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22 Outubro 2021
"Se a temporada dos direitos não tivesse sido acompanhada por uma temporada de
deveres, o futuro de nosso país teria entrado em situação de grave perigo. O quanto essa
intuição antecipadora fosse verdadeira, está hoje sob nossos olhos", escreve Giannino
Piana, teólogo italiano, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e
ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, em artigo publicado
por Rocca, 15-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
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23/10/2021 16:46 Ética da responsabilidade. Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
A pandemia, que está (pelo menos se espera) em vias de ser resolvida, tornou transparente
a necessidade de recuperação dessa instância, que pode justamente ser qualificada como
uma virtude fundamental para o desenvolvimento ordenado e pacífico da convivência civil.
Tem sido repetidamente dito (e não erroneamente) que, especialmente na primeira fase de
propagação do vírus, os italianos deram prova (mais do que se poderia esperar) dessa
atitude, demonstrando, pelo menos na grande maioria, um sentido de disciplina e uma
conformidade com as disposições, ainda que onerosas, impostas pelo governo.
É verdade que para favorecer tal comportamento sem dúvida contribuiu o medo de
contrair a infecção com graves efeitos para si e para os outros, mas a esperança é que se
tenha consolidado a consciência da sua importância, ainda que numa situação muito
particular (e anômala), a percepção da necessidade de sua implementação nas diversas
esferas da vida social. A eficácia das intervenções estruturais que a política deve
assumir para levar a cabo as reformas, de que há muito tempo se fala, está de fato
estreitamente ligada (também) à cooperação da cidadania, tanto porque facilita a sua
iniciação – o consenso é uma condição essencial para governar - quanto porque permite a
busca dos objetivos que se pretende atingir.
A importância de uma temporada dos deveres
A temporada que se abriu desde o último pós-guerra é a dos direitos, especificamente dos
direitos sociais - e é esta a proposta mais importante da Constituição e do nascimento do
chamado "estado social" de matriz keynesiana -; depois, daqueles subjetivos, que
gradualmente assumiram a primazia. As pressões sociais que marcaram a consciência
coletiva até a década de 1970 - do papel assumido pelo sindicato às reivindicações dos
trabalhadores - tornaram-se a bandeira de uma luta, que justamente levou à afirmação de
direitos sacrossantos, que o Estatuto dos Trabalhadores estabeleceu com precisão,
marcando uma virada decisiva no caminho para a salvaguarda e promoção da dignidade
humana.
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A crise política que se seguiu imediatamente àqueles anos, acentuada pelo fenômeno do
terrorismo, determinou o fim do impulso social e o dobramento do indivíduo sobre si
mesmo, com o surgimento positivo de necessidades e desejos vinculados à esfera da
subjetividade, graças à contribuição de movimentos - principalmente o feminista - que
colaboraram para dar espaço a temáticas como o valor da diversidade e a busca pela
felicidade; mas também com a queda na autorreferencialidade que favoreceu formas de
privatização com graves repercussões negativas no desenvolvimento da vida coletiva.
Durante muito tempo, os deveres foram esquecidos ou postos de lado, embora não sejam
mais do que o outro lado dos direitos, indissoluvelmente ligados a eles: o que reivindico
como direito é, de fato, por sua vez, um dever para mim para com os outros.
Essa estreita interdependência não foi sentida e muito menos praticada, a ponto de
esmaecer até sumir nas consciências. A reivindicação dos direitos, tal como tem aconteceu
tanto no plano social como no individual, desenvolveu-se unilateralmente
independentemente da assunção dos correspondentes deveres, alimentando uma
mentalidade feita exclusivamente de pretensões em relação às instituições públicas, sem
nunca questionar o que deveria ser oferecido em troca.
As causas dessa situação
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forma cada vez mais centralizada e burocratizada pelo poder político - as poucas (e fracas)
intervenções para ampliar a participação logo encalharam, tanto pela escassa share
descentralização do poder real quanto pela pesada interferência política -; ao passo que
abriu caminho, em nível de massa, a convicção de que se trata apenas de poder acessar
serviços que são um direito de todo cidadão, independentemente de sua condição
econômica e social, e que, portanto, é dever do Estado garanti-los.
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A consciência pessoal, a que se refere o chamamento de Draghi, hoje corre o risco de ser
interpretada num sentido rigidamente individualista, portanto privatista, excluindo-se,
portanto, qualquer motivação de ordem social, ou de ser esvaziada de todo enraizamento
interior, graças à leitura de que as ciências humanas fazem dela: desde as psicológicas e
sociais às de cunho mais estritamente cultural e, em tempos mais recentes, às
neurociências. Oscila-se, assim, entre uma forma de subjetivismo, que não tem
interesse na ordem dos valores e pela atenção aos outros, e uma forma (igualmente
perigosa) de objetivismo que, ao negar a liberdade individual, acaba por destituir de
fundamentos toda responsabilidade.
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Os caminhos a percorrer para sair da crise
Muitos e de natureza diversa, são os passos que devem ser dados para sair da deriva atual.
Alguns dizem respeito, em geral, aos modelos culturais dominantes; outros estão mais
estreitamente ligados à natureza específica do "caso italiano". Do primeiro lado - dos
modelos culturais dominantes - é fundamental a redefinição dos conteúdos de termos
como consciência, liberdade e responsabilidade.
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Na base dessa visão está uma antropologia relacional, baseada em uma concepção do
homem como pessoa (e não como indivíduo), portanto como sujeito de e em relação,
cuja autocompreensão e autorrealização não podem ocorrer senão em relação com o outro
(os outros). A alteridade não é, portanto, uma realidade externa e totalmente acidental; é
algo que pertence ao sujeito como elemento constitutivo de sua identidade. Isso implica
que não se pode (e não se deve) considerar o outro como estranho, muito menos
como inimigo, mas como um interlocutor cotidiano com o qual colaborar para dar vida a
uma séria convivência civil.
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A participação ativa na vida pública, que é dever moral de cada um, comporta o "sentir-
se parte" (a que se alude quando se fala em pertença) e "tomar parte", isto é, oferecer a
própria contribuição para o crescimento comum. A possibilidade de isso acontecer
depende estritamente da reconstituição de um ethos cultural compartilhado; em suma,
de uma plataforma de valores civis, que cimentem o tecido social, fornecendo o alimento
vital para as consciências; alimentos que é garantia de uma convergência em torno de
objetivos comuns. A cultura dos deveres e da responsabilidade é, em última análise, o
resultado de um processo complexo em que entra em jogo a construção de uma
mentalidade e de um costume, que só podem concretizar-se onde os valores da igualdade e
da dignidade pessoal (de cada pessoa), da justiça, da gratuidade e da solidariedade
tornam-se os critérios de referência das escolhas pessoais e sociais.
O quanto essa intuição antecipadora fosse verdadeira, está hoje sob nossos olhos!
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