-rtna não teria sequências apenas a nír'el de culto, de teolo-


gia or-r cle política. A nír'el social algumas clas medidas tomad¿is por lhon-ias
Crontrvell ,,,ieram a ter efeitos talvez não irledrat¿ìmente perceptír'eis' lll¿ìs
c¡r-re são ente nclicjos itgota como signif ictitivos p¿lra a interpret¿ìção dos
gran-
cles vectores de mucl¿rnça na primeira metade do século XVL Refiro-ne.
especificamente. a ltma cl¿rs medidas reforn-iadot'as. a extinção dos conYen-
tos e clas orclens religiosas. Na opinião cle G. R. Elton. esta medida, elrìbola
espectacular, não foi, ern Si tnesma, revoir:cionária. uma vez que os ataques
às proprieclacles clo clero bem como dissoluções cliscretas tinham já ocorriclo
rr
ao longo dos séculosrr. Para este atltor, o col¿ìpso das ordens religiosas ern G. R. Elton. I:rtgILuttl Untle r
¡It e'liulo t s. l.-ondon. lrlcthucn.
lnglaterra deveu-se m¿ris ¿r um cleclínio itlcxorável. há muito começado, do 1963. pp ll0-l.tl.
quc is nlcdidas governatttetttais.

Os efèitos da extinção das cas¿rs monásticas t-tão se farão sentir tanto ao nível
cla religião ou clo cr-rlto. ou sequer ciäs funções sociais cle apoio aos pobres e
cloentes. mas sobretucio nível da transf'erência cle propriedade perra outras
¿ro

mãos. Agindo cotn a eficiôncia já reconhecida. Thomas Cromwell promo-


veu primeiro Ltm inqnérito à situação dos inostreiros, conventos e ordens
religiosas, quer sob o plano moral quer financeiro. Depois começou por ex-
proprinr ¿ìS cÍìsas mais pequenas para, cle segr-rida, p¿ìssar às maiores' Ao lon-
go clo ano de 1536 os funcionários do estado dìssolveram institttições. ava-
liaram terras. fizerani inventários clo ouro. pt'ata. chumbo e pedlas preciosas
que encontl'¿ìram. e resolverani a sitr.titçãO clos rlonjeS, ou mandando-os para
Outro convento da mesma orclem ou. no caso de qllerefetn ¿rbandonar a vida
religiosa. pagando-lhes pensões oLr encontrando outras soluções zrceites por
amb¿rs as partes.

O processo de expropriação seria. no ent¿ìnto. perturlraclo pela revolta do


Norte da inglateua. nos útltimos meses cle 1536, que ficott conhecid¿tcomo
Pilgrintage oJ'Grctce. A agittição. que apenas afectott o norte. acabou poi'
demOnStrar que A malor parte da nação. o Centro e o Sul, estava com o rei c
acabou po¡ fornecer a Cromu'ell o pretexto necessário par¿ì a dissohrção dos
rnosteiros e convel.ìtos maiores.

Em 1538 os filncionários de Cromrvell prolrìoveranl um primeiro surto de

destnricão cle imagens religiosas e cle stipressão de relíqr-rias, passando de


seguida i\ clissoir-rção das grandes ¿ibadias, nonlead¿rmcnte Glastonbur,v.
Colcliester e Reaclin-s. cL¡os abacles foram enforcados por traição. Ern 1540
o processo estava concluído e o monâquismo. em inglaterra, deixava cle exis-
tir. Neste processo cle secul¿rrização. a coroa c tttrt impol'tante núnlero cle
leigos aciqr-rilira r.tm conjunto de terras cr,¡o clestino teria efeitos imensos na
estmtura socìal cla Inglaten'a. A dissolucão troltxe p¿lla a coroa rendimentos
cle mais cle €100.000 por ano, o mesmo qlre a totalidacie clos renclimentos
Fltun. lrir'r¡r p. l-19
reais ¿rntes do niintstério de Cron-iwellr¡.

Se aciissolução das orclens relrgiosas e aextinção clas cas¿rs de reiigião. com


¿t conseque nte iransfèrência de riqueza para mãos secul¿rre s. teve utl]
e rìorme

intpacto económico, a nír,e I cultural não teve menor importância. É.ot-t-tu'r-l


ref'errr-se a t:ste propósito, a clestrr-riçño de edifícios, bibliotecas e obras de
arte, mas sempre lembrando qlte ¿l drssolr-rção foi
acompanhâcla Èror
indemenizações e qlÌe neill tuclo se destruiu. Refere-se. também, que a extinção
não veio ¿rgrav¿ìr o problema assistencial. \,isto que este papelJá quase nalo
era assLrnliclo pe las orclens religrosas. e constatâ-se que o núrnero de pobres
não ¿ìLrmentoLr signific¿rtivanlente clepois cle ela ter ¿rcontecido.'famtrént soil
o aspecto humano indiviclual, não parece ter haviclo consequências drarnáti,
c¿ls para os monges e fracles que aceitariìnt os princípios cla Refornla, e se
;Uustar¿ìn1 om confonáveis siti:açÕes na nova hierâr'quìa eclesiíistica. Por'úrl-
timo. constat¿L-se ;rinda a imensa e talvez inesperacla facilidade com qL1Ð to*
das estas merlicl¿rs 1'ol'am aplrcaclas. não obstante o Pilgrintugc rf'{)ruce.

Mas, em planos menos visíveis, a Reform¿r e a clissoluçiro clas orclens relÌ-


giosas conttibr,ríranl para atltei'ações prol'unclers na cLlltnrâ e na sociedacle inglc-
sas. Ì{a opinião de Hannah Arendt a expropri;rção da proplieelade da lgreja
constitui, em si rrìeslllo. o irr;ris ìnrpollente factor ll:ìr;l ít clesagregação do
sistema ieudnlre. Esta alltor¿ì. cono fuiax V/el¡e1". ìrá problem¿ìtiziìr os ìrpec-
ì' Flannrlr ¡\rcnd -'[ lt e II u t ¡t¿t
t ¡ t tos filosóficos d¿i modemid¿rdLì. procurando entender os nexos Ðutre o prlì-
ConditittL. Chicago. Thc
Univcrsit¡' ol Chicago Press.
samento e a accão. a relìgiíìo e iì ecûnomla, a éIlca r: a vicllr uctìr,l" x qlle
i9-51i. p. ?51 posteriormÐr'ttÐ se 1';rrá referônci¿i.

2.1 û¡aosåção à Refonxeaa

A Reforina teve. também, opositores. pelo rnenos em al_euns clos .seus eslá-
dios de desenvoivimento. À4encionor-i-se acim¿r a oposição cle Sil Thornas
More e do Bispo cle Rochester. John Fisher, à Lei da Sucessão. qr:e thes iri;i
custar a I'icl¿r. A sr:a oposiçãc é. possivelnìente , indicaclora de outr¿rs, nlenos
conhecìcias hoje, cor-t-ro por exemplo ä cle Sir Reginalcl Pole, possivelmente
consicleraci;i na ópoca muito mais perigosa. h{as Reginalel Pole conseguin
autorização para visitar^ ¡r ltiilia, ern 1532. e por lá f icou. erl re latir,;r segur¿ìn-
ça. A mesnla sorte não tiveranl alguns clos seus farnihares. acusaclos de trai-
ção logo a segnir à execução de il4ore c cle Fisher. en 153¿1. e posict ionllenrc
tunlhónr cxt:clltirdos.

¡\ atrtLrcle de Sir "fhomas More. e ir e special.


licor-r na memória britânica e na
memóri;i católica coiljo t"tn exemplo cle liclelidade à consciôncia. ao se ntido
c1e cievel.. ¿ì nocão de obecliôncia. A.s razões clue terho levacio fuTore e Frsher a

opor-se ¿\s medidas reformaclolas prenclem-se clirect¿ur*l'ìte con.ì ¿l naturez¿ì


clecluasclelas.concret¿ìmente ¿rLeisobreasuLrntissãocloClero.de i.532.eo
juramento ¿rnexaclo à Lei cia sucessão. SecLrnclo a opinião de Cì. Ìì. Elton a
atitr-rc1c cle l,{ore cleve ser cnie ndida no encluilckamrnt{ì clo conce ito tr¡dicio-

iLlLnt. lÌ l(t7
nal dc quc existe uma lei cristir r-iniversal, a que as leis hur-naniis se cleven'r
conlormarr'r A posição ctrc Hlton atribui a More urn cûnservacloi'isrlro c¡ue
Quentin Skinner confirma" qr"lanclo reiere qr.re h4ore esiarí¿i preparaclo pära
reconhÐcer ao Reì no Parlar-nento o dìreito cle ser obedsctdo ntls itssttil'tos
temporais, rnas jailais poderra aceital a subnrissão do clero ai; rci ori o pres-
:ìuposlo de qlie o rei poderia agir sem autorizaçao do Fapa. A esrêncì¿i clo
conseryactrorisnio de þTore c Fish*r ser"ia, assitn, serenl amtros católico.s" ¡ro
pleno sentido da paial,ra,rr. rr
Q. Skinne r', op. cit., vol. ll-
p.93.

2.8 .rv cååv't-rågaçã* aS:l Ref¿¡rma

Se, por r-rni 1atlo. os ìnclícios clc: oposiçãro l'oranl abafados através cl¿r elimin;i-
çãc clos opositores, por ÐLltro l:ic1o a divulgação cl¿i Ref'ornra lienricprina foi
objecto dr: uma canrp;rnha cl* infonnação sr:m precedentes em Inglatet'ra,
apoiacla jír pela imprens:r. T¡.mlrénl esta caÌnpanlia foi arqr"titectada porThomas
Clon-lrvell, que manclor"r pubtricar cerca de cinquentä livros em defesir clo cis-
n:a henliq',lino. () objectivo prine ipäl clestas publicações eÍa o cle justificar o
c{ir*ito do rei eilt se clivorciar de um c;rso-rnento ilegítimo (o cäs;rmento conl
Cat;lri¡ra de Aragão, pof s{ìf viítva clo príncipe Artur. logo cr"rtth:rclä clo seu
seguirclo rna-ric1o) e em se ctreclarat Che{e Supremo da lgreja cle Ing}aterra.
F,stes lextos, no enianto. escl"r{os em iatiin e sotr a i'ornta cle trat¿rclo" não
pocl-eriart atrngir uni pú-btrico m¿tis l,itslo. Çortlo era dese-jo clc Cromr,vell.

A firi-i de garantil maior eficírela à clivLrigação das ideias leformadoras,


Cromu,e 1l acloptor.r äincla rluas estratégias irlpoiiantes A prirneira consistiLl
na plorioção cla flachição cia Ðíb1ía para 1n91ôs, Ð a sfgLltlel¿r no rnecenato
reiativ;rmellte rì. elaboiaq:ão e praclução rlc pcr,.r: i:elt.utis conr fins cle prtlpa-
gancla polítrca Nc pliln*tro aspecto impolt;l regisiat'a Ycrsiìo de Co',,erd¿ile
(153ó e 1538) cujo ìlioi,o Testamento se baseava largamentc nl anlcrioi tr'.i-
dLrção cle .flrnrhìe , No segtittdo, as c¡bras cl* John Bale que, ao longo cla
clécada c1e:10, coilpôs c*rci¡ cle vinte peças" loclas dc icol antri;apal.

For ú1tìnlo. impot'ta reierit'Lnrr olitIo f*crìfso pL\tt\ r) dlr,ulgação dos princípios
reformacJores. que julgc do maior inte resse: a justii'icação p*la históii¿ cle
actos qlte eram. sem dlivici¿r. inovaclotcs e sub.¡eLsrvos da tracliçã-o. T'ambérn
nestr ¿ìspecto John Bale te I'e grirncle protagontsnlo. tenctro composto algLtn-ias
obr:Ls clç'stinlLtl;rs :ì irfic\cntlu'Lt nli.r.1 trriif icaqi" ltis[ótic:t n;Lt'lL tr cisnllt
l-renriquirro. Segr"rnilo o ScLt ponl.o clc vista existiria clesde mr:lto cedo eni
Inglaterra um:r ge.imina versão apostólica clo clistianismo. e a célebrc misslio
clc S;rnto Agostinho. no século VII" etn vez cle ter reforçädo a lgreja. tinhr
Irlti: iliicilLrlo o lun{rr It{rcii:() tlr tolt tlfÇito t¡u'.'" it\l{)li.l. ii l{rI'tlt'iltlL tcliiL
corngiclo. cle ,,'o1r'e nclo à Tgreja cle inglatcli';.t r.t pLilr'zl pl iltlrtivil.
t-

A alteração de e straté-qia cia Igreja Católica. em 1536. coln a convocação por


Paulo III de utn Concílio Geral para ref-lexão sobre a relorma da Igreja
Católica e ulll crescenclo cie opìnião pública em Inglaterra, contriiria à polí-
tic¿r clg governo. levaran a Ltm se gundo surto cle literatLrra pl'op¿ìganclística a
favor cla Re f'orm¿r. Nas suas linhas gerais os textos de ¿rutores collro Richard
Morisot.t, Williarn lvlarshail, Rìchard Taverner ou Thomas Starkey' estão
inforn'iacios qr-rer pela formação humanìsta clos sei¡s autores, qr-rer pela veia
de luteranismo que se acentlt¿ì\,a na época. A obla cle Starkey. por exemplo.
An Exhortctfic¡n to the Pertple. pr-rblicada enl 153ó, insistia n¿i ideia de clue o
progra¡la legislativo cl¿r Reforina Henriqr-rirtii er¿r indiferente para a' salvirção
c1¿ a1rla, e por isso ninguém cleveria sentir escrútpltlos de consclência em

obedecer ¿ìs novas ieis. Starkey ¿ìcentu¿ìv¿t atnda a noção de chefia da I-eLeja
pelo Rei no Parlarlenfo (the King in Pctrlituttent) e não de cliefia estrita-
mente pessoal. o clue reforçava a noção de legitirriidacle e de consenso.

Aparecem aqui, claramente, tlaços cla l,i¿¿ mecliu anglicana, ttm conlpfomisso
entre o r¿rdicalisrr-io lliterano e o tradicionalismo católico. Esies autores
strblinlram. ¿issim. ¿i icleia cie qr-re a Igreja e o Cotnn'totnv'eaLth são uma e a
rnesma coisa, clo que decorre a legitimidacle das rnedidas reformadot'as e a
tranqLriliclade c1e consciência do cristão ¿ro submeter-se a ess¿ìs meclidas' Mais
iinportürite. t¿rlvez. na óptica de ttma leitltra prosptctiYa da cultura inglesa, é
a constatação cie que os propag¿ìndist¿rs da Reforma henrlqr-rilla conleçaln û
manifestar. ineqr-rivoc¿lïnente. unl espírito n¿icionalista que sr-rblinha a
especif icic'lacle cla Reforma inglesa. os selrs antececlentes excepciollllis nutllLt
traclição cle martiriologia. e a superìoridade do Contnv¡trtvettltltfttce a outl'¿ls
concepções cle estado. Será este. em nosso e ntender, um clos tr¿ìços indicaclo-
res cla constituição do Estado-Nação em Inglaterra.

2.9 Continr¡ação da Ref'orma

O processo c1e Reforrla não acabott, l'ìo entanto, no reinado cle Henriqtte
VIII. e os seus clesenvolvìl't-ìentos posteriores, sotrretuclo no reinaclo de Isa-
bel I. seriarn declsivos, qLIe r pala ¿ì conliguração do anglicanismo, qlter par¿l
a cot.ìs01ic1¿ìção c1e um modelo político de acção governativll a qr're
jir pode-
chamar ntoclerno. Quanclo Flenlique VIII norreLl. eûl 1547. suceciett-
r-r-tos
-lhe o seu filho Ecluat'clo, fruto do terceiro c¿ìs¿lmento do rei. com Jane
SevrnouL.

Eclr,rarclo Vi tuteìa cio reino fol assLrmicla pelos tios clo rei. de
era ltrenor. e ¿i

convicções protestllntes. Somerset terá mesillo pecliclo conselhos sobre a


Lel'orrÌta eclestírstica a CalvinO. Empenhado eni nloclerar os excessos de
clureza re lätiv¿ilre¡te às acus¿rçõcs cle heresia vetif icad¿rs nos útltimos anos
cio reinaclo cle Henrique o primeiro Parlainento de Somerset aboliu as
VIII,
leis sobre heresia e traição. Porérrl. algumas questões de índole religiosa
iriam abalar esta regência, ou protectorado. A ptirneira foi a questãro da
Eucaristia e a seguncla a clo r.tso de rmzigens religiosas e relíquias.

A cliversiciade práticas religiosas. em que coexistiarn a Missa e a Comu-


cle
nhão, a confissão privacla e as confissões públicas. os serviços religiosos en-t
latim e em inglês, levou ¿t meclidas tenclentes zr impor algttma forma cle uni-
formização. Em i 548 Cranme r propôs ¿ì ulrl¿ì assembleia cle Bispos um novo
prayer Book,qr.re corlbtnava nlrm só r,olume três livros litúrrgicos' o Missal,
o Breviário e o Ritual. O texto era totalmellte em Inglês, o que cumpria
tambérn uma função eclucativa. e o teor geral da obra era cle compromisso
entre a tradição católica e as inovações protestantes.

Após a quecla se Soinerset o SeLì sucessor Warlvick agudizor'r as tensões,ao


promover a aplovação cle três leis, en 1549-1550, que determinavam' elltre
outras medidas, a abolição de todos os livros de religião à excepção do Prat'er
Book, bem como a clestrurção cie todas as imagens e pintttras religiosas, as-
sim como a alteração cia hierarqr-ria religiosa que. no lugar das oito ordens da
Igreja medieval passalia a ter apenas três, os bispos' os sacerdotes e os
c1iáconos. O alcance clesta decisão seria, em última instância. o cie transfor-
nlar o stcet'clote. clotaclo cle graçii clivina. no (lninistl'o' notneado para pre-
gar, ensinar e conduzir as cerimónias religiosas.

A Refbrrna iria culminar coûl a revisão do Prctyer Book e com a


edr-rarrJiana
apror,ação dos Quarenta e Dois Artigos de Religião, que iriam acentuar as
diferenças entre ¿rS práticas e oS rituais católicos e oS protestantes. Uma
segunda lei sobre a unifonnidade do cnlto, em i 552, veio reiterar a trecessi-
clacle cle uma prática nacional comum, agora sancionacla pela possibilidade
de casti-eo eclesiástico, incluinclo a excomunhão.

Quanclo Mary subiu ao trono. ern 1553, pfolnoveu uma inflexão sírbita e

clevastaclora no processo cla Reforma. A primeira sessão do Parlan-iento abo-


liu toda a legisiação sobre religião clo reinado antelior, Craniner foi preso,
acusaclo de traição, e Reginald Pole regressou de vinte anos cle exílio para
tomaf o seu lugar como Arcebispo cle Cantuárria. Iniciou-se um processo de
¿ifastantento clo clel'o protestante en'r 1554 e. no ano seguinte. Stephen
Garcliner, como Ch¿tnceler. autorizou o princípio das perseguições que, mais
tar.de. iriarn grangear a Mary o cogonome cle Bloodl', a Sangrenta.

Muitos clos reformadores Inais em evidência conseguiram escapar para ¿1

Suriça. m¿ls a mesnlil sorte não tiveram Hooper, Latimer, Ridley. Cfanmer,
entfe cerca cle trezentos. que foram presos e niofrei'am na fogueira. O rei-
nacio cie N4ary terminou conl ¿ì sua rnorte, eni 1-5-58' Corno refere J' A' Sharpe'
a investigacão inars recente tc¡m vincìo ¿ì rever a tradicional caric¿ttura do
reinado de Mary corno um período de esteriiidade e não parece haver dúr,i-
das que. caso tivesse vivldo mais tenlpo, Mary teria sido capaz de conseguir
um regime estável. apto a promover a slra política mais querida. a reimposição
rr Sharpe, op. t:it..
1t.6. do Catolicismo Romano2r.

No que se refere ao sistema de governo. os reinados de Ecluardo e de Mary


retrocederarn. relativamente às inovações introduzidas porThomas Cromwell.
Estas tinham consistido. principalmente. na elaboração e no desenvolvimento
de um sistema de administração públic¿r mais burocratizado e menos depen-
dente da interferência directa do Rei ou do Chanceler. A eficácia desse
sistema, qlre garantia o exercício de uma administração a nível n¿rcional,
resultava da separação entre a casa real (o household) e o governo da nação.
Para G. R. Elton ¿ìs transfbrmações introdr"rzidas por Cromwell. na década
de 30, operam a passagem deflnitiva do househoid medieval para ¿ì corte
rr C. R. Ëlton. T lte Ti¡lot noderna2r. Porém. entre 1540 e 1-558, parece ter havldo regressão no sis-
ReroLution i¡t Got trntnenÍ
p. + l-1.
tema. com o retoillo a um governo apoiado num grande Conselho, que tra-
balhava. clepois, em comissões. em vez do modelo de Cromwell, um pequeno
conseiho de ministros corn iguais poderes, ieais à coro¿ì e qne coorclenavam
os trabalhos dos departamentos burocráticos do estado. Foi o modelo de
Cromwell que Elizabeth optou por seguir, criando condiçoes de rnoderni-
zaçao das estrutul'as administrativas que foram continuaclas até, pelo menos,
I 640.

2.10 O compromisso isabelino

Qr"rando Elizabeth sr:biu ao trono, em 1558. o governo da Inglatelra depen-


clia fLrnclrrncntltlmenLe clc tr'ês instituições: o Parlarnento. o Pr'¡r'r' Cotut<'il e a
corte. A mais irnportante. politic¿ìnìente. era o Plirl Cotutt:il. cujos r-nem-
bros er¿rm escolhiclos pela rainha que. colno atr'¿is se clisse. limitoü o seu ,¡å

¡!
núrmero e anmentou as suas competências. Este conselho funcionava. pois. :1,,

:¡l
como um conselho de ministros, enqlranto ¿lo Parlamento cabia sobretudo a :,t

fLrnção de vot¿ir le,eislação financeira. A,corte. por sell lado, adqui¡iy no t:È
',:t
1ei-
nado de Isabel I url esplendor sem precedeirtes, tornando-se null centro de tltta

:1,1

mecenato e cle protecção clas artes. nun-i meio privile-eiaclo para a exibição de ,;!:

riqr-reza e para o exercício da influôncia e da intliga política. -$.

:.î,1

Cotn estes instmmentos a rainha enfrentou as primeiras decisões do seu rei- t

nado, que visaram definir os parâmetros religiosos de uma nação dividida


eÍìtre o protestantismo e o catolicisrno. Em 1559 o ser"r primeito ministlo.
William Cecil. apresentoLr ao P¿rrlamento ì.ìu-l <<pacote> legislativo que pro-
punha o restabe lecimento da supremacia real e do culto protestante, b¿rseaclo
t1o Prrn'cr Book de 1552, Em resultado da aprovação dest¿is leis, que não
mereceraln a concorclância do clero, Elizabeth paSSou a ser chamada <Gover-
nador Supremo, da Igreja de In-elaterra. e foram aprovadas cle novo as Leis
da Supremacia e da Llniformidade.

Outro cÌecreto parlamentar ve to devolver ¿ì coroa um conjunto de proprieda-


des eclesiásticas que Mary, clo seu bolso, restituira à Igreja Católica e, final-
mente. outro clecreto consolidoLt as propriedacles da coro¿r em prejr-rízo dos
bispos. A Reforma Isabelina, conhecida como Elizttbethott SeÍtlernert¡ ficou
completa ent 1563, com a aprovitção dos Trinta e NoveArtigos da doutrina
da Igreja Anglicana, baseados nos Qttaretlta e Dois Artigos esboçados por
Cranmer no reinado de Edr-rarclo VI. Nos finais clo seu reinado o modelo
anglicano cri¿ido por Isabel I era jír aceite pela maioria dos ingleses coirìo a
verdacleila religião, e coutinriari¿r a vigorar nos séculos futttros.

No períoclo isabelino e nas clécadas que se segltitatrt, tortlaratï-se evidentes


os traços essenciais deste conipromisso ott settlentenf. O prirneiro acentua a
natureza divina do príncipe, especialnente perceptíveÌ n¿r década cle 80,
quando a Inglatenzr esteve envolvida em gllen'a com ¿ì Espanha, O_Ggverya,{or
Sqp_lgtry _dg l.greja aplfeceu e1]ão corlo uma espécie de protector, notneado
por Deus, de uma igre¡a rì¿rôional e protestante. Leald¿rde ao monarca e pro-
íe.{tàätismo eram dois valores intiinamente associados nos textos das leis de
I 559.

O segunclo traco característico do compromisso ts¿rbelino, exclusivamente


inglês. é a noção cle Puritanismo. Iniporta esclarecer Llm pollco este terrno.
qr-re irá de.signâr atitr-rdes políticas e cort'entes cle opinião no século XVII, e
manter-se no vocabulário corrente com significados nem sen-ìpre adequados.
O consenso actual. erìtre os historiadores, é de qlle se deve rejeitar a ideia de
qLte os Puritanos, pelo menos ¿ìntes de 1630, eraril antiepiscopalianos,
separatistas ou revolucionál'ios. Pelo contrário, os Puritanos pareciatn
s¿ìtisfeitos coîll o cornpromisso isabelino e não clispostos a envol\rer-se em
conflitos por questões nlenores. como o cerimonial re ligioso ou as vestes do
clero. A Reforn"i¿t. para eles, collstitLlia um imperativo do foro íntimo do
cristão. que cle velia assent¿ìr a sua condutà no estudo das Escrituras Sagradas.

Para os Purit¿rnos, descle logo. esta relação estreit¿t entre a reflexão e a acção
levava a formas de lctivismo que prcsst-ipi.tnh¿ìm unla corìstante l'igilância
cle Deus sobre as acções qr.roticlianas. entenchdas glorificaçao. Sencio
como su¿ì

assim, o ócio seria condeníivel e a noção cle vocação assumia importância


central na concluta clo cristão. Este concluta era entendida con-ìo uma luta
constante entre o cumprimento cl¿r vontade cle Deus e os impulsos da carne ,
que decorri¿ì, quer no íntimo do rnclir,íduo. quer no pläno soci¿tl.

Por último. o cOi'nprontisso is¿rbelino i.lccntllava o cotlceito c1e um Deus


providencial, qLre interferia const¿rntemente nos ¿ìssuntos dos homens.
ø
i ,,,

atribuindo recoillpensas e castigos à boa e à má condlÌta. Este Deus justiceiro


pronlrnciava-se tanto sobre as nações como sobre os pecadores. podenclo exercer
a slla justiça com especial vioiência sobre a nação eleita que peque e se mostre
ingrata.

Para além dos aspectos doutrinários. ou talr¿ez enì consequência deies. veri-
fica-se uma progressiva aproximação entre a reiigião e o estaclo secular no
desenrolar do percurso da Reforma. Os valores cla lealclacle e da obecliência
tên'i expressão simultânea na lealclade e obediência do súbdito ao rei e do
cristão û DcLrs. rs ofcnsiis rììorÍìis sìo vistas conlo crinìes sociais.

Também no plano da instrução se impõe um coniunto de reflexões: o êxito


da Reforma dependeri, em larga medida. cia expansão da leitura. tornada
possívei a m¿Ìiores números pel¿ì invenção e clivulgação da imprensa. A insis-
tência na importância da formação rndividual da consciência do cristão.
apoiada rìas Escrituras ciirectamente iidas e interpretadas, iria diminuir a
irnportância clo ritual e do cerimoniaitraclicionais no catolicismo, entendidos,
na ldade Média, como portadoles cle significado quase mágico. Não foi por
acaso qlle as mediclas reformadoras apontaran para a destruição das relíquias,
dos lugares de culto e festas a eles associadas, dos rìtr"rais como as bencãos,
o uso de água benta e até certas formas de oração. nome¿ìdamente em latirn -
a incompreensão relativamente às palavras proferidas atribuía-ihes poderes
! K. Thomas op. cir., p. 70 sobrenaturais, o qne a oração em vernáculo não comportaria24. Poclemos
constatar um progressi'¡o clescrédito ¿rtribuido à magia e ao ritual. ou aos
poderes rnágicos do ritual, tal como era crença na Idade Média. Ao mesmo
tempo, podemos observar um ¿ìumento de competência de leitura e de escrita
em estratos populacionais maiores.

Mas temos, ao ûìesmo tempo, que verif icar que muitas das tradições nledievais
se prolongaranl no períoclo moderno, principalrlente aquelas que levestiam
de significado momentos especiais da vida. como o baptisr-no, o casatnento
ou rrorte, ou períodos do ano, como as festas populares associadas às
¿r

colheitas oLl a certas festas litúrgica.s. E. não rr-tenos irnportante. irnpõe-se


uma reflexão sobre os modos conro una religião e uma cultura cada vez
'' O capítulo Inrpact of
m¿iis secularizaclas farão frente ao inexplicável. ao misterioso. à insegurança.
"Thc
tlic lìcfornlation" cm Ke tli às flutr"rações d¿r natrireza. aos ¿rc¿rsos do fogo, às ameaças de doenca. ao
Thomas Ilcligiott ant! tite
Det:liue ¡tf ,Varrc. pp. 58-89.
medo dos espíritos rnalígnos. enfinl. a tocias as incertezas do dia a dia, quando
o[clece unt confront() er]tre âs não podem já, on não querenr. accitar o milagre, acreditar em poderes rituais
práticas tradicronais e as ino-
vaçÕes rclorrnadolas qLre
ou Lìsar a magia. É a estas questões que se procurará clal lesposta no próximo
nrererc otùnção. capítr.rlor5.
Actividades

. Lei¿r o segr-rinte excerto clo texto de Lutero Tlrc Freeclont of tt Christicnt


(I 520):

One thing, ancl only one thing, is necessary for Christian life. righteousness.
¿incl freeclom. That one thing is the most holy Word of God, the Gospel of
Christ.,. Ler us then consicler it certain and ftrrrily established that the soul
can clo rvithout ¿ìnything except the Word of God ¿urd that rvhe re the Worcl
of Gocl is mis.sing there is no help at all for the soul. If it has the Word of
Gocl it is rich and lacks nothing since it is the \tobrd of life, truth, light,
pe¿ìce, righteousness. s¿ilv¿ition. ¡oy, liberty, wisdom' power, grace' rglory.
ancl of every incalcul¿iblr: blessing. ...
'Word
You nay ask, <<What the¡ is tlie of God, and horv shall it be used,
since there are so many rvords of God?> I ¿insrver: The Apostle e xplirins
this i¡ Romans I. The \&brd is the gospel of God conceruing his Son. r,vho
vr,as n-iacle flesh, suffèred, rose from the clead, and lvas glorified through
the SpiLit u,ho sanctifics. To preach Christ me¿ìns to feed the soul, make it
rig¡teous, set it fr-ee, ancl save it, provicled it believes the preac:hing. Faith
alone is the saving and efficatious use of the S/ord of God' "'

The \À¡ord ol God cannot be rece iveci ¿ind cherished by any ivotks rvhatever
but only by ftrith. Therefore it is clear that, as the soul neecls only the Word
of God for its life ancl righteousness, so it is justified by faith alone aud not
any works; for else. it rvould not need
if it coulcl be.justified by anythin-e
the Word, and ccltrsequently it rvould not need faith.

This faith cannot exist itl connextion with works....

Elabore um breve comentário ao texto de Lutero onde procure explicitar:

l.l A importância clo texto do Novo 'lestamento para a rellgião reformacla'

1.2 A importância da traclução clo Novo Testainento para aS línguaS


vernácLtlas.

i.3 Refrra as diversas tracluções da B íblia. clo Novo Test¿rmento enl parhcu-
lar. para inglês e cotÌ'ìente a irnportância de qr-re se revesti¿rm

t.4 Que itos pensa qLre poderão ter decorricio da doutrina da jr"rstificzrção.
e le
pela fé e não pelas obras'J

7. Leia o excerto seguinte. extr¿ìiclo da obra cle Calvino. The Institutes oJ


the Christian Religiott, escrita em 1,536 e dedicada a Francisco I. re i de
Fr¿rnca:

We liave no quarrel agains tlie Church. for rvith one consellt ri'e ttnite u'itli
all the company of the f'aithful in u,orshipping and aclorin.u the one God
ancl Christ the Lol'cl, as he has been aclored by the pior-rs in all ages. But our
opponents deviate rvidely from the tnrth rvhen they acknolvledge no Church
but what is visible to the corporeal eye. and ende¿ivour to circumscribe it
by those limits rvithìn u,hich it is far frorn being included.
Our controversy turns on the tu'o folloivin-e points: filst, they contend that
the forn o1 the Chi,rrch is always zippetrent and visible; secondly, they place
that form in the see of the Ron-ran Chr,rrch and her order of prelirtes.
We assert, on the contrary, first. that the Church rnay exist rvithout any
visible form; secondly, that its forrn is not containecl in that external
splendour which they foolishl¡' adrnire. but is distin-euishecl by a very
different criterion, r'l:. the pure preachin-e of God's word, ancl the legitirnate
administration of the s¿ìcraments.

Elabore nm breve comentário ao texto. onde refira, nomeadamente:

2.1 Qr-rern serão os opositores aos plincípios defendidos por Calvino.

2.2 Corno se relaciona o passo transcrito com iì austeridade cle culto e de


rituais da Igreja reformada, e qual a cxpressão qrìe esLa austeridade terá
em Inglaterra.

2.3 Que afinidades se poclem encorìtrar entre as posiçõe.s de Calvino e cie


Lutero.

J. Deve ler o texto de Utopitt cle Thomas More (i515/1516). Ao fazê-lo.


procure identificar ¿ìs recornenclações de Thonias More soble os segitin-
tes assuntos:

3.1 Como deve definir-se o poder do Príncipe e qual deve ser o papel dos
seus conselheiros. Enqr.radre as opiniões de More no pensamento a na
prírtica do seu tenlpo. tallto em confionto com ¿ì literatura renascentisia
sobre educacão. como lelativamente às práticas de Henriqr,re VII e
Henrique VIII.

5.¿ Como vê o autor a situação social e económica da Inglaterra no selr


tempo: enu[ìere os l'¿ctores quc o alttor considera caus¿rdores de desor-
dem. insegurança. instabilidade e pobrezzi.

-1.-) Como deverí organiz-ar-se a sociedade, a finl de vivel em paz. abnndân-


cia, jr-rstiça e felicidade.

4 Procure responder brevemente às seguintes questões:

41 Indiqr"re quais as refbrinas legislativas que considera mais significativas


para a mndança da socieclade e cl¿r cultura inglesas clurante o período
Tuclor.

4.2 Enr-rrlcie os elententos que poderão contribuir parit ¿t clefinição c1e uma
cu ltura irt gle"s'ct, neste pe ríodo.
Bibliografia sugerida

1992 The Cctnúriclge CLilturctL Histor'-, ed. Boris Ford, Vol. III Si,tteentlt
Centurl, Britain, Carnbridge, Carnbridge U. P.
1992 T'he Oxford Hi.çtory oJ Britain, ed. Kenneth O. Morgan, Vol' III, I/re
Tuclors ancl Íhe Stuarts, Oxford, Oxford U. P.

BINDOFF, S. T.
1961 Tuclor Englancl,Hatmondsrvorth, Penguin.

BURKE, Peter
1994 Po¡tLtlar CuLture in Ectrlt, Moclent Emope, revised reprint. Aldershot,
Scholar Press.

CHADWICK, Orven
1990 T'he RefòrncLrio¡r. Harmondsworth, Penguin.

ELTON, G. R.
i 960 The TLtclor RevoLutiott in Govenmtent: Atltnini.çtt'c¿tit,e Chcmges in the
Reiy o.f Hett¡,- VIII, Carribridge, Cambridge L1. P.

1963 Engloncl Uncler the Tutlors, London, Methuen.

HALL. Stu¿irt
1992 <The Question of Cultural ldentrty>, in lVlc¡clentitt' ancl |ts Futttres.
ed. Str-rart Hall, David Held and Tony McGrew' Carnbridge, Polity
Press.

KENNY, Anthony
1993 .,More>>, in Ren¿tissctttce Thittkers, Oxford, OxfoLd U, P.

LASLETT, Peter
1994 T'he \lortd lVe hcLve Lost, Fttrtlter E,rpLored, Lorldon. Routledge'

IVIOSER. Fernando de Mello


i9B2 TJtotnas lVIore e os ctuttittltos da perfeiçcio huntatttt, Lisboa, Vega.

MORE. Thomas
1993 Lltctpict. ed. Geor*qe M. Logan and Robert Aclams, Carnbridge.
C¿rmbridse U. P
SKiNNER, Quentin
l9g2 Tlte FotLncltttiotts o./'il'loclent Politicttl'fhought, Vol II, '[he Age o.f
Refornuttictn, Cambridge, Carnbridge U P'

SHARPE, J. A,
1993 Ecuh. Motlettt Englctntl; A Social Histort' 1500 1760, London' Edrvard
Arnold.

THOMAS, Keith
I 991 Il.eligion ctnd Í1rc Decline o.f Magic, London' Penguin.

TILLYARD, E. M. W.
1966 The ELi:ul¡etltcut \Yo r ! cL P i c: t u¡'¿:, H arinondswo rtir, Pen gu in'
3. Enquadnanmento ideológåeo e orgaãaização soeiaå xao peníodCI
eørly weoderru
f.i
ìå,:1

ïit:i:ti
$ri
¡-l|!

'lå.l


i$
.:Ììå

ìTl
aa:t:

,r9.1

.!n
.1:&.

!4ì
'.$ì

lì1,
rìì
ìj:i

$lt1
:i.{{
:r,$

tx

ä
r$
.t!1ì

.l
ìt
ì,iJ
l:i
I
Sumário

Este capítulo tem conlo objectivo estabelecer o enquadramento


genérico da
organização social no período em apreço. As considerações que iremos tecer
¡¿to sc aplicarl lpe lìâs ao pcríodoTudor. tnas sitn a Llm tcmpo mais
extenso'
qLre se estencle até ao aclvento cla irlcltrstrialização. no século XVIII' O
pre-
que
sente capítulo Serve, assim, cie articLrlação entre o capítulo anterior e os
Se Se_quem. em especial <A cultura popular> e <A cultura erudita>.

I fiÌ?
A política clo últilno lrìonarca Tudor pa.utqq-se freclllenlemellte.p,ç-la.c-qry-
prå,nisso e pcla necessidacle de gcrar consetìsos nlttna nação clividida e rc-
possad¡¡por se¡timentos de ittsegurança. clesordem ellinente. possír'el
caos'

A instabilidade vivicla neste período, a segunda metade do século XVI, é


reconllecicla por tocla a liistoriografi¿i recente. qller atL¿rr'és de inclicaclores
directos. quer atrar'és cla inte|p|etação dada às constantes chamadas de aten-
ção para a importância de se
pfeseÍvar a orclem, a hierarqr,ria, o grau que
iurg.,.,.t na literatr¡ra cla época. E. M. W. Tillyard , etnThe Eliz'ctbethatt World
PictLu'e (1943) foi clos primeiros a caracterìzar e a comental'este traço da
cultura qriinhentista e seiscentista. ref'lecticla no teatro shakespeariano olt etlr
¿ìutores como Elyot, Spenser or¡ Hooker. O cliscr-rrso de [Jlysses ent Troilus
rutcl Cressiclr¿ cle Shakespeare é tomado colllo lndicador cie um conceito de
orclem generalizacio, que incicle na esfera do cósmico e do doméstico. subli-
nhanclo a importância da presen,ação da hierarquia sob pena cle acontece-
rern sérias calamidades. Reconhece-se, no período isabelino, a con'"icção
generalizacla cie que a preser\¡¿ìÇão da hierarquia e xistente seria o úrnico antí-
doto contra o totai colapso social.

Todo um conjunto de factores apont¿ì para est¿ì conVicção imanente cle desor-
clem oti pelo inenos cle instabiliclade. Em primeiro lugar, ars próprias condi-
dos setls recur-
ções de vida, que tornavaln toda a gente, indepettdentemente
sos económicos. sujeita à dor, à doença e à morte prematufa' A esperança de
vida à nascenc¿ì seria. nos séculos finais da Idade Média e tros primeiros do
períoclo Moclerno, inferior à actual, nas sociedades ocicientais. Alérn disso,
as próprias circunstâncias políticns associ¿rdas à sucessão ao trollo. à erni-
nência de conflitos intertros. à possibilid¿ide de guerfa com o exieriot', acen-
tuavall-t a ideia cle instabiliclacle. Num qutrdro cle instabilidade exterior, as
doutnnas da Reforma tinham vincio sublinhar a instabilidade espiritual, cha-
mando a atenção parÍÌ a natureza pecadora e rebelde dos homens, conclenan-
clo a revolt¿ì como contrária à ar,ltoridade de Deus e do monarca, fecofiìen-
clando a condnta conforme às Escritrir'¿ts. Nas diferentes atitudes e respostas'
incllviduais e colectivas. pítblicas e privetdas a todas estas questões. etlcon-
tf¿ìulos os grandes vectores cle mucl:inça de uma sociedade pré-moderna
p¿ìra Llm¿t sociedacle moderna.

Em prin-ieiro lugar importa consiclerar a estrutura social na Inglaterra dos


sécu1os XVI e XVII. Daclo haver biblioglafia específic¿i actr-ralizada e
acessível, não introcluzilemos aqur niuttos porìrìenores, registando äpenas
gr-andes linhas e tencÌências qlÌe nos permiten-i iclentific¿rr e cat'actetizar a
socleclade claqr,rele iempo, Se-eundo os dados mais recentes. verifica-se tÌma
tenclênci¿r básica para o allmento populacional el-n Inglaterra nos finais do
século XVI e princípios clo sécr-rlo XVII. a qLle se scgr-riu ttmti situação de
csralrilização entre os meados clo sécuìo XVII e a década cle trinta clo século
XVIII. seguicla cle um¿r tendôncia constante cle crescimento relacionacl¿i com
¡
As obras de Laq rence Stone- o clesenvolvimento da Revolução Industrialr. Dois factores são. normalmerìte.
I-|rc I:unih, utd tluttiuge
Se.r
irt Englund 1500-1800 c
tidos em conta para interpretar as flutuações popLllacionais qLre. por si,
rle
Peter Laslett. 'lJrc \\I|ld \le constituem importantíssimas fontes de conhecin-ìento social e cultural: a
Hare htst. [:'urther EtpIored
fbrnecenl bons capítulos onde
reiação entre a poplrlação e os neios de subsistência, bem como a estrutura
se debaten.ì âs estiìtísticùs da família. sobretudo no que se refere às convenções relacionadas conl o
relerentes iìos na-scin)entos.
câsantentos ù nlo[tes. neste
compoftamento sexual e o casamento.
período. bern co¡lro aos ûrdi-
ces dcnrográficos grrÍìis. No que se refere aos meios de subsistência, todo um conjunto de faciores
del,e ser considcraclo. Tratando-se cle uma econonlia predonlinantcmente
agrária. ¿l n¿ìtlÌreza das culiuras e os proceclimentos a-trícolas adoptaclos. as
flutr-rações na pi'oclltção e consìimo cle celeais, o tipo cle entparcelamento clos
te rrenos e a natllreza da propriedacle, o uso e o corlsllmo cie anrrnais domés-

ticos. a caça e a pesca. bem como os processos de conservação e preparação


dos alimentos. o tipo de diet¿r e de ref'eições. são, entre outros. indicaclores
cla maior irlportância para a caractcrização dos meios sociais e culturais de
diferentes períodos.

Estes indicadores. por sua vez. relacionam-se com os ritmos de vicla


c1r-rottdiana e cícìic¿r. com a alternância entre o tralralho e o lazer. cotrì a fixação
de fèstas e celebrações públìcas e privadas. Deste modo. tentando estabelecer
os nexos existentes entre a vicla activa de uma sociedade e os rituais que a
estruturam, poderenios estabelecer relações estreitcs entre ¿ìs práticas sociais
e culturais ligadas à subsistência e a própria estrutura familiar.

3.1 A actividade agrícola

De novo. o prirleiro factor a ter em conta, ao querer descrever e interpletar'


as flutLlações populacionais. é a instabiliclade. A impossibilidade cie prever
as condições ¿rtrnosféricas de dia para dia (o terlpo) e a suborclinação a um
clima frio e húmiclo. aliaclas a Lrnla reconhecicla lentidão nos processos agrí-
colas. levava a períodos cle escassês or-r de rel¿itiva abundância impossíveis
cle prever. o interesse qlr¿ìse obsessrvo pelo <tempo> que faz or¡ que vai
fazer. aincla hoje presente como ¿ìssunto de convelsa, erajil rlanif'estaclo pela
sociedade inglesa pré-indr-rstrial qr-re. e mbora não mantendo registos
nleteoroló-sicos. sentia a triaior necessiclacle de fazer plognósticos. Estes basea-
valTt-se na observação das nuvens. na cof do cér:. no con"ìportamento dos
anim¿iis. dos pássaros e das plantas. constitlrindo um saber empírico ¿ìnco-
r¿icio na tradição. A necessidade de intervir. para propici¿u boas colheitas.
podia levar quer à prírtrca de feitiçarias, quer à oração. ou às cluas coisas ao
mesillo tenlpo. Keith Tholnas refere numerosos exemplos dest¿rs práticas.
em que se toma qu¿ìse indissociável o sentido do leligioso e do rnírgico. do
pl'agilatismcl e cla sobrevivência. A Reform¿i veio rntrocluzir alteracões em
comportamentos e práticas com séculos de história, como já foi referido.
nomeadamente quanto ao culto das relíquias ou dos santos, praticados no
sentido de propiciar poderes sobrenaturais. A importância da agricultura. ou
a resistência à mudança qlle se regista neste sector cle actividade, terá feito
com que, ao sereût abolidas todas as procissões, apen¿ìs unla tivesse resis-
tido: a da semana da Ascensão. cujo fito consistia em assegurar a fertilidade
: \¡er Keith Thonras. Religion
e o bom tempo2.
and the Decli¡te o.f Mugic,
pp.70-89.
Se a propiciação era muito importante, o prognóstico não o era menos. e
aqui, de novo, Se cruzanl a magia e o ritual com aS preocr.rpações quotidia-
nas. Os prognósticos podiarn basear-se em acorìtecimentos ocorridos em
celtas datas chave, conlo pol exemplo, quanclo o dia de Natal calhaY¿ì a um
clorriingo. o que significava um bom ano agrícola, ou qttando chovia no dia
de São Paulo, o que prometia a carestia cio milhor. Mas o elnpirismo e a r Keith Thornas. iden. p.284

tlaclição, no mundo agrícola, enraizavam-se tambénl em crenças ancestrais,


ligadas a práticas pagãs. Os feitiços. pfaticaclos por bruxas (wiches)e feiti-
ceiros (cwtrtirtg nten) podíam afectar as colheitas cle um vtzinho, tornar os
animais estéreis, ou atrair os relârnpagos para destruir uma quinta. Como
observa N. J. G. Ponnds é impossível reconstituir. hoje, a totalidade clos
variadíssimos costumes Sasonais, cujo objectivo era, em princípio, assegu-
raf a continr.ridade dos processos tlatut'ais. Mas pode verificar-se com segu-
fança Llm importante traço cultural: se o objectir,o declarado da maior parte
dos costumes associados ao c¿rlendário era assegurar a continuidacie do cres-
cimento e maturação das colheitas, serviam também um oLltro propósito fun-
d¿imental - asseguravam a coesão de uma comr:nidade que desejava perpe-
tuar-se. que ansiava por estabilidade e por alguma abundânciaa. * N. J. G. Pounds. I/¿¿ C¡tllrir'¿

of the Ertgli,rh PeopLe; lnttr


Age to Iilduslti(tl Revolutitttt,
As formas de cultivo nos primeiros séculos do período moclermo não Cambridge. Canrbridge U. P.
apresentam diferenças substanciais relatir,amente às práticas medievais. 1991, pp. 17.1-182.

A comunidade da aldeia medieval poderia estar dividida internamente por


discórdi¿rs pessoais ou farnilial'es, mas estava unida por um conjunto cle
factores ligados à subsistência: uma prática agrícola comum, ttma exposição
comum aos acasos cia natureza e a necessidade de resistir em conjunto às
pressões dos proprietários. O cultivo do solo e o tratamento dos animais foi
adquirindo características cooperativas, subordinadas a regr¿ìs impostas pela
i-ereja ou pelo senhor do ntctnor. ou desenvolvidas pela tradição e pelo saber
empírico.

A maior parte do território inglês estava ordenada segundo o sistema de


opert.fielcl. ou seja, terra não vedada, onde. lado a lado, Se encostavam as
peqüenas parcelas. geralmente com menos de meio hectar de área, explora-
das pela comunid¿ide da aldeia, que para tanto Lltilizava em comum o arado e
a junta cle bols. Em zonas situadas no ocidente. no sudeste e no norte. predo-

minav¿r o catr-tpo fechado. ou enr:lc¡stLtz, normalmente explot'aclo por uma só


lamília. Ern Utopict Thomas More iria atribuir muitos dos males sociais do
: ¡\s dciinicoes dc
Itu.ç btLtttl t¡¡u tt
r'¿ol¡¿lr e
n¿io coincidcnr
seu tempo - a mendicidade, a va-qabundagem, a criminalici¿ìcle - ¿Lo desen-
cxact¿unentr em todas as volvimento de um processo de ettclosut", oLl vedacão de terras ¿rnteriormente
lontcs sobre este pcríodo, abertas, expioradas pel¿ì coniLrnidade aicleã, depois ved¿ìdas pal'a criaçào cle
'l'lte World \l¿
Peter Laslett enl
Hut¿: Lost ([-ondon. lìoutlc- carneiros e exploração da 1ã. As referências cle More não podem ser genera-
dge. I965. 199-l) cliz c¡ue lizadas a todo o território britânico, tnas indicam n-ìLldanças qlle não pllde-
leotndtt era unìa pallvra
ret!rcnte â ilnì r\trtufo social. mos mininlizar, Ou. dito por outr¿rs palavr¿ìs. embora as grarìdes alterações
cÛnì Luììa conlp0nente tarn- r-ìos sistemas de propricdade e proclução agrícolas de Ingiaterra só comecenl
bórn fLrncion¿1. Unl _l¿¿rllal
seria unr proprictíìrio rulrl Íì ser observáveis a partir de rneados do sécLrlo XVIIi. já antes alterações
substanci¿ì1. c¡Lre trabalhavl l discret¿rs se faziail sentir. introduzrndo n-ìudanças nesse n-ìeio. conlo já se
sua p[óprìa terrû pol'oposìcão
LrQ getlll¿r¡tiln que naìo tfr-
disse. resisteÌìte e traclicional.
balhavir. Em lltelnativa. o
laolrrur podelia ser ctilllado
As n-iuclanças que se começarn a observar no séclrlo XVI si1o. eûì parie,
tÞ. .frt,cltoldcr. nraior ou
rne nol. Ne-ste caso não tcria resuitado Relorma e cla venda e dispersão das terras das ordens religrosas.
cla
clireito dc \,clt0. auferindo
menos de .10 .r/;i 1/irrgs por
Mas, ao nlesûlo tempo. a decaclência plogressiva do sistema feudal, que
ano rlc rendimonto. Aincla garantla a coesão cla aldeia medieval. corìdicior'ìou a desinte-qração da alcleia
segundo Laslctt, nas últinras
gerações da antigù or(lenì.
e de toda uma cultur¿ì poplllar qlle dela fazia parte. Em termos r-nlrito gerais,
poderia ser chanrado .li¿rr¡¡cr'. pode dizer-se que Lrnla lenta transform¿rção nas atitudes relativamente ¿ì terra
o que é unra designação apc-
nùs funcional. A dcsrgnaçäo
ocorre, entre o firn da Idade Média t: o sóculo XIX. Essa muclarìça consiste"
fol desde cetlo senti men- essenci¿llmente. na transformação do c¿ìmponês. parte de uma socieclade :i
talìzad¡. o que não aconteceu
corn o teil¡o ltusLtutLtlt¡ttut-
cooperativa, em peqlreno proprietário ou rendeiro independente. Mas a
que consìstia nurìra descricão sociedade inglesa não se transformou numa socied¿rde predonliuauternente
vulgar aplicatl¿r a todos
rqueÌcs cluc trabalha\iìnl a
collsiituda por peqlrenos proprietários rurais. Ao contrário. o \erntrcut foi,
ttlra e trâta\'¡rn dos ¡nimais polrco a polrco, substitlÌído pelo husltruulnrcuf . Esta substitllição pode ser
(pp. a3-aa). Parr j. A. Sharpe
o tcrnìo \cùtiltut s o lre
srntetizada na grande linha de transformação de uma agricultr"rra feudal para
r,triacocs regionais. c designa uma agriclrltr-rra capitalista. nas pressões sobl'e o peqlÌeno proprietário, na
Lr rn gln po s oc ial c u_jos
rlenlbros evidcncianr gran<les
emer-qência cle nma economia mais LÌrbana e diversificada.
larirçÕes dc r-iquezr. podendo
alguns sel rrruito prósperos.
De um mocio geral o tcrnlo
Em síntese. pode afirmar-se que ¿l produção agrícola em Inglzrterra entrou
clesìgnaria unr fiurrcl prtSs- num processo de expansão no período e.ürl\) nnclen¿. quer devido à introdu-
pero. conì rnais dr: 4[) s/iili irr,q.r
anuais de rcndinrcnto da teur. ção de procedimerltos mais rentáveis. quer à introdução de novas culturas,
iìtó cÐrcû de 1550. Porém. em conlo o trevo e olitr¿ìs ervas. ou da beterraba. p¿ìra aliûlento do gado. ou ao
760. o te¡nro tinha já adciui-
I

iido unra conot¿ìcão nostál-


aproveitamento de maiores áreas para cultivo. En 1670 a Inglaterra já
gica.ccoìtìccavaîscr exportava. regularmente, cereais.As transform¿ìçõrs econóniicas fbram ¿ìcom-
sLlbstituldù pela.r dcsignlçõcs
panhadas por tiansformações sociais. frequentemente expressirs nos sistc-
I(ilu¡tt filrnter ou sinlples-
Iilcnte f¿rlr)rrl. Ll u.sl¡ut¡dt¡LrLtL. írlas de ¿ìrrendanlellto. caindo progressivaûìente em desLlso o sisteila de
se'¡Lrndo Sharpc. designaria
Llnì pequeno fíll /¡t¿l . p¿ìl a
coptltolcl e dirninuindo. também, o número dos peqllenos proprietários
qucnt a viila era unìíì lutit. independentes, Pouco a pouco ¿r sociedade rural inglesa carÌlinhava para a
vulnerár el aos cÌesastlcs
divisão tripartida de proprietário(lcurcllortl/, rendeilo próspero (tennnÍ.fctrner)
cconórnicos. nras t¡ue poilcria
norrnal mcnte -sobrt\.iver. e trabalhaclor rural ( agric:uLturuL labourer ).
excÊpt0 nos ¡tioles anos
(pp.199'201)
3.2 A actividade comercial

Se a actividacle agrícol¿r nlanifest¿ìva ploglessos lentos, mas claramente


expressos já eni 1760. na activiclade comercial, em especial no comércio
com O ultramar clepois de 1660, o desenvoll'imento fora rírpido e decisivo.
De unla nação ainda perifér'ica relativamente aos grandes centros europeus
no períoc1o Tt-iclor. a Inglaterra pass¿ìra a um entreposto cornercial de
in-rportârtcia ce niral na seguncla metade do século XVII. Nos primeiros anos
clo século XVIII a Inglaterra estava no centro dos mercados mundiais. tendo
suplantaclo a concorrêttcia espanhola, it¿rliana e holatldesa'

A actividacle principal era a exportação de produtos ingieses, sobretLrdo


tecicios de lã, e a re-exportação de plodutos coloniais. Entre estes, o açúcar e
o algoclão er¿lm apenas ttltrapassados pelo tabaco da Virgínta e do Marylancl.
O aumento clo corriércio de escravos é tarnbém um dado iinportante a ter em
conta para avaliar o desenvolvimento comet'cial cla Inglaterr¿ì neste período,
dado qr,re lhe era atribr-rida uma clr:pla função: a cle sen'ir corlo reforço de
mão cle obra nas colónias americanas e nas índlas Ocidentais. e a de se|u'ir
como elemento cle troca por rnatérias primas oriundas dess¿ts regiões. A rota
<triangr.rlar>> então clesenvolvida peia marinha inglesa, apoiada ern legisla-
da
ção proteccionista, cottsisti¿r na exportação de proclutos re-exportados
Inglaterra para a Áfri"a Ocidentai. onde eram embarcados os escravos para
as Í¡cli¿is Ociclentais. aí substituiclos por c¿ìrregamentos de proclutos colo-
niais que regressavatn a ln-elaterra. Entre 1680 e 1780 a população escrava
das Ínciias Ocictentais Brttânicas aumentolr de 60 000-70 000 para 400 000,
Sharpe. r4r. clt.. p. 138
havenclo núrmeros idênticos nas colónias americanas rebeldes6.

