Você está na página 1de 14

bridge

ritain,

rer to
:rley-

ria!

rJ),

., ii&W4444ilfiiff?eWW,_ 1ff :s·N@#fi# :. ;mrWiWãWEãr+tm -NYf#1§#etf'i#&Wiffit&t%tVMtti&%tt éW·-,-M--M

2. A Inglaterra Medieval: séculos XI a XIII


H 1 &&W&
Sumário

O presente capítulo propõe-se tratar os aspectos políticos e sociais da orga


nização da Inglaterra entre os séculos XI e XIII. Deverá ficar claro o quadro
das relações sociais neste período, bem como os fundamentos das teorias
sobre o poder que informam a reflexão teológica e política. É de referir,
desde já, que alguns dos aspectos sociais e culturais tratados têm prolonga
mentos nos séculos posteriores. O conteúdo sumário do capítulo é o seguinte:

• O contexto político e social: a ocupação normanda.

• A organização da casa real e a acção de ordenação e


reconhecimento do território.

• Os laços sociais e a organização da sociedade.

• A organização económica e as interdependências sociais.

63
2.1 Contexto político

No ano de 1066 começou a última das invasões, nas Ilhas Britânicas, que
iria completar o padrão étnico e cultural da sociedade medieval inglesa.
Guilherme da Normandia encontrou, nas Ilhas Britânicas, uma sociedade
rica e culta, com uma literatura própria e um complexo sistema jurídico,
com tradições profundamente enraizadas que dificultavam a unidade política.

Guilherme, por seu lado, vinha de uma região com fronteiras ainda mal de
finidas, povoada por vikings e dinamarqueses, apenas tolerados pelo rei
de França. O espírito viking mantivera-se vivo na Normandia, impelindo os
filhos mais novos das grandes famílias a combater por novos espaços de
implantação noutros lugares, como viria a acontecer na Sicília. Este espírito
de conquista terá levado Guilherme, o Conquistador, a invadir a Inglaterra,
acompanhado por apenas cerca de 6000 soldados, dos quais a maior parte
era mercenária e foi dispensada em 1070, após a pacificação e devastação
das regiões do norte da Inglaterra. A invasão normanda não foi, como a
saxónica ou a dinamarquesa, uma migração nacional. Foi, antes, uma con
quista aristocrática, conduzida por um homem que assim conquistou um
reino e distribuiu terras pelos seus seguidores, formando-se, deste modo,
1
Doris May Stenton, English
uma nova aristocracia que ocupou o lugar da antiga nobreza inglesa'. Society in The Early Middle
Ages: 1066-1307, Harmonds
No período que decorreu entre a batalha de Hastings, em 1066, e a morte worth, Penguin, 1981, pp. 12-
-13.
de Eduardo I, em 1307, a sociedade inglesa não se manteve, de modo
algum, estática. Importa, nesta secção, limitada na sua extensão, referir
apenas as grandes linhas de mudança, a nível político e social, bem como
os traços inovadores que a aristocracia anglo-normanda trouxe para as
artes deste período.

A nível político, sobressaem dois traços importantes, ambos no plano da


organização do estado. O primeiro diz respeito à formação dos
organismos de consulta e decisão no âmbito do poder real, e o segundo à
formação, ainda embrionária, do parlamento.

A casa real, no tempo de Guilherme I e dos seus sucessores, governava


ainda, directamente, o país. O organismo central era o Exchequer, que
reu nia em sessão solene duas vezes por ano, com a presençá de todos os
minis tros do rei, e cujos procedimentos ficavam registados por escrito. O
pri meiro desses registos que sobreviveu, data de 1130, sob o reinado de
Henri que I, filho de Guilherme I. Estes registos, que continuaram a ser
elaborados até à primeira reforma do Parlamento em 1832, eram enrolados e
guardados lado a lado adquirindo um aspecto de tubos, o que lhes valeu a
designação de Pipe rolls. A consulta a este primeiro Pipe roll indica que o
governo da Inglaterra começava a ser centralizado e que existia já uma
organização ela borada de controle no reino, tanto das finanças, como da ' Idem, p. 22.

