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NOTA:
A International Encyclopedia of the Social Science (17 volumes) apresenta, no VI
volume, oito artigos sob o verbete History. Um deles é este, intitulado “O que é
Etnohistória” (p.440-448). A Enciclopédia foi editada em 1968, sob a coordenação de
David L. Sills, e teve uma reedição em1972 pela The Macmillan Company and Free
Press, de New York. Tradução: Prof. José Ribamar Bessa Freire (UERJ)1.
O QUE É ETNOHISTÓRIA?
Bernard S. Cohn.
INTRODUÇÃO
O termo Etnohistória foi empregado pela primeira vez, deforma ocasional, no início do
século XX, mas só na década de 40 começou a ser usado, de forma sistemática, por
alguns antropólogos culturais, arqueólogos e historiadores norte-americanos, para
denominar suas pesquisas e publicações sobre a história dos povos indígenas no Novo
Mundo. Nos últimos anos, Etnohistória passou a significar o estudo histórico de Significado
qualquer povo não-europeu. Estes estudos tentam reconstruir a história das sociedades de
pré-letradas, antes e depois do contato com o europeu, utilizando fontes escritas, orais e Etnohistória
arqueológicas, além dos conceitos e critérios da antropologia cultural e social.
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FREIRE, José Ribamar Bessa. O que é Etnohistória? Cadernos de Etnohistória. Rio de Janeiro, UERJ,
n. 1, 1998. [Tradução de COHN, Bernard S. “What is Ethnohistory?”. In: SILLS, David (ed.).
International Encyclopedia of the Social Science. New York: The Macmillan Company and Free Press,
1968, pp. 440-448].
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Muitos são os aspectos que permitem diferenciar a Etnohistória da História Colonial Aspectos
convencional. O etnohistoriador, como regra geral, tem experiência de campo e contato para
direto com a área. Esta experiência aumenta o seu conhecimento sobre as sociedades diferenciar
indígenas e sobre como elas realmente funcionam ou funcionaram. Em consequência, a
sua interpretação dos testemunhos dos documentos é aprofundada. Ele tende a pensar Etnohistória
da
muito mais em termos sistêmicos e funcionais do que apenas em termos do acaso e dos
História
detalhes. Procura usar o seu conhecimento mais amplo da organização social e cultural e Colonial.
constrói suas unidades a partir de conceitos tais como
“sociedades segmentadas em clãs”, “sociedades camponesas” e “sociedades
patrimoniais”. Sua percepção do fato histórico, até mesmo quando utiliza os
documentos produzidos pela administração colonial, é sempre na perspectiva dos
índios, muito mais do que na do administrador europeu. Está mais interessado no
impacto da prática e da política colonial do que na gênese dessas políticas na sociedade
metropolitana.
HISTÓRICO DO ENFOQUE
Uma das principais fontes da Antropologia era a preocupação com a história do homem
Preocupação
em geral, o estudo comparativo de sociedades e instituições e a reconstrução histórica
com a
de sociedades concretas. Voltaire,Gustav Klemm, Sir Henry Maine, J.F. McLennan, J.J. história do
Bachofen, N.D. Fustel de Coulanges, L.H. Morgan e E. Tylor aproximaram-se homem em
gradualmente dos registros históricos, procurando estabelecer uma ciência geral.
comparativa da sociedade e da cultura. Esses primeiros antropólogos usaram
informações sobre as civilizações clássicas, a Índia, os
povos bárbaros europeus, as instituições da Europa medieval, além dos relatos
dos missionários e viajantes sobre as sociedades primitivas. Em suas reconstruções
generalizantes e teóricas da história do homem, eles descobriram e classificaram alguns
aspectos essenciais das sociedades primitivas e camponesas.
como únicos líderes visíveis - foram obrigados a desempenhar funções políticas mais
amplas na sociedade. Evans-Pritchard usou relatórios e registros coloniais acessíveis,
narrativas publicadas, tradições orais e as lembranças de participantes nos
acontecimentos que compuseram a narrativa histórica. Toda a base do“The
Sanusi of Cyrenaica” reside na compreensão do seu autor sobre como funciona um
sistema político acéfalo em uma sociedade segmentada em clãs. E é esta compreensão
que lhe dá não só os princípios estruturais com os quais ele organizou sua narrativa
histórica, como também lhe proporciona um modelo para o estudo do processo de
mudanças estruturais internas de toda e qualquer sociedade que se encontrar sobre o
impacto do controle externo.