O comércio interno revestia-se também de ttma imporlância qlle o aumento


clo comércio externo e aqr,rilo a que se chamou uma <revolução coinelcial'
não deve obscurecel'. Selia impossír,el escoar internamente os produtos
importaclos se não existissem condições p¿ìra tanto. As estradas conleçam a
ser nre lhoracla através cle regulan-rent¿ìção sobre portagens (turtlpike trttsts)
assim como a recle cie transportes f-luviais e costeiros. O desenvolvimento da
tndúrstiia nos fin¿lis clo sécttlo XVIII e nas primeiras décadas do século XIX
iria clepender tarìto clo comércio externo con-lo clo clesenvolvimento das vias
de con-iuilicação intern¿ìs. como se verá.

O contércio it'ìteruo, etn me¿rdos do século XVIII estava ainda, em boa parte,
sitr-rado nas fèiras e nas cidades merc¿rdo. rÌlrìs conteca jii a aparecer a peqtìena
loja, que venclia LrtÌla in'ìe nsa variedacie de prodr.rtos e já os expunha com lins
promocionais. A inexistência cle barreiras allandegárias interll¿ls e a liberdade
cle corr1ércio coril as colónras contriblríram para fazer do Reino Unido cla
seguncla lnet¿ìcie clo século XVIII a maior zona de cotnércio livre do rnltndo.
A prociução intel na não agrícola cle rnaiot iinportância e ra a clos tôxteis de lãr,
a que se seguiam as explorações de minas e o trabalho dos metais,
nomeadamente o ferro e o cobre. A Inglaterra visitada e narrad¿r por Daniel
Defoe no seu ToLtr TltrotLgh Grectt Britaitt. em princípios do século XVIU
não é, decerto, ainda uma nação industrial. mas é já uma nação com um alto
índice cle produtividade, organizado empiricamente no chamaclo domestic
s)tstem que complementava a actividade agrícola com a actividade de
manufacturas pré-indr.rstriais.

A esie conjLrnto de circLrnstâncias que denotatn Lu'na econolnia eln expansão


e Ltma sociedacle em transformação acrescenta-se um conjunto de mudancas
de ordem financeira que contriblleil para o desenvolvimento de novas ati-
tudes relativamente ao dinheiro. No período Tr"rdor as finanças britânicas
dependrarn airrda largamente de instituições financetras deAntuérpia. Acria-
ção do Banco de Inglaterra na década de 90 do sécuio XVII, bem como a
dívida nacional, o aparecimento cie sociedades por accções e de lotarias.
lançaram as bases de um sistema financeiro complexo.

3.3 A composição social da Inglaterra early modern

N*o
-compiexo tecido ¡99ì11 da Ingla¡er¡-a -p_ré_i1{ustrial,
os comerciantes
(merclmnïs), constituiam uma espécie de estrato supeliol das classes
intermédias. entrle a aristocracia fundiária e os rendeiros e pequenos pro'
prietários rurais. A interpretação do processo de transfortnação social que
atribui a este grupo um crescimento dependente de uma ética dilerente da da
aristocracia é hoje questionada. para serem antes subiinhados os traços de
irrterdependência e semelhanças existentes entre a gentry e os comerciantes
prósperos do período pré-industrial. Essas semelhanças expressam-se enl
hábitos e gostos idênticos, que vão das leituras de jornais e fomances à pre-
Senç¿ì em bailes e jantafes públicos, concertos. lr"rtas de galos, corridas de
cavalos. conferênci¿rs e teatro. Os contactos comerciais. decorrentes de :l:l
i' :rr::
empréstimos e invesiitxentos, eraln tiltnbém frequentemente consolidados ..:::i
:r.:1

por casanrentos entre os dois grupos. den-ionstrando uma porosidade entre


ìir:l

os gfupos sociais que desmetlte uma leitr-rra simplicada de um processo de . ,i'l

ì arli
desenvolvimento social, neste período, cotTìo sendo dorninado pela burguesia. a :::l

Outros estratos sociais desempenhavam funções de grancie importância n¿r


Inglaterra pré-industrial, embora não estlvessem especificamente ligados aos
Sectores produtivos. O clero e as profissões liberais merecem decerto uma
referência. ainda qr:e breve. O clero seculat' ¿intes da Reforma dividia-se,
genericamente. em dois grupos: o clero eclucado. não residente nas paróquias,
subordinado a um¿ì hierarqr-ria susceptível de oferecel'promoções e c¿ìrgos
públicos: e o clero das paróqui¿rs. sem estuclos. sem expectativas de plornoção,

I 9r'l

,,r
: l:,,t
,r., :t_:i
-r-
¿
i,ì
:
I
:
1,

Sem renclimentos. Depois da Re forr. a esta dicotolnia começoll a atenllar-Se,


para se desenvolver no seu lugar uma hierarqr.ria, clúo estr¿ìto rnais hr-rmilde
era constitr-tíclo pelos pár'ocos locais (ctLrutes), a qlle Se seguiam os vigários
(vic:ars)e depois, em sitlt¿ìção económica desafogada os priores (recÍr¡rs).
No topo da hierarqttia est¿rvam oS biSpoS. coltl um est¿lttlto Socìal e
rendinlentos ecluiparaclos à g¿i?r/tr ou mesmo aos p¿ìres do reino. Se. em
momer-ìtos ¿interiores ¿ì Reforrna, olr mesmo até irieados clo século XVII. a
carreir¿ì eclesiástica 1'oi aberta ao mórito inclividual, indepencletltemente da
origem social, já ern princípios do século XVIII se acenttl¿ì a tendência para
preencher os lugares rlais elevaclos da hierarquia com filhos dagertfr-r'ott dit
aristocracia. Por outro lado. ó importante registar o facto de qr.re a igreja de
Ingìaterra. no períocio isabelirlo e Stuart. se tornou numa ocupação
universitária, o que veio acentuar ¿i tendência para a profisslonalização do
clero e. ao mesnto tefiìpo, dificr-rltar o ¿ìcesso a pessoas de fracos recursos
económicos.

A mais antiga das profissões liberais é possivelmente a adyocacia. A


Reforma e os problemas constitr.rcionais clo século XVII tinham acentuado a
irlportânciit cias leis britânicas. em especial do cottutrc¡n /ctu. enqltal.ìto gal'ilntia
das liberclades dos ingleses,M¿ìS. tm existem apenas os rudimentos de
l -550,
r-rma profissão que irá corrieçaf. poltco ¿l potlco, a adqr.lirir contornos
específicos. A prirneira form¿r de especializaçã.o consistiu na separação entre
aqneles que estuclavam os ¿ìspectos processll¿ìis cle preparação clos casos
jurídicos. e aqueles que os detèndlam em tribunal. Estes. chamados bcLrrìsters,
pot se apresentarem à barra do tribun¿rl. con-ìeÇ¿Ìram a adqr"ririr iniportância
já antes das Guerras Civis, sr-rrgindo como un'ia importante fbrça depois clelas.
Também o prossegr:imento desta profissão cotneçor-r a exrgir uma educação
específica cara, nos ltuts oJ Cou /'/. o que a restringia ¿ìos grupos sociais mais
desafogados. Nun-i plario ûlenos conceiluado, o (tttortt¿.1' das cidades de
província desentpenh¿tvA Lltrì papel de consultot' para serviços legais. com
semelh¿ìnças com o soLicitor contemporâneo. Pol.óm. o est¿ltllto social do
(tttornel começou a prestigiar-se ao longo do séctllo XVIII, verificando-se
nas últimas décadas a constitnição de associações profissionais que elevat'anl
qller as qLralifrcações profissionais. que'r o estaiuto social desta profisssão,

O estatuto profissional dos médicos também progredill neste período. Até


finais clo século XVII a prática d¿r n-reclicina incluía, aind¿r. os conhecitllentos
teóricos cie Hipócrate s e Galeno ¿ìssociados iìs práticas cur¿rtivas dos cLnuùttg
men. qtie platicavam o que podctitos chamar de nledicina popular. Por volta
de 17OO existiriani cerc¿i cle três rlil médicos em lnglaterra. excluindo os
crirandeiros e oS barbciros, desernpenhando {'t-lnções divers¿is, clesde o
<cirurgião> (surgt:ort)e o,.fatn-iacêutico> (ttpotltecan') äo mais prestigiado
<,físico" (pltt,sit:iurt). Os estuclos prolissron¿ris clecorri¿ln predomitlittltelncllie
em regime cle aprenclizagetn, i-ttas algurnas instituições estt'angeit';.ts, como
já famosas escolas de
as universidades cle Pádua e de Leyclen. possuiatn
medicina no século XVII, enquanto Edimburgo emergitt no século XVIII
como um exceletlte centro de pesquisa e ensino da meclicirla. qlle marcou
a
pode
formação clos méclicos britânicos por muito tempo. Por volta de 1760
jír falar-se cia nieclicina como de ttm¿r profissão, prestigiada envolvendo,
incìusivamente, honorários irnportantes. A afirmação da profissão médica,
cacl¿r vez m¿ris baseacla n¿r observação c lla expel'irnentação.
é um dos
elementos que nos pern-iite verificar Lìlìla progrcssiv¿r sccr:larização do
pensamento associada qr,rer às implicações cla Reforma. qller ao
clesenvolvimento do pensamento científico t-to século XVII, coll1o se
verá

posteriorn'ìente.

O sacerciócio, as leis e a meclicina for nravam o cetltro das leantecl proJessiorts,


profissões para ¿ìS cluais eram necessários estudos específicos' Outras activi-
.lod., pressupunham também formação específica, nomeadanente a de mes-
tre escola ou. sobretudo. de arquitecto. Esta írltima pt'oporcioi.ìotl, ¿ìo longo
do sécuio XViI o florescimetito de una arquitectura inglesa notável' Mas,
de entre as actividades que se profissionalizaram ao lortgo do século
XVII,
com continuiclade titura. o exército e a marinha ocupam sem clúr'ida tttl
lugar importante. se, no prirneiro caso, poclemos observar a cottstitttiçao
leiita cle um espíriio profissional, numa c¿irreir¿r alnda suborclinada trão a
uma formação específica ou ao cleset-trpenho inciividual, inas sim à capaci-
clacle de conìpra de postos c pronloções, já no caso da marinha
se pode falar

cle uma éticä profissionai no século XVII. Por volta de 1760 a


Ro-]'r¿l /ú¿n'v

tinha já atingido um alio grau cle profissiollalisnio entre os seus oficiais,


o

que lhe iria proporcionar notáveis vitórias em finars clo século XVIII e nas

guerras napoleónicas.

Para alérn cla aristocracia e da gentry rural. donrinando a maior parte


da

procltição agrícola, clos mercaclores e <industriais'r. dominando o comérclo,


àos profissionais hberais e do clero, clos oficiais do exórcito e da marillha'
dos yeonten e husbanchT?¿rl ocllp¿ìclos com o trabalho agrícola, clos
mesttes
clos ofícios utbanos. a sclcieci¿icle inglesa era ainda consiituída por
um vasto
grLtpo social cle trabalhadores incliscriminados, sern proprieclade, sujeitos
à precariclirde clo trab¿rlho sasonal e ao pagamento dos salíirios
em géneros e
nãcl e m clinheiro. As conclições de vicla clestes grlrpos. freqttentemente
próxi-
mas da misél-ia. cri¿rvam sitr.rações sem dúvicla iclônticas às queThorn¿ìs
More
refere etn IJto¡tiu.' situações cle mencliciciade e vagirbundagem favoráveis à
clesorrie m e à clirninalidacie. A legrslação aprovada no período
Tudor procu-
gri-
rou. tlo entatlto, regttlailentat'cieterminadas actividades e obviar às mais
t¿ìr-ìtes distorçoes sociais decorrentes cla pobreza'

No priine iro caso cle ve salientar-se oSf¿f ute of Artificer's. adoptttdo em 1563'
que del'inia um períoclo cie aprendizagem de sete :inos, obrigatóno para iì
prática de clualquer ¿rctiviciacle (c:rttf't). A aprencliz-¿ìgem coneçava. normal-
l-
.'

mente. aos c¿ìtorze anos e. para além cle ensinar r-rma activiclade profissional,
tinha uma função inte-eraclora import¿ìnte: o aprendiz ficava ntr depeudencia
pessoal e legal clo mestre e participava de uma espécie de cultura de gn-rpo
que envoivi¿r os outros aclolescentes na situação cie aprendiz. Esta instittlição
entroll em clecaclência depois de 1750, com a emergência de novas atitucles
relativamente à proctr-rção e à organização do trabalho, a qLle podemos chtt-
mar capitalist¿ìs, começando coilì a contratação à jornada cle trab¿ilhadores
nãro qualif icados, dispens¿rdos qr"rando não er¿im necessários'

A precirriclacie do trabaiho e as situações de mendicidade e criminalidade


verific¿rdas no século XVI iev¿rrarn iì aclopção cle uma segtinda medida soci¿rl
cle grancles repercussões: a legislação sobre os pobres, ou Poor Lrzw, que se
coustitlli. cle f'acto, como um¿r série cle diplomas interrelacionados, cle qtte o
primeiro clata de 153 I. Anterioriliente, os problemas decorrentes da pobrezit
er¿im enfrentaclos casuisticamente. atrar'éS de eSmolaS. Porétn, O ¿rumento
populacional clas primeiras décaclas clo século XVI r,elo agr,rdizar as sitttações
cle pobreza, geranclo a convicção de qr-re esta teria que ser enfrentada atr¿rr'és
de rnediclas adequaclas.

As pecliclas tomacl¿rs podem sintetizar-se em clois tipos: o auxílio aos pobres


por iniciativa loc¿rl. dependendo de uma tax¿r cobr¿rda às farnílias mais desa-
fogadas, e as medlci¿is govefnamentais, qlte colneçaranl a definir um sistem¿r
nacion¿rl cle assistência. As medidas de 1531, 1547 e 1563 definrram a paró-
quia como base do sistema, finailci¿icio pelas charnadas poor r¿ll¿J. ou taxas
cobraclas para fins assistenctais. Finalnietrte. a legislação promulgadä em
1598 e confirmada en I601, constituiu a b¿rse da política de assistência aos
pobres até finais do século XVIIi.

Os conceitos soci¿ris que infolmam esta política baseiam-se ntlma divisão


clos pobres em três grupos: os pobres merececlores de auxílio, que não poderrt
sustentar-se por doença ou incarpaciciade física, oll pof Serenl denasiado
novos. Depois vinham aclueles que. não sendo exactamente merecedores.
eram ainda aceitírveis: os qlre tinl-iam farníli¿rs grandes demais, olt qlle quet'ilnl
t¡abalþlil e lião ellcolltl'avarn ocupr.rçio. Na [erccil'a c¿ttegoIia clltlltVatll os
qlte tinham saírde mas não queriam trab¿rlhar: estes eram. claramente, não
merececiores cle assistência ou, como se cllz-ra mtcleserving' Eram estes qtle
constituiam os banclos de rnendrgos e vagabutrdos, salteadore s e ct'ilninosos
qlìe tofnavam perigosas as estraclas inglesas. A irnaginação literária terá. no
entanto. exageraclo qller os nútmeros, qlÌer oS clesempenhos violentos dos
vagabr,rndos ingleses cieste período.

O problerla c1a mendicidacle e c1a vagabunclagem deverír. antes. Ser pers-


pectìvaclo num quaclro m¿iis alargaclo de paupertzação que afect¿rva largos
estl'¿ttoS populacionais, marcaclos por desorciens. dissipação. embriaguês, ócio
e L-¡astarclia. Estes conlport¿ìrrentos torn¿ìrant-se Inenos evidentes clepols de
7

1650. quanclo o ¿ìumento populacional tendeu a estabilizar'. O Act ofsettlernent


de 1662 r,eio impôr'uma nova restrição à mobiliclacle dos pobres. ao cl¿rrificar
que a nssistência paroquial seria devida apenas :ios pobres oriundos da mesma
paróc¡-ria. e não àqueles que viessem de fora. Segr-rndo aigumas interpretações
da Revolr¡ção Inclustlial esta lei teria tido ef'eitos lirnitadores. em f inais do
século XVIII. para Llûl processo de desenvolvinento da indúrstria que
dependia. em boa parte. de mão de obra ciisposta a trabalhar ent troca de
baixíssimos s¿rlários e essencialmente mór'el. ou seja, disposta ¿ì procrlrar
trabalho Ionge da su¿r paróquia de origenr. A abolição dos Settlenrcnt Lctyt¡s.
no século XViIi teria. então, siclo condição importzrnte para o desen-
volvimento inclustrial.

Actividades

l. Leia o seguinte excerto deTtr¡ilus tncl Cressiclt¿. de Shakespeare. e com-


pare a visão de orclem e caos clue lhe é subjacente às mesmas concep-
ções no períoc'lo medieval:

The heavens themselr,es. the planets, and this cetìtre


Observe degree priority and place
Insisture course proportion season fbrm
Office and custom, in all line of orcler;
And therefore is the _elorious planet Sol
In noble eminence enthron'd and spher'd
Amidst the other. rvhose med'cinable eye
Corrects the ill aspects of planets evil
And posts like the cornmandurent of a kin_e.
Sans check. to good and bad. But lvhen the planets
In evil mirture to disorder rvancler.
What pla-uues ¿ind what portent-s. u'hat rnutiny.
What raging of the sea, shaking of eafth.
Cornmotion in the rvind.s, fì'ights changes horlors,
Divert ancl crack. rend and deracinate
The unity and niarried calnì of st¿ìtes
Quite fron-r thelr fixture. Oh, q'hen clegree is shak'd.
Which is the l¿idder to all high designs,
The enterprise is sick. Horv could cor.nmunities.
Degrees in schools ancl brotherhood.s in cities.
Peaceful comnlerce from dividable shores-
The priinogenitive and due ol birth.
l
!.1
l
Pre rogzrtive ol age. crowns sceptres l¿rurels,
:l
1i
But by degree stand in authentic place'l
t:
:; T¿rke but degree away. untulle th¿ìt stritìg.
ìl
::
I
198

t:
r:
i
',: i'¡l
l:a)

i..i ;il
.---
:
'..1

'l

Ancl hark, what discord follows. Each thrng meets


In mere oppugnancy. The bouncled r'vaters
Should lilt their bosoms higher than the shot'es
And make a sop of all this solid -elobe'
Strenght should be lord to imbecility,
And the rude solt should strike his father dead.
This chaos, tvhen degree is sufïocate,
Follows the choking.

1.1 Procure delinir as cliferentes hierarquias referidas no texto, e verificar


corro se articulam. ou n-ìLituanlente inf luenciam.

12 Identifique cad¿r uma das situações em que ¿ì pertlrrbação da hierarqr-ria


prodr-rz c¿ros, e elabore ttm breve comentárìo sobre a cosmovisão que o
texto reflecte.

1.3 Compare este texto com o de Marie de France, apresentado no final do


capítulo 3 da Parte I deste manual e refira as semelhanças e as cliferen-
çaS que lhe parecem mais signìficativas, no qlle se refere
às imagens
apresentadas e ao modo como t'eflectem as noções de organização da
sociedade. bem como iì articulação erìtre o micro e o macro coslllos'

Bibliografia sugerida

t992 The Cc¿ntbriclge Ctrlturctl Histor,-, ed. Boris Forcl, Vol' III Sixteentlt
Centttry Britctin, Carribridge. Cambridge LI. P

t992 Tlrc Oxþrcl Histotl' o.f Britaitt, ed. Kenneth O. Morgan, Vol. III, Ifi¿
Tudors ctnd the Stuctrîs, Oxford, Oxford Ll. P'

BINDOFF, S. T.
1961 TLttk¡rEnglcncl,Harmondsworth'Penguiti.

BURKE, Peter
1994 Populur Culture in liarly Moclern ELtrutpe. revised reprint. Aldershot,
Scholar Press.

CHADWICK, Orven
1990 The ll.eJornt¿lfu;¡¡, Harmonclsri'orth. Pen-uuill
ELTON, G. R.
1960 The Tudor Re,volution in Govern¡nettt: Achninistratit'e Cltutt,qes itr tl"te

Reigtt of Henn' VII[, Carnbriclge, Cambridge U. P.

1963 Ertglancl Utrler the I"uclors, London, lVlethuerl.

HALL. Stuart
1992 "The Question of Cultural
ldentity", in Motlernit.v- curcl IÍs Futttres,
ed. Stuart Hall, David Helcl and Tony McGrerv. Cambridge, Polity
Press.

KENNY, Anthony
1993 ..Mot'e>, in Renaissttrtce Tltinkers, Oxf,ord, Oxford tl. P.

LASLETT, Peter
1994 The \Yorlcl ltþ have Lost, IìLtrther E-up[orecl, Loncion, Routled-ee.

MOSER, Fernando de Mello


1982 TltotncLs More e ns c:cunitrltt.; dct peieiçuo htmttt¡trt, Lrsboa, Vega.

MORE, Thon-ras
1993 Utopict, ed. George M. Logan and Robert Adams. Carnbridge.
Carnbridge LI. P

SKINNER. Quentin ¡-l!\*

liT
1992 The Fr¡Ltnclcttions oJ Mctclern Politic:al Tlrcugltt, T'he ,Age of Ì31ì

rrTitj

Re.f'onnctrirtn, Canbridge, Cambridge U. P

'iÞ:ì

SHARPE :sl
$j]
1993 Eurly ll4otlet'n Ërtglcutcl;A So<:iaL Histon, I500-1760. London. Eclr,vard
$l
Arnold. .'ã1
:si
'!åiì

tÊl.i

THOMAS, Keith ':i.iai

1991 Religiott rmtl Íhe Det:litrc o.f' Magic, London. Pe.nguin. ii:Li
:it*
':*1
..gl

,Ìil
TILLYARD. E. \,I. \\/. ,,t:

1966 The Elizabetlrctn Worl¿l Pictura, Harmondsrvorih,




e"s

F*
e"+

m

Þ{
re
e+

!4


&r
Õ

M
@
ì1
&¿
--T

Sumário

O capítulo que Se irá seguir desdobra-se em dois planos complemetltares.


Primeiro, o enquadramento político e religioso observár,el no século XVII,
onde irnporta registar um processo de conflito institr"rcional e turbulôncia
político ideológica. Depois. a apt'esent¿ìção do pensanento de dois aLltofes
seminais para o clesenvolvirÌlento de teorizações fituras, sobre a ideia de
poder e de estado. sobre os valores da igualdade e da tolerância, do indiví-
cluo e da socieclade: Hobbes e Locke.

Os conteúdos sumários clo capítr,rlo serão os seguintes:

1. Enquadramento político e religioso

" J¿iime Ieo ¡tersonal rule.

" O armintanismo e o papel do Arcebispo Lauci.

u Os anos de 1640 a 1642 conflitos entre o rei e o Parl¿imento.

. A primeira Guerra Civil.


. O N¿ru ModeL Arnn,. Oliver Cromlvell e os Levellers.

. O protectorado de Oliver Cromwell.

. A Restauraçio.
o De 1660 a 1688: a Revoiução Gloriosa.

' A ascenção da facção Whig.

2, O pensamento político no século XVII

" Thomas Hobbes: a formação do selt pensarnento.

u O desenvolvimento clas suas teorias.

" John Locke : a forrnação do seu pensamento.

o O desen,,'olvimento d¿rs sttas teorias.


4.1 Enquadramento político e religioso

A sncessão ao trono cle Inglaterra, após a morte cle isabel I, fez se sem
sobressaltos. Jaime I, rei da Escócia. era adulto, protestante e tinh¿r já r'rrr
hercieiro, quanclo, em 1603 ¿rssumiu a coroa cle Inglaterra. As circunstâncias
políticas e sociais cleste reinacio têrn sido reperspectivadas recentemellte. no
se¡ticlo de se desmontar Llrna leitura tradicional deste período corno gerador
clos conflitos que posteriotmente estalararì no reinado de Carlos I, e
concluzir¿rm a Grã-Bretanha à guerra civil e à execução do monarca rcinante.
Segr,rncio as interpreterções mais recentes, o goverrìo cotltinuott a Ser
asseguraclo atrar,és dos instrumentos tradicionais da corte ou doPr¿i,y Cr¡ttttcil,
sem se detectar um maior protagonismo do Parlamento. Ao contr¿irio daquilo
qlre se procltrou acentuar. o Parlamento não apresenta quaisquer indícios de
funcionar já com orientações partidárias, nem palece ter surgido qualquer
conflito lntitucional entre este órgão e o rei. Entre 1610 e 1621 a In-elaterra
parece ter sido goVernada eficazmente sem quaiquer intervenção parlamentar
digna de regrsto.

A situação mudou, no entanto, quando Jaime I Inorrelt, em 1625, e lhe suce-


deu Carlos L Entre oS novos desenvolvilnentos qlte começafaln a gerar
descontentamento, ou peìo [ìenOS apreensão, Conta-Se o pocler do favorito
real. o duque de Buckingham. Mas mais importante terá sido a verlficação
da inclinação clo rei para uma forma do religiosidade próxima do catoli-
cismo o arminianismo bent como o envolvimento da Inglaterra na
-
Guerra clos Trinta Anos.
-,
O envolvimento na Guerra clos Trinta AnoS, começacla ainda durante o rei-
nado cle Jaime I. mas e ntiio setrl a participação da Inglaterra, trouxe descon-
tentamento interno, clecorrente c1o acréscimo de impostos necessáI'ios a sus-
tentar o esforço cle uma guerr¿ì qlre polrco tinha a ver com os interesses ingle-
! ;\
sesr. Este ciescontentamento teve expressão no Pariamento, onde se atingiu Guerra dos Trinta Anos
I (r I 8. cnlolven-
conìeçiìriì enì
um auge de fricção contra o rei en-i 1629. O Parlamento discordava da polí- do o genro dc Jainre l. Frc-
clerico V. Eleitor P¿rlatino.
tica extern¿r. dos expeclientes fiscais necessários p¿ìr¿ì o seu financian-ìento,
A participação ìnglesa. entre
clo recurso à prisão para gar¿ìntir a aplicação desses expeclientes, clo apoio do I625 e t630. consistiu no
rei ao grupo armini¿ìt-ìo. cla influência de Buckingh¿Ìm, e homens corno John apoio à causa protcstante de
Frcderico V. cLrnhaclo clo rci
Fym, Sir Edlvarcl Coke. Sir Thomas Wentworth, Sir John Eliot ou Duclley Carlos l. traduzitla nunta
Ðigges decl¿rrar'¿rm enl voz alta o seu descol-ltentamento. Assim, o rei cleci- gLrerrû com a Esplnha. Palir
rùcuprracão dc territtjrios
cliu governar Sem o P¿irlamento. Entre 1629 e 1640 o regime conhectdo coirio concluistad0s :r Freclerico V-
Personal Aale reforçou o poder do rei e cio Pi'iu1' Cotncil' e foi celebraclo NOs nlesnìos anos a Inglatet'-
rr csteyc tanibén: envolvida
enr inúnret os ilnsques e mattife stações de mecenato aristocrático que fize- nunltì guerra cotrt a Franç-l-
cr¡rn o obicctivo cle obrigar
rani da corte inglesa. nesses anos, uma das mais cultas da Europa.
l-uís XIll a honrar os te rtÌlos
clo tratado iìo casrtttcnto qttc
Por'éni, problernas de clois tipos vieram perturbar uma fbrma de governo r¡niu a su¿r i¡lllã Llenrictta
qlte. em si mesma. não era contestada: o problenia le ligioso do at'mitlilnisnltr \4ari¡ a Carlos L

e o problem¿r clo levantamento de irnpostos sem autolizitção parlament:rt.

I0 -i
lVilliam Laud, Arcebispo de Cantuária, começara a desenvolver medidas
destinadas a sr-rprimir o ensino das teorias da predestinação, próplias do
anglicanismo e a iir-rpôr medidas práticas nas igrejas. conìo regressar ao
modelo do altar separado cl¿r nave por uma teia. Estas nedidas tinham resso-
nâncias católicas, que pareciam anre açal os princípios unificadores d¿r iden-
tidade nacional. presentes no Settlente¡¿¡ cle 1559.

No qr"te se refere aos impostos. tradicionalmente aprovaclos pelo Parlamento.


C¿irlos I adoptor,r um conjunto de medidas impopt"rlares para tornear esta
situação. recorrendo a procedimentos legais ab¿nclonaclos e sobretudo, ao
a.largamento. à escala nacional, de nm imposto conhecicio 1'sor ship ûtoney.
Este irnposto, urn clos poLrcos que o rei er¿ì autorizado a cobrar directamente.
incidia tradicionahìlente apen¿ìs nos distritos costeii'os e destinava-se a rÌìan-
ter a Marinha Real. A sua extensão provocou descontentalnento, agravado
com a abertura de hostilidades c1o rei contra os escoceses, em 1637. Em
1640 o rei foi obrigado a convocar o Pallamento, a lim cle fazer frente ¿ìs
despesas da guerra corn ¿ì Escócia. O Pai'lan-iento qlle rettnitt em Abril cie
1640 ficon conhecido comoS/¿orl Parlinmetú. e foi um fr¿rcasso. Em Novem-
bro foi convocado novo Parl¿rmento. cclnhecido corrìo Lottg Porliatnent.
apostado em anular as inovações a níve I de governo secular e de religião qr-re
o governo pessoal do rei tinh¿i acentu¿tdo, bem como em afastar os conse-
lheiros que tinham contribuido com o seu apoio para essas políticas e en't
substitui-los por pessoas da confiança do Parlamento.

Embora os acontecimentos que se sucederam entre 1640 e 1642 sejam de


inieresse, aperìas poderemos mencionar aqueles que. de modo m¿rrs djrecto
ou representativo. ilustram os grandes iraços do conflito que ficou conhe-
cido como Guerras Civis. Ahistoriografia rece nte sublinha o caracter conser-
vador da oposição iìs políticas do rei, acentuando frequentemente quer ¿ì
natureza da composição da Câmara dos Comuns, qlrer o tipo de reivindica-
ção nela articulado. Os Comuns eram predominantementeg¿r?/rr'. cujos intc-
resses se identificavam com a ordem estabelecicla. As suas reivindicações
tinhanr mais ¿r ver com a reposição de uni estado de coisas anterior ao perscltaL
rule do que com a vontade de inovar e, muito mellos. ret'olucionar. Também
não será possír,el. neste período, falar em partidos políticos, mas sim apcnas
em tendências. Não existia ainda nenhuma forma cle organização que polart-
zasse grlìpos de opinião corrì um ilínimo cle coesão e disciplina. Pode. no
entanto. falar-se de oposição às políticas do rei e esta era cl¿rrarnente prot¿ì-
gonizada, na Câmara dos Pares. pelo conde de Bedford. associando tambén-r
os condes de Warwick, Essex e Manchester e os Lorcles Brooke, Say'le e
Sele. Nos Comuns, a oposição era liderada por John Pym e Oliver St John.

Ern 1641 o Parlamento parecia ter conseguido os objectivos que o olienta-


valn no ano ¿interior. A instabilidade política rnani{èstac1¿t em alguns pontos
do reino, nomeadantente em Londres, con reuniões populares. petições,
demonstrações ou ûìesmo desordens púrblicas, inclinava os defensores do
staÍLLS quo areforçar o poder clo rei, fonte tradicional de estabilidade social.
Porém, um conjunto cie acontecimentos.onde se destaca uma revolta na
Irlanda. precipitou as divergênciaS entre o rei e o Parlainetrto, levando à
apresentação. pot Pym, da Grctnd Retnonslrctllc¿, onde o rei era acusado de
govern¿ìr conì o auxílio clos católicos, <pal'tido papista e maligito".

Carios I clecidiu então manciar invadir o Parlamento e prender os cittco men.ì-


bros mais rebelcies, incluindo Pym. Avisados antecipadamente. os membros
clo P¿rrlamento não se encontravam reunidos, tendo a atitude agressiva do rei
motiv¿ìdo um sentido de união parlamentar que até então não se verificara. O
clima tenso vivido em Londres terá inflr.renciado o rei a paltir para o
Norte. Os primeiros seis rìeses de 1642 mostram Llm progressivo acentuar
cle tensões. claramente expressas na formação cle dois exércitos distirltos:
uin, mobilizado pelo Parlamento, através de uma Militiu Ordittcutce a que o
rei contrapôs uma Contntission of Arrat'. Em Junho de 1642 o Parlamento
emitiu uma declaração de soberania Sob a forma de Dezanove Propostas
(Nineíeen ProposiÍions), a qtte o rei respotrcleu com ttma afirmação clássica
cle soberania. oncle acentuava o caractel equiliblado do regime polítrco e
constitucional britânico.
:
Em Agosto d,e 1642 o rei declarou formalmente guerra ao Parlamento. AS Chrìstopher Hill. historia-
dor especialista rleste período.
hostilidacles qlte, cle pricípio, muitos pens¿ìram ser de pouca dura, prolonga- ó de opinião que o conjunto
ram-Se em recontros Sem vitóriaS ou derrOt¿rS claras, Colllo aconteceu cOm a de mudanças ocorridas nas
décadls de quarenta e cin-
prirneira grande bat¿rlha. em Eclgehill. em Outubro do mesmo ano. Segundo cluenta do século XVII nlar'-
a interpretação de J. A. Sharpe, esta batalha consistitt sobretudo numa tenta- c¿ìranl o fim dx lnglaterra
medieval c TLrdor. nomeada-
tiva de um exército comandaclo por um par do reino, e constituído por forças nlente conl a abolição da
dependentes de grandes proprietártos rurais, pretender forçar um rei. que Cânrara dos Pares entre 1649
e 1660. com a legislação agrá-
teria conbinado a incapacidade política com o gosto por um governo cen- ria de 1646. com a Política
traliz¿rclo, a um acorclo constitucional. Esta leitura refuta claramente a inter- colonill e extenla no collléf-
cio enr 1650- 165 l. com a
pretação cle que a Guerra Civil seri¿r a nanifestação I'isível cia transição do indústria e contércio internos
feudalisrno para o capitalismo, evidenciando a emergência cla classe rnédia enr l6-11, cluando o governo
centlaì perdeu o poder de con-
cotrìo forçä social e política. oposta aos valores tradicionais da monarquia e cedel rlonopólios e controlar
cla aristocraciar. Pelo contrário. para Sharpe o princípio cla Guert¿i Civil tem a aplicacão cla assistência aos
pobrcs. cont a i¡ìtroduç¿io de
mais a ver com os conflitos entre reis e barões fi'equentes rla história política dois inrpostos modernos ell
medieval. 164.1. Ver ChristoPher Hill.
R cl'o r ntu ti o tt t o I ttdus t riuI
Rev t¡ [ u ¡ t o tt. Harnrondsrvofi h.
Nas campanhaS que sc segitiram. as vrtórias e derrotas oscilaram entre a Penguin. [967] 1975. ter-

clamoros¿r vitória do Parlamento aliado aos escoceses em Marston Moor, e a


ceira parte <The Revolution".
pp. I 27-2 I 0. A Posição. nrais
Sua derrota em Lostwithiel. As forças parlamentares foranl reorganizadas recente de Sharpe contesta.

num novo exército cotrì o nome cle ly'¿rv Model Anny. comandado por Sir pclo nrenos üt.n Parte. os Pon-
tos dc rt-cta de Chri-stoPhet
Thonras F-airfax e tenclo por comand¿rnte cl¿r cavalaria Oliver Cromwell. llill. consagrados durante r
As vitórias de Naseby e Langport garantit'zrm lr supremacia clo exército par- déciìda dc setcnt¿ì.
Y

lamentar e, por volta de 1646 a vitória do P¿irlamento parecia assegllrada.


O problerla qlle então Se coloc¿tv¿t era o de chegar ¿ì um acorclo com o rei.

É Alficit avaliar os cllstos pessoais da guerra e o inodo cotl1o estes puderam


reflectir-se nunt clima de opinrão favorírvel ¿Ìo sell termo. Alguns dados per-
mitem pensar que Surgiam reacçõeS, por vezes violent¿rs, contra os exél'citos
e os cobradores dos impostos qlte. cfescentenlellte, oneravam aS popula-
ções. O aparecirnento dos clubmen em 1645 é uil desses f-enómenos, apa-
lentenlente expontâneo. qLlc consistitr na formação de associirções de carác-
ter local, que l'e¿ìgialn contra a presença de tropas e o pagamento de impos-
tos destinados a custear a guefra. O desejo de pôr um fil-l-l à violência irnpu-
nha alguma fbrm¿r de acorclo entre o P¿rrlamento e o rei o qlle, nesta altura.
pafeci¿t inevitavelmente ter de basear-se n¿ì própria institLrição cla monar-
quia. Os debates no Parlatnento quanto à forma desse acordo indicam a cla-
rificação cie dr:as tendências principais: os Presbiterianos, que representa-
vaûì ¿t tendência Inais conselVadora, desejando um acordo breve colrì o rei e
os Independentes, mais raclicais rel¿rtivamente a questões sociais e religiosas.
qrÌe ciesejav¿Ìnl negociar concessões e garantias com Carlos I antes de for-
m¿ìlizarem qualquer acol'do.

As negociações envolvendo os dtversos grupos de opinião parlan-ìentar. bem


como representantes dos escocesses. qlle conleçataûì em ciima pró-realistit,
foranr no entånto interrompidas em princípios de 1647. com a interferência
cle uin¿r nova força que reclamava maior protagonismo político: oÀ/¿rtr Mr¡del
Antn, . que os seu s comanclantes, nomeadamente Fairfax, Cromlvell e lreton
entendiatn dever ser consiclerado como Lulì grupo corn intLìrvenção política.
Sectores do exército parlamentar. associ¿Ìdos a grupos raciicais civis, os
Levellers, começavam inclr-rsivamente. a contestar a representatividade do
Parlamento, cottsiclerando-se a si próprios nlais representativos clo povo da
j ()
re ch-
movirnento,{-¿r'¿11¿r' Inglaten'ai. A opinão pública agitava-se de lornta sem precederìtes, eviden-
nra\,¿ì unìiì considcrár,el
c\tcnsão do sufr:igio. a aboli-
ciando que ¿llgo cle totalmente novo e notável est¿tv¿t a acontecer: a formttla-
ção da monarc¡uia e cla Câma- ção de opìniões. o sell debate. a su¿l publicação. e propostas de acção cott-
ra ilos Pares. Outros nlovi
nlcntos clc l¡raror ladicalisrno
creta. envolvenclo aquilo a que hoje cl-ìamanlos a sociedade civil.
aindl surgirarn âo mcsûìo
tenr¡ro. norneaclamcnte o dos As pertulbações da orclerl pública. a agitação dentro do próprio exército, a
1)ig.qlr',r, que lccllnrlr am r
aboliç:to cla proplicdadc pli- necessidade de conter os segnlentos mais radicais clo,Vert Model Artt¡'. s
vad r. desconteniamento geral contra oS solclados e oS tmpostos, ¿rs clir¡ergônclas
cle oprnião dentro do Pallainento, tudo contribuir"t para clificultar um ¿icorclo
com o rei e p¿ìra plolongar Llma situação cle instabilidade que, em 1 648, deLt
Iugar a uma série cle b¿italhas entl'e o exército parlamental e as forças do rei.
conhecida coûìo a Segunda (]uerra Civil. Est¿i foi de cltrta dttração, em
glirncle parte clevido ¿ì eficircra com que Cronwell diz-intor.i ¿ìs tlopas rcais tto
Norte da Inglaterra e na Escócia.

l: ,li
åi '" -
I
I

Não obstante a guetra, ¿r maior parte dos membros do Parlamento contlntla-


v¿ì a quelef negociar com o rei, e chegar a um acordo viável, de base consti-
rr-rcional monárquicä. O exército. no ent¿ìnto, cliscordava desta estratógia con-
serv¿iclora e. tendo prendrdo o rei, invadìu o Parlamento e expulsoLl os lnem-
bros cpte clesejaväm a cotttinuacão clas negociações. Os membros qr-re pet'-
manecer¿'ult clepois deste processo, qlle ficor-r conheciclo como Pride's
Purge.cleviclo no nome clo sett principal dirigente Cororlel Thomas Pride, na
sua maior parte Inclepenclentes, romperam as negociações com Carlos I. jui-
g¿tr¿ìin o rei por traição contr¿l o Parlamento e o Reino. e condenaraln-no à
ll.tol'te . A exectlção de Carlos I teve lugal no clia 30 de .Taneiro de 1649. dela
resultanclo a abolição cla monarquia e da Câtnara dos Pares. A Inglaterra
p¿ìssoLÌ a sef Lrlra Repírblica.

Os primeiros anos após a execllção do rei foram orientados. politican-rente,


pof Ltin Parlalnento constituíclo pelos membros sobreviventes à opr-lrga de
Plicle>. qne f icolt conheciclo cotttoRutnp. tel'mo que significa <sobras>>' Entre
1649 e 16,53 o Runqt proch-rzitt legislação e decisões clue indiczrm Llm con-
j¡nto cle preocr-rpações de natureza corrìercìal. como por exemplo leis sobre
a rìavegação (Nuvigtttion Act. de 1653), ou ¿i decisão de cleclarar guerra coÍì-
tra a Hol¿rnda, riv¿rl conterci¿tl da lnglaterra. Mas. na óptica do exército. o
Rtuttp não fol sufictentemente radical. Os traços da sua política que, retros-
pectirramente. poclem ser consiclerados inov¿tdores. e expressão da irnpor-
tânci¿i cresce nte c-los interesses cla classe média, flcavam aquém das rnedidas
reformistas sobt'e ir lei, os tiÍhes e zr relrgiáo. que o exército desejava. A 20 de
Abril cle 1653. as forças comanciaclas por Olive r Cromwell entraram no Par-
lalnento e expuls:ir:itno RanP.

A história constitucion¿rl cl¿r In-elaterra viveu em seguicla nma das sttas mais
biz¿rn'as experiôncias: o estalrelecìmento cle r¡ma Assernbleia Nomeada.
pejorativzrrlente ctr¿rmttckt Barebone's Par[iaïnent, cleviclo ao norìe de un-t
clos seus membros cle olige hr-urilcle, Praisc-God Barbon. Est¿rAssenlbleia
n-r

qlte se ¿rssumia cotno Lrm¿ì no\ia re¿riidade. escolhicla por oficiais c1o exército
e por cii,is simpatizantes cio exército. pretenclia ¿ì\'ençar o tr¿rb¿rlho de
reform¿i que o ÃrlitTr não fizera paf¿ì. em dcf initivo. criar um muncio llovo,
que algutìs laclicais re llgiosos pe nsavam nlesrno ser o aclvento de um gover-
no de santos.

Mas, r'nesrro nestiì Assenibleia. não tardar¿rn-i a surgir clivisões entre


niocler¡clos e radicais. qlte en-ì cinco meses conduzir¿rnì ao selì ft'ac¿rsso e à
entrega clo pocler, pelos triocleraclos. a Oliver Cromwell. Mais tttn¿i vL'z a:i
ttopas invaclil'am a Câniara dos Comuns. tìgora pala expr"rlsar cls lv{embros
raclicais. O Instrume¡rto de Governo c]ue eûì seguicia foi elaborado consiitLìitì
uul cotllltfomisso. qlle se traduzia num gove fno chefiado por Cromwell, ern
ntctlc'les semelhante s aos cl¿r rnonarquiit consiitücìonal: o Protector goverliav¿ì
corn um conselho de Estado. e a câmara cfos comuns recuperava as
sllas
funções tradicionais. O Lord Protector e o Conselho aclquiriam muito
maior
capacidade de decisão do que o Paliamento. incluindo a capaciclade
cle
levantar impostos para sustentar o exército. a inarinha e a administracão
pública.

O Protectorado de Oliver Cromlvell ¿ìsseguroll a establliclade dentro do


exército e conciliou ¿r nlaior pärte cia opinião pública. Não obstante uma
in;rgem negativa, que perdurou até meaclos do século XIX, pelo menos. os
anos do protectorado e a figr:ra de Croinwell merecem hoje urna interpr.cta-
ção rnais cle acordo conl os tetemunhos conhecidos cla própria época. E estes
indicarl uma base de apoio pro-pressivamente alargzicla. che-eanclo rnesûìo,
ein 1557' a ser elaborada uma nova constituiçãro, que substitr¡iria o Instru-
mento do Governo e daria a coroa cla In-elaterra ¿i cromwell. o Hunúle
Petitiott uttd Advice foi parcialnlente ¿rceite pelo Lorcl Protector. que não
aceitor-r ¿r. coroa, mas aceiton a reintrodução cle uma cârlara Alta.

Não se pode afirmar. no entanto. qlre o go\¡erno cle cromrvell tenha a_era-
dado a toclas as correr.ìtes cle opinrão. os pares e boa parte cla gentr.\,
nl\a
Veriam decerto com bons olhos o que consicleravam uma uslrrpação do
poder real. Porém. não se registam neste períocio cie cinco anos sérias
revol-
tas organizadas ou ¿r tentativa de golpes orquesirados para clepôr oliver
cromlvell. o seu dornínio clo exército funcionava, clecerto. como um pode_
roso desincentivo. mas lalvez deva ser poncleracla ontra ordem cle razões.
O período revoluvionário cla história política cla Inglaterr¿i não envolve¡ ex-
plicitarnente urìa revolução social. É eviclente qlre os particlái.ios cio rei
fo-
ram submetidos a sanções e a multas, por vezes a expropriações. mas não se
assistiu a qualquer tipo cie actuação que tivesse conlo objectivo clestruir
a
hierarquia conliecida. A estrutura social passou. ao longo de várias décaclas,
por mudanças de que falaremos, mas estas foram mais graduais e integradas
nuin conju.to complexo de factores, do que revolucionárias,

A morte de Cromr'veil eirl 1658 precipitoll Lrma série de rápidas mlicl¿rncas na


sitr"ração política. o atrito entre o exército e o parlanlento acentuou-se,
perante a incapacidacle cle Richard crornwell. que sucecieriì. a seu pai
como
Lord Protector. de resolver a situação. De novo unl exército teve. um papel
preponderante, desta vez sob o comanclo clo GeneralGeorge h{onk. ¿ì f rente
do exército Parlamentar cla Escócia. A intervenção cle Monk sobre um parla_
mento confuso e desunicio. onde membros do antigo Rum¡t se conlrontavam
com membros expulsos no Pritle's Purge.concluzin ¿ì ar¡todissolução do par-
lamento e ¿ì convocacão cle eleições em que os particlhrios cla monarquia
poderiam votar.

Acções cliplorráticas entre Monk e agentes cle carlos Sruart. filho de


carlos I.
vieratn ¿ìo encontro claqr-rilo qLle era. manifestanrente. a vontade gener.ali-
zacla: pfepar¿ìf aS condições para a restauração da monarquia. O Constenlion
Pcrrliunrcnt, em cr-rja eleição fora m¿rnlfestado ineqr.lívoco apoio aos candì-
clatos realistas. reuniu ern 25 de Abril de 1660 e. a I de Maio, foi iida a
an-ibas as Cântaras a l)eclaração cle Breda. de Carlos Stuart. Por acordo
entre todas aS partes. a Ingläterrer seria gove rnada pelo Rei, pelos Lords e
Comuns. A 8 de Maio Carlos Itr foi proclitmaclo rei.

Os anos que se segr-riram a 1660 continuar¿rtn a ser conturbaclos. Embora se


possa falar nurna clara oprnião pública contríiria à centralização dos poderes
governtrtivos, pouc¿ìs questões controversas estavam resolvidas. Algr-rns clos
i nstrumentos mais representati vos clo poder absoluio est¿lvÍl1rì de{'initi
vamente
¿rboliclos, lÌlas noLltros aspectos intervencão do rei continuava a ser fulcral.
¿r

Unla das áreas n-iais sesít'eis era, de novo. a religião.

Na Declaração de Breda, Carlos II tinha-se comprometido a deixar a inicia-


tiva, nesta matóri¿t. ¿ro P¿rrl¿rmento. O Parlamento Cavulier. fortemente con-
servador, n-ranifèstor-r-se ¿i favol'da reposição cl¿r form¿r episcopal da Igreja de
I¡glaterra, cuja doutrina se cxpressava nos Trinta e NoveArtigos e cr-¡a liturgia
e cerimotrial eStavam conSagradOs rto Book o.f' Cttmrtton PrcLver.
A tendência mais concialiaclora clo rei. que favorecia ltm conpromisso entt'e
os episcopalianos e oS presbiterianos foi superada por Llm conjutlto de legis-
lação parlamentat hostil às seitas religiosas, obrigando à uniforrnidade de
cr-rlto episcoparliano. em 1662. e cot.ttinuarlclo em 1664 e 1665 a promulgar
rneclidas contrárias à tendência presbiteriana.

Internatnente, a política britântc¿r era claramenie Conservadota, como o SetÌ


principzrl clirigente . Edward flyde. conde de Clarendon. A qr.reda de Cla-
renclon en 1661 propicioLr o govefllo conjunto de cinco <ministtos>>, cujas
inrci¿ris formar,am a palavt'a CABAI- Clifford. Arlington. Bucklngham,
-
Ashley e Lauclerclale. Este rninistério era favorável ao aumento de poderes
clo rei, bem como à extensão da tolerância re ligiosa. À qr-recla clo CABAL em
1675 sr,rcedeu-se o governo cie Danby, dlficultado quer pela poìítica extern¿ì,
qr.rer peios problernas internos cla nação in-elesa.

A nível de relações exteriol'es, a política clo rei era, pelo menos, arnbígua.
Contrariava, pela simpatia pessoal por Luís XIV a política oficiai de aliança
entre a Inglaterra. a Holanda e a Suécia, estados protestantes, tlnidos contra
o catolicismo clo n-ionarca francês. A nível iiilerno contlnu¿rv¿r o dcbate sobre
oS poderes da monat'quia, os direitos clo Parl¿imento, a liberclade das elei-
ções, os ciireitos do pocier judicial. a cluestãio da religião. As
tensões entre
católrcos e protestantes eralrr agLrdizacias pelos comportamentos cio Duque
de York, irmão clo rei e herdeiro presuntivo^ clue favorecia claramente o
catolicrsnio e se rodeava de toda uma corte católica onde se destacava a su¿t
segnncia niulher. NIaria de Modena. As sinipatias clo rei pelos fr¿rnceses
agrav¿ìvam Ltm clitna cle ¿rtrito que subiria ao rulrro em i678. quando foi
I

denunciada por Titus Oates uma suposta conspiração católica. para matar o
rei e massacrar os ptotestantes.

A agitação cri¿rda e¡n torno do Popish Plot, como ficou conliecida a conspi-
ração. proporcionou a preparação de eleições para um novo Pat'lainento e a
forrlação cie nor,os alinhamentos po1íticos que vct-iatn ctllergir o primeiro
pai'tido político britânico. em sentido n.ioderno: o partido Whig, reunido em
torno da figr,rra de Anthony Ashley Cooper, conde de Shaftesbury. Em
clara oposição política do re i, os prime rro s\ütig clefenderam no Parlamento

a exclnsão do Duqr-re cle YoLk cia sucessão. Porém, ao firn de clois anos de
clebates soble cliversos -Ercl¿rsiott Bills a posição do rei saiu reforçada e o
Parlamento foi clissolvido.

Os últimos quatro anos do reinaclo de Carlos II constitr-riram, possivelmente,


o n-iomento em qlrc a tendência ¿rbsolutista dos Stuarts ur¿ris se evidenciott.
Durante este período o rei não cotlvocoll o Parlamento. não obstante a
legislação que obngava à sua convocação trienal. Conseguindo un-ì¿t política
eqr-rilibrada de impostos legais e não excessivos. talvez acrescentados coll'l
algLrm financiamento ft'ancês. a reorganização do exérctto, o consenso dit
nação política, Carlos II criou conciições de prosperidade e desenvolvitllento
comercial qlte gatarìtiram a Satisfação de rnuitos e minilnizal'am as
perseguições aos dissidentes e äos rullig.r.

A morte II, em Fevereiro de 1685, veio colocar no trollo o polé-


cle Carlos
mico Duqr:e cle York, Jaime II. Católico convicto, Jaine II prosscguitt ttltta
política cie protecção ¿los católicos e. de certo modo. de perseguição aos
protestantes anglicattos. qlte veio. poilco a pouco, cleteriorar uma situação
política razoavelmente estár,ei cle início. Apoiado pof um Parlamento predo-
minanteme nte Tory , o rei começou por tentar uma estratégia de conciliação
da gentrt, tradicionalista e da igreja zrnglicana, qr-re lhe valeu o apoio neces-
sário parzr dei'rotar, logo nos prirrieiros meses clo seu reinado. ttnla tentirtiva
cle rebelião clirigida pelo Dr-rqr:e cle ilIonmouth. f ilho natural de Carlos II.

Mas clepress¿ì o ¿ìcentuar da prefir'ênci¿t catóiica tomou expressões profìn-


clamente clesagradáveis ao espírito artgiicano e à noção de direitos e libet'da-
des britânicos. Jaime II reniodelou as clivisoe:s eleitorais a f im de conseguir a
eleição cle Membros clo Parlamento rori¿.s favoráveis iì sr,ra política; manteve
um exército perinanente e nofìeou comandantes católicos; interferilt na elei-
ção clo presiclente do Colégio Magclalen da lJniversici¿rde de Oxford, tent¿ìll-
do impor Lrn-ì católico e privando de benefícios os Jellort,s clue resistiraml
persegr,rir-r sete bispos anglicanos, que acabarant por ser absolr'idos cl¿rs acu-
s:ições formr-rladas.