justiça2.
65
As outras componentes da casa real eram a capela, o hall, e a câmar
(chamber ). A direcção da capela cabia ao Chancellor, no século XII já
antecessor directo do moderno Lord Chancellor. Porém, não existia aind
no período medieval, qualquer noção de serviço público: todos os responsá
veis por cargos de governação dependiam directamente do rei, do seu favo
ou desfavor, e ao Chancellor cabia a função, de suprema importância e con
fiança, de guardar o selo real, e superintender nas tarefas de administraçã
do reino.

A organização do hall era extremamente complexa, também, envolvendoa


administração das comidas e bebidas, distribuída por funções hierarquica
mente organizadas, correspondendo a cada uma, como para os funcionários
da chancelaria, uma remuneração em géneros e em dinheiro perfeitamente
definida, mas susceptível de ser alterada pela vontade do rei. Finalmente, a
câmara real era objecto de uma administração exigente e cuidada, não ape
nas por envolver o bem estar da pessoa do rei, mas também porque nela teve
origem o Tesouro, ou seja, naquele tempo, o lugar mais seguro para guardar
as riquezas pessoais, era o próprio quarto de dormir. Os funcionários mais
importantes da câmara real eram o master chamberlain e, a seguir, o tesou
reiro. O actual Lord Great Chamberlain é o sucessor directo do primeiro,
enquanto o segundo, já no século XII, era simultaneamente funcionário do
Exchequer. Da casa real faziam ainda parte o constable, cujas funções con
sistiam em zelar pela segurança dos membros da casa e controlar as forças
reais em tempo de guerra, e o marshal, que zelava mais directamente pela
pessoa do rei, a sua vida diária e as suas rotinas.

A casa real iria mudar, entre os séculos XI e XIV. No século XII os membros
do Exchequer eram ainda considerados membros da casa real, bem como o
tesoureiro e o Chancellor. Mas,.no princípio do século XIII, já o Exchequer
era um departamento do estado, que reunia em Westminster e o tesouro um
departamento subordinado, mas ambos separados da casa real. Embora
estas mudanças indiquem uma progressiva autonomização dos serviços públi
cos, a pessoa do rei continuava a estar no centro da política, bem como os
membros da sua casa. Também o Chancellor, embora sempre presente junto
do rei, já não tinha a Chancelaria no hall real. Quem substituía o rei nas
ausências era o Justiciar, e este, juntamente com o Chancellor, o Treasurer,
e todos aqueles que detinham posições na casa real constituíam uma espécie
de conselho alargado que participava nas decisões do rei.

Pode assim constatar-se que, desde cedo, o poder do rei era partilhado com
os nobres sendo o Exchequer uma instituição sem par nos outros países da
Europa Ocidental. Henrique II, em particular (1154-1189), discutia com os
seus barões todas as decisões e medidas reformistas e este apoio mútuo terá
sido decisivo na resolução do confronto com os seus filhos, em 1173-1174.

66
podermos falar em «modernização» das estruturas do estado nestes
anos, mos, no entanto, reconhecer alguns sinais de mudança com
implicações rtantes na história da Inglaterra. Nos trinta e cinco anos do
reinado de 'que II foram consolidadas práticas de governo e
administração da jus que dotaram o reino não só de uma maior
segurança, como de um con de homens com treino administrativo, aptos
a governar. Foram estes garantiram, ao continuar as práticas
estabelecidas por Henrique II, a ilidade da Inglaterra durante o reinado
negligente de Ricardo I, Cora de Leão.