Nos Estados Unidos, no período entre 1910 a 1930, alguns poucos antropólogos usaram
métodos históricos diretos para reconstruir os passados tribais, como é o caso de John
R. Swanton, em sua pesquisa sobre alguns povos indígenas do sudoeste americano
(1922:1946) e o de Frank G. Speck, em sua história sobre as tribos do nordeste dos
Estados Unidos (1928). Para esta tarefa, eles contaram com o seu próprio trabalho de
campo entre os remanescentes das tribos das respectivas regiões e fizeram uso intensivo
de uma dupla série de documentos históricos.
Nas pesquisas europeias, firmou-se uma longa tradição de estudos do medievo clássico
e do começo da sociedade moderna,
orientados por métodos e conceitos sociológicos e antropológicos. A maioria desses
trabalhos foi produzida muito mais por especialistas em História Social, Econômica e
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Um trabalho importante e cuidadoso começa a ser feito, em áreas sem longa tradição
escrita. O JOURNAL OF AFRICAN HISTORY, criado em 1960, mostra a utilização de
crônicas oficiais, tradições africanas arquivadas e documentos em idiomas árabe e
copta. A história institucional do povo Maori, no século XVIII, começa a ser escrita
(VAYDA:1961;BIGGS:1960). O JOURNAL OF PACIFIC HISTORY foi recentemente
criado para dar vazão à pesquisa etnohistórica cada vez maior na região do oceano
Pacífico.
FONTES E MÉTODOS
DOCUMENTOS ESCRITOS
O etnohistoriador, no uso que faz dos documentos escritos, enfrenta inicialmente o
mesmo problema e aplica as mesmas técnicas que os historiadores convencionais. Se ele
recebeu uma formação de antropólogo e já realizou uma pesquisa de campo, muitas
vezes fica profundamente frustrado, quando tem de sujeitar-se aos documentos. Em
geral, os problemas formulados pela pesquisa etnohistórica dizem respeito à história
local ou são problemas “sub-históricos”. O etnohistoriador não está interessado nos
acontecimentos principais, bem documentados, com os quais se preocupa o especialista
em história política; com muita frequência, o que ele quer conhecer são as
particularidades do passado, tais como os laços de parentesco de vultos históricos
obscuros em uma sociedade indígena, o movimento e a situação de linhagens
particulares em épocas determinadas, os significados simbólicos de uma cerimônia de
coroação em um reino africano, a população de um grupo indígena americano no século
XVIII.
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Existe, para quase todas as regiões, grandes coleções de fontes primárias já publicadas,
tais como a série de 73 volumes do Thwaite (Cartas Jesuíticas das Missões 1896-1901)
para a América do Norte; as coleções de Theal (1883) e Brásio (1952-1960) para o
sudoeste africano; os documentos parlamentares da Grã-Bretanha para Índia e África.
As principais fontes, no entanto, são para ser encontradas nos arquivos nacional e
regional, na administração local e nos cartórios de registro da área que está sendo
estudada.
O desenvolvimento político e social pode ser observado através dos olhos de alguns
indígenas, em regiões onde os documentos foram elaborados pelos próprios membros
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TRADIÇÃO ORAL
Nos últimos anos, particularmente no estudo da História das sociedades africanas, o
etnohistoriador e o antropólogo preocupado com a história demonstraram
convincentemente como a tradição oral pode ser registrada, confrontada, verificada e
usada para fins históricos (ABRAHAM:1961; VANSINA: 1961; M.G.SMITH: 1961).