Eni nte¿idos de 1688 o clesconlentaÌrlento era visível. acresciclo ciepois de


ansieclacle cop o nascirnento cle um filho varão a Jatme II, qr-re poderia garantir

¡ ta
,ta:

um¿Ì SucesSão c¿rtólica. Possivelmente por estarem ainda na memória fecente


aS pertLlrbações cia glterra clvil. ou porque a presença do exército real
clesencore¡av¿l acções cle rebelião, oS clescontenies ingleses não agiratn auto-
nom¿ìtrìente, miìs recot'Ieraüì ¿ìo ¿ìpoio de Guilherme de Orange, casado
com Mary, filha de Jaime II. Apoios poplìlares locais, bem como o apoio de
algurns Pares e de multa cla geizrrl'. permitiran a Guiiherme e ao se u exército
Ltm¿Ìpenetração rápicia em inglaterf¿ì, e uma sitr-ração cle vencecior com o
vazio criado pela fr-rga. para França, cle J¿iirne II.

Estava cle novo criaclo Lrm problenla constitucional, que consistia eill encon-
trar uma forma cle reconhecer a legitirr-ridade e não nsurpäçãro, de Guilherrne
de Orange. Assunrinclo-se como ulor-ìârc¿l provisório, Guilherme collvocolt
eleiçoes pzrrlarnentares. cle que resultou,J Cutvetttion PctrlicüileÍLt. qlle reu-
niu em Janeiro cle 1689, De entre as virrias possibilidacles de solução da crise
constitucional, a eslratégia u,/lig ac¿rbou por sel adopiada. mesnlo pe los rnats
recalcitrantes. cottsistindo na entrega da coro¿i. conjuntirmente, a Guilherme
e a Mary. O texto qlre consagïou os princ(rios de governo, o BiIl of Rights,
confirmava a religião protestante. as liberdades clos súrbditos e litnitava os
pocletes clo rei. Ficava. deste mocio, consltmado o processo constitl,tcional e
pacílico qr-re ficou conheciclo por Glorious lLevolution.

Se à niaioria ctos ingleses a-et'aclava o pricípio, consagrädo no Bill o.f Rights,

de que a Ingiaterra cra urna rnonalqr.ria limitada. ningr.rém s¿ibia ao certo


situar os selrs lirlites. O reiriacio de William e Mary nãro foi uniformemente
clo agraclo cios ingleses; Williani era tendencialinente aulocrático, rodeava-
-se pre{èrenciainiente cle conselheiros holandeses e não ingleses. e envolvett
a ln-elaterra em guerf¿'ts cotltitrentais. colll o fito de derrotar Luís XIV, que
obrigarani ao 1ançamento de irnpostos pesados'
já observada partr a formação de partidos
Simr-rltaneamente. a tendêilci¿r
políticos começou a acentttar-Se e. ao longo dos anos noventa são já claras
as formações lr'ålg e tor\,. Cacla partrdo tinha rtm¿r licieraitça distintzr e reco-

nhecicla. uma olganização particlária, clubes, propan-eatrclistas e atitudes pró-


prias, Porém a clicotomiL\ \'hig-Íot-)' podia cliluir-se noutriìS forrnações.
momeadamente n¿ì tradtciclnal divisão court-cottttfry, ou Scjl. *corte> tla
capital, pr'órima clo aparelho poÌítico e burocrático, e <regiões)). os pares e a
gerLÍr\, ¿ì quen-ì clesagraclava utrì governo centrai forte. finanças pesadatrente
organizadas, ou exércitos pet'manentes.
'lories começaram a
Pouco a pouco, ciurante o reinaclo c1e Guillierme III' os
identificar-se, cada vez mais. com .1s atitudes coLmtr\', tornando-se hostis ¿ro
crescimento cio executivo e cl¿r Lrnlocracia. ao desenvolvimento comerci¿rl e
financeiro - qur consider¿rvani corntptír,'el - e aos dissiclentes. que iclentifi-
c¿ìvi'¡rì coln a der-nergogia e ¿i snt-rversão. Os Whigs. ¿to contrárlo, ¿rlirmav¿rm-
-se a far,or cias libercl¿icles e clo prote stantisno inglcscs, contra o c¿ltolicismo
e o absolutismo fr¿rnceses.
lll
O crescente clescontentamento relativamente à política de Guilherme III
ficou claro nos resultados eleitor¿ìis de 1698. em que a n-ìaior parte dos mem-
bros eleitos era clararrente desfavorírvel ¿ì política interna e externa do rei, e
expressoLì-se inequirrocamente no Act of Settlement de 1701. qLre garantia a
't A casa cle Hanovel era sucessão ao trono à casa de Hanover, e não ¿ì cas¿r Stuarta. As cláusulas desta
ùon(inurda na descendência
de princcsa Isabel. filha dc
lei asseguravatrì ¿ì supre n]acia clos interesses ingleses sobre os doinínios con-
J¡rinlc I. que cûsala conl tinentais de qualquer fr"rturo mon¿ìrca. garantiiìm qLre o lei oi,r raínha tinha
Frcderico \i Ëleitor Pal¿rtino.
qlle ser membro praticante da Igreja de Inglaterra. proíbi¿ì a ausência clo
nlon¿ìrca para o estlan-Qeiro sem autorização parlarrent¿ìr. e procnrava eli-
minar a presença cie estrangeiros do Prir.'-t' Council e da Cârnara dos
Comuns.

Quando Guilherrne III morreu,


na Priinavera de 1702. a coroa passou para
Anne. a se-eunda filha c1e Jaime II. Boa parte do reinado de Anne foi dorni-
nado pela Guerna da Sucessão Espanhola (1702- I7l3), que envolveu o
duque de N'Iarlborough conlo general dos exércitos britânicos e diplornata
no estrangeiro, e o concle cle Godolphin como principal ministro para os
assuntos internos. A Guerra da Sucessão Espanhola conquistou pal'a a Ingla-
terra o famoso Asiento. o monopóiio do fornecimento de escravos ao hnpé-
rio Hispano-americano, que a França clesejara conquistar. Deste modo a
Inglaterra substituiu a Holanda como o maior trafic¿rnte de escravos do
inundo. Entre os asslu.ltos internos há ¿r destacar o Regenct'Act de 1706, que
reafirmava a sucessão protest¿ìnte, e a Lei cie l-lnifrcação com a Escócia. de
1l0l
Interpretado à distância de quase trôs séculos. o reinado de Anne manifesta a
vitalidade dos partidos políticos. a generalização cle debates e polémicas ern
que se distingr:iarn oradores cotno Addison. Swift, Steele e Defoe.
dernontrando um enquadramento para a expres.são das divergêncras cie opi-
nião que afastar,¿i o perigo de uma guerra civil. I)ito por outras palavräs.
cousullìoLl-se a institt-tcionalizacão do debate político em contexto partidá-
rio. o que é marca das políticas modernas.

No qrie se refeLe à religião. o período cle Anne foi de aceso debate. também,
e cle conflito entre pelspectivas anglicanas tradicionais. rlov¿rs tenclências
latitudinírrias. olr sejar. abertas ¿ì inclusão de dissidentes. e re¿rccões extremis-
t¿rs de ultra-ro¡'.r'isril. oll ligh churcli. que visavarll aceuiual as pecLrlrariclacles

do anglicanismo e excluir todos os clissidentes. No entanto. subsistiam ainda


as perspectivas tradicion¿iis sobre a ordem soci¿rl. que continuav¿ì a ser en-
tendida corìo r-rrna hierarquia rnstitr-ridä por Deus. be m como sobre a monar-
qr"iia. que continuava. a ser considerada de direito divrno. A rainha loi mesmo
o últirno mon¿ìrc¿ì inglês ¿ì <clrrar> a escró1ula, tanlbém chamada Kìttg's [ivil
pela imposição das ntãos, o que clemonstr¿i ¿ì crença. aincla subsistente . de
que o monarca tinha poderes taumatúrrgicos.
ì
l

Os últimos anos deste reinado viram o rel'orço do poder dos foli¿^s. collsì'l-
mado nas negociações e finalmente na assinatura cio Tratado de Utrecht,
en-r 1713, que veio pôr terrno à glterracoln a Françae colocott a Inglaterra no
quacL'o das potências munciiais. Mas a rainha morreu em 1714 e. com a nova
din¿rstia de Hanover. iria assistir-se à ¿rscensão do partido Wlúg

O enquadramento político que ircìma foi narrado. nos Seus traços principais,
cleverá constitr.tir a sequência factual que. clesde logo, mostr¿r o clima de
instatrilidade e de simultânea procura de soluções que fizeratn conÌ qlìe Se
tenha chamado a este per'íodo <o século das revoluções>. Mas' einbora as
perturbações políticas tivessem siclo marcadas por uma tónica conservadora,
que nos pennite sublinhar mais ¿rs continuidades do que ¿ìs ruptllras, tarnbém
uma séria cle mudanças, rnais ou lnenos lentas, devem ser identificadas'

As diferentes experiências de governo. passando de ltma nionarquia ccrìtra-


liz¿rcla. coulo a monarqui¿r Tttdor, de Henrique VIII e Isabel I. para breves
modelos de quase absolr-rttsmo. com Carios I e C¿rrios II, intercal¿rdos por
guerr¿ls civis, um regicídio, uma república. uma <revolucão, pacíftca, a
tonlada cle necliclas constitlrcionais para limitar o pocler da nlonarqttia. o
aumento de capacidacle cle decisão do P¿rrlamet-ìto. a formação de exércitos
pefn-ìanentes. a formação da particlos políticos, este col-ìjunto de aconteci-
mentos não poderia cleìxar de trazer para a Inglaterra novos enquaclramentos
e llovas atitudes.

Mas ¿r sociedacle e a cultura de uma nação não podem ser definidas ¿ìpenas
pelas circunstâncias políticas quoticlianas que, frequentemente. e sobretudo
nesta época. eram cieterminadas pelas estratégias pessoais de políticos de
carreira. É cla maior importância tentar encontrar as grandes linhas de
muclança social e cle mudança de atitudes. estas expressas de rïodo t'elevante
na proclr-rção filosófica e científica. literária e estética deste período. bem
como verificar as continurdades e mncianças naquilo a que ultimamente se
tem chan-iado a cttltura popuiar.

^a O pensamento político e social no século XVtrI: Hohbes e


Locke

O entendimtnto das olientações políticas e soclais do sécr"rlo XVII poderá


ser melhor conseguiclo se reflectirmos um pouco Sobre o pensamento cle
dois filósofos que desenvolveran-i teorias inovaclor¿ts sobre as temíiticas da
forrriação d¿ts socieclacles. os est¿Ìdos sociais de paz e de guerra e sobre ¿l
n¿itureza clo pocler. Thomas Hobbes ( 1588- 1619) e John Locke (1632-1704)
poclem ser considerados lepresentatrvos cle toclo um conjunto cle teorias que
!î-
lr
.

anirrì¿ìvam os debates político-filosóf icos ao longo cio sécr,rlo XVII. infor-


mados tarnbém por LlrÌla nova atltllde rel¿rtivamente ¿ì natureza do conheci-
ûlento e rì possibilidade cle verificacão experimental. à luz d¿i irov¿r ciêncta
baconiana. Ambos slìo. portanto. reprcsent¿rtivos cie novas atitt-icles f¿rce ao
saber. o que signific¿r, no período en-ì clì-re escrevenì. que deram voz a nov¿ìs
atitudes lace à relrgião e ¿ìos pressllpostos tradicionais do pensamento
escolástico.

Os aspectos mais específrcos cla cliamada ÏLevolução Científica do sécLtlo


XVII serão cliscr"rticlos noutro polìto deste m¿rnuerl. A separaçùo cntre estes
dois segmentos é mer¿ìr-ìlente metoclológica. sendo o qLradro geral de revrsão
e contest¿ìção à escolística medieval o mesrno. Poróni. ¿ìgora. ircrnos con-
centrar-nos ¿ìpenas t:m aspectos de teoria política e social. que têm por
detr¿is. inevitavel mente, posições leli giosas,

4.3 Thomas Ftrobbes

O encluadramento clo pensäne nto cle Flobbes tem que ser situaclo no ambie nte
das Guerras civis dos meados do século xvil, para melhor entenciermos o
objectivo da su¿r f ilosofia polítrca. que consistia, sobretudo. em e vitiu'a suer-i'a.
Depois. hli qr-re verificar que . pal'a Flobbes, o sistema cle política qr"re propõe
e defèncle er¿ì Lul¿ì eiência, que percorria os cantinlios da nova ciência de
Galileu e Bacon. que transformava o entenclimento clo mundo natural: a
formLrlação de uina hipótese. r,elif icacla cuidadosarnente atrar,és cle un-i¿r
metodologia clech,rtiva ou indutiva. ató chegar a proposições que explicassen-i
os lenónetlos ern anirlise. Finaln-iente. o objectivo princripal cias teorias de
Hobbes cor-lsiste na clefiniçi1o de uila teoria clo poder. que expÕe mais
sistematic¿rnlente clo que MaqLriavel. e que o le v¿l ¿r expôr lambém um¿r teoria
dos direitos isì,rais clos ho¡nens, Lrem conlo cias suas obrigações.

Muito brevemente deve menciouar-se. desde lo-Eo, um pouco da formação


universitáriacle Hobbes, qlre obtet,e o gfalr cie bacharelc¡mArtes no Colé_sio
de Magdalen em Oxford. Hollbes conf irin¿i as obsenacões aí r'egrstaclas,
sobre as potcncialiclacles da eclucação traclicionai aristotélica. como não
sendo tão limitadoras de clese nvolvimcnto-\ e conte stacão corlo cir-rr¿urte rnuito
tempo se pensou. Rc-ciste-sc. a cste propósito. ciue o estudo dos clírssicos cr
preparou para a elaboração do seu prirrteiro trabalho publicado. uma tr¿idu-
ção de Tucídicles. oncle manif'esta já a conviccão cle que a observ¿rcão e a
história são melhol'es oricntaciores da cc'rncluta pcllítica e social clo que os
princípios abstractos pref-eridos peln filosol'1a e scolástica.

t j
il
- I

I
a

Outro elemento {'orntativo ¿i mencíonar. é a relação entre Bacon e Hobbes,


l

entre 1 621 e 1626.qr-ranclo Hobbes sen'iu clc lnranucnsc ao prinieiro. Embora


posteriormente o pens¿ìlnento cle Hobbes tenh¿r segr,riclo pelcursos cliferentes
clos de Bacon, i¡rporta assin¿ilat' a convcìLgência cie atitude geral quatnto à
rejciçrio do penstrme nto escolíistico. ¿t r,'ontade de explorar novos caminhos
clo s¿rbel e' o clesejo de tornat' úrtil e eficaz esse saber.

Tambérn e lemenio a ter enl conta é a atritcção cle Hobbes pela georilelria
euclicli¿rna, clue contribr,rilia para a ciarificação de uma rnetoclologia orien-
tacla pelo rigor. peia precisão aritmética. pela clecomposição clo complexo
em Lrnidacles mais sinrple s. c1r-re posterionllcntc iriä oricniat'i,ls sLì¿ìs refle xÕes
sobre ¿r moral e a política. Algr:rnas viagens ao Continetite proporciollt'lf iìlÌl a
Hobbes cont¿ìctos colll os llovos grupos enipenhados tia pesquis¿r cle nov¿is
áre¿rs e métoclos científ icos, nomeaclamente conl o francês Mersenne e o selt
círcuio cle cientistas e coill G¿iiler-r, em Florenca (c. 1634-1631).

A conjugação clestes dilerentes cotlt¿lctos com rìs pieocupações centrais


de. Fl6bl¡es proporcionou-1lie ;r formr-rlação cle uma hipótese bhsica ¿ìcet'ca cla
n¿ltutt:za. clas coistts, qr-re poclia abrirnger as acções clos honrcns ctl't socie-
clarje, bem como ¿ts stlas lelações mútttas. A geonietriir, que estabelecia
relzrçõe s entre linhas, potltos e planos. incücavä jíi um caminho. M¿ls f¿rliava-
lhe um princípio clirlâmico, clue enqr:adrasse teorican-ìente a verificação de
mudanças. Serla nas teorias clo movinlento cle Galileu que Hobbes iria
encoï'rtr¿ìr o grande elemcnto inovador da ciônci¿r polítrca.

A hipótese inovaclora, formulacla por Hobbes, rrra cle que tlrdo. incluindo as
sensirções htttr"tanas, é causacto por xnovimrento. Revertendo a noçiio
traclicio¡al via o e staclo de repor:so como o est¿rdo natural clas
cle inérci¿i. que
cois¿rs. apen¿ls alterado cluanclo outra cois¿t l'ìzesse mover a prime:ira, Galiler-l
propLlzer¿ì o movimento coïl-to estaclo nailtr¿Ì1. ¿ìpenas inte rlornpido se algun-ia
coisa fizesse pâraf o movinle nto. Acloptando o princípio de Galileu, Flobbes
ìria aplicír-lo ¿ros movirncntos cios honrens e cri¿rr um sistema a partrr clo qual
cledr-rziria a espécie de governo acleqr-räda à nianutenção e optimização dos
movimentos mittr-tos entle os honlens.

Partindo daqLrela hipótese. e usando uil¿i metologia cleciutiva. Hobbes plai-


neolr Lrm¿r l'ilosofia srsterníitìca, ou ulra ciênci¿t. em três piìrtes: tlo Cot'¡to^
que explicaria os plirnenos princípios clo movimento'. ckt Ílrntt<'tti. qlLe scria
co¡siclelaclo conlo uri'ra espócie cle cclrpo ctn nlclt itticrlto. cxplicanclo as setr-
saçÕes, cle sejos e conlpottatncnto como resr¡ltaclo dos selts movimenlos itlter-
nos. e clo impaclo cle movinlenios extcl't-tos, e c1o (litltttJuo" tllte tttosltlLt'il it
clrrecção a quc estes nrovinentos conditzit'i¿ìnl necessilriainetrte . e colrlo o
seu lesultaclo pocleria ser rado através c1e ttrn niellior conirecimenio
¿rlte cias

le iS que OS govcn'ìavaín e atr'¿rt,éS cle iìrìtecipacão t'¿tctOnal.


Hobbes nltnca abancloilor-r este projecto, mas as circunstâncias polític¿ìs que
encontrou em Inglaterra, quando regressou de Itália enl 1637, levaram-no a
¿rlterar a ordem cla exposição. que começoll por se debruçar de imediato nos
aspectos políticos. Em 1640 começaria a circular. em cópias tnanuscritas,
Elernents o.f Law', Ncttural uul Politic, consideraclo peio ¿ìLltor como um
texto que constitllia a <útnica funclação verdadeira para a ciência da justiça e
da política>. Este texto. dividiclo em duas partes, tratava já. na primeira. cla
natureza humana e, na segund¿r. do corpo poiítico.

AS mesmas teoriaS fOr¿im clesenvolr'id¿ìs no ano segr-rinte no trat:ido, etn


1¿itim, De Cive. pr-rblicado em 1642, e traduzido pelo itutor para ingiês. em
1651, conr o título Philosoplticul Rucliments cottcerÍting Governntent cutcl
Socie^,. Durante esses anos Hobbes viveu em P¿rris, auto-exilaclo em resui-
tado cle as su¿ts teorias darem apoio ao rei, cotltra um Parlamento cada vez
rnais activo. Este períoclo de exílio proporcionou a Hobbes o amadureci-
t-nento das teori¿rs sobre o pocler e as obligações políticas, qtle rria flnal-
mente expancitr e tratat' na slla obra mais completa e mais conhecida,
Leviathan. publicacla em 165 I .

As cìrcunstânci¿rs políticas dos tneados do século, referidas nolltro passo


deste Manual. tornaran'i Hobbes alvo de suspeitas dos sectores parlamenta-
res, que consideravatrì ¿ìs suas teses eir'¿rdas de ateísmo, biasfêmias e espírito
profano, logo o seu autor passível de persegr-rição. Sendo obrigado a mallter
unr prudente silêncio. Hobbes escreveu apesar de tudo, depois de Leviathttn,
duas obras importantes,T'he DialogLte befiveen a Philosoplter cmcl a Stuclent
r¡Í'the Comnntt Lrnt,s o.f Ettglancl (c. 1666), onde ¿rtacava os defensores do
cotlultotl /aru e valortztlaas pterrogativas e os direitos reais. Com receio de
represálias, o autol não autorizou a publicação desta obra. que apenars foi
conlrecida a título póstuino, em 168 1. O contrário aconteceu col-n BehetnoÍh
( 1663), nma análise histórica do Lctng Pctrlicnrcnt e das Guerras Civis. que o

alrtor, ¿insioso por ver pr"rtrlicada, submeteu à apreciação de Carlos II, que
fecusolt a autorização de pLrblicação. Tambén'i este texto foi pr-rblicaclo pos-
tumamente, em 1682.

Mas, de erltre todos os textos hotrbeslanos, Leviutltr¿¡l dest¿rca-se pela


moclerniclade dos iemas tratados - a pazl a aníilise sisteniiitica clo poder, o
traiamenio científico destas matéri¿rs. Irenros, pol isso, tecet'algr.tmas consi-
derações especificainente sobre este tratado.

A metodologia hobbesiana assenta, cotr-io já foi refericlo. na geonretria


euclidiana e na teoria da inér'cia e cio mor,imento de Galiier.r. O objectivo de
Hobbes, por olrtro lado, er¿i ¿r constrltcão de uma ciência poiítica qlle illos-
tr¿ìsse aos homens a nt¿rneira de atingir a paz crvil e a prospericlacle. O modo
de resolucão das complexas questões colocadas pela ciência política, seria o
cle proceder por partes. ou seja clefirrrr um conjunto cle proposições básicas
--
t
:

:
i

simples. e clepois construir, a partir destits, proposições complexas' Para a


conitn-rção cla ciência po1ítica será necessário. em primelro lugar. formular
questões básicas. como, por exemplo: o que faz f uticiotlal tÌma sociedade
política? Se funciotta rnal, qr-ral a razão?Ao contrário do relojoeiro. que pode
clesmontar aS peças da engrenagem. e encontrar o ciefeito. o cientista da
socieclacle ¿ìpenas pocleriì desmontal a sociedade imagtnatival.Ì.ìellte. ou seja.
formulando hipóteses. A sociedade política teria' assim, qlle Ser decomposta
r-ìOS tTìovimelttos das Su¿ìS paftes oS Seres httmanos e eSSeç movitnentoS
- -
teriam que ser entenciidos como forçzts simples que. reagrllpadas, explicari-
am ¿ìS próprias forçäs. A Introcir,rçio a I'evict¡ft¿¡¡¿ ilustra este ponto, naS
linhas:

whosoever looketh into himself. and considereth lvhat he doth, when he


cloes ¡ftù¡Â, ct¡titte, re(tsott, lnpe, .fettre, &c, and upon rvhat grounds; he
shalltheretrvreaclanclktrorv,r,vlrat¿rretlrethotr-ehts.¿rndPassionsofall
other men, upon the like occasions,.. lAnd] rvhen I shall h¿rve set dorvn my
orvn reading orclerly, änd perspicnously, the pains left allother, rvili be onely
to consicler, if he also lincl not the same in himself. For this kind of Doctrine,
i Thonras Hobbes. lcrla¡f¿ir¡
ldnritteth tto otltcr Dctlostratit-llt'5
I165ll. Harmondsr"'orth.
Penguin. 1975. p. 82.
Deste modo, Holrbes irá dernonstrar que toda a acção humana pode ser resol-
vid¿r em movimentos eienlentares do corpo e cia mente, que o cientista
pode
reagfupar e expiicar. A natnreza humana será entendida como ltrn aparelho
mecânico, que é composto por órgãos dos sentidos, nervos, múscttlos, ima-
ginaçãro, memória, e razão. O aparelho move-se em resposta ao impacto de
corpos externos, ill¿ts ¿ìcaba por estar Sempre em n-iovimento. por Ser tall-
bém possuido por um clesejo cle manter o novìmento. Veremos. posterior-
nìente, como o mecanicismo hobbesiano terá desenvolvitllentos no pensa-
ûtento de outros autofes, nomeaclamente Jeremy Bentham' en-ì plincípioS do
século XIX, e algumas afrniclades entre o utilitarismo de Benthanl e as posi-
ções cle Hobbes.

Correndo o risco c1e simplifìcar clemasiado, devem ser enunci¿tdos, breve-


[ìente. ¿lguns clos tentas clesenvolytclos poi' Hobbes e que explicam un]
poLtco ¿l razão porque f icot-t tão conhecicla a Sua expressão que
<o homem é
o lobo clo hotncni".

Para Hobbes. a prinlelra coisa que faz mover oS homens São oS ttdesejos> ot-t
apetites e aS <aversões>. que agrupa em cliversas categorias (inatos' adquiri-
dos, etc.) e que cariìcteriz¿ì: cliferen-r de pessoa pâ14 pesso¿1. são mutár'eis,
tôrn forças cli1'erentes confolme as pessoas' etc. A exploração rnetódica des-
tes princípios, benl colno o seu desenvolvilì-ìento sistemártico. ler'¿rm Hobbes
a concluir qlte o homcnl procura seûìpre satisf¿izer oS sells apeiites e qlÌe
esses apetites crescem ¿ì meclicla qlle são satisfeitcls. Os homens procltrirrño
Serîpfe o pocler, clue pocie set' rtttÍttrctl (excepcionais f acuidades cle corilo ou
mente: força. forma, pruclência. ¿ìrte. eloquôncia. liberalidade, nobreza
extr¿rorclinárias) ou itt.slt'runenîal (podres adquiridos ¿ìtravés dos poderes natu-
riìis, olr pela fortunir, qLle são ineios ou instnrrnentos prìr'a a ac¡risição de
mais poderes, como riclueza. repìrtacão. amigos. on o conhecimento da mis-
^ lÌobbcs. irlcrr, cap. l0 te riosa vontacle de f)eus, a qlie as pessoas cham¿im Boa Sorte)6.

Procedencio setnpre por raciocínio ciue consicler¿i rrrelirtável. enunciando


Lu-rl
pequenos princípios óbvios qlle se r,ão conjuganclo, do srm¡rles ao con-iplexo.
Hobbes acabarli por consicler¿rr eviclente que a hunaniclacle em geral deseja.
perpétua e incess¿intemente. pocler após poder. e que esse desejo só acaba
conl iì morte. l{esse collstarìte rnovinrento pelo poder Hobbe s vê ¿r hum¿rni-
clade sob um ângulo altamente competitivo, qlre prenuncia jír uma sociedade
concorrencial oncle prevalecem qLreles que serizrin consiclerados os valores
burgueses.

l)os princípios acima inclicacios esquematicamente, Hobbes ir¿i clecluzir uma


teoria cla sobe¡"ania em que afirrla que a íinica m¿rne ira de clilatar ¿ì ¿ìt-ueaca
cl¿r nlorte. que todos qlÌe rem evitar. e de viver na aLlundância e no bem estar.

corno toclos qLrerem tambéni, seríi reconhecenc'lo um poder soberano perpé-


tLro, contra. o qr"lal todos sejanr impotentes. A competitividade natural dos
hotnens irr-ipoe-lhes um est¿rdo cle -{uerra latente e permanel-ìte. qLle ¿ìpenÍìs
pocie ser conticlo por uma ar"rtoridade re conhecicla por todos. Num hipotétrco
<estaclo natnral> os homens constatariam que, para slÌa preservacão, ou seja
par¿ì ¿ì manutencão da paz. teriam que ceder os seus direitos a um soberano e
contraír. pai'¿ì conl ele clireitos e obrigaçoes. Num estado civilizado apaz e o
bem-est¿rr irnporiarn a celebração, ¿iinda que rnetafórica. de um contrato
entre unl pocler soberano e a sociedacle. sob pena de esta regress¿ìr a uûl
estado prirlitivo. Este poder soberano. no ent¿ìnto. tnnto poderia resiclir nllÌna
¿tssemblera eleita, conlo num sol'rerano. embora por razões de expeciiente
priitico f Iobbcs pre fcIirsc Lun nìonltI.cir.

A articLrlação das teorias de nlovimento. o ntocleio de sociedade. a declução


clos diiettos e obrigações n¿rturais" a af ilmacão de dil'eitos e justiça igr-rais no
estaclo. tudo isto te nì no seu centro. um conceito lindamental de igualdade.
A igualclade postulacla por Hobbes collsiste e m clileitos e obrigações iguais.
decluztdas a partir cl¿r nece ssidacle. inata e coniínua. cie movimento que todas
as pÐssoas possuein. A socieciadc hobbesi¿na scriü. assinr. uma socieclade
con-ìpetitiv¿r, oncle prevaleciilm as relações de ilercaclo. Lln'ìa socieclacle de
valores butgueses. Seria tambérÌl Lrma sociedacie com ricos e polrres. emtror¿r
toclos cleve sse rrì ser objecto cle justica igual. firniemerìte govern:rda por Llma
¿ìLrtoriclacle central, que se cleveria auto perpetuar. quel se tt¿tt¿ìsse de uma
assembleia ou de un soberano.
4.4 John X,ocke

A autoriclade ó também motivo central no pensamento político de John


[,ocke. Tai como se viu com Hobbes. as relações entre ¿rs teorias cle Locke e
as circunstâncias da época em qlte i,ivett são estreit¿is. Locke vi"'etl entre
1632 e 1704. ou seja, clo sétimo ano clo rein¿iclo de Carlos I até ¿ro terceiro da
raínha Anne . A execução do rei. as Guerras Civis, a Repúrblica, a Restar:r¿r-
ção. a Revolução cle 1688. ocofreram durante a sua vida, assim colno t¿ìnt¿Ìs
outfas muclanças nos planos intelectr.ral, científìco, reiigioso e económico.

Como Hobbes, tambérn Locke fiecluentou a Universidacle cie Oxfold, no


Colégio cle Christ Church. clepois cle tel fi'equeiltado a Escol¿i deWestmltlster.
onde cumpriu o cnrriculum noril¿rl. Mas é importante notar que, tllll pollco
con1o ¿tconteceu cotrì Hobbes, ao estudo dos clássicos veio jltnttr-se ttur itl-
teresse peias ciências: prirneiro pela medrcina. que Locke pt'osseguitt cnt
alternativ¿r à ordenação couìo sacerdote. estuciando enl patticLtlar botânica,
como ciôncia das ervas medicinais. Esteve, deste modo. envolvido no inte-
resse crescente que a Liniversid¿rde de Oxforci manifestou naqueie período
pela filosofîa natural - que viria a clar origem à fr,rndação da Aor'¿l Sr¡c:ielv
- e chegor-r a trabalhal no l¿rboratório de Boyle. Embora não tenha chegaclo a
obter o gran de Doutor enl N4edicrna, Locke obteve o gfau de bacharel e fbi
através cla inedicina que estatreleceu. mais tarde, uma relação de importân-
cia cleterrninarrte para o resto da sua vida com Antl"iony Ashley Cooper. pri-
ineiro conde de Shaftesbury.

Nos plineiros anos de Oxforcl o perìsamento político cle Locke revela atitti-
cles trac-licronalistas e autoritírrias. mas funclament¿rdas numa visão constitu-
cional da autoridacle. Não defende uma autoridade arbitrár'ia. ntas sitl uma
autoridade legal que residiria num corpo de leis, cle cuja pre servação depen-
deria a paz da nação. separando o poder secular do poder espiritr"ral, a auto-
riclade política cla ¿rutorìclade religrosa. Neste período o seu pensamento é
próxirr-io cio de Hobbes. embora possivelmente apenas em resultaclo de oS
tenas de LevicüJtct¡l fazerem parte dos debates cla época, e não em resultaclo
de qualquer inflr,rôncia iriais clirecta. Seria inuito mais tarde qr-re Locke iri:i
reorientar o selt pens¿ìnento. na direcção da tolerância e clo liberalismo. os
traÇos qr"re, ainda hoje. o clistinguem.

En 1684. quando Locke tinha cinqr"rent¿ì e dois ¿rnos, foi expulso cla Univer-
siciacle, por ordem do rel. A intromissão re¿il nos assllrìtos clas LJniversid¿icles
ina crescer. nlrnla explessão clo absolr,rtismo de Jaime II, r'inclo a contribuir
p¿ìra ¿ì queda do lei. em 1688. após um conflito conl os Fellov',s do Colégio
de Nfagclalen. Para Locke, o ¿ifast¿rmetlto da Univelsidade acabou pol plo-
porcionar o desenvolvinento clo pensamento polítrco e 1'llosófico segunclcr
nov¿ìs linhas.
E

A protecção de Shaftesbury. qlle conheceu ern 1666, garantir"r a Locke o


contacto corn a nata política, social e intelectual de Londres. nos anos da
Restar:räção. e esses cont¿ìctos contribuiram decisir¡amente para a formação
' Shaftesbtrry senti¡r um¿r da filosofia lockian¿r?. Em 1688 foi nomeado Fellovv da Rot,al Sr¡cieh,. e
dítìda de gratidâo par¿ì corD
durante a sua vicla eilr Londres colaborou corrì o rnédico f¿rmoso. Syclenharn.
Lockc. cluc lhe salr'ûra a vida.
ao operÍr-lo ao lígado. A opù- na pesquisa e no estlrdo de um¿i das doenças contagiosrs que rnais afligiam
racâo consisti|a nà introdução
a sociedade ein geral. a varíola. Foi também depois de 1688 que começaram
cleunl dreno no figado. cll¡e
.Shaftcsbury usaria todü a a ¿ìparecer publicadas ¿ìs obr¿ìs sobre educação e econonia. lnas s¿ìbe-se.
vida. a l'im dc inr¡retlir a
forrnação dc abcessos
hoje. que as principais linhas de desenvolvrmento do pensamento de Locke
clrre:
serianr certamcrìtÈ filais se tinham definrclo r-nlrito antes da pr"rLriicação d¿rs su¿rs otrras principais.
Assim. conhece-se ilgora a primeira versão clo célebre Lissay on Hufitan
Understanding. que terá sido composto nos pritneit'os llleses de 1671. em
estreita associação com Shaftesbr,rry. Esta prin-reir¿ì versão reslrltou do reco-
nhecimento de qr-re rìão seria possível av¿ìrlç¿lr no debate filosófico sem pri-
meiro examinar ¿ls capacidades c1a mente e verific¿ìr qlrais os objectos ade-
qu¿ìclos. ou não, ¿ì sererrì trat¿idos pe lo endentimento (unclerstcutcling).

Anterior arnda ¿r este texto será a prirneira versão do ,Essøy o¡t Tbleratiott,
escrito em 1667, pouco clepois de Locke ter sido recebido em Exeter Hail. a
casa de Shaftesbury no Strand, enì Londres. Neste ensaio Locke altera subs-
tancialmente os ponios de vista que defendera nos seus prinleiros anos cle
Oxfbrd: a defesa da tradição e da autoridacle que então expressara transfbr-
mam-se nunì estlido sobre atolerância, oncle o autor clefende vigol'osanrentc
o direito ¿ì dissrdência. ou r/iss¿r¿r. procedendo da análise do problerr-ra intectual
para re comendações soLrre política nacional. A naturacão das teses que com-
põem Ttvo Treatises of Government terá tambéln ocorrido ao longo dos de
s
A edição dc Peter Laslett de anos 1619-80. anos ¿rntes dzr publicaçãoS.
7tço Ti eati.çes oÍ Go|entilettt.
Canrbrid-se. Carlbridge U. P.
1991. conténr unra excelente
A maturäção das ideias cle Locke está estre itamente associada às circunstân-
introdLrção. ondc são dcba- cias específicas da sua vida e cl¿r sua época. O quadro cias circunstâncias
tidas as principais qucstõrs
reÌacionadas co¡r a .sénesc do
políticas da segunda metade do século XVII. tlaçac1o n¿ì ¿ìbertur¿l deste capí-
pens¿ìnrento dc Lockc. as tr"rlo. ;¡uda-nos a enqu¿ìdrar as posiçõt:s políticas de Shaftesbury. envolvido
inflLrêncras c¡ue recebeu e cr
nas polítlcas Ìfl¡¡g e. concret¿Ìnìente. nas diligências feitas para excluir o
lnodo conro respondeu a
novos desalios teóricos c Duqr"re de York. futuro lei Jaime II, da sucessão ¿r Carlos II. A associação de
li I osó li cos
Locke a Shaftesbury colocou tarnbén o prime iro em situações cle risco. que
o obrigaram a sofrer períodos cle exí1io qlle se inscre vem claramente no qua-
dro de instabilidade anterior a 1688. Não será, pols, surpreendente que, no
Prefírcio aTtvo Treatises. publicaclo jír coni o riorne do autor ern 1690. Locke
afinle que esses <Discursoso confirmaûl ¿ì sober¿ìnia e o clireito do rei Gr,ri-
lherme de Orange:

Tliese... I hope ¿ire sufficient to establish the Thlone of our Great Restorer,
Our present King Willianì: to make good his Title in the consent of the
People. Which being the only one of all lar'i,fr-rl Gor,e rntnent.s. he has more
fLrlly and clearly than any Prince in Christendom: And to jLrstifie to the

a-. -
F

World, The People of Englanci, whose love of their Just alld Natural Rights.
r,vith their Resolution to preserve them, savecl the Nation when it was on
the r,ery brink of Slavery and Ruine.e Locke. lzleli, p. 137

Em 1693 Locke pr,rblicaria Some Tltoughts Cr ncenúng Etluctttion. em 1695


T'lte RecLsrlttcLblenes.s' of Christian ln'. Em 1689 publicafa. em latim e anoni-
mamente. a prinieira Letter ottTolerctliorl. a que sc se-euiriatn mais dttas, em
1690 e em 1693. Uma quarta carta sobre a tolerância, incompleta, seri¿r
publicada a título póstumo e in 1706, bem como um discurso sobre oS mila-
gres, ul-n cornentário à teoria cle Malebranche, a obra incomple|"aThe Concluct
rf the (Jnclerst¿ut¿lirzg. as suas memórias de Shaftesbury e algumas cartas.
A obra de Locke revel¿r. nllma época de extremos, atitucles moderadas e de
Senso cotTìLtm. Poclernos. em termos gerais, defirlir o Seu pensamento cOmO
empírico, na medicla elr que, para ele, o conhecimento decorre, em boa
parte, percepções sensoriais e de introspecção. Por outro i¿tclo, temos que
cle
reconhecer que Locke não reduzia o contrecimento ao resultado das repre-
sentações sensori¿ris. e ver no seu pens¿ìr'rlento aspectos rnetafísicos. Era ltm
filósofo racionalista, na medida em que acreditava na necessidade cle aferir
raclonalmente toclas irs opiniões e crençaS, pret'erindo os juizos fundanlenta-
clos racionalmente às expressões de emocão e sentimento. Mas não ncgava a
realidade espiritr-ral. nerì a existência de uma ordem sobrenatural, nem a
possibilidacle de revelação divina de verdades qlre. não sendo contrárias à
razão. estariam no entarìto acima dela, não podendo ser explicadas. nem
completan-ienie entenclidas pol processos racionais apenas. Desagradava-lhe
o autoritarismo político ou intelectual, e foi um dos prirneiros teorizadores
do princípio da tolerância; mas tarnbém neste aspecto estabeleceu limites,
jái que lhe repr-rgnava a ideia de anarquia. Era reiigioso lrì¿ìs não fanático, e
toda a sua obra está marcada por uma atltude de comntott sense. Com esta
expressão não se pretende drrnintiir a importância do pensamento cle Locke,
si-rgerindo utr pens¿ìmento trir,i¿ri, baseado ent constatações óbviirs. mas acen-
tuar apcn¿ls o facto de Locke ter tentado reflectrr e analisar a experiôncia
comum, através da reflecção racional.

Não podemos, porém, afirm¿rr que a teoria do conhecimenio de Locke.


desenvolvida eil .Ess¿¿): on Hwnctrt [JntLerstctncling, tivesse siclo inventada
pol ele. O princípio geral de que todas as ideias decorrem cla experiência
estava já interiorizado no empirisn.ìo britânico. Mas Locke deduziu desse
princípto um conjunto cle plopostas racionalmente verificár,eis e sistemati-
cainente expostas. ern inglôs coll-ìutn, e todos estes aspectos contribuiriam
para a imens¿r irriportância histórica do seti texto. qlìe constitui. ¿rfinal, a
printeira teoria clo conhecintento. anallsado no seu ârnbito e limites. Seria
¿ìpenas com Kant que a teoria do corihecimento iri¿r conhecer oLttros desen-
volvimentos e, praticamente. incluir neles toda a filosofia.
Segi-rndo Locke a mente vai-se <mobil:indo>. pouco a iloltco, atrar,'és do
contacto coTn a re allclacle. feito atrar,és clos se nticlos, l'esoivldos em sensacÒcs
e eill percepções. Nuin plano eleme ntar. ¿ìs ideias fbrmam-se, n¿ì mente. atr-avés
das sensações, coi-rstitr,rindo um prinre iro grau de conhecintento. LJm segunclct
srau. m¿ris ele r,¿rclo, opera pe lademonstração. Esta procura ntostrar ü rclaçãc>
entre ideias que, estancio distante s um¿rs clas oLItras. não podent ser comparadas
por sirnples rntr-riçiio, e oferece unl razoín,eì grar-r cie certeza. Finalrnente. ¿r
intuição, que é a percepção cle verdades evidentes, oferece o mais alto graiut
cle certeza, logo o mais ¿rlto graLr de conhecimento. Inscrer¡etn-se ncstes trôs
planr:rs olrtros t¿ìntos c¿ìmpos cle <re¿ilidade>: ao ¡rrimeiro cot'responde o
conhecimento clas cois¿rs. ou objectos, ao segundo o conhecimento cie Der:s
e ao terceiro o conhectmento cla noss¿t própria exi.stência.

As teses de Locke r,êm refutar a noção, corrente na época. da existência de


icleias in¿rtas. Pala Locke. cacl¿r pessoa tenl quc construir o seu próptio eu a
partir da experiôncia, a partir do modo coulo c¿rda um se rel¿rciona coûl o
unìverso. ent vez cle se apoinr enl errì ideias feitas, sLrpostainente de orìgem
divin¿r. m¿ìs cìue não passam, afinal, de opiniões recebldas. pt'ccotrccitos.
dogmas tradicion¿us. Deus não tena impresso quaisquer <r'erd¿ìdes> n¿ì mente;
ern vez disso. ter-nos-ia clotado de facr,rlclacles suficientes p¿ìra descobrirmos
tudo aqr,rilo que precisnnos de saber. Deus terìa então clotado o homem cie
poderes cle sensação e de reflexão. e não de imformações prontas. tal como.
em vez cle nos dar c¿is¿ts e pontes. nos cleu as mãos e os mlterilis para as
construirrnos. Det,eletnos, então, procur¿ìr o conhecimento na consideração
das próprias coisas (thirtgs thetrtseLves). e usar os nossos pensaÍrìentos e n.1o
os dos outros.

A denionstração cia existênci¿t de Deus reconcilia a ciência e a religiãro: é


proclainada pela existôncia c1o cosmos e o reconhecimento do seu f'ttnciona-
mento em ternlos de <<orclem, harmonia, beleza>. Ne"vton tinha já dado os
passos nece ssíirios p¿u'a se oper¿ìr a fLrsão entre as descobertas cientí{'icas do
sóculo XVII e as certez-as religiosas hercladas. ao afirm¿ir que a Grande
N4áqr,rìna do universo precisara de um lVlecânico para a cotistniir e pôr a
funcicnar. Para Locke, também. a simples observação do lLrncioniur-iento cl¿l
n¿rtureza er¿r er,,idôncia c1a exi-stência cle r:ma Divinclacle . A est¿i fase do ¡;e n-
s¿ìnlento religioso chantou-se Deísmo e Locke inscrer,e-se. clecertcl. eiltre
aquelcs que consiclerarlìn-ì rllle o csp¿lço inf inito e a eternid¿rde er¿im eviclôn-
cias cia existência de Deus. e qLle. tal como ¿r ntotal, eram demostráveis ma-
tematicanle nte.

Por outro laclo, Locke reconhecia outro ¿ìspecto da religião. a Re ligião Ret'e-
lacl¿r atrar'és cla Fó. N4as ntesmo cluanclo fala em r-evelaÇão. l-ocke e stabelece
conlo último juiz e gr-ria a razão. já que . e rl última instância, será a t'azãicr
clue disttnglìe entre as vclcl¿icles revelada-s e aclnelas cpre são recebiclas ¡ror
-t j
1

conl-ìecimento intuitivo. Pala ele as Escrituras são, incliscutivelmente. de


origern clivina, inas já as sLlas inter¡rretações são falíveis e deverão ser cles-
montaclas. As pseuclo-revelações dos fanírticos protestantes, ott as dotttrinas
católicas (papistas) cieveriarn ser submetidas ao escrutínio da razão e desa-
creclit¿rci¿rs. No texto Rectsonableness ol' Christiurtitt' iri¡ dernostrar que
a aceitação pela fé é etpenas necessári¿r em alguns pontos. poucos e simples,
cla religtão cristã e mesmo esses poderi¿im ser demostr¿idos pela razito.
A compatibilìzacão entre a razão e a Ié. on entre a ciência e a religião já se
tìnha colocado a Bacon. Como se verá na secção sobre a Revolução Cien-
tífic¿i, Bacon scp¿ìrara ¿rs clu¿is áreas a Iim de deixar livre curso ao exercício
cla razão no clesvenciar clos segredos d¿t naturez¿i. Locke procurlì antes arti-
cular as tluas coisLts tìo ¡tcsmo sistcntit I'rciotlirl, operando tlln conlprontisso
'Willey
entre aS crenças tradicionais e a nov¿ì filosofia a qr're Basil chamott
un-i vercl¿rcieiro Acl oJ' Settlent¿i¿I. instrumental para o pensamento do
ìiìlìasil Willey. Tlt¿ Seven-
século XVllIro. Ieettl11 Ce]Ìtur'\' But kg routttl,
Hannonds* orth. Pcnguin.
As icieias, exploraclas e cli1Ïnclidas por Locke' sobre a liberdade política e a 1967, p 258

tolerância religiosa, fot'ani da maior importância na sua época. Enquanto


qlle oS trabalhos cie Hobbes só tardiarnetrte receberan reconhecimento, oS
cle Locke, logo depois de 1688, foram iirstrumentais para a formação da
me¡talidade e cias ¿rtitudes r,u/¡ig. par¿r o desenvolvimento da tradição liberal
do pensirmento político que tão iilportante foi no século XVIII e que inspi-
rou ¿ìs Re...oluções Americana e Francesa. As convicções, perfilhadas por
tantos pensaclores do século XVIII. sobre os direitos inalierláveis dos indiví-
clnos e sobre as iiberclades naturais do ser humano têm na sua ot'igem o pen-
s¿lmento de Locke.

lrlo prinrerr o Treutise of Cívit Governtnet¡l Locke argumenta contra a noção


clo clrreito c¡vino dos reis, clefendida por I{obent Filrner no texto Patrictrchct
(16S0). A ideia cle qtte a l.ìlonarqltil absoluta assenta num¿ì condição de
ausênci¿r cle liberclacle natural cios homens é refutada por Locke' que
defencle, no segttnclo trat¿ìc'lo. a noção de que, num estado natural os
homens eratn uat¡ralntente livres e iguais, Porém. a sr:¿r icleia de estado natu-
ral é cliferente cla de Hobbes. Para Locke há una diferença radicai entre o
estaclo natural e o estldo de guerra: no primeiro. os homens viveriam segttndo
at'az.áo,e seriam os SeuS própriosiuízes' O estaclo de guerra, pelo contrário,
cor-ìstituiria uma violação do estado natural, imposto pela 1'orça exercida sem
o direito.

O estado natural. tal como Locke o entende, assenta numa lei moral natu-
ral. que é clescoberta pela lazáu.

The state r¡f n¿rture has a law of n¿rture to govern it, rvhrch obliges everyone;
ancl reasot.t. whicli is that lau', teaclres all rnankind who will but consult it
that, being all eaqual and inclependent, no one ougllt to harm anothet'in his
"Lockc, op. cit.. pp life. health, liberty and possessions.rr

Enquanto para Hobbes a lei n¿ìtLlral significava o uso da fbrça, do pocler e da


fraude. para Locke significa antes uma lei moral, universal e obrigatória.
promulgada pela razão qlle reflecte sobre Deus e os Seus direitos, sobre as
relações do homem com Deus e sobre a igualdade find¿irnental de todos os
homens coulo criaturas racionais.

Acreclitando numa lei natural, Locke acredita também em direitos naturais,


qr,re podem constituir. ¿ìo mesnlo terÌrpo, cleveres. É o caso clo clireito à vida
ou à liberdade. qne constitlli ao mesmo tempo o dever de preservar ¿imbas.
Mas o direito natural a que Locke prestoLl maior atenção foi o direito à
propriedade. No seu entender o direito à propriedade assenta no trabaiho
(labour). No estado natural o trabalho é proprieclade de cada pessoa e o que
cada ur-na obtiver a partir do trabalho será seu, incluindo a posse cla terra,
desde que, com o sen trabaiho. o homem tenha resgat¿rdo à natureza aquilo
que jazia improdutivo e o torn¿ìsse produtivo. Assim, cad¿r um deveria ter a
qr"ranticlacle necessária de terra para trabalhar, suficiente para o sustento da
farlília. Sendo, por outro lado. a farnília entendida conlo elemento natural
na sociedade, os pais teriam o dever de garantil o sustento aos filhos, e
transmitir-lhes a propriedade, sendo a herança um direito.

Mas Locke reconhece que. mesmo num estado natural. assente na raz-ao, é
difícil a preserv¿ìção clas liberdades e clos direitos. porque nenl sclllpre seria
possír,,el qr-re todos respeitassem a lei natural comuirì. Por isso seríi necessá-
ria ¿i constituição de uma sociedade civil or-r política, que registe. pol esclito.
a lei natural, assim como estabeleca um sistema judicial reconhecido por
todos. A constituição da sociedade acabará por ser um ¿ìcto, também ele,
natural. ou seja, constltuido de acordo com a naturez¿i e a nzã.o.4 sociedade
política e o governo formar-se-iant a partit de i¡m fitnclamento racional. o
consentimento:

Men being. as has been said. by Nature. all free, equal and indepenclent. no
oue can be put out ol'thi.s Ëstate. ünd subjected to the Political Porver of
another, rvithout iris orvn Consent. The only way rvherebv any one de,,,ests
himself of his Natural Libelty, andputs on the bonds of Civil Socrief is by
agreeing with other Men to ¡oyn and unite into a Community, for their
corlfortable. safe. and pe;rceabie livin-e one amongsi another, in a secnre
Enjoyment of their properties, and a greater Security against any that are
not of it. This any number of Men rnay do, because it injures not the Freedom
of the rest: they are left as they '',vere in the Libert¡r of the State of Nature.
Wherr arry number of Me n have so consented to make one Contmtuút¡ or
Gol'ernrnent, they are thereby presently incorporatecl, and rnake one Body
'ì Locke . idtn. pp Politick. rvhereilt the Majority have ¿r Right to act and conclude the re st. i:

216
A noção de consentimento fica aqui claramente expresSa. e relaciona-se com
a de governo pela maioria. Estes pontos de vista são obviamente contrários
¿ro conceito de n-ionarquia absoluta, que Locke consiciera inconsistertt witlt

Civil Socieô', não constitutndo. portanto. uma fomra de govertto. por não
constituir nm¿r forma de autoridade reconhecic'la livremente pela sociedacle.
No entanto, a organização presente cia socieclade teria que ser justificada, e
perspectivada historicamente. Par¿i Locke a sociedade civil teria sr"rrgido a
partir da famíli¿i e da tribo. e o governo civil seria um clesenvolvirnento do
_qovefno patriarcal, confirmado peio consentimeuto da sociedade. Esse con-
sentimento poderia ser tácito ou explícito. No caso clas sociedades presen-
tes, o consentimento seri¿r tacitamenie cl¿rdo, e haveria Seûìpre a possibili-
dade, para qlìem não o quizesse dar, de se retirar do est¿rdo e acolher-se junto
de outlo sistema mais compatír'el com as suas preferôncias.

Enquanto para Hobbes a passagern do estado natural para o estado sociai se


fazia num só momento, enr que um cortjunto de pessoas entre-qava a unl
soberano os serrs <<direitos>. criando siinuitaneamente a sociedade política e
o governo, para Locke parece ser necessário distinguir clois momenlos. No
prirneiro forma-se a sociedade política, através de um contrato em que as
pessoas se obrigam a aceitar as decisões da m¿iioria. No segunclo momento.
a maioria. ou a totalidacle dos membros d¿r sociedade concord¿rm em condu-
zrr o governo entte si, ou em estabelecel'uma oligarquia ott uma monarqtlia.
hereditária ou eleita. Assin'r. no caso de Hobbes. a deposição da soberania
envolve a dissolução da sociedade, enquanto para Locke a sociedade polí-
tica só pode ser dissolvida pelos seus próprios membros. O contrato em que
o governo lockiano assent¿ì tem no sett centro. conlo elemento mais irnpor-
tante, o poder legislativo. A primeira. e funclamental, lei positiva de toclos
os cornnrotntectblts será estabelecet' um poder legislativo, declara Locke,
acrescentando:

Men unite into Societies, that they may have the united streltgth of the
whole Society to .secLìre ancl clefend their Properties, and nay haves/arñirtg
Rules to bound it. by ivhich e\¡ery one may knorv rvhat is his. To this erld it
is tliat Men -eive r-rp all their Natur¿rl Power to the Society ',vhich they e nter
into, and the Communìty put the Legislirtive Power into such hancls as
they tlrink fit. with this tmst, thirt they shallbe govern'd b7- declared I'aws,
or else their Peace. Quiet, and Property will still be at the satne uncertaitrty.
¿ts it w¿ts in the st¿rte of Natltre.r-' itlon, 1t¡t..1.5E-159

No conunotnvecLlth desejado por Locke deveria haver separação cle poderes.


sendo o legislativo distinto do executivo e havendo ainda um terceiro pocler,
a que Locke chama f'ederativo. e que consistiria no podel de fazer a guerfa
ou a paz. estabelecer alianças e tratacios, definir, enfim, tod¿is as transações
para fora do co¡tunontteal.Th. O poder judicial faria parte do exectttivo e.
acima de todos, est¿tv¿ì o pocler legislatrvo. N4¿rs mesmo este é. antes cio n"iais,
Llm poder ficluci¿irio. apen¿ls par¿ì certosfins..já que ¿ì soberania residiria na
socied¿rcie, que manteria o poder supreino de afastar ou alterar o pociet'
legislativo se este não correspondesse à conliança nele depositadä. Vejamos.
então. nas palavras cle Locke . os liniites clo poder legislativo:

These ¿rre the Bouncls which the trust that is pr-rt in the m by the Society, and
the Lalv of'God ancl N¿iture. ha",e s¿f to the Legislative Pouer of every
Conlmonr,vealth, in all F'orrls of Government,

First, They afe to gov{:rrnby promulgaterl establísh'd knvs, not to be varied


itt particr-rlar Cases, but to have one Rule for Rich and Poor, for the F'avourite
¿it Court, ancl tlie Cor-rntry N4an at Plough.