suceder a Ricardo 1, João mantém as práticas de administração da


justiça belecidas por seu pai, Henrique II. Porém, um conjunto de
factores, a não terão sido estranhos os comportamentos abusivos do rei
para com us barões, mas onde, também, a conjugação da conquista da
Normandia Filipe II de França e o interdicto lançado sobre a Inglaterra
pelo Papa "ncio III desempenharam papel importante, levaram os
nobres à revolta. será demais insistir sobre a importância da Magna
Carta, o documento nticadocomo selo real, em Runnymede em Junho
de 1215. (É importante rir que não se conhece um documento único
original da Magna Carta, sim quatro exemplares autenticados com o
selo real, que fazem de quer deles um «original»). Neste documento,
multiplicado em cópias número suficiente para ser divulgado em todos
os shires, o rei fez essões a todos os homens livres, que seriam sempre
reconfirmadas pelos sucessores até à tomada de poder por Henrique
VII, no século XV.

muito que se tem escrito sobre a Magna Carta, parece incontestável a


sua sa importância como precursora dos gràndes estatutos do século
XIII e, menos simbolicamente, tem sido frequentemente interpretada
como mento fundador da democracia parlamentar britânica. Este será,
para 1tos um exagero de interpretação, mas parece indiscutível que a
Magna aponta para uma nova época, em que o poder real será
controlado, não medo da revolta mas pela aceitação das contingências
da lei. A revolta barões em 1258-65 continuaria este movimento de
afirmação dos s e a sua estratégia de apoio junto dos representantes do
poder local, shires. Assume aqui particular relevância Simon de
Montfort, frequen nte evocado no século XIX como fundador da
democracia, que convo os representantes dos shires e dos boroughs
para uma só assembleia, do, em 1265, se revoltou contra o rei, Henrique
III. Foi também nestes
, nos finais do século XIII, que Eduardo I passou a convocar
assembleias cavaleiros e habitantes dos burgos, bem como membros do
clero, para ater os seus projectos de reforma, associados à necessidade
de levantar
·s impostos.
tretanto, o Great Council, composto por todos os barões, reunia com me
frequência, sendo mais eficazmente substituído por um conselho mais
67
restrito, e mais próximo do rei. As reuniões do Grande Conselho começara
a ser chamadas Parlamento, do francês parlement ou debate. No século XI
começavam a definir-se os contornos desta instituição: The King in Counci
in Parliament tornara-se, assim, o supremo corpo governante do país. Erao
supremo tribunal, o lugar onde o rei testava a opinião pública sobre a su
política e requeria o apoio financeiro para a executar, o lugar onde se passou
a promulgar legislação e a rever os usos e as práticas da administração.
Embora as assembleias de condes, barões, prelados e burgueses tivessem
sido convocadas com alguma frequência por Eduardo I, o Parlamento não
era ainda uma instituição firmemente estabelecida. Porém, aqui se encontra
a semente que mais tarde se iria desenvolver.

2.2 Os laços sociais

Aqueles que serviam o rei na casa real, e eram muitos, eram recompensado
não apenas em dinheiro, em géneros e em roupas, mas também em terras
Guilherme I e os seus sucessores imediatos dispunham de áreas imensas d
território conquistado, que eram livres de doar a quem lhes prestava serviço
pessoais, tendo procedido a generosas doações. Pouco a pouco, com o avan
ço do século XII, as terras disponíveis foram rareando, e as doações reais
passaram a fazer-se através do pagamento de uma renda anual extraída d
uma quinta de um shire, paga pelo sheriff, ou directamente pelo Exchequer.

Os séculos XI e XII assistiram a outras evidências de organização do estad


em que, não raramente, a iniciativa real era empreendida para melhor conhe
cer a composição, em pessoas e bens, do reino. Os primeiros reis anglo
normandos viajavam incansavelmente pelo território britânico em tempo d
paz, o mesmo fazendo, já no século XIII, João Sem Terra. Mas, ainda n
século XI, sob o reinado de Guilherme I, todos aqueles que possuíam terr
com alguma dimensão foram chamados a prestar um juramento de fideli
dade pessoal ao rei, conhecido corno Salisbury Oath (1086). Ao mesmo tem
po, Guilherme I promoveu o levantamento minucioso das propriedades, e
terras e animais, de cada um dos arcebispos, bispos, abades, condes e restan
tes proprietários de terras, o que não deixou de gerar ressentimentos e algu
mas falsas declarações. O inventário teve que ser repetido, e muitos fora
punidos por perjúrio. As proporções que este inquérito real tomou, levara
a que fosse comparado com o Dia do Juízo, e o nome sob o qual ficou
conhe• cido, quando finalmente se completou, já no século XII, foi o de
Domesda Book.