As tradições orais cobrem uma ampla variedade de temas e de assuntos e podem ser
encontradas sob múltiplas formas. Sociedades com instituições políticas centralizadas e
Estados conquistados produziram, muitas vezes, histórias orais bem desenvolvidas,
mantendo especialistas, cuja preocupação é memorizar e transmitir estas tradições. No
uso desta forma de tradição oral, obviamente todo cuidado é necessário, na medida em
que a história reflete tanto a estrutura sócio-política do presente, quanto à do passado, e
está constantemente se transformando para poder dar conta de situações em mudança
(BARNES:1951; CUNNISON: 1951).
Como Vansina (1961) demonstra, a narrativa histórica não é o único aspecto da tradição
oral que pode ser registrado, confrontado e utilizado; fórmulas sagradas, nomes,
poesias, genealogias, contos folclóricos, mitos e exemplos legais são úteis ao
etnohistoriador. Na interpretação da tradição oral, a ênfase deve ser primeiro colocada
no contexto cultural no qual se encontra a tradição. Vansina define a tradição oral como
“testemunhos do passado que são transmitidos deliberadamente de boca em boca”. Tal
como ele faz no caso de documentos escritos,
o pesquisador deve sempre perguntar que função a tradição desempenha na sociedade
atual. Mesmo o testemunho que é comprovadamente falso pode ser de grande valor, na
medida em que ele pode, ocasionalmente, conter fatos históricos.
Quando pessoas de fora passam um longo tempo registrando narrativas orais indígenas
(como por exemplo, entre o povo Maori), a relação entre a tradição oral e a estrutura
política contemporânea pode ser usada para compreender não apenas o passado narrado,
mas a própria situação política atual, existente no momento do registro.
TRABALHO DE CAMPO
O trabalho de campo é essencial para o ofício do etnohistoriador, é o que o diferencia do
historiador convencional. A orientação antropológica básica é desenvolvida através da
experiência, da observação sistemática e da coleta de dados realizadas com povos que
estão vivos, com o objetivo de descrever e analisar o funcionamento de seu sistema
social.
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ETNOHISTÓRIA E ANTROPOLOGIA
HISTORIADORES E ANTROPÓLOGOS
H. Stuart Hughes (1960: 25-26) destacou pelo menos quatro níveis em que se dá essa
generalização. Primeiro: os historiadores abstraem, generalizam e comparam
implicitamente, usando palavras como “nação”, “revolução”, “desenvolvimento”,
“tendência” e “classe social”, ou seja, generalizam semanticamente.
Segundo:“conclusões” na forma de declarações ordenadas sobre um homem, um
período ou um movimento são generalizações.Terceiro: esquematizações inerentes em
ideias tais como “urbanização” e “industrialização”, pelas quais fragmentos e partes do
estudo histórico são organizados em termos de processo ou estrutura, são generalizações
e estão próximas daquelas elaboradas pelos cientistas
sociais. Finalmente, existem sistematizações amplas e inclusivas da história ou
metahistória, associadas com o trabalho de homens como Spengler e Toynbee. É nesse
quarto nível, ou seja, no uso consciente de conceitos referentes a processo e estrutura na
sociedade e cultura, que o cientista social e o historiador podem melhor dialogar e inter-
relacionar suas pesquisas.
Nos últimos trinta anos, tem havido muitos esforços para utilizar a abordagem dos
antropólogos no estudo da História. A antropologia que tem se mostrado mais próxima
dos historiadores é a Antropologia Cultural. O conceito de cultura, como uma ideia
abrangente que cobre comportamentos e valores de um determinado povo, num
tempo bem delimitado, adapta-se bem às preferências dos historiadores. Hughes coloca
isso muito bem quando afirma: “... a abordagem da Antropologia Cultural se aproxima
tanto daquela do historiador, que frequentemente parece idêntica a
ela”(HUGHES,1960:34).
Como o pesquisador em História, o estudioso das culturas exóticas adota uma atitude
altamente tolerante em relação a seus dados, ficando absolutamente satisfeito no
domínio da imprecisão e
dos procedimentos intuitivos, tentando agarrar aquilo que considera como sendo os
problemas centrais da sociedade com as quais ele se ocupa. (Ver WARE:1940;
GUTSCHALK:1963 e Social Science ResearchCouncil:1954).
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