Secondly, These l¿rvs also ou-eht to be desi-ene dfor no other end r-rltirnatelv
btt the good of the People.
Thirdly, they rnust not rqtse Zc¡¿s on the Property of the People, without
the Cottsent of the People, given by themselves. or their Deputies. And
this properly concerns only such Governrnents n,herc the Legislative is
alrv'a,vs in being. or ¿rt least q,here the People have not reserr,'d any part of
the Legislative to l)epr-rties, to be from lime to time chosen by themselves

For,rrthiy, I\e Legislallve neither mlrst r¿or can transfer the Power of
nmking Laws to any Bodv else, or place it an¡' rvhere but where the People
'' Lockc'. r¿1¿'rrr. l. -36J h¿rve.1l

A quase totalidade do últinio capítlilo clo Segundo Tratado é dedicada ¿ì


reflexão sobre a dissolucão do governo e ao direito à rebelião. O governo
pode ser dissolr,ido a partir de fbra. pela 1'orça, por Lrm conquistador. Mas
pode, também. sel dissolvido a partir de dentro. através da alteração do
poder legislativo. Ao ennnleLar as possibilidades dessa ¿rlteração. Locke tem,
sem dúvicia. em mente. as próprias circunstâncias d¿r Inglaterra e da Consti-
tuição britânica. Assirn, diz o au[or', suponhamos qrÌe o pocler le_glslativo
reside nluna assemblei¿r cle representantes escolhidos pelo povo (a Câniara
dos Comuns), nutna assembleia de nolrreza her-editiiria (a Cârn:ira clos Pares)
e numa só pessoa hereditána. o Príncipe. qrìc pt'rssui o poder executivcr
suprenlo e t¿rn-ibénl o direito de con'u,ocar e clissolver as cluas assembleias. Se
o príncipe substiturr as leis pela sua vontacle arbitríu'i¿r. ou se impedir a reu-
nião do le-eislativo. ou se artritlariantente mudar o método de eleição sem o
consentimento clo povo e contra os interesses do mesmo, em tod¿is est¿is
situações se assiste a uma alteracão do legislativcl, T¿rmbém. se o cletentor do
irodel e xecutivo abandonar o cargo ou o ne-eligenciar de modo a que iLs leis
não possam ser cumpridas, o governo fic¿ì. efectivamente, ciissolvido. Por
úrltirno. os
-qovernos
ficam clissolvidos sempre que o príncipe ou o legislativcr
agirem de forma contrária à confiança neles depositacla. como clnando. por
excmplo. rrlvadirern a plopriedade clos cidadãos ou pretenderent obter clomí-
nlo ¿rt'bitrítrio sobre ¿ìs slr¿rs vicl¿rs. liberclades ou proprieclacle. Se estas sitLta-
ções legitinìall'ì ¿r revolt¿r. Locke clistingr-re entrt: ¿ì revolta legítirna. cle c¡ue o
povo é o jr,riz úrltimo, da <rebelclia> ilegítirn'i dos tiranos qlle agem de modo
contríirio à vontade e à conf iança do povo.

O pensamenlo de Locke. qller lto que Se lef'ere ¿ì teoria do conhecimento.


quef no qr-re cliz respeito ¿ì Lltn¿ì teoria clo govet'no ou ainda ao estabeleci-
menio de uni fundamento r¿icional para a reli-eião cristã é já r-rrl pensamento
iluminista, que ìria ter importantes desenvolvinientos no séctt1o XVIII, como
ve lificare mos.

no pensamento e n¿ì vida de Locke, uma área de interesse qr'rc


N4as hír ¿iincla,
não pocle ser ignoracla: a atenção que prestoll à eclucação. T¿il con'io N{ilton,
LOcke escrevell um trat¿rclo Sobre edttcitção, também este motivado, certa-
mente. pelo serviço que prestava a Lord Shaftesbr"rry, que o encarregara de
encontrar um¿r t-nulher p¿ìra o ser,r filho e herdeiro, de cr"rjos filhos. por seu
tnrilo, I-ocke se viria ¿ì ocup¿ìr. O terceiro concle cle Shatiesbury. conheciclo
pela obra Churuc:te.ris/ic,s, seria discípr.llo de Locke e. de certo modo, un-t
expoente de uma ética är"tgustana que o mestre lhe transmitin.

Para Locke^ cotlo para lVliitort. a educação era t¿rnibém formação para a
vida. e não apenas aprenciizagem de conhecimentos, embora estes pudessem
ser apreendidos. em quantidade e em qr"ralidade. entre os doze e os vinte
¿ìuos. no lugar der gramírtica e do debate escolírstico. Mas. enqllanto para
Miiton a finalidade da eclucação seria tom¿ìr os jovens v¿riorosos. patliotas.
qr-reridos cle Deus e famosos pzria toclo o Seillpre. Locke tem etll vista. prrrg-
nraticamente, a eclucação do gentletnan, in-iporlirnclo-lhe clefinir as coisas
que são relevantes. con-ìo por ext:ntplo o esttldo da filosofia natural, que será
cle grande tttilidacie para a convers¿l edr-tcad¿r, ou a clança, que allmenta a
graciosiclacle cle mo,,,imentos. Assim. o modelo de eciucação lockiano será a
conduta de acordo coflì a razáo, a religião e as i-loas maneiras.

Locke. foi, sem clúrvida. uma d¿Ìs mais import¿uites figurars do lh,iminismo e
representou, llos seus textos, o espírito de liberdade na pesquisa científica,
de racionalidade e de indepenclência lace à autorid¿rde que nl¿ìrcar¿ìn-ì Llma
época. Para o enciclopechsta francês d'Alernbert Locke fora o criador ci¿r
metaf'ísìc¡r. tal como Newton o fora cla física. Metafísic¿i. no senticlo em que
cl'Alembert LtSa a plavra. repotta-se à teoria clo conhecíÍnento proposta por
Locke e à sua definição clo âmbito, pocieres e limites do entenclimento
trum¿rno. l\,{as tarnbém no qlre se refère à ética e à teoria polítrca, o pensa-
met'ìto cle Locke criclr.r novos desenvolvinlentos. oncle pocieremos enquadrar
o liberairsilo económico. do ttpct lui.sse:.-Jui iz. desenvoli,iclo pelos fisiocratas
franceses e trlol Adäm Sniith em I/rc WþcLItJt o.t'' Narions. M¿is será sobretudo
cla¡a a ìnfluôncia cie Locke no clesenvolvimento da filosofia empír'ica blitâ-
r.lic¿r. nomeadamcnte nas olrras cle Berkley e de Ðavid Flume. assìtll c()l'tìo
no clesenvolvimento cla psicoìogia ¿issoci¿rcionista de Ðavid Hartlev ( 1705-
-57) olr de Joseph llriestley (]l133-1804).
As referências que fizemos ao pensamento de Hobbes e de Locke servern
dois propósitos principais: um consiste na perspectivação, enquadrada na
época, de reflexões sobre os problemas que, a nível político. religioso e filo-
sófico preocrìpavam as classes dominantes e os intectuais. poclendo, ao rÌles-
mo tempo, apleciar-se as propostas de resolLrção apresentaclas por
ambos. O segundo propósito consiste em clarificar a articulação das tenclên-
cias principais do pensamento iluminista corn estes dois ¿rutores. qlÌe pode-
mos consicler¿ìr. em boa medida, <fundadores> do pensamento pragrnático.
empírico. mecanicista, positivista. r¿rcionalrsta e iiberal que nl¿ìrcará aspec-
tos importantes d¿r cultura e da sociedacle inglesas posteriormente.

Actividades

1 Leia os se-puintes excertos, extraídos da resposta cle Carlos I às Dezanove


Propostas de ambas as Câm¿iras do Parlamento, 1642:

There bein,e three kinds of government among men (absolute monarchy,


aristoclacy, and democracy), and all these having their partìcular
conveniences and inconveniencies, the experience and u'isdom of our
ancestors has so moulded this out of a mixture of these as to gir,e this
kingdoni (as far as human prudence can provide) the conveniencies of all
three, rvithout the inconveniencies of ¿ìny one, as long as the balance
han-es even between the three states, and they run jointly on in their proper
channel (begetting verdure and fertility in the rneadows on both sides),
and the overflowing of either on either side raise no deluge or inundation.

The ill of absolute monarch-v is tyranny; the i11 of aristocracy is faction


and division; the ill of democr¿rcy are tumults. violence and liceilciousness.
The good of ¿r rnonarchy is the uniting nation under one head to re-sist
¿1.

inv¿rsion from abroad and insurrection ¿rt home, the good of aristocracf is
the conjunction of council in the ablest persons of a state for the pr-rblic
benefit. the good of a democracy is liberty. and the colìrage and industry
u'hich liberty begets.

In this kingdorn. the laivs are jointly rnade b¡l a king. by a house of peers,
and by a house of comrnons chosen by the people, all having free r:otes
and par-ticular privile-ees. The -povernment. erccording to these lar..'s. is
trusted to the king. ... Ancl this kind of regulated monarchy, having power
to preserrre that authority, r.viihout which it rvould be drsablecl to preserrre
the larvs in their force:, and the subjects in their liberties and propt-'rtic-s.
is intended to dralv to hirn such a respect and relation from the gre¿ìt ones
as rxay hinder the ills of clivision and faction; and such a fear and revetence
frorn the people as nì¿ly hinder-turnults. r,iolence. and licencioLlsness. ...
-:'F
,:

Since. therefore, the porver legally placed in both houses is more than
sufficient to prevent and restrain the porver of tyrernny, and, lvitltout the
power *,hich is noi.l, asked from us, we shall not be able to discharge that
tmst which is the end of monarchy... For all these reasolls to all these
demands our answet is nolutntts leges Attglitte tn¿ttari.

t.l Procure sintetiz¿rr o conceito de poder real qlte Carlos I expressa.

t.2 Interprete ¿ìs palavras do rei à h-rz dos acontecimentos cla época, e
perspective-as face i-ìos acolltecimentos que levaram, el-n 1649. ao
regicídio.

1.3 Identifique os tr¿ìços de moderttizaçã,o do debate político em Inglaterra


na segunda metade clo sécr,rlo XVII.

2. Leia o segninte passo cla Introduçáo de Levittîltcut, de Thornas Hobbes


(16si)

Nature (the Art rvhereby God hath m¿rde and governes the World) is by
the Arr of nran. as in many other things, so in this also imitated, that it can
make an Artificial Animal. For seeing life is but a motion of Limbs, the
beginning whereof is in some principall part rvithin: why may we not
say, tlrat all Autonuttn (Engines that move themselves by springs and
rvheeles as doth a rvatch) have an artificiall lif'e? Fo[ what is the Hectrt,
but a,lpi-lrzg; and the Nerves, but so many Srrirrgs; and the Jo-t'i¿ls but so
many Wheeles, -eiving motion to the u'hole Body, strch as w¿ls intended
by the Artificer'J ,4rl _qoes yet fùrther, imitating th¿rt Ratlonall and rnost
excellent worke of nature, Mctn. Folby Art is created that -sreat
LEVIATHAN called a COMMON-WEALTH,oT STATE, (in latine
CIVITAS), which ìs but an Artificiall Man; tltough of greater stature and
strenght than the Naturall, for whose protection and defettce it u,as
intenclecl; and in rvhich, the Sore¡'c13n4' is an Artificiall So¿¿l, ¿rs giving
life and motion to the rvhole body; The MagisrrcLtes, and other Officers
of Judicature ¿ind Execution, artificiallJot,nts, Rew'ards and Pttnislttttetús
(by which fastened to the seat of Soveraigrlly, every.loynt ancl member is
rnoved to perform his duty) are the,rye¡r,s.r, that do the same in the Body
Natnrall; The lYectlth ¿rnd Rich¿s of all the particr"rlar members, are tlie
Strength, Sctlus Populi (the peoples so.l'eñ,) its,B¿¿sû¿s.rs¿ . Coutt.seLlors ^lsy
whom all things necdfill for it to knorv. are suggested unto it, are the
Ment(¡rt'. Equitt' audlcrr,¡', ¿ìn artificiall RecLsott and Will; Concorcl, Heultlt,
Setlitiott. Sicfr¿r¿css:and Cir,¿1 v,cLr,Dectth. Lastly. thePr¿c/s andCovenctnt.s.
b,v rvhich the pärts of this Body politique were at first m¿rde, set together.
and united, resemble fhal" Fictt. or fhe Let us tttake /71¿7ì. plonounced by
God in thc Cre¿rtion.

Inteq)rete as afirmaçõcs de Hobbes tendo em atenção:

2.1 Os conceitos de (natllrezâ> e cie (¿ìrte> aqui expressos,


2.2 O conceito hobbesiano de mecânica.

2.3 A competência atribuicla ao honit:n para a constitLrição clas sociedacles.

2.4 Como interpreta esta concepção rlecânica cl¿r constitLrição clas sociecla-
des qltitnclo a confi'onta conl ¿ìs posições clo mesmo autctr'. sintetrzaclas
na expressão <<o hometn é o lobo clo hornem>'?

J. Reclija nnl peqlÌeno texto (cerca de vinte linlias) erl que conlp¿ìre as
posiçõe s de Hobbes e de Locke quanto à constitr_riçiro e funcion¿rrletrto
clas sociedades. Procul'e clefirrir. t¿imbcim. o que cada uni entencle por
Conunonn:ettllJt .

4. Leia este exct:rto de John Locke. conticlo ent The RectsonctltLertess of-
C ltri.tt iLttti t.r' 1I ó95 t:

f'he evidence of oul s¿rviour's mission fì'om heaven is so great, 1n the


multitude of miracles he clid. before all sorts ol people. that what he
delivered c¿ìnnot but be received as ihe oracles ol'God, ancl unquestionable
verity. For the miracles he did were so ordered by the dir,ine proviclence
and tl'ìat they never were, nor could Lle. denied by any, of the
"visdonl
enemies or opposers of Christianity.

Though the works of nainre. in evel-),' part of them. sufficiently e vicrence


a Deit,v; 1'et the u,olld niade so little use of their reason that they sarv him
not rvliere , even by the irnpressions of hin"rself, he rvas easy to be for-rncl.
Sensr: and lust blinded the ir minds in some. ancl a careless inaclvertencv
in others, and fèarfLrl ap¡:rehensions in most... them up into the hancls
-{ar.'e
of their priests. to fill their heacls rvith fal-se notions olthe cleity, ancl their
rvorship u'ith foolish rites, ¿rs they pleased: and nrhat dreacl or cr¿,Lft once
began. clevotion soot.l t.nade s¿rcred. ancl rcli-uion immutable. In this state
of darklress ancl ìsnorance of the trLre Gocl. r'ice a¡cl superstition helcl the
r'vorlcl: nor could an,v help be hacl ol hoped for from reason. rvhich coulcl
not be henrd. and u,as jud-eed to have rrothing to clo in tire cnse: the priests
el'ervu'here. to secure their ernpire, liavin-e excludecl re¿tson fiont liaving
anythin_s to dc irt leligion.

4.1 conro articula Locke os conceitos de clivinclacle. n¿iture za e t'rzãoÌ

4.2 Corno corltr¿ìst¿r o ¿rLltor a rcligiãro racional que propõe. com as prhticas
reli giosas anterioles'l

Couro Locke. rxpresso r-ìeste texto e r.ìos excertos


pocle rá o pe nsarne nto cle
contidos neste capítulo, prenunciar o pensanlet'ìto ilumrnista?
[Sibliognafia sugerida

l 992
'I'|rc Ccnúri¿l¡1e (lultLtral Histort'. ecl. Boris Ford. Vol. lY,,Seve¡rÍe entlt

Centurt' Iltituin. Cambr-idge. Cambridge U. P.

1992 'ilrc íli.¡tory oJ'ßt'ittLitt, ed.Kerineth O. Morgan, Vol


O.rJ-orcL
'ïhe
T'utlor.s ¿tntl rhe Sttturt,s, Oxford, Oxford U. P.

ASHLiiY, N{aurice
l9l5 f:ttg/turcl S ev e ¡t t e c nt lt C e nt tt t't'. H¿rrmonclsrvorth. Penguin

COPLESTON. Freclerick, S.J


196.+ A Histor-t oJ Philosopln, \¡ol V fuloclent PhiLoso¡tln,: Tlte IJriti.vlt
P ltilo.;ophcrs, Purt I. Hol¡l¡es tr¡ Prtlet, Nerv York, Irnage Books.

l{Il-L. Christopher
1915 Re/orrtttúion to Int]ustricLl Il.et r¡lttion, 1 530- 17E0, Harmondsrvorth,
Pe n quin.

r 980 'flte CetttLtrt o.f-ll.evolt¡iott, I603- 1714. \Valton-on-Thame s, Nelsorl.

1919 7-lte Iittglislt R.evo/ulicttt, 1640, Lonclorì. La'uvrence & Wishart.


1 980 'l'lte \IbrlclTttrtrcd Up,ride Dowtt; llctclical Icleus During tltr: Ertglis'lt
R. e',' c¡ I ut i r¡ tL Harmondsu,orth, Penguiri.

IIOBBL,S. Thonras
1975 Lat,iutltcLtt. Harntondsr.vorth. PL'tì.suiti.

LOCKll. John
1992 Tv,r¡ Trc¿ttises o.i Got,erntnet¡1, ecl. Peter Laslett. Cambrídge.
Car-nbriclse I-1. P.

WII-.LF.Y, Basil
1t)61 T-he Setenteenrh Cetttttrt' [ìuckgror¡¡r¿l, Halrlonclsrvot'th, Pen-tuitt.
,{ R.evolução Científica
--...-

,..,1i
'.:'Ï

r¡.1

r:.rì
tlìÉ

.]}]
,lJ

,.;I

.ri3

rai
.,lri

ts
',,4;

rgl
..s
:lEr

:$


;
.:
l
:::i
::ìl

lir::

ì::;
ì,a,tì

ìil
:1

a,¡!

.t
I
.aa

':l
';á

:*
',.Ë
is
,.*

i!T

:l
$
ììl
l


Sumário

O presente capíturlo abre com a problematização contemporânea do f'e Ilórneno


cla Revoh-rção Científica cio sécr-rlo XVII. Desenvolve. a seguir, as linh¿is
mestras cle um percltrso de trarlsformação de um pensamento assente em
princ(tios escol¿isticos e aristotélicos, para Llm pensamento assente n¿r obser-
vação clos fenómenos traturais, lla expcl'imentação e na elabot'ação de leis
cientilicas. Deverá ficar claro o modo como a valorização da razão irá con-
dr-rzir ¿\ secularização do pens¿ìmento. O conteúido si¡mário do capítulo
éo

segr-rinte:

. A re¿lpreciação contemporânea do fenómeno da Revolr-rção Cientí-


fica.

' O Renascimento, época de arr-ibiguiclades'

" A ciência novlì, ulra novA cpisternologia'

As rtovas discipiinas do saber'

Francis Bacon e o rnétodo indutivo.

Flennetismo e magia.

. Nervton e a ciênci¿r Positiva.


7 R
ë'
*
'l'
$',
z

$''
3,..

,l,,
i..
5.1 Uma noYa epistemologia

A ideia de modernidade está indissociavelmente liguada a urna mudança


epistemológica qrie começou a tomar contornos definidos na seguncla metade
do século XVI e que, ao longo do século XVII, foi produzindo resultados
que alteraram substancial e definitivamente, quer as concepções sobre o uni-
verso e a natureza humana, qlìer as rnetoclologias da análise dos fenómenos
natnrais. A este processo chama-se. normalmente. Revolução Científica.
Revolução, porque veio substituir a física aristotélica e a frlosof i¿t escolástica,
herdadas da Antiguidade e da Iclade Média, por novos conceitos que desa-
liaran a autoridade da tradição e do adquirido. Científica, porqlre dela emerge
um novo conceito de ciência. ligado à observação dos fenómenos e à
experimentação que, a partir de então se enraizariam como base do método
científico.

Já pelo menos desde os meados do nosso século que se tem vindo a aceitar
esta visão de que a ciência moderna radica no período do Renascinrento e,
sobretudo, no século XVII. Em 1949 Herbert Butterfìeld emThe Origirts o.t''
Motlent Science, I300- 1800 afirmava que a Revolução Científica ofuscava
qnalquer outro f'enómeno desde o aparecimento da cristandade, incluindo o
Renascimento e a Reforma. Estes fenómenos, comparados com a Revolução
Científica, não passariam de meros episódios, meros movimentos internos
dentro do sistema clo cristianismo medieval. A Revolução Científica teria
derrubado a autorldade na ciência, qLler da Idade Média, quer da Antiguida-
de. e teria transformaclo tão profr,rndamente o carácter das operações mentais
mesmo nas ciências não materiais. as concepções sobre o mundo físico e
própria textura da vida humana. que nela residiria a origem real do mundo e
da mentaliclade inoderna I. rDavid C. Lindberg and
Robert S.Westman, eds..
1991. Reuppruisul.t o.f the
Na mesma linhaA. N. Whiteliead. emSci¿nce cutcl the MoclenzWorld (1953),
Sc i e nt ífit: R¿r'o1¿¿¡lo¡r, Carr-

dina que o século XVI assistiu à cisão da cristandade ocidental e ao nasci- briclge. Cambridge U.P. p. l.
Esta obra consiste numir
mento da ciência moderna. Mas, enquanto a Refbrrna se pode consicler'¿rr uill colecção dc ensaios de dife-
assLrnto interno das nações europeias, que não introduziu princípios novos rrntes autores Ònde se actua-
lizam perspectivas críticas
na vida humana, o nascimento da ciêncla moderna contrasta com tudo o que
sobre a Revolução Cientílica.
demais aconteceu no mesmo períoclo. A ciência moderna nasceu discreta-
mente e. diz Whiteheacl, nada de tão grandioso acontecera com t¿ìo pouca
agitação desde o n¿rscimento de Jesus. O objectivo clas conferências que
integram a obra Science turcl tlte Mr¡clern Worlcl consiste em demonstrar que
o crescimento silencioso da ciência reformou platicamente toda a nossa men-
talidade. o que é mais importante ainda do qlle a transformação da ciência
propritrmente dita, ou da tecnologiar. : A. N. Whitehead (19-il). ,4

C' iênciu e o M unclt¡ þJ odento,


O paralelo entre aReforma e aRevolução CientífTca, delineaclo pelos autores Lisboa, Ulisseio. pp. l3-l-l

irrpõe um¿r ref'erência metodológica: o trâtamento dado à


acin-ia lefèridos.
Reforma em Inglaterra. no contexto deste manual. incicliu principalmente
sobre os aspectos especificamente britânicos deste nìovimento, .já que se
reconhece qlre estes diferern do percurso cla Reforma noutros estados euro-
perÌs, ernbor¿ì se tenl-ì¿ìnì I'eito. coTno é evidente. referônci¿r às cloiltrinas
luterana e calvinist¿r. O tratainento da Revolução Cientílica, poréni, tein de
ser conte xtualrzado c1e modo nrais gefal. um¿ì vez que os ciesenvolvirnentos
notáveis que vier¿ìm a ocorrer em Inglaierr¿ì e n¿ì Escóciri estão intimamente
I i giidos a pe rcu lsos eu lopcus. i ll tr-r'll ac ion ¿iis.

A icleia de moderniclade. como urn cÌonjlrnto de atitudes, proceciimentos, e


fbrmas de expressão qr,re distinguenì unìa nov¿r <época> hrstórica e a car¿ìc-
teriz¿rm cle modo clferente cla <época> anterior, jír é visível no pe nsame nto
clos hum¿rnist¿ts. ¿io procurarem a recllperação de mocleios clirssicos. que
substituissen-ì o discurso cla escolirstica e as convenções artístic¿rs da Idade
Média. A rejeição cle mil anos de obscr-rridade e est¿ìgnação. clurante os quais
os pzidr'ões d¿r ¿rrte c1ítssica foram substitLlrcios por formas cie simbolismo
relrgioso, rudes e vulgares, é atitude qlle se clesenha no Renascimento e
que irá impor-se ao longo clos sécr-rlos segurntes. trlara só recenternerlte ser
repensacla.

A <divlsão> da história em períodos clássico, medieval. moderno é


concebid¿t
-
iogo no sécr.rlo XVI. ltlão obsta.nte as anbigr-iidädes
-
que poclemos
observar no perìsamento clest¿r época, é manifesta a toin¿rda cle consciênci¿r
de que novos empreendimenios em clivers¿rs írrczis, da literatnra à filosofia,
da religião à ciôncia. se estão a f¿izer. Mais do que mudanças concretas,
expressas por exemplo. em instmnientos inov¿idores oLr em descobertas
científicas. o renascimento e o lium¿rnisrno revelant mucl¿rnÇas de atitr,rcie
face ao tempo, aos testemunhos do passado, ao modo c-le interpretar o le-eaclo
clássico. Paracelso (c. i 541). Francesco Patrizi (c. 1591). Jean Bodin ( 1530-
- 1596) ou Peter Ramus ( 15 1-5- 1572) ¿rf irmam. em diversas obras. ¿i noviclade
do seu pensan-ìento. a rejeição das convenções rriedievais. a recr"rperação dos
moclelos clássicos.

Mas o Renascinento é uma época de an'rbigr-rrdacles, como lhe chamou


Geolges Gr-rsdorl, onde ¿r traclição niedteval convive cot-ìl ¿t inovação dos
' Cicorgers Gu-si¡¡f 7,,¡,r'r- esqllclrì¿rs de pensamento. que levam à formulação de hrpóteses ous¿tdas't.
duction ¿¿{1,\' sr:ir:l;¡ ¿.ç
l¡untuines. Paris. Lc-r [ìclles
E,rnst Cassierer definiu clr:as tendôncias na especulação científica cleste
l..cttrcs. 1960. pp. ,s.1-71. período: por um lado a corrente da filosofia da natureza. da n-ragia e da
alc¡"iimia. com trìico de la Miranclola. Faracelso. Giordano Bruno or-r
Carnpanella' por olrtro. Llma corrente mais positiva e experineental. cujos
represerìtantes seriam Képler, Leonardo da Vinci e, logo depois. Galileu.
A clivisão é. talvez. dem¿isiaclo reclutor¿r. jír que as cluas tendência estãcr
preserìtes simult¿rnearnente nos textos da época, þcho Brahe ou Képler.
são tão astróltomos como astrólogos e mesmo Copérnico. cuja liipótese
heliocêntrica revolucionoì-r ¿ì visão aristotélica clo cosnìos. srìstenta As slr¿rs
tt:ses qller ent e lcinentos míticos quer enl l'órmulas rlatemáticas.
Estudos recentes sobre a nova ciência renascentista têrn reperspectivado ¿r
dependência. tradicion¿ilmente reco¡lhecidä, do pensamento de Copérnico,
por excmplo. relatrvaulente ¿ì formulações nlet¿rfísicas oll mesmo tnísticas,
vinclo a acentltar o caríicter mateinático do desenvolviinento e explicação
das hipóteses copernician¿is, Neste enquadraniento recente, Gary Hatfielci
¿ifirma qLre Copénrico argunrentava nlìo como um metafísico. m¿rs sim como
uma espécie de astrilnomo matemático clássico, cr,¡os argumelìtos se assenle-
lham mais ¿'to coustflltor cle modelos do que ao metafístcoa. Já Képler, ' In D¡r,id C. Lincleberg. o¡r
cit., p. I 0E.
segundO o nlesmo ¿ìutor. cra tlão apents ttn astrónomo nlatemáticO. maS
taÛrlrém um metafísico, disposto, no entanto, a testar ¿ìs su¿ls conjecturas
metaflísic¿is e a rejeitíi-las no c¿rso cle não se ajustarem aos dados astt'onómicos5. 5 lrlcnr, ¡r. I 10.

É, irnportante conhecer a diversiclade das análises contemporâ-


s"r-r'r clúr'icla,
neaS sobre este período, e iì a[glllnentitção eln qtle se apoiatn. MitS, inciepen-
dententente dos argumentos específiccls, que reconheceitt m¿tior oll nlenor
peso iì herança clás.sica ou mediev¿il, maior otl nìellof peso à coÌnponente
matemática ou experirnental. todos os coment¿ìciores acab¿rn-ì por conve rgit'.
sensivelmente. na illtcrptetação cle que o desenvolvinlento do pensamento
científlico do século XVI não assenta em coorclenaclas racionaltstas e positi-
vasr'. A complexidade do ¡rensamento deste per'íodo impede, pois, as redu- o
C)s scguintes autores co¡'ts-
truírarrr a interpretâção já tra-
çoes sirnples de teorias posteriores a seqrrências lineares, coulo se tivesse dicional <la Revoluçlo Cicn-
li¿rvido Llm percurso uniforme clo pensamento cle Copérnico a Newton. pas- tífica, Ernst Cassierer enl I)¿¡s
[:rkettnInrs¡tt oblent itt ¿cr
s¿indo por Galileu. Ph iI os o p I ti e u ntl llii s s e tts <: hul t
tler neucre¡t Zeilen e x¡¡
Embora a astrononliä, envolvendo a clescoberta cie novos princípios orieil- InrlIvirluun u¡trÌ Ko.çnt¡ts itt
der Pltíloso¡titie der Rett¿tis-
t¿iciores clos movin-ientos cio cosn"ìos, tivesse sido a íirea mais significatrva de
.i¿¿r¡r:¿, 8. A. Ilurtt enr fl¡¿
abertura do conhecimento p¿ìra novas hipóteses e teorias, olltr¿ìS áreas do ,)l e tu p it is it:ul !; o u i Ldul io tt s ttl
,V otle t n P ht s it:t I ie ttc c
s¿rber se desenh¿rrarn cle novo. contribuindo para rm¿ì nova epistemologiä.
S t' -

,'\ Hi,storital Ltnd CrilicaL


A filologia é talvez a prinreirä ciênci¿r human¿r. herdada dos sáblos de f:ssar. A. N. \\¡hitchcad. o¡.r.
crl.: ¡\lcranclre Ko;-'ré em
Alexandria par¿l a recuperação e reinterpretacão dos textos em línguas mor- diversos tstuclos. nontcada-
tas. O grç"so, o latim. o hebraico são estudaclos por lexrcó-srafos. gramáticos. rttcnte (irrpr:r'tt ic, Gulil¿:t¡
.Stri¡1lcs e lletuphtsiL:s ttntl
tr¿rclutore s, cornpiladores e impressofe S, que procurain ao mesmo tempo uiïa
ùIeusurett¡e nt; /r.ç.s¿-l s l¡t
técnica cle contpreensão dos textos antigos e uma ciência da expressão. St i c t t t i.fír. R¿t o I Ltt i o n.

Lorenzo !'alla. b{arsilio }ricino, Pico de la il'lirandola. Erasmo, Johanes


Ideuchlin. Guillaume Buclé e tantos outros envolvern-se ltt:ssa tarefa de re-
cuperação, destinacla ¿r devolver ao presente textos de outro moclo ignorados
ou alteraclos pela acrtmulação de come ntárlos prodtlzidos clurantc a

Iclade Médra.

I-igado à filologia está unt novo interesse dedicaclo às línguas modernas.


que stl ciesenvolvenl em át'eas onde o latim fora língua de coniunicação.
O italiano com Ðante, Petrarca. Leonardo da Vinci ou Galileu. o fì'ancês
corn R.al¡elais e fulontaigne. o inglôs e o ¿rle mão são tlsados em tradr:ções da
Bíblia para ¿ìs línguas vulgat'es, cotllo foijíi relèrido. O estudo das língLras
antigas e o Llso clas modcrn¿rs cornllin¿ì-se. n¿ì ReÍbrma. com el'eitos múlti
':þ
';:,1 .':
j ..
i
l

plos: ¿ì clivr-rlgação clos textos Sagrados a Llm púlblico nlais vasto. gerando Llm
maior interesse pela leitura. a necessidade de rigor na intelpretação e na
tradução. obri-eattcio a tlln tlovo riqot' tra exegese qLIe acomp¿ìllha ¿ì nova
responsabiliclade do cristão periìnte Deus.

Ern Inglaterra a tl'adltção cle cliferentes partes da Bíblia tinha sido já ensaiada
clescle o tempo de Wyclil'1'e. Ess¿is versões er¿ìm fe itas ¿ì partir da Vulgata, ott
seja. cla traclr-rção para latim. feita pol SãoJerórlillo, usada na Idacie Média e
posterionllente ¿ìprov¿tcla no Concílio cle Trenio etn 1546. Nos anos vinte e
trinta do sécr.rlo XVI, William T),nclale traclllzira e imprimira o Novo Testa-
merìto e o PentateLlco, tr¿ìclllzidos a partir do grego e do hebraico. Em 1535
Seria irnpfessa ¿ì versão cle Coverdale, baseada na de T.vndale e, ein 1560,
ap¿lfeceria rnelhof de todas as ttaduçõeS, bem como de toclas as implessões
¿ì

cotn anot¿ìções, gravuriìs. concordâncias etc., em tipo de letra romano e


-não gótico proclllztcl¿ì enl Genebra por exilados in-eleses. Mas a Bíblia de
-
Genebra, que passolt por 150 eclições, \,iria a ser proibida no Sóculo XVII.
Após outras traclr-rções e edições, nome¿ìdiìrnente a de 1560 de M¿ittherv Parker,
Arcebispo cie Cantuár'la. foi fin¿ilmente publicada, ern 1611 a chamacla
Authorizecl V'ersion ou King James Bible, elaboräd¿t em inglês, a partir.
não cio latim meclieval. mas cla recuper¿ìção dos textos oliginais, hebraicos e
gregos, cie acorcio cotn a preocupação de rigor fllológico e de precisão teoló-
Sollre a contextualizaçiro e as gica que orientavam o seu promotor, Jaime I. e os selts tradutoresi.
car¿ìctcrísticas dcste terto.
It¡ndanrental para a cultura
inglesa. pode const¡lt¿tt-se o A ciescobert¿i de nor;os espaços geográficos contribltiu ciecisivamente para a
capitulo <The AL¡thorized \tr-
abeftuf¿t c1e novas áreas clo Sabtf e para a construçãO de no'n'as atttudes.
sion ol the Bible". ent C'¿t¡¡¡-
brit!ge C ulturul 1"1i.t¡¿r'.r. etj. A Utopìcrde 'fhornas Nlore revel¿ì clesde logo um conjunto cle reflexões
IJoris Ford. r'ol. 4: 5¿r'¿l¡¿¿r¡¡l¿
Ct:ntnn Brilutn, Cambrrdge.
indicadoras clo interesse pelos novos colltinerìtes descobertos. em lalga
Canrbridge Univclsity Prcss. meciida pelos navegadores portllgueses, bent conto pelos inventos científicos
1991. pp. -1 I --5 L
que permite m il-ì¿ìior segurança na rìavegação. maior'Ousadia na oiie nt¿ìção.
Não é por acaso que iì pL-rsonagem principal dest¿i obra ó caracte rizadä como
porillguês. conhececlot' clo Iatirr-i mas n"ìelhoi alnd¿ì c1o glego. humanisi¿r,
filósofo, r'i¿U¿rnte. As car¿rcterístrcas cle Rafael Hitlocleu habilit¿rnl-no ¿r
clistin-er-rir. n-ìeìhor clo clue c¡ìalqlrer olrtra testelrllnha. a diferertça elitre o
natltr¿ìl c o sobfen¿ìtural. para pocler clescrever. conl toda a objectlvidade, a
constiturcão de uma socieclacle exclllsivamente baseada na razão. A nova
" J'honlus Nlore [5]-5]. Lra-
pirr. Gcorgc ì\1. t-ogan and
preocllpação cle racioltaliclacle expressa-Se. logo nas prlmeil'as pírgrnas dn
I{obert \'1. Adanr-s. cds. Canr- Uto¡tict colrì rel¿ìção às viti-uer'ìS. Quando Rafael dialoga com More e Peier
bridgc. Cìanrbridgc U.P.-
ì99-1. p. 12. Scvla. Lun nrons-
Gilles. narf ando a expedição deAmético \bspúcio. qLle acompanhara. e olltras
lro nr¡ilinho cont seis clbeçls. viagens etn terras i'emotas e illal conhecidas. lV{ore coment¿i:
¿ìparccc n¡ ()¿1i.t.ç¿t¿¿ c n¿r
[:nt:tda. Cclacno. Ltlna clas
llrrpil-s i¡ri-ssalos conì clLrt We macle no e nquiries. horveveL. allout rnonstcrs. \vhich ate the routine of
dc nrLrìheri. âpiirccc na tlave llels' tales. ScyllaS. rtì\¡enous Celaenos. man eating Lestr,Vgortiatts
[:. t i I u. O-c l.-estrr -to n i irrls
and th¿it sort of ntonstro.sity you can harrdly'¿tl'oicl. br,rt to fincl governlrtents
t L

erain ctrtibais gig¡n(es. lta


O¡lit çL:tu rvise l¡r estalllished and sensibly rr,rled is not so eas)'.s
Podemos, por aqui. perceber, ¿r convivência da credulidade vtllgar na Idade
Méclia nos fenómenos sobrenaturais, monstros e quimeras. heldacla cla inito-
logra clássic¿ì. com a inovação trazida pelars novas descobertas geográficas.
More. autor e n¿rrr¿iclor da Utopia. distingue os dois planos e importa-lhe
apenas aquilo que a observação pode confirmar pelo ttso da razio. Assirn
irnporta-lhe, em primeit'o lugar, conhecer exempios de sociedades bem orga-
nizaclas. E aqui, cle novo. clenot¿r uma atitude modern¿r, ao ciissociar a consti-
tuição clas sociecl¿icles cle quaiscluer irnplicações religiosas, Não estabelece
clistinções entre clistãos e inliéis. não atribr,ri aos primeiros sr-rperioridades
cle origem clivina, oll respolls¿rbilidades de cruzadas misslonár'ias. A socie-
clade r-rtopiana. constituicla pela razão e pelir vontade dos honiens, é' equili-
brada, justa, lèliz. sellì qlrc os ì.rtopixnos conheçam o cristianisrrio. Aprópria
religião utopiana iìssenta em bases r¿icionais e não de revelação divina, o que
não intpeclirir os utopianos de ade rilem ¿Ìos ¿ìspectos racionais do cristianismo,
quanclo o conheceram. O texto de More é uma {'icção, inas cietrota unia atitu-
c1e cle abertura para nov¿rs possibilidacles cle rei'lexão solrrt ¿ì universalidade

cla naturez¿r huntana. clas origens do conhecimento. clos impulsos qlte levzrm
à constituição cias sociedades e das formas de organizaçao política e econó-
mica que historicamente se desenham.

O contacto cotÌ-ì novos homens e novas sociedades rria possibilitar a revisão


dos esquemas meclievais assentes em hieralquias lnais oll ltletìos estáticas,
em clicotoniias manrqr.reísi¿rs eritre fiéis e infiéis, e preparar futuros rela-
tivismos e a secularização da reflexão sobre a natureza humana. A etnografia.
cotlio descrição otrjectiva de gn-rpos sociais difeierltes, começa a sLtlgit'colno
unla nov¿ì disciplina clo pensamento e a abrir o caminho pala temas poste-
riormente clesenvolvidos, cotno o clo bom selvageni e da inocêncta do
homem primitivo. Ao mcsltro tetllpo, a imprensa possibilitava a divr-rlgação
dos mapas dos novos mltndos descobertos, e a geografia. aliada à cartogra-
fïa. pennrtia o acesso it novos ctrntinentcs e rìo\'ts sociedacles a tnLtitos qtte
não viqavam.

O Atlus c1e ilIercator é pLrblicado em 1595. e constittli um poderoso ele-


n-iento cle rnformação. que retira a coll-ìponente de segredo e rnistério à pes-
qr-risa científica, denotanclo ltma mudança no estatuto técnico e social da
ciência. Tarnbérl a pesquisa sobre o colpo humano progricle. erl direcção à
anatomia flinclacla na clissecação dos corpos, que São j1i vistos como ele-
rrìento natltf¿ÌJ, susceptír,el cie observação e expertmentação. e ttão como
envóluclo inviolírvel cia alni¿i. Ern i 543 é publicada a obra cie André Vesalius
De cc;rporis Ìtrnncuti'f'ttbrictt. que é ttma espécie de atlas do corpo hltmano
onde se aftrnta ¿ì preocllp¿lcão de observação rigotosa, que nao procttt'a cvi-
clências par-a apoiar teorias traclicionaìs. nlas apcllas t'c-eistar obsert'ações
feit¿is soLrre pesso¿rs e ¿rnim¿rìs. A importância cla obr¿r de Vesalius reside quer
na objectiviclacle qr,re clenlonstr¿r. quer no facto de ter siclo impressa, acoln-
panhada de ilustrações. Em Inglaterra seriaWilliam Harvey quem. ern 1628.
daria um novo in-ipulso à medicir-ì¿ì corn a publicação de Exercitutio atrctÍontit'u
cle. rnotu cortlis et sctnguinis in unùnalllr¿¿s, onde fìcaria clara urn¿r concepção
já mecanicista do fincion¿imento do coipo hnmano. através da circr-rlação clo
sângue.

As novas concepções de espaço são acompanhadas por noviìs concepçõcs


de tempo. Se o espaço geográlico da terra se alarga prra novos continentes.
e o espaço do cosmos se conleÇa a organizar em novas relações astronómi-
cas. tanbém o tempo hum¿rncl e divino serão repensados na época do
Renascimento. A história começa a clesenhar-se conlo disciplina que pro-
cura entender relaçoes e desenvolver explicações objectivas pala os
fenóinenos humanos. Sem atingil logo o grau cle problematização que nos
séculos XVIII e XIX apontarìam para uma história <científica>. a história
abandona contudo as convenções que fazlarn dos relatos e narr¿rtivas sobre o
passado mais un-ia gesta dei, or.r seja, a relação das grandes obras de Deus
por intermédio dos homens. para adqr-ririr uma nor,¿i objectividade. apoiada
na observação.

Jean Bodin ( 1530- 1596) representa a nova atitude na sua obraMethoclu,s atl
.fLtcilern historictrtntt cogrtitionen, cle 1566. Este método par¿ì um rnais fíicil
conlrecimento da liistóría ¿rssenta nllrÌ]a clivisão tripaLtida da história: a his-
tória divina. objecto de estuclo dos teólogos; a históri¿r natural, otlecto dos
filósofos: fin¿rlmente. a história enì que nos clevemos concentrar, qlìe é ¿r das
äcções humanas e das regras qrìe as governam. Para Roclin, as leis naturais
estariar¡r contidas na história, cr-r1o estudo poderia revelar os costumes dos
povos. os começos, o crescirnento, as condições, as mudanças e o cleclínio
de todos os Estados. entenclidos corrìo factos, susceptíveis de serem obser-
vados e descritos. O Método cle Bodin contém já uma f orte tendência pzrra a
interpretação naturaÌista da história e est¿ibelece já associações e palalelos
entre ¿l geograf ia e o clima, e a organização clos povos. de um modo que
antecede N4ontesqnier¡. Ao mesnto tempo desenha uma teoria cíclica do
crescimento e qnecia dos Estaclos que seria re tomacla no século XVIII.

O contexto político e religioso de fin¿us dos séci"rlos XV e XVI iria obrigar zr

nov¿rs lef-lexões sobre a organização dos Estados e sobre a autoridacle.


política e religiosa. As crsõcs criadas pelas Reformas. bem como todo o
conteúdo cle letlexão religiosa que estas r'ôm desenvolver, coincidindo com
ulî ¿ìunento clo absolutisn-io re¿rl. acabar'á por gerar um novo interesse pelo
diteito e por lormas constituicionais de organização política. que visanr
devolver a unidade a est¿tdos clesunìclos, com base em n-iodelos r¿rcionalmente
entenclíveis. O Príttc:i¡tru cle h{aquiavel. publicado no nlesûìo ano cla Uto¡tiu
de Thoinas More. esboça uma histór'ia natural da vicia política. definrda conto
um¿L teot'i¿t clo poder. que indica os caminhos e os meios par¿ì ¿ì suu conquista
e conserv¿icão.
Partindo da observação e cie uma n.ietodologia empírica. tambérn Je¿rn Bodin.
noS Seus seis livros Sobre a Repúrblrca, plocufa teorizar a soberania e, ¿ìo
contrário cle Maqr-riavel. salvar a justiça e a molal. propondo como desejável
uma rìon¿ìrqr:ta temperad¿i e toler¿rnte. E More aclvoga. claramente, unt
mocielo de sociedade comunitári¿r, democrática e esclarecicia, com base eco-
nómica agrária, com nútcleos baseados na f¿rmília. com ufil fttncionamento
deniocrático da ot'ganização política.

ÌV{ais significativ¿ts do clue as de More, Richard Hooker ( 1553-


as teorias de
-1600) viriam a influenciar Locke, por exemplo. Enl The Lcnvs of
Ecclesiusticul Politl' Hookel cliscute a icleia de <leir. distingr,rindo entre a lei
eterna, qr-re é a lei cle Deus. e a lei natural. De seguida clistitigue, na lei natu-
r¿il. unl piano que se refère iì ¿lgentes não livres. a que chama (¿ìgentes natu-
r'¿tis>, e outro, em qlte a lei natural é percebida pela razão humana e livre-
rnente obedecida pelo liomem. Além da lei etern¿ì e da lei natural Hooker
concebe aincia ¿i lei humana positit,a. Enquanto a lei natural liga os homens
uns ¿los outros coulo homens. sem dellencler clo est¿tdo. a leiirumana positiva
Sufge quarìdO oS homens Se uneilì em Sociedade e forilatll LlTn governo.

Existir'ão, então, para Hooker, dois funciarnentos p¿ìr¿l a coilstituição das


sociedacles: um é a inclinaçãro n¿rtur¿rl do homem pära viver em sociedade e
o olrtro é a lei do bem co¡lum (cottunort v,ectl,). Esta estít no âmago do corpo
político. cqas partes são animad¿rs, manticlas or¡ activadas pela lei. Deste
moclo. tendo col-t-to objectivo o bem conluû1. os governos d¿ts sociedacles
cleveiri constituir-se por cotlsclltimcnto dos governados, embora Hooker
reconheça ser comunl a sttnação cle as pessoas terem cie obedecer a ieis em
cr:.ja elaboração não participar¿lm. Mas. para ele. as corporações são imor-
tliis. tltr sejil. rtós virclnos ltos iintcccssùres. e cstes cotltinttulll ¿ viYel'nos
SEUS SLICCSSOTCS.

Um últirno tìpo de lei, segundo Hooker, diz respeito aos cieveres sobren¿ìtll-
rais e refere-se à lei reve l¿ida por Deus. As teorias de Hooker inclicarn simul-
taneiclacle cla traclição rledieval. tendo ¿lspectos semelhantes às de São
Toilás de Acluino, com a poncleração cie novas perspeciiv¿ts. Assiil introduz
a ideia, nova. de contrato social, m¿rs não apresenta o estaclo colllo ulll¿l cons-
trução puramente ¿rrtificial. Pelo contrírrio. f¿tlä na inclinaç¿lo liatLrral dos
homens para vivercm em sociecl¿icle. Inas não o1'erece. como Hobbes o farír
mais tarcle, explicações naturais. colrìo por exemplo. qlle o go\¡el'no seia ttnl
remécho necessário par¿ì controlat' o cgoístÌlo e a competitiviclade'

As preocupações acirn¿r referid¿rs, expressas em obras quase scmpre inlprcs-


sas e clivulgadas na época, dão testemlrnho de nov¿ìs atitr-rcles qr:e abrem
tìov¿ìs áreas clo s¿iber'. nov¿ìs ctisciplinas do pensaniento. N'luitas rel'erôncias
importantes ficaram por lazer. nome¿icl¿imente a Montaigne ou a Rabclais,
illas no e ssencial, iÌs atitLlcles nlais sl-qnificativas licaram clelineaclas. As cha-
maclas ciênci¿ts hun¿rnas. como a filologia, a etnografia, a histórla, as ciênci-
aspolíticas e sociais, acompanhirclas da medicina e da geogiafia, revel¿rt-n-se
como áreas embriorlárias de reflexão sistemática, apoiaclas jír, um pollco' na
observação. Mas os maiores p¿ìssos sertam daclos na área das ciêrlcias da
natttreza e. normalmente, São eSSAS que Se incluem nttm conceitO maiS restli-
to cle Revolução Científica.

AS novas clescobertas. no c¿ìulpo cla astronomia e das ciênci¿rs n¿rturais,


foram acompanhaclas da criação cle lr-rgares próprios para a pesquisa científica'
Laboratórios e observatórios são, frequentemente. resultado de ntecenato
real. atento ao clesenvolvimento clo saber. Frederlco II cia Dinarnarca manda
construir para Tycho Braire, seu astrónomo e astrólogo particlll¿ir, o obser-
vatório cle l;raniborg (1576-1580), dotado de rnstalações curd¿idosanìente
planeadas, com torres de observação, bibliotec¿r, s¿rlas cle estudo, colecções
c1e aparellros ¿rstronómicos. l¿iboratórios de qr-rímica e tlll]¿ì imprensai. Em
1584 manda construìr outro obset'v¿itório. agora clebaixo da terra. para que o
vento não perturbe os estuclos celesies. Tambérn Francisco I, rei de França,
funda em 1530 em Paris o Cotlège du Roi, qìle se transfonnarâno Cctllège
de Frmtce, instituição laica em qtle a fin¿rlid¿rde principal é o estudo cla
filologia e das ciências humanas.

Outras iniciativas consistem na constituição de sociedades de sábios e na


fonnação de academias. freqr,rentemente tambérli sob o patronato de ttn
príncipe amigo clas artes e ci¿is ciências. As primeiras academias cierltíficas
sLrrgiriam er ltália no século XVI. e rlultiplicar-se-iam no sécttlo XVII'
Mas jír em 1560. em Nápoles, surge a Aca¿letnìct .secretorttttt Nuturae. a que
se segr-riria aAcuclentict tleì Lincei em Roma, fundada ern 1603 e mais tarde a
Accrclentiu cle.L Cùnento em Floretlca, em 1657 ' A Rot'al Societf inglesa seria
fr-rncl¿icla pouco depots e aActtdétnie cles Science's, em Paris' em 1660. Mas
jír
na primeira décacla do sécr-rlo XVII Francis Bacon concebera. em ternlos
ficcron¿us. r,rm projecto cle sociedacie dechcacla ao saber e à pesqtlisx. que
clescreve enl N¿lt,' Atltnttis, colllo se verá.

A nova ciência. ou mais precisan-iente. a nova filosofia n¿rtur¿rl do século


XVIL ¿ìpresenta-se pois conl a convicção cle novidade. referida no início
deste capítulo, expressa nos títnlos de oblas de Kepler. Netv Aslrottr¡tttt'. de
Galileu. Tit'o neu,sciences, ou cle B¿icon.Agrandiosidade dos novos emprt]en-
ciinlentos é completamente assumicla por Bacon, que não deixa equír'ocos'
nos títulos que escolhe: Not,unt OrgunLutt. New Atluntis.lttstaurntio Mugrtct
ou The Ady,¿t¡tcetneLtt o.Í'Leorning não cieixam dúvidas quanto ¿ro senticlo de
noviclade c cie grandezti do empreendìniento científrco.
ilì

5.2 Francis Bacon e o método indutivo

O enqnaclramento do ¡:rensamento de Francis lìacon na Revolução Cientí-


fica não é linear. Para algutts autofes, colllo Gusdorf ou Copleston. B¿rcon
inscreve-se ainda no Renascimento. ¿r época clas ambiguidacies, e estes allto-
les sublinliam o carircter mais de divr-rlgadot'cle novas teorias clo que, propria-
mente, de pensaclor ot'iginal, em busc¿t cle nov¿ts hipóteses e cla sua confir-
mação experimental. No entallto. outros Lltltol'es situanl o pensamento de
B¿rcoi-r na génese rÌ-ìesmo cla Revolução Científica, valorizatldo a sua siste-
matização clo sal-rer e a ousadia cle um pensi.ìr'rir-nto que ni-to l'econheci¿i liili-
tes à curiosiclade oi,r efìir¿ìves ¿ì razão. Se o novo órgão para a descoberta
científica. o noyLon ot'gattLuit, ou métocio incitttivo, não tinha ¿r novidade nenr
a eficácia que Bacon lhe ¿rtribuiu, algumas das suas reflexões sobre a natu-
reza, entenclida como obiecto d¿r observação racional, ou sobre a orgattiza-
çÌo dos novos siLbcl'cs tlìcrece Ilì lllcnção.

Pelo qLre acima se disse acerca dos plirneiros passos d¿rs novas atitndes cie n-
tíficas pocle perceber-se que a Inglaterra não era exact¿tttlente unl centro de
grancle florescimento de novas ideias. Bacon nasceu em 1561 e estr:doli for-
rnalmente apenas dois anos, na lJniversidade de Czirlbridge, no Trinity
College, para onde elltfolt com doze al.ìos e três meses. Tendo deixado a
Universidade ¿iinc1¿i ¿rntes dos ciezasseis ¿ìnos, e tendo clesenvolviclo uma
intensa carreira política até ¿ìos sessenta. qr.rando c¿riri em desgraça (ern 162 1),
é clifícil perceber como foi possír,e I acumular os conhecitnentos que lhe pe r-
mitiram escrevef ¿ìs Suas obras. A sua primeira publicação, constituida por
clez ensaios, surgiu eni 1597. À sernelhança de Montaigne, Bacon viria ¿r
escrevef um tot¿rl de cinquenta e oito ensäios, publrcados em conjttttto em
1625, um ano antes cla su¿r ilìorte. Em 1605 publicoLt o seu primeiro tr¿rbalho
filosófico, The Adt,ctnceiltent of Leurning, e em 1609 De Sa¡tientia Veterum.
Eni 1620 publicour NoyLu¡t Orgcutttnt e. seis meses clepois da Sentença qlle o
conclenou por suborno, tinha concluido uma monografia sobre Flenrlqr-re VIL
F,n 1622 e 1623 publicou ainda dnas cornpilações cle história naiural. Histr¡ritt
Ventorrun e Historiu VitcLe er Mortis e De ALtgmentis, uma versão alargacla de
Tlte Aclvancetnen[ o.f Lectrtúng. B¿tcotl planeava ainda uma grande ol'rra que
teria o título de Insturrrutir¡ Mugttu, composta porDeu DigrtitcLte eÍAugmetúis
ScienÍictrutn (De AtLgmenti,s) e por Àrot:ttm Orgatttur¡. Otltras obras licaram
inconrpletas. nomeadanlente Neu: AtLcuttls, pr-rblicada postllmalÌlente. " Iìr¿rncis Iìacon !(r0-5- 16271.
'l'Ite tntettt ol l,eurttittg
'\tltunt
¡lr¿1 J¿rr ,.\¡1¿rlr¡1.t. London.
T¿rlvez seja ntaior a originalidade de Bacon Se o perspectit'lit'nros no Oxiord tj.P.. 197-1. p.28.
enquadramento cle teorias que ele próprio sistematicamente releitor-r. En7-he ,'\s re f cr'ûncias às pá'-einas c:ita-

Advtutc:entenf, o.f Lettnlit,q enumera três <vaid¿rdes nos estudos> ou três d:rs pilstcrioilttetìtc tfarcc!l-
r'alo entlc pxrcrìtcsis no tcxto.
clistemper.s of Iearning. corltlrns no seu tempo: <The first. f¿tntastical learning;
the seconcl. conle ntious learning. and the last cle licate learnrngi vain
imaginations. r,aìn altercations. and vain aff-ectationse.,, Começ¿inclo pelo
rl

úritiuro, B¿rcon rejeita o saber qlle se pteocLtpa tnais cottl lts palavras do que
com a substârrcia, o saber dos humanistas, clo porturguôs Jerónimo Osório e
cie Erasmo. A segunda <r,aidade" rejeitada é pior do quc a primeit'a: <for ¿rs
substance o1'matter is better than beaut,v o{-rvorcis. so contr¿irir,vise vain mattcr
is r,vorse than vain rvords (p. 3l)." Esta é a degenerescência da escolástica e
cla tradição alistotélica ortocloxa que seria m¿iis tarde. tambén. atacada por
Hobbes e por Locke. Por úrltinio Bacon tr¿rt¿i <<the foulest; ¿ìs th¿ìt lvhich doth
clestroy the essential form of knor.vleclge. r,r,[ricli rs nothing but tr t'cprcsetttlition
of truth: for the trr"rth of being ancl the truth o1'knorving ¿ìIe ont. diff'ering
no more than the direct beam and the beam reflectecl (p. 34)." E'sta últinia
<doença> ou vaidade . qrìe nos intcressa cspecialniente, diz respeito à <nragia
natural. à alquimia e à erstrologia>. Bacon lejeita coin veemênci¿r esta ten-
dência clo pensamento do seLl ten'lpo, com a qual, no ent¿ìnto. algr:ns
coment¿rdores contenlporâneos o têrn iclentificaclo. Estas ciências tinham.
palä Bacon. finalidades nobres:

For astrolo-uy ptetendeth to discover that correspondence ol colicltcnltion


which is betu'een the superior globe ¿rncl the inlerior: natr-rral ma-eic
prctendeth to call and reducr natLlral philosophy from variety of speculatiort
to the magnitucle of r,vorks: and alchem¡, ¡lretendeth to make seperration of
al1 the unlike parts o1'bodies rvhich in mixtnres of nature uru' iltcor¡orutie'
(pp. 35-36).