A partir deste registo pode fazer-se uma estimativa segura do número d


barões e cavaleiros, no reinado de Guilherme I. Os primeiros não chegaria

68
aos duzentos, e os segundos seriam cerca de quatro mil. Como o rei
podia aindaexigir o serviço de cavaleiro sobre as igrejas inglesas, disporia
de mais unssetecentos e oitenta cavaleiros. O rei parece ter seguido dois
ao critérios na distribuição das recompensas em terras: em primeiro lugar, terá
sua tido em vis ta a segurança de pontos chave nas suas fronteiras, ou seja,
sou nas costas da Inglaterra e nas fronteiras com a Escócia e o País de Gales.
ão. Em segundo lugar, a dispersão de terras dadas a diferentes senhores,
em parece ter tido em vista garantir que nenhum teria recursos concentrados,
ão que pudessem pôr em perigo a soberania real.
tra
Aestabilidade e a força da nova sociedade ficaram a dever-se, sem dúvida, a
este cruzamento de interesses, que obrigava os grandes senhores a
acompanhar o rei nas suas visitas a todas as regiões do país, a fim de
superintenderem nas suas próprias terras, e que não permitia a nenhum uma
concentração de terras e a consequente possibilidade de mobilização de
forças, que poderiam ser reunidas sob o princípio da lealdade feudal ao
aos senhor. Esse laço, que deveria, em última instância, ligar cada pessoa ao rei,
as. funcionava por gradações sucessivas, num complexo processo de relações e
de dependências que, pouco a pouco, se foram estruturando, à medida que o
ços princípio da hereditariedade garantia a transmissão da propriedade de
an geração em geração.
ais
Os senhores feudais podiam, eles próprios, doar terras, criando um laço
de
espe cial, liege homage, que vinculava o cavaleiro ao seu senhor. Quando
er.
um cavaleiro recebia terras de mais de um senhor, deveriaallegiance àquele
do que lhe tivesse dado a residência principal. Os deveres de allegiance
be obrigavam o cavaleiro a nunca julgar o seu senhor, e a segui-lo em guerra
lo contra todos excepto o rei, e o senhor deveria servir-lhe como segurança,
de sempre que necessário. Os serviços que o cavaleiro devia prestar ao senhor
no incluíam ainda a guarda do seu castelo e a escolta do senhor e sua família
ras quando em viagem. No entanto, dado que os cavaleiros podiam receber
eli- terras de mais de um senhor, era impossível prestarem a todos, em pessoa,
os serviços devi dos, pelo que lhes era permitido comutá-los em troca de
m
dinheiro. Esta prá tica, chamada scutage, era.já comum no princípio do
em
século XII, e propor cionou uma nova gradação, na sociedade medieval,
an
distinguindo entre os cavaleiros que cumpriam serviços militares e aqueles
gu
que aceitavam terras com a intenção de não prestar esse serviço e pagá-lo
am
em dinheiro.
am
he- Não deve pensar-se que a sociedade medieval era estável, e que os filhos
ay continuavam sempre o estatuto dos pais. Um complicado sistema de usos e
costumes limitava a liberdade de iniciativa e obrigava a múltiplos
pagamentos de rendas e taxas, que podiam conduzir à ruína, enquanto a
de
am bravura e a lealdade podiam ser instrumentos de promoção. É importante
sublinhar que as estruturas que davam coesão à sociedade medieval eram
substancialmente diferentes daquelas que posteriormente se foram
desenvolvendo no período
69
í ---,,Affl'.64 ,•...

