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Carneiro - 2014 - Educacao Patrimonial Arqueologia
Carneiro - 2014 - Educacao Patrimonial Arqueologia
Patrimonial e Arqueolog
alguns aspectos de
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ção Educação
gia: Patrimonial e Arqueologia:
alguns aspectos desta
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CARL A GIBERTONI CARNEIR O
Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil
Carneiro, C. G.
por ousarmos pensar que não é um junto a alguns grupos sociais específi-
produto de “Deus”. cos.
De toda forma, neste cenário revela- Desde 2005, uma equipe2 começou a
-se um elo importante de ligação entre formar-se para atuar especificamente
comunidades e patrimônio arqueoló- com as ações de educação patrimonial
gico. É um caminho para envolver as vinculados aos projetos de pesquisa
comunidades nas discussões que bus- arqueológica (acadêmica e preventiva),
cam compreender a história da ocupa- coordenados pelo arqueólogo Eduar-
ção humana regional e que possibilita do Góes Neves3 na Amazônia Central.
o reconhecimento dos conhecimentos A constituição de uma equipe possi-
desenvolvidos por estas populações bilitou, além da busca por aperfeiço-
pretéritas no manejo e transformação amento em uma formação específica
da paisagem local, muitos destes con- para atuar e pesquisar sobre questões
tinuados /renovados /transformados inerentes ao patrimônio arqueológico,
pelas populações contemporâneas. caminhos de atuação em uma perspec-
Pensar, então, em um modelo único de tiva de médio e longo prazo e na busca
educação patrimonial para a Amazônia por articulação entre distintos projetos.
é um desafio inviável. Não há, no meu Assim, o trabalho iniciado em 2005, a
ponto de vista, problemas comuns re- partir da implementação do Programa
velados pela convivência direta das po- de Educação Patrimonial vinculado ao
pulações locais com o patrimônio ar- Projeto de Levantamento Arqueológi-
queológico, nem tampouco receita de co do Gasoduto Coari -Manaus (AM)4,
como lidar com contextos culturais tão provocou um movimento de aproxi-
diversos. O que pretendemos, então, é mação sistemático entre a equipe de
apontar alguns questionamentos que arqueologia e diferentes contextos so-
vem surgindo a partir da experiência ciais na região da Amazônia Central.
Figura 3 – Aspectos de atividades com alunos durante etapa de pesquisa do Projeto Ama-
zônia Central (2007/2008).
A partir do contato com algumas co- sem “interferência” física nas peças;
munidades do Amazonas, diferentes o comércio ilegal de peças arqueoló-
contextos relativos à relação dos mo- gicas em diferentes escalas; a apro-
radores com os vestígios arqueológi- priação e ressignificações dos vestí-
cos vêm sendo identificados como: o gios arqueológicos atribuindo a eles
colecionamento espontâneo de peças diferentes usos e caracterizações; e,
arqueológicas pelas populações lo- por fim, aparente recusa ou descaso
cais sem intencionalidade de venda e diante dos vestígios.
cia como força motriz para provocar científicas, realizadas na região Amazô-
mudanças. nica desde há várias décadas.
A partir do nosso envolvimento nos Lembraremo-nos que já foram muitas
trabalhos de educação patrimonial, promessas e poucos retornos quanto
percebemos a necessidade da reali- a uma melhoria na qualidade de vida
zação de diagnósticos aprofundados, dessas pessoas. Embora em contextos
como já apontado, com o objetivo e escalas diferenciados, essa relação de
principal de entender as diferentes desconfiança foi construída entre pes-
relações estabelecidas entre as pesso- quisadores e comunidades, por isso,
as e o patrimônio arqueológico com torna-se importante entender essa situ-
vistas a propor ações que possam ir ação conflituosa a partir de uma pers-
além da indução e/ou doutrinação, pectiva histórica.
sob o argumento que estamos pro- Parcerias, continuidade em longo pra-
movendo a valorização da identidade zo das pesquisas, abertura para reco-
cultural dos grupos sociais com os nhecer interesses distintos, mas igual-
quais trabalhamos. Não é possível, mente legítimos, são elementos que
nem desejável, impor como deve ser certamente nos conduzirão a um mo-
essa relação. vimento de interação social de fato e
Consideramos que a educação patri- não a um discurso mascarado de valo-
monial, no âmbito da arqueologia, ain- rização da diversidade cultural.
da é vista de uma maneira muito restri-
ta, muitas vezes como divulgação dos
resultados produzidos pelos arqueólo- CONSIDERAÇÕES FINAIS
gos e até mesmo como estratégia para Com base nas reflexões propostas nes-
“acalmar os ânimos” – a expectativa te artigo, buscamos evidenciar as espe-
em alguns casos é a de que possamos cificidades das discussões e objetivos
“controlar” a comunidade para que os nos contextos das diferentes áreas e
arqueólogos possam trabalhar e o pa- subáreas interessadas em entender as
trimônio não ser destruído. Todavia, interfaces da sociedade com suas refe-
nosso objetivo vai além, embora in- rências patrimoniais, aqui em especial
felizmente, e por razões variadas, em as arqueológicas.
muitos casos essas ações venham ten-
A educação patrimonial tem como
do um resultado limitado.
perspectiva desenvolver-se a partir de
Gostaríamos também de reforçar, a seu viés específico, que é uma vocação
partir deste episódio, que a desconfian- clara de ensino. Ressaltamos que ela
ça sobre os trabalhos de arqueologia e não restritiva ao saber formal, escola-
o eterno retorno do mito da caça ao te- rizado, alinhado obviamente aos pres-
souro não são ideias tão irreais, se pen- supostos teóricos revelados na articu-
sarmos nas excursões exploratórias de lação das diferentes esferas do saber
séculos atrás e nas ações extrativistas, envolvidas nesse cenário, conforme
muitas delas travestidas de pesquisas tentamos brevemente aqui apresentar.
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