Os argumentos cle Bäcon, ao denunctar ¿t r,lcnidlcle dcstes saberes. e até ¿i


sua perversidacle visto que se destin¿rrn rì ctìganlr lt razrìo atr¿ivés cia cre-
-
dulidade e da imaginação decorrerli ci¿r constatação do fraco pro-qresso
-
feito nas aplicações prírticas das ciências d¿r natureza äo longo dos séculos,
já que os filósofos preferirarn geralmente elaborar cliscursos sobre os discur-
sos dos clirssicos, corrompendo o seu senticio. Assim obsen'a que, rìas <<artes
ntecânicast, o conhecinlerìto se clesenvolve cumulativamente. ou scja. a trti-
lh¿rri¿r, a nar,egação ou rì irrrprcnsii corlieçaram com processos toscos. qltt se
fol'¿rm progressivülrìente aperf'e içoanclo: ,.r'nany rvits and inclustries havc:
contribr-rted in one>. ¡\o contrário. as f ilosofias e as ciênci¡rs. cle Aristóteles,
Platão. Dernócrito. I'iipócrates. Eucljdes ou Arqr-riniedes manilcstam o
maior vigor nos seus autores. se nclo os comentaclores ciue se lhes segttir:rm
inc;.rpazcs clc trltIapassru us lrinleit'lts tcori;.Ls:

nany rvits aricl industrics hai,e be en spent about the rvit of some oue . ri hom
m¿rnv times the v have rather depravcd than illustrated. For as rvatcr rvill
not ¿rscc:ncl highei than the leverl of the lirst sprrnghcad fì'om n,hence it
clescendeth, so knorvleclge clelived fì-om Aristotle and exempt lrom the
libeity of examination, u'ill not rise again lii.uher than ihe knorvledge of
Aristotle (pp. 36--ì7).

B¿tcon alirina-se. ässirn. totalmente libclto clas convenções quc rplisionu-


v¿ìn'ì o ilens¿rmento no selt tcrlllpo. c o liinit¡rvam na procLrra cla,.r'erdacle>. o
objectivo íritirno cle tocla a f ilosofia e cle toda a ciência. O carninho par¿ì a
clescoberta da verdade cla naturez¿i ¿rtrar'és do uso cla t'azão, aplicada nas
faculcl¿rde s cie observação. testacl¿i na experlmentação e sistematizacla n¿r f'or-
mulação de princþios gerais, sena a crlrzada de Bacon, a sua i¡¡.çf¿¿ur¿ttir¡
nlzrg¡til final. N{as, tal como a obra a que clr"ris clar este título ficou inicompleta.
tantbérn a pesqr-risa orrginal de Bacon não prodttzitl, cot-t-to já se disse, restll-
tados revolucionários no clese nvolvimento c'lo saber. A preocupitção em clefi-
nir com clareza um novo cantpo cle activiclade pala as ciências d¿i naturez¿i
constitui, por outro lado. um¿i ¿rctividacle importante de clestn-rição dos pre-
conceitos clue perturbam a objeclìr,idade e interferetn na interpretação da
experiôricia, lltn ly'or'¿¡in Orgtututn erìurner¿ì quatro trpos de ,.íciolos, on fal-
sas noções cpre . rnevitavelmentc tnflnenciam a tne nte e clilicultam er pesquri-
sa. ¿ì Ìl"ìenos que se te nha consciência d¿r sua existência. São eles: o:; idols rtJ
the tribe (itlol4 tribus), idols ofthe cttt,e r¡r clert (idolo specus), itlols of the
nturke.t ¡tlace (itlolu.Í'r¡ri), e itlols r¡t'tlte. thetLtre, (iclolct theatri).

Estes obstírculos ao s¿iber tôm ¿ì ver com a tenclência pata o erro itrercnte na
naturez¿ì hurnan¿t e clue ìntpecle juízos objectivos, como por cxenlplo, con-
fiar apenas nos sentidos, setrt proceder ä conftrmações experimentats (idolct
triltLt.s); conì erros clue decorrem clo te mpÐramento inclividual. clas leituras,
cla e dr,rcação. clas irrfluências especiais (idr¡lu specus ); com erros clecorrentes
ila influôncia da lin-euagen (idoltt.fori);e, f inalmente" com erros clecorren-
tes dos sistemas f ilosófrcos do passado, que não p¿lss¿Ìm de peças de teatro
qLie representam um rnundo irreal. cri¿rdo pelo próprio honlem (ick¡h theutri).
De novo este s são re rrìeticlos p¿rra a lnf-luênci¿r de Aristóteles e cia so¡tltisticul
philOsoplnr. pâl-i't a e.nt¡tirictLl philosopl¡), iltsuficrentemente fund¿rn-ieniacla
na experimentação oncie refere em particltlar Wiiliam Gilbert. autor clo
-
trataclo I)c fulagner¿ ( 1ó00), qlle at¿ìcar¿ì já em Tlte Aclt'utcerÌtenÍ o,f Lt:anùtg
e para tt.stqterstit:ictLts ¡thilosoTrlrr,. pritttcada pelos filósofos platónicos e
-pitagóricos

Esta última refer'ôncra Platão indica a poì.rciì estinra que iì nova filosofia da
a
naturt:z-a inspirava ¿r Bacon. Com e1'e lto. um con1unto imporlante de pens¿ì-
cloles ne oplatónicos começara, já con-r Nicolau de C¡¡sa ( 1.101- 1464), a estll-
ciür a nalureza conl uma preocLrpacão cle objectiviclade. sepat'anclo a razão
qr-rstacla à pesc¡uisa clos tènómenos natur¿iis. cia razão clivinarnente inspi-
racla, aclecluada ao estuclo cla teologia. Fnancesco Fatrizzi (1521)-1591),
'-flonrmazo Campanella ( I 568- 1639) e (]io¡"clarao tr]runo ( 1548- 1 600)
tinharn tantbéin seguido esta orientação, sublinhanclo o ¡rapel da observa-
ção. e especulanclo sobre a forr-na e a natureza do cosilos, o muncict 1ísico
coulo nm toclo. Estes hlósofos apoiam-se. além cltsso. ent fbrmulações mate-
mirticas, qlte constitLrenl os asllectos lorte ilente pitagóricos clo platonlsn-ìo,
e antecipaLn ts oLrras cle Copérntco. de Kepler e cle GalileLi.
As clenúncias à mllgia e ao ocultislllo devenl Ser, também. enqlladracias no
pensamento da época. O representante nlais imPortante dest¿r filosolia
ocultista foi Faracelso. cr-rjo rìome era Theophrastus Bomb¿istus von
Hohenheirn, e vivett n¿ì primeira metade c1o século XVI' Estes pensadores
tt!:

È.1_l

partilhavam Ltnla concepção de homem colno llìicl'ocoslììos clo ttniverso' e


:¡':

u*u.un..pção da nattlleza como um grarìcle ststema cle correspondênci¿rs e


]n
Itri
analogias. O seu pensaniento iìssuuri¿l Lull misto cle charl¿rtanìa esotérica e
if
.;-11: experimentação, e {r:ndametrtav¿l-Se na ellciclopódìa rnírgica atriburda a
','j.ì
Hermes Trismegistus. na cabbala judaic¿i e no ne oplatonismo, par¿ì afirmar
LlrÌl espírito cósmico atrar,és do qual aS forças da n¿rturez¿r poderiam Sef
coll-
.Yr¡

trolaclas ent Lrenel'ício cìo homem. Ao mesmo telnpo acredit¿ìvam ila possibi-
lidacle de descoberta do clixir cla vid¿i e na pedrä filosolal. O frlósofo ocllitlsta
inglôs tnais importante foi Robert F'ludd. contemporâneo cle Bacon, que
pfocluzilt Llll-ìa defesa dos Rosicruci¿ìnos ern 1616, e que posteriormente
desenvolveu Ltma teoria clo universo conlo sendo constituiclo por dllas SLIbS-
tânci¿rs e penl-ìeado por sinipatilts c antipiltias ct¡os sinais perceptíveis
ape-

nas pocleriaûì ser interpretados pelos iniciados'

Não obstarlte ¿ìS slras äfirmações \¡ee[lentes contra o saber ocultista. algu-
illas ínterpretações fecentes têm incluido o pelìS¿ìlllellto de Bacon na cor-
rente que ele clenunciava. Frances Yates interpertor-r passos cle Àislt' Atlcmti.ç
coulo inclicadol'es de qr-re Bacon não só conheci¿1. como partilhava as iìles-
r" Frances Yates.
"The
Occult mas co¡vicções. esirutur¿idas ern cócligos. dos grupos que acusavaì0. MitS,
Philosophl'". in'l-Ìte [:Ii:uhe- mesmo que Bacon pattilhasse, cliscret¿rmente. a traclição hermética, a stt¿i
ln n,,\ g c. Lonclon. Iìotrtleclgc.
inf'lr-rência posterior asseljta preclominantelrìente nolltros aspectos do seu
t

1980. pp. l7-{ e seguintes. Os


nìesnlos argunìellt0s tinhaln pensamento. De facto. Bacon não atribui grande atenção à mecânica mate-
sido já tomaclos na obra da
ilrùsnla ilutora Tlte Rosicru' mática nem à cosmologia, oncle resicliriam os -qrandes avanços da ciência clo
t:tln [:ttliy,hterurtettt. tlc 19 '12. séctilo XVII. n-ìas, eilì contrapartid¿ì. atribui importância centr'¿rl ¿ro estttdo
cla naturez¿r apoiado na observação e nit expet'imetttação. r'isando o apro-
ve itamento útil clo s¿Ìber, e trão o s¿rber como fim em Si mesmo. Aiéni
dìsso,

insiste em ptoceclimentos sistemáticos, considel'ados como chave p¿ìra o


saber genuíno orgdnuftt consiste na apìicação do método incir:tivo
o rror)Lon
-
na natllreziì Social cla pesqr-risacientíflca e na convicção de clue tocla a
-gente pocletír obtel conhe cimento científico irtil. desde qlle proceda de modo
correcto.

Se são n-ìais ¿ìs n-ìetoclologi¿ìs reconìendadas do cltre os resultaclos obtidos


que anunciam a moclerntclacle do pensarnento de Bacon, importa desde

definir clois traços eSSet-ìci¿liS clesse pensallento. O primeiro consiste na
clivisão e classific¿ição clas ciências. e o segundo no néiocio indutivo'

O saber humano, segLrnclo B¿rcon. clistingtle-se c'io saber divino lrnporta' em


The Atlt,ttnc:en.tetlt of Leurnin,g clarific¿rr o saber htlm¿ino: <TIie parts 01'human
learnrng have ¡e{èrence to the thtee patts of tll¿ttl's tlndefstilncling, r'i'hich ts
tlie seat of learning: history to his n-ìelnory, poesy to his irl'rriginatior.ì, and

,:

philosophy lo his feason>> (p 8l). Estas partes clo entenclimento llltmano


estão hierarquiceimenie organizaclas, Sencio a faculdâde mellos elevada a cla
memória e a mais eler,ada a da l'azão. lllum processo nlinucioso de enumera-
¿i cad¿r unia das facul-
ção cle géneros e cle espécies de clisciplinas associadas
dacles, Bacon tr¿ìç¿ì Ltm rnapa clo saber e dos n'iodos de aquisição do mesmo.
que präticarrente esgot¿l tocl¿rs ¿rs áreas cle investigação possíveis I-ìo setl ten-ìpo,

e que a seguir indicatcnios esclitetniriicamente.

Assim. a história está subcliviclicia eni história natural. clvil, eclesiástica e


irterírria. A poe sia subdivrde-se ern n¿Ìrrativa. representatir'¿r e alusiva oLì pa-
rabólica. N4as é ao saber frlosófico, ao conliecimento raciotlal, que Bacon
ciedica ¿r maior parte clo sen estudo. Este divicle-se enr três cate-{orias prin-
cipais: a primeira ref'ere-se a DeuS, a segunda à natureza c a tet'ceira ao
homem. A prirneira categot'ia, ¿ qlle Sc refere a Deus, cotlsiste na teologia
r¿rcional ou natur¿rl, Nãcl compreencie a <teolo-eia Sagrad¿ì or'r insptrad¿ì>>. qlle
resulta da reve lação clivina e não do raciocíneo hltmano. EstaDlulnl¡r', sctcrecl
attcl inspirecl, ser(t também objecto cie leflexão, na úlltirna parte de Tlte
Aclt,artcenrcnto.l'Lectnùrzg, rnasfund¿rmenta-seor¿1.r'upontheworclcutclorctcle
of Goct, cutcl not Lt¡ton the light oJ ntttrLre. Afilosofia propriamente dita ó obra
da razão hum¿rna e procecle em três formas de conhecimento: ¿ì n¿ìtureza é
conhecicla clirect¿rmente atr¿rr,és dos sentidos (rutclio clirecto), Deus é conhe-
cido indirectailleute através das suas criaturas (radio cleJructo) e o homem é
conhecido por reflexão (ratlio reflexo),

As clivisões cia frlosofia em <<clivina>. e <l-tumana> são como


<n¿rtural>>
r.amos cle uma nìesma árvore, qlre se encoÌltraul nllm tronco collìtllll (p. 100)
qve aphitoso¡thicr ¡tritnct,que compreende axiomas ftrndamentais e noções
é,

UniverSaiS, Cotlto 'pOSSír,el', 'impOSSír'el'. 'Ser'. 'nãO-Ser'. etc. A teOlOgia


natural. a primeira cias divrsões da filosofi¿i. estud¿i ¿r existência cle Deus.
manifesta nas suas criaturas, e tem como apêncilce uma cloutritla dos anjos e
dos espíritos.

A frlosofia cl¿r tltnlo. em duas partes: especulativa


n¿rtureza divide-se. por seLì
e operativa. A pnmetra, a filosofia especulativa natural. divlde-se, ainda,
ern física e met¿ifísica. A prirneira trata clas c¿rus¿ts eficientes e naiurais. a
segunda cias c¿rus¿rs form¿iis e f inais, senclo ¿i matemática um dos seus rail]os.
A filosofia operativa natural consiste na aplicação da primerra. e recai em
trôs áreas: experimental, filosóf ictr e mírgica.

A fllosofia clo homen é ciividicla eilj duas partes principais: o saber simples
e particular, e o saber colectivo e civil. A primeira parte incide espe-
cific¿rmente Sobre o homem. e subdivicie-Se eirì conhecimento do corpo e
conhecimento cla mente ou da alma racional. No conhecirnento do corpo
incluem-se a meciicinti. ¿r cosnétic¿t. o atletisnio as artes do prazer' No
conhecime.nto cla mente inclui-se a alrÌla e as sLI¿'ts l'aculdades. Estas agru-
-

p¿ìm-se em faculdades racionais (lógica), onde se integrain a invençãro (clas


¿rrtes. das ciências. clo discurso e da ar,{umcntação), a faculdade cle jLrlgar,
incluindo os ídolos ( iclols )da mente, a meilór ia e a tradição, e ern fhculdades
morâis, qr-ie rncluern ¿ì natureza do bem subclividicla em duäs: privacla.
activa e passiva: e comunic¿rtiva. ou ciever
- e ¿ì cultnra cla mente.
-
A filosofi¿r civil inclui o estlrclo do comportainento e cla comunicação, dos
negócios e frnaliriente dc governo.

Conio foi acrrna referido. a últirna parie ti'¿rt¿ì da teologia revelada. Bacon
tr¿ìça uma clivrsão clara entre a razão Lrtiliz¿icla para o conheciniento dos
fenómenos naturais. e a razão utilizada na relrgião:

The use of hr-rman reason in religion is of tr'vo sorts: the former, in the
conception and apprehension of the mysteries of God to ns revealed: the
other, in the infèrring ancl clerir,in._u of doctrine and direction thereupon.
The former extendeth to tl.ìe mysteries thenrselves; but horv? by way of
illustr'¿rtion, and not by rvay of irrgnment. The latter consisieth indeed in
probation anci argument... seconclar-y ancl respective , although not original
and absoiute. For after the articles ancl principles of religion are placed
and exempted from examination of reason, it is then permittecl to us to
make derivations and inf'erences from and according to the anzilogy' ot-
them, for our bettei clirection. In nature this holdeth not.,. (p. 242).

Na sn¿rficção sobre uma sociedade orientacla para o conhecinlento úrtil. N¿:n;


Atkuttis, Bacoir deix¿rria bem cl¿rr¿i esta ciistinção, entre razão e revelação.
No centro cla sociedade clescrita nesta obra está a5'oci¿ tt, oJ SaLotrtort's House,
organizacla como uma cspécie de ¿rcaclemia. r,ocacion;idä para o ¿iulrento do
conhecinento e p¿ìrû a sua aplicação: <The end of olir foundation is the
knou'ledge ol causes. and secret motions of- things; ¿ind the enlarging of'the
bouncis ol hr:inan empire, to the effecting of al1 things possible" (p. 288).
A Casa cler Salonlão foi criacla para o estuclo das obras e clas criaturas de Deus
e os seus membros são cientistas. ocupados con-l os diferentes ramos dc>
s¿rber. envolvicio.s em experiôncias. lormando ilov¿rs gerações de investiga-
clores c detendo o vercladeiro pocler'. o cio saber. Melhor do que ninguém,
estes crentlstas saberiani distinguir entre f'enómenos natur¿ris e fenómenos
sobrenaturais. Os primcilos sclilinr apreendidos pelas l-aculdacies cle
cliscernimento próprias da razão. aperfeiçoadas pela drsciplina científ ic¿i: os
segundos teriam que ser apreendìdos de outro moclo.

O conlronio entre os dois moclos cle conhecrmento l'ica claro qnanclo é nar-
rada. por um nrembro da Casa de Salor¡ão, a história da cristianrzação cla
Ilha cle Bensalém, onde clecorre a acção de À/¿ru AtLcutti.ç. Como na Uto¡tict
esta ì1h¿r refiìot¿r fizera extraordinários progressos sen-ì conheccr a religião
cristã. Esta. porén-r, foi rei'elacla pol Lu.r-ì ntilagre. clue consistiu na;rpaliçlio
cle ttm pilar cle luz. encim¿ido pol Lìrna crlrz. no meio clo mar. Unl membro cia
ì l
I

C¿isa cle Salornão recontrecen a n¿itureza sobrenatural e divina clo fenómeno, l

excl¿rmando: ì

Lorcl God of Heaven and E,arth; Thou hast vouchsafed of Thy grace. to
those of our orcler, to knorv Thy rvorks of creatiotl, the se crets of them; and
to cliscern (as far as appertaineth to ttre generätiotts ol men) betrveeu dil'ine
miracles, rvorks of Nature. rvorks of iìrt, and impostt-tres ¿rnd illLlsions of
¿ill sorrs. I clo here. acknolvleclge and testify beflore: this people, that the
thi¡g which we now set: before olll eyes is thy finger. ancl ¿r true miracle.
Ancl forasntuch as rve learn in our books thatThou never rvorkest miracles,
but to a divine ancl excellent end (for ihe l¿iws of uature are Thitle orvn
larvs, ancl Tliou exceeclest them not but upon gÍeat c¿luse), we most hurribly
beseech Thee to prosper this sign, ancl to sive us the interpretation and the
use of it in ntercy; r,r,hich Thou clost in some part secretly promise, by
sencling it ttttto us (P. 267).

Através cle um milagre, colrlo tal reconhecido' logo Sem necessidacle de


explicação, os textos canónicos doAntigo e do NovoTestamento foram colnu-
nic¿idos, operanclo-Se ao mesmo tenlpo o mllagre do Pentecostes. de Ílìodo a
que toda a gente, coill línguas diferentes, lesse estes textos coll-ìo Se fossen"l
na sua própria língua.

Jir o conhecimento cl¿ì natureza procede pela experiinentação. ainda asso-


ciacla aos quatro elementos terra. água. ar e fogo tr-rac destinada a
- -
aumentar o podeÍ do homem sobre a natureza. começ¿ìndo pelo próprio
corpo e acab¿ìnclo no desenvolvimento das artes mecânicas. Assim, a CaSa
de Salo¡lão dispõe de uma série cle estrlrturas adequadas à investigação cla
riatufez¿ì: cavefnas. totres, lagos, laboratórios, j ardins zooló-eicos. aquários'
cozinhas, fornalhas. saias da'máqninas'. etc.. onde se observallì e estLldan'ì
os processos de coagr-rlação, refrigeração e conservação clos corpos. Aii se
estudam os eletrentos atniosféricos, os minérios, as substâl'ìcias qttín-iicas,
ali se experime ntam cfuzanìentos de espécies animais e enxerlos. ali se pre-
param reméclios e outriìs substâncias n-redicinais. ¿rli se experinrentam novos
processos cle preparação cle alimentos, ali se recriant artificialmente os cinco
senticlos, para os apurat'coln a c()Ììstrução de instt'umentos,

Ilm lV¿rr Atlanti.y Bacon elabora uma <fíibula>. como lhe ch¿ima o seu bió-
gralo, Rarvley. em qlle pretende e xibir <¿i model or clescription ol a College.
instituted for the interpreting of Natr-rre. and the prodlrcing of great and
marvelious works for the benefit o1'men> (p 92) A obra ficou incompleta,
mas oferece unta visão cla ciência aplicada e da constituição de uma socie-
clacle científica avançaclils pära a ópoca. É já notável o facto de a sociedade
crentífica da Casa cie Sälornão assent¿lr ntr especiaiização, oLr scja' propor
um esqllema simultaneanìe nte colegial. de cooperação na investigação cien-
tífica, m¿Ìs ao illesmO tctl-ìpo pressttpondo a divisão clo trabalho. Mas. para
IJacon, a clescoberta cie ntíl'ica teria que proceder segundo ltnia t-netoclolo-eier
-TG
.åT
f'.,
i

'åi"'

;
l
.1.r"

i.'
rigorosa. que estabelecesse, sem n1¿ìrgeln pal'il intcrpletações duvidosas, um
saber re¿rl. A indução cltmprirá eSSa função, qlìe é ¿ì de obter a \refdade.

O método indutivo ¿ìssenta enÌ duas fortnas de procedirrìento, qlle partem.


ambas, dos sentidos e da percepção das cois¿is particulares pala a lbrmr¡la-
ção cie concltisõeS ger¿lis. Mas. pirra quc o processo Iìllo scja precipitacla-
ilìente aplicado, prodr.tzinclo lesltltados errados, deve ser, ao cot-ttt'írrio.
usado de forma paciente. tendo em ¿ìterìção tocios os casos p¿ìrtictilares. Se
B¿icon não deu grancle importância ao lllgar da hipótese no nlétoclo cientí-
fico. atribLriu, em contraparticl¿ì, grande in-rportância iì qualidade da obse rva-
çãio e rì planilrcação da experimentação. trem como iì velilicação do
pro-
cesso cle tr¿rnsfornaçãro qi.re não pode SeI' irneciiat¿ìllente observaclo, mas
tem qne ser descoberto.

Em síntese, poderíamos citzer. conlo Anthony QLrinton, qì.ìe no conjunto clas


suas teot'ias B¿rcon cal'iìctc-riza c trrìca o programa cle ttma crência gentlín¿ì d¿l
Ìl¿ìtufeza, liberta cla auioridade da especulação passacla. unificada por Llm
métocio cle indução elirninatória apresentirdo c1e forila razoavelmente por-
Tnenorizacl¿ì, clesttnado a ser aplicado cle modo cooperälivo pzira benef'ício
material cia humanidade. Esta ciência. sendo natural está isenta de teolo-eta e
metafísica: sendo Social, estiì isentiì de ocultismo e fant¿isia: sendo metó-
dic¿r, transceude as acumulações desordenadas clo s'aber unticl¿¡r¿ri¿¿rz. Nes-
tes aspectos, cie qLralquer moclo, aS teorias cle B¿rcon constitlÌem unl
importanie passo em frente. nar ciirecção das concepções olientadoras do
i' Anthon¡'
Quinton. .llacon'^ mnndo na época modern¡ilr.
in 1?¿r¿ri.ç.ç¿¡r¿¡; ¿: T lti n ke r s.
Oxf t¡rd. Oxforcl U.P.. 1993. crítico.
p. A irriportância cle Bacon reside sobretudo no papel de profeta e de
I E-5.

Ao separar ¿r ciôncia da religião e cla met¿rI'ísica. ¿io atribuir ao cientista da


natltreza um estatuto digno, que o distinguia do ch¿rrlatão e do mágico. ao
desenhar um imenso progr¿ìnl¿t de investigerção numa séne de cilnìPos ol.ictl-
tados para o desenvolvin-iento da tecnologia. B¿icon contritruiu de cisivamente
para a formação de uma mentalìdacle ernpírica nas ciôncias natur¿ìis de onde
decorreu ¿l slrpremacia tecnológtca cla Er:ropa nos séculos se-uttitttes.

As pnncipars objecçoes qtte tôm sido lbitas ¿ìo pensamtnto de Bacon consis-
tem. em plinieiro lugzrr. nâ pouca irnportâncra qr.re deu iì formulação cle hipó-
teses. ou seja. à constrlìção irlaginativa de novas teorias tendo, deste mocio.
negligenciaclo o papel da criativiclade na pesquisa científic¿r. Em seguttdo
lugar, reconhece-se-lhe r-rna cleficiente apreciaçiro do papel da matemática.
que olltros filósofos da n¿itureza devrdamente valorizat'am. conìo Newtot-t,
por exemplo. Esta subvalouzação poderír iicar a dever-se iì associação entre
a matemática e as ciôncias ocultüs, cllte Bacon queria clenuncilLr.
Y-

5.3 Í{errnetismo e rnagia

Estes tr:iços de modernidade clo pensamento de B¿rcon devem ser pers-


pectivados {'ace a oLltras não menos significativas tendênciäs e príiticas do
pensainento da sua época. O Neoplatonismo. a que se acrescerit¿ìrr traços
cle hermetismo e depois a cristianizacão e airsorção da cabala judaica cons-
titueil iniportantes referências, solrretucio após a divulgação. a partir de 1550.
da obra de Cornelius,{grippa De Occulttt Plùloso¡;l¿i¿¿. Outr¿rs tnanit'esta-
ções do pensanle nto neoplatónico ¿ìpÍlrccem na literatura, nomeadamente na
figura shakespeari¿rna de Próspero, ou nos rituais e simlrologins, conto o
culto cle Gloriana, que rocleava Isabel I. A ideia de perfectibilidade, presente
no neoplatonismo, poderá, inchisivamente . tt:r tido reflexos no protestan-
tisrno inglês. quc via.a Refonli-r conlo urri primcilo passo plra urn¿r mltior
perfeição espiritual.

Afigura-chave do neoplatonismo era o'rnrìgo'. aqr"rele que buscava a ver-


dacle . nuna pe squisa ascétic¿r e solitíiria. cle que o mais rmportante represen-
tante. r"ìa Inglaterra isabelina, foi o Doutor John Dee. A vida e obr¿i de Dee
são a cleniontração cle como ¿r ciência e a magia estavam intimamente liga-
d¿rs. e cle como as actividacies do mago podian-r ser consideradas perigosa-
mente próxirlas de pactos demoníacosLr. A relação entre ¿r ciência e a n-iagia '' I)ce c o seu clìscípulo
tsdsard Kclll' tent¿ìr¿ìm c0n-
evidencia-se na alc¡-rilria. quc procura iì tr¿ìnsmut¿ìçho da m¿rtéria. sobretudo
taùtâr os anjos e otrtros scres
a de metais pobres, enl olrro. Na base da pesqr-risa alquímica est¿ìv¿r a noção cspirituais. tendo gerado
pûnico e o convicção tle c¡ue
neoplatónica de que tudo no mundo tern vida e procura a perfeição. M¿rs os anlbos trnt¿ì\,am conjurar
métodos da alquirriia tinharn já rnr"rito dos métodos das clôncias modernas, dcnrúnios. Enr I 5E-j a casa dc
Dcc loi saqueada. na sua
¿ro baseare rn-se rìa e xperimentacão. n¿r precisão dos pesos e das rnediclas, ll¿ì
ausência. por urn¿ì multidão
observação repetida e cuidadosa da experimentação. popular'. c a sua colecção cicn-
tífìca foi des(ruida.
Em tern-ios sócio-culturais. é importante ponderar a penetração das crenças
na nragia, na alquimia e na ¿rstrologra, quer erìtre as é.lites, quer entre ¿Ìs nas-
sers popr"rlares. A astrologia é, talvez, o c¿ìmpo onde com m¿rior nrticlez se
pode observar não só o fascínio. illas tar-nbérn a conviccão nas potencialidades
deste sabel para os mais variados fins. Consiclerada corrìo uma ciôilcia
ex¿ìct¿ì, praticamente indistinta d¿r ¿rstromornia. a astrologia assentava no pres-
sllposto de qr'le existem clif'erentes esferas cle existência, relacionacias entre
si, e clue os movimentos clas estrelas e clos planetas (o macrocosmos) teri¿iin
irifluência sobre as viclas hurnanas (o microcosmos). Quer as élite.s quer as
m¿ìss¿ls partilhavam estas cofìvicções, e a astrologia era praticada com evi-
dentes benefícios f in¿rnceiros por astrólogos corxo William Lilly, que em
1662 factur'¿ì.v¿ì cerc¿r cle 500 libras por ano. embora desse frequentenrenie
consultas gratr-iitas ¿r Lurì¿ì clientela pobre. Alérn clas consultas, outra fonte
receit¿r pariì os astrólogos era a publrcacão de aln"iänaques contendo inl'or-
nração astrológica. especulação le ligiosa e soci¿rl, assim coûro inforn-rações
práticas corrìo calenclários. datas cie reaiização de feir¿rs, as fases da lua, on
informações sobre medicina c agricuiiura.
tf-

A crença e a prática da asttologia constituem uma áre¡r en qlle a cultur¿t


eruchta e a cultut¿t popular segufamente Se cruzavam. Enlbol'a Seja difícil
encOntrar vestígios eSCtitoS clas príiticas populares de astrologia, conhecem-
se casos cle condenação por bruxana que dão indiczrções importantes sobre ¿t
pernanência clest¿ìs convicções e o l"Ì-ìoclo colTìo, poltco ¿ì pollco. foram
sendo abandonadas ¿ì lavof cle visões mais pra-smáticas e empíricas da vicla
hurnana e clo mundo natural, cle acorclo com o desenr,olvitnento do pensa-
mento ctentíf rco. Entre i 567 e 1640 forani presente s aos tribunais eclesiírticos
do Yot'kshire 117 casos cle f'eitiçaria e brux¿rria. cios qr:aris sessent¿ì e dois não
foram especificados e ilos rest¿ìrìtes. dezorto tinham a ver com feitiços sobre
rr J. A. Sh.rrl-.c (199-l). Ia¡f,r gacio e outros clezoito com feitiços lançados sobre pessoetsr:'.
trlodent [tLp.lund, p. 308.
Como foi referido anterionnente, nos séculos XVI e XVII o irtundo ct'¿r ainda
conceþiclo cotxo envolvido em mistério e magia, A priitica de feitiçaria e cle
magia tinh¿r. uo entanto. siclo proibida por lei eni Inglaterra. solr pena de
morte,jli ern 1542. Esta lei foi abolida ern 1547. rìas enl 1563 e em 1604 foi
cle novo elaborada legislação colltr¿t estas práticas, qLle só r'eio a ser aboiid¿r
erri 173ó. Neste período as äcusações c1e bruxaria resttltavam sobrettldo.
segundo se cleduz dos processos, de inalclições lançadas Soble pesso¿ìs olt
sobre propriedades^ como gado, por exemplo, indrcando uma pror'ável
aiteração nas relações humanas dentro das comunidacles rttrais: a recus¿i cle
utrra esmoia a um pedinte. seguida cle ltma doença clu de ttm acldente inex-
pliclivei. poderia motivar a 'vítima' a ¿ìcusar de prírtica cie brltxedo o pedinte.
A interpretação destes casos ¿ìponta para um alrmento da estratif icação social
n¿ìS comlulicl¿icles rurais e para o desenvolvimento do capitalisnlo tural.
A ética tladicional de entreajuda entrava em colapso. ¿ìntes qLle as nov¿ls leis dos
pobres se tivesserl estabelecrdo como aiternativa para licl¿rr com os polrres loc¿ris.

É clenota, que os julgantentos por LrrLrxaria começaram a climinr-rir clc fre-


quência antes da generalrzação das nov¿ìS ideias e concepções sobre o ltni-
verso, A argumentação. base ada no senso cìomluÌl. de que as ilctts¿rcões eraill
¿rbsurd¿rs e degradavarl a digniclade cla jtrstiça, foi seriarnente segutda por
Sir Robert Filrner. o ¿ìutor do Pu(rictrclrc. que ern 1653 pr.rblicava o texto
Ach.ertisetnetú to tlrc JLtn'-Men of'Englu¡¿¿1, onde liclava com o pl'oblema da
clificLrldacle de provar 1e-{altriente as acusações de bruxaria. O declínio da
crença na bruxari¿r inclic¿t, ¿tssiirt. o desenvolvimento de uma atitr.rde de
(:ann'ron sett.te. seni dúrvicia base¿rcl¿t, entre outros f¿tctores. no desenvolvi-
mento do pensamento científico.

5.4 Newton e a ciência positiva

As Guerr¿rs Civis não vier'¿rm entr¿ì\,ar a contit"tttaçãro cla activiclade cicntífica


que Bacor.t ou Ilarvev tinham começado ¿ì protagonizar. Em Ox{'ord e enl

156
Cambriclge os estudos sobre a filosofia natural prosseguiam, nos meados do
século XVII, cotrì utTt teor predominantemente platónico ou neo-platónico
em Cainbridge e uma tónica mais científica em Oxford. Ern Cambridge,
Robert tsoyle (1627 - 169 1) filho nais novo do conde de Cork. reuniu à sua
voita um gmpo de jovens intelectnais anglo-irlandeses, nufiìa associação de
tipo colegial. conhecida corto 'Colégio Invisível' (Invisible College), e em
Oxford formou-se a 'sociedade Filosófica cle Oxford' (Philosophical Societ¡'
oJ' Oxforct), sob a é-eide cle John Wilkins. numa a¡tecipação do que seria,
nr¿ris tarde, a Rolal Sor:ie.tt,. cle que Wilkins Seria, enl 1663, nomeaclo secre-
tário. Os estudos levados ¿r cabo na írre¿r d¿r físic¿r e da quírnica corneçavaln a
Ser prosseguiclos cle fonla sistemática. mas estavam alnda próxirnos das
concepções aristotélicas ou platónicas do universo.

Boyle merece uma ref'erência específica, ainda qtte breve. no contexto do


desenvolvttnento do pensamento científico em Inglaterra. Como Gìlbert ou
Harvey. nos respectivos estudos sobre o magnetismo e a circulação do san-
gue, Boyle preocupava-se mais com a obsen'ação e a experimentação clo
que com a forrnulação de hipóteses. Neste ponto aS Slras afinidades também
com Bacon são evidentes. Aliás Boyle viria a referir Bacon, f)escartes e
Gassendi couìo seus antecessofes. embora no prinreiro período dos seus
estudos tenha queliclo evitar a leitura dos respectivos textos a finl de não se
deixar influenciar por dor-rtrinas e hipóteses que ele próprio queria experi-
mentaf.

Corn ef'eito, um dos traços característicos do pensamento e da acção de Boyle


foi a convicção de que toda a teorização deve ser acompanhaclo por verifica-
ção e confirmação experiirrental. Em 1662 formulou a cotlhecida'Lei
de
Boyle'. que define qlte a pressão e o volume de um gás são inversamente
proporcionais. É de registar que Boyle acrediiava na alquimia. mas a conti-
nu:rção da sua activiciade experimental, traduzida em obras como Nert'
Experirnents Plû,sic¿t-Mechanicul (i660) onde relata as experiências
-
Sobre o ar e o víicuo. efectuadas coin uma bomba de ar ou Sceptical
onde criticou a teoria tradicional dos
-
quatro elementos,
Cl¡'ntist (1661)
-
assim como a tese de que o sal. o enxofie e o mercúrio eram os princípios
constituintes das coisas nlateriais acabou por desacreditar a alquirnia'
-
É importante. tarnbém, referir que, melhor do qLle Bacon, Boyle reconhecia
o lugar das matemáticas na física, concordando com Galileu e com Desc¿rr-
tes neste ponto. E. também como Descartes, Boyle tinha uma concepção
mecanicista clo univel'so. embora consiclerasse que os princípios cartesianos
não poderiaft ser aplicaclos r-inivers¿rlmente. Par¿r ele Deus. colrìo Autor do
univel'so. trnha que estar presente em todas aS interpfetações da criação' Dis-
corci¿rv¿r clas teorias cle Desc¿irtes noutro ponto ainda. o da importância rel¿r-
tiva clo homent no un:ivefso. Boyle acentuav¿ì o papel do hontenl n¿r mccâni-
,F

ca universal. qLre Descartes depreciava, atribuinclo. simultaneamente. -qran-


de in-rportância à religião cnstã. Para Boyle. a activiclacle experimenial na
ciôncia era consideracia um serviço a Deus. c nos seus textos insistiu na ideia
de que as consiclerações sobre o sistema do cosmos em geral, e as faculd¿ides
e operações cla rnente, em pailiclrlar. são ¿ì prova segura da existêticia cle um
Criaclor, .suprem¿ìmente poderoso. sábio e bom, qLle se revelou nas Escritu-
ras. Por isso não entende Deus como, siilplesn-iente, o cri¿rdor de um ttniver-
so deixaclo depois a funcionar mecanicamente, mas antes conlo um partici-
pante activo em tocl¿rs i-ìs suas operaçÒes. A pertnanente ìntervenção divina,
segundo Boyle, pocleria alterar todas ¿is leis conhecidas da mecânica Lrt.riveL-
sal. um¿r vez qlre Deus não poderia estar aprisionaclo por leis clLre Ele próprio
criara.

Em Boyle encontr¿ìmos, pois, traços d¿is n-iais recÐntes influências clo pensa-
mento europelr. com destaque para De.scartes, mas ao mesmo tempo, a per-
manência de correntes filosóficas ainda sobreviventes do pensamento medie-
val e renascentist¿r. O salto epistemológico, que viria alterar decisivamente
os conceitos tradicionais sobre ¿ìs correspondências dos planos universais
seria dado por Isaac l,{ewton.

5.5 Isaac Newton

Isaac Nervton (1642-1121) veio completal a llo\'¿t cosmovisão, preparada


por Copérnico. Galileu e Kepler e a física nervtoniana continlrou a doniinar
o universo da física até às recentes clescobertas da física quântica. Nelvton
frequentou a Uni'u,ersidade de Carnbridge a pärtir de i661, e graduotl-se em
1 665. A sua ¿rctiviclacle clentífica teve reconhecimento irr-rediato, garantindo-

-llie posios cle prestígio corno prol'essor na tJnil'ersiclade. Em 1687 pLrblicou


Philosophiue Naturulis Princi¡sicL Mutltentuticrz, geralntente conhecida por
Prirtci¡titt. cLùos cLrstos de inlpressão lot'¿rm suportädos pelo seu anrigo. o
astrónomo Halle1,. Entre 1689-1690. e 170i-1705 representoLt a Universi-
ciade de Cambridge no Parlamento. em 1703 f'ol eleito presidente da Ro-l'a/
Socieh',em 1705 foi armaclo cavaleiro pela t'ainha Anne, e em 17 13 e 1126
foram publicaclas a segunda e a tcrceir¿r edição dos Princi¡ticL.

O lugar central de Nervton no pensamento ociclental é indesmentível, inas


deve ser aincla acentuada a sua importância no quadt'o do pensamento
inglês. É possivelrneî.ìte cleviclo ¿ì inens¿r repercussão das suas icorias c¡ue.
em Inglaterra. se sentiu. muito menos do qr"re no resto cla Er-rropa. a ìnfluôn-
cia de Desc¿irtes. Os pensacloles britânicos desconfia'n,¿irn do materialismo
cartcsiano c icmillll clLtc o seu e tccssiio raciollalisnlo clcdtrtivo r icsse iì lol-
n¿ì.r-se num sistenta intelectual tão sufocante con-ìo a escolástica. A clara
posição newtoniana contfa o que considerava serenl os princípios exage-
rad¿ìmente mecanicistas de Descartes -q¿ìrantiam que Deus m¿rntinha uma
posição vrt¿rl na nova refortrir"rläção cia natureza e do cosmos.

As teorias c1e Newton são un prodígio de coordenação. sirnplificação e ttni-


ficação. A'Lei daAtracção Lfnìr'ersal', clue detelmina a atrzrcção mútua clas
[ìass¿ìs. ellvolve, r]Lrnla só fórrnLrla matemática, os fenómenos cóstl-ticos dos
movir-nentos dos planetas. clos coilletas, cla lr-ra e do mar. Usancio urn só prin-
cípict, Newton detnonstrott que os corpos terrestres Se fegenl pelas t-nesmas
leis cle moviinento que oS corpos celestes, corlpletando, deste moclo, a cles-
truição cla teoria ¿ristotélica cle que os corpos terrestres e os cclestes obede-
ceÍn a leis essencialn-iente dtferentes.

As teorias de Newton SLlgerem. de um modo geral, qtte todos os fenómenos


cle movimento na rìatureza poclem derivar maternatic¿tmente cie prlncípios
n'iecâiiicos. Mäs para Neu,ton a matemátrca não cor-rstituía. como para Galileu
ou Descartes, a chat'e para a descoberta da realrdade, mas atltes tllll instt'u-
mento qlle iì mente ter-n cle utiiizar corrìo slrportc piìra a ve rificação experi-
mental. Galrleu e Descartes ¿icredit¿rviìm que a estltltura do cosmOS era
matemática, no sentido etri que. us¿rndo métoclos m¿ite máticos. pocie riäm des-
cobrir os seus segredos. O inétodo cientílico cle ]ìervton compreende c1oís
elementos principais: a descoberla inclr.rtiva de ieis mecânicas a partir clo
estuclo clos fenón-renos clos rnovintentoS. e a explicação declLrttva dos
fenómenos. ¿ì lr:z dessas tnesrìas leis. Por olÌtr¿ìS palavras. o lnétodo
newtonìano consiste em anállse prtmeit'o, e depois em síntese. A análise
procecle por experirrientação e observação, das quais se derivanr conclusões
po| incli-rção. A síntese consistc cur rssumir ¿rs leis ciefinidas e em explicar os
fenónienos decilizinclo consequências dess¿is mesfiì¿ìs leis. As m¿ltemáticas
serão instntmentais em todo o proc()sso, já que oS illovimentos a estuclar tôm
que ser medidos e reduzidos a fórrnulas.

Os trabalhos de Ner.vton inciclir¿rni l-ìLtma vasta g¿u-n¿ì cie observações, onde


se inchti o estuclo da compostção da luz e das cores. ilo meio próprio à sua
propagação. ou en-ì estuclos sobre o esp¿ìço e o tempo absoltttos. Vistas ape-
nas Sob o ângulo da físic¿i, as teorias de Nervtotl propoem uma concepcão
mecântca clo mundo. onde os corpos são definlclos colno nassas que, além
clas suas proprieclacies geométlicas possttem tlm t,i.ç ilrcrÍiue, ou força de
inércia, meclicia pela aceleração que uma força extefna fornece ¿io referido
corpo. TemctS, asSin-1, ltm conceitO de masSäS que Se movem nutr-t espaçO e
nlrrn tempo ¿ibsolutos. seguncio as leis mecânicas do movimento.

Mas esta interpretação cobt'e apetlas uma p¿ìrte da obra de l{ewton, que era
Linl crente convicto e t:sclcvelr unt cottjunto cie tr¿rtados teológictls. Acredi-
t¿ìva qlle a ciêricia era relevante parà ieligião. e que a orclem cósnlica er¿r
eviclê¡cia c1a existência cie Deus. qLle st: nlanifest¿iva. cot-l"to sct ittcot-irót'eo.
l.:i

inteligente, omniprese trte. r,ivo. nos tènómenos naturais. Apresença de Deus


no cosmos era ticla, também. con-ìo activa e interveniente: Nervtoll ¿ìcredi-
tava que Deus exerci¿r uma função permanente, a de mal-ìter ¿is estrel¿rs a
distância uin¿is das outras de modo a não coüdirerr. A sua concepção de
espaço e cle tempo absolutos tinham também uma interpretação teológica,
como ulrì¿'r espécie de sensc¡riLliT? oll meio att'avés do qual Deus apreende e
compreencie tocl¿is as cois¿rs. Sem cair numa posição panteísta a de iclen-
Newton
-
considera que
tificar Deus com o esp¿ìço e o tempo ¿ibsolutos
-
Deus cor-rstitui o esparço e o tempo absolutos através da sua omniprescnça e
eternid¿rde.

Não foi, no entanto, a teologia frlosófica clue ciistmgniu Nelvtotl como pen-
sacior. Est¿rs referências são para nós in-ìporl¿Ìntes sobretttdo polque llos ajtr-
cl¿rm a perspectivar ttn quadro cultural onde a ciêrlcia moderna começa a
ganhar contornos definidos sem por isso se afastar da religião cristã' A obra
de Bacon ou a de Nervton dão-nos a rnedida da preocupação em articr¡lar a
ortocloxia religiosa com ¿ì pesquisa científica. Seria rnuito mais tarde que oS
car-ninhos cla ciência comcçariatn a questionar os princípios da religião
cristã. num processo de secnlarização do pertsatnento qltc se iria agudizar no
período vitori¿rno, sobretuclo depois das descobertas de D¿rrwin, dando iugar
àquilo a qlle se chamou 'o dilema vitoriano', Este processo de seculalização
poderá, no entanto, ter começado com Galileu e Descartes. e ter sido amaclu-
reciclo por Newton: a concepção científrca do mundo, a interpretação
mecanicista do cosmos, o impulso dado à ciência empírica. constitlriram.
sem dúr'icia. os fundamentos d¿r ciência qlle no firturo se irta desenvolver.

5.6 A difusão do pensamento newtoniano

Na opinião cie Paul H¿rzard, n¿r conhecida obra LcL crise cle lu cr¡ttscience
ettro¡téenne ctu X\¡|il sièc:le. o sécr:io XVIil 'conleça'ern i685, com a afir-
mação do espírito das 'luzes' que iria car¿icterizar o iluminismo setecetltista.
A física experimental exelce um inequívoco fascínio, e a síntese nervtoniatla
é objccto de aclrliração geral. Como afirma Georges Gusclorf, em cada
época a ciência mais avançada exerce fascínio sobre o conjutlto do saber,
servinclo cle icieal ou de modeio para as disciplin¿ìs que ainda procur¿ìln o seu
caminho. Na Idade Média teri¿r sido a teologia a set'vir de modelo epis-
temológico no espaço intelectttal da escolástica'

No século XVIII os maiores espír'itos Sonhavan-i ser, cada um. o Newton do


seu St;ctor cle conhecimento: seria essa a ambição de Hr-inle. de Haller. de
'' Ciusdorf rrTr cit., pp. 105- Voltaire. de Ruflon. de Barthez. e de outrosrr. Af ilosofi¿r n¿rtural cie ì'Jervtotl,
-r 06.
rompenclo cleftnitivarnente cotÌì Os princípios aristotélicos, estabeìece Lllrìa

260
llo\¡¿ì e decisiva etapa na interpretação c1o universo que terír incidêttcia no
ciesenvolvitnento tambén-i dos estttdos sobre o próprio horuem. A repercus-
são das teses de Newton é imensa, sendo de noiar qlle, eûì França, -qeram utn
imenso entusiasnto. Mad¿rme dr.r Chatelet traduz para francês a terceira edi-
ção en-i latim cios Princípict etn 1126. Fontenelie pubtica
ent ll2J um Élogu
cJe Newton a que se segllem tributos pre stados por Voltaire ent Lettres pltilo-

.sophic¡Lre.;, ein i734 e Elémertts de lu philosophie cle Netvtott cle 1738, que
contribuirão coftl grande efrcácia para a clifisão das teses de Newton através
da Er.rropa.

A clifr-isão do pensamento de Nervton no século XVIII iria. no entanto. acen-


tLlar apetias a coinponente ntec¿rnicista das suas posições, introduzindo um¿r
leitr-rra positi.rista qr.re não corresponde à totaiidade das suas propostas.
Nclrton ltao f'oi urn positivisti.t. rìlas iìntes Lltìl t'ilósol'o pal'a qtlelÌ1. colno aci-
ma se referiu. a natLlreza é, ela própria. Rcvelação c1a existência cle Deus.
Poróm. clepois cle Ner'r,totr. o positivismo iria afirmat'-se. e o Trctité cle
méc:cnùc¡tte céleste cle Laplace. cle 1799, constittli o exemplo rnais significa-
tivo cla revolução mental entretanto opet'ada, Será a autoridac'le cle Newton
qr-re presiclirár ao a-enosticismo do sécr-rlo XVilI, sem que ele próprio tivesse
pal'tilhaclo ess¿r ¿rtitucle.

O conceito de utrucção será uma icleia chave do senso colnum episternológico


e filosófico clo século XVIII, t¿tl como o conceito de evoluÇcio no sóculo XIX
ou o cle clialéticu no século XX. Ao popnlarizarem-se, os conceitos perdem a
si-ra definição rigorosa, tnas ganham uni inequívoco significado histórico. A
atracção newtoniana ptiss:rt'á a destgnar um¿ì conexão de fenórÌlenos, oncle a
razão se torna inteligír'el. torn¿rndo desnecesshrias ¿rs explicações teológicas I

ou met¿rfísicas. Ðavid É{ume irá usar o esqLlema c1a trtracção como rnodelo
explicativo pal'a a associação das ideias, tornando clara a conexão entre as
ciências c1a natureza e as ciências humanas. O desenvolvimento clas ciências
clo homeni, no século XVIil. nomeadarlente o aplt'ecitnetrio da sociologia.
iria assental em pressllpostos cierttíficos. próprios da fisica ne wtotli¿na. ex-
pressos em teorias cle caráctel niecânico e positivista que só em flnais clo
sécr:lo XIX começaraÌl a ser repensados.

A aclrnrraçãro pelas realizações cla nov¿r filosofia não foi, contudo, ttniversal.
As críticas e a de sconliança suigiríìm em dive rsos quaclrantes, quel partindtl
cle segmentos mais conservadores da igreja anglicana. que via perigos cle
¿rteísmo lìas concepções mecatticistas do unlverso, quer de pensadores
neo-platónicos. como Henry tlore, quer do College oJ'Pltvsicictil.t que SUS-
peitava cla Ror,a/ Societt,. or,r da própri¿r corte de Carlos Il. No otttro extrenlo
cia escala social, os artesãos e os comerciantes manifestavan-i também o selt
cepticisr-r-to relativamente àc¡,rilo que consicler¿ìv¿ìill ser 'caprtchos de pes-
\olrs c()ntcrnplati vas' .
Apesar das críticas. ¿tS novas atitudes tiveram expressão lloutros campos,
para além cio da ciência experimental. É de dest¿rcar o aparecimento cla arit-
mética ¡rolítica, pratic:rda a partil do Interregno por William Petty, que
adquiriu a convicção cle que era possír'el e desejár,el o arnplo estllclo est¿rtís-
tico cla sociedacie e c1a economia, corno bäse parä o planeamento nacional.
Mas o mais famoso dos pioneiros dos estucios est¿rtísticos, aplicando os
métocios qll¿ìntitativos ao conhecimento da realidacle socì¿rl, loi Gregory
King, cqas tabelas aincia hoje são utilizadas para a caracteriz¿tção da socte-
dade inglesa de fin¿ris do século XVII. Os esforços destes cientisti-ts visavalÌt
uma cooperação estrcita conì o go\/el'no central, ¿ì semelhança clo que ¿ìcon-
teci¿i em França. Porém, o go\¡erno britânico rar¿ìme nie fcli sensít'el iìs poten-
cialidades destes estucios. e da ¿rssoci¿rcão entre ¿r ciência e a inici¿ttiva
governamental apenas se conhece. coulo testentunho significativo. ¿i funda-
ção clo Observ¿rtór'io Re¿rl de Gre enrvich. em finais clo sécr¡lo XVII.
O Obser-
vatório foi criado com urn fim prírtico em vista o cie medtr a longitr-rde no
ûìar
-
nias acabou por scrvir conlo centro de observação astronómic¿r e de
-
instr ução crentífic¿r.