moderno. Vimos já que, embora Guilherme I tivesse tido a preocupação


organizar o seu reino, a forma de organização praticada não assentava
nu noção de estado centralizado, mas sim num sistema político de
autoridad divididas, onde o poder se fragmentava em pequenas partes
autónomas. P dizer-se que nenhum governante ou estado era, então,
3
David Held, «The soberano, no senti de ser supremo sobre um dado território e população3.
Develop ment ofthe Modem
State», in Formations of
Por outro lado, n· existia também uma escala hierárquica linear, composta
Modernity, op. cit., pp. 79- por senhores, vassal e camponeses. A hierarquia caracterizava-se
80. frequentemente por uma cad de relações e obrigações em que grandes
proprietários «sublocavam» pa
. das suas terras a outros. Na base da hierarquia estava a maior parte
4
G. Poggi, The Development população, objecto da governação, mas não sujeito de uma relação polític
ofthe Modem State, London,
Hutchinson, 1978, p. 23.

2.3 Enquadramento sócio-económico

A população da Inglaterra medieval vivia principalmente da agricultura. U


grande parte do território estava ainda, no tempo de Guilherme da Normad'
e dos seus sucessores imediatos, coberto por florestas, protegidas por Iegi
lação que as reservava para coutadas reais. Mas, pouco a pouco, a área
floresta começou a ser reduzida por imperativos de subsistência das aldei
Os camponeses necessitavam de terra para cultivar, bem como de camp
para pastoreio. As terras aráveis eram normalmente cultivadas em dois, p
vezes três, grandes campos abertos ( open fields ), que se estendiam por dez
nas ou centenas de hectares.

Este processo de tratamento da terra pelos camponeses em conjunto (


commo field system), e não por pequenos proprietários individuais, tem
dado orige a teorias sobre os antecedentes do sistema de produção
comunitário, tend alguns historiadores interpretado a comunidade·medieval
como modelo sociedade comunitária e solidária. Uma diferença de fundo
separa, no entant a comunidade medieval das experiências empreendidas no
século XIX, p exemplo, no sentido de reconstituir uma sociedade
igualitária e solidári livre da concorrência individual: embora o
tratamento da terra foss empreendido em comum, a posse da terra era
sempre de outrem, a que eram devidos pagamentos.

O sistema de cultivo em regime de open field manteve-se praticament


inalterado até à revolução agrária do século XVIII, quando novas experiên
cias e novas culturas, em conjunto com novas atitudes relativamente à pr
priedade fundiária, concorreram para alterar definitivamente um conjunt
de processos que apenas sofrera mudanças lentas e não radicais desde
Idade Média. É importante notar, contudo, que nem todas as regiões da Ingla
terra praticavam o sistema de open field, que é impraticável em terreno