É Aiti.it determinar :i relação entre as clescobert¿ìs da Revoittção Científica e


as cla Revolução Industrial. Os inventos qlle. apattir de 1760. lnLrncillanr o
advento da Revolr¡ção Industrial. foram concebidos principahnente por
homens práticos, sem grande formação científica, qlte veriam, possiveimenie
com alguma desconfianÇa. o prosseguimento dos interesses científicos por
mentbros de ttn¿r classe privilegrada oLr apoiados por poderosos mecenas.
Por or-rtt'o l¿rc1o. a difusão da nova ciência. e em especial dos texios de Newton,
pocle sr,rgerir relaçoes. aincia que oblíquas, entre a Revolr:ção Científica e os
¿ìvanços tecnológicos da Revolr"rção Indr,rstrial. A popultrrização da in-iprens:t
prOporcionav¿ì nov¿ìS vias de acesso ¿ro saber. qLle. por outro lado, desper-
tava grande intereSse, colrìo se depreertde cla pr-rblicttção, em 1737. da obra
cle clivr-rlgação intitr-rlacla Ne.tytrnittnism .for Lttclie.s. A figura do cont'eren-
cista que se clesloca ¿r cliversos ce[ìtros perra fazer confèrôncia ou a criação de
socied¿ides filosóficas são outros indicadores do interesse pela ciência.
A convicção cle cpte o uso de instrumentos aclequac-los tetn potettcialidades
imensas encontra-se jír. por exetnplo. eni .Iohn Wesle¡'. o lundador do
Nletodismo. que em 17-56 Lrsava un'ia náquina eléctrica para cltrar as lnais
variadas doenças. clescle gota a dores de cabeça, passando por inflarriações.
palpitações carclíacas, reum¿ìtisulo. dores de dentes e de garganta. e todos os
tìpos de inchaço e tumor.

O pensamento de Locke e Ner,vton ¿rnuncia cl¿it'amente a emergência de ui-n¿r

nova lÌtentalidade , simLrolizarldo a transição cie um mundo instílvei e


desorclenaclo, para unl mundo de estabiliclacle e ordetri. Ne rvton na física e
Locke na lilosof ia e na teoria política express¿ìn-ì já Lrrn pensamcttto tnais
coerente, m¿ris orclenado. mais convenciclo das possibilidacles cle se encon-
trarem padrões e reglÌlaridacfes. quer no mLlndo físico, quer na natureza
human¿r. O inglês cuito da primeira metade do século XVIII acredltava ser
possível conhecer ¿t natureza do mttndo físico. atrar'és do uso d¿r razão, e
estav¿ì persuadido da necessiclade de argument¿ìr cledutivamente a partir cle
pLincípios -{erais. ao mesmo tempo que reconhecia a possibilidade de rr"rp-
tllra com ar traciição na esfera intelectual, sem que. por isso, a hierarquia
social fosse perturb¿rd¿r. Esta mudança de nientalrdade, qlle lentamente se
forma entre o Ren¿rsciilento e os meados do século XVIII, cotlstitlli a mais
importante alteração clo mundo modet'no e marc¿ì, simultatleamente, o
itnpacto do pensanento britânico no mttndo. A popr-rlarização das ideias de
|,leu,ton feita por Voltaire, qr,re admirar,¿i tambén Locke. garantiri;l qtle as
realizações intelecir-iais da Inglaterra seriam reconhecidas, tal colno as suas
realizações políticas e económicas,

Actividades

Reflita sobre os seguiirtes pontos:

1. Qr-re relações se poclem estatrelecer entre a Reforma, o pensamento


humanista e a Revolr-rção Científica?

2. Como expiica a persistência dos conceitos subjacentes ¿ì Revoltlção


Científrca na cultura europeia? Comente. a esse propósito. o seguinte
passo, extr¿iído de Renpprcrisals o.f the Sciettific RevoltLtiott. Cambridge,
Cambridge U. P., 1991: <But it rvas only with the blossotring of the
'ner,v sciences'in the seventeenth century tliat for the first time
phìlosophers, itt constrr-rcting a theoly of science. began to look harcl at
rl,hat r,r,as actnarlly achievable in the lvay oi a systeniatic knolvledge of
nature.>

3. Quais oS ¿ìspectos clo pensainento de Francis Bacon qLre lhe parecem


lnovadores?

4. Deve ler o texto de Bacon Neyv AÍttttt¿s, e ter em atenção os sc-guitltes


aspectos:

4.1 A drstinção entre <revelação> e <razão>>;

4.2 O modo corrìo o autor jurstifica a iegitimidade dir procul'a do sal.rer:

4.3 QLrais os ob.jectivos da sociedade cia Casa cle Salornão:

4.4 QLrais os resLtltaclos obtidos com o clesenvol,,'imcnto clo saber;


4.5 Em que aspectos a sociec'iade de Bensalérn (Ner.vAtlantis) contrasta con.ì
a sociedade inglesa.

5 Como explica a coexistência de persistência de crenças tradicionais e da


inovação científica'l Deve recordar que esta aparente arnbiguidade pode
surgir no perìsamento de um nìesmo filósofo, cotno é o caso cle Bacon.

6. Quais serão os princípios e as metoclolo,qi¿rs utilizadas por Bacon e por


Ner'vton que sugereil o início de um processo de seculalização clo
saber?

Bibliografia sugerida

t992. Cuntbriclge Culturttl Histot-t:. ed. Boris Ford. Vol. IY, Sevetúee¡rtlt
7"he
Cetúurt Ilrìtctitt, Carnbridge, Cambriclge Li. P.

BACON, Francis
1914 7'he Aclvancenlent of Leuning ct¡tcl Neu' Atlcuttis, London, Oxford
u. P. [160s, 1627]

COPLESTON, Frederick
1963 S. J.. ¡l Hisîr¡n'oJ'Philosiph.),, Vol. III, Part II, Lctte ivlecliuevul ¿t¡tcl
Re¡vtis.çtutce PhilosopÌ4', e Vol. V P¿ttI Moclern Plúletsophl': 7¡ro
Ilritish Philosophet's, Holthes îo PctLet', Nerv York, Image Books.

GUSDORF. Georges
1960 Intrr¡cluctiott ou.r srienc:es huntuines, Paris. Les Belles Lettres.

LINDBERG. David C. ancl Robe¡t Westman, eds.


199 | RectppruiscLLs oJ' tlrc S<:ientiJic Revolutir¡n, Cambridge. Cambridge U. P

QUINTON, Anthony
1992 <Bacol.r>. in Re naissctttce'l-ltit:lters, Oxforcl, Oxforcl U. P.

V/ILLEY, Basil
1961 The Seventeerttll Centut'\' Rc¿ckgroun¿l, H¿irmondsrvorth, Penguin.
ru¡ndod srnllnJ y 'g
Surnário

Este capítnlo irír, em primeiro lugäl, situar o debate contemporâneo sobre a


cultur¿r popular e sublinh¿rr as posrções nlais inov¿rdoras neste enqu:iclramento.
Reflerirá. de seguicla, as linhas gerais das expressões da cultura popular na
IngÌaterra cio período earl,- ntc¡cler¡¿. Refet'e os scgLtintes pontos:

* Enquäclramento teórico. com especial incidência sobre a teoria cle

Peter Br-rrke sobre ¿r cultur¿r popular do período earll: 771¿,r¡t,",r.

" Fest¿rs religiosas. ritr"rais de passa-eetn, fèstas populares.

' Mucianças na cultut'a popular britânica, enl resultado da Reforma.


6.1 Problematizaçáo

Em 1978 Peter Burke pr,rblicou uma obra intitulacla Po¡ Ltlur Culture in EcLrlt
Moclern Euro¡te, reeditad¿r em 1994. Como o próprio ¿ìutor constata, na
introdr.rção ¿ì r,ersão reimpressa. os dez atlos que sc seguiratrt a 1978 assisti-
ram a um crescimento de interesse pela ternática da cltltura popr,rlar que pro-
duziu, nutÌla só década. um maior núnero de estudos do qtle os trinta ou
qltarent¿ì anos anteriores. Este interesse não se confina apenas à área da his-
tória, mas é taurbém partilhado por sociólogos. críticos liter.'rrios. historia-
clores da arte e antropólogos sociais, e tem recentemente adquiriclo especial
relevo na área dos estr-rdos culturais. A imens¿r v¿rrieciade de aproximações a
esta teniática, bem como as variadíssirnas aplicações, em estudos cle mani-
testações específicas da cultura popular. torna impossível uma sistematiza-
ção que clistinga. com clareza, as linhas m¿riores cie análise e debate. Para
Peter Br.rrke a revisão cia obra de 1978 implicava Llma nova reflexão sobre os
ternlos <popular> e ..cultul'arr.

O prirleiro ponto a sublinhar'é qr-ie o termo <popular> sugere uma homo-


geneidade que não existe. Será mais correcto falar em <<culturas populares>
ou sr¡bstituir a expressão por <cultura das classes populares>>, ott
ainda falar em subculturas: qualquer destas expressões accntu¿ì a divet'si-
dade e a pluralidade, cle um mocio n'iais complexo do que aquele que a tradicio-
nal divisão entre culturade élites e cultura popular sugeria. Por outt'o lado,
esta divisão bipartida entre élite e povo deve. também. ser reperspectivada,
de rnodo a focar a interacção enire as cluas esferas, e não o seu isolamento
uma da outra. De factct. as relações entle a cltltura eruclita e a popular são
frequentemente estreitas. conlo acontece no período earl. r- ntr¡clerä britânico,
onde constatamos qlle autores como Ben Johnson, Milton ou Marvell usam
a cultura popular para fins políticos, nomeadamente na defesa cle festivais
populares.

O estudo da interacção entre as duas esferas, do erudito e do popular, tem


ccllocado probien-rars de rnétodo e de abordagem qlle, neste monrento. podemos
apenas mencionar, Seûì ilos determos nas especificidades de cada proposta.
A proposta teórica que mais parece inspirar as análises no âmbito dos novos
estudos culturais é a de Antonio Gramsci. como já rnenciorlámos na
introdução a este Manual. A análtse cie Gramsct parece responder satis-
faroriamente ¿ìs dificuldades sentidas em aproximações perspectivadas a partrr
<de baixo> ou. na termittolo-{ia de E. P Thompsott. oclonünatecl> ott <.subor-
dinctte>, enl articulação com oabove, ou otlttntinunt>. O conceito gramsciano
cie <liegemonia>> oLt, elll tennos ntttito serais, de dominação clas massas pelos
rnie lectuais levallta, no entanto, problemas a Peter Burke. quc se ittterl'o-ra
sot-rre ¿r eficácia da metoclologìa gramsciana para dar respost¿ì a toclas as
srtuações culturais. Por isso propõe. no lugar deste conceito. a utilização clo
conceito cle <negociação>. tal como é hoje Llsado pelos sociólo-eos e pelos
histori¿rclores Soci¿tis. que inclui a adaptação, consciente ou inconsciente-
lPetcr Burke. Populur das atitt-icles cle ttm grupo às de otttror. Este tipo cie interacção pode Ser
Culture in Eurlt ;)lotlern invocacio na análise do movtn-iento da Reforma, interpretad¿ì como Llm
[,uro¡te : 1i00-l800, r'evi-çed
etlition. ¡\ldcrshot. Sch0lar conjunto cle iniciativas que , de início, partiram de uma élite. cottctet¿ìlrìente
Prcss. 1994. o clero superior, e poltco a pouco se dlfunciit'arn na sociedacle.

lr{o desenvolvimento Culture in Earl¡' Motlern Euro¡t¿ Pete I Br-rrke


cle Popr,tlctr

irá distinguir entre clr-ras tradições culturais na Er"rrop¿Ì. Seguinclo o modelo


proposto pelo antropólogo social Robert Redfielci: a <grande tradìção> dos
poltcos eclucados e a (pequena tradição> cle toclos os olltros' Este rnodelo
reconilece a existência cle Lrma minoria que sabia ler e escrever c Llllì¿ì llli.lio-
¡ia que não sabia, enqllanto alguns, dentro da minoria, Sabiall-ì latim, a lin-
gua_gem dos eruclitos. A grande tradição seria cultiv¿icla nas escolas oll nos
lentplos, enquanto a pequena tradição se manteria na vida quotidiana dos
iletr¿rdos nas slt¿ts colÌtuniclades rurais. As du¿ts tradições seri¿ìm inter-
dependentes, influenciando-se mutu¿lmente. collìo se pode verificar no caso
clos poei-nas épicos: as grandes épicas teriam origem na traclição d¿r literatttra
oral e popular, senclo clevolvidas depois aos cainponeses para moclificação e
Ident, pp.23-2tr incorporação nas tradições locaisr.

O rnodelo de análise cultural acima delineado é um mocielo binírrio. clue

estabelece cliferenças e relações entre (ciina> e <baixo>>. Outro exemplo de


modelo binár'io, também adaptado à ¿rr-rálise da cultura, é o qr-re postuila dife-
renças e relações erìtre <<centro> e <periferia> A adopç:ãs desia pelspc'ctir ir
envolve a diluição clos conceitos de hierarquia e ¿r sr,ra substituição por anír-
lises das realidades locais ou regionais. Independenteinente do estatuto
social dos particip¿tntes, certas formas de culto. por exemplo, só poderiarn
ser descritas e tnterpretadas enquanto expressões de devoção associadas ¿r
Ltm santo. a um satituário. ¿r um h-rgar de peregrinação geo-Srafican-iente deli-
mitado, e clif'erente cle olttros. A aplicação cieste nlodelo ajustar-sc-ie. por
exemplo. à análise cl¿r Crlstanclacle, com o centfo en'i Roma e uÛl¿ì rnulti-
pliciclacie cle variantes cle culto na pe riferin (ou nas diferentes penferias)' No
caso da cultura do períoclo ettrh' moclern em Inglaterra este moclelo
poclerá trazer contributos inovadores ein análises apontadas às difèrenças e
relações enîe cotrrÍ e coLtntr\', por exernplo.

No entanto, as fronteiras entre os diferentes planos cle arlíilise que tênj que
ser isolaclos, quanclo estas se confol'm¿rnl aos mocielos binários, sãcl impre-
cisas. O reconhecimento clest¿i imprecisão teni levado a propostas cle natll-
reza cliferente, oncle se pfocuril interpretar os i-nocios de apropriação dos
objcctos culturais, e não tanto o seu modo cle proch,rção ou processo de cria-
ção. Seguinclo esta linha de an¿ilise sobre, por exemplo. ltm livro. não impor-
taria saber quem er¿ì o seu ¿ìLttor, nem as circunstâncias cla slta recl¿rccão. lTìas
:.1

sobretudo averiguar os efeitos que a leitura do texto produzira ern difèrentes


grllpos sociais. Neste sentido. o consumo quotidiano seria uma espécie de
produção ou crração. já que os coltsltl-tlidol'es rmporiam significados aos
objectos. Na opinião cle Peter Burke a análise clo uso criativo dos objectos, e
a ênfase na transfbrrnação cultural dos mesmos, no decorrer cla sua recep-
ção, é o contributo mais importante pal'iì o debate sobre cultura popular que
se fèz nos últimos quinze anos e que os historiadores estão aincla longe de ter
absorvido por completo-'. Também esta perspectiva de anárlise ten-i sido irdet¡t
P. XXI

desenvolvida e aplicada no âmbito dos estudos culturais, por influência clos


teorizaclores soci¿us franceses Pierre Bourdieu e Nlichel de Certeau,

O modelo da de induscutível interesse para o estudo da cul-


"apropriação>,
tura material e de textos. ¿ro fbcar <a vicla soci¿rl d¿rs cois¿rs> omite referên-
cias à r'ida dos gmpos sociais que as usanl. No entanto, as análises cla socie-
cl¿rcle e da cultur¿r dos povos necessitam recorrer a outros conceitos, quanclo

a intenção é entencler os próprios grupos sociais. as suas mentalidades. a


lógica das diferentes adaptações e apropriações de diversos objectos. Por
exemplo. no caso das f'estividades públicas será diiícil dizer que são mani-
festações da cultura popular. porqlre envolviam ciiferentes grupos sociais.
que participavan-ì coûì igr"ral fervor ou entusi¿ìsmo. Julgo ser possível afir-
mar que a maior parte das r-nanif-estações religiosas medievais, desde as
peregrinações às procissões, das celebrações litúr_eicas solenes à celebração
simples da missa. eranì <(tt'ansvers¿ris'. ou seja. integravarn na lneslna mani-
festação os mais vari¿rdos estratos soci¿iis e culturais, Algr-rrnas festividacles,
civis or-r religiosas. podiarn no entarìto ser mais populares clo que outras,
pelo que será possível falar de processos de <aristocratizacão" ou (popu-
larização>. O caso do Lorcl Malor Shoyv é. um exemplo cle popularizaçáo. já,
que a simbologia nele contida cleixou de ser polarizada para a frgr-rra do rei.
passando ¿ì. acentuar-se o carácter cívico do acontecimento que. mais tarde
¿rinda. p¿ìssolr a funcionar apen¿ìs como espectáculo. serì conteúdo ou
refèrencial simbólico.

As novas orientações na aniilise da cultura popular indicam, claramente. que


a pr'ópria palavra <cnltura>> c¿ìrece de redefinicão. Este é uin campo tão
vasto cie anâlise. teórica e irráticzr. que nos limit¿iremos aqui a algumas bre-
ves retle xões sobre as anibigurdacles que é necessário reconhecer quando se
fala em <<cultura popular".

Impclrta, em primeiro lugar. lembrar o aiargamento do conceito de cultura


qut: tem vindo, progresstvamente desde o século passado. a incluir manif-es-
tações <populares> que ricabam por constituir'. nos novos estudos cnlturais.
o principal objecto de anírlise. Este s tenias foram.já abordaclos na Introdução
a este manual. mas convóm recordat'qlle os trabalhos de Hoggart. Rayrnond
Williams ou E. P. Thompson se preocllparam principalmente enl pronìover
um conceito de cultura popui¿lr ¿Ìnalisada no períoclo contemporâneo, ou
remontando ao período da Revolução Industrial. O que distirrgue este tipo
de anírlise claquela qlle fora praticada no Século XIX por pensadorts interes-
saclos em recLtperar as l aízes folclóricas da cultr.rra slt¿ì contemporâtlea. colllo
foi o caso cle Herder. naAlemanha, é a convicção, hoje generâlizacla. de que
a cultura é a totalidacle cle um Íllodo de vida de tim povo. Como diria T. S'
Eliot ern Notes Tr¡wctrcls the De.finiti(n oJ CuhLtre, ,<culture is Íhe vvltole wttl
oJ" life oJ u ¡teople> ou. colno por olltras palavras Rayrnod Williarns chainat'ia

a atenção para o mesnto tipo de atrorclagem, <<crLlture is orclinctt)'>>.

A anírlise cia cultur¿r popular não deverá ter conlo objecto nem apenas o
folclórico, nem apenas tudo aquilo que não cabe no conceito cle <cultura
erudita>. Deve, antes, ser vista em relação com os seus próprios princípios
de selecção e avaliação e as sll¿ìs próprias técnicas de interpretação. Apenas
recentemente se tem começado a estudar aquilo em que estas consistein'
A cultura popular foi frequentemente associada à cultura de massas ou à
proclução de objectos de forma padronizada. A padronização da produção
clesses objectos pareceu, a muitos an¿ilist¿rs da cultura até aos me¿rdos do
século XX, dispeilsar a necessidade cle os anaiisar nLlma base indiviciual.
O púrblrco consumidor desses objectos, absorvô-los-ia, Setn qualquer sen-
ticlo crítico. Porém, mais recentemente, esta posição negativzt tem sido
revista por analistas da cultur¿r. empenhados em sublinhar o papel activo do
píiblico no desenvoìvimento de técnicas de interpretação.

Assirn. pode clizer-se que a cultura popuiar e a su¿ì análise têm sido entendi-
das, recentemente. quer através do estndo daquilo que se designa por literacia
e, complementarmente, por análises dos sistemas culturais, ou se.ia. o con-
junto de regras e princípios qlre estão subiacentes à vida quotidiana em dife-
rentes tenjpos e diferentes lugares, A variedade das análises possíveis. cofilo
foi acima refèriclo, dificulta sistematiz¿tções rnais precisas dos tipos de abor-
dagern praticados pelos histoltadores e analistas da crtliura popular. ,A posi-
c¿rracteriza
ção genérica que Peter Burke assume na obra acima mencionada
uma atitude, mais clo que uma metoclologia: os historiadores da cultura pode-
rão definir-se, não em termos de uma írrea olt campo específico, como a ar[e.
a literatura ott a tnúsiclt. mi"ìs alltcs colllo possLrindo uml clu'a preocLtpação
pelos valores e símbolos. quer estes se encontrem na vid¿i quotidiana das
' Ir1eal, p. xriv pessoas comuns, quer nas expressões próprias clas élitesa.

A análise da cultnra popr.rlar. no período eurh'ntocLern. é dificultacla pelo


facto de ser predomin¿rntemente oral. e por isso de difícil rec<lnstituição'
A maior parte clos clados de que hoje em dia se dispõe é dispersa' e frequen-
temente restrlta cle obsen,ações ¿rvuls¿rs e ocasionais, feitas por testemunhas
Ìrostis. or-r pelo menos lncliferente s. a ess¿rs rlanifèstaçoes. De qu:rlquer rTìodo.
a cultula popullrr'é qulsc sclnptc visllr conlo Lunit ciltegol'ia lcsidtritl. colll()
-

uma cultura não oficial, como os valores, as atitudes e as convicções parti-


lhadas pelos grupos que não pertenciam às élites.

6.2 Festas e rituais

O elemento de <partilha> de valores, atitlldes e convicções pode ser clescrito


e analisado através das f'estas popttlares. que registam uma sociabilidade
comum. Entre estas é de referir, em primeiro lugar, as festas da paróquia,
conhecidas neste período. em diferentes partes de Inglaterra como revels,
ales, ou v,akes. Estas festas estavam associadas quer ao culto do Santo
paclroeiro da paróquia, quer ao ritmo do calenclário. podendo ter lugar no
fim cla Pnmavera ou princípio clo Verão, olt no princípio do Outono. Os
divertimentos populares incluiam <(comes e bebeso, corridas, bailes, colnpe-
tições desportivas. e passaternpos conlo o bull-buitirz.q, que davam lugar,
não raro, a desordens púrblicas, r,istas criticamente pelos puritanos, que se
esforçariam por suprrmir estas manifestações.

As festas litúrgicas eram também polarizadoras de festividades comunitá-


rias, tal como no período medieval. O Natal e o ciclo de doze dias a ele
associado (nvelve dal,s oJ'Cltristtntts), a noite deAno Novo, a Páscoa (embora
esta com menos manifestações lúdicas), o Shrove Tuesdal', o Mctt' Dcty, o
Whitstut, o Miclstunttter's Eve, eram ocasiões de celebração. Outras datas,
relacionadas colrì acontecimentos políticos, passa[atl a ser também festas
populares. como o dia de Guy Fawkes. em Novembro. depois de 1605.

O caso das celebrações dos primeiros clias de Novembro é exemplar', para


melhor percebennos alguns processos de transformação que, afinal, afecta-
ram rituais de características aparentemente estáveis, ou seja, em que a tradi-
ção se perpetuava sem grandes perturbações ou sobressaltos. O primeiro dia
de Novembro. precisamente seis meses após o McLt' Dctr-. era tradicional-
mente considerado o clia em qlle os espíritos dos nlortos vagueavam entre os
vivos. |{o calendário Celta a noite do último dia de Outubro marcava o fim
do ano e estava associado tì noção de mortalidade, sendo celebrado como
r,rm festivaì pagão, dedicado aos Inortos.

Eni 998 o Abade Odilo cie Cluny instituiu a Festa de Todos-os-Sautos. com
o fito de muclar as associações contidas nest¿ìS celebrações: em vez cle Se
associ¿rr à ideia de espíritos malignos e a mortos que saíam do túmulo para
perturbar os r,ivos. a data ficaria antes associada a todos os fiéis defuntos a
caminho do Cér-r. Este novo significado espalhou-se por todo o ocidente cris-
tão e veio a tomar a designação de Hullovve'en a véspera de Todos-os-
-santos
-
qlle se lhe seguia^ no dia I de Novembro. Mais tarde. a f'esta de
-
para o dia
Fiéis Defrurtos foi transfÞrida do dia anterior a Todos-os-Santos
que, ainda
seguinte. 2 de NovernbLo, mas tuantivet'an]-se as manifestações
cle fogueiras
na forma pagã, acompanhavam estas celebrações: a montagem
e fogos de artifício. Estas, no sécr.rlo xvII, passaram a estar
associadas

sinri.rltaneamente ao Hcillov;e¿rl e às comemorações do


dia de Guy Far'vkes'
com este
que pr.etendera fazer explodir as casas do P¿rrl¿rmento. Podemos.
geriris das celebra-
exempio, perceber um pollco meihor as características
púrblico e comunal: de um t'oclo geral ocorriain
çO"s popuiares de carácter
conceito mal
numa faixa de tempo relativametrte estreit¿r, sugerindo um
ten-
definido cle ternpo. Além disso, as celebrações e festas associav¿rm,
a difetentes
denclalme¡te, diferentes objectivos e tinham significados
das fes-
níveis. Finalmente pode verificaf-Se a tendência para a manipulação
populares e folcló-
tas populares, no sentido de as despir dos seus conteúclos
1.i.o, . emprestirr-lhes si-e¡ificados artificiais usando-as
como veículos de
rnanipulação é o
exploração poiítica ou comercial. LJm exemplo claro desta
pelos movi-
Màr, Oor, o prim"iro cle Maio, apropriado sécttlos mais tarde
mentos laborais.

Nr,un plano mais privado, ou da esfera familiar. havia


também um coniuttto
simboli-
de celebraçoes que porìilt¿ìvaln os ritmos quotidianos. destacando
e mortes
camente determinados motÌlentos. os baptizados, casamentos
que marcam'
podem ser vistos como rituais iniciáticos. ou rl¡¿s o.t' passttge,
simbolicarnente. uma mudança de estatuto. o baptismo
é o momento da
elrtl.ada da criança na conluttldade das allnas cristãs.
posteriormentc confir-
a um <nascer de
mado. na adolescência, pela Confirrnação, que corresponde
presidido por um
novo> e é, geralmente, acompanhacla por Llm ceriilonial
da ocasião'
Bispo envolvenclo festa e roupagens próprias da solenidade
de culturas
O bìptizado constituía um ritual qllase rnágico. com evocações
pela
pró-cristãs nos ritos de purificação pós-natais, e era acompanhado
ciácliva cle presentes pelos padrinhos e cloces e bolos
trazidos pelas vizinhas'

o tnais espec-
o casamento tem sido, em geral, peio ser-r ritual e cerimónia,
por uma série de
tacular dos rituais inìciáticos, senclo. alérn clisso, rocleado
da descendência'
restrições e tabús destinaclos a assegurar a legitimidacle

ern dia' aclop-


A perspectiva do casamento colllo um ritLtal iniciático é, hoje
,ojo páio, analistas da cultura, o que perniite unl conjunto de irnportantes
à noção de
interpretaçoes sociais e cnlturais, associadas, principalmente'
nos anos mais
fanlília. Embora ciiferentes pontos cle vista tenharn ¿inimado'
grandes tendônctas
recentes. os clebates relacionacios corn a verilicação de
as clivergências
cle mr.rdança t'ì¿ì estrutllra cla família na sociedacie ocidental'
entendi-
não cleixain cle sLtbli¡har a centraliclacle deste ponto para Llm melhor
e a estrura da
mento cla estrutura cia socieciacle inglesa. Embora o casalÌlento
toda a
l¿rrlília não cligam respeito apenas à cultura popr-rlar. mas ¿ifectetr

ta
:l

;ì.
¡1
Ë;
sociedade. faremos neste momettto uma breve referência às teorias que,
recentemente. têm procurado estabelecer padrões de estabilidacie e de
mudança neste campo.

A obra de Larvrence Stone Fantily, Sex ctncl Marrictge in EttglcutcL: 1500-


-t800 foi marcante, tencio constituído um estuclo pioneiro, Sustentado por
um ievantamento e análise de dados sem precedentes. As teses decorrentes
do trabalho cle pesquisa poderão sintetizar-se numa interpretação da organi-
zaçã.o familiat em três modelos, consecutivos. No período medieval a estru-
tura da farníli¿r era alar-eada, incluindo todos aqueles que viviam debaixo do
nlesmo tecto, mesmo que não fossem ligados por laços de cotrsanguinidade'
Esta estrutura dará iugar à d¿r fanlília patriarcal, no período tnoderno, carac-
terizada por Llma fixação nos laços de consaguinidade, mas abrangendo di-
versos _qraus de parentesco e de geração dentro da mesma unidacle fairliliar.
Finalmente, no período tndustrial, teria sr.rrgido a família nuclear, reduzicla
i Larvrence Stonc.
agora à ciimensão clo casal com um ou dois filhos5. The
líurriuge in
F¿rr¡i1,rì .!'¿.r and
Iittgland,: I500- I800. L.on-
Para Peter Laslett, que contesta ¿ìs teses de Stone, o casamel-ìto é. todavia. don. Penguin. 1979.

um acto de profunda importância social. EnTLteWorlclWe Httve Lost, Further


Explored, Laslett acentua o carácter do cas¿rmento e da constituição de uma
nova famíiia como a criação de uma nova unidade económica, bem como a
associzrção de duas pessoas antes separadas e envolviclas ern famíiias já exis-
tentes. Depois de desmontar alguns dos ntisbeliefs, ou ideias falsas. sobre os
nossos antepassados, nomeadamente no que diz respeito à idade do casa-
mento ou às dimensões das unrciades familiares, L¿rslett atribui um signifi-
cado social ao casamento que é uniforme para todos oS estratos sociais: com
o cas¿ìmento o homem transformava-se em membro pleno da coinunidade e
a mulher adquiria alguma coisa para gerir torn¿ìva-se dona de casa. Com
-
o casarTìento acrescentava-Se uma célula. tanto na ciclade colno nO campo, a
uma socreclade muito claramente demarcada, oilde cada casal tinha que ter a
sua casa e recursos próprios. Sendo ¿issim os casamentos só poderiam ter
lugar qr-rando houvesse uma <<vaga> que o futuro casal pudesse preencher.
Essa <vaga> poderia ser Ltûì cottüge com clireito ao uso da sua courela no
conmtonJ'ieLl, que ficava drsponívelpara Llm criacio ou criada e lhes propor-
cionava est¿ibelecerem-Se como cottt(.Lg,er,s ort lctbouring people. Podia ser
um pequeno negócio ou oficina, r-rrna padaria, um açollgue, utna ¿rlfaiataria.
uma oficina de ferreil'o ou de tecelagem, com cltentela jír construída. Só
mesrìo os casais mais afortunados dispunham logo de terr¿ìS que, normal-
! Pcter Laslctt. 7-he \l/orkl
rnente, seriam herdadas6. We

Huve l-o.s¡, Further E,rpLored,


London. Routledge. 1983.
Desde cedo que. na Grã-Bretanha, o c¿ìsamento teve terldência a Ser con-
sensual. A historiografia recente tem demonstrado que os casamentos de
conveniôilcia, contratados pelos pais dos fitturos noivos, eram relativalllente
raros e G. M. Trevellyzrn. por exemplo, em Ertgli.slt St¡ciul Histc¡ry lefere
casos do século XV em que noivos contrariados pelos pais acabaram por
levar a sua vontade avante. Esta convicção de que o casamento deveria ser
contraíclo em resultado de ¿rfinidades emocionais tornava aceitável os casa-
mentos clandestinos. A única barreila explícita para o casatnento era o
parentesco, qlle Se estendia ao palentesco espiritual, de padrinhos e afilha-
dos, o que, por um lado, facilit¿iva os pedidos de anulação cle casamentos,
mas por outro acentllava o medo do incesto por clesconhecimento de afini-
dade espiritual ou de consanguinidade.

Dadas as lirnitações impostas ao casal para se poder estabelecer de modo


inclependerìte. os períodos de noivado eram frequentemente longos' o que
poderá ter criado freqr-rentes situações de relações sexuais antes clo casa-
mento e nascimentos ilegítimos. Tuclo indica, porém, não ser muito elevado
o número de filhos ilegítimos na Inglaterra earlT' tnoclent, embora fosse alto
o número de noivas já gráviclas. O noivado era geralmente acompanhado
pof uma cerimónia onde os noivos trocavaln presentes. poclendo depois
clecorrer um período de tempo, até ao casamento, preenchido de modos
diversos consoante oS costltlÌles locais. O casamento era um acto público.
que se desdobrava em dois momentos: o noivado, que estabelecia um con-
trato que seria necessário honrar', e era acompanhado de presentes, de que o
anel cle noivaclo é hoje alnda sobrevivente; e o acto clo casamento, precedido
pela publicação dos <banhosrr, que se destiuavam a garantir que, caso hou-
vesse algnm impedimento para a realização do casamento, houvesSe tempo
de o tornar conhecido. A cerimónia decorria primeiro à porta da igreja, onde
oS noivos tornavam pírblica a sua aceitação mútua' A noìva era entregue ao
noivo pelo pai e seguia-se depois uma missa nupcial, dentro da igreja.
Assim, o ritual à porta da igreja simbolizava um contrato civil, seguido pelo
rito iniciático da cerimónia litúrgica, uÍl sacramento qlte os noivos se con-
feriam mutuamente. A seguir esperava-Se que o casal vivesse debaixo do
mesmo tecto, e tivesse filhos, Sendo a procriação o objectlvo do casamento,
era exercido aigum controle sobre os hábitos dos casais, qtte seriam admoes-
tados caso não cumprissem a obrigação da coabitação.

Finalmente. o último ritual cie passagem era a morte. O enterro propria-


mente dito não era uûì Sacramento. O último sacramento ministrado aos
vivos era a extrema ttnção, autorizada desde os primeiros tempos da Igreja.
Este sacr¿rmetlto tnarc¿ìva o início do último fito de paSsagein, que Se concluia
com o enterro. acompanhado pelas orações aos mortos ou Dirge' O único
elemento Sacramental no etlterro era a missa de reqr:iem, rczada posterior-
mente e geralmente paga. Ao lado do cerimotlial cristão registavam-se
cerimónias curios¿ts, cle ongern pagã. Ein algutts lugares era colocada unìa
moecla na boca clo clefÏnto, antes do entefro. como um presente a São Peclro.
As vel¿iclas tambérlr eram praticadas, podendo ser ocllpadas em orações ou
então em outras actividades mais profanas, como jogar às cartas, beber e
fumar, fazer espectáculos de rnímica ou praticar desporto.

Os enterros podiam ser acoinpanhados por uma prática chamada sirt-eating,


em que um pobre cla paróquia, em troco de alguma comida. bebida e dinheiro,
se oferecia para assumir a responsabilidade pelos pecados do defunto. Os
enterros faziam-se. normalmente. em terreno consagrado no cemitério da
paróquia, a baixo clrsto. O enterro dentro da igreia era mais caro, delibera-
damente, uma vez que constituía f'onte de receita parocluial. Em algumas
igrejas podiam ser erguidas capelas (chcuúries), onde eram enterrados os
membros da famílra mais proeminente da re-eião. Outros paroquianos, menos
importantes, podiam ser sepultados dentro da igreja. na nave ou no transepto,
sendo o lugar marcado com uma lage. Mas os últimos ritos podiam não
acabar com o enterro. Ao longo cia Idade Média a doutrina da Igreja foi
afirmando que a alma necessitava de toda a assistência possível. através cle
orações e mìss¿rs, rezadas pela alma do desaparecido. Havia preços
estabelecidos para essas cerimónias e, qr"rando os testamentos se tornam mais
freqnentes. ern finais do século XV, registam geralmente clisposições para a
celebração de missas após a morte.

Outro dos aspectos da cultura popular é o dos jogos e passatempos. pratica-


dos em comum por toda a aldeia. Desportos e jogos, corn nomes familiares
ainda hoje, eram praticadas de modo um pouco diferente, mas decerto colrì
muitas das características que se mantêm: J'ootball, crickeî, boxing sem
luvas, luta livre. jo-eo do pau. ou ainda, nas épocas Tudor e Stuart. tiro com
arco. Mas alérn dos jogos e desportos todo um conjunto de práticas de cruel-
dade para com certos animais era vista com naturalid¿rde, corrìo enter-
tenimento: o baitirtg de cães sobre ursos, tollros ou baclgers. matar galos
col-r-ì paus no Shrot,e Tuesclctt, olr as lutas de galos. O elemento lúdico. sern-
pre presente na cultura, pode ser visto em termos de competição por alguma
coisa, ou de representação de alguma coisa. Os jogos acima referidos, mui-
tas vezes acompanhados por apostas e particrpados também, de forma indi-
recta por todos os seus espectadores. enquadram-se n¿Ì prirneira categoria.
As representações dramátlcas. em pzrlco, inscleviam-se na segunda, e é
importante não esquecer que. quer numa quer na outr¿ì, a participação podia
não se lirnitar' às classes populares, mas envolver também as élites locais.

Entre os divertimentos populares o Carnaval é especialrnente representa-


tivo de algumas continuidades nos compottamentos clas sociedades ociden-
tais. Embora os testemunhos que sobreviveram dos carnavais do período
eurly ntr¡dein sejam fragmentárias, pode reconstitlrir-se o carnaval como uma
enorma representação. em qlle ¿s riras principais e os largos das ciclades ou
aldeias se transforrnavarn em palcos, em que a cidade se transfornlavâ rìunl
teatro sen-i paredes e os seus habitantes em actores e espectadores, que
observavam aS cenas das suas janelas. Não havia propriamente uma distin-
que estes, das janelas, podiam
ção entre actores e espectaclofes, uma vez
atirar objectos ovos. por exemplo à multidão n¿r rua. e os mascarados
- -
podiarn ter autorização para entrar nas caSaS, como na prática portuguesa do
(assalto)> c¿rrnavalesco.

Os procediinentos carnavalescos obecleciam sensivelmente ao mesmo


modelo, ano após ano: consumo aumentado de comidas e de bebidas, uso de
máscaras, frequentemente com trat'izes compridos' fantasias completas, repre-
sentanclo inversão sexual os homens vestiam-se de mulher e vice-\'efsa
-
representartdo padres, ciiabos, doidos, homens ou animais ferozes.
O uso da máscara ditava o comportaillento a ela adequado: o <Doutor em
Leis> passeava-se com Llm livro clebaixo do braço, e debatia pontos ¡urídi-
cos com quem p¿ìssava; os loucos e os homens ferozes batiam em quem
encontravam com bexigas cle porco oll lnesmo colll paus: atirava-se farinha,
ovos, maçãs, laranjas, pedras, e das janel¿rs baldes de água sobre os tran-
seuntes. As agressões elam comuns, quer sobre pessoas quer Soble anitnais'
fiequentemente maitrataclos. Outros festejos eram mais estruturados' e con-
sistiam em representação de peças semi improvisadas, na praça principal cla
ciclade; em cortejos com a participação de gigantes, deusas. demónios, etc';
em corriclas organizadas, a cavalo ou a pé. desafios defoothall, ou torneios
simulados. Por último, um dos elementos do carnaval era a representacão de
uma farsa, frequentemente centrada no próprio Carnaval como figura em
contraste coûì a Quaresma; no fim o Carnaval seria executado, após ter con-
fessado os selts pecados e feito testamento.

As liberdades de compoftamento que a época clo carnaval proporcionava


serviam de válvula de escape para insatisfações contidas e funcionavam,
deste modo. colrìo um poderoso moderador de comportamentos durante o
resto do ano. A lepresentação da desordem e do descorltrole enfatizavam a
importância da preservação da ordem e clo poder. A tnversão sexual ou a
inversão de funções o criado tomar o lugar do senhor, por exemplo
- -
representavam a sttbversão da autoridade e permitianl um escape momentâ-
neo às contenções vividas durante o ano. O carnaval era. tambéln, uma acti-
vidade comunitária, qlle contribr.ría para a coesão cle gn-rpos frequentemente
clivididos pol discórdias e clisputas. As comemorações giravam em torno cle
três temas principais: comida, Sexo e violência, estes dois elementos repre-
sentados pelas mâscaras, pela liberdade do insulto, pelas competições e agres-
sões verbais e físicas sobre pessoas e allimais.

A :rntropologia estrutllral de Clande Lévi-Strauss recomenda que procu-


Se

rem oposições c1r-ranclo se interptetam mitos. rituais ott outras form¿rs cttltu-
rais. As oposições imecliatamente visíveis, relativamente ao carnaval são duas
a e o quoticliano cie todo o ano. A primei¡a. por ser
-períocloQua¡esma.
cle jejr-lrn. expiação e s¿rcrifício, que Se segLria imediatamente ao c¿ìr-
naval. Mas as oportunidades de representação do inundo às avessas
ciurante o carnaval poclerão ser vistas como um curto período cle desordem
institucionaltzad¿r. um conjunto de rituais de inversão. em que as regras de
comportamento ficavam em slÌspenso, permitindo a explosão de instlntos
reprimidos.

Os rituais c¿rrnav¿ilescos pocliam t¿rmbém estar associados a cultos de jttven-


tude ou de fertilidade, sirnboiicamente representados atrar'és de símbolos
fálicos. O calnavai constitui, assim. um elemento da cultura popular, em
sentido iato é vivido por todas as classes sociais que ûo meslno tempo
-
se ¿rrticula com o calendário cristão
-
prececie a Quaresma mas mantém
-
inúrmeras forrnas cle coinportamento e cle expressão de
-
raiz pagã. É, além
disso, uma forma comum à cultura ocidental. embora com manifestações
difèrentes consoante as tradições locais, e uma forma multisecul¿tr de rept'e-
sentar, sensivelmente a mesma coisa: a libertação da repressão. o mundo às
avessas, a desordein ittstintiva nutn universo artificialmente organtzado.

Por último, é cie referir um coniunto de práticas e de usos que, não coitlci-
dindo necessariamente cotn datas festivas do calendário, polariz¿lvall a aten-
ção de toda a comunidade e fnncionavam de forma também ritual. Além das
entradas soienes dos reis ou de pessoas importantes nas cidades. a que já se
alr"rdiu acinta, ou da celebração de vitórias em batalhas, coroações, nasci-
ûìentos reais, as eleições parlamentares sobretudo em Westn-ìinster e
- -
as execuções públicas er¿rn-i ocasiões para uma certa recttperação do espírito
carnavalesco. As eleições elanl uma ocasião festiva, que criava a oportLtni-
dade para conler. beber. cant¿ìr e lutar nas rlras, culminancio com um ritual
trrr-rnfal, a entronizaçáo (chairirzg) clo candidato venceclor. lrlo sécuìo XVIII
o pintor e caricaturista Hogarth captou algutts destes momentos de violência
e ôxtase. As vitórias e as entradas re¿iis, qtte voltaremos a referir, eran-i
acompanhadas de celebrações, fogos cle artifício. fogr-reiras. arcos triunfais.
discr-rrsos, batalhas sin-iuladas, fontes ¿ì escorrer vinho e moecias atiradas à
multidão,

As execuções públicas consiituíam uma representação dr¿rrnática, destinada


a ûìostrar ao povo que o crime não cotnpens¿ì, oll qtle a alitot'rdade é sobe-
rana na aplicação da justiça. O <espectáculo> começaria com a procissão
dos condenados em carroças e conl cordas à volta do pescoço, acompanha-
dos dos respectivos guardas. ern direcção a Tyburn. o lugar das execuções.
O scafold funcionava como um paico onde se clesent'olava o úritimo acto
desta tra_Sédia humana. de crime e castigo. O clero estava presente, e oS
condenados podiarn ter direito a pronunciar publicamente as írltimas pala-
vras. São sobejamente conhecidas as circuntâncias da execução de SirThomas
More. qr-re ilr:stram bem os aspectos rituais e cerimoniais cleste acto. More
iria sofrer uma condenação por traição. por enforcamento seguido de
esquartejarnento. O re i, Henrique Vill, concecleu-lhe. no ent¿ìllto. a honra de

279
-
',xl
3t'
at.
ir1::
rl:
:.i::
'',',:i .

.,¿l

ser decapitado com o machado, o que era privilégio reservado aos pares do
reino. O rei també,mfez saber que desejava que More usasse poucas pala- ,:!jt
ìj.]
.1j
vras na cerimónia da execuçãto. More pretenclia usar, para a stla decapitação,
{1
.fll
o seu melhor traje, mas o I'enente da Torre de Loirdres persuadiu-o de que '!!..

não valeria a pen¿ì, e por isso vestiu simplesmente o rude fato cinzento do .-i;l

seu criado. Obeclecenclo à vontade clo rei clisse pouco antes da execução, å
tg.

mas ficoll célebre a expressão que Lltilizou, onde reafirmou os princípios .:¿l
:.*:

orientadores das suas escolhas: <l tlie the Kirtg's good servünt, bLtt Gocl's
i3t

f

first > ,
,.rt

ì:l
Se o criminoso tivesse escapado à justiça. poderia ser enforcado em ef'ígie, .,1Í:,

:å;
.l'
mas aqueles que sofriarn mesnro a pena maior seriam decapitados, enforca- ê:r

dos, queimados ou partidos com a rocla. sendo depois os colpos esquartejados rå,
rn
e as cabeças exibidas nas portas da cidacle. Se o criminoso fbsse sacerdote å
.,!t.

seria prirneiro <despadrado>>. ou seja. despido das vestes sacerclotais.


lrË:
,:tlì

:11

Qr.rando a pena não era capital, outros castigos corporais, acompanhados de


exposição pública, serviam os mesmos fins exempletres, e stlscitavâm a par- 1Ìl

ticipação do público, que tanto poclia insultar e apedrejar o condenado. ntlm


convite aberto ao sadismo popular, como podia suscitar a simpatia do
ûìesmo. Dois casos conheciclos desta últirr-ra reacção são os de Lillburn. que
foi chicoteado entre Fleet Street e Westininster em i638, e Daniel Defoe,
que foi pilloried em Temple Bar em 1703 e foi coberto de flores em vez de
'- Peter Burke. op. r:ir., p. 198. pedras ou lixo, como era frequenteT.
lVlichel FoucaLrlt ern
Sun eiILer et ¡tunir.- N¿i.t.çr¡r¡c¿
Certas formas de justiça popular podiam também ser utilizadas. em fonnas
de la pri-ton analisa a

mudança dos rituais prlblicos rituais públicas. A mais conhecida em Inglatelra era o clrctrivarL uma difa-
de castigo da tradição rnedie-
mação pública, sob a forma de balada. cantada debaixo das janelas do cul-
val eearly noderrr para as for-
mas modemas de disciplina, pado, acompanhada pelo barr"riho prodr-rzido por potes e panelas. Seria uma
prisão e excctrçâo.
espécie cle serenata às avessas que poderia ter também aspectos carnavales-
cos e repetir procedirlentos usados nos clias de carnaval: a execução em
efígie. obrigar ¿r vítima a morltar um burro cle costas para a frente, e passeá-la
pelas ruas, expondo-a aos insultos e ¿ìrremessos dos popttlares.

Todas estas manifestações, que ocorriam de forma compacta e previsível no


carnaval, inas que se repetiam pontualmeute ao longo do ano, manifestando
uma continuidade de procedimentos alternativos às restrições dos restantes
dias, podem ser vistas como, simnlt¿rneamente. rnanifestações de controie e
de protesto social. A oportunidade de dar largas à desordem, à violência. à
actividacle sexual, aos insultos e agressões. poderia funcionar como válvula
de escape, controlada, afinal, pelas limiteições temporais das ocasrões, Aca-
bada a festa, a orciem seria reposta. Mas as prírticas litualizadas das festas
popr-riares podiam tambéni servir de estrutur'¿r e código para formas delibera-
clas derevolta. Não será por ac¿ìso que a revolta dos cottnties do lllorte da
Inglaterra em 1536 tomou ¿r forrna de unra peregrinação. <> Pilgrimuge of
l
I

Grace, em que os rebeldes marchavam atrás de um estandafte com as Cinco


Chagas de Cristo. e que outras formas cle protesto seguiam o modelo da
execução em efígie, do charivari ou simplesmente aproveitavam aS ocasiões
cle confusão e alto cousulno de álcool para provocar revoltas contra as auto-
l
ridades. t,

6.3 Efeitos da Reforma e do Puritanismo sobre a cultura popular

Os excessos de comportamento qlle aS festas populares davam lugar não


¿ì

podiarn cleixar cle ser vistos criticamente pelos reformadores, etrì especial
pelos puritanos. Quer os vestígios pagãos destas festividades, qller a liberti-
nagem a elas associada, era motivo de preocupação e cle tentativa de supres-
são. Max Weber Sugere que uma espécie de gelo desceu sobre a <(ftlerrie
Englanrl>, a eilegre Inglaterra. com o espírito puritano. As dificuldades da
existência quotidiana não nos permitem recotlhecer a Inglaterra do passaclo
cotllo muito alegre. ûìaS temos que constatar que o espírito do puritanismo
seria clecerto hostil às manifestações que acima se descreveram. A Reforma
trouxe consigo dois novos eleinentos, interligados, que iriam contribuir
decisivamente para a extinção de muitas das manifestações popttlares: em
primeiro lugar o Iecurso a uma nova autoridade, a Bíblia, largamente difun-
dida pela implensa e pelo aumento da literacia, A atitucle fundamentalista
criada pela disseminação cle ttm texto comum a todos. levou à exigência de
conformismo, ou seja, à normalização de comportamentos. segundo ttm
modelo úrnico. de santidade.

As variedades das festas populares, a nível regional, por exemplo, seriam


olhadas cont apreensão, bem como o Sefiam as manifestações diversas cle
culto popr.rlar a diferentes Santos, seguindo diferentes ritu¿ris. A autoridade e
o conformismo tornaram-se eficazes com a união entre a igreja e o Estado
en Inglaterra, e vimos já como o Parlamento. tlo século XVII. legisiava
sobre inatérias de religião, tais como a frequência aos serviços de culto'
O estabelecimento cle tribunais da igreja em cada diocese, destinados à veri-
ficação e controle de n-iatérias cle fé e moral, ou regulamentação de assuntos
de testamentos reforça o podel cle intervenção cla Igreja' Enl termos práticos
estes tribunais não teriam grancle eflcácia, porqlre a única pena que podiam
aplicar era a cia penitência, mas funcionavam como poderosos críticos rela-
tivamente às condutas moraimente condenáveis, como o adultério ou aS
rel ações pré-rr-iatrimon i ais, e conden av am abertamente a bastardi a.

Embora tendo elimtnado muitas das manifestações da cultura popular. como


festas cafrìavalesc as.churclt ales, f'ogueilas cotrìemorativas ou festas de Maio,
oS Puritanos não puder¿rm mud¿rr as mentalidades qtte aderiam e sustenta-
vam estas manifestações: a vontade de escapar à realidade, de clesafiar a
autoridade, de inverter papéis. como já ,,'imos. Com a Restauração,
em 1660'
regressa uma maior liberdacle de expressão, a nível ritual, que se manifesta
classes sociais
no gosto pelas mascaradas, que serão pfaticadas por todas as
ao logo clo século xvIII, para apenas decrescerem em popularidade no
século XIX.
espí-
Mas houve outro plano de actividacle em que o espírito da Reforma e o
rito Pr.rritano contribuiram clecisivamente para a extinçãto de práticas rituais
que vinharn da Idacle MécJia: as práticas ligadas à magia e ¿ì bruxaria, sofre-
rram o duplo assalto do fgnclarnentalismo reformador e da emergência de
uma nova filosofia orìentada para a observação da natureza' a experimcnta-
ção e o uso da r¿zão.A Revolução
Científica iria contribuir para o desapare-
cimento, ao longo do período eat'h, tnoclerz, das atitudes que expressavam
convicções cle intervenção clirecta clo sobrenatnral nos ¿ìsstlutos do homem
e

da natureza.

Actividades

1. Defina os principais aspectos em que Se situa, contempofaneamente.


o debate sobre a análise da cultura popular'

2. Caracterize e relacione oS aspectos religiosos e seculares da cultura


popular no Período earLt nrcclent.

3. Faça um breve comentário à seguinte zrfirmação de Petre Burke' em


Po¡tttlctr CtLlture h EcLrll' Moclern Eurutpe, procurando introduzir exeln-
plos que Sllstentem o seu colnentário. Se assim o entender, regresse a
esta questão depois de ter lido o próximo capíttllo:

Thus the crucial difference in early modeni Europe (I rvant to ar'9ue) rvas
betg,een the majority, for whom popular culture was the only culture,
ancl the minor"ity, who had access to the great tradition but participated
in
the little tradrtion as a second culture.They were amphibious, bi-cultural
ancl also bilingual. Where the majority of the people spoke their
regional
dialect a¡d nothing else, the elite spoke or wrote Latin or a literary form
of the vernacular. while remaining able to speak in dialect as a second or
third language. For the elite, but for ihen only. the trvo traditions had
clifferent psychological functions; the great traditiorl was serious, the little
tradition was play.
BibliografTa sugerida

BURKE,, Peter
1994 Po¡tr,tlcrrCLtltLtreinEarlvModernEurope; 1500-lB00,revisededition,
Aldershot, Scholar Press.
1992 T'he Ccmtbriclge Culturttl Histot1,, ed. Boris Ford, Vol. III, Si.rteenth
.CenÍur¡' Britctin, Vol. IY Seventeenth
Centur') Britain, Cambridge,
Cambridge U. P.

LASLETT, Peter
1 983 The World v,e HcLve Losr, FurÍher Explored, London, Routledge.

POUNDS, N. G.
1gg4 The Cttlture of the EngLish People: Iron Age to the IttdLtstriaL
Ret,olution, Cambridge, Cambridge U. P.

SHARPE, J. A.
1993 Ecrrly Modem Englancl; A Socictl Histon', London, Edward Arnold.

STONE, Larvrence
1919 The Fatnilv, Sex and Marriage in EngLancl, 1500-1800' London,
Penguin.
-
7. A cultura erudita
ll:: l
::] ì ì
l.ìi ll

.ìÌÌ
::l il '

,:t.. i
Sumário

O presente capítulo irá tratar a cultura das élites inglesas do período earl_1'
ntr¡dern, referindo os modelos de comportamento desejáveis e as institui-
ções destinadas ao ensino e à edr-rcação. Trata os seguintes pontos:

. A educação no período eat'|,- nto¿ler¡¿: sistemas e objectivos.

" O <<ensino superior'', e ¿ìs urìil'ersidades: a formação do gentlernctn.

" O <ensino superior, e a formação jr-rrídica: os lz¡zs oJ' CoLtrt e a for-


mação do gentletnut.

o As escolas não superiores, conteúdos de aprendizagem e costumes.

' A cultura da corte.


1.1 A educação

À meclida que a socieclacle inglesa se ia tornando mais complexa, pode obser-


var-se um nír'el crescente de alfabetização, que é acompanhado por muclan-
ças significativas no ân.ibito da educação. Desde logo é importante referir
que est¿rs mudanças afectaram apenas ttma pequena parte da população, mas
essa desempenhou r-rm papel fulcral no ambiente cultural da InglaterraTudor,
que teve continuidade no período Stuart. Alguns indicadores são obviamente
significativos: se tivermos em cotrsideração it produção de livros impressos,
verificamos qlle, entre 1576 e 1640, se publicava uma méclia de duzentos
títulos por ano, num total anual de cerca de trezentos mii volumes. Nos vinte
anos que se seguiram a 1640 o clima de debate político qlle se vivett enqua-
clrou um substancial allmento de publicações, que chegaram a atingir dois
n-iil títulos diferentes num só ano. Estes nírmeros demonstr¿rm cl¿rramente
Llrn ¿ìumento do púrblico leitor'.