70
montanhosos ou em zonas de maior densidade florestal. Onde era praticado,
o openfield deixou vestígios ainda hoje visíveis em muitas regiões,
através de traços no solo onde se detectam as curvas feitas pelos antigos
arados puxados por juntas de bois. Embora os camponeses detivessem
pedaços do commonfield, espalhados em strips ao longo de grandes sulcos
abertos pelo arado, nenhum teria a possibilidade de tratar dos seus pedaços,
independen temente dos dos outros. As próprias juntas de bois, necessárias
para puxar o arado, pertenciam a mais de um dono, o que obrigaria, por si
só, a um trata mento em comum das terras da aldeia.
A aldeia medieval dispunha também de prados para alimento do gado. Nes
tesséculos, XI a XIII, não se encontram ainda registos que indiquem a prá
tica de fechamento dos open Jields com o fito de os transformar em pasta
gem para o gado ovino. Tal prática, considerada por Thomas More no
século XVI, como estando na raiz dos males sociais que afligiam a
Inglaterra no seu tempo, teve origem mais tarde, como se verá. Mas já neste
período as ovelhasecarneiros, e não a agricultura, dominavam os interesses
económicos em muitas zonas da Inglaterra. Os excrementos serviam de
adubo, do leite fabricavam-se queijos, as peles transformavam-se em
pergaminho para os livrose registos. Mas era já sobretudo a lã que se
revestia de maior interesse, e este mercado entraria em franca expansão no
século XIII, com um concomitante desenvolvimento das relações da
Inglaterra com a Flandres, grande compradora de lã em bruto, que era
manufacturada e depois reexpor tada para Inglaterra já em forma de tecidos
e fazendas.
O povo, objecto de governação, mas não sujeito de uma relação
política, como acima se disse, não era composto por um conjunto
uniforme de pes soas,em termos de recursos, actividades ou liberdades.
Entre 1066 e 1307, a maior parte daqueles que habitavam a Inglaterra
rural não tinha liberdade pessoal, e era designada, ao longo da Idade
Média, por «vilão». Nos come çosdo mesmo período havia ainda, nas
regiões do oeste e do sudoeste, quem tivesse umestatuto inferior ainda,
referido no Domesday Book como «escra vo».Estes, porém,já não existiam
antes ainda do século XIII, e muito pouco se sabe sobre eles. Eram,
provavelmente, propriedade de homens ricos, ocupados em tarefas
agrícolas ou serviços pessoais, recebendo em troca o necessário para
viver. O seu desaparecimento ficar-se-á a dever ao aumento de poder do
rei e da lei. Em interpretações oitocentistas da Idade Média britânica,
nomeadamente no romance histórico de Sir Walter Scott, ou em certos
textos de Thomas Carlyle, a figura do escravo era vista como um reforço
do sistema de lealdades que orientava a sociedade medieval. Mas a
verdade é que, se o senhor se encarregava de alimentar o escravo, não se
responsabilizava sempre por ele perante a lei.

Vilão» (de villanus, habitante da aldeia) é uma designação que abrange a


maior parte dos camponeses na Idade Média. O seu grau de liberdade era

71
variável, mas era sempre reduzido devido à dependência quase absoluta rei
tivamente ao senhor. O vilão não podia, em princípio, arrendar terras fora
seu manar de origem, nem ganhar a vida exercendo um ofício numa cidad
Além disso, mesmo que prosperasse na agricultura, tudo quanto ganhas
seria, pelo menos em teoria, do senhor. Teria de moer a sua farinha no moi
nho do senhor, cozer o seu pão no forno do senhor, pagar estes serviços, be
como multas sempre que vendia um animal ou casava uma filha. Quand
morresse, os seus melhores bens poderiam ser reclamados pelo senhor, e
vilão, com toda a sua família, podia ainda ser vendido a outro senhor.

Se o número dos vilãos era superior ao dos homens livres, é preciso nã


esquecer que estes existiam também, e que o seu número aumentaria ao long
do tempo, à medida que a servidão ia desaparecendo. As liberdades indivi
duais teriam, no entanto, maior expressão nas cidades. Um servo que fugiss
e conseguisse viver durante um ano e um dia numa cidade, seria considerad
um homem livre. No período anglo-saxónico existia já uma cidade - o
melhor, um borough - em cada shire. Este era um lugar onde se podia
realizar mercados e onde a troca de produtos se efectuava sob o olhar d
testemunhas, que poderiam posteriormente garantir a legitimidade da posse,
Eram lugares onde se podia cunhar moeda e que serviam também de refúgi
em tempo de guerra. O comércio e a defesa parecem ter sido os dois critérios
que levaram à criação de boroughs, sempre fundados por prerrogativa real.
No entanto, nos primeiros anos após a conquista normanda, muitas cidades
decaíram, provavelmente por vontade do rei, que poderia considerar o seu
ambiente mais propício à traição do que o meio disperso das regiões rurais.