Por outro lado é impossível determinar com precisão o grau de alfabeti-


zação da socieclacie britânica dos séculos XVI e XVII. Importa desde logo
recordar que as aptidões para a leitura e para a escrita eram distintas, de
onde se pode inferir que, possivelmente, muitos daqueles que não sabiam
assinar documentos, e utillzavam apenas Llma nrarca, poderiam saber ler.
A prátrca medieval, coin efeito. distinguia entle a escrita como uma aptidão
técnica, própria da actividade do escriba, e o ditado, que pl'essupunha a
aptidão literária para formular ideias. Nos finais da Idade Média o aumento
do número de livros para leitura ern privado não foi necessariametìte acom-
panhado por Llnl aumento da competência para escrever. O clado factual de
que. em 1643. no princípio da guerra civil, dois terços dos homens e nove
décimos das mr-rlheres não sabiam escrever os seus nomes, inciicaria um grau
de analfabetismo elevado, se não pudessemos corrigir este indicador com
informações de outro tipo. nomeaclamente as jír mencionadas. referentes ao
aurnent0 de publicaçoes.

Ernbora não se possa falar de Ltm aurtento generalizado da literacia nem


nlìma <,refbrma> educativa no período Tudor, podemos constatar qlle. segu-
ramente. o núrnero daqr.reles que salriam ler aumentava e que aigumas mudan-
ças introdr-rzidas quer na organização dos estatrelecimentos de ensino quer
nos seus conteúdos curriculares contribuiram para as transformações sociais
e culturais que observámos no período earlt, ntoclenr em Inglaterra.

Iinporta perceber o que se considerava ser a <educação)> no princípio do


século XVI. o qlre se pode depreender a partir de diversos textos da época
sobre este ¿ìssltnto, A educação deveria. etn printeiro lugar, inculcar perspec-
tivas religiosas cOrrectas, Não esqlleçamos qlte a eclr,rcação formal era. em
larga rreclida, clominada pela Igreja, estando as duas universidades, Oxford
e Carlbricige. sob controlo eclesiírstico. assim como os mestre escola, que
necessitav¿ìn de alrtorização episcopal para exercer o seu ofício. Nas gruntntar
schools funcladas neste período começou a Ser considerada prioritária a boa
formação moral e t'eligiosa dos prof'essores, que devefianì entre olltras
matérias, ensinar os princípios da religião protestante, de moclo a criar um
sistema tão eficaz como aquele qlle oS Jesuítas tinham criado e que. na opi-
nião protest¿Ìnte, pfevertia aS mentalidades de inúmeros jovens na Europa
continental.

Outro objectivo cla edr.rcação parece ter sido a utllidade clos conhecimentos
num mundo cacla vez mais exigellte em matéria de transações comerciais. de
criação cle uma administração pública cada vez rnais profissiorlalizada e corì
Llm compiexo Sistema de preferência na corte, que cacla vez mais apreciava a
competência e a fonnação literária e cultural.

Por último, a educação proporcionava o acesso a todo Llm conjunto de acti-


vidades ao mesmo tempo úteis e agradáveis. As leitur¿rs disponíveis tradu-
ziam-se não Só em lir.,ros de poesia oll drama, tratados ou livros de religião,
mas também se verilica o aumento constante do número de almanaques'
panfletos. baladas. Iivros humorísticos, dirigidos a um público menos exi-
gente e mais numeroso. Em meados do século XVII vendiam-se cerca de
I J. A. Sharpe. Earl¡ Modent qltatrocentos mil almanaques por ano, oll seja, um por cada doze pessoasr,
A St¡ciul I{istor¡.
Enp,lunrl:
London, Edrvard Arnold, aS mudanças que se
I993. p 255.
Na opiniãro de alguns historiadores contemporâneos
verificaram nos oitenta anos anteriofes a 1640 são sinal de uma <revolução
eclucacional> de irnpacto imenso. Quando consicleram as mudanças quanti-
: Larvrence Stone. Tlte tativas e qualitativas que ocorferam nesse período, arriscalî mesmo a hipó-
Fanilv, Sex ad lfarrioge irt tese de a Ingiaterra ter sido, nessa altura, a sociedade mais instnrída (literate)
Englunt!, I 500' I 800. London, que o mundo jamais conhecera2. Outros, pofém. são mais moderaclos, insis-
Penguin, t979, p. 68.
tindo na necessiclacle de explorar melhor os instrLlmentos de análise sobre a
'' Peter Laslett. 'ilte \lold tte questão da literacia, especialmente neste períodor'
Hut e Lr¡s¡, Furîlter Ex¡tIoretl,
London. Routledge. 1983.
p.237 .
Como afirrna Peter Laslett, a clescoberta da dimensão proporcional da popu-
lação que sabia ler e esctever. em qualquer momento da história, é una das
tarefas mais Lllgentes que o historiadol das estruturas sociais erìfrenta, uma
vez que está obrigado ao uso de métodos quantitativos. O clesafio não será
simplesmente o de encontraf oS dados e interrogá-los de modo a que forne-
e literária.
çam respostas fiáveis. Este é um desafio à imaginação histórica
lr,lo período em análise, ainda segundo Laslett. teremos que reconstruir ima-
ginativamente um munclo predominalltemente oral, mas que conhecemos
sobretudo a partir de testemunhos escritos. Teremos assim que tentar perce-
ber o modo collo aS atitudes das massas iletradas, femininas e masculinas,
afectaram os polrcos que sabiam ler e escrever'. e cotno essas atitudes foran-ì
tomadas em consicleração no processo Social e. eln especial, no processo
" Iden, p1't.233-234 políiicor.

290
universitário,
É justan-rente esta relação entre o aurnento da forrnação a nír,el
quer no número cle novos alunos, quel'na exigência da sua formação, que
constitui um importante elemento de análise, qttanclo se reflecte sobre a
administração do estaclo eutre oS meados do século XVI e os meaclos do
século XVII e que analisarenlos de segr.rida.

7.2 O ensino superior: as lJniversidades

Embor¿i não seja possível determinar, sen-ì margem para dúvidas, o nútmero
de alunos qlle entrar¿ìm parû as ttniversidades de Oxford e de Cambridge a
partir de 1560, é possível fazer un'ia estimativa segura. Por volta de 1550 o
número de aclmissões era ainda baixo, na ordem dos duzentos e cinquettta
alunos em Oxford. mas a partir dessa clata corneçou a subir rapidamente,
atingindo valores muito mais elevados nos anos oitenta. Nos ¿lnos noventa
registou-se um clecréscimo, devido possivelmente às rnás condições econó-
micas clesses anos, e depois um allmento pro-eressivo. nas primeiras décadas
do século XVII. que culminaria com cerca de rnil admissões nos anos trinta.
As guerras civis provocaram nova descida nos números de entradas, mas
nOS anos SeSSentA e Seteuta verifica-Se de novo uma tenciência para O
alrmento, a que Se seguirá um progtessivo declínio, ao longo do século XVIil.
Segundo Lar,vrence Stone nos anos imediatamente anteriores às guerras
civis o nírmero cle jovens qr-re frequentav¿ì o ensino superior em lnglaterra
foi o inais elevado de sempre, até ao século XX: cerca de 2,5Vc dos jovens
com lT anos (a idade not'mal de natrícula nessa época) entrou para as Uni-
versidades de Oxford e Cambridge: ou paf a os 1¡¿r¿s of Court na década de 30
do século XVIL

A origem Social cios estudantes é, também. conhecida. Mais de rnetacle dos


estudantes da Universidade de Oxford, em fin¿ris do século XVi e princípios
do sécuio XVII eram desigrrados de <plebeustt. Um núlmero esc¿ìSso vinha
de fainílias camponcsas. mas a maior p¿lrte ela constituída por filhos cle
hu.sb¿mclnrcrz ou de peqttenos artesãOS. POttcO a pouco, nO entallto, começa a
Ser maior o nútmero de filhos da getúry', decerto de acordo colrì o conceito
renascentistade gentle.ntan. que valorizar,,a a educação, em especial os sabe-
res clássicos. Por volta de 1600 estão claramente formados dois -ertlpos de
estudantes: os plebeus. destinados à carreira eclesiástica e que Se formavam
de facto. e os filhos da. gentm, que de un-i modo geral não pretendiam uma
qLraiificarção profissional. mas apenas a aquisição de conhecinìentos intet'es-
s¿ìntes e uni poliilento cultural.

Depois da Restauração o nútmero cle plebeus baixotl e aumentoLl o número


clos filhos cle membros clo clero e da gentr,*, clevido a r"tm conjttnto cle cir-
cunstâncias onde oS custos cada vez mais elevados da frequôncia da univer-
sidade e a redução de bolsas para oS mais pobres resultaram numa base cacla
vez mais estteita de recrutamento de estudantes. Ern finais do século XVII a
situação manifesta cle novo alterações, clado qr-re começa a diminuir o
número de estuclantes das classes mais favorecrdas.Ao lon-eo do século XVI[|
o ideai renascentista ilas virtudes de nma educação clássica seria ciaramente
substitníclo por outlos valores. qlle recomend¿rm outro tipo de edr"rcação.

A origem social clos estudantes está estreitamente ligada ao conteúdo dos


saberes leccionados e à própria or-eanização das universiclades. Se os icieais
renasce¡tistas poclem ser desenvolvidos através cla educação na utliversi-
dade é potque esta os integrou, procedendo para tanto a mttdanças de estrtt-
tura e organização. O primeiro coLlege que introduziu modificações com
implicações futttras foiMagclalell, em Oxford, funclado em 1458 pelo Bispo
Waynflete. Esta instituição foi precursora na introclução do sistema de
ensino tutorial, bem como no sistema de residência dentro do coiégio, que
iria ter desenvolvimentos da maior importância a partir cia segunda metacie
clo século XVI. A nível dos conteúdos curriculares era dada grande impor-
tância à gramírtica e à filosofra illoral, tópicos intimamente relacionados com
o humanismo. LIma outra inovação ern Magdalen foi a provisão de lugares
para unrlergrttcluate L'otnutonet'.i, ou seja, para os filhos da getúr7'que, pâra
residirem e estttdarem no colégio, pagavam as SLIaS despesas. Ficariam
assim abertas as oportunidacles acima indicadas, de frequência uniVersitária
por uma popr-riação mais abonada. No Colégio Brasenose, fundado err 15 12,
cerca de 407c dos estudantes pertenciam a esta categoria em 1552.

Os novos Colégios tol'naIam-Se rapiclamente centros de inovação e excelên-


ci¿r, à mecLda qlte a irnportância dos antigos Halls ia drminuindo' Desde
cedo a relação entre estes centros de ensino e o próprio governo se acentua'
Em 1511 John Fisher, Bispo cie Rochester, funda St. John's en Cambridge,
oncle mais talcie estudariam Sìr'ThomasWyatt. Sir John Cheke, RogerAscharn
e Williarn Cecil, norrìes qne claLamente indiciarn uma relação estreita entre a

universiclade e a corte. Outro exemplo é o da futrdação, em I 5 17, de Corpr:s


Christi em Oxford, oncie o Bispo Foxe desde iogo intlodr.rziu disciplinas
rnovacloras, entre elas as Hr,rrnanidades (eloquência em Latim), o Grego e a
Teologia <positiva> de qr-re Erasmus e Colet tinham sido pioneiros' Persona-
liclacles cotrìo Foxe, fhomas More e o Carde¿rlWolsey cieram grande irnpor-
tância aos l1ovos cológios univetsitários e sublinharam a irnportância da for-
More, por exem-
rr.ração neles obticl¿r para o desempenho de funções públicas.
plo. escreveria em 1518 uma carta aberta à Universidade de Oxforcl' orlde .iìl

repreendiü os <<Troianos> que se opunham aos novos estuclos glegos, dando- ::'.1]

-lhes simultaneamente forte apoio.'Wolsey. uns tltescs tllals tarde. iria insti-
tuir lições cle Hr.rmanidades e Gt'ego eni tocia a L'nlversidacle.
Mas o CardealWolsey pretendia mais do que a introdução de medidas pon-
tuais inovadoros. É clele o mais ambicioso projecto p¿ìra a introdução do ¡¿erv
lectnúng ou dos novos saberes em lnglatelra. que se cleveria concretizar com
a funclação do Cardin¿rl's College em Oxfbrd. \Ãiolsey pretendia dar genero-
sos apoios ¿ros esiudos das humanidades, dentro cle uma estrutura tradicio-
nal. coin discipiinas de teologia, direito, direito canónico e meclicina, bem
colrìo frlosofia. A esc¿rla do projecto não tinha precedentes. O Colégio do
Cardeal previa a constituição de ul-n numeroso corpo permanente cle lentes,
que em grancle parte seriarn recrut¿idos a partir cle un'ia recle de grütnnlúr
schoc¡ls clue Wolsey planeava também criar em todo o país. O projecto
inch-ría ainda cairelões, rnúrsicos. um mestre de mírsica e diversos fr-rncioná-
rios administrativos e de serviços cle apoio, bem como nma importante blblio-
teca que começou a ser importada de Roma e de Veneza. O plojecto deWolsey
entrou em colapso quando o próprio Cardeal caiu em desgraça, mas foi, ein
p¿ìr'te, retomado pelo rei. Henrique VIII. através da criação dos Colégios de
Christ Chr,rrch em Oxford e cle Trinity ern Cambriclge. Esta relação directa
entre o rei e as uni,,'ersidades teriat, necessariamente efeitos políticos, e não
será por ¿ìcaso que, em 1564, Trinity alojava 305 dos 1267 estudantes da
llniversidade.

Se alguns conteútdos curriculares manifestavam abertura à inovação, não é


tlìenos verdade que, de um modo geral, no século XVI. o curriculunt univer-
sitário era conservador e não utilitário. As <<artes liberais" estudadas consis-
tiam ainda no triviut¡t gramátic¿i. retórica e dialética e no quaclriv'it'utt
- -
¿iritrr-iética, geometria. astronomia e música. Embora com uma base
-
comum. os planos de estudo não eram necessariatnente idênticos, como se
pode verificar no caso da Universidade de Cambridge. Os Estatutos cle 1570
desta Liniversidade fixavam um período de sete anos pal'a a obtenção do
gralr em Artes, senclo quatro para o grar,r de Bctchelor e m¿ris três pala o de
Ma.çter. As matérias curriculares eram estudadas em seqr:ência e não em
srniultâneo, cumprinclo o estuclande um processo gradativo de aprendiza-
gem. que começava com relórica. lógica e filosofia. ¿rté à obtenção do grar"r
de Bacharel e coiltinuava corn o estudo da filosofia natural. moral e metafísica.
bem corno clesenho e grego, até à obtenção do -qrau de Mestre.

O aumento clo número de estucl¿intes do nrcio g(tltr'.r', qttc pagavam os cLlstos


da su¿r estada n¿r universidacle, proporcionou o aparecimcnto de olttras maté-
rias, leccion¿rdas em regime tutorial e funcionando como clisciplinas extra-
-curriculares. É por isso que. por '',,olta de 1700 os estudantes que pudessem
pagal poderiam ter liçoes em c1uímica. física. anatomta. botânica. mateiná-
tica. liancês. espanhol, italiano, músic¿r, dança, equitação e outros exercí-
cios l'ísicos. ùìão será cleni¿ris insistir que este n-rétodo de ensino, que se gene-
ralizor-r nos Colégios de Oxford e Carnbridge na segunda metade do século
XVI o regime tutorial constittti uma das grandes inovações. duradou-
- -
ras e eficazes, do sistema universitário anglo-saxónico.

O regime tutorial implantor-r-se effr sirnultâneo cotrl o desenvolvimento dos


Colégios. As inovações inttoduzidas por Magclalen eram já prlitica geral em
1550, tendo caíclo em desuso o costume de os tuttlergrucluates, ott seja. os
estuclantes a nível cle bachareiato, se alojarein na cidade' Quer os piebeus
com apoío cle bolsas de estudo, quer oS chamados gentlenrcn conÙTlotters, Se
irlojavam já nos Colégios e cada coÌrt::nner tinha um tutor privado' Com a
generalização do regirne tutorial os métoclos tradicionais de ensino. qLle cranl
a lição magistral e a disputa, caíram em desuso. Ao mesmo lempo, o novo
sistema começou a ger¿lr atltudes cie le¿ridade para com o Colégio. marcando
diferenças clentro da mesma universidade'

Entre 1610 e 1670 não seriam fundados rìovos Colégios, com excepção cle
Waclham em Oxford, mas iria proceder-se a extensas obras cle alargamento
nos Colégios já existentes, de modo ¿i acomodar os novos estudantes resi-
dentes. bem como oS SeuS tutores e pessoal de apoio' É curioso notar que a
arquitectura destas construções mantém as características medievais já con-
cebidas porWilliarn of Wykeharn para o New College, em Oxford, ern finais
clo século XIV. A intenção não é a de deiiberadamente introcluzir um espírito
revivalista do gótico final, mas apenas a preocLlpação pragmática em reco-
nhecer a forma tradicional das construções universitirrias como aclequada
aos fins da Universidacie. O piano norlnalmente seguido é o do pátio
quadrangular, convidando à introspecção e à rreditação, guardado peìa casa
do Wcu-cle7, e acolhendo a capela, hcLll, btblioteca e alojamentos.

A arquitectura dos colégios universitários deste período é evidência de uma


continuidade de tradição qtte, não obstante as inovações introduzidas no
século XVI. iria ser mais forte do que zr abertura às novas ideias científicas'
No século XVIil a Universidade já não será vista. por alguns dos seus mais
distintos esiuclantes, como um centlo de excelência e de criatividade, mas
antes como um lugar que convida ao ócio e iio desperdício. As tentativas cle
introclução de novas disciplinas. corresponclendo aos novos saberes. acaba-
ram pot' se dissolver nunl¿ì consequôncia imprevisível clo regime tutorial: a
perda clo hábito de clar 1ições magistrais, que levoti à instalação de hábitos
menos exigentes de investigação e ensino.

As tentativas de introdução das novas disciphnas relacionadas com a llova


<filosofi¿r natural>> teriam sido ptossegr.ridas na segunda metade do século
XVII, mas acabariam por não ter efeitos perm¿ìnentes na estrutura cr¡rrlcular.
Poderá descle jír menciorlaf-se as disciplinas de Química, Astronon'iia e
Botânica, introch-rzidas eni princípios do século XVIII. ou de Hlstória e
Línguas Moclernas. corrìo tentativas cle modernização do curricr"rlllm. nlas
conl efeitos sobre lilna nruito pcqttena parte dos estudantes. Estas cir-

:i

tl
il

cunsiânciaS concluziram ¿ì interpretação tradicionai, na historiografia


contemporânea, de qlle o processo cle desenvolvimento científico que Se fará
ao longo do século XVII em Inglaterra, a que muitos dão o nome cie
<Revolr-rção Científrca>). Se fez à margem clas Utriversidacles. Esta
interpretação fundamenta-se, em boa pal'te. nas opiniões expressas por
filósofos e cientistas clo século XVIL como Bacon, Descartes ou Hobbes'
qr.re insistiam na <novidade> dos estudos de filosofia natural, em oposição
ao saber escol¿istlco, praticaclo n¿rs escolas e Universidacles. Estas instituições
eram vistas pelos investigaclores dos tlovos Saberes não apenas como
imperrneáveis à inovação, nläs tantbém como opositoras ferozes às mudanças
de atitucie que eles próprios preconizavam. Para eles. as Universiclades não
só ficaran alheaclas do processo de modernização do pensamento. como
seriam por vezes manifestatlente contrárias a ela.

Esta perspectiva começa. rìo entanto, a ser revista pelos historiadores do


período earlt, tnocle¡'¡r. Em parte a revisão da perspectiva tradicional decorre
da constat¿rção que oS proponentes clos novos saberes frequentaram sefiìpre,
n¿ìS Unlversidacles. os planos de estuclo tradicionais, que posteriormente
rejeitaran-i e que alguns tivelarn tÌlesmo postos ultiversitários. Algr"rmas poten-
cialidades haveria, decerto, nas disciplinas estudadas e nas metodologias
praticaclas. As áreas da matemática, cla medicina e das ciências hionlédicas
estavam já assirnrladas no curriculum medieval e manifestaram grande adap-
tabilrdade à introclr.rção de novos conceitos, vindo a funcionar como catali-
zaclores de muclança noLìtras áreas curriculares.

Embora assimilando com lentidão os novos saberes. a sua institucionalização

naS Universidades investiu-os de respeitabilidade criando. ¿ìo meslno tempo,

entre aS ciaSSes mais educaclaS, ttm intereSSe e mesmo ttm entttsiasmo pela
ciência, qr-re contribuiu para o apoio social e financeiro necessário ao
desenvoli.'imento do movirnento científico e d¿rs academias científicas. As
próptias Llniversrdades ctispunharn das instalações e dos recursos indis-
pensár,eis à investigação em várias áreas científicas novas, e aS salas de
anatomia e dissecação, os jardins botânicos oll oS instrLlmentos. como
telescópios, microscópios on bombas pneurnáticas, er¿ìûì disponibilizados
pala a experimetrtação clas novas ciências'

É irnportante leml-rrar'. também, o carácter costllopolita das lJniversidades.


A comr-rniclacle científic¿i dos séculos XVI e XVII comunicava normalmente
rìa mesnla língua, o latim. e tinha un-ia grande mobilidade, frequentando e
leccionanclo em cliversos h,rgares da Europa. As Universidades britânicas
tinhani. apes¿ìf de tuclo. um c¿rrácter tlnl pouco nlaiS illsular do que as Llni-
versidacles italranas ou fì'ancesas. no que se ref'ere ao seLr papel de ciìsse-
minador¿rs cla ciêncla na Er:ropa. Tal não signif ica, porérn. que não tenham
ticlo um ln-ìportante päpel no clesenvolvimento cla ciôncia em Inglaterr¿ì' pro-
porcionanclo a fonnação de muitos dos cientistas activos entre os princíptos
cio século XVI e os meados do século XVil. Mesmo a fundação de acacie-
mias científicas, nos séculos XVi e XVII, tradiciorlahnente vista como alier-
nativa ao sistema universitílrio, denasiado conservador e apegado a uma
filosofia escolástica que rejeitava a inovação. deve ser revista tendo em aten-
ção a formação e a actividade dos seus fundadores.

No caso da Rolal Sociel¡,, por exernplo. s¿ibe-se agora que. de entre os qua-
reni¿ì e um membros fundadores Vinte e dois tinharn feito estudos gracluaclos
em Oxford, cittco em Cambridge e dez Iras du¿rs Universìdades. ,A' prepon-
derância cle Oxforcl flcaria a dever-se à exìstência, nesta ljniversidacle. da
OxJ'orcl ExperirnenXtL Philosoplry Societ-v. A principal diferença que p¿ìssotl
a ser reconhecida entre as Universiciades e as Acaclemias estava na missão
cle cacla uma: às primetras caberia sobretuclo a actividade pedagógica e às
segundas a investigação científica. A relação entre os dois tipos de institui-
cão era, assim, de complementaridacle. surginclo atritos apenas quando as
acacleilias começaram a tentar atribuir gt'aus acaclémicos, o que er¿Ì prerro-
gativa tradicional das institilições universit¿irias.

Falou-se, ¿rtrás. clas acaciemias e do seu papel na Revolução Científica'


Rest¿r. de momento, sublinhaf que as Universidades. neste período' embora
não tenham sic-lo directamente dinamizadoras d¿r Revolução Científica'
lbram, no entanto. suficlentemente fiexíveis e ¿rberlas para sustentar o plo-
cesso. até ele amadurecer o suficiente pitra crìal' ¿ts sr,ras próprias institui-
entraram em
ções. No sécr-rlo XVIII, colllo se disse acim¿r. as Universidades
declínio, enquanto as acaci¿rmias florescian, até que. como foi referido na
Introciução, eir meados do século XIX todo utn conjunto de n'ruclanças
devolveu às Universidades a missão de serem não só instituiçoes de ensino,
mas tambétn cie investigação. Nesse meio tempo tt:relnos, porém que cons-
tatar que pouca foi a intervenção clirecta que ¿ìs unìversid¿rdes tiveram no
processo da Revolução hldnstrial,

O en.sinr¡ superior; Os Inns of Cclult

Os clf cortrt eratrl em princípio, colllo jii se viLr. estabelecirÎentos


ir¿¡z.s
,.,ocacionaclos par¿ì a forniação em Direito, mas funcioll¿lvaln. neste períoclo'
mais arncla do que as universidades. como escolas de eleição para oS estratos
sociais ntais favoreciclos. Coilo as Universidacles, tarlibém os i¡rrzs vtr.am
allmentar os nírneros clos seus estud¿intes a p¿lrtir de meados clo sécr-rlo XVI:
¿ìs cerca cle 100 nOVaS admissões. em 1550, sut-rirain para 250 em ló00, con-

tinuanclo a aumeniar ¿rté aos anos trinta do .século XVII. Estes estudantes
não benefici¿rvam cie bolsas nein podiarr slrstcnt¿ìt lt sll¿ì estld¿ì nos l¡i¡l.s com
actividades serviçais. como nas Llniversidades, Não será de estranhar que
apenas al-euns pares clo reino, aristocratas e Setttrv quisessem e pudessent
proporcion¿ir esta formação aos sells filhos. Esta <form¿ìção> era sobretudo
r,alonzada como uma preparação para a vida social. muito mais do qlle ì:ma
fonnação profissional. De f'acto, apenas um em cacl¿r seis estudantes dos i¡zrts
acabana por exercer a proftssão das leis. Ao contrário das ttniversidades, o
sistema de ensino e de alojarnento era livre, sem tlltotiais netl intcl'tlato. o
qne convidav¿r decerto o estudante a sucumbir aos pfazeres mais irnediatos
da ciclade de Londres. sendo frequente surgir, na ltteratura da época. sírtiras
ao estudante dissoluto clos i¡trzs of cout't.

Como n¿rs nniversidades, a frequêncr¿r dos lnr¿s começou a decair nar segunda
metade clo sécr,rlo XVII, e os filhos da gentrt,começaram a ser sttbsiituíclos
por jovens filhos dc colretciantcs c profissionais, mais orientaclos para ¿'t

profissionalização. Na seguncla met¿rde do século XVIiI os aiistocratas e


gentry clue desejavam cornpletar a fbrmação social dos seus filhos geralmente
eirvi¿r,,,am-nos para fazerem, acompanhadoS cle ùfIr tutor, o grcutcL tou¡; oLr
seja uma viagen'i pelas grandes cidacles e paisagens cia Europit continental.

Os conteúdos curriculares e os n-iétodos cie ensino e aprendizitgetn nos tirrls


er¿rm substancialmente diferentes das universidacles. As únicas discipiinas
académicas erall1 ¿'rs ieis, lnas não existia qualqr:er sistematização clo cotttÍttotr
1¿¿x, inglês. Os estudos sobre as leis brltânic¿ìs oratr], itssint, baseados na
inemorizäção de casos e de pormenores. não acompanhada por enqlìa-
clramentos cle princípios geräis. O período de estttdos era longo çç¡ç¿ çlç
ciez a doze ¿ìnos
-
até à ol-;tenção da profissìonalização. Os métoclos tra-
-
dicionais cle ensino consisti¿im no bolting, em que o estudante argument¿ìva
com um Ilencher e clois Br¿r'r-isf¿r-s sobre casos e questões que lhe eram colo-
cirdas; o nnot, um debate púrblico entte utn Reatler e dois Bøtchers para
eclificação de toclos os níveis de estudantes e profissionais; e rettclings, utna
forma mais av¿rnçacla cie instrlição n-rinistrada em francês jttrídico.
Pouco ¿t poltco estes rnétodos c¿iír¿im em deSLtSo, em p¿ìrte porque oS profes-
sores começaram a presiùr mais atcnçiro às suas príiticas privadas e mttito
mais lucrativas. em parte tambóm porque os estudantes. descontentes coln a
ineficiicia clos méioclos, começararn a apoiar os seus estttdos cacla vez m¿ris
em tlat¿idos, que liam sozinhos.

Podemos. cle um niodo geral, c¿ri¿rcteriz¿rr o per'íodo entre os meados c1o


século XVI e os meados do século XVII. cotlio Larvrence Stone Sugeriu,
conlo um período revoluciotìáricl, a nível clo enstno superior em Inglaterra.
Aumentou o número cle estudantes, introdttziram-se novas drscipiinas
curriculares, altefaram-se netodologias. tranSformou-Se o Sistema de aco-
lhirnento. O sistem¿r est¿ìva clar¿rmente em expansão, corre spondenclo. corìlo
A. J. Sharpe refere . ¿ì novas mocl¿rs na educação, especialtnente das classes
mais ricas. conlo ref'lexo cle agrtação ùconómica entre ¿ìs classes proprieth-
depois de 1660
rias de terras. Mas o período cle estabiliciade que se instalou
afectou o ensino superior. bem como tuclo o resto. A
gerltr\ teria provavei-
da edr-rcacão for-
mente irenos dinheiro, as convençõcs sobre a importância
a gestão dos
mal clo Renascimento tinham sido uìtrapassadas por olltfas,
era uÍll investi-
recursos familiares envolvia a concepção de que a educação
nìento que era necessáirio usar criteriosamente. Para sharpe,
oxford.
mundo em expan-
carnbriclge e os lr¿ns of conrt refletiam a mudança cle um
são, no período renascentista, pala ttm mundo estático'

1.3 o ensino não superior: as Gratntnar schools e outras insti-


tuições

A natureza e acessibilidade do ensino não superior tarnbém mudaram no


das unì-
período Tudor. As mesmas circunstâticias que levaram à expansão
secundírrias: a
versidades levaram tambérn ao desenvolvimento das escolas
públicos' a p[e-
valorização de alguma instrr,rção na conciução dos negócios
clássico' Ao
ferência por novos atributos sociais, o novo prestígio do s¿rber
para
mesûìo tempo, a difusão de livros impressos contribuiu decisivamente
em zonas
uma melhor preparação dos professores das escolas situadas
rurais. que agora podiarn ler Virgílio, Horácio ou Homero
em edições de
bolso.
não
É irnportante distinguir. desde logo, difetentes modelos de instrr-rção
,up-to, no período ectrlt' ttnclent' Enquanto as grürunür schools consti-
de alunos
tuåm, sem dúrvida, o modelo mais relevante, qlter pela qua'tidacle
de
que preparavarÌ1. quer pela ntitureza dos seus c¿¿ri'lc¿¿lr,¡ e metodoiogias
eiemen-
outras escoias existiam, oncie se ensinava latirn e instrução
"nsino, privaclo seria
tar em inglês ou. eûì farnílias de situação clesafogada, o tutor
encarregado cla eciucação elemeiltar clos lapazaes e. mais raratnente'
d¿ts

ao longo clo
raparigas. Esta figr,rra. a do tutor privado' nlantef-se-á ainda
século XIX, constituinclo um ensitlo alternativo ao das
public scltr¡c¡l's' como
se verá posteriormente.
priva-
As gt.cuttntrtr scltoc¡ls eranl normalmellte financiadas po¡ fr-rndadores
clos. empenhaclos em contribr-rir para a boa forrnação moral
e cívica das
crianças e dos jovens. bem conlo para promover os novos
princípios da reli-
gião protestante contra os riscos do catolicismo. Mr-ritos dos fr'rndadores
tinham a intenção de criar uma forma de ensino gratllito pala rap¿ìzes
pobres. especificanclo cleverem ser órfãos, filhos de pobres cla paróquia'
ott

àe gente sirnples e honesta mas de eSCaSSoS rectlrsos colllo trabaÌhadores


-
rur¿ris. peqLrenos ¿rrtesãos, pequenos comerciant tto sentido
de dat' a
oportunidacle cle estuclar zr crianças ciotacl¿rs. il1as senl fecllrsos económicos'
-

Desde cedo, porérn. algumas escolas começ¿ìraln a platicar algum grau de


exclusividade. col-no Eton ou Westminstef. enquanto outras se mantinham
fiéis às intenções que tinham presiclido à sua fundação. Por aqui se nota que
também a educação não superior, enÌ termos formais e escolares, colneÇava
a ser tida como dese-¡ár'el pela getúrt.

A expansão da t'ecle de escolas tem um período acentuado no reinaclo cle


Isabel I, em qtte são fundaclas 136 grcnln'L(lr scltools, aunlentadas collì 83 no
reinado de Jaime I. 59 no reinado de Carlos I. e 80 no reinado cle Carìos IL
Embora muitas das fundações não tivessem tido continuidade, em i673 fun-
cionavam cerca de 704 escolas ern Inglaterra, mobilizanclo a naior parte dos
recursos financeiros destinados a obras de caridacle e filantropia.

Os conteúdos do ensin o nas g,ranÌtnctr scltools, ColTlo nas universidadeS, eram


clírssicos e não utilitános. O enstno clo latim constttuia uma base fund¿rmen-
tal, c1e que depencleria o acesso à universidade. ao qual se acrescerìtava, em
algumas escolas, o grego e o hebraico, sendo a aprendizage rn feita ¿\ base de
memorizacão e repetição. Embora se conheçam casos de escolas que intro-
duziram clisciplinas mais utilitárias, como a matemática oli o inglês, a maior
parte manteve um cnrriculum e Llma rnetodologia que progl'essivamente se
foi tornando tÌ-ìenos adequada às necessidades dos tempos: com o declírlio
clos ideais renascentistas, também a educação das grcunntcLr scJtools, conlo a
das universidades, foi ficando desfazada relativametlte a um mundo em
muclança, não acompanhada pelos conteútdos do ensino. Outras alternativas
for¿rm surgindo, nomeadamente a fundação cle academias pril'adas, oncle além
do latrm eram ensinadas disciplinas mais <úteis>. bem como esgrima. equi-
lação e dança. Por volta de 1760 muitas gronutrcLr scltools estav¿ìm em
declínio. oLltras tinhani acentuado o seu perfil de publ.ic schor¡l exciusiva, e
um conjunto significativo de academias e outras instituiçoes privadas for-
mava a base do ensino formal em Inglaterra.

A expansão d¿rs escolas até 1660 não pode, no entanto, pressupôr um


aumento significativo da qualidade do ensino. As condições norrnais de fun-
cionamentos das ,qi'ruliltnr sc:ltools não convidavam segllt'amente à concen-
tr¿rcão. nem a relação entre alunos e professores seria p¿ìcífica. A idade esco-
lar Sttuava-Se entle oS Sete ou OitO allos e oS catorze ou quinze, sendo a
duração dos estudos compleios de seis ou Sete anos. Apesar das drfererrças
de idacle e do grati cle avanço nos estuclos. a sala de aula era uma só, podendo
conter 140 rapazes e apen¿ìs um professor e um contínuo. O ensino era f'eito
et-ìtgfupos, correspOndendO possivelmente a tllrmas, maS Seria certamente
clifícil irnpôr o silêncio na sala de aulas. O horirrio er¿l extenso, começando
pelas seis ou sete cla manhã e prolongando-se até às cinco da tarde no
Inverno, ou Seis no V-erão. com interverlos para ch-ras refeições. A disciplina
inclr,rí¿i castigos corpor¿ìis. con"ìo as chibatadas. e er¿ì por vezes tão violenta
que levava à fuga clos aluncls.
RogerAscham, autor cle um clássico do Renascimento sobre teoria educativa,
o Scltoolntctster (.15'70). recorda, no prefácio, que a icleia de esc¡ever o livro
Ihe surgiu ao ouvir contar que cliversos alttnos de Eton tinharrl fugicio do
colégro com ntedo cios espancamentos a qtle eram frequentemente su¡eitos.
Por outro lado. uiri certo número de costnnles, oLl <<praxes>' dirninuiam a
hostilidacle que pocieria sr-rrgir entre o professor e os alllnos. LIm desses cos-
tlu'nes, chamaclo cle bcLrring ortt, shultittg oltt, petuxing ouî, oll Simpleslnente
tÌte exclusior¿ consistia enl. nas \'ésper¿ìs de Natal ou no ,Sl?r.r1'eticle os alunos
se fecharem na sal¿Ì cle ¿rul¿i, excluindo o professor. e combtnarem entre si
um conjunto cle reivindicaçõe.s sobre o funcionamento cl¿r escola ou sobre as
férias. ciando-¿rs clepois a conhecer ao protèssor. De ut-n moclo gerai estas
ocorrênci¿is eram päcífic¿rs. mas podiam facilmente gerar distúrbios' por
vezes envolvt¡ndo actos violentos'

As corrclições clo ensino e as prírticas escolares da grtunntrLr school triam


manter-Se ao longo de pelo ûìenos dois sécr-rlos' Como iir se dlsse' muitas
clestas institr-rições for¿im mtlclando ao longo clo tempo. nlas sel'á ¿ìpenas no
século XIX que se irá assistir ;r ltma t¿rrefa c1e reforma, através da obra do
famoso Doittor Thomas Arnold, McLster da escola cle Rugby' Não deixa de
ser curioSo constâtal', como verenlos. qlle enquallto O DotttOr Arnold e
clepois o ser,r filho, [\4atthew Arnold, proplttlham nov¿ìs orientações para a
eclucaçho cscolar. pr'ó-universitária. sc contiltuavAln ao lneslllo telxpo a ct'iat'
escolas, nos meios rurais e nos meios fabris, não muito difererltes' no seu
fr¡ncionamento embora jír não nos conteúdos do ensino e aprendizagem
-
clas escolas cio período Tucior e.Stu¿irt. E,m meaclos do século XIX os
-objectivos da ech-rcação seriam jâ utilitarist¿ìs, oll seja, a educação seria
entendicla como pr:eparação par¿ì o desempenho de un-ia activrdacle profis-
sional ou, por parte clos funciaclores clas escolas. colrìo tlnt dever social' Mas
no períoclo ectrl\, mc¡tler'¡¿ as institr,rições cie enstno ¿ritrd¿r er¿rnl Vist¿rs colllo os
lr.rgares próprios pafa a obtenção ciessas virtucles corteses tão caras ao espí-
rito do Renascimento,

1.4 A corte ea cultura das élites

Ao {'alar sobre cultLlra e sociedade no períoclo do Renascimento e no sécuio


XVII não será possír'el clcixar dc destacar aqr-rilo a que. norntainente' se
chama ¿rcultura eruclita, distirlta cla cuitura popr,rlar. No pcríodo eurh' ntr¡¿lent
a corte e OS cOrteSãOs clesempenh¿rr¿rm um papel que nem n-ìesn-ìO ¿ìS l'ìOVaS
ortentacões nos estuclos cultul'als poderão subr'¿rlorizar. para prcterirctn a
anltlise cla cutltur¿r popular. A corte renascentist¿ì el a Llm mlindo oncie a lepre -
sentação e o ritr,ral marcavan1 quer oS colr1port¡ìlllentos individuais, quel a
prodr-rção literírria e estótica, que obriga ¿ì Lul¿ì anírlise sirnult¿rneaniente
antropológica e semiótica da cuitura. Por <antropológica> entendemos ttma
análise da cultura enquanto valores e signihcaclos pârtilhados^ comuns a
dif'erentes grupos nações. classes. subcultur¿rs períodos históricos.
No presente caso
-
trata-se da análise da cultura de uma classe. a aristocracia,
numa nação, a inglesa, nos sécttlos XVI e XVII, ou seja, no período em qlle
estir.'elam no trorlo as dinastias Tudor e Stuart.

A análise ,,seniótica>> acentlra a dimensão simbólica dos significados parti-


lhados pelos grupos ou nações que são objecto cla anáiise antropológica.
A cultura será assim vista cotlo urna práttca social, mais do que como um
objecto sLrsceptível de ser descrito. Nest¿r perspectiva, a ¿inálise da cltltura
apoia-se nos sistemas de comunicação, ou seja, no conjunto da práticas atra-
vés das quais se produzem sentidos ou significados e estes são trocados e
partilhados dentro cle um grupo. Os sistemas de comunicação referidos são
linguagens, em se ntrdo lato. ott seja, processos de srnbolização qlte. ao usa-
rem símboios para referirem objectos cio mttndo real, rtos permitem comuni-
car. Neste sentido não será apenas a linguagem das palavras que comunica
signrficaclos, mas também todos os símbolos e sistemas de sinais atrar'és dos
quais se produzem significados e os mesmos circulam na nossa cultnt'a.
Objectos, como coroa, podem ser portadores de significado e. neste caso, o
¿ì

objecto sirnboliza poder e autoridade, religiosa ou secular. A cruz, por exem-


plo, <objecto>) extrer-ìlamente simples, formado pot' dltas barras cruzadas,
tem um irnportantíssimo significado simbólico nas culturas cristãs. Todas as
práticas sociais têm uma dimensão simbólica, que se expressa em lingua-
gem gestual. ou na maneira de vestir ou enì quaisquer olltras formas de
expressão, adqr-ririndo assim significaclos que são, afinal, práticas culturais.

No universo extremamente ntualizaclo da corte rerìiìscentista e jacobita esta


trproximação metodológica proporciorla perspectivas de análise enri-
quecedoras. Vimos acitna, que no século XVI se começa a registar um
aumento de frequência, nas liniversidacles. clos gentlernen cornnrctlers, esttt-
dantes cle nível social sr:perior ao que era cotnum até então, e que poderiam
residir na untversidade dnrante dois ou três anos não tendo cotrto objectivo a
obtenção cie um grar-r etcadétnico. Esta príitica signifrcava qlle o polimento
oferecido pela universidade se revelava útil, não para o exercíclo rJe uma
profissão, mas para um melhor desempenho n¿Ì corte. Este desempenho
visava a obtenção de um¿i posição de acorrselhanento do rei ou do príncipe.
que tanto preocupava o debate político clos humaniStaS. Com efeito, Ltma das
áre¿is de reflexão e debate privilegiadas pelos humanistas era a educação e,
muito em especial, a eclucação dos princípes e dos nobres.

Lrm¿r das obras inais famosas no género <espelho de princípesr> é Tlu: Br.tok
of'the Cout-Íier tle Castiglione, onde o ¿ìLrior defencle que os v¿rlores tracJicio-
n¿ris transmitidos pela educação ¡1enic¿icl¿rmente cle que a principal profis-
-
{

são do homem da corte é a das armas devem ser completados com uma
-
eciucação humanist¿i, ou seja. em que o estudo das humanidacies propor-
cione farniliaridade conl o latim e o -qrego e as outras disciplinas dos stuclict
htmtcutitatis. Ent resr¡ltado destas recomenciações atenttar-se-ia a distinção
entre o nobre e o clerk, ou seja a pessoa clestinada ao preenchimento das
lLrnçoes udnri n istrativits.

Outra consequência desta perspectiva largamente divulgacla e aceite é a da


construção de um moclelo de conduta virtuosa, simultanearnente individr-ral
e política. própria do nobre. Na sequência, e sob a influência dos httmanistas
italianos e franceses, os humanistas nórclicos continltaram est¿t linha de
rel'lexãO, ¿rcentu¿indo as relaçõeS existentes entre o saber e o governo. POtt-
cos foram os tratados do género <espelho de princípes>> escritos em Ingla-
terra. Mas a prática de comltnicação própria dos humanist¿is trouxe ao
conhecimento dos ingleses as obras produzidas em França, Aletnanha,
Espanha e Portugal. que se revelaram influentes. É cleste período a obnT'he
ErltrccLtion cmd Trctittitry oJ'cL Kirig do portr.rguês Jerónimo Osórto, The EtJu-
cutiott of the Prince do fr¿rncês Guillaurne Budé, T-he Epitonte oJ. u Goocl
Prùrce do alemão Jacob Wimpfèling ott The Dial ctf Prittces do espanhol
AntoÍtio de Guevara, este traduzido para ingiês em 1557 por Sir Thonas North.

Em Irrglaterra cumpre lembrar a imensa importância deTlte Book l{anteclthe


Go,-entor de Sir Thomas Eiyot, publicado pela primeiravez em 1-531' ou
recordar, entre os tratados sobre educaç'aoThe ScoolnuLstei'de RogerAschant,
jir mencionado. O livro de Elyot foi directamente influenciado pelo de
Castiglione, mas contém também propostas originais, de que impol'ta desta-
car ulr conjunto cle sr,rgestões para a reforma da educação em moldes
hunrairistas, a fim de rr-relhor formar unl novo estilo de ittferior goventor ù
qlrem Elyot chama trutgistrate. De resto, Elyoi segr-re o padrão dos educado-
res humanistas ao sublinhar que a educação é rnais do que simples treino
profissional: envolve a totalidade da personalidade e deve desenvolvef ulna
variedade dc apticlocs. Entl'c cstus contaln-sc o Locar instl'tunelìtos tnLtsicais.
a pintnra. a escultur¿i em madeir¿i olt em pedra. actividades qtte devem ser
prosseguidas pelo prazer individual que comportam. mas também porque
desenvolvem a inteligência crítica, Esta é, para Elyot, a mais importante das
faculdades e express¿ì-se sobretudo através da linguagem pet'sltasivil. que
pode ser utilizada pelo homern de leis or-r pelo poeta.

Na corte Tudol a conduta individual era altan'iente ritualizada e o con-


junto das formas de expressão cortescs. como a música, os desportos. os
passatempos eranl entendidas como virtudes que qualificavam o nollre p¿ìra
a função cle conselheiro clo rei. O estilo cortês coinbinava a tradição clássic¿r
e a medieval. numa solução cle comprotnisso onde persistram os modelos
medievais cla cavalaria. ¿ì que se ¿ìcrescentav¿ìr-n os modelos cla rnitologia
clássica. Esta combinação seria particnlarmente efrc¿rz no período isabelino.
onde a corte recuperou os modelos de serviço cavaiheiresco à dama a
-
e ¿lo mesmo tempo investiu a figura de isabel I de um conjunto de
rainha
-
motivos sirnbóiicos clássicos. As fbrrnas de conduta tornavam-se cada vez
mais importiìntes, à rnedida que a corte i¿r desernpenhando um papel pro-
gressivamente mais importante no governo do estado.

Nos sistemas, cacla vez ntais complexos, cle protecçào e cie mecenato, tof-
nava-se tauitrém cada vez rnais importante corresponder ¿ro moclelo dese-
jado e qne ofereceria garantias de obtenção de ltm posto I1a corte. Assim, na
segunda metade clo sécr-rlo XVI o gentleman tinha que possuir um número
si,enificativo de atributos. Tinha que saber combater. e o serviço rnilitar pres-
tado à rainha ou à c¿iusa protest¿ute era considerado uma ¿rctividade nobre.
lr4as, alénl disso, devia saber discutir em latirn, conhecer a forma do Soneto,
enteirder um pouco de teologia, dançar com alguma graciosidacle e ter boas
maneiras à mesa. Até finais do século XVII a corte tol'llou-se não só ttm foco
de atracção para aqueles que desejavam promoção, como uma fonte de
mecenato qlte propot'cionou um florescimento das artes sem precedentes.
Veremos n"rais adiante que, ao longo do século XVIII. a corte vai perdendo
este tipo de prestígio, e as funções deste tipo coineçam a sel' assr-rrnidas pela
aristocracia, nos salões da moda.

A visibilid¿ide das qLralrdades individuais era garantida por formas de


exteriorização que, em parte, eram herdadas da Idade Média, corno já se
disse. Assim. no reinado de Henrique VIII assistiu-se a tlma revitalização
do torneio rnedieval. agor¿ì com funções nleramente sirnbólicas e de represen-
tação. Estas iroderiam incluir a encenação do ataque a uma fortaleza, em que
uma parte dos cavaleiros representa\¡a virtudes, que conquistariam os
vícios, representados por outra parte. e alcançariam o l'avor das damas, tam-
bém elas a iclentificarem virtudes femininas. Para torn¿ìr inequívoco o sen-
tido destas montagens lúrdicas. os rlorrìes das virtucies e dos vícios represen-
tacios eram bordados nas foupas. As clamas poderiani representar a BeleZct,
aHonrcL, aPreserverancl, aBonclucLe, aConstîittcict, aGetterr¡siclacle, APie-
dctde ou a Devoçîict. Os cavaleiros representat'iam o Atttor, a Nobreza, a
Jrn'entucle, a LeuLclacle, o Prazer, a Gentilez.ct e a Liberclctcle, que lutavam
contra o Perigo, o I)estlént, a lnveja, a MrLlclacle, o De.s¡ re3t, a Maleclicên-
citt, 'à Estratlte1ct O mesmo signiftcado sirnbólico era obtido pelo cerimo-
nial e pelo significado atribuício à obtenção de urna drstinção de cavalaria,
como a obtenção da ordem cla Jarreteira. no rein¿ido de Isabel I, inspirada,
possivelmente. pelo significado e o ceriinonial que rocle¿rvam a Ordem da
Tosão cle Oiro, institllída pelos Duqttes da Borgonha na Idacie Média.

Este tipo de lepresentação tinha um carácter efémero, mas foi registado em


pecas como tapeçarias oit pintut'tis, que nos permitem não só reconstituir os
plocedimentos. como intelpretír-los. Descle logo se irlpõe a constatação de
que o registo se fica a dever a uma noção de patronato, ou mecenato, que
proporcionava a aqltisição de estatttto social. Por outras paiavras' numa
sociedade em qlte se começ¿ìva a notar uma m¿ìior mobilidade social, o
patronato clas artes oferecia oportlrnidades de afirrnação social a famílias
que ciesejavam aclquirir maior proeminência' A pintura deste período é cla-
ramentc clorlrinada por rnccenas clue itnpõem ao iìltistu as suas cxieÓncias
convencion¿iis. Essa é, decerto, tt taz'/ào porque não assistitrìos, em Ingla-
terfa. a Ltma explosão cle criatividade na pinturl conlo a qlle podelr-tos obser-
var em Itália.

A corte Tudor não encorqava a inovação mas antes as associações tra-


clicionais, reduzidas aincla pela destruição da pintr"lra sacla no reinado de
Eciuardo VI e peio espírito austero clos reformadores dos primeiros anos do
reinacio de Isabel I. É sobretudo o retrato que recebe maior protecção,

que imortaliza o modelo, ¿io mesmo tempo que o teveste dos símbolos cie
poder, autoridacle, r,irtude, cor¿ìgem, etc. com que ele deseja ser fepresen-
tado. O retrato inclui. pois. frequenternente toclo um conjunto de motivos
simbólicos. que vão desde o enquadramento paisagístico e arqr-ritectónico
até aos mais pequenos pormenores das jóias representadas ou das atitudes
cio moclelo. Esses stgnifictrcios sãcl, muiias vezes, associados também à
glo-
rificação do passado da família ou à imoft¿ìiização de ttm momento especial-
mente notável da vida do moclelo representado. Poucos São os pintores deste
período nascidos em Inglatet'ra. O mais conhecido e llotável. Hans Holbein.
nasce[a em Augsburgo e outros. aieinães, holandeses ou italianos, não che-
garam a construir uma escola iriglesa com características e qualidade pró-
prias. A útnica excepção é l\icholas Hilliard. nascido em Exeter por volta de
1 547. que aprendeu pintura no continente. sobretudo
na corte francesa' e se
distinguiu especialtnente como n'riniaturista, embora tenha também produ-
zido retratos em tamanho n¿itural. Jutrtamente conl o seu grande rlval. Isaac
Oliver, també¡-r miniatr-rrista. exerceu grande infÏ-rêrlcia sobre os retratos
deste períoclo, que freqtlentemente sugerellr mi ll iatut'as ailpliadas.

Mesmo ;i pintura cle Hilliarcl não esc¿ìp¿l às convenções impostits peio espífito
da Reforma. que entende que aS imagens apenas são aceitáveis se apelarem
ao espírito e ¡ão ficarem a unl nír,el meramente senstlal. As irnagens teriam
assim que ser interioriz¿idas pafa proporclonarem reflecção intelectual ott
espiritr-ial. Para tarìto, tinham que obedecer a uma forrnalização que
clespertasse cle rmediato assoctações no espírito cle qttenl aS contenlplasse.
nunl processo parecido cclÛl o que ocoffe com os ícones. os sin¿ris
conr,encionais presentes n¿ì pintu|a deste períocl0 serviam p¿ìfa qlte se
ultrapassasse o nír,el clas aparôncias e se encontfasse a ideia por trírs da obra
oll, tlo reit¿tto, a <alma> dO rnOclelO, com tod¿is aS SLi¿ìS virtucles. OS letratos
cla rainha isabel I. quer cle Hilliarcl cprer de Sir William Segar estão cheios

i 0.1
justiça, que requerem
cie referências ¿ro poder, à autoridade, à castidade, à
interpretação e nenì sempre são imediatamente percebiclos na sua época.

Já no que se refere à música a criatividade é maion A múlsica do período da


Reforma nio sofreu, tanto cotno a pitttrtt'a, a imposição de iimites formais e
cle estratégias cle representação. Thomas Tallis é o maior compositor inglês
cios meados do sécr.rlo XVI a que se segue William Ilyrd. Este úitimo,
eilbora católico, gozoll da proteccção da rainha Isabel I, numa clara
clemonstração de que o patfonato real podia proteger o génio individual,
mesmo na área sensível cias convicções religiosas. Ainda no enquadramento
d¿i múrsic¿t sacra, Orlanclo Gibbons, no reinado de Jaime I, é outro dos gran-
cles nomes a reter. M¿rs é na múSica secular qtle Se darão grandes
clesenvolvitrrentos no reittado de Isabel I, particr,tlarnlente no madrigal. Esta
form¿r, cle origem italiana, começara ä chegar a Inglaterra muito ¿ìntes de oS
compositores ingleses couleçarenl a ens¿riar composições da mesma natureza.
Já nos anos vinte tinha siclo of'ereciclo a Henrique VIII urn manttscrito
florentino com madrigais e motetes.

Circulavam tambérn algumas cópias impressas, possivelmente trazidas para


Inglaterra pot pessoas qr-re tinham visitado cortes europeias, colllo é o caso
de Sir Thomas Hob1,, o tradutor d¿r obt'a de Castiglione, que viajou para o
estrangeiro nos anos cir.ìquenta. Nos anos Setenta, a biblioteca do décimo
segunclo conrJe de ArLrndei. Henry Fitzalan, incluía não só madrigais italia-
nos cle Arcadelt. Gero, Rore e Wìllaeri, rnas já tambérn um conjunto de
peças, em m¿ìt-tLlscrito, de Innocenzo Alberti, dedicadas ao conde e possivel-
mente encomencladas por ele durante ltma visita a Pádua. Havia, pois, um
terretlo preparado para a publicação das antolo-eias pioneiras de Nicholas
Yonge, MrtsicrLTrcutsttlpinc¿ ( 1588) e deThornas Watson, Italicttt Madrigtils
F,nglishecl ( 1-590), recebidas tanto melhor qLranto os textos estavant traduzi-
dos para ingtês. O êxito destas publicações encoraja Thomas Morley. que
coinpõe nma série cle peças conì texto em inglês e tradução para italiano, e
conpil;r a mais famosa antoiogia de madrigais iilgleses: um conjunto de
vinte e cinco peças. de autores ciif'erentes, dedicada à rainha Isabel I. com o
títvlo '[he T)'iuntphs o.f'Orianct (1601). Outra cias fornias pt'aticaclas era o
á_],/'¿. unll
canção acotnpanhada ao alaírde. em que se distinguiu. John
Dowland. Os ¿rnos entre 1580 e 1620 nlostram grande actividade musical
em Inglatelra. ilìas nãio palece ter liavido contactos erìtre os ccltnpositot'es
britânicos e os maiores inovadores clo barroco italiarlo.