Pode dizer-se que no período entre 1086 e 1286 a economia britânica não
sofreu alterações substanciais. Embora se registe um importante aumento
'º John Gillingham, «The populacional, pode falar-se de «expansão sem crescimento»5. Não houve,
Early Middle Ages (1066-
-1290)», in The Oxford His
com efeito, uma revolução comercial nem um desenvolvimento do sistema
tory of Engla11d, ed. Kenneth bancário, pelo que uma boa parte do comércio externo britânico estava nas
O. Morgan, vol. II, The
Middle Ages, Oxford,
mãos de mercadores estrangeiros: gascões, flamengos e italianos. A produ
Oxford UP, 1992, p. 66. ção de tecidos, a construção, a actividade mineira e o tratamento de metais,
a pesca e o sal, continuavam a ser actividades seguidas em processos
tradicionais. Na agricultura pouca coisa mudou, também, e mesmo as
experiências no sentido de utilizar os terrenos aráveis em três folhas em vez
de duas, nem sempre foram bem sucedidas. Mas, se as formas de produção
não mudaram significativamente, algumas atitudes eram já substancialmente
diferentes no princípio do século XIII, daquilo que se sabe terem sido
anteriormente. Em princípios do século XIII um aumento acentuado dos
preços obrigou os grandes senhores, que viviam de rendas, a tomar
directamente conta das suas terras, vindo a nascer toda uma literatura sobre
administração e gestão de propriedades, bem como sobre agricultura, de que
o exemplo mais famoso é o tratado Husbandry de Walter of Henley.

72
fim de melhor entender os conceitos de poder deste período, leia os excertos

e John of Salsbury, Metalogicon, 1159:


There is wholly or mainly this difference between the tyrant and the ruler:
o
that the latter is obedient to law, and rules his people by a will that places
itself at their service, and administers rewards and burdens within the
republic under the guidance of law in a way favourable to the
vindication of his eminent post, so that he proceeds before others to the
extent that, while individuais merely look after individual objects, rulers are
concemed with the burdens of the entire community.

Atribuido a Ranulf of Glanville, Treatise on the Laws and Customs of the


Kingdom of England, 1189:

It is not merely necessary that the royal power be adomed with weapons
against rebels and nations rising up against the kingdom and its ruler, but it
is also appropriate that it be equipped with laws for the sake of peacefully
ruling subjects and peoples, so that in both times, namely of peace and
war, our glorious king may perform his duties so fruitfully that, by the
destruction with the strong right hand of the pride of the unbridled and the
untamed and by the moderation of justice for the humble and the meek by
the staff of equity, he will be victorious in subduing his enemies, justas he
will constantly appear to be evenhanded (aequalis) in the treatment of his
subjects....
Although English laws may not be written, it does not seem absurd for
them to be called laws (namely, those which are accepted beyond doubt
to be promulgated by decision of the Council, with the consultation of
the nobility and the assenting authority of the ruler), since law itself
consists in this: 'What pleases the prince has the force of law.'

Escreva um comentário a estes textos procurando:

1. Contextualizar cada um deles;

2. Sintetizar a ideia de poder do governante e o modo como se rela


ciona com os governados;

3. Definir o conceito de 'equidade', central para o entendimento do


conceito de poder;

4. Entender a relação entre o poder temporal e o poder espiritual;

5. Caracterizar o que os autores entendem por 'lei'.

73
Bibliografia sugerida

The Cambridge Cultural History


1992 ed. Boris Ford, Vol. II, Medieval Britain,
University Press.

The Oxford History of Britain


1992 ed. Kenneth O. Morgan, Vol. II, The Middle Ages, Oxford, Oxfo
University Press.

KERR, W.P.
1958 The Dark Ages, New York, Metor Books.

MYERS,A. R.
1981 England in the Late Middle Ages, Harmondsworth, Penguin.

STENTON, Doris May


1981 English Society in the Early Middle Ages: 1066-1307,
Harmondsworth, Penguin.

SOUTHERN, R. W.
1990 Western Society and the Church in the MiddleAges, Harmondsworth,
Penguin.

THOMAS, Keith
1991 Religion and the Decline of Magic: Studies in Popular Beliefs in
Sixteenth- and Seventeenth-Century England, London, Penguin.

TREVELYAN, G. M.
1967 English Social History: A Survey ofSix Centuries, Chaucer to
Queen Victoria, Harmondsworth, Penguin.

74

Você também pode gostar