De entre todas as l'ormas cle expressão, a literafura é aqr-rela en-ì que se


fazem maiores desenvolvitlentos. Nas dttas últirn¿rs décadas do século XVI
a poesia de Sir Philip Sidney e de Spencer rellete as convenções c o
ntr-ralisnro jh rel'ericlos a propósito cla pintr:ra. A Def'ettc:e oJ'Poetr¡', cle Sidney,
provar,eltnente concluícla e iri 1580. mas publicacla ¿ìpenas erri 1595. valoriz¿r
a inaginação express¿l ficcionalmente, contta a convicção de que os produ-
tos da irnagintrção são irrelevantes ou mesmo enganadores. A palavra chave
de Sidney é nrcving;a capaciciade de <comover> oLl cle os afèctos transfor-
mareirl o saber em acção. Para o conseguir. o poeta deve crilr itriagcns e
plantá-las na nlente. como se a itnagitrerção fosse uma espécie de galeria
onde vivessem figr-rras e episódios com maior força pedagógica do que as
abstracções escolásticas. O mundo dourado do poeta, colllo cliz Sidney. é
distinto do mundo cle bronze da n¿itureza. t¿tl como o paraíso perclido pelo
pecado original e agora só acessível pela irnaginação. se clistingr-ie do mttndo
irnperfeito da história humana. A fnnção da poesia seria então f'azer a ponte
entre estes dois nunclos, de modo a que o ieitor penetrasse para lír do stgno
e criasse uma imagem mental, o qtte é, afinal. um modo alegórico, que existe
qLler na pintura quer na literatura e tem a slta expressão plena etn Ftterie
Que etrc de Spenser.

A formativo no século que


língr-ra ingleszr ter-n o seu mais importante ireríodo
¿rntecedeu 1660. Os anos entre 1580 e 1620, em especial, eviclenciam uma
produtividacle e criativid¿rcle ciramáticas que decisivamente irão contribuir
para a fonriação do inglês moderno. Embora em meacios do século XVI o
inglês fosse aind¿r uma língua obscura. apenas falada insularmente. de modo
que nas relações diplornáticas se tinh¿ì que falar 1atim, itali¿rno. francês on
espanhol, por volta de 1700 era já uma língr:a completamente fbrmada e. erl
1760. continhajá praticamente todas as convenções gramaticais, estilísticas,
ortográficas e fonéticas que hoje possui. Ao mencionar o drama deste
período ocorre de inlediato Shakespeare. mas cotlr,ém não esquecer a impor-
tância e o talento de bom núrmero de outros autores. como Christopher
Marlolve, Ben Johnson. oll nomes irrenos conhecidos como Cyril Tourneur,
John Webster e Thomas Middleton.

A criatividade e vitaiidade do drama cieste períocio não pocle, no entanto


ocr-rltar o seu tom, de certo modo conformista. A m¿rior preocr,rpação mani-
festada er¿r a cle cle monstrar o l,alor da hrerarqLria. do lugar do inclir,íduo na
ordem ¡noral e sociai, paLtindo clo princípio de que essa ordenl existia e
devia ser preservacla. Além disso, o draina está tambén incLssociavelmente
ìigado ao p¿ìtronaio, logo às élites que plotegiam os poetas. fosseni el¿rs os
aristocratas que protegeram Shakespeare olr os mercadores londrinos cuja
moraliclade construiu o enquaclranlento das peças de Johnson.

Já no período Stualt a poesi:t tem desenvolvimentos também cla maior irnpor-


tância. Os poetas Metafísicos, em especial John f)onne. demonstram um¿r
maturidade plena, na arte da poesia e no LÌso cla língua inglesa. Os poetas
cut,cLlier, como Robert Herrick, Thomas Carerv. Sir John Suckling ou
Richard Loyelace, cstrv¿inl cstrcitamente 1i-eäclos à cultura que florescia na
corte cle Carlos I e cle Henrietta Maria. A turbulência dos me¿rclos do século
XVII levaria à cxtinção dest¿r cultur¿i de colte. m¿ìs olrtros nor-ncs st-tr'-siliilnr.
no tempo das guerras civis e de Cromwell. Entre eles há a destacar Andrew
iVlarvell, John Dryden. mas sobretudo John Milton.

Entre 1637 e 166l, respectivamente as datas de publicação de L1'ci¿¡¿rt, ¿"


Paradise Lo.sr, Milton não publicou poesia. à excepcção de Miscelluneous
Poents, em 1645, mas esse silêncio terá sido ocupado com a redacção de
panfletos políticos onde expressou ideias e motivos que viria a tratar, de
fornra épica, etn Parcttlise Lr¡st: a fé, ¿i l-not'te, a lealdade, que eram também
rmportantes tem¿ìs de debate público. Nestas décadas, entre 1640 e 1660. a
teologia era política e social. e a política efa teológica. Homens como Gerard
Winsianley, Robert Filmer e John Locke discutiam se Adão tinha sido o
primeiro rei ou se tinha sido o prirneiro guardião da herança legada por Deus
à humanidade. Para estes homens, políticos e filósofos, não se tratava de um
clebate acaclémico. rìas sim de uma questão cle primordial importância
social e poiítica, através da clual se definiam diferentes lealdades. Discutia-
-se também o estatuto das mnlheres e o direito de revolta contra a autori-
dade. Em Parctdise losl, nos cantos IX e X, Milton discute os direitos e
obrigações de Eva de ttm modo que começa. apenas agola, a ser redescoberto'
Os tem¿rs da revolta e cla subilissão são também tratados por Milton. quer
em Pctrudi.çe Lost, como etn PcLraclise Regnined ou em Santsott Agonistes.

A corte dos primeiros Stuarts continuou a ser um centro de mecenato e de


protecção das artes. Carlos I era. sem sombra de dúr'ida, um importante
coleccionadof, quer de arte italiana, quer britânica, e a sua corte polarizou
vários talentos, onde se destaca o de Anthony Vân Dyck. De origem
flamenga, Van Dyck veio para Inglaterra por volta de 1620, possivelmente a
instâncias de outro importante coleccionador, o conde de Arundel. Iilsta-
lou-se em Londres em i 632 e dedicou-se principälmente ao retrato. que
rivaliza com o que de melhor se fazia no continente. M¿ts os Stuarts apoia-
ram também a arquitectttret, e Inigo Jones demonsirou neste campo realiza-
ções tão notár,eis como a sâla de banqLretes do palírcio cle Whitehall, cujos
tectos foram prntados por Rubens com temas que glorificavam a casa de
Str-rart. Também o Queen's House, em Greenwich, é exemplo do génio de
Inigo Jones.

A arquitectura da primeila metade do século XVII iria desenvolver-se em


iorno de ciuas linhas distintas, e qLlase nunca combinadas. Uma tradicional,
continuadora dos modeìos dos século anterior, e praticada por excelentes
artesãos; outra cortês e inovadora, directamente influenciada por práticas
continentais e teorias renascentistas. É nesta segunda linha que se inscreve a
obra cle Inigo Jones. Após urn interregno pontuado por expressões
maneirist¿is. as ítitimas clécadas do século seri¿rm marcadas pelo fenómeno
extraordinário que foi Sir Christopher Wren.
contlnualn
Se os testemunhos clo génio dos grancies arquitectos seiscentistas
nos grande s coLtntry hort.ses, nos palácios reais ou em edifícios
'isíveis,
públicos, como o RotcLl Nüt,cil college em Gfeenwich, ou ern l-qrejas' corno
ã Cntedral cie São Paulo. as chanÌ¿ìdas artes efémeras ¿ìpenas poclem
ser
ilus-
conhecidas pelos relatos feitos na época e pelas Suas potlco tlumerosas
trações. No entanto . os p(tg,ecu?/s e os nx(tsqLtes eram expressões
rituais e
simbólicas que pfolongaram e acentltaram, no século xvII, o
gosto pel¿l
jít observada
¿ìlegoria, já rnencionaclo. e a prática de sirnbolizaçãìo também
convic-
no século XVL O p6ge(üút'\t cio século XVII ¿rsserÌtava Sobre duas
de qr-re a função das artes ConSiSte enl
ções, principalmente: a convicção
ensinaf. cirvertindo; e ¿ì convicção de qlle o püge(uúry tinha uma f¡nção
atla-
metafísica, política e moral. expressas ll¿l SLI¿ì capaciclade de comunicar'
vés cle símbolos algo clo mistério do poder e da grandezzi.

Convirá decerto clarificar o senticlo de ¡tcrgeruú e de pageal?//.l'. Segundo


o
consiste
oxlbrcl English [)iccioncil-t, o pûgeünté um espectáculo púbiico,
que

num quadr.o, nunl¿ì reptesentação ou num cllspositivo alegórico, montaclo


nunl palco fixo ou trirnsportado llulrl caffo iÎóvell ou qr'ralquef espécie
de
de unia
espectáculo. drspositivo ou estrutura tempotíìria exibida colrlo pal'te
celebração ou tri¡nfo público. O ntLscprc, por olltro lado' era Llma
forma de
em
entretenimento histriónico amador, popular na corte e entre a llobreza
Inglaterra, na última p¿ìrtt do sécr-rlo XVI e na primeira metacle do século
XVII. De início collsistia enl clança e representação em mímica, em qtle os
que
parttcipantes usavam máscaras e vestuiìrio adequados à persona-eem
poético,
representavam: posteriormente passou a lncluir diálogo. normalmente
o pugeTlt e o
: e canções. Poclemos estabelecer uma primeira cllstinção entre
privada do
nl(rsqLrc quanto ¿to c¿ìrácter púrblico do primeiro e a dimensão mais
i floresceram
segundo. Mas ambas iìs manif'estações tinhanr carácter srnibólico
e

enquanto houve ¿ìlgllnìa coisa par¿ì sin-rboìízar. Até às guerras civis rivalizaram
produzindo
os àspecthcltlos mont¿lclos pela corte e pela cidade de l.onclres,
utra acentltacla cLferenç¿ì entre os entretenimentos púrblicos. da cidacle e os da
ij corte, emboî¿ì ambos tivessei-il atingido elevados gratls cle sofisticação'
i As guerras civis vier¿iÌn intetromoper estas produções, e o período clo
ì
Conttnr¡ntt,ealthfe'z¿ìpenas um tínìido eslorço para fecupe ftv o
Lorcl Mat't¡¡"
' É clc rcfcrir desde jii quc este
esprctíicr¡lo público. nl sua
j/row; o espectáctllo cle ..tomacla cle posse" clo Lord lt4ayor de Londres' Com
lnrnrr actual. loi "rei¡r- a Restauração ¿r entracla re¿ìÌ. Rot,c¿l Enîrt', foi retomada e
\¡oltoll a sel'clado
ventadou etn iìnris do sóctrlo
XIX conlo ptrtc tle unla al-{umírnpeto¡oLort]Mtl\'orShovç.Por.ém.estasielltativasdelecLlperação
canrpanha de levalorização clas forntas tradicionais não faziam já senticto- poL
já rìão terenl nada para
da-s tlatliçocs blttânicas.
sin-rbolizar. A base icle ológrca das artes efémeras do séctllo XVII tinha
desa-
dcstinada a ofetcccr novos
estínlulos llarir a cocsãtr pareciclo. e o úÌnico espectiiculo que sobreviveu fot o Lc¡rcl Mut'r¡r S/rot'rt' mas
rr¡cional c ptta o scntido dc
'Å:!, idcntidade LrlitânicLts. jú apenus cùrÌlo utn silnplcs dcsl'ilc5.
:: r,:
::ìÌ.
;:3.. ì I

iì ¡l
Íììi
::1 tfl
lì! 1.t

I
g

&,
O potencial simbólico deste tipo de espectáculo tem raízes profundas na
cultura ocìdentai e ver-ìl de um passado pré-cristão. O cristianismo medieval
fora capaz cie transforûrar â otientação pagã e integrá-la nas formas
ritualizatlits da Igrejir c¡ue convivi:int. corno sc viu no capíttrlo antcrior. com
ritu¿iis ¿tssoci¿rdos aos rituros da natureza e apen¿ìs secundariatnente associa-
dos a festiviclacles religiosers. Just¿rmente a ligação estreit¿t erìtrc os ritirais
católicos e as nianifestaçõees simbólic¿rs de outra naturez¿ì. cotllo jogos.
represeriiações ou p(rg,e(ulls,levatam os Reformaclores a abolir toclas as fes-
tividades ¿issociadas ao calendíirio litúr-eico, ntantendo ¿ìpenas as qlle se
lelacionavam com o calendírrio a-erícola. Continu¿rram as celebl'acões popu-
lares associaclas ao nleto clo Inverno ou ¿ìo Natal, e ao meio cio Verão ou
Pnmeiro de Maio. ntas muitas dirs prliticas populares foram clesencoraja-
das. Concretanlente no século XVII o Long Parlicunent aboliu o lrlcn Pr¡Le,
que a Restauração recuperolr, rnas qLre caiu definitivamente em clesuso tlcl
século XVIII.

As artes efémeras tiverai-n, pois, no século XVII as úrltìmas manifestnções.


Os torne los e as batalhas sìmr,iladas clo tempo cla r¿rinha Isabel tiveram aincla
expressão na primeira década do sécr"rlo XVil. quanclo o Príncipe de Gales,
filho cte Jairne I, quis ser identific¿ido com os exigentes cócligos morais e

físicos cla car'¿rl¿rria e não com a rnitologia clássica e bíbiica que etgradtrva a
ser.r pai. As entrac"las solenes do rer, em forma de grancliosos desfiles e espec-
tíiculos. por ocäsião da coroação ou de l'isit¿rs ¿i cidades, mttito do agrado cle
Isabel I, foram t¿imbém pro-eressivanìente abandonadas ao longo do séculcr
XVII, não se realizando jíi no reinaclo de Mary e Gr-rilherile cle Orange. Os
Lord Mat'oi'Slrou's, qLle er¿ìm glorificações cla "^tdade e cl¿rs suas Compa-
nhias cle Mercadores, envolvi¿im ¿ì enconencla de uûl texto que seria clecia-
maclo e representaclo e que simbolizaria as relações entre a Corte e a Cidade.
Os textos lor¿rm ciecrescendo erli significaclos c tornanclo-se cacla vez mais
formais e escritos para a ocasião, sendo o últino escrilo ern i 708, nias já não
re presentaclo.

Tarnbém o ilrcLsque I'oi perdendo irnportância partir de ileados clo século


ar

XVII. O nnsclLre er¿r essenci¿rlmente r.tm <<esirelho> clitista. jíi que o seu pú-
blico se lirlitava ¿ro rei e seus irróximos, ¿ìos alistocl'ltlts e aos embatxadores.
enquanto os ¿ìctores eltm. tambónt. membros c1a fan-rília re ¿rl e nobres (excepto
no uttÍirttLsqrrc err\ que intervirtham actores prof issionais, c1t"tc pertcnciam ¿t
conrpanlrras financiadas pelo rei). O trnl¿ì centr¿ì| do mu.sc1ue, independente-
mente clo seu enreclo específico. e ra o poder do l'ei. percebido através de uma
história ent qlle unta te ntativ¿t para e¡stabelecel o caos er¿ì corìtr¿ìriacla e er¿inl
afirmadas as vil-tudes da orclem. da hierarquia c cla lealciade ao mon¿ìrc¿ì.

Ao contrírrio clo Lorcl Mut,or .\ihovr', em clue er¿ìm ¿ìpresentaclas virtr-rdes. conlo
a \/ercl¿icle, enclu¿tnto moclelos que clcviürr"r ser segLticlos. no r/l(t.çr1¿r¿' o t'ci
repfesentav¿ì, ele próprio. todas aS virtudes. Aqui residia a fofça cleste espec-
táculo e a sua função colrìo instrumento político de irnportância nacional e
internacional. Mas aqui residia também a sua inìensa vulnerabiliclade, a par-
tir clo momento em que, cle facto, Carlos I perdeu o poder e foi executado.

Todas est¿ts ilanifestações fol'am desencoraj¿ìdas com a Repúiblica, cle


acorclo com o espírito puritano, que Max Weber definiu na inesquecír'el
expressão: <Here asceticism descenclecl like a frost on the life of 'Merrie
" ìl'hx \\¡eber, Tlrc Prutesldill old England')16. E Weber continlla, dizendo que não foratn apenas os diver-
[:thLr: nttd lhe S])iriÍ o.f
timentos mundanos que sentiram os efeitos clo ódio feroz que os PLlritanos
Cupitulisnt, London. Ccolge
Allen and Unrvin. 1978. votavarn a tuclo qLranto aludia a Superstição. a todas aS manifestações sobre-
p. 168.
viventes cla ma-eia e da salvação sacramental, aplicadas às festividacles do
Natal e ao Mct\: Pole e a toda a arte religiosa espontânea.

Se hoje em clia já
se reperspectivou a atitude dominante. no Interregno, no
sentido cle se afirmar qlìe não foi. afinal, um desastre cultural, não deix¿r de
ser evidente que as iniciativas de Carlos I para mobilizar o talento dos ¿rrtis-
tas viSuais e olltros para, através c1a arqr-ritectllra, decoração de interiores,
pintura retratista oû ItICtsqLIes, glorificarem o seu regime, não tiveram segui-
mento quer pelo Parlametrto quer por CromrveÌ1. Em meados do século XVII
a Inglaterra não exercia quase nenhtlma influência cllltural na Europa. Mas
depois de 1660 esta situação iria mr"rdar drasticamente.

Actividades

1 iclentifique os traços de continuidade e de mudança na cultura dos


séculos XVI e XVII.

2 Como interpreta as mudancas estfuturais observadas? Redija uma breve


apreciação, pfocurando articular nela diversas ordens de fenómenos,
comentados em capítulos anteriores:

2.1 Fenómenos políticos. sociais e económicos:

2.2 Fenómenos religiosos, associados à Reforr-na;

,') Desenvolvrmentos do pensamento filosófico e científico.


Bibliografia sugerida

Não são inclic¿rclos títirlos novos. As leituras complemetltares a este capítulo


são as mesmas que para o capítulo anterior,

A fim de cuntprir propost¿ls neste cäpítr.rlo, selra desejável


¿rs acti',,ici¿tdes
uma revisão completa da bibliografia reconiendada para toclos os capítulos
que integranl est¿ì parte do manual.
,t
:i
;
¡ill
,
la1

:i
¡
l,:l

:
E" Ðo pnó^åradustnåaÏ à åxedustriaÍåzação såstemeatåøação e
- teoråzação
Sumário

Este capítulo estrutura-se como conclnsão a esta parte do inanual e abertura


para a próxima parte. Tem conto núcleo centt'al a intetpretação de MaxWeber
sobre o processo de transformação económica, social e cultural da Inglaterra
no período em apreço.
Nenhuma análise. mesnlo breve, cla sociedade e da cultura do período rzarl_r
nnclent e m Inglaterra poderia omitir uma refèrência à teoria de Max Wç_þ-er
sobre a relaçãg entre a ét1ca protestante e o espírito do capitalismo. No fra-e-
mento intittrlado, em tradr-ição para inglôs, Tlte Pnttcstcutt Etlúc utd Spirit of
Cttltitttlist¡t, Wcbcr cxpôs urìril parte daquilo quc clcvelia constituir uma socio-
logia dàs reli-eioes, ou seja. uma análise de niodos divergentes de racionali-
zação cla cultura e ¿r tentativa c1e interpretação clessas clivergôncias no desen-
'llt¿ Pnl¿.çîtutl
volvimento sócro-econónicor. Outras partes desse trabalho incidiriarn I N4ax We ber.
[.tl¡ic untl tlte Spirit of'
sobre o juclaísmo, o budismo, o hindr-iísmo e o confucianismo. O estuclo CtLpirali.rtn !9-101. trad.
comparado das grancies religiões ntrndi¿iis perrnitiria ao autot estabelecer Talcott ParsoDS, inir'. Anthonl.
Gidclens. London. Geolge
um¿r diferença fundamental entre a cnltur¿i ocidental e as culturas orientais. Allcn & Unu'in. 1978.
Ao identificar a actividade capitalista. associada à organizaçáo formalniente
racional de trabalho livre, como um fenómeno específico do ociclente, que
nãro ocorre rìoutros contextos de grancles religiões, \Veber ¿ibriu uma linha de
ariálise integradora de fenómenos de diferente natLlreza, que äinda hoje
suscita polémica.

Descle a pubiicação, ern 1930, a ..Ética Protestante> teTn ticlo seguidores


sr-ra
e cletractores, ffìas não deixou cle ser nma referência funclarlental nos estll-
dos sobre a sociedacle e cr-rltura ocidentais, em geral, britânicas etn particu-
¿1.

lar. Ern síntese, a teoria de Weber procura explical o carácter específico do


capitalismo ocidental. clistinguinclo-o da siniples actividade qlre procura o
enriquecimento. Além de ser um f'enómeno geograficamente enquaclrado.
r-ro ocidente, o capitalismo é também urì fenómeno inscrito nnm tempo rel:r-
tivamente recente. sur-eincio apenas corn, e após, a Reforma. É a relação que
Weber, de forma clara e convinccnte . estabelece entre f'enómenos aparente-
mente contr¿iclitórios a religião cristã e a acumulação de riqueza que
- -
vem introcluzir uma linha nov¿r de análise nos estuclos sociológicos e cultu-
lais. O ponto e-N_g¡çiiÌ-l de_ o_bs,eqvç1ç{o do aLitor incicie na novidade do
f'enónleno dc. no crriprccrrdilïcnto cupitalista. sc proccdcr a Lrnla reprodLrçio
t'cgtrlul do capital. quc cnvolvc o seu inr,estirnenLo e rcilrvestilnento par¿t :.Purit¿rnisrnor ó urn ternlo

fins de efìcácia económic¿r e não para a satislação cle necessicl¿rdes materiais. iìüóì úìii qi'iiitica rtitLrcrcs
no cnquadranrcnto da religião
A pesqLrisa cle Weber ¿ìssenta na vontade cle entender esta dissociação entre o p[otùstalìtc. \\''ebcI sentc ¿r

cìcse.jo clc acuniulaçào clc riqLrcza e r lusôncia clc intelessc nos pralcrcs ncccssidade rlc c.spccilicar a
iìcdpçã0 cnl quc o utiliza.
materiais que a riqueza proporciona. A inte rpretação assentará nllrìa leitr"rra esclarecentlo- cnì nût¿ì ito
dos fenómenos históricos, que rel¿rciona, colno jír se clisse. a religião com a trì;it0. rluc rì-s¿l a e\pressao
scnìprc n0 -sentido cluc ela
actividade económica. torÌrou no ciiscur-so popLrlar do
sécL¡lr-. XVII. ou scja. para
rclerir os lno\,inìrntos de
Para Weber', a resposta às su¿rs interrogações leside no espír'ito pulitano. qr,re
incìinaçao ascética sulgidos
ilcentì.ru a llocão dc rr¡r'¿¿r'¿7o:. Pala o autor estlt noçlìo nlìo cxistiriû ncnl na nl Holancla c cnr Inglaterra.
scnr distinçao de olganizaciirr
antiguidacie nem n¿ì teologia católica. senclo irpr'nls introduz.icla na reÌigiãc)
de Igrc-¡a ou dogrra. incluindrr
crìstã com a Refolma. A r,ocação passa a ser entendid¿1. coTllo ¿i. mais elevada assinr os Intlcpcnclcntcs. t.r..s

ConglcglLcioniriistx,c. os IJaP-
lbl'riln clc oblieaçIo lnoral inctiviclual. quc corrsistù ùrìì curììpril os scus clcve-
ti-\tas. os ì\ilco0nttiì-\ c os
res no plano cla activiclacle clo <rnunclorr. Esta forma cle actividaclc c clL- clull- QLtakcrs. ir!tttt. P. 211 .
primento do clever é chamada por Weber this-vvordh' asceticisnt, e é própria
ào p;tituni.irliO.'Ao projectar o scu cotnporlamento religioso na vida e ita'
actividacle do dia-a-dia. de forrna constante e cumulativa. o pr'rritano distil
gue-se do cátólico, que cumpre a sua religiosidade num ciclo de pecado,
arrependimento e perclão.

O espírito puritano que Weber deScrer,e está já presente no luteranismo, mas


desenvolve-se mais nas seitas puritanas, como a calvinista. a metodist¿r. ¿r
pietista e a baptista. Entre estas é ¿i calvinrsta que lhe clesperta especial aten-
doutrina da predestirtação. Pat'a cls calvitlistas
ção, sobretuclo no que se ref'ere ¿ì

¿ìpenas alguns seres humanos seriam escolhidos por Deus para a vida eterna,
sendo essa escolha predeterminacla. O Deus clo Novo Testamento. Pai no
Céu. compreensivo e humano. que rejubila com O arrependimento do peca-
dor, foi substituído por um ser transcendental, para lá cla cotnpreensão
hlrmana. qLÌe com os seus decretos incompreensíveis decidiu o destino de
cada inclir,íduo e regttlou os mais pequenos pormenores do cosmos' até à
eternidade. Nesta concepção de predestinação as decisões divinas são imtt-
táveis e por isso é tão impossível. a que já a tem, perder a graça de Deus
como a alguém obtê-la quando Deus a negou. Weber extrai daqui ttm comen-
tário: na Sua extrema clesumanidacle, esta doutrina, nais do que qùalqUer
ôiriia, deve ter tido urna drarnática consequência para a vicla de uma geração
que se rendeu à sua magnífica consistência um sentido de soiidão ìnterior
-
sem precedentes. Aqulfo que era. para o homem da época da Reforma, a
coisa mais importante da vida, a sua salvação eterna, pasì,9,.u a ser pala ele
um destino a ser cuinprido forçoszimente só. antecipadamente decidido palel
toda a eternidade. A ideia de que a srlvacã-o po-cle_ria ser obtida através cla
igreja e clos sacramenró;ii;; oüi,r.r..onlpletamente eliminada, é q1.i.¡g-gÒq-
sis.te. a difere,¡rça decisilj.a elllre o calvinisino e o catolicismo...

Desta idela de predestinação decorrem duas consequências. A-prirneira é


que se tôrna obrigatório que cada um se consiclere escolhiclo, porqlìe a falta
de certeza é indicador"a de fé insuflciente. A segunda lorna recomendár'el a
pritica de boas obras. porque estas seriam demonstrrção de cel'teza cla salva-
ção. Deste m_o-!o, o êxito numa vocação passou a ser visto como
um sinal-
Ilunca corlo um meio clq se pertencér aos eleit'os' A ac¡rmytlação. de'
-
riqueza seria.sancionada moralmente desde que resultasse de um c-o_mporta-
mento sóbrio, austefo e trabalhador. e conc'lenada se fos,se r,rtilizada para sus-
tentat um¿r vid¿t cle ócio, luxo e auto-Satisfação. Mais clo que qualquer outra
das seitas puritanas, a c¿rlvinista acrescentolr aos ändamentos molais tlma
energia e um dinamistno que a iortloll especialmente orientada para a
acumuiação de riqueza em moldes capitalistas.

No caso específico da Inglaterra. Weber interpreta o espírito c¿rlvitlista corìo


oposto à organização social do estaclo assente no anglicanismo, sob os Stuarts,
oposto em especial às concepções de Laud, que postulava uma aliança entre
a igreja e o Estaclo colrì os monopólios na base cle uma ética cristã-social'
Contra a noção de ttm comércio privilegiaclo politicarnertte, e de um capita-
lismo colonial. os pttritanos eiegiam os motivos 1¡rdivldualis!a,¡ da aquisição
legal e racional ent resttltado das competências e virtudes privadas. E de
iacto, segundo Weber. enquanto ¿rs indústrias monopolistas e poiiticamente
priyilegiadas pouco ¿ì potlco vieram a desaparecer. as inclústrias surgidas
apesar cle. e contra. a autoridade do estado florescer¿rm e l'ieram a dar ori-
gem'à revolr¡ção inclustrial e ;ì emergência de uma nova classe de capitalistas
e industriais.

Os p.t¡¡111gos repudiavai¡ tocla,s as reÌações cotn os aristocratas capitalistas,


que ðonsicleravanÌ eticatnente cluvidosos e, por outro l¿rdo, orgulhzrvam-se
da sua própria moral, c1e classe média. Aqui identifica W=eber um dos ele-
rnentos funclamentais não só do espírito do capitalismo ntoderno, mas tam-
bém de tocla a cttltrtra moderna: o nascimento de uma conduta r¿rcional. com
b¿ise na icleia de I'ocação, a partir do espírito do ascetismo cristão.

Par¿i além clo puritanismo, Weber distingue outros traços específicos cia cul-
tura ocident¿rl, observitveis no trìesllo período, que distinguem também o
tipo de desenvolvimento económico do ocidente do do oriente. Estes traços,
que serão tan-ibém retomados em análises posteriores. incluem a separação
entre a empresa proclutiva e a casa farniliar. Este aspectq..ga tlantição dq
socieclade leudal para as sociedades modernas industrializadas é frequente-
mente retomacio nas análises sócio-económicas da Inglaterra entre os sécu-
los XVII e XIX, In-rporta lembrar que. neste período. se assiste em Inglaterra
à expansão cJo clontesÍic slsteill, já ref'erido, que consistta na combinação
entre a actividacle rural e um sistema de contrato à tarefa para fiação e tece-
lagem, este já organizaclo e¡n moldes pré-capitalistas, com a figura do
entrepreileLLr a est¿rbelecel oS contactos enti'e o <capttal> e O <trabalho>.

Outro aspecto refericlo jír por Weber. que distingue o modelo específico do
capitalisrno ociclent¿rl de outras economias é o de_senvolvlirnento cldades
-das
no ocidente. As comunidades urbanas terian irtingido Llm grau de autono-
mia e clesenvolvime nto na Europa pós-medieval. qr,re proporcionou o afasta-
mento da .,burguesia> clas actividades agrícolas e a Sua dedicação a enlpfeen-
dirnòitos conierciais e inclustriais. Tambérn a existênci¿r, Ita Europa, de nma
tl'aclicão legislativa assente no clireito romano, teria ploporcionado ttma racio-
nalização integrada e desenvolvid¿r clas práticas jr-rrídicas, aciequada ao
desenvolvimento cio capitalismo. Aqui sel'á de referir que a situação inglesa
é unl tanto peculiar, dado que desde cedo o espíríto britânico se opõe a intro-
missões clo clireito romano e canónico. acentuando a importância tradicional
clo conunoti /r¿x' inglês. Foram jár f'eitas referências ¿r este traço da cultur¿r
inglesa. qlte Se torna mais evidente no período da Reforma. coûl o cl¿iro
repúdio clas leis canónicas, mas qlle contitlLt¿t a tel' cxpressão no qttadro
político clo século XViI. Poderír rel'erit'-se. a título de exentplo, o teor düS
petições do Parlamento, enl 1629, onde se argunlenta sempre com base num
clireito britânico, jír expresso na carta de coroação de Henrique I, na N4a-qna
Carta. nos estatutos de Eduardo III. etc.

Este aspecto poderá ter sido crucial p¿ìra o clesenvolvimento da icleia de


Estado-Nação^ adrninrstrado por f-r-rncionários profissionais, que eni Ingla-
terra começou a desenhar-se claramente sob o reinado e a gestão de Henlique
VIi, e teve posteriores clesenvolvimentos naqr-rilo a que Elton chamou (a
levolução Tudor no governo>>: as reformas empreendidas por Thomas
Cromrvell, a que já foi feita referência. Weber refere também, como unl ele-
mento fundamental para o desenvoivimento do capitalismo na Europa. o
aperfeiçoamento dos métodos de registo das transações em livros de dupla
entrada. Por úrltimo. a própria erosão do sistema fèudal. que colocava os
trabalhadores nuina situação de obrigação perante o senhor, foi fundamental
para a formação d¿r massa de trabalhadores livres. cuja sr"rbsistôncia depende
d¿i troc¿r clo seu trabalho por unì salário.

O conjunto destas circunstâncias. conrbinado com et energia moral clo purita-


nismo, teria criado as condições para o clesenvolvimento do capitalismo ocì-
dental. É, poréin. importante lembrar o teor cio pensamento de Weber nas
notas que conclLiern A Efica Prcstestcmte. Se o puritanismo é a faísca qr-re faz
incendiar a .sequência de mudanças que conduz ao capitalismo inclustrial.
este, urna r,ez estabelecido, irá elirninal'todos os elementos especificamente
religiosos na ética que contribuiu para o produzir'. Ou seja. o clpit_alismo
vitorioso. como diz Weber, que repollsa em fu¡rdações mecânicas. não þìé-
cisa jír do apoio do pLrlitanisrno e aquilo que corlteçolr por ser o descjo cle
trabalh¿rr no quadro cle una vocacão é ho-je um inrpe lativo que nos limita a
.
todos. Além disso, os bens materiais adquiriram um pocler crescente. final- I
i
mente inexorável. sobre ¿rs r.idas das pessoas. como nllnca antes na história. ì

Weber refere explicitarnente o caso dos Estados Unidos onde, segundo ele, a .tI

busca de riqueza. desprda do seu srgnificado relìgioso e éttco. tende a asso-


ciar-se apenas corn paixões rnundanas que frequenternente lhe conferem o
I Itletn. pp lE0- I 82. Este carácter de desportor.
aspccto tla rndlisc cle \\tber
teni sido. rccctìtcnlcntc. r'ccu-
perado pelos analistas ria cul- Weber considerava que a análise que proplìnha constituía apenas urna d¿rs
tur¿ì nloderna c pós-rlodei-na.
milit¿rs pel'spectivas a estudar. par¿ì se eniender o srgnificado das icle ias reli-
,,\ u.jaula de {ìrro". ou lrol
¡:¿r'¡:. clo ca¡rit:rlisrlo conto giclsas na cultura e na forn-iação clo carácter n¿rcion¿il. Os aspectos que enun-
\\iebcr cha¡ra ao plocesso de
ciou como ainda ausentes das análises necessárias, foram retontados por
autr¡dcstru ic¿tr¡ d0 .spíilto
capitalista. ó ccntral para as outros historiaclores e analistas cla cultura e creio que vale a pena ennnciá-
interpletaçöcs d¿r ¡rodclni- -los. A primeira tarefa ¿r clesenvol'rer seria ¿r de estudar o significado do
drde- crrr¡uanto ultrapasslgenr
do chatrado "plojecto ilLrrnl- <racionalisn'io ascético> para o conteúdo da ética soci¿rl prática. or"r seja. o
ûistíì'. coiil() \'rltclnos niì con- inoclo conìo o racion¿rlismo ascético teria contribuíclo para os tipos de olga-
clusro dcstc \lanrral
nização e para trs 1ìnções dos gn-rpos sociais. Dcpois, :ìs slt¿ts lelações coul o
racionalismo humanist¿t. os selrs ideais cle vida e a sua inl'luência cultural.
O desenvolvimento do ernpirisrno filosófico e científico, o desenvolvimento
técnico e os ideais espirituais teriam de ser também analisados. Finalrnente
o clesenvolvimento histórico do ascetisino n-iundano (worldl¡' osceticislll)
clescle os começos medievais até à sua clissolução no utilitarismo puro teria
qlle ser cleterminada em todas as írreas da religião ascética. Só depois de tudo
isto, para Weber, podelia ser estimado o signìficado cultut'ai do protestan-
I
tismcl ascético em relação com oS outros elementos da cultura moderna+. 1r1ear, pp. 182-183

As potencialidades cla arlíilise de Max Weber são idiscr-rtíveis. Porém, em


aspectos específicos. n-iuitas críticas the têm sido feitas, nomeadamente quanto
à caracterização que Weber fez do calvinismo e do catolicismo, que alguns
autores contest¿ìrant. Otttros criticaram o âmbito das lbntes, considerando
que, sendo predominantenlente anglo-saxónicaS, apenas eram relevantes para
a Inglaterra, não podendo as cottclusões ser ,generalisár'eis à Renânia, aos
Países Baixos ou à Suíça, nos séculos XVI e XViI. No que se refere aos
aspectos teóricos cia análrse cnltural é ainda hoje debatido o contraste que
Weber estabeieceu entre o capitalismo moderno e racional, e tipos anteriores
de ¿rctiviclacle capitalista. Alguns autores defendem os traços de continui-
dacle que são observáveis descie períodos mais remotos. olt rejeitarn a inter-
pretação de aspectos da cultura dos séculos XVI e XVII como sendo novos,
como Weber os considera. Assim, deve ser clescle já referida a posição de
R. H. Tawney. que consiclera que o <espírito do capitaiismer, é ¿rnterior ao
-'R. H. 'farvney ll92?1. Reli'
pnlitanismo e o concliciona. em vez do contrários. No prefácio à edição de
giort und tlte Rise of Cupitu-
1937 de ReLigiort ctncl the Rise o.f Cupitalivn Tawney sublinha a necessi- /i.çnr. Hal monclsrvorth. Pe n-
dade, ¿rinda apresentada con-ìo recente nos estudos de história. de relacionar .'euin. 1964.

religião e economia. e menciona os trabalhos de Weber como pioneiros


nesta área. Segundo Tar,r,ney a religião in[luenciou. rìum grau hoje difícil de
compreender. as perspectivas clos hometts sobre a sociedade, as mudanças
económicas e sociais tiveram poderosa influência sobre a religião.

A falha principal da análise de S/eber residiria na omissão em verificar até


que ponto a Refotma teri¡t sido uma resposta a necessidades sociais, Llem
corllo em investigar as caus¿ìs e ¿ìs consequências da rnent¿ilidade religiosa
que analisara com tanta perspicácia. Assitl-t, parzrTawne)', era Llrgente p[oce-
der'¿r uma tripla reconstt'ttção. política, eclesiástica e económica, do período
da história de Inglaten'a entre a Armada e a Rel,olução, em qtre cada ingre-
cliente no calcleiro cia história operou translormações subtrs em todos os
outros. Entre acção e leacção. o puritanismo contribr"rir,t para ntolclar a ot'clem
socral. mas foi t¿rmbém, e cada vez mais. moldacio por e1a. Religiort cuttl tlte
Rise. of Copitctlism será. portanto. orientado pela vontacle de verificar a
inflr-iô¡cia cla expansão económica sobre äs convicções religioslis daquele
período.

N4¿us recenteulel-ìte, as lelações entre a religião e ¿ì econofilia estabelecidas


pol Weber e por Tawnel' têrn sido questionaclas. nomeadamente iror J' A'
Sharpe que. em Enrlt MocJent Englcmcl cl¿ìfamente refuta este
tipo de reia-
relaciollacão, onde Se estabeleçam nexos
ção. Sharpe sllgere outro tipo de
de se cotltitlttaf a
mais clatos entre religião e ambiente, por exemplo, enl vez
provavel-
insistir Sobre Llm relação entre religião e classe média. qlle Seria
pocleri¿ì detectar
ilìente clesmenticla pof alllìliseS Sobre outras fontes. onde Se
período
Lu-n¿ìcuriosa relação entre inovação religios¿ì e hìerarquia social' no
'rJ. A. Shrrpe . [:ur lY |futdertt cie maior expansão clo espírito puritano6'
I:.trylund, pp. 327-228.
um prin-
De entre a diversrdacle de posições teóricas qlle podemos encontr¿lr,
cípio no entanto é sempre reconhecido: o cl¿l centralidade dos fenórìenos
religrosos para o ente rìcllniellto da cultura e cla sociedade britânicas
noS
de ¿rnálise
séculos XVI ¿r XVru. Foram já rnencionados inúmeros elementos
ele-
que ligam a religião à política neste período. Importa ainda observar
para a caracte-
mentos de natureza cliversa claqnela, que contribuem também
rização d¿t cultura inglesa deste período'

Será de notaf. ern prir-neiro lug:rr. que a relação weberiarìa


entre pr"rritanismo
e classe rnéclianão ó senipre sustentável. O protestantismo palece ter siclo,
nos prirneiros tempos. Llma leligião com algu¡1a exclusividade
social, cefta-
do protes-
nlente maior cio que a do catolicismo anterior à Reforma'Aênfase
ta¡tismo sobre ¿ìs escrituras. sobre a interiorização de um sistema religioso,
série de rituais'
Sobre a religião cotlo LIm corpo cle crenças mais do que uma
que florescer
era senì ciírvida exigente. O espírito protestante, puritano' teria
principalmente entre aqueles que sabiam ler, tinham tempo para o fazer,
e

ti¡ham ui-n lugar na hierarquia social qlle oS tornava sensíveis ¿ì necessidade


do homem' Mas,
de prese¡,¿r ¿l orden-ì. perante a natltreza rebe lde e pecaclora
t¿rl como foi indicado acima. atravéS do comentário
de Max Weber à situa-
tempo cle Laud. ¿ìs inovações do <armi-
ção político-social e religiosa no
qLre jun-
nianìSrno> vieram oc¿ìSionar uma unificação clo espírito protestante
pro-
tolt. no mesmo repúrclio, pares protest¿ìntes e camponeses iconoclastas'
vocando um corìserìso religioso qlle não existira ainda, clesde a Reforma'

Se este momento cle consenso foi de pouca dur:rção. serve. llo entanto, para
Surgidas com a
lembr¿rr a clive¡sidade cle convicções e cle práticas religiosas
êxito'
Refornta e qlte clifet'entes actos legislativos tent¿ìr¿ìm unificar' Sem
n.ìuìto os teólo-
A diversidacle volta ¿ì surgir. entre 1640 e 1660. preocr-rpando
_gos deste períoclo.
geranclo intensas polémrcas qu¿ìuto aos princípìos da
tolerância religiosa. contra uma diversrficação com contornos heréttcos.
fhoi-rras Echvards pubiicor-r, erri 1646. a obra Gc¡tgruenu'
onde fez o c¿rtá-
vivamente
logo clas heresias que prolifefavarì desde 1642, e se pfonunciott
contra ¿i tolerância religiosa. Porém, o contexto social e cultural da
época

eram lavoráveis ao radic¿rlismo reiigioso e socì¿il: a sr-rbmissão à vontade


cle

f)eus. que poclia quefer a clissolução clos laços sociais tradicionais' o colapso
cio episcopalisno, ¿t ¿tusência cle clisciplina religiosa, a presença de uin¿r
literacia em expansão, a ausência de censura na imprensa, contam-Se entre
essas condições favoráveis.

As seitas religiosas que começaram a proliferar entre as classes mais


desfavorecidas poderiam ter raízes anteriores, mas é sem dúvida neste período
que adquirem voz activÍt no quadro do radicalismo social: o estabelecimento
clo reino cle Deus na Terr¿r envolveria a alteração da ordem social. Os
Milenaristas acreclitavam na segunda vinda cle Cristo e no fim do mundo a
curto prazo. cotrt a concomitante dissolução de todas as coisas. A Quinta
Monarquia acreclitava que o Reino de Jesus Cristo e de Todos-os-Santos
estava próximo, implicando acção irnediata: purgas no clero. abolição dos
impostos eclesiásticos. imposição da moral puritana, redr,rção dos impostos
e remoção dos privilégios dos ricos. Nesta seita em especial, para choque
dos sectores mais conservadores da sociedade. as nulheres tinham papéis
activos, cliscrirsavan-i, votavam ou, pelo menos, faziam profecias. Os Ranters,
por seli turno. acreditavan que Deus est¿ìva presente quer nas pessoas quer
objectos e, cottsiderando-se <<eleitos>>, julgavam-se acima das leis
ruos
humanas tendo por isso comportamentos que rcjeitavam a moral con-
temporânea, em especial a moral sexual. Este gmpo terá ticio expressão apenas
entre os estfatos mais baixos da sociedade, principalmente em Londres.
Tambérn radicais eram os prirneiros Quakers, que queriam reformas das leis
e clos impostos e a abolição da Igreja Anglicana. Estes vinham de estratos
medianos, de pequenos comerciantes e yeotne¡t.

Com Restauração pode observar-se de novo hostiliclade do poder contra as


¿r

seitas religios¿rs. Se a história da religião não é necessariamente coincidente


com a legislação em matéria religiosa. esta pode, pelo menos, revelar as
atitucies <oficiais>. No caso da lnglaterra depois de 1660, a legislação é cla-
ramente contrárta à proliferação de seitas e será apenas em 17 I 8 que a legis-
lação contra os dissidentes será anuladaT. A liberdade religiosa só muito mals 'A legislaçio que conìÐçotr i:r
lìmitar as liberdades de crença
tarde viria ¿l ser uma realidade, sendo os decretos conheciclos por Test ancl e de culto e a formaçao dc
Cor¡tcsrations Act e CctÍholic Entcutci¡tation Act, respectivamente de 1828 e seitas. impunha a necessidacle
dc prestação de um juramento
1829 os pnmeiros indicadores de mudança efectiva. Entretanto o Anglica- aos pricípios tlo anglicanisnro

nismo reforCava-Se, estruturando-se sobre aS esct'ituras, a razão e a tradição, para o desempcnho cle fun-
ções públicas- O Código de
demonstrando uma vitalidade e um conteúdo religioso que desmentem a sua Clarendon. o Toleruliott AL:t
qualificação de religião merarnente oportuna e tenuemente deísta. A vitali- de 1689. o Occ:usit¡ttul
Coulòrntitt ¡1c¿ de 17II e o
dade clo Anglicanismo. neste período, tem expressão na formação de socie- .!r'lri.çnr l7l-l fo¡ant
,{c¡ de
dades que Se constituem com o fito de reformar os costumes e melhorar a todos contrários à expansão
das seitas dissidentcs.
sociedade.

É curioso notar a clata de constituição de aigumas destas sociedades, colllo a


Socien, Jor Promotittg Christicut Krtotvlege, fundada em 1698. a Socie¡' .f'or
Íþ.e P ropctgcttionof the Gospel, fundacla em 170 i , ou ainda o movimento das
chari^' .schc¡ols, tambénr começaclo neste período. Estas raízes re¡notas da
or-eanização colectiva. com intenção de expansão nacional, indicam uma
I
iì.

tiaclição de solidariedade que será posteriormente alterada no quadro da


inglaterra industrial: nos finais dos anos vinte do século XIX'Thomas Carlyle
iria consiclerar corÌlo um <sinal clos tempos> a proliferaçãio de sociedades
para toclos oS fins, interpretando-as como indício de uma rnecanização que
atingira já, não apenas as actividades mecânic¿rs e exteriores do homem, mas
o seu próprio âmago.

A vitaliclacle clo AnglicaniSrno rnanifesta-Se. ineqttivocamente, na formação


clo movitnento Metoclista. funclado por John Wesley por volta cle 1729' Este
mot,iniento é um dos que E. P. Thompson irá analis¿tr na sua obraThe Making
of the ErtglisltWorking Clctss, col-lsiclerando-o ulrl dos elementos que, deci-
sivamente. contribniram para a formação de um¿r consciência de classe entre
os trabalhadores ingleses clas primeiras décadas da Revolução industrial.
Embora tenha assumido rapidamente um cunho popular, o Metodismo come-
cie levar a palavra de
çou no seio da igrejaAnglicana no espírito evarigélico
Deus às populações rnais desprotegidas e desfavorecidas. O seu próprio nome
indica a adopção cle un <métoclo> de conversão próprio' que passava fre-
quentemente por rnanifestações de histeria colectiva. A adesão popular que
o Metodismo rapidamente recebeu, tornou o movitnento suspeito aos olhos
dos SectOres maiS conservadores. mas aO IrìeStrìO tempo proporciOltou a sua
constituição em moldes fornlais. substituindo muitas vezes a igreja paro-
quial e o Anglicantsmo. Por volta de 1170 o Metodismo manifestava já uma
ruptuÍa interna onde se desenhava r-rma f acção mais radical e calvinista oposta
a outra mais conservadora e arminiana, onde se Situavam John e Charles
Wesley. Seria a facção radical que iria exeÍcer unla poderosa inflttêncìa na
formação do proiet¿ìriado inglês. colrìo se verá na secção seguinte.

Os grr-rpos clissidentes, cotno os presbiterianos, os baptista, os indepenclen-


tes. clepois de ultrapassado o períoclo revolt'tcionário dos anos cìuafenta a
Sessenta, começ¿ìfam, pollco a pouco, a tomar atiiudes rnniS pacíficas e a
adquirir lespeitabiliclacle, apelando a diferentes estratos sociais e popu-
laclonais. Os plesbiterianos. por exemplo, fixat'am-Se num meio burguôs e
eclucado; os indepenclentes parecem ter tido rnaior impacto num nível social
li_eeiramente mais baixo. de lojistas. peqttenos coinel'ci¿rntes e artesãos.
enquanto os baptistas atr¿ríam nlais os pobles dos centros ttrbanos' A esta-
bilização. e mesmo o decréscimo de adesões, registou-se também entre os
quakers, c¿ìdiì vez mais circunscritos a at'tesãos e peqllenos propÍietários
rurais e Llrbanos. Os católicos foram. pouco a pollco. peldendo a espelanç¿'t
cle uma restauração catóiica e os cerca de oltenta mil que viviam enl In-qla-
terua ajustat'art-se tarnbérn a formas maiS moderadas de religiosidade.

Com o cot'rer cios atros. ao longo do século XVIil, o fanatismo religioso


ir-se-ia atenuando à rnedicla que a racionalidacle clo illrrninislno sct'ia acorn-
panhada por um acentuar clo espírito de tolerância. A situação clos jr:deus em
ftiglaterra é clisso exemplo: em meados do século XVII dois judeus cle ori-
gem ibérica. Manuel Dias Soeiro (Menassah Ben Israel) eAntórlio Rodrigues
Robles clistinguirarn-se respectivarriente no desenvolvimento dos estudos
hebraicos e na conquista do direito cle residência. Ern 1654 foi construíd¿r
unra si¡agoga em Lonclres, segLrida de ttm cemitérlo judaico e, apesar de
alguma oposição popLrlar à aquisição do direito de nacionalização, os judeus
a ser tolerados em Inglaterra, collìO não o el'am noutl'os eStadOs
pas:ìar¿ìn-ì
europeus, nome¿rci¿rmente em Porttlgal.

Actividades

[. Deve ler o ensaio cie MaxW'eber The Protestünt E,tllic ctnclthe Spirit oJ
Ca¡tiÍctlisnt, escrito em 1904-5.

t.1 Sintetize a argLrmentação de Max Weber.

1.2 Cornente o seguinte passo:

One of the fìrndamental elements of the spilit of moder¡r capitalism, and


not only of that but of ¿rll mode rn culture: r¿rtional conduct on the basis of
the ldea of calling w¿rs born that is what this discussiou has sought to
denloustrate
-
fiom the spirit of cliristian ascr.rticism. ...
--
Since asceticism undertook to remodel the rvorld ¿rnd to work out its
ideals in the il,orld. material goods have gained ¿rn increasin-e and finally
inexorable power over the lives of men as at no previous period in history.
1b-da¡r the spirit of religious asceticism u¡hether finally, who knorvs?
-
has escaped from the cage. But victorious carpitalism, since it rests on
-meclianical fbundations. needs its support no longer.

3. Tendo em atençãro os capítr-rlos anteriores, qltais lhe parecetn ser as


virtualiclacles e as fragilldacies da interpretação de Weber?

Pode ref'e rir outr¿rs posições te óric¿is para a anírlrse deste período? Quais?

Após ter lido a totalidade clo ntanual, cleverái tegressar a este ponto e
reinterpretar as posições de Max Weber. agora à hrz não ¿ìpen¿ìs cio
período eurlt' nrc¡tlent. trìas de toda ¿i modernidade.

Leia cr segLrinte passo d¿r obra cie R. H. Tawney. Religiort cutd tlte Rise of
Çy111-i
r ul is nt, I 922'.

Not the least fr-rnclamelit¿il of dir,isions among theories of society' is betrveen


thosc r.l,hich regärd the rvorld of hum¿in affails as self'-cont¿iine d. and those
which appealto n supernatural criterion. Moclern social theory, like rnodern
political theory, developed only when society was given a naturalistic
instead of a religious explanation, and the rise of of both r.vas largely due
to a changed conception of the nature and functions of a Church.
The crucial point is the sixteenth and seventeenth centuries. The most
i: ::
important arena (apart from Holland) is England. because it is in England,
with its new geographical position as the entrepôt betrveen Europe and
ti
):a ,. America, its achievement of internal economic unity two centttries before
France and two and a h¿rlf centuries before Germany, its constitutional
-ili l revolution, and its powerful bourgeoi-sie of bankers, ship-owners, and
ì:]::: ,
merchants, that the transformation of the structure of society is earliest,
1

i¡:ì ûJjr"ç1-dtu;4J -::


swiftest, and most complete. lts essence is secularization of soci¿rl and
å,1l:
economic philosophy.
{:1.1, '{j'l\
a.x; I

6.1 Caracterize, no contexto da cultura e da sociedade inglesa dos século


Ë,!,
ui'¡
XVI e XVII. os aspectos enunciados por Tawney: as vantagens da posi-
l

lr:ti: .

ção geográfica da Inglaterra, a unidade económica, a revolução consti-


xl.:J ,
Tï:.;::
I

tucional, odesnvolvimentodaclassemédia.,i, i
"!3:'r.:i'
i.Ài ì

Hit:
;)"1ìr ì-{
.
liì r: l ..' , -..,-l))".tL""'
l!r:l I
7. Elabore uma breve definição de <secularizaçáö;r, e reflicta sobre o pro-
l¡iii
È*r',:7
llì'tr,
,
cesso de transfonnação das estruturas sociais e culturais inglesas à luz
¡ã..r:i
desse conceito.
l*ìl'
l
ti
lt
il:
li
rr"
tìl
il$.
å.. -

fi Bibliografia sugerida
[: ,

HILL, Christopher
ål;
åi
1964 Societ-y- antl Puritattisnt in Pre-Ret,olutioncL¡1, Englcutcl, Nerv York,
F] Schocken Books.
ål
Ë,$;il .
É{. 1969 Re-fonnation ttt I¡tdustricLL RevoLution: l5-10-l780, Harrnondsworth,
Penguin.
x
*:,
Kì!!-: l

SHARPE, J. A.
Ë;
1993 E¿trh, Moclet n Englancl; A SocicLl H istor¡' I 500'I800, London. Edward
Arnold.

TAWNEY, R. H.
1964 Religion cmd the Rise oJ'Capitalistn, Harmondsrvorth, Penguin.

þ
WEBER. Mar
&
I 978 Tlte Protestctn,ï EÍhic cmcl the Spirit o.t' Capitulisnt, Tr¿rd. Talcott
ffi
ffi!: P¿rrsons, Intr. Antliony Giddens, London, George Allen & Un'u"'in.
w,'
ffi
ffir"
w1.:
wìu i

rc.
F--

coniposto e maquetizado
na UNIYERSIDADE AI]ERT¡\

Imprcsso e acabado
na Gr'ál'ica dc Coimbla

Lisboa. Sctembro de 1996

I)e pó-sito lrgal n.' 93 .i02/95

Você também pode